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ÉTICA, CIDADANIA E

DIREITOS HUMANOS
Prof. Dr. Jefferson Aparecido Dias
004 Aula 1: Conceito de Direitos Humanos

012 Aula 2: Ética

018 Aula 3: Cidadania

025 Aula 4: Desenvolvimento Histórico Da Construção Dos


Direitos Humanos (1ª Parte)

031 Aula 5: Desenvolvimento Histórico Da Construção Dos


Direitos Humanos (2ª Parte)

039 Aula 6: Direitos Humanos E Direitos Fundamentais

045 Aula 7: Eficácia Vertical e Horizontal dos Direitos Humanos e


Fundamentais

053 Aula 8: O Sistema Internacional de Proteção dos Direitos


Humanos

059 Aula 9: Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos


Humanos

067 Aula 10: Diversidade Cultural e Direitos Humanos

074 Aula 11: Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1988

079 Aula 12: Solução para a Colisão de Princípios

084 Aula 13: Igualdade na Ordem Constitucional

089 Aula 14: Liberdade na Ordem Constitucional

094 Aula 15: Fraternidade na Ordem Constitucional

099 Aula 16: Temos Direitos Humanos! E os Nossos Deveres?

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Introdução
O que são os direitos humanos?

Eu, como ser humano, tenho direitos pelo simples fato de ter nascido ou os
meus ancestrais, com suas lutas, são os grandes responsáveis para que, no
presente, meus direitos sejam garantidos e respeitados?

Os meus direitos podem ser exigidos apenas em relação ao Estado ou eu


posso pleitear direitos humanos em minhas relações interpessoais?

Além de direitos, eu também tenho deveres?

Essas são algumas das perguntas que pretendo responder com o texto a
seguir, em 16 (dezesseis) aulas, nas quais é apresentado amplo conteúdo a
ser investigado, a fim de que todos nós possamos, juntos, evoluir no reco-
nhecimento e garantia dos direitos humanos.

Importante frisar que, como orientando do saudoso Joaquín Herrera Flores


(vale a pena consulta a obra do maestro), defenderei uma posição mais
crítica em relação aos direitos humanos, em especial em relação à teoria
tradicional que os contempla como produtos naturais, decorrentes da es-
sência dos seres humanos. Mas, a par disso, serão apresentados conceitos
clássicos em homenagem justamente a essa teoria tradicional.

Ao final, espero que a leitura do presente texto e dos demais materiais


disponibilizados pela Unimar EaD permita que todos nós possamos desen-
volver e manter vivos os processos de luta em defesa dos direitos huma-
nos, a fim de que alcancemos uma situação de empoderamento cidadão e
possamos lutar por uma vida digna de ser vivida.

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01

Conceito de
Direitos Humanos

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O que são os direitos humanos? Essa, provavelmente, é uma das perguntas que mais
intrigam os estudiosos, tamanhas as polêmicas que envolvem a conceituação de
direitos humanos, muitas delas vinculadas à sua origem e amplitude. A presente aula
pretende trazer algumas respostas possíveis e convidar a todos para uma re exão
sobre o que são os direitos humanos.

Direitos humanos –
produtos naturais?
Para uma teoria tradicional dos direitos humanos, os direitos humanos são produtos
naturais, ou seja, decorrem da própria natureza dos seres humanos. Nesse sentido,
querido(a) aluno(a), pelo simples fato de nascer, independentemente do local em que
isso ocorra, todos nós, seres humanos, já teríamos garantidos os nossos direitos
humanos.

Essa, em certa medida, é a concepção adotada pela Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão, proclamada em 26 de agosto de 1789, com a Revolução
Francesa, que em seu artigo 1º  previa que: “Os homens nascem e são livres e iguais
em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”.

No mesmo sentido restou estabelecido na Declaração Universal dos Direitos


Humanos que, em seu artigo 1, estabelece que: “Todos os seres humanos nascem livres
e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (NAÇÕES UNIDAS, 2018). Essas
premissas levaram Comparato (2019, p. 15) a a rmar em sua obra “A a rmação
histórica dos direitos humanos” que:

O que se conta, nestas páginas, é a parte mais bela e importante de


toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar
das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem
entre si, merecem igual respeito, como únicos entes do mundo
capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza.

005
Em razão desses conceitos, defende-se que os direitos humanos são dotados de
essencialidade, pois seriam inerentes a todos os seres humanos e vinculados
diretamente à sua essência. Outra decorrência lógica dessa concepção de direitos
humanos é que eles seriam universais, ou seja, titularizados por todos os seres
humanos, independentemente do seu local de nascimento e mesmo do contexto
social no qual vivem. Assim, pouco importaria, para ns de garantia dos direitos
humanos, se uma pessoa nasceu em um país da África ou em algum país europeu,
pois os direitos humanos, sendo naturais e universais, deveriam ser garantidos para
todos, independentemente de seu contexto social.

Regra básica quando se fala em direitos humanos é rechaçar toda e


qualquer forma de discriminação que possa defender a sua violação,
em especial de minorias que, frequentemente, são ignoradas pelos
textos normativos. Assim, cuidado com qualquer manifestação que
possa transparecer preconceituosa, seja nas mídias sociais ou em
provas, pois alguns concursos tendem a eliminar os candidatos que
defendam uma eventual violação de direitos humanos.

Essa concepção universalista dos direitos humanos foi estabelecida inicialmente com
a Revolução Francesa e, posteriormente, foi rea rmada pela ONU ao ser aprovada a
Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Apesar de universais, contudo, os direitos humanos teriam sido consagrados


gradativamente, num processo que segundo alguns autores se deu por meio de
gerações ou dimensões de direitos humanos, as quais estariam vinculadas aos
valores defendidos pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

A primeira geração ou dimensão estaria relacionada aos direitos civis e políticos, os


quais imputariam obrigações negativas ao Estado, a quem caberia garantir a
liberdade individual do cidadão. Já a segunda geração contemplaria os direitos sociais,

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econômicos e culturais, os quais exigiriam uma atuação positiva do Estado, que seria
obrigado a garantir a igualdade de direitos para todos os cidadãos.

Por m, os direitos de terceira geração, relacionados ao ideal de fraternidade, diriam


respeito aos direitos difusos e coletivos, que envolveriam a atuação do Estado e dos
próprios cidadãos na garantia dos direitos titularizados por todos, como é o caso do
meio ambiente saudável.

Particularmente não me agrada essa divisão dos direitos humanos em gerações ou


dimensões, pois ela pode trazer a ideia equivocada de que a conquista de direitos
humanos deve ocorrer de forma escalonada, ou seja, a luta pelos direitos de segunda
geração somente deve ocorrer após todos terem conquistado os de primeira geração.
Na verdade, parece-me que o ideal é que os direitos humanos sejam concebidos de
forma integrada, e que a luta por sua concretização ocorra independentemente de
qual geração lhe seja atribuída.

