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Resumo
Abstract
Introdução
Daniel Meirinho (FCSH/UNL, LiSboa) . Exclusão Digital e Fotografia: apropriações e utilizações (...) 271
Este artigo é constituído por um enquadramento teórico,
no sentido de identificar qual o ponto de situação referente às
pesquisas nas áreas da fotografia e inclusão digital realizadas
no mundo. Uma reflexão teórica fundamentada serve como
base estrutural para a análise empírica. As orientações meto-
dológicas são os pontos norteadores para traduzir as motiva-
ções que levaram ao propósito deste trabalho.
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Barbara Scifo (2005) prefere observar este fenômeno de mu-
dança através de um olhar sociológico. Para a autora, o ato de
fotografar transformou-se com o telefone em algo lúdico e não
banal. Uma essência quase mágica, onde acontece um jogo de
capturar imagens e partilhar com amigos.
Estudos feitos no Japão, Finlândia, França e Itália (KOSKI-
NEN, 2004; KATO, OKABE et al., 2005; RIVIÈRE, 2005; ROU-
CHY, 2005; SCIFO, 2005; GOGGIN, 2006) mostram que a maior
parte dos utilizadores de câmaras fotográficas pelos celulares não
fazem, ou não se preocupam em fazer, um backup do material
visual produzido. Os utilizadores enviam as fotografias a amigos
ou usam-nas como fundo de tela do aparelho, sem a preocupa-
ção de guardar estas imagens como memória. Neste caso, a di-
fusão imagética é feita de forma diferenciada daquela usual de
arquivar as imagens em álbuns.
Tomamos como exemplo um dos diversos estudos publica-
dos sobre a utilização e função da imagem fotográfica gerada por
celulares. Uma pesquisa feita em 2003, no Japão, com jovens e
adolescentes aponta que as fotografias digitais captadas pelos
celulares faziam parte de um processo de socialização e eram
compartilhadas, apenas, com as pessoas mais íntimas do círculo
de amizades. Okabe (2004) diferencia estas das obtidas por uma
câmera fotográfica tradicional. Através do estudo, o investigador
observa que as imagens num telemóvel são de curta duração e
mais efémeras. Podem ser tiradas para compartilhar um momen-
to com alguém e depois serem apagadas. Situação contrária é re-
gistrada com fotografias feitas com uma câmera fotográfica, por
exemplo, de turista ou profissional, onde as imagens são feitas
com a finalidade de serem arquivadas. “Os telefones com câmera
alteram a definição de que a fotografia é especial e duradoura,
para transitórias e ordinárias” (VAN HOUSE et al., 2005, p. 1854).
Scifo (2005), no seu estudo, apresenta uma visão distinta. Para a
investigadora italiana, as fotografias geradas por telefone não apre-
sentam o caráter de curta duração, mas continuam a ter a função de
registro. O dispositivo telefônico até potencializa o acesso ao arqui-
vo. “A câmera do telefone também funciona bem como um arquivo
fotográfico de memórias, um arquivo dentro dos celulares de fácil
alcance. Algo para olhar repetidamente” (SCIFO, 2005, p.365).
Apesar de a investigação de Okabe ter sido desenvolvida há oito
anos – muito tempo quando falamos de inovações e domesticação
tecnológica – e no Japão, que apresenta um contexto social, econô-
mico e cultural bastante diferenciado, não sendo possível uma com-
paração direta com a pesquisa proposta neste artigo, é importante
perceber que os indivíduos estão a utilizar a convergência digital dos
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ideológico para uma representação “perfeita” do real
que o homem moderno perseguia desde a Antiguidade.
Esta imagem transforma-se num elemento referencial
da ação, caracterizando uma lembrança provocada pelo
olhar que vê e uma síntese da memória pessoal de cada
indivíduo. A partir dessa lembrança, são construídas re-
des de significados precisos que singularizam a rememo-
ração pelo ato emocionado. Esta provoca no observador,
a partir da cumplicidade estabelecida entre ele e a ima-
gem, a sensação de que aquele momento já não existe,
mas que é permanente na realidade da fotografia.
Segundo Pollak (1992), a memória é constituída por
acontecimentos, por pessoas/personagens e por lugares.
