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A PARTICIPAÇÃO DAS ENTIDADES SINDICAIS E OS VALORES DEVIDOS

AOS ATLETAS A TÍTULO DE DIREITO DE ARENA

Por Marcelo Antonio de Oliveira Alves de Moura1

SUMÁRIO: 1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA: da Lei de Direitos Autorais à


Lei Pelé. 2. PREVISÃO LEGAL DA PARTICIPAÇÃO DOS SINDICATOS
DE ATLETAS. 3. OS SINDICATOS COMO FIÉIS DEPOSITÁRIOS. 4.
DEVERES DOS SINDICATOS. 5. RESPONSABILIDADE DO SINDICATO
NA GESTÃO DO DIREITO DE ARENA. 6. DEVER DE TRANSPARÊNCIA
DAS ENTIDADES SINDICAIS. 7. A PARTICIPAÇÃO DA ANDD. 8. A
TUTELA EM JUÍZO DO DIREITO DE ARENA. 9. A FIXAÇÃO DE
ASTREINTES COMO MEIO DE COERÇÃO À TRANSFERÊNCIA AO
ATLETA DOS VALORES RELATIVOS AO DIREITO DE ARENA. 10.
CONCLUSÕES. 11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA: da Lei de Direitos Autorais à Lei Pelé.

O recebimento pelos atletas profissionais de futebol da parcela denominada direito de


arena, como retribuição pela participação daqueles no espetáculo desportivo, sempre foi
objeto de intensos debates, no campo doutrinário, jurisprudencial e também legislativo.

A regulamentação do direito de arena, desde os primórdios, sempre previu a


participação financeira dos atletas sobre os direitos de transmissão, por qualquer meio,
do espetáculo desportivo, cuja maior parte destina-se às entidades de prática desportiva.

Neste sentido, Caputo Bastos, 2018, p. 97-99, faz o seguinte histórico do direito de
arena:

a) teve sua origem normativa no artigo 1002, da Lei nº 5.988/73, que


regulamentava os direitos autorais; b) posteriormente a Constituição
1
Juiz Titular da 19ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. Titular da Cadeira nº 11 da Academia Nacional
de Direito Desportivo. Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos do Fluminense Football Club.
Doutorando em Ciências Jurídico-empresariais na Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Doutorando em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Nebrija, Madrid, Espanha. Bacharel em Direito
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador Acadêmico dos Cursos de Pós-graduação e
professor do Curso de Graduação em Direito na Universidade Candido Mendes – Ipanema, Rio de
Janeiro. Autor de diversos livros e artigos jurídicos, entre os quais se destaca: Curso de Direito do
Trabalho, 2ª Edição, Saraiva.
da República de 1988 passou a prever, em seu artigo 5º, XXVIII 3, a
proteção às participações individuais em obras coletivas, inclusive nas
atividades desportivas; c) incorporação do direito de arena à legislação
desportiva com a Lei nº 8.672/93 (Lei Zico), prevendo a titularidade
do direito de arena às entidades desportivas (art. 24), com a
participação de 20% para os atletas participantes do espetáculo (art.
24, § 1º)4; d) A Lei Zico foi revogada pela Lei Pelé (Lei nº 9.615/98),
que em seu artigo 425 reproduziu a disposição legal então prevista na
Lei Zico; e) a Lei nº 12.395, de 16.03.2011 conferiu nova redação ao
artigo 426, da Lei nº 9.615/98.

Sobre a redação do artigo 42 da Lei nº 9.615/98, pela Lei nº 12.395/2011, tivemos a


oportunidade de nos pronunciarmos, nos seguintes termos:

“A imagem do empregado e, em particular, do atleta é bem jurídico pessoal,


intransferível. Nada obsta, contudo, que a divulgação de um espetáculo do
2
Lei nº 5.988/73, Art. 100. A entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou
proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo
desportivo público, com entrada paga.
Parágrafo único. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão
distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.

3
CF, art. 5º, XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas,
inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem
aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

4
Lei nº 8.672, de 06.07.93, Art. 24. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar a
fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem.
        § 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em
partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.

5
Lei nº 9.615, de 24.03.98, Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar,
autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos
desportivos de que participem.
§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será
distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

6
Lei n° 9.915/98, artigo 42, com a redação da Lei nº 12.395/2011. Art. 42. Pertence às entidades de
prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou
proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens,
por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada
pela Lei nº 12.395, de 2011).
§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da
exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais,
e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela
de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).
qual participe seja objeto de cobrança a terceiros, retribuindo-se ao atleta
alguma espécie de pagamento, como ocorre nos jogos de futebol. Esta é a
essência do direito de arena, consagrado, inclusive, no art. 5º, XXVIII, a, da
CF: “XXVIII – são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às
participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas”.

O art. 42, caput, da Lei n. 9.615/1988 (Lei Pelé), com a redação que foi
imposta pela Lei n. 12.395/2011, assim definiu o direito de arena:

Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na


prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação,
a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por
qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.