Apesar dessa minha posição crítica, tenho que reconhecer que, na atualidade, ao
contrário do que ocorria no passado, tem crescido a preocupação com os supostos
direitos de terceira geração, ou seja, os relacionados com a fraternidade ou com a
solidariedade. Essa preocupação tem motivado posições altruístas, a partir das quais
os cidadãos têm colaborado cada vez mais com as pessoas que, por uma razão ou
outra, buscam auxílio junto a seus pares.

A partir dessa concepção, conforme leciona Norberto Bobbio, o problema da


atualidade já não seria justi car ou estabelecer os direitos humanos, mas sim adotar
meios para torná-los efetivos.

Em homenagem aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos


Humanos, a ONU publicou textos explicativos sobre cada um dos seus
artigos, cuja leitura é imprescindível. NAÇÕES UNIDAS BRASIL: Textos
explicativos sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Acesse: Disponível aqui

007
Direitos humanos –
produtos culturais?
Se para a teoria tradicional de direitos humanos eles devem ser concebidos como
produtos naturais e vinculados à essência dos seres humanos, para uma teoria crítica,
os direitos humanos, na verdade, são produtos culturais construídos e conquistados
historicamente pelos seres humanos dentro de seus contextos sociais.

El tres de mayo de 1808 en Madrid, de Goya (1814) | Fonte: Disponível aqui

Se para a teoria tradicional de direitos humanos eles devem ser concebidos como
produtos naturais e vinculados à essência dos seres humanos, para uma teoria crítica,
os direitos humanos, na verdade, são produtos culturais construídos e conquistados
historicamente pelos seres humanos dentro de seus contextos sociais.

Nesse sentido, para Joaquín Herrera Flores, os direitos humanos são “resultados
provisórios de lutas sociais por dignidade.” (HERRERA FLORES, 2009, p. 120). Uma vez
que o autor conceitua a dignidade humana como o acesso igualitário, não
previamente hierarquizado, aos bens necessários para uma vida digna de ser vivida, é

008
possível conceituar direitos humanos como os resultados provisórios de processos de
luta pelo acesso igualitário, não previamente hierarquizado, aos bens necessários
para uma vida digna de ser vivida (HERRERA FLORES, 2009).

Por essa concepção, os direitos humanos não são, portanto, garantidos a todos os
seres humanos pelo simples fato de nascerem, sendo necessário que lutas sejam
travadas para que os direitos sejam conquistados e, posteriormente, tais lutas
continuam a ser necessárias para que os direitos humanos sejam mantidos.

Outra consequência da adoção dos direitos humanos como produto cultural é que
eles deixam de ser considerados universais e ganham conotação regional ou local.
Assim, já não se pode falar que os direitos humanos são necessariamente os mesmos
independentemente do local de nascimento e o contexto social no qual vive cada ser
humano.

É possível encontrar, portanto, seres humanos em situações diferentes em relação à


conquista e efetivação de direitos humanos, pois dependem em grande parte do
contexto no qual se pretende garanti-los.

A obra “El tres de mayo de 1808 en Madrid'', de Goya, é usada por Joaquín Herrera
Flores para explicar como o suposto universalismo dos Direitos do Homem e do
Cidadão consagrados pela Revolução Francesa não foram garantidos aos espanhóis
em 1808:

[...] do que se defendiam os homens e mulheres que estavam a ponto


de ser fuzilados pelos soldados franceses pintados por Goya?
Atacando ideais universalistas da Ilustração francesa, os “rebeldes” se
deixavam matar por ideais, do mesmo modo, universalistas da
tradição anti-ilustrada espanhola. Ao mesmo tempo, os soldados do
exército da liberdade os assassinavam em nome dos ideais mais
universais surgidos da Revolução ilustrada. De dois particularismos
chegava-se à violência, pois eles se apresentavam como ideais
universais que todos deveriam aceitar. (HERRERA FLORES, 2009, p.
173).

Por outro lado, porém, como o autor adverte, não se pode admitir um regionalismo
absoluto, pois se estaria diante de um novo universalismo ou, conforme defende, um
universalismo de retas paralelas.

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Da mesma forma que um universalismo de partida não é desejável, pois ele
desconsidera o contexto social no qual os seres humanos nascem e vivem, um
universalismo de retas paralelas também não deve ser buscado, pois ele acaba por
desconsiderar as características particulares dos demais, sendo válido apenas o local.

A solução, assim, seria um universalismo de chegada, a ser buscado a partir do


diálogo intercultural, no qual os seres humanos possam conhecer novas realidades
diferentes daquelas existentes em seu contexto, e buscar, no contato com os outros
seres humanos, estabelecer quais direitos deverão ser universalizados:

Ao universal, há que se chegar – universalismo de chegada ou de


con uência – depois (não antes) de um processo de luta discursivo,
de diálogo ou de confrontação em que se rompam os preconceitos e
as linhas paralelas. Falamos do entrecruzamento de propostas, e não
de uma mera superposição (HERRERA FLORES, 2009, p. 162).

A garantia e efetividade dos direitos humanos exigem, portanto, uma grande


vigilância, pois é necessário lutar para que eles sejam reconhecidos pelos textos
normativos, mas isso não basta, pois é necessário que se continue a lutar para que os
textos normativos sejam efetivamente colocados em prática.

Não basta que o direito à saúde seja reconhecido pelo texto constitucional e por
inúmeras leis, mas é necessário que os governantes efetivamente disponibilizem
médicos, remédios, hospitais, etc. para que tal direito seja usufruído pelo cidadão,
que tem no voto e na participação popular a sua maior arma.

010
No Brasil, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC),
vinculada ao Ministério Público Federal, atua de forma intensa na
defesa dos direitos humanos, seja por meio da emissão de notas
técnicas referentes a atos normativos, seja por meio de outras formas
de atuação extrajudicial. Em sua página da internet, a PFDC divulga
todas as suas atuações em defesa dos direitos humanos.

Além disso, o cidadão que se sentir prejudicado por alguma medida


adotada pelo Governo Federal pode oferecer uma representação por
meio da “Sala de Atendimento ao Cidadão”, disponibilizada a seguir via
endereço eletrônico.

Acesse: PFDC SAC

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02

Ética

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“Ética” é uma expressão que faz parte do nosso dia a dia como algo que deve ser
respeitado por todos. Repetimos de forma quase que automática que somos éticos e,
com a mesma facilidade, julgamos as atitudes dos outros e as classi camos como
antiéticas. Mas, a nal, o que é ética?

