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10ºano

Poesia Trovadoresca
As cantigas trovadorescas galego-portuguesas remontam à Idade Média num
momento marcado pelo nascimento das nacionalidades ibéricas e pela Reconquista
Cristã.

Cantigas de amigo

Na cantiga de amigo, o sujeito lírico é uma jovem donzela que exprime


sentimentos amorosos relativamente ao amigo ou namorado. Caracteriza-se pela
simplicidade, mas exprime uma diversidade de sentimentos e estados emocionais,
normalmente relacionados com cenários do campo, do rio e do mar. Os poemas estão
associados à partida do amigo, à ausência deste e à saudade. A jovem apaixonada toma
a amiga ou a mãe como confidente. Por vezes, também, se identifica com a Natureza,
tornando-a sua confidente. A relação com os elementos da Natureza comprova a origem
natural da cantiga e realça a autenticidade do sentimento expresso.
Temas:
➢ Variedade do sentimento amoroso:
• saudosa e expectante pela ausência do amado;
• triste e saudosa pela partida do amado;
• feliz a dançar com as amigas em romarias, para seduzir os moços ou porque são
correspondidas;
• desconfiada e triste, por temer uma traição;
• temerosa da Mãe, por lhe mentir sobre a sua relação com o amado.

➢ Confidência amorosa:
• diálogos com a Mãe, as irmãs, as amigas ou ainda a Natureza sobre os seus
sentimentos do momento relativamente ao amado presente ou ausente;
monólogos de verbalização do sentimento amoroso, feliz ou frustrado.

➢ Relação com a Natureza:


• a Natureza está sempre de acordo com o estado de espírito da jovem, tornando-
se até um prolongamento desse estado;
• como confidente, a Natureza surge frequentemente personificada;
• há uma intimidade espontânea entre o sujeito poético e a Natureza.
Ambientes (espaço, protagonistas e circunstâncias):

• a Natureza ao ar livre (campo, monte, fonte, rio, mar), lugares de romaria, a casa
(ambiente doméstico);
• a donzela, as amigas, as irmãs, a mãe, o «amigo» (amado ou pretendente);
• vivências quotidianas relacionadas com a experiência do amor - a iniciação ao
amor, encontro amoroso, ausência do amado.
Linguagem, estilo e estrutura:
As cantigas de amigo são constituídas por estrofes breves, nas quais predominam
repetições, genericamente designadas paralelismo. Nas cantigas de amigo, encontram-
se geralmente repetições:

• de versos inteiros, com função de refrão;


• de palavras ou expressões no início dos versos ou estrofes;
• a nível estrófico, com sequências de dísticos monórrimos, seguidos de um refrão,
e ligados dois a dois;
• a nível semântico, muito frequentemente com a utilização de sinónimos.
Quanto à forma:

• Cantigas de mestria – sem refrão;


• Cantigas de refrão – apresentam a repetição de um ou mais versos no final de
cada estrofe;
• Cantigas paralelísticas – são cantigas com refrão que consiste na apresentação
da mesma ideia em versos alternados, com pequenas variações verbais nos finais
desses mesmos versos (Leixa-prem).
Convém distinguir:

• Paralelismo perfeito ou puro – a repetição tem encadeamento (o 2º verso de


uma estrofe é o 1º verso da estrofe alternada sequente);
• Paralelismo imperfeito – a repetição está isolada.

Cantigas de amor
Nas cantigas de amor o tema central é o amor e o sujeito poético é um homem
que expressa os seus sentimentos por uma “senhor”, oriunda de um estatuto social
superior. Nestas cantigas cultiva-se o amor cortês em que a mulher amada é louvada,
hiperbolicamente, com linguagem formal e respeito. O poeta afirma que sofre por amor
(a “senhor” não lhe corresponde, está ausente) e, por isso, tem coita de amor.
Temas:
➢ Coita de amor: sofrimento amoroso (amor não correspondido), por motivos
vários - a «senhor» não lhe corresponde, está ausente;
➢ Amor cortês: o objeto/alvo das cantigas de amor é sempre a mulher da nobreza
ou da corte, cujo estatuto social lhe confere um certo endeusamento; para a
cantar, o trovador segue as regras da «mesura» ou do cortejar da dama, com
linguagem formal e respeito evidentes.
Ambientes: Nobres, palacianos ou cortesãos.
Linguagem e estilo:

• número variável de estrofes;


• número variável de rimas;
• por vezes têm refrão, mas nem sempre acontece;
• existe progressão de sentido;
• linguagem mais próxima da Provençal (sul de França).