Muito já se discutiu quanto à natureza jurídica dos valores recebidos pelo


empregado por conta de sua participação no espetáculo de futebol (direito de
arena). A atual redação do art. 42, § 1º, da Lei n. 9.615/1998 pacificou a
controvérsia, retirando do pagamento sua natureza salarial:

Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da


receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão
repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em
partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como
parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei n. 12.395, de 2011)”.
(Curso de Direito do Trabalho, 2016, p. 223-224).

A inovação legislativa, portanto, trouxe para cenário normativo do direito de arena, três
significativas mudanças: a) a redução do percentual destinado ao atleta, de 20% para
5%; b) a fixação da natureza civil da parcela paga ao atleta por sua participação no
espetáculo; c) a participação, como intermediário, do sindicato da categoria profissional,
cuja lei passa a atribuir o múnus de receber a participação do atleta e de distribuí-la aos
participantes do espetáculo.

Quanto à redução do percentual (a), explicou Corrêa da Veiga, 2016, p. 106-112, que a
origem desta alteração legal, fora um acordo firmado entre os sindicatos dos atletas e os
clubes de futebol, homologado em 2000, perante o Juízo da 23ª Vara Cível do Rio de
Janeiro, nos autos do processo nº 07.001.141973-5, no qual houve a redução do
percentual de direito de arena de 20% (previsto na legislação vigente), para 4%. Explica
o autor que, antes da alteração legal promovida em 2011, eram raros os casos em que o
atleta recebia alguma quantia de direito de arena (daí porque a lei passou a prever a
participação dos sindicatos nesta repartição). Segundo o articulista, com base na referida
ação ordinária, que resultou no acordo citado, o sindicato da categoria profissional
conseguiu reunir quantias relevantes que, ao ver da entidade sindical, justificou a
redução do referido percentual a ser recebido.

A redução do percentual, por negociação coletiva, acabou não sendo aceito pela Justiça
do Trabalho7, até que o tema restou pacificado com a promulgação da referida lei, em
2011.

Quanto à fixação da natureza civil do direito de arena, especialmente na parcela


destinada ao atleta profissional (b), a alteração legislativa pôs fim a longa cizânia
doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, que tendia a lhe atribuir natureza
remuneratória, análoga à gorjeta, posto que paga por terceiros, ainda que devida ao
empregado (neste sentido, ementa transcrita na nota de rodapé n° 7). Não obstante a tese
majoritária, firmada em precedentes do TST, há quem defenda a inconstitucionalidade
da alteração legislativa de 2011, no tocante à mutação da natureza da parcela destinada
ao empregado, “por flagrante ofensa ao princípio da proibição do retrocesso social”,
representando a alteração referida em violação aos artigos 7º, VI e 60, § 4º, IV, ambos
da CF (Zainagui, 2015, p. 123-124).

Quanto à participação do sindicato de atletas profissionais na distribuição da cota-parte


devida a seus representados (c), tema deste artigo, somente em 2011 o legislador previu
7
"(...) DIREITO DE ARENA. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL. PERÍODO CONTRATUAL QUE ANTECEDEU À
LEI 12.395/2011. PERCENTUAL MÍNIMO DE 20%. ARTIGO 42 DA LEI 9.615/98. O caso dos autos envolve
contrato de trabalho de atleta profissional vigente no período anterior à eficácia da Lei 12.395/11, que
introduziu alterações na Lei 9.615/98. No tocante à natureza jurídica, nos termos do artigo 42, § 1º, da
Lei 9.615/98, a parcela "direito de arena" é decorrente da participação do profissional de futebol em
jogos e eventos esportivos, estando diretamente relacionada à própria prestação laboral do atleta e não
apenas ao uso de sua imagem. Sendo assim, o referido direito é vinculado ao trabalho prestado pelo
empregado, ao longo dos 90 minutos do jogo, momento em que desempenha a sua atividade específica
de jogador de futebol. A doutrina e a jurisprudência vêm posicionando-se no sentido de que o "direito
de arena", previsto no artigo 42 da Lei 9.615/98, a exemplo das gorjetas, que também são pagas por
terceiros, integra a remuneração do atleta, nos termos do artigo 457 da Consolidação das Leis do
Trabalho, equiparando-se à gorjeta para os efeitos da Súmula 354. Já com relação ao debate acerca da
possibilidade de redução do percentual referente ao direito de arena por meio de acordo judicial,
conforme a jurisprudência desta Corte, o percentual de 20%, estabelecido ao tempo dos fatos no art.
42, § 1º, da Lei 9.615/1998, para o cálculo do direito de arena, era o percentual mínimo assegurado a
ser distribuído aos atletas profissionais, considerando-se inválida a transação que reduzia o percentual
referente ao direito de arena. Precedentes. Acórdão regional em sintonia com o entendimento notório e
pacífico desta Corte Superior. Recurso de revista não conhecido. (...)" (RR-280-65.2010.5.04.0007, 6ª
Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 17/09/2021).
tal interferência, tornando efetiva, portanto, a promessa constitucional de fiscalização
pelas entidades sindicais do aproveitamento econômico do atleta, quanto ao direito de
arena, conforme dicção do artigo art. 5º, XXVIII, “b”, da CF (transcrito na nota de
rodapé nº 3).

