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Convenção sobre os Direitos das Pessoas com

Deficiência da ONU, Funcionalidade e Lei


Complementar 142: a implementação do
modelo biopsicossocial da deficiência na
política de Previdência Social brasileira

Wederson Santos
Assistente Social
Chefe da Divisão do Serviço Social do INSS
Doutorando em Sociologia pela UnB
Objetivo
Analisar a institucionalização das diretrizes e princípios da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da
Organização das Nações Unidas (ONU), e da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF),
da OMS, na Previdência Social, com a finalidade de apontar os
principais desafios para o fortalecimento do modelo
biopsicossocial da deficiência no país.
Origens do Modelo
Biopsicosocial da Deficiência
• Reino Unido;
• Upias (Liga dos Lesados Físicos Contra a Segregação),
1972;
• Esteira de outros movimentos sociais dos anos 1960/70,
tais como movimentos antirracistas, feminista, de gênero,
lutas por direitos civis;
• Campo de estudos sobre deficiência (disability studies);
• EUA e demais países do mundo
Modelo biomédico da deficiência e
a crítica dos movimentos sociais

Duas maneiras de se descrever a deficiência

Modelo biomédico: estático; localizado ao corpo; especialidade dos


saberes biomédicos; centralidade na etiologia e mais preocupado
com causas das incapacidades e impedimentos corporais (desde a
estruturação da ciência biomédica moderna no século XIX até os
anos1970).

Modelo social: interativo; considera os contextos e barreiras; as


particularidades pessoais; mais preocupado com as consequências
para fins de políticas públicas de reparações de injustiças e
alterações ambientais, estruturais e atitudinais; campo das ciências
sociais e humanas (dos anos 1970 aos dias atuais).
Consequências do Modelo
Biopsicossocial da Deficiência
Compreensão da deficiência como desigualdade baseia-se:

1. Ênfase nas origens sociais da lesões/impedimentos;


2. Reconhecimento das desvantagens sociais, econômicas, ambientais e psicológicas
provocadas nas pessoas com lesões/impedimentos, bem como a resistência a tais
desvantagens;
3. O reconhecimento de que a origem social da lesão/impedimento e as desvantagens
sofridas pelas pessoas com deficiência são produtos históricos, e não resultado da
natureza e
4. O reconhecimento do valor da vida das pessoas com deficiência, mas também a crítica a
produção social das lesões/impedimentos.

Produção de dois marcos normativos internacionais:

• Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), em 2001


• Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, em 2006.
Consequências do Modelo
Biopsicossocial da Deficiência
• A CIF publicada em 2001 foi uma extensa revisão da Classificação
Internacional de Lesão, Deficiências e Desvantagens (CIDID), de 1980

• A CIDID era uma especificação das deficiências para se diferenciar da CID


(Classificação Internacional de Doenças e Problemas relacionados à
Saúde)

Principais críticas dos teóricos do modelo biopsicossocial à CIDID:


1. Produzida por pessoas que não tinham a experiência da deficiência;
2. Com fundamentos morais sobre normalidade da pessoa humana;
3. Equívocos na causalidade entre lesão/impedimento e deficiência;
4. Intervenção no corpo com deficiência, na perspectiva da cura e reabilitação
e
5. Origem das desvantagens na lesão/impedimento e não na organização da
sociedade.
Consequências do Modelo
Biopsicossocial da
Deficiência

“Medicalizar um problema é mais deslocá-lo do


que resolvê-lo, porque é autonomizar uma de
suas dimensões, trabalhá-la tecnicamente e,
assim, cobrir sua significação sócio-política
global, a fim de torná-la uma ‘pura’ questão
técnica, adscrita à competência de um
especialista ‘neutro’. (ROBERT CASTEL, pág.
189, 1978)
Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde
(OMS)

• A CIF foi aprovada pela OMS em 2001

• -191 países adotam a CIF

• Incorporação do Modelo Social da Deficiência

• Modelo social: deficiência como uma desvantagem social que transfere do


indivíduo para a estrutura e atitudes sociais a causalidade da desigualdade

• A CIF foi publicada no Brasil em 2003


Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (OMS)

Propriedades e natureza da CIF

• Para a CIF, as pessoas não são as unidades de classificação, ou seja, a CIF


não classifica as pessoas, mas descreve e avalia as situações de cada
pessoa dentro de um espectro de domínios de saúde ou relacionados a
ela (pág. 20);

• A CIF é neutra do ponto de vista da etiologia das lesões/impedimentos e dos


agravos à saúde;

• Apesar de levar em consideração os fatores socioambientais na


determinação das incapacidades, para a CIF, a avaliação não será sobre
circunstâncias que não estejam relacionadas à saúde, como aqueles
resultantes de fatores socioeconômicos ;
Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (OMS)

Propriedades e natureza da CIF

• A CID-10 oferece uma estrutura etiológica, de diagnósticos de doenças, distúrbios ou


outras condições de saúde (pág.14);

 A CID oferece elementos para analisar as causas dos estados relacionados à


saúde;

• A CIF avalia e descreve a funcionalidade por uma análise das consequências sobre
a saúde e sobre os estados relacionados à saúde (pág.14);

 A CIF avalia a funcionalidade como aspectos positivos da interação entre um


indivíduo (com determinada condição de saúde) e seus fatores contextuais
(fatores ambientais e pessoais);

A CIF chega às deficiências pela avaliação das consequências das lesões/impedimentos


na relação com contextos ambientais.
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU

• Primeira Convenção da ONU do Novo Milênio, em 2006.