Cantigas de escárnio e maldizer


As cantigas de escárnio e maldizer são composições satíricas que expressam uma
crítica a comportamentos e vícios da época.
Sujeito poético: Trovador ou jogral (membro do povo que vai à corte para divertir os
cortesãos); o ambiente de festa permite-Ihe usar da palavra para fazer as suas críticas.
Temas:
➢ Paródia do amor cortês:
• louvor à mulher amada (nobre, cortesã ou real), mas com ironia e sarcasmo,
exaltando as suas faltas, os seus defeitos e as suas características físicas ou de
personalidade, que o autor quer denunciar;
• crítica ao tópico muito frequente do fingimento da morte de amor.

➢ Crítica de costumes:
• toda a sociedade medieval é alvo de críticas: mulheres e homens do povo;
nobres, religiosos e religiosas; o próprio rei, assim como todos aqueles que o
trovador entender criticar sarcasticamente pela denúncia de escândalos e
perversidades.
Ambientes: ambientes sociais diversos, por onde circulam as personagens criticadas
pelo trovador.
Linguagem e estilo: críticas por meio de sátiras e sarcasmos; recurso a calão; trocadilhos
e seleção de vocábulos que surtem efeitos cómicos.

Fernão Lopes, Crónica de D.João I


A crise de 1383-1385 resultou numa nova dinastia, a dinastia de Avis. Ora, a
Crónica de D.João I, ao relatar de forma pormenorizada e intensa todos os eventos desta
crise, bem como os que os antecederam e sucederam, representa a legitimação dessa
nova dinastia. Por outro lado, Fernão Lopes revela a afirmação de uma consciência
coletiva (povo) e diferentes atores, quer individuais, quer coletivos.
Afirmação da consciência coletiva:
Podemos afirmar que, nos textos de Fernão Lopes, o verdadeiro herói não é um
herói individual, mas antes um herói coletivo, o povo.
Foi, aliás, do povo que veio a legitimação da nova dinastia. O povo,
representando todos os que manifestavam um profundo amor à sua terra e que
queriam, portanto, preservar a independência de Portugal, foi a força motriz da
revolução. Nesse sentido, a Crónica de D.João I constitui uma afirmação da consciência
coletiva. Fernão Lopes mostra-nos com imenso realismo, vivacidade, pormenor
descritivo e emotividade o povo que se revolta, que irrompe pelas ruas de Lisboa à
procura do Mestre, que defende a cidade contra os castelhanos, que passa fome e
privações por causa do cerco.
A afirmação da consciência coletiva é, sem dúvida alguma, uma inovação e uma
prova de originalidade e da modernidade de Fernão Lopes.
Atores individuais e coletivos:
O facto de o povo ser o protagonista por excelência das crónicas de Fernão Lopes,
e em particular da Crónica de D. João I, não invalida, porém, a existência de atores
individuais. Na verdade, na crónica em questão, podemos identificar alguns e com
papéis relevantes, como é o caso de:

• Mestre de Avis – um homem que se mostra receoso, no seguimento do


assassinato do conde Andeiro; um homem acarinhado e apoiado pelo povo de
Lisboa;
• Álvaro Pais – o burguês que espalha pelas ruas de Lisboa que estão a matar o
Mestre, influenciando o povo a correr em seu auxílio;
• D. Leonor Teles – a mulher que gera ódios na população e que é apelidada de
“aleivosa”.
Todas estas figuras são apresentadas pelo cronista na sua densidade psicológica,
nos dramas, nas angústias e nos anseios e, por isso, ainda que muito diferentes,
aproximam-se pelo seu lado humano. Mesmo quando o cronista foca a sua atenção
nestes atores individuais, fá-lo, porém, apenas no sentido de os integrar num todo, na
sociedade à qual pertencem. Daí a consciência coletiva ser tão marcante na sua obra.