Conceito de ética
A expressão ethos, que se originou da palavra ética, era utilizada pelos gregos para
representar “aquela dimensão da vida humana sobre que incidem normas [...]
destinadas a fornecer parâmetros para decidir entre opções de conduta futura
igualmente possíveis e mutuamente contraditórias.” (ADEODATO, 2012, p. 71).

Assim, a ética estava relacionada ao estabelecimento de regras de conduta que


tivessem como perspectiva a escolha do certo ao invés do errado, do justo ao
contrário do injusto.

Em razão disso, a ética é conceituada como “a ciência ou loso a que fará a eleição
das melhores ações tendo como horizonte o interesse coletivo, universal.” (ALMEIDA;
CHRISTMANN, 2009, p. 4).

Essa busca pelo coletivo e pelo universal, inclusive, seria a diferença apresentada
entre ética e moral, pois esta segunda não teria “pretensões de universalização,
porque ela tem como base o próprio comportamento social, não uma re exão sobre
ele [e] não se baseia numa re exão, mas nos costumes de determinada sociedade em
determinado lugar, em um preciso tempo histórico. Ele é, portanto, costumeiro,
tradicional, e não losó co” (ALMEIDA; CHRISTMANN, 2009, p. 4).

Apesar dessa suposta distinção de moral e ética, não raras vezes as duas palavras são
utilizadas como sinônimos, pois ambas estariam relacionadas ao agir humano e
teriam como objetivo delimitar se esse agir é correto, justo.

Aristóteles (2001), em sua obra “Ética a Nicômacos”, defende que o justo (e, portanto,
o que seria moral e ético) é agir com proporcionalidade, no meio termo, evitando os
excessos que se caracterizariam como injustos.

013
Assim, para Aristóteles, a atuação correta e justa é aquela que pode ser considerada
proporcional e que se afasta dos extremos, sendo que as condutas extremas e,
portanto, desproporcionais, seriam violadoras da moral e da ética.

Emmanuel Kant, ao de nir moral, sustenta que: “O princípio supremo da moral é,


portanto: age segundo uma máxima que possa ter valor como lei geral. Toda máxima
que não seja suscetível dessa extensão é contrária à moral.” (KANT, 1993, p. 40). Para
ele, o agir moral é desejado por todos, pois bene cia a todos, ao contrário da ação
imoral, que prejudicaria não apenas o seu autor, mas toda a comunidade na qual ele
está inserido.

Trazendo essas situações para os nossos dias, é possível veri car que a atuação ética
e moral de um político tende a bene ciar toda a comunidade na qual ele está
inserido, ao contrário do agir imoral e antiético, que além de prejudicar a
comunidade, também acaba por prejudicar até mesmo o país como um todo.

Nos tempos atuais, muitos são os dilemas morais que se apresentam,


em especial em razão do desenvolvimento de novas tecnologias. É
certo que tais tecnologias, por si só, não podem ser classi cadas como
boas ou más, mas, infelizmente, o uso que delas se faz pode ser
considerado bom ou mal. Sobre o tema, é muito interessante o livro
“Justiça: o que é fazer a coisa certa”, de Michael J. Sandel, no qual o
autor discute vários temas instigantes dos nossos tempos tais como
suicídio assistido, aborto, imigração, impostos, os limites morais do
mercado, etc. Trata-se de uma excelente leitura.

Capa: Disponível aqui

É 014
Ética na prática
Como se vê, os conceitos de ética, moral e justiça, apesar de não serem idênticos,
acabam por se entrelaçar, pois todos dizem respeito às regras de condutas impostas
aos seres humanos e que tenham como resultado algo que pode ser tido como certo,
apesar da imensa di culdade que tais conceitos impõem.

Interessante que essa di culdade em de nir o correto, o certo, en m, o justo, é tão


difícil que o legislador brasileiro optou, no caso da Lei de Improbidade Administrativa,
em indicar o que é errado ou injusto.

Neste sentido, para a mencionada Lei, são considerados como atos de improbidade
administrativa e, portanto, atos imorais e injustos, aqueles que (1) tenham como
objetivo o enriquecimento ilícito do agente público, (2) resultem em prejuízo ao
Patrimônio Público e (3) violem os princípios que devem nortear a atuação da
Administração Pública (BRASIL, 1992).

Assim, em resumo, ética pode ser considerada a ciência que se dedica a estudar o que
deve ser considerado como sendo um agir moral e justo ou, em outras palavras, o
estudo que permite diferenciar o certo do errado.

A partir desse conceito, praticamente todas as pro ssões elaboram o seu Código de
Ética, que traz regras de conduta e vedações que servem de orientação para que os
pro ssionais ajam de forma correta e não adotem posturas que possam ser
consideradas inadequadas.

Assim, a título de exemplo, no caso dos médicos, o Conselho Federal de Medicina


editou o Código de Ética Médica, o qual estabelece que, em respeito aos direitos
humanos (Capítulo IV), é vedado ao médico: “Deixar de obter consentimento do
paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser
realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.” (BRASIL, 2010, p. 37).

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Da mesma forma que o Conselho Federal de Medicina, praticamente
todas os conselhos de classe possuem um Código de Ética, o qual é de
observância obrigatória pelos pro ssionais. Além disso, os preceitos
dos Códigos de Ética com frequência são exigidos em concursos
públicos. No caso da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o Código
de Ética (Resolução nº 02/2015) é um dos temas exigidos no Exame de
Ordem, cuja aprovação é imprescindível para o Bacharel de Direito que
pretenda advogar.

Como vimos na aula anterior, os direitos humanos podem ser concebidos como
produtos naturais, vinculados à própria essência dos seres humanos e de observância
obrigatória por todos, ou como produtos culturais, resultados provisórios de
processos de luta pela dignidade humana.

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Em qualquer um dos dois sentidos, porém, os direitos humanos demandam uma
atuação tendo em vista a si próprio e o outro, ou seja, impõem uma conduta que, a
despeito de permitir o exercício do meu direito, também respeite o direito garantido
ao outro.

Existe um dito popular no sentido de que “o meu direito vai até onde começa o direito
do outro”. Apesar de tê-la ouvido com enorme frequência, não consigo concordar com
tal frase, pois ela transmite a ideia de que a única forma que possuo para aumentar
os meus direitos é reduzindo os direitos dos outros. Assim, parece-me que uma
melhor formulação da frase seria que “o meu direito vai até onde VAI o direito do
outro”, pois, se para mim é garantido o direito à saúde, é porque esse é um direito
que é garantido para todos, ou seja, um direito humano.