Todavia, ao contrário do que se poderia prever, diante do múnus público dos sindicatos
na defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria profissional (art. 8º, III, da
CF), o repasse dos valores aos atletas pela participação no espetáculo desportivo, nem
sempre vem ocorrendo de forma tempestiva e efetiva, o que levou o legislador a
promover mais uma alteração no artigo 42 da Lei nº 9.615/98, como será demonstrado a
seguir.

2. PREVISÃO LEGAL DA PARTICIPAÇÃO DOS SINDICATOS DE


ATLETAS

Previa o art. 42 e § 1º, da Lei nº 9.615, de 24.03.98, com a redação da Lei nº


12.395/2011:

Art. 42.  Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena,


consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir
a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a
reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo
desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de
2011).

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco


por cento) da receita proveniente da exploração de direitos
desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas
profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas
profissionais participantes do espetáculo, como parcela de
natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). (grifei)

Diante da falta de efetividade e presteza nos repasses aos atletas, dos valores recebidos
pelos sindicatos a título de direito de arena, a Lei nº 9.615/98 recebeu nova alteração,
tendo sido introduzido, em péssima técnica legislativa8, o art. 42-A, pela Lei nº 14.205,
de 17.09.2021, com a seguinte redação:

Art. 42-A. Pertence à entidade de prática desportiva de futebol


mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo. (Incluído
pela Lei nº 14.205, de 2021)

§ 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, o direito de arena


consiste na prerrogativa exclusiva de negociar, de autorizar ou de
proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão
ou a reprodução de imagens do espetáculo desportivo, por qualquer
meio ou processo. (Incluído pela Lei nº 14.205, de 2021)

§ 2º Serão distribuídos aos atletas profissionais, em partes iguais, 5%


(cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos
desportivos audiovisuais do espetáculo desportivo de que trata o caput
deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.205, de 2021)

§ 3º A distribuição da receita de que trata o § 2º deste artigo terá


caráter de pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição
em contrário constante de convenção coletiva de trabalho. (Incluído
pela Lei nº 14.205, de 2021)

§ 4º O pagamento da verba de que trata o § 2º deste artigo será


realizado por intermédio dos sindicatos das respectivas categorias,
que serão responsáveis pelo recebimento e pela logística de
repasse aos participantes do espetáculo, no prazo de até 72
(setenta e duas) horas, contado do recebimento das verbas pelo
sindicato. (Incluído pela Lei nº 14.205, de 2021) (grifamos)

§ 5º Para fins do disposto no § 2º deste artigo, quanto aos


campeonatos de futebol, consideram-se atletas profissionais todos os
jogadores escalados para a partida, titulares e reservas. (Incluído pela
Lei nº 14.205, de 2021)
8
Diz-se em péssima técnica legislativa, porque o artigo 42 da referida lei também trata de direito de
arena. Poderia o legislador ter incluído parágrafos neste artigo. Da forma como foi feita a alteração,
parece ter sido a intenção do legislador criar dois tipos de direito de arena: o do art. 42, que diz respeito
à entidade de prática desportiva visitante, e a do artigo 42-A, que cuida do direito de arena da entidade
desportiva mandante do jogo.
§ 6º Na hipótese de realização de eventos desportivos sem definição
do mando de jogo, a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a
retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou
processo, dependerão da anuência das entidades de prática desportiva
de futebol participantes. (Incluído pela Lei nº 14.205, de 2021)

§ 7º As disposições deste artigo não se aplicam a contratos que


tenham por objeto direitos de transmissão celebrados previamente à
vigência deste artigo, os quais permanecem regidos pela legislação em
vigor na data de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 14.205, de
2021)

§ 8º Os contratos de que trata o § 7º deste artigo não podem atingir as


entidades desportivas que não cederam seus direitos de transmissão
para terceiros previamente à vigência deste artigo, as quais poderão
cedê-los livremente, conforme as disposições previstas no caput deste
artigo. (Incluído pela Lei nº 14.205, de 2021)

Abstraindo-se das demais alterações previstas no artigo 42-A, que escapam ao escopo
deste estudo, a que interessa diretamente a este trabalho está definida no parágrafo
quarto, que impõe o repasse pela entidade sindical, aos atletas, dos valores do direito de
arena, no prazo de 72 horas do recebimento pelo sindicato. A novidade, portanto, é o
prazo, antes omisso na legislação pretérita.

Os sindicatos de atletas, portanto, diante de expressa previsão legal, são os fiéis


depositários do numerário correspondente ao direito de arena, cujos titulares são as
entidades de prática desportiva, obrigadas, por força de lei, ao repasse de 5% do valor
arrecado, aos atletas, por intermédio de suas entidades de classe, no prazo de 72 horas.