Gil Vicente, Farsa de Inês Pereira


▪ Farsa: género muito conhecido e apreciado pelo povo porque, sendo cómico,
satiriza aspetos da vida pessoal quotidiana das várias classes sociais; este tipo de
texto dramático possui um número reduzido de personagens.
Natureza e estrutura:

• O género farsa e a especificidade da Farsa de Inês Pereira: seguindo os preceitos


deste género, esta farsa retrata a vida quotidiana de uma jovem moça, em idade
de casar, que é arrogante e pretende um marido culto e nobre. Depois de
defraudada nas suas expectativas para com o Escudeiro, seu primeiro marido,
fica viúva, voltando a casar, desta vez, com Pero Marques. Deste quotidiano
fazem igualmente parte a Mãe, a amiga alcoviteira Lianor e os criados de casa.
• As características do texto dramático, visíveis nesta farsa: não existem divisões
cénicas explícitas, embora seja possível detetar três momentos principais da
ação: Inês solteira, Inês casada, Inês viúva e novamente casada; existe um
número variável de cenas, as quais mudam sempre que entram ou saem
personagens.
• O discurso: inclui diálogo e monólogo (sobretudo, o de Inês), texto principal, que
integra as falas das personagens e várias didascálias (que dão informações sobre
as personagens e seus movimentos, bem como sobre o espaço).
Caracterização das personagens:

• Inês Pereira: jovem casadoira, culta (sabe ler e escrever), filha de uma mulher de
baixa condição social, arrogante, presunçosa;
• Mãe de Inês Pereira: experiente, boa conselheira;
• Lianor Vaz: amiga da família; alcoviteira;
• Pero Marques: homem rico e de idade, ingénuo;
• Latão e Vidal: judeus casamenteiros, interesseiros e oportunistas;
• Escudeiro Brás da Mata: fidalgo pobre, vive das aparências, ambicioso e
maldoso;
• Moço de Escudeiro: servo miserável, que ficará à sua sorte depois da morte de
seu senhor;
• Ermitão: castelhano enamorado de Inês, com ela vai ter relações adúltera.
Relação entre as personagens:

• Inês - Mãe: apesar de obedecer à Mãe, Inês protesta e reclama da sua condição
de solteira inútil; não segue os seus conselhos e recusa casar com Pero Marques,
numa fase inicial. A Mãe assume sempre uma atitude crítica, mas paciente, com
ela.
• Inês - Escudeiro: movida pelo desejo cego de se casar com um membro da
nobreza, Inês aceita o Escudeiro como marido, o que lhe vai ser nefasto, devido
à sua tirania e falta de escrúpulos. Esta escolha errada vai ser solucionada com a
morte de Brás da Mata.
• Inês - Pero Marques: recusado no início por ser inculto e brejeiro, Inês vai aceitar
Pero como seu marido e, a partir daí, vai conseguir ser feliz, enganando-o e
pondo-o ao serviço dos seus prazeres. Ignorante, o bom Pero Marques vai
concretizar todos os seus desejos.
Resumo:
• Inês canta e reclama por estar a bordar, tarefa que a Mãe a incumbiu de fazer em
casa, e mostra o seu descontentamento pelo facto de ser solteira e estar fechada em
casa.
• Regresso da Mãe, que bem sabe do queixume da filha, mas a acusa de ser preguiçosa.
• Lianor diz ao que vem nesta sua visita: trazer um pretendente a Inês. Pero Marques,
uma vez que está na hora de ela casar.
• Inês mostra-se muito arrogante e exigente, dizendo «não hei de casar /senam com
homem avisado» {...). «Primeiro eu hei de saber/se ê parvo se é sabido.»
• Sob a forma de carta, Pero Marques anuncia as suas intenções de casar com ela, antes
que outro o faça.
• Inês aceita conhecê-lo e ele vem a sua casa.
• Pero descreve a sua condição favorável ao casamento: é herdeiro morgado, tendo, por
isso, casa, terrenos e gado.
• A Mãe e Lianor consideram-no um futuro bom marido.
• Inês recusa oficialmente o pedido de casamento «Homem, nam aporfieis / que nam
quero nem me praz.»
• Regressa a Mãe e Inês repete: «Mãe, eu me não casarei /senão com homem discreto
(...). E saiba tanger viola». Inês informa que, no dia anterior, falou com uns Judeus
casamenteiros que lhe farão uma visita.
• Chegam os dois Judeus Latão eVidal com uma proposta de pretendente: um escudeiro.
• Entra o Escudeiro com o seu Moço, Fernando. Apresenta-se como homem rico e futuro
bom marido, embora seja um fidalgo pobre e sem escrúpulos.
• A Mãe, desconfiada, aconselha Inês a não casar com o Escudeiro.
• Casamento de Inês com o Escudeiro Brás da Mota e festa de casamento.
• Depois de casados e sozinhos, o Escudeiro revela toda a sua maldade e tirania.
• Escudeiro vai para a guerra e recomenda ao Moço que coma os frutos da terra
roubados nos campos e que mantenha Inês fechada em casa.
• Inês, apercebendo-se de que a sua ambição desmedida se convertera em erro, assume
corrigi-lo se tiver oportunidade.
• Morte do Escudeiro quando fugia da batalha.
• Fingindo-se esposa triste com a morte de seu marido, Inês é visitada por Lianor, que a
aconselha a casar com Pero Marques.
• Regressa Pero Marques, a quem Lianor diz: «Não mais cerimónias agora: / abraçai Inês
Pereira / por mulher e por parceira.».
• Depois do casamento, Inês pede a Pero para sair, ao que este responde, bonacheirão
e transparente, que pode sair quando quiser com quem quiser.
• Nesse momento, passa um Ermitão a pedir esmola em castelhano, que Inês reconhece,
pois cortejou-a anos antes e apaixonou-se por ela. Marcam encontro na ermida onde
ele vivia.
• Inês pede, cheia de compaixão, a Pero que vá com ela visitar o pobre Ermitão, tão
sozinho e cheio de privações.
• Durante o caminho, em que Pero já leva Inês às costas, já atravessou um ribeiro, Inês
vê umas «talhas» e pede que Pero as carregue, uma de cada lado, enquanto ela canta e
ele só tem de responder «assi se fazem as cousas»: «Marido cuco me levades/ e mais
duas lousas» e segue-se a resposta de Pero: «Pois assi se fazem as cousas». Inês vai às
costas de um marido feliz para ir ter com o seu amante Ermitão: cumpriu-se o ditado
popular que a Mãe, um dia, lhe dissera «Mata o cavalo de sela / e bom é o asno que me
leva», que em português corrente se traduz em «Mais vale asno que me carregue que
cavalo que me derrube.»
A representação do quotidiano:
Uma das características da farsa, enquanto género, é representar flagrantes da
vida quotidiana. Daí que na Farsa de Inês Pereira seja possível identificar vários episódios
que espelham os hábitos, os costumes, as crenças, os modos de vida das pessoas
daquela época, em especial aqueles que diziam respeito:

