Você está na página 1de 9

A cura de um casal até que a

morte os separe.
“E eu, atento a um remexer na água,
gentes lodosas vi no lameirão,
todas nuas, demonstrando irada mágoa”
Inferno, Canto VII (sobre os iracundos) - A Divina Comédia, de Dante
Alighieri
Hipótese sobre a subjetividade da personagem
central

A felicidade de Romina foi


interrompida pela constatação da
traição do noivo. Sua mente não
consegue conter a dor e a
humilhação, ela reage com acting
out (atuação).
Síntese do relato 6
Em uma festa de casamento, a noiva descobre que seu noivo a traiu e
convidou a amante para a cerimônia. Em desespero, ela foge da festa,
enquanto o noivo tenta alcançá-la.

Após trair o noivo com um cozinheiro no terraço do prédio, a mulher,


agora adúltera, conduz toda a festa a uma verdadeira hecatombe,
levando o noivo ao desespero e lançando a amante sobre um espelho
(provocando-lhe cortes terríveis da cabeça aos pés). O pavor se
apodera de todos os convidados.
A formação de casal nascendo na
desconstrução
O casal recém-casado descobre na traição de um e na fúria destruidora
do outro o completo fracasso de sua relação. Voltando a Bauman, no
mundo liquefeito da "compromissofobia", conhecer um ao outro é uma
tarefa arriscada, cujo preço se evita pagar. Os vínculos tornam-se assim
um mero protocolo social. Para Ariel e Romina, a infidelidade de
ambos é a única forma de exporem a si mesmos a frouxidão do laço
que os une. Quando agridem um ao outro, agridem na realidade a
relação frágil e protocolar que estabeleceram até então. E ao final,
quando Ariel estende a mão para Romina, eles entendem que ali, na
destruição de tudo, estão descobrindo o amor que haviam evitado.
A cura da família em terra arrasada
Damián Szifron e Sam Mendes demonstram que às vezes o amor só
consegue nascer em terra arrasada. Para Minuchin & Nichols é
necessário aprendermos a ser mais tolerantes com as fraquezas do
outro e a respeitar as suas forças. (2002, p.59).

Romina e Ariel perderam a arrogância de acreditarem que havia uma


maneira correta, previsível e controlável na formação de um casal. A
cura da família está em aceitar “a atrapalhação, fraqueza e incerteza. As
personagens em suas diferentes reatividades e maneiras de
compreender a vida ampliaram as concepções existências antes
calcadas apenas nas experiências construídas socialmente”.
A identidade falsa do casal foi desintegrada e ambos passam a não ter
mais a afirmação dos outros nessa nova construção. Agora Ariel não tem
mais o olhar narcísico da mãe e Romina perde a noção idealizada de um
eu (self) que se desintegrou para buscar uma manutenção psíquica mais
sólida nesse relacionamento que se formaliza sem idealizações.
A cura de um casal até que a morte nos separe nos faz pensar sobre os sujeitos
contemporâneos frágeis em suas situações-limites. O casal é um retrato preciso,
porque consegue demostrar o que há de mais humano em nós: a nossa falta de
racionalidade diante do que é da ordem do sentimento.
Ariel e Romina atuam violentamente na tentativa de garantir o direto de sofrer e fazer
valer suas intenções, rompendo com tênue fio de lógica social e desnudando nossa
latente selvageria. Lidar com o que difere de nós é sempre uma experiência
traumática, mas é o que, paradoxalmente, enriquece a nossa capacidade de
compreender os desafios, de buscar o crescimento e a renovação.
Ariel e Romena estariam curados?

Lutaram e cresceram. Para Minuchin & Nichols a complementaridade


de um casal é complexa. Ariel e Romena precisam compreender que
“Ficar sozinho não significa traição. Ceder não significa derrota.
Dependência não é o mesmo que fraqueza. Iniciativa não significa
controle. Todas essas palavras têm uma aura decorrente do valor que
nossa cultura atribui ao indivíduo forte e inflexível. Mas a
complementaridade pode ser um enriquecimento mútuo. Ela desarma
a agressão, de modo que os indivíduos que dançam juntos não se
machucam.
Referência bibliográficas
SELVAGEM Relatos. Direção de Damiàn Szifron. Rio de Janeiro: Warner
Bros, 2014. (2h 02 min.).

MINUCHIN & NICHOLS. A cura da família: histórias de esperança e


renovação contadas pela terapia familiar / Salvador Minuchin, Michael
P. Nichols. Porto Alegre: Artmed, 1995 .

Você também pode gostar