3. OS SINDICATOS COMO FIÉIS DEPOSITÁRIOS

Os sindicatos de atletas, como se disse, não são titulares dos valores pagos a título de
direito de arena. Os sindicatos são meros depositários, com a obrigação de, após a
arrecadação, transferirem 5% destes valores aos atletas, cujo restante pertence à
entidade desportiva, por expressa disposição legal.
Os sindicatos recebem os valores em razão da determinação do art. 42, § 1º, da Lei
9.601/98, constituindo modalidade de depósito necessário, por obrigação legal, como
prevê o art. 647, caput, e inciso I, do Código Civil, in verbis:

“Art. 647. É depósito necessário.

I – O que se faz em desempenho de obrigação legal; ”

O depósito dos valores correspondentes a 5% do direito de arena não é tratado em


qualquer outra especificação legal, além da Lei nº 9.615/98. Portanto, quanto à
responsabilidade dos sindicatos é aplicável o regramento que diz respeito ao depósito
voluntário (art. 627 e seguintes do Código Civil), subsidiariamente. Neste sentido é a
previsão do art. 648 do Código Civil, a seguir transcrito:

“Art. 648. O depósito a que se refere o inciso I do artigo antecedente,


reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio ou
deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário.”.

No que diz respeito ao deposito voluntário, o art. 628, do Código Civil, também de
aplicação subsidiária ao depósito necessário, expressamente dispõe que:

“O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em


contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o
praticar por profissão.”

Mesmo que a lei civil não tivesse tal previsão de gratuidade do depósito, o sindicato,
que exerce o múnus público de defesa dos interesses individuais e coletivos dos atletas
(art. 8º, III, da CF), não poderia cobrar qualquer valor por tal depósito. Para o sustento
do sistema confederativo de entidades sindicais e, em particular, da entidade sindical de
primeiro grau, denominada sindicato, o ordenamento jurídico brasileiro já prevê
inúmeras contribuições9.

9
O custeio do sistema sindical brasileiro é feito por meio de pelo menos quatro tipos de
receitas, consagradas no ordenamento jurídico, a saber: a) contribuição sindical, de natureza
facultativa, prevista em lei e amparada constitucionalmente (CLT, arts. 578 a 610 e CF, art. 8º,
IV); b) contribuição confederativa, com previsão constitucional e necessidade de aprovação
em assembleia da categoria (art. 8º, IV, da CF), ainda assim devida somente aos associados do
sindicado (PN nº 119, da SDC/TST, Súmula nº 666, do STF e Súmula Vinculante nº 40 do STF); c)
mensalidade associativa, exigível daqueles que tomarem a iniciativa de se associarem ao
sindicato; d) a contribuição assistencial, em regra devida quando da assinatura da Convenção
ou Acordo Coletivo de Trabalho, com a finalidade de ressarcir a entidade sindical dos gastos
Os sindicatos, portanto, como fiéis depositários dos valores de direito de arena, na
proporção de 5%, têm dever de guarda deste bem, de forma gratuita, bem como de
transparência na gestão deste patrimônio.

4. DEVERES DOS SINDICATOS

São prerrogativas dos sindicatos, conforme art. 513, “d”, da CLT:

“d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no


estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva
categoria ou profissão liberal;”.

Os sindicatos, atentos ao múnus público que lhe foi atribuído por lei, e ampliado pela
Constituição da República, têm o dever de agir de acordo com seus objetivos
estatutários e estes, por sua vez, não devem se afastar do escopo constitucional que
definiu a atribuição dos sindicatos, conforme regra do art. 8º, III, da CF:

“ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou


individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas; ”.

Assim sendo, os sindicatos, como legítimos representantes da categoria dos atletas, em


especial dos profissionais de futebol, devem sempre pautar sua atuação na defesa dos
interesses destes, sejam ou não associados da entidade sindical.

Ratificando a responsabilidade dos sindicatos na tutela dos interesses da categoria,


constitui-se como um de seus deveres, conforme regra do art. 514, “a”, da CLT:
“colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social;”.

Interpretando o alcance da regra celetista, e sua vigência após a CF/88, já tivemos a


oportunidade de nos manifestarmos em outra obra trabalhista, nos seguintes termos:

“A colaboração dos sindicatos, no sentido da alínea “a”, do art. 514,


da CLT, não pode ser mais interpretada como cooptação pelos órgãos
públicos; este dispositivo e outros tantos previstos no Título V da

com a negociação coletiva, dependente, outrossim, de aprovação em assembleia da categoria.


Quanta a esta última, encontra previsão genérica no art. 513, “e”, da CLT, e só pode ser
imposta aos associados do sindicato (Godinho, Curso, jan-2009, p. 1233).
CLT, destinado a regular a Organização Sindical, tinham por objetivo
atrelar o sindicato aos interesses do Estado, com ampla interferência
na liberdade sindical. Na atualidade, esta colaboração dos sindicatos
com o Estado só pode ser vista no interesse da categoria que
representam.” (Curso de Direito do Trabalho, Saraiva, 2ª edição, 2016,
p. 763).