• ao casamento – o texto vicentino dá-nos a conhecer as conceções antagónicas


de Inês Pereira, da Mãe e de Lianor Vaz em relação a este assunto;
• ao estatuto da mulher, sobretudo da mulher solteira – os casamentos eram,
regra geral, combinados, funcionando como um negócio entre duas partes, sem
que a jovem solteira tivesse qualquer participação.
• à vida doméstica – acompanhamos a protagonista nos seus afazeres domésticos,
assumindo a postura típica da mulher do povo que trata da casa;
• à vida palaciana – apesar da vida de aparências que existia na corte e que está
bem espelhada no comportamento do Escudeiro, muitos eram os que
ambicionavam fazer parte desse mundo, como Inês;
• à vida do campo, simples, autêntica, mas pouco considerada – Pêro Marques
representa esse tipo de vida, em oposição à vida fútil, falsa da corte;
• à vida do clero – o encontro de Lianor Vaz com um clérigo devasso e o de Inês
Pereira com um Ermitão devoto de Cupido denunciam comportamentos imorais
da parte de elementos do clero.
Dimensão satírica:
A sociedade do século XVI surge satirizada. Aparece retratada através de
personagens que representam tipos (estratos) sociais: as moças que, cansadas da vida
rotineira e vazia, ansiavam a libertação através do matrimónio; a mãe que aconselha à
filha um casamento com um homem de posses; os casamentos arranjados quer por
alcoviteiras quer por judeus; a ingenuidade e a simplicidade dos lavradores e dos
pastores; os judeus gananciosos e falsos; o clero imoral.
Gil Vicente recorre a artifícios, tais como a ironia e o cómico. Faz uso de três tipos
de cómico: de caráter, visível, sobretudo nas personagens Pero Marques e Escudeiro;
de situação, presente quando Pero Marques se apresenta a Inês e não sabe para que
serve uma cadeira; de linguagem, espelhado nas intervenções dos judeus casamenteiros
ou de Pero Marques.
Em síntese, Gil Vicente legou-nos um excelente retrato de Portugal dos inícios do
século XVI, através de diferentes representações quotidiano, em textos de hilariante
sátira, denunciando, assim, os vícios mais degradantes de uma sociedade corrupta e
hipócrita.