“Existem lugares da memória, lugares particularmente
ligados a uma lembrança, que pode ser uma lembrança
pessoal, mas também pode não ter apoio no tempo cro-
nológico” (POLLAK, 1992, p. 2).
Dubois (1984) afirma ainda que “a memória é feita de
fotografias” (DUBOIS, 1984, p. 314-317), sendo a imagem
fotográfica, portanto, uma das formas modernas que
melhor encarna o prolongamento das artes da memória.
Dubois salienta também que a memória pode ser enten-
dida como uma máquina, feita de câmera (os lugares) e
de revelações (as imagens).
O fato é que a fotografia historicamente foi – e continua
a ser – um fenômeno que revolucionou a memória, a so-
ciedade da época e o pensamento moderno. A concepção e
visão de mundo alteraram-se a partir do seu advento com a
sua chamada visão imparcial, precisa, metódica, inequívo-
ca, que muito contribuiu nos campos da evolução tecnoló-
gica, informativa, dedutiva, historiadora do campo social.
Este é o grande valor pertencente à fotografia. Com ra-
zão, Le Goff (2003) afirma que esta “revolucionou a me-
mória” pois, de imediato, a fotografia pode ativar a memó-
ria, falar sobre um passado, permitir revivê-lo no presente,
mesmo não sendo pertencente ao indivíduo que a observa,
mesmo não sendo até a rememoração de seu passado.
Fundamentos metodológicos
para a análise dos dados
Com a finalidade de tentar esclarecer algumas questões que ron-
dam a fotografia e com base na teoria propostas relativamente
à sua função social e a relação criada com os seus utilizadores,
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de celular possui, que características tem? Que tipo de utili-
zação lhe costuma dar? E em relação à sua família, quem foi
a primeira pessoa na família a ter um celular? (no caso de ser
imigrante) Usa o celular para contactar a sua família e amigos?
Que outros meios usa para contactar a sua família?
A partir deste contexto, e com estes dados disponíveis para
análise, foi feita uma observação analítica com a finalidade de
tentar entender as relações existentes entre os entrevistados e a
imagem fotográfica. Neste caso, chamaram-nos a atenção as res-
postas referentes a fotografias obtidas pelos celulares e de que
forma esse suporte visual é utilizado como objeto de memória.
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em dia, quem tem um bom telemóvel já não precisa de uma
câmara.” (Segurança, 47 anos).
Estudos nesta área, como os de Ling (2004), Castells
(2007) e Goggin (2006), comprovam que as funções fotográ-
ficas, audição de música e envio de mensagem (SMS e MMS)
estão na mesma proporção que a utilização básica do disposi-
tivo, a de fazer ligações.
Enquanto a câmera apenas capta instantes festivos, deter-
minados e pontuais, o celular captura imagens do cotidiano,
pois está sempre à mão. Esta análise reforça alguns estudos ci-
tados como os de Koskinen (2004), Kato, Okabe et al. (2005),
Rivière (2005), Rouchy (2005), Scifo (2005) e Goggin (2006),
que apontam para uma mudança na função social da fotogra-
fia. A partir das respostas apresentadas, é possível perceber as
diferenças entre as fotografias tiradas pelas câmaras fotográ-
ficas e as captadas pelas câmeras incorporadas aos telefones.
Esses usos e funções distintos são apontados no nosso enqua-
dramento teórico realizado.
“Uma coisa quando eu acho ‘bacana’ é quando eu estou
em algum lugar e me apetece de gravar aquela imagem e eu
lembro que eu tenho telemóvel e isso, para mim, é uma das
coisas que eu mais gosto da modernidade.” (Imigrante brasi-
leiro e Officie Boy, 35 anos)
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um registro. A pesquisadora brasileira, Maria Inez Turazzi
(1995), afirma que a fotografia é que credibiliza a veracidade e
autenticidade do acontecimento.
Uma entrevistada, que diz fazer raro uso do computador
e Internet, quando questionada sobre como são as festas fa-
miliares, lembra que logo quando se coloca em um momento
“especial”, todos já questionam a participação e presença da
máquina fotográfica para a geração do arquivo, que apresenta
a função futura de rememoração e até afirmação de que dada
ocasião existiu: “É pá, a fotografia, é pá a máquina, é pá, vai lá
buscar (…) É pá, passou o Ano Novo, nem tirámos uma foto-
grafia…”. (Portuguesa e Trabalhadora fabril, 41 anos).