Diante de seu papel constitucionalmente instituído, o sindicato tem o dever de sempre


atuar em defesa da categoria que representa e neste dever está incluída a
responsabilidade na gestão do direito de arena cuja lei depositou a seus cuidados.

5. RESPONSABILIDADE DO SINDICATO NA GESTÃO DO DIREITO DE


ARENA

Os sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é condicionada


somente a registro no órgão competente 10, sem que o Estado possa interferir na sua
organização ou gestão (art. 8, I11, da CF).

A natureza jurídica de direito privado dos sindicatos não lhes retira sua missão pública
e, consequentemente, as prerrogativas e ônus inerentes a este múnus.

Da mesma forma que o Estado concede benefícios aos sindicatos, como, por exemplos,
fonte de custeio imposta por lei (refiro-me à contribuição sindical acima mencionada), e
a imunidade tributária do seu patrimônio (art. 150, VI, “c”, da CF 12 c/c Súmula 724 do
STF, convertida na SV n° 5213), também impõe aos dirigentes sindicais enorme
10
A própria norma constitucional – art. 8º, I – ressalvou a necessidade de registro do sindicato
no órgão competente, como requisito para sua existência jurídica. Registro não se confunde
com autorização do Estado. O registro consiste no simples depósito dos estatutos do sindicato
no Ministério do Trabalho. O único juízo que este órgão poderá fazer, no que tange ao registro
do sindicato, diz respeito à verificação do respeito à unicidade sindical. Neste sentido a Súmula
677 do STF: “Até que lei venha a dispor a respeito, cabe ao Ministério do Trabalho proceder ao
registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade”.
11
A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o
registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na
organização sindical.
12
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre:  c) patrimônio,
renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos,
atendidos os requisitos da lei;
13
Súmula 724 do STF. Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel
pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição, desde
responsabilidade quanto à gestão das entidades sindicais. Tanto é assim que o art. 522
da CLT promoveu a equiparação dos dirigentes sindicais aos gestores públicos,
conforme segue:

“Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio


das associações ou entidades sindicais ficam equiparados ao crime de
peculato julgado e punido na conformidade da legislação penal.”.

O STJ, em julgamento datado de 13-12-2004, acolheu plenamente a vigência da regra da


CLT, mesmo após a liberdade sindical consagrada pela CF/88, como se percebe da
transcrição da ementa a seguir:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PECULATO POR EQUIPARAÇÃO. ART.


552 DA CLT. ENTIDADE SINDICAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS,
SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Os atos que importem em malversação ou dilapidação do patrimônio das associações ou
entidades sindicais ficam equiparados ao crime de peculato julgado e punido na
conformidade da legislação penal. 2. Não é pelo fato de encontrar-se a tipificação do crime
de peculato inserida no Título dos Crimes Contra a Administração da Justiça, no Código
Penal, que haverá a incidência da regra constitucional que define a competência da Justiça
Federal. 3. O simples fato da necessidade de registro dos sindicatos no Ministério do
Trabalho não aponta o mínimo interesse da União na ação penal para o processo e o
julgamento dos crimes contra eles praticados. 4. Inexiste ofensa a bens, serviços ou
interesse da União, de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, restando afastada a
competência da Justiça Federal. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo
de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ituverava/SP, suscitado (CC 31.354/SP, 3 ª
Seção, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, j. 13-12-2004, DJ 1º-2-2005).

Esta responsabilidade do sindicato na gestão de seu patrimônio, inclusive com


tipificação penal dos atos de seus dirigentes, é ainda mais relevante se consideramos que
os valores devidos a título de direito de arena são de terceiros, ou seja, dos atletas.

O dirigente sindical, ou administrador da entidade sindical, que não distribui


adequadamente os valores de direito de arena e, em razão de sua omissão, ou intenção,

que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades. A referida
súmula foi convertida na Súmula Vinculante nº 52: Ainda quando alugado a terceiros,
permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art.
150, VI, "c", da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas
atividades para as quais tais entidades foram constituídas. (destaquei as mudanças).
permanece, indevidamente, com o numerário dos atletas, pratica crime de apropriação
indébita, nos termos do art. 168, caput, do Código Penal, a seguir transcrito:

“Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a


detenção: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

6. DEVER DE TRANSPARÊNCIA DAS ENTIDADES SINDICAIS

A entidade sindical, não obstante sua natureza jurídica de direito privado, exerce função
pública que permitiu ao legislador, como visto acima, distingui-lo dos demais entes
privados. Diante deste múnus público, entre tantas funções que foram atribuídas aos
sindicatos, está a guarda e o dever de distribuição dos valores devidos a título de direito
de arena.

É notório que as entidades sindicais não divulgam, com a devida premência, o


recebimento dos valores aos atletas que representam, a ponto de se ter notícia de
distribuição destes valores muito após o recebimento pela entidade. Este retardamento,
sem justificativa, além de provocar enorme prejuízo aos atletas, pode caracterizar,
conforme o caso, crime de apropriação indébita.