Luís de Camões, Rimas


A lírica camoniana insere-se na época clássica da literatura portuguesa.
Formas poéticas:
➢ Medida velha:
• Métrica: redondilha menor (5 sílabas métricas) e redondilha maior (7 sílabas
métricas);
• Variedade estrófica: as formas poéticas mais frequentes são o vilancete, a
cantiga, a esparsa, a trova e a endecha.

➢ Medida nova:
• Métrica: verso decassilábico;
• Variedade estrófica: soneto, canção, écloga, ode, elegia.
Temas:
Representação da amada
Na lírica camoniana, existem dois tipos de mulher que variam de acordo com a medida
utilizada na composição poética em questão:

• Na medida velha, a mulher tem a mesma condição social que o sujeito poético,
priveligiando-se, no entanto, a de origem popular. Existe a possibilidade de
relacionamento físico, sendo que, a figura femenina é bela e encantadora,
havendo a descrição da sua indumentária, objetos e sentimentos.
• Na medida nova, a mulher é de outra condição social, sendo, desta forma, uma
mulher palaciana. Destaca-se a mulher petrarquista (pele branca, olhos claros,
cabelos louros, indumentária elegante; superior em relação ao sujeito poético,
seu submisso; relacionamento platónico, sem contacto físico), havendo, desta
forma, um amor platónico por parte do "eu" lírico.
A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor
O amor é uma temática frequente na lírica de Camões, apresentando duas faces
contraditórias: a carnal, associada ao amor físico que a mulher desperta no sujeito lírico;
a espiritual que se deve ao facto de a mulher de Petrarca ser intocável e,
consequentemente, deve ser idolatrada, mas não desejada fisicamente. O poeta, por
vezes, sente que a realização total do amor só é possível através da conjugação do amor
espiritual e do amor físico/carnal.
A representação da natureza
A Natureza aparece associada à poesia amorosa como expressão de estados de alma ou
por contraste entre o estado de espírito do sujeito poético; apresenta-se como objeto
de contemplação, cenário para a reflexão do eu poético; é geralmente uma paisagem
diurna, natural, harmoniosa e agradável – descrição do tipo locus amoenus -, um espaço
propício ao amor.
A reflexão sobre a vida pessoal
A poesia lírica de Camões constitui uma reflexão sobre a sua vida pessoal. De facto, o
poeta evoca um itinerário pessoal, em que o sujeito lírico expressa a sua vivência íntima,
referindo a experiência infeliz do amor, a amargura do desconcerto, a revolta, a
vingança, a culpa, a recordação do bem passado, a tentação da morte e a instabilidade.
Por outras palavras, vemos espelhados nos textos as aventuras e desventuras, os
infortúnios, o azar e a dependência de um destino implacável, que dão vida à história
pessoal do poeta.
O desconcerto do mundo
Este tema surge da consciência do poeta em relação ao mundo injusto, corrupto e
maquiavélico que o rodeia e que nunca lhe é favorável. Por isso mesmo, os poemas que
versam sobre este tema revelam uma agudeza mental que tem como consequência a
angústia, a desolação/frustração e o sofrimento de Camões.
O tema da mudança
O tema da mudança aparece associado à temática do desconcerto e à temática do
destino. O poeta reflete sobre a mudança na Natureza e a mudança no ser humano. A
mudança é cíclica na Natureza (reversível) e é linear (irreversível) no homem. A
existência humana muda, mas é imprevísivel e marcada pela adversidade, com
consequências negativas. O poeta reflete ainda sobre a mudança da própria mudança,
de que o soneto Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades é exemplo.