Sobre a veracidade e autenticidade de um fato, Turazzi
(1995) afirma que a fotografia é que credibiliza o acontecimen-
to, quando relata que:
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No entanto, as respostas não apontam se o equipamento
de captação fotográfica ou de filmar que possuem é digital ou
analógico, dificultando uma análise mais específica sobre a
especificação do dispositivo.
Essa característica de individualidade do dispositivo tam-
bém pode ser associada pelas multifunções que os seus celu-
lares possuem e por não sentirem mais a necessidade de aqui-
sição de uma câmera fotográfica tradicional.
Considerações Finais
Com as transformações impostas pelos avanços tecnológicos,
é perceptível que a imagem passa a assumir um importante
papel na comunicação interpessoal. Observa-se que algumas
tendências e mudanças nas relações interpessoais se alteram
com o surgimento do digital na vida cotidiana das pessoas.
Tentamos desta forma responder a questão se “a fotografia
promove laços familiares e de integração sócial”. Com o de-
senvolvimento da análise deste trabalho constatamos que
a imagem favorece novas formas de sociabilidade, de laços
familiares e sociais já que “seria muito pouco convencional
arquivar fotografias de estranhos para um álbum de família”
(FROHLICH, 2004, p. 37-38).
Se existe uma relação entre a imagem fotográfica, as recorda-
ções e lembranças das pessoas, pode-se afirmar que a memória é
um referencial da condição humana e desde sempre o homem se
preocupa em deixar marcas da sua existência que um dia lhe da-
rão sentido. Assim, ao promover uma ligação entre um passado
que foi registrado e que se reflete na imagem fotográfica, produz-
-se um efeito de referenciação de momentos que fazem parte da
história de cada indivíduo, podendo despertar sentimentos. Seu
imaginário trabalha criando uma ilusão intemporal. É como se
as suas lembranças retornassem naquele momento e promoves-
sem uma satisfação pessoal através de instantes eternizados pela
imagem. Sejam esses momentos positivos ou negativos, sempre
serão representados na relação de proximidade que as fotografias
têm de trazê-los de volta.
A fotografia, desta forma, passa a ser um suporte perfeito,
pois carrega consigo o real retratado por ela e a credibilida-
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de e reafirmação de que aquele momento existiu. O digital só
facilita esse processo e o coloca à disposição de uma grande
parcela da sociedade.
A sociedade de consumo, regida pela generalização de
uma regra de produção de objetos de consumo, impulsiona a
novos hábitos e mudanças com a velocidade a que os avanços
afetam os indivíduos e os grupos. A acessibilidade e funcio-
nalidade que a telefonia móvel proporciona podem ser um
indício dessa economia crescente. Neste contexto, a fotografia
acompanha de perto as recentes inovações.
Sobre a questão referente aos novos dispositivos fotográfi-
cos digitais, entre eles o celular, sentimos que a imagem foto-
gráfica se insere em uma realidade que já faz parte do cotidia-
no de muitas sociedades. Podemos vivenciar uma nova forma
de abordagem de uma cultura visual, emergente.
Rob Shields (2007) alerta que as imagens, conseguidas
através dos celulares, devem ter um entendimento e enqua-
dramento estético e característico, específico do aparelho a
partir das suas funções de portabilidade, multifunções, hibri-
dismo, conexão, momento e socialização, pelo olhar rápido e
imediato. No entanto, não podemos descartar a relação que
a fotografia, obtida pelo telefone, possui com a captada pelas
câmeras, que passa pela essência e função que a imagem assu-
me. A relação existente entre a fotografia digital captada pelo
dispositivo telefónico e a memória é que ambas servem como
tecnologia útil para registro e testemunhas do nosso passado.
É ainda prematuro afirmar que a fotografia passa a assumir
um novo papel social com estas novas funções e dinâmicas refe-
rentes à tecnologia. No entanto, é evidente que esse processo está
em fase de gestação. O seu caráter de mobilidade, portabilidade,
popularização e hibridação tecnológica faz com que a imagem
atravesse um processo de transformação estrutural, não apenas
no seu formato estético, mas na sua função social.
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