O retardamento referido, muito provavelmente, tenderá a cessar tão logo os efeitos


práticos do prazo de 72 horas para repasse aos atletas, previsto no art. 42-A, § 4º, da Lei
Pelé, comece a ter seus efeitos práticos.

No que diz respeito aos entes públicos, e até mesmo às entidades privadas que recebem
recursos públicos, a Lei de Transparência (Lei nº 12.527, de 18.11.2011), criou uma
série de mecanismos para viabilizar o acesso às informações de interesse público, a fim
de dar concreção ao art. 216, § 2º, da CF:

“Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da


documentação governamental e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem.”    

A Lei de Transparência, acima referida, em seu artigo 10º, permite que qualquer
interessado tenha acesso às informações de interesse público.

A lei também cuida, em seu art. 31, do acesso às informações de cunho pessoal, e
resguarda o sigilo e a intimidade de tais dados, a saber:
Art. 31.  O tratamento das informações pessoais deve ser feito de
forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e
imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. 

§ 1o As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à


intimidade, vida privada, honra e imagem: I - terão seu acesso restrito,
independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de
100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos
legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e II -
poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante
de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se
referirem. 

As informações acerca dos valores a título de direito de arena são de ordem pessoal dos
atletas e, da mesma forma referida na Lei de Transparência, devem ser preservadas. Isso
não impede, contudo, que os sindicatos, de forma premente e transparente, mantenham
em seus portais, sites ou qualquer outro veículo de comunicação com a categoria, listas
atualizadas e acessíveis por senha, para que cada atleta possa, imediatamente, saber os
valores que lhe são devidos.

O que se propõe, portanto, é que os sindicatos divulguem, imediatamente após o


recebimento, as informações relativas aos valores devidos aos atletas e, no prazo de 72
horas, proceda aos contatos para os devidos repasses dos referidos valores.

7. A PARTICIPAÇÃO DA ANDD

O Estatuto da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) inseriu em seu art. 4º,
IV, entre as finalidades da instituição:

“a promoção da defesa dos interesses da nação no tocante aos temas


afetos ao Direito Desportivo;

Com o intuito de possibilitar a efetiva defesa de qualquer tema vinculado ao direito


desportivo, prevê, ainda, que:

“Artigo 5º. Para a realização dos seus fins a ANDD deverá: V –


impetrar mandado de segurança coletivo, ação civil pública, ação
direta de inconstitucionalidade, mandado de injunção e outras medidas
judiciais, em defesa dos interesses difusos da sociedade e dos
interesses coletivos de seus filiados e associados; ”

Não restam dúvidas quanto à importância da participação do atleta na realização e,


principalmente, no sucesso da atividade esportiva. Também é inquestionável que o
atleta é o grande responsável pelo espetáculo, tanto assim que a legislação reconheceu
seu direito pecuniário de arena. Consequentemente, a defesa da transparência na
divulgação e repasse do direito de arena constitui, necessariamente, a defesa do atleta e,
em última análise, do próprio desporto.

8. A TUTELA EM JUÍZO DO DIREITO DE ARENA

A nosso ver, a ANDD possui legitimidade tanto para fazer uma denúncia ao Ministério
Público, para que este possa buscar a tutela do interesse coletivo dos atletas às
informações quanto ao pagamento do direito de arena, quanto para propor, de forma
independente, medida judicial com este propósito, na tutela de interesse difuso de toda a
sociedade.

O interesse dos atletas à informação sobre o direito de arena constitui direito coletivo
stricto sensu, conforme previsão do art. 81, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC):

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das


vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título
coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

II - Interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos


deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja
titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base;”

O direito à informação é interesse de toda a categoria dos atletas, independentemente


de, em dado momento, ter ou não o atleta valores a receber (este último interesse se
caracterizaria como direito individual homogêneo, na forma do art. 81, III, da Lei nº
8,078/90).14

No que diz respeito à atuação do parquet, parece-nos, salvo melhor juízo, que se insere
na atribuição do Ministério Público do Trabalho. Neste sentido, a Lei Complementar
75/93, art. 83, III, in verbis:

Art. 83 Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das


seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho,


para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos
sociais constitucionalmente garantidos;

O acesso à informação dos atletas quanto ao direito de arena, e o dever das entidades
sindicais em disponibilizar tal informação, são temas que se inserem na competência da
Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, I, da CF:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e


julgar:    (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I. as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de


direito público externo e da administração pública direta e indireta da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”    

O direito de arena decorre diretamente do trabalho dos atletas, e da participação destes


nas atividades esportivas. O fato do art. 42 e § 1º, da Lei nº 9.615, de 24.03.98, com a
redação da Lei nº 12.395/2011, ter definido a natureza civil do direito de arena, não
afastou a competência da Justiça do Trabalho para apreciar pretensões relativas a seu
pagamento, natureza jurídica, etc.