Luís de Camões, Lusíadas


Os Lusíadas é um poema épico, do género narrativo em verso, destinado a celebrar
feitos de heróis fora do comum, mais precisamente o povo português, enquanto herói
coletivo.
Estrutura externa:
O poema Os Lusíadas, escrito em versos decassilábicos, apresenta dez cantos; as
estrofes organizam-se em oitavas, com esquema rimático abababcc, sendo a rima
cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos.
Estrutura interna:
O poema está organizado em quatro partes: Proposição, Invocação, Dedicatória e
Narração.
Na Proposição, o poeta enuncia um projeto narrativo audaz e vasto: glorificar os
heroicos realizadores das grandes navegações e descobertas e todos os que se tornaram
imortais devido à grandeza dos seus atos, na perspetiva do poeta.
Na Invocação, o poeta invoca as ninfas do Tejo, as Tágides para que o ajudem a cantar
e contar os feitos dos heróis humanos.
Na Dedicatória, Camões dedica o seu poema ao rei D. Sebastião (que reinava então em
Portugal), a quem tece vários elogios e incentiva-o a realizar feitos dignos de serem
cantados.
A Narração, que constitui o desenvolvimento da obra e se inicia in media res,
compreende diversos planos narrativos, sendo que o acontecimento de relevo é a
viagem de Vasco da Gama à Índia, núcleo central da ação.
Planos estruturais da epopeia Os Lusíadas:
O Plano da Viagem constitui a ação central do poema. Compreende a narração da
viagem da descoberta do caminho marítimo para a Índia.
O Plano Mitológico é dado pela intervenção dos deuses na ação, simbolizando, por um
lado, as diversas adversidades superadas pelos heróis, por outro, o estatuto do herói
português.
O Plano da História de Portugal é encaixado no plano da Viagem; são relatados
episódios da História de Portugal.
O Plano das Considerações do Poeta revela-nos um autor atento ao seu tempo e com
uma intenção pedagógica e cívica. Assim, maioritariamente nos finais dos cantos, a
narração é interrompida e o poeta lança críticas, tece lamentos e desabafos ou incentiva
os portugueses a seguirem o exemplo dos verdadeiros heróis.
Matéria épica (feitos históricos e viagem):
Os Lusíadas surgem da necessidade de colocar os feitos dos descobridores e
conquistadores portugueses acima de tudo o que fora feitos pelos heróis da Antiguidade
Clássica. Os Descobrimentos são o assunto grandioso da epopeia camoniana, de
interesse nacional e universal, centrando-se, sobretudo, na descoberta, pelos
portugueses, enquanto figura heroica coletiva, do caminho marítimo para a Índia e em
todos os obstáculos que tiveram de enfrentar: as ciladas de Baco, a tempestade, a
doença, a traição dos mouros, entre outros. Camões pretende que o seu povo se torne
divino pela fortaleza de ânimo e pela prática de nobres virtudes, de modo a que
substituam a fama dos heróis da Antiguidade.
Sublimidade do canto:
Para conseguir cantar e louvar os feitos gloriosos dos portugueses nesta sua
epopeia, Camões recorre às ninfas do Tejo, as Tágides: invocando-as, pede-lhes que lhe
deem inspiração e linguagem elevada, sublime, para conseguir igualar a sublimidade dos
feitos dos portugueses, que ele quer deixar famosos por todo o «Universo» (presente e
futuro). Na verdade, faz parte de uma epopeia o uso de vocabulário, frases e estâncias
de estilo formal e de uma eloquência superior.
Mitificação do herói:
O herói de Os Lusíadas é o povo português, simbolizado na figura de Vasco da
Gama. Narrando os seus feitos gloriosos e sublimes, mais meritórios do que todos os
dos povos e nações anteriores, Camões eleva os portugueses a um nível mítico, quase
sobre-humano, ou seja, acima dos poderes terrenos. Assim, a mitificação do herói
resulta da interação do plano da intriga dos deuses, da mitologia, com o plano da Viagem
dos portugueses à Índia. Depois de superarem todas as dificuldades de ordem natural e
humana (Adamastor, Tempestade, oposição de deuses) e terem chegado à Índia, são
conduzidos à Ilha dos Amores onde se unem às ninfas, adquirindo um estatuto divino.
Reflexões do poeta:
Camões exprime as suas opiniões críticas sobre os factos que vai narrando.
Assim, acompanhando a viagem, as conquistas e as proezas gloriosas dos nossos
navegadores, o poeta tece vários comentários críticos No Canto I, observa-se a reflexão
sobre a fragilidade humana, apesar dos valores humanistas que norteiam a epopeia. No
Canto V, o poeta incide na defesa da conciliação das armas e das letras, aspeto que se
relaciona com a importância que os humanistas atribuíam à formação integral do
indivíduo, num momento em que a aristocracia, empenhada nas trocas comerciais,
descurava o apoio às artes e às letras. No Canto VII, o poeta retoma a importância da
conciliação das artes e das letras, numa perspetiva autobiográfica, e manifesta cólera e
indignação perante a ingratidão que ele cantava. No Canto VIII, Camões reflete sobre o
poder do dinheiro, o vil metal que leva mortes, traições, corrupção, tirania e inimizades.

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