Assim, a garantia dos direitos humanos depende de um compromisso ético de todos


“com nós mesmos, com os outros e com a natureza [...] compromisso com os direitos
humanos”, que consiste em “criar as condições e as possibilidades sociais,
econômicas, culturais, políticas e jurídicas de ter, exigir e garantir as
responsabilidades que assumimos nesse processo de humanização do humano.”
(HERRERA FLORES, 2009, p. 214).

A nal, não se podem garantir direitos humanos se os humanos não agirem com ética
em relação a si mesmos e à natureza.

Infelizmente, nem sempre os agentes públicos respeitam a ética em


suas condutas e, nesses casos, acabam sendo processados pela prática
de atos de improbidade administrativa. O Ministério Público Federal
disponibiliza um “Mapa da Improbidade” no qual é possível veri car o
número de ações de improbidade administrativa em curso e, inclusive,
ter acesso a documentos relacionados a cada uma destas ações.

Acesse: Disponível aqui

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Cidadania

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Imagine-se morando na Europa antes da Revolução Francesa, durante os Estados
Absolutistas. Imaginou? Bom, que sabendo que naquele momento histórico inexistia
a gura do cidadão, e os seres humanos eram tidos como objeto (e não titular) de
direito dos que detinham o poder.

Assim, o Estado tinha o poder soberano de “deixar viver e fazer morrer”, conforme
leciona Foucault (1999), pois os seres humanos eram tidos como vinculados à terra
que ocupavam e junto com ela integravam a propriedade de seu dono.

Com a revolução francesa, surge a gura do cidadão e, como vimos na primeira aula,
é criada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Quando você lê a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”,


imagina que nela também estão contemplados os direitos das
“Mulheres e Cidadãs”? Saiba que não, pois, na época, apesar dos ideais
de liberdade, igualdade e fraternidade defendidos pelos franceses
revolucionários, os direitos foram conquistados apenas para os
homens, pois as mulheres permaneceram sendo consideradas objeto
de direito. Olympe de Gouges defendeu a aprovação, também, de uma
“Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, nos exatos termos da
versão masculina, mas foi decapitada pelos revolucionários. Uma
leitura interessante é a história em quadrinhos de Olympe de Gouges:
BOCQUET, José-Louis. MULLER, Catel. Olympe de Gouges. Trad. André
Telles. São Paulo: Record, 2014.

Capa: Disponível aqui

Assim, a gura do cidadão surge apenas com a Revolução Francesa, a partir da qual
passam a ser estabelecidos direitos deste em relação ao Estado. E hoje, como
podemos conceituar a cidadania?

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Conceito de cidadania
Atualmente, já não estamos num estado absolutista, e o poder soberano foi
substituído, no caso das democracias, pelo poder do povo. No caso do Brasil, a
Constituição Federal de 1988 é expressa em a rmar que: “Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição.” (parágrafo único, do art. 1º. BRASIL, 1988).

Votar em candidatos que possam representá-lo e participar diretamente, nos termos


da Constituição, da gestão do país são direitos do cidadão, que também pode se
candidatar para ocupar cargos públicos eletivos, como Presidente da República e
demais cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

Assim, cidadania pode ser conceituada como a "capacidade para o exercício dos
direitos políticos, como processo de transformação do poder soberano em órgão
representativo." (FRANCO, 2019, p. 106).

Como no Brasil os direitos de votar (cidadania ativa) e ser votado (cidadania passiva)
são exclusivos dos brasileiros, o conceito de cidadão, em certa medida, acaba se
confundindo com o de nacional ou naturalizado.

E como cam os estrangeiros?

E os estrangeiros?
No Brasil, os direitos e deveres dos estrangeiros estão previstos na Lei nº 13.445, de
24 de maio de 2017, a qual instituiu a Lei da Migração. Para referida lei, são adotados
os seguintes conceitos:

II - imigrante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que


trabalha ou reside e se estabelece temporária ou de nitivamente no
Brasil;
III - emigrante: brasileiro que se estabelece temporária ou

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de nitivamente no exterior;
IV - residente fronteiriço: pessoa nacional de país limítrofe ou
apátrida que conserva a sua residência habitual em município
fronteiriço de país vizinho;
V - visitante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que vem ao
Brasil para estadas de curta duração, sem pretensão de se
estabelecer temporária ou de nitivamente no território nacional;
VI - apátrida: pessoa que não seja considerada como nacional por
nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da Convenção
sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto nº
4.246, de 22 de maio de 2002 , ou assim reconhecida pelo Estado
brasileiro.

Para tais pessoas, ao contrário do que ocorre com o nacional, não é garantido o
direito ao voto, razão pela qual é possível concluir que eles não são titulares de
cidadania ativa ou passiva. Apesar disso, a mencionada Lei de Migração é expressa
em a rmar que para todos os acima mencionados é adotado como princípio a
“universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos.” (art. 3º,
inciso I).

Assim, apesar de não serem cidadãos brasileiros, os estrangeiros, qualquer que seja a
sua classi cação de acordo com a lei, são titulares de direitos e de deveres. Nesse
sentido:

Os estrangeiros praticamente se igualam aos nacionais quanto ao


exercício de direitos e deveres. Evidentemente, contudo, que se lhes
atribuem algumas limitações próprias. (...)
Os direitos políticos não são reconhecidos aos estrangeiros,
ressalvado os portugueses, consoante se constata do § 2º  do art. 14
da CF. Assim, não podem votar, nem podem ser eleitos para o
exercício de cargos políticos. Também estão impedidos de apresentar
ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF). Igualmente, não podem exercer
cargos, empregos ou funções públicas (art. 37, I, da CF), salvo na
forma da lei (art. 37, I, in ne, e art. 207, § 1º). Nem podem
subscrever projeto de lei de iniciativa popular (art. 61, § 2º, da CF).
(TAVARES, 2018, p. 681).

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Apesar de o Brasil não admitir o direito de voto para os estrangeiros, o que também
ocorre na Argentina, alguns países da América do Sul o admitem. Vejamos um breve
resumo sobre o tema (BAHTEN, 2013):

Paraguai: os estrangeiros residentes no país podem votar nas eleições


municipais;
Uruguai: os estrangeiros com família constituída e vivendo há mais de 15 anos
no país, com boa conduta e que possuam capital ou propriedade, ou que
desempenhem alguma atividade pro ssional no país, podem votar nas mesmas
condições que os nacionais;
Chile: os estrangeiros residentes há mais de 5 anos no país podem votar nas
mesmas condições que os nacionais.