O acórdão a seguir, da lavra do Ministro Alexandre Agra Belmonte, a latare da


discussão acerca da redução do percentual devido a título de direito de arena,
reconheceu a incompetência do juízo civil para homologar qualquer acordo nesse
sentido. Perceba-se o trecho em destaque, na ementa que segue:

14
  Art. 81, III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum.
DIREITO DE ARENA. CONTRATO DESPORTIVO QUE TEVE
INÍCIO, DESENVOLVIMENTO E FIM NA VIGÊNCIA DO
TEXTO LEGAL ANTERIOR À LEI Nº 12.395/2011.
PERCENTUAL PREVISTO EM ACORDO JUDICIAL. DECISÃO
FUNDAMENTADA NA VALIDADE DE ACORDO DE REDUÇÃO
DO DIREITO DE ARENA. Trata-se o presente caso de redução do
direito de arena de contrato desportivo que teve toda a sua vigência
em período anterior à alteração da Lei nº 12.395/2011, em que existe
acordo judicial firmado perante o juízo cível prevendo a redução do
percentual do direito de arena de 20% para 5%. A nova lei alterou o
texto do artigo 42, §1°, da Lei n° 9.615/98, estabelecendo para os
atletas o percentual de 5% a título de direito de arena e a natureza civil
da parcela. Pelo texto anterior da lei, o direito de arena era de 20% e a
jurisprudência firmou-se no sentido de que a parcela era de natureza
remuneratória. A lide deve ser analisada sob a redação e interpretação
da lei antiga (tempus regit actum), porque o contrato desportivo teve
início, desenvolvimento e fim antes da vigência da Lei n°
12.395/2011. Pelo texto da lei antiga, salvo convenção em contrário, o
percentual aplicável era o de 20%. A convenção a que aludia a lei era,
evidentemente, a coletiva, inclusive porque a participação era para
distribuição coletiva aos atletas. E a convenção coletiva de trabalho,
redutiva de direitos para 5%, não foi firmada. O que foi firmado
foi um acordo em juízo incompetente para o desiderato (Juízo
Cível), sem que a categoria representada pelo sindicato dos atletas
o tivesse autorizado em assembleia. Assim, tem-se por ineficaz, para
efeitos trabalhistas, o acordo judicial, visto que foi celebrado sem que
a categoria profissional fosse ouvida, com vício de forma, e sendo o
referido acordo firmado perante um juízo incompetente. Recurso de
revista não conhecido, no particular. (grifei)

Processo: RR - 969-23.2012.5.04.0013 Data de Julgamento:


25/05/2016, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 03/06/2016.
Quanto à atuação independente da ANDD, a tutela de direito difuso 15, consubstanciado
no acesso à informação por número indeterminado de pessoas na sociedade com
interesse e participação no desporto, preocupadas com a formação, remuneração e
desenvolvimento dos atletas, justifica a propositura de demanda em face das entidades
sindicais, a fim de obtenção de informações que possam municiar os atletas na cobrança
dos seus direitos.

O objeto específico desta demanda consiste em cumprimento de obrigação de fazer,


com sustentação no direito à informação, exigindo-se dos sindicatos a divulgação nos
seus sítios, jornais, etc., dos dados relativos ao direito de arena, preservando-se,
outrossim, os nomes e dados pessoais dos atletas.

Esta demanda, no nosso ponto de vista, é de competência da Justiça do Trabalho 16, pois
se trata de conflito envolvendo trabalho, ainda que interpretado em sentido amplo
(acesso à informação).

A ação ajuizável decorre, outrossim, do direito à informação de toda a coletividade de


atletas vinculados a uma mesma entidade desportiva (direito coletivo), bem como do
direito à informação de toda a sociedade quanto à remuneração e formação dos atletas
(direito difuso), atraindo, portanto, a competência especial da Justiça do Trabalho.

9. A FIXAÇÃO DE ASTREINTES COMO MEIO DE COERÇÃO À


TRANSFERÊNCIA AO ATLETA DOS VALORES RELATIVOS AO
DIREITO DE ARENA

O descumprimento do prazo de 72 horas, pela entidade sindical, sem justificativa


razoável, para repasse dos valores devidos aos atletas, permite ao titular do direito
(atleta), ao MPT (na tutela de direitos individuais homogêneos e coletivos lato e stricto
sensu) e a qualquer entidade constituída com este propósito (na tutela do direito coletivo

15
Art. 81, I, da Lei nº 8.078/90 - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato;
16
Revimos nossa posição em sentido contrário, defendida em outro artigo que deu sustentação ao
presente: Dever de Transparência das Entidades Sindicais quanto aos valores devidos a título de direito
de arena, 2016, p. 153-154.
ou difuso)17, com existência jurídica a pelo menos 1 ano, tutelar em juízo o direito de
arena negado, ou retardado, pelo sindicato da categoria profissional.