• A Convenção foi ratificada pelo Brasil, em 2008, com status


constitucional

• Essa Convenção da ONU foi a primeira que teve a participação da


sociedade civil;

• Decreto 6.949, de 2009, promulga a Convenção e o Protocolo


Facultativo
Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência da ONU
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas.

Discriminação por motivo de deficiência significa qualquer


diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o
propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o
desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil
ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação,
inclusive a recusa de adaptação razoável.
Lei Complementar 142

• LC 142, de 8 de maio de 2013;

• Decreto 8.145, de 3 dezembro de 2013;

• Portaria Interministerial n. 1, de 27 de
janeiro de 2014.
Lei Complementar 142
Lei Complementar n° 142, de 8 de maio de 2013

Conceito de deficiência

Art. 2°
...considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições
com as demais pessoas.
Lei Complementar 142
A concessão:

Art. 3°
É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com
deficiência, observadas as seguintes condições:

I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20


(vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte
e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte
e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco)
anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência,
desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e
comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Lei Complementar 142

Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP Nº 1 DE


27/01/2014

§ 2º A avaliação médica e funcional, disposta no caput,


será realizada pela perícia própria do INSS, a qual
engloba a pericia médica e o serviço social,
integrantes do seu quadro de servidores públicos.
Lei Complementar 142

Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP Nº 1 DE


27/01/2014

§ 1º A avaliação funcional indicada no caput será realizada


com base no conceito de funcionalidade disposto na
Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de
Saúde, e mediante a aplicação do Índice de
Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de
Aposentadoria - IFBrA, conforme o instrumento anexo
a esta Portaria.
Lei Complementar 142

Índice de Funcionalidade Brasileiro para


fins de Aposentadoria

Três partes:

• 41 Atividades e Participação (de 7


domínios da CIF)
• Pontuação baseada na Medida de
Independência Funcional (MIF)
• Aplicação do Modelo Linguístico Fuzzy
Lei Complementar 142

Índice de Funcionalidade Brasileiro para fins


de Aposentadoria

7 Domínios da CIF

1. Sensorial
2. Comunicação
3. Mobilidade
4. Cuidados Pessoais
5. Vida Doméstica
6. Educação, Trabalho e Vida Econômica
7. Socialização e Vida Comunitária
Lei Complementar 142

Índice de Funcionalidade Brasileiro para fins de


Aposentadoria

Atribuição de notas às atividades com escala de pontuação baseada na


MIF

25: Não realiza a atividade ou é totalmente dependente de terceiros para


realizá-la.

50: Realiza a atividade com o auxílio de terceiros

75: Realiza a atividade de forma adaptada, sendo necessário algum tipo de


modificação ou realiza a atividade de forma diferente da habitual ou mais
lentamente.

100: Realiza a atividade de forma independente, sem nenhum tipo de


adaptação ou modificação, na velocidade habitual e em segurança.
Lei Complementar 142

Índice de Funcionalidade Brasileiro para fins


de Aposentadoria
Modelo Linguístico Fuzzy

O Fuzzy visa baixar a pontuação das atividades referentes aos 02


domínios prevalentes naquela deficiência, isto implica em atribuir a
todos os domínios a menor pontuação dada pelo profissional
naqueles domínios.
Lei Complementar 142

Índice de Funcionalidade Brasileiro para fins de


Aposentadoria
Objetivos do Modelo Linguístico Fuzzy:

• introduzir elementos de balanceamento na avaliação das 41


atividades;
• Introduzir elementos qualitativo na avaliação quantitativa dos
critérios da MIF;
• Balancear e qualificar a pontuação pelos tipos de deficiência;
• Qualificar a avaliação por tipo de deficiência por critérios que o
avaliador considere relevantes nas particularidades do avaliado;
• Qualificar a avaliação por levar em consideração condições
identificáveis de maior vulnerabilidade, fragilidade e risco pelas
escolhas dos domínios preponderantes aos tipos de deficiência;
Lei Complementar 142
Principais desafios:

• Validação do IFBrA na perspectiva do fortalecimento do modelo biopsicossocial da


deficiência;

• Validação do IFBrA na perspectiva das especificidades da política previdenciária e


dos objetivos da aposentadoria às pessoas com deficiência;

• Aperfeiçoamento do IFBrA para apreciação objetiva das barreiras e fatores


ambientais;

• Aperfeiçoamento do IFBrA para valorizar a interdisciplinaridade e a


multidisciplinaridade;

• Aperfeiçoamento do processo de avaliação do INSS que contemple o território dos


segurados requerentes da aposentadoria;
Lei Complementar 142
Principais desafios:

• Aperfeiçoamento dos sistemas operacionais do INSS relacionados ao


processo de avaliação dos segurados requerentes da aposentadoria;

• Ampliação e divulgação de informações à sociedade a respeito da Lei


Complementar 142;

• Promoção de intercâmbios de conhecimento entre a Previdência Social e


demais políticas públicas direcionadas às pessoas com deficiência;

• Ampliação da discussão com a sociedade a respeito do processo de


implementação da Lei Complementar 142, em especial com as pessoas
com deficiência.
Obrigado!

Wederson Santos
Divisão do Serviço Social

wederson.santos@inss.gov.br

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