Assim, no Uruguai e no Chile, preenchidas algumas condições especiais, os


estrangeiros também podem votar, tal qual os nacionais. Essa equiparação do
nacional e o estrangeiro, no que diz respeito ao voto são “tentativas explanatórias que
procuram ultrapassar a gura da cidadania clássica de nida pelo pertencimento a um
território (país) para dar conta da crescente mobilidade dos cidadãos do mundo e,
diante disso, da falta de ferramentas jurídico-políticas para garantir seus direitos.”
(CHELIUS, 2011, p. 233).

Dentre os estrangeiros, porém, existem alguns que têm sofrido ainda mais em relação
à violação de seus direitos e esses são os refugiados, que estudaremos no próximo
tópico.

Cidadania e direitos
humanos: o desafio dos
refugiados!
Como vimos no item anterior, apátridas são pessoas que nenhum Estado reconhece
como nacional. Isso pode ocorrer por alguns motivos (PEREIRA, 2014, p. 12):

(1) a discriminação das minorias nas legislações nacionais, pela retirada da


nacionalidade de alguns grupos em virtude de posições políticas, étnicas ou religiosas;

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(2) a não inclusão de todos os residentes do país no patamar de “cidadãos” quando o
Estado se torna independente; e

(3) pelos critérios soberanos de distribuição da nacionalidade que podem entrar em


con ito em determinadas situações.

O fato de o apátrida não ser reconhecido como nacional e, portanto, cidadão de


qualquer país, acaba por exigir um tratamento especial por parte do país no qual ele
reside.

No caso dos refugiados, Segundo Pereira:

[...] a discussão não está diretamente atrelada à questão da


cidadania como decorrência da nacionalidade, mas sim na
impossibilidade de um ser humano manter uma vida em
segurança no seu país de nascimento, em virtude de bem fundado
temor de perseguição por questões políticas, raciais, religiosas,
sociais e étnicas, dentre outras que envolvam grave afronta aos
direitos humanos. (PEREIRA, 2014, p. 12).

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Os refugiados, assim, são forçados a deixarem os seus países e ingressarem em
outros Estados a m de tentar garantir a própria vida. Para se ter uma ideia do
crescente desa o que é garantir os direitos dos refugiados, dados do ACNUR, Agência
da ONU para Refugiados, indicam que, em 2017, o número de refugiados chegou a
68,5 milhões de pessoas (ACNUR, 2018).

Assim, da mesma forma que para os estrangeiros devem ser garantidos todos os
direitos humanos garantidos aos cidadãos, também os refugiados precisam ser
tratados com igual respeito e consideração, levando-se em consideração a sua
condição especial de perseguido, obrigado a deixar para trás o próprio país.

A situação dos refugiados é dramática e, infelizmente, parece longe de


ter um nal feliz. Para manter-se atualizado sobre o tema, a consulta à
página da ACNUR, Agência da ONU para os Refugiados é
imprescindível: ACNUR. Refugiados.

Fonte: Disponível aqui

024
04

Desenvolvimento Histórico da
Construção dos Direitos
Humanos (1ª Parte)
025
A compreensão da evolução histórica dos direitos humanos depende de qual a
concepção que deles se adota, pois, se entendermos que os direitos humanos são
produtos naturais, que decorrem da própria essência dos seres humanos, eles teriam
surgido no exato instante em que o homem foi criado (criacionismo) ou nasceu
(evolução natural).

Por outro lado, se a teoria adotada for a que atribui aos direitos humanos a qualidade
de produtos culturais (resultados de processos de luta), tais direitos nasceram
justamente após uma luta realizada para a sua consagração.

Em resumo, se forem concebidos como produtos naturais, os direitos seriam apenas


revelados (pois já existiriam, desde sempre, junto com o homem), ou criados (a partir
das lutas) se tidos como produtos culturais.

Antecedentes históricos
No próximo item, estudaremos a Magna Carta de João Sem-Terra, de 1215, tida como
um dos primeiros documentos a reconhecer direitos humanos. Antes dela, porém,
Castilho apresenta os seguintes documentos que, em tese, representariam as
primeiras manifestações em defesa dos direitos humanos: 

No Egito do ano 1250 antes de Cristo, consta que Moisés recebeu no monte
Horeb os dez mandamentos que lhe foram entregues por Deus. Supõe-se ter
sido o primeiro documento escrito, relacionado com direitos humanos.
Na China do século IV antes de Cristo, os lósofos Mêncio e Mo-Tseu
reformaram a teoria do altruísmo, de Confúcio, e passaram a chamá-la de teoria
do amor universal. Segundo esses lósofos, todas as pessoas, de todas as
classes sociais, são iguais. E os indivíduos, governantes ou governados, devem
ter sua dignidade respeitada por meio da tolerância, da generosidade e da
conduta reta.
Na Roma do ano 450 antes de Cristo, os plebeus obtiveram a votação da Lei das
XII Tábuas, que diminuiu o poder arbitrário dos cônsules.
Na Roma do ano 413, Santo Agostinho publicou “Cidade de Deus”, re etindo
sobre as diferenças entre governos tirânicos e governos que agem conforme a
lei. (CASTILHO, 2018, p. 31).

026
Esses documentos não são citados como sendo os portadores de regras e princípios
de direitos humanos, mas é certo que eles, de alguma forma, podem ter sido
utilizados para a elaboração de documentos futuros, que possuem em seu conteúdo
normas relacionadas a direitos humanos.

A temática dos direitos humanos tem ganhado grande destaque nos


últimos anos, a ponto de serem criadas várias bibliotecas (virtuais e
físicas) a ela dedicadas. Que tal visitá-las e conhecer mais sobre a
história dos direitos humanos? Indicamos algumas delas: Biblioteca
Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo¹; Biblioteca
Temática de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo²; Biblioteca
Virtual do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos³.

Acesse: Biblioteca¹   Biblioteca²   Biblioteca³

A Magna Carta de João


Sem-Terra
Um dos primeiros documentos históricos a mencionar os direitos humanos é a Magna
Carta, assinada pelo Rei João Sem-Terra, no dia 15 de julho de 1215, a m de fazer
cessar as hostilidades que recebia por parte dos barões do reino (COMPARATO, 2019,
p. 83-86).

027
Vários são os preceitos da Magna Carta que inspiraram regras e princípios atuais,
dentre as quais merece destaque a sua cláusula 39, que prevê o princípio do devido
processo legal, atualmente previsto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal
(COMPARATO, 2019, p. 94).

Além disso, em sua cláusula 61, a Magna Carta traz o “primeiro esboço de um
mecanismo de responsabilidade do rei perante os seus súditos, vale dizer, o início do
processo de abolição do próprio regime monárquico.” (COMPARATO, 2019, p. 94).

Importante destacar, contudo, que a Magna Carta não teve como objetivo garantir os
direitos do cidadão, mas sim os direitos dos barões do reino, ou seja, da burguesia
que buscava se proteger do arbítrio existente em um Estado absolutista que, por sua
vez, nem sempre respeitou os preceitos nela contidos. Nesse sentido,

[...] o documento nunca pretendeu ser uma declaração duradoura de


princípios legais. Foi apenas uma solução prática para uma crise
política e serviu exclusivamente aos nobres e religiosos que queriam
limitar o comportamento despótico do rei. E caz ou não, a Magna
Carta de 1215 foi um marco na história,tornando-se o início da
monarquia constitucional inglesa e um primeiro passo para o
constitucionalismo no mundo ocidental. (CASTILHO, 2018, p. 52-53).

Realmente, apesar de hoje ser questionável a e cácia que a Magna Carta possuiu na
época, é evidente que muitos de seus preceitos serviram de fonte de inspiração para
a construção do constitucionalismo moderno e, também, para a sua posterior
conversão em direitos que devem ser garantidos para todos os seres humanos.

A Declaração de Virgínia
A Declaração de Virgínia, de 1776, que marca a independência dos Estados Unidos, é
considerada um dos mais importantes documentos de reconhecimento dos direitos
humanos, pois pela primeira vez é reconhecido o “direito à vida, que só voltaria a
aparecer no século XX” (CASTILHO, 2018, p. 84).

028
Além disso, a mencionada Declaração pela primeira vez reconhece a soberania
popular e a existência de direitos inerentes a todos os seres humanos (e, portanto,
naturais). Nesse sentido, é a lição de Comparato (2019, p. 117):

A importância histórica da Declaração de Independência está


justamente aí: é o primeiro documento político que reconhece, a par
da legitimidade da soberania popular, a existência de direitos
inerentes a todo ser humano, independentemente das diferenças de
sexo, raça, religião, cultura ou posição social.

Neste sentido, merecem ser transcritos os dois primeiros artigos da Declaração de


Virgínia, que trazem os preceitos acima mencionados (CASTILHO, 2018, p. 85):

Declaração dos Direitos da Virgínia (Williamsburg, 12 de junho de


1776)

029
(Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom povo
de Virgínia, reunidos em assembleia geral e livre; cujos direitos que
pertencem a eles e à sua posteridade, como base e fundamento do
governo)

Artigo 1º: Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e
independentes e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram
em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou
despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com
os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter
felicidade e segurança.

Artigo 2º: Que todo poder é inerente e, consequentemente, deriva do


povo; que os magistrados são seus mandatários e seus servidores e,
em qualquer momento, perante ele responsáveis.

Importante mencionar ainda que os preceitos representam “historicamente a


transição dos direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais
constitucionais.” (CASTILHO, 2018, p. 84), distinção que será mais bem explicada em
nossa aula 6.

Apesar de discordar dessa concepção jusnaturalista, ou seja, de que os direitos


humanos são produtos naturais, entendo que é perfeitamente possível conceber, a
partir da Declaração de Virgínia, os direitos humanos como sendo produtos culturais,
pois ela e os direitos por ela consagrados (criados) surgiram justamente como
resultado de processos de luta pela independência dos Estados Unidos. A discussão
que restaria, portanto, é saber se tais direitos são realmente “universais e absolutos”
ou se comportam certos “ajustes” que permitam que eles sejam concebidos a partir
de determinados contextos como regionais e relativos, tema que abordaremos em
aula futura.

030
05

Desenvolvimento Histórico da
Construção dos
Direitos Humanos (2ª Parte)
031
Em nossa aula anterior, dedicada ao estudo da história dos direitos humanos, vimos
alguns antecedentes históricos que precederam a elaboração de documentos
especí cos para tratar dos direitos humanos, bem como a Declaração de Virgínia,
elaborada no contexto da Independência dos Estados Unidos e na qual foram
contemplados, pela primeira vez, alguns direitos humanos garantidos até hoje.

Agora estudaremos a Revolução Francesa e os documentos de direitos humanos que


dela decorreram, direta ou indiretamente.

Revolução Francesa e
Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão
A Declaração de Virgínia de 1776, mencionada na aula anterior e que marcou a
independência dos Estados Unidos, é tida como a primeira declaração moderna sobre
direitos humanos, e teria servido de inspiração para a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, aprovada em 1789 pela Revolução Francesa e considerada “um
dos mais importantes documentos sobre o tema dos direitos humanos de todos os
tempos.” (CASTILHO, 2018, p. 31).

É importante que reconheçamos o contexto social no qual eclodiu a Revolução


Francesa, num momento de governos absolutistas que desconheciam a gura do
cidadão, pois ainda prevalecia a concepção dos seres humanos como súditos. Assim,
retirando o Clero e a Realeza, que por serem os detentores do poder tinham, por
consequência, “direitos”, os demais seres humanos eram tidos como “objeto” de
direito e não “titulares” de direito.

Os súditos não tinham praticamente qualquer direito em relação ao seu soberano,


sendo impensável imaginar que eles pudessem pleitear o reconhecimento de direitos
em face do Estado, cuja personalidade se confundia com a do próprio governante,
como se pode concluir pela célebre frase de Rei Luiz XIV de que o “Estado sou eu” (no
original, “L’État c’est moi"). A frase completa seria (FUKS, s.d.) “Je suis la Loi, Je suis l'Etat;

032
l'Etat c'est moi" (Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!) e bem demonstra o
tamanho do poder do rei na época, o qual concentrava em suas mãos o poder sobre
tudo e sobre todos.

Nesse cenário, eclode a Revolução Francesa quando, impulsionados pelos ideais


iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade, os revolucionários derrubaram o
regime absolutista e instauraram uma Assembleia Constituinte que marcou o início
do regime republicano (COMPARATO, 2018, p. 140).

Os revolucionários franceses estavam tão convencidos de que


inauguravam uma nova era com a Revolução Francesa que adotaram
um novo calendário, em substituição ao calendário gregoriano. O novo
calendário francês tinha os seguintes meses: Pluvioso, Ventoso,
Germinal, Floreal, Prairial, Messidor, Termidor, Frutidor, Vendemiário,
Brumário, Frimário e Nivoso (CALENDÁRIO, 1989, p. 51-53).

A Assembleia Constituinte, no dia 26 de agosto de 1789, aprovou a Declaração dos


Direitos do Homem e do Cidadão, a qual trazia em seu preâmbulo que (COMPARATO,
2018, p. 165-166):

Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia


nacional, considerando que a ignorância, o descuido ou o desprezo
dos direitos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e
da corrupção dos governos, resolveram expor, numa declaração
solene, os   direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a
m de que essa declaração, constantemente presente a todos os
membros do corpo social, possa lembrar-lhes sem cessar seus
direitos e seus deveres; a m de que os atos do poder legislativo e os
do poder executivo, podendo ser a todo instante comparados com a
nalidade de toda instituição política, sejam por isso mais
respeitados; a m de que as reclamações dos cidadãos, fundadas

033
doravante em princípios simples e incontestáveis, redundem sempre
na manutenção da Constituição e na felicidade de todos. Em
consequência, a Assembleia nacional reconhece e declara, na
presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do
Homem e do Cidadão.

Seguindo, em seu artigo primeiro, consagra o princípio da igualdade, ao a rmar que:


“Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só
podem fundar-se na utilidade comum.” (COMPARATO, 2018, p. 166).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bem como os ideais de liberdade,


igualdade e fraternidade inspiraram praticamente todos os demais documentos que
consagram direitos humanos no mundo ocidental. Contudo, é sempre bom alertar
que, no contexto história da Revolução Francesa, apenas os direitos dos homens
eram contemplados, pois as mulheres continuavam a ser consideradas como “objeto”
e “não titulares” de direitos.

O texto integral da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão


está disponível na Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP.

Fonte: Disponível aqui

034
A Declaração Universal
dos Direitos Humanos
Em 10 de dezembro de 1948, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, foi
aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, reiterando os ideias
defendidos durante a Revolução Francesa, proclama, em seu artigo I, os “três
princípios axiológicos em matéria de direitos humanos: a liberdade, a igualdade e a
fraternidade.” (COMPARATO, 2019, p. 233).

A referida Declaração (e a própria internacionalização dos direitos humanos), nas


palavras de Piovesan (2018, p. 210), “constitui, assim, um movimento extremamente
recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e
aos horrores cometidos durante o nazismo.” A autora também a rma que
“apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi
marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, o que
resultou no extermínio de onze milhões de pessoas.” (PIOVESAN, 2018, p. 210).

A referida Declaração tem como principais características a amplitude, por de nir um


extenso rol de direitos, a indivisibilidade dos direitos humanos, e a universalidade, ao
prever que tais direitos devem ser garantidos para todos os seres humanos,

035
independentemente de sua nacionalidade ou condição especial, como aconteceu com
o regime nazista, “que condicionava a titularidade de direitos à pertinência à determinada
raça (a raça pura ariana).” (PIOVESAN, 2018, p. 231).

A Declaração não é um tratado, tampouco tem força de lei, mas é considerada a


“interpretação autorizada da expressão ‘direitos humanos’, constante da Carta das
Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica vinculante.” (PIOVESAN,
2018, p. 238).

Além disso, a Declaração é um importante marco na implantação de um Sistema


Internacional de Direitos Humanos, como se verá em aula futura.

Outros momentos e
documentos históricos
Além dos importantes documentos analisados nestas duas aulas dedicadas à história
dos direitos, outros momentos da história, tanto do Brasil, como de outros países,
têm importância na consagração (ou construção) dos direitos humanos. Dentre esses
momentos, Castilho destaca os seguintes:

- No Brasil de 1850 foi promulgada a Lei de Extinção do Trá co


Negreiro no Brasil (Lei nº 581), chamada “Lei Eusébio de Queiroz”.
- Nos Estados Unidos de 1854, o chefe indígena Seattle enviou uma
carta ao então presidente Franklin Pierce, que havia proposto
comprar uma parte das terras da tribo, oferecendo em troca outra
reserva. A carta tem sido divulgada pela ONU como o maior libelo em
favor do meio ambiente na história.
- Nos Estados Unidos de 1863, o presidente Abraham Lincoln
proclamou a emancipação dos escravos, num documento que
resultou na aprovação da 13ª emenda da Constituição norte-
americana, que proíbe escravidão ou trabalhos forçados.
- Na Suíça de 1864, foi aprovada a Convenção da Cruz Vermelha
sobre o socorro aos feridos nos campos de batalha.
- No Brasil de 1871, o país dá mais um passo na direção da abolição
da escravatura, votando a Lei do Ventre Livre.

036
- No Brasil de 1888, a nal é abolida a escravidão por meio da Lei
Áurea (Lei nº 3.353). Foi o último país a tomar tal atitude.
- Na Bélgica de 1890, o Ato Geral da Conferência de Bruxelas
dispunha sobre a repressão ao trá co de escravos africanos.
- Na Roma de 1891, o papa Leão XIII promulgou a encíclica Rerum
Nova-rum, sobre a situação dos trabalhadores.
- Na França de 1898, Émile Zola divulga o seu famoso “Eu Acuso!”, um
libelo contra o processo do capitão Dreyfus.
- No Brasil de 1908, é fundada a Cruz Vermelha brasileira, tendo sido
seu primeiro presidente o médico Oswaldo Cruz.
- Na Rússia de 1918, Lênin proclamou a Declaração dos Direitos do
Povo Trabalhador e Explorado, um ano após a revolução socialista. O
fundamento principal era eliminar a exploração da força de
trabalho.
- Na Inglaterra de 1942, Mahatma Gandhi (“Mahatma”, do sânscrito
“A Grande Alma”) a partir do seu discurso “Um Apelo à Nação”,
propõe e funda o moderno estado indiano. Sua revolução tinha como
princípio o chamado Satyagraha, uma forma não violenta de
protesto.
- No Brasil de 1951, é aprovada a Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390), que
inclui entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de
preconceitos de raça ou de cor.
- Nos Estados Unidos de 1963, Martin Luther King Jr. profere o
discurso “Eu tenho um Sonho”, na Marcha para Washington.
(CASTILHO, 2018).      

Como se vê, muitas foram as lutas para que os direitos humanos fossem consagrados
(ou criados), mas é importante destacar que o fato de um direito ser reconhecido não
garante que ele será respeitado e mantido, pois é necessário que as lutas continuem
a m de que os preceitos contidos na Constituição e na lei sejam efetivamente
concretizados.

037
Martin Luther King.

038
06

Direitos Humanos e
Direitos Fundamentais

039
Vimos nas aulas anteriores como se deu a consagração histórica dos direitos
humanos: por meio de instrumentos internacionais que os reconheceram como
sendo direitos universais, a serem garantidos a todos os seres humanos,
independentemente de qualquer condição especial.

Alguns direitos humanos, porém, já estão reconhecidos pelos ordenamentos jurídicos


dos países e, com isso, ao serem positivados, são classi cados como direitos
fundamentais e passam a ter um caráter nacional, apesar de continuarem a ter uma
aspiração universal.

Assim, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais seria o fato de o 


primeiro, universal, nem sempre estar positivado; ao passo que o segundo, nacional,
sempre está positivado na Constituição ou nas leis do Estado. Nesse sentido, Sarlet
esclarece:

[...] “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser


humano reconhecidos e positivados na esfera do direito
constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a
expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos
de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que
se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua
vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto,
aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal
sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional
(internacional). (SARLET, 2010, p. 29)

¹ Uma versão ampliada deste texto pode ser encontrada em: SERVA, Fernanda
Mesquita. DIAS, Je erson Aparecido. A repercussão dos direitos fundamentais nas
relações particulares a partir de uma teoria crítica de direitos humanos. In  FERREIRA,
Jussara Suzi Assis Borges Nasser. AMARAL, Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do.
Empresa, negócio jurídico e responsabilidade civil. Florianópolis: Qualis Editora, 201,
p. 247-275.

040
Além dos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”,
também são usados outros termos, como “direitos humanos
fundamentais”, mas, basicamente, a diferença entre estes termos
consiste no fato de eles estarem ou não previstos na Constituição ou
nas leis do país. Utilizando a expressão “direitos humanos
fundamentais”, o Ministério Público Federal lançou uma coletânea de
artigos, em homenagem aos 70 anos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos e 20 anos do reconhecimento da jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos e as mudanças na aplicação do
direito no Brasil.

Fonte: Disponível aqui

Corroborando tal posição, Rodrigo Maia Santos (2014, p. 36-37) ressalta a importância
da diferenciação no que tange ao aspecto geográfico para a distinção de direitos
fundamentais e direitos humanos:

Se não considerarmos o critério do plano de positivação, seremos


obrigados a concordar que não há diferenças entre direitos humanos
e direitos fundamentais.
[...]
Há pesquisadores que utilizam a terminologia "direitos humanos
fundamentais", porém só é possível concordar se se referir aos
direitos humanos inseridos na ordem constitucional, por exemplo.
Neste caso, será possível, pois haverá identidade de conteúdo
(material) e hierarquia constitucional (formal).

No mesmo sentido, destacando a característica relacionada aos direitos


fundamentais, de estarem estes consagrados em preceitos de ordem jurídica, Gilmar
Ferreira Mendes (2014, p.147) a rma que esse é “o divisor entre as expressões

041
direitos fundamentais e direitos humanos”.

A partir de tais premissas, a expressão direitos humanos:

[...] ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações


de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São
direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam com índole
losó ca e não possuem como característica básica a positivação
numa ordem jurídica particular. A expressão direitos humanos,
ainda, e até por conta da sua vocação universalista, supranacional, é
empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana,
inseridas em documentos de direito internacional. (MENDES, 2014, p.
147).

Já a expressão direitos fundamentais:

[...] é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das


pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São
direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso,
garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados
na medida em que cada Estado os consagra. Essa distinção
conceitual não signi ca que os direitos humanos e os direitos
fundamentais estejam em esferas estanques, incomunicáveis entre si.
Há uma interação recíproca entre eles. Os direitos humanos
internacionais encontram, muitas vezes, matriz nos direitos
fundamentais consagrados pelos Estados e estes, de seu turno, não
raro acolhem no seu catálogo de direitos fundamentais os direitos
humanos proclamados em diplomas e em declarações
internacionais. É de ressaltar a importância da Declaração Universal
de 1948 na inspiração de tantas constituições do pós-guerra.
(MENDES, 2014, p. 147).

No caso do Brasil, faz-se oportuno salientar que a tutela dos direitos humanos pelo
ordenamento jurídico concretizou-se por meio das incorporações dos Tratados
Internacionais e, também, pela sua expressa adoção em nível constitucional como
direitos fundamentais.

Nesse sentido, Piovesan (2018c, p. 70-71) sustenta que:

042
Preliminarmente, é necessário frisar que a Constituição Brasileira de
1988 constitui o marco jurídico da transição democrática e da
institucionalização dos direitos humanos no Brasil. O texto de 1988,
ao simbolizar a ruptura com o regime autoritário, empresta aos
direitos e garantias ênfase extraordinária, situando-se como o
documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a
matéria, na história constitucional do País.
[…]
Ao m da extensa Declaração de Direitos enunciada pelo art. 5º, a
Carta de 1988 estabelece que os direitos e garantias expressos na
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte. À luz desse dispositivo
constitucional, os direitos fundamentais podem ser organizados em
três distintos grupos: a) o dos direitos expressos na Constituição; b) o
dos direitos implícitos, decorrentes do regime e dos princípios
adotados pela Carta constitucional; e c) o dos direitos expressos nos
tratados internacionais subscritos pelo Brasil. A Constituição de 1988
inova, assim, ao incluir dentre os direitos constitucionalmente
protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que
o Brasil seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a
atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial e
diferenciada, qual seja, a de norma constitucional.

Concluindo, veri ca-se que a distinção precípua entre direitos humanos e direitos
fundamentais é no plano de consagração. O primeiro, universal, reconhecido a todos
os seres humanos, embora nem sempre positivado; o segundo, nacional, reconhecido
pela Constituição ou leis de cada país.

043
Agora que você já sabe a diferença entre direitos humanos e direitos
fundamentais, que tal ler o artigo 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil, que traz um extenso rol de direitos fundamentais
expressamente garantidos em nosso país? A Constituição está
disponível no seguinte endereço eletrônico: BRASIL, Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988.

Fonte: Disponível aqui

044
07

Eficácia Vertical e Horizontal dos


Direitos Humanos e
Fundamentais
045
Como vimos nas aulas anteriores, os direitos humanos têm como uma de suas
principais funções proteger o cidadão em relação ao Estado. Essa característica está
presente tanto nos documentos atuais que consagram direitos humanos, como as
Constituições modernas, quanto nos documentos mais antigos, como a Magna Carta,
a Declaração de Virgínia, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e na
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse caso, estamos diante da “e cácia
vertical” dos direitos humanos.

Ao lado dessa e cácia, também se questiona se os direitos humanos também


condicionam e devem ser observados nas relações entre particulares, ou seja, se
possuem, ao lado de uma “e cácia vertical”, também uma “e cácia horizontal”. Esse é
o tema da aula de hoje¹.

Ao se trazer à baila a discussão dos direitos fundamentais nas relações particulares,


observa-se que a doutrina denomina de “e cácia horizontal” a aplicação destes
direitos previstos na Constituição da República nas relações entre os indivíduos.
Saleme (2011, p. 15), utilizando essa terminologia, apresenta a classi cação das
funções dos direitos fundamentais:

Prestação perante