Na hipótese de tutela de direito individual, exigindo-se do sindicato o imediato repasse


dos valores devidos a titulo de direito de arena, não se pode utilizar do mecanismo
tradicional de cumprimento das obrigações de pagar, que consiste na expropriação do
patrimônio do devedor, posto que o ente sindical é depositário, e não devedor. Cabe,
pela inércia do sindicato, sua responsabilização por perdas e danos e até a tipificação
penal de sua conduta de apropriação indébita, como defendido acima, mas não a
penhora de seu patrimônio para posterior expropriação em benefício do atleta-credor18.

Todavia, nada obsta a utilização de medidas executivas indiretas, a fim de que seja
cumprido o comando legal de repasses ao atleta, como a fixação de multa-diária
(astreinte), até que se efetive o cumprimento da obrigação pelo sindicato, de repassar ao
titular do direito (atleta), seus valores a titulo de direito de arena.

O sindicato não é devedor do ponto de vista estritamente técnico do termo, pois não
mantém com o atleta uma relação obrigacional de crédito e débito. Todavia, sua função
de depositário lhe impõem condutas que, se descumpridas (atraso no repasse), permite
ao Judiciário a utilização de medidas coercitivas, para efetivar o cumprimento de ordens
judiciais, conforme prevê o artigo 139, IV, do CPC, in verbis:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste


Código, incumbindo-lhe:

(...)

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais


ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação
pecuniária;

10. CONCLUSÕES
17
Neste sentido, André Roque, 2019, p. 12: “Quanto às associações civis, para que ostentem
legitimidade, devem obedecer aos requisitos da pré-constituição de um ano (que poderá ser dispensada
pelo juiz se houver manifesto interesse social) e da pertinência temática, ou seja, a matéria discutida na
ação coletiva deve se inserir nos fins institucionais da associação (art. 5º, V e § 4º da Lei n.º 7.347/1985
e art. 82, IV e § 1º do CDC).
18
Neste sentido já decidiu o STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.758.774 - SP (2014/0346346-4), relatora
Ministra NANCY ANDRIGHI, julg em 12.10.2018.
1. Os sindicatos de atletas, como fiéis depositários dos valores devidos a estes
últimos, a título de direito de arena (art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/98), têm o
dever de guarda e restituição do numerário que lhes foi confiado, por depósito
legal, portanto necessário, nos termos do art. 647, I, do Código Civil.
2. O múnus público exercido pelo sindicato de classe lhe impõe uma série de
responsabilidades quanto à gestão de seu patrimônio, bem como quanto ao
patrimônio de terceiro (direito de arena), com o risco da prática de crime de
apropriação indébita, ou mesmo de peculato.
3. Os sindicatos têm o dever de dar transparência à gestão do direito de arena, pois
não se trata somente de direito individual do atleta, ou da coletividade de
atletas, mas sim toda a sociedade (direito difuso) quanto ao acesso à
informação, pois envolve a manutenção da prática do desporto.
4. O Ministério Público do Trabalho possui legitimidade, e a Justiça do Trabalho
competência, para exigir dos sindicatos transparência na informação quanto à
distribuição do direito de arena aos atletas profissionais.
5. A ANDD possui legitimidade para buscar a tutela, na esfera cível, quanto à
informação relativa à distribuição do direito de arena, com interesse na
preservação do desporto, resguardada a intimidade dos atletas e o sigilo quanto
às informações de cunho pessoal.
6. Na tutela do direito individual de repasse ao atleta, da parcela que lhe é devida a
titulo de direito de arena, cabe a fixação de multa-diária a ser imposta ao
sindicato que descumpre ou retarda o repasse do direito de arena ao atleta, na
forma do art. 139, IV, do CPC.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

________ .Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos


controvertidos e tendências. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.

BASTOS, Guilherme Caputo. Direito Desportivo. 2ª ed. Belo Horizonte: Casa da


Educação Física, 2018.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr,
2009.

EZABELLA, Felipe Legrazie. Direito de Imagem de Atleta e Direito de Arena. In:


BASTOS, Guilherme Caputo (Coord.). Atualidades Sobre Direito Desportivo no Brasil
e no Mundo. Dourados, MS: Ed. Seriema, 2009.

MOURA, Marcelo. Curso de Direito do Trabalho. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016

MOURA, Marcelo Antonio de Oliveira Alves de. Dever de transparência das entidades
sindicais quanto aos valores devidos a titulo de direito de arena. In: OLIVEIRA,
Leonardo Andreotti Paulo de (Coord.). Direito do Trabalho e Desporto. Vol. III. São
Paulo: Quartier Latin, 2016.

RAMOS, Rafael Teixeira. Curso de Direito do Trabalho Desportivo: as relações


especiais de trabalho do esporte. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. A verdadeira história do acordo judicial que
fixou em 5% o percentual do direito de arena. In: BARROS, Marcelo Jucá e VEIGA,
Mauricio de Figueiredo Corrêa da (Org.). Revista da Academia Nacional de Direito
Desportivo (ANDD). Ano 1, nº 1, Rio de Janeiro, Jan/2016.

ZAINAGUI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no direito do


trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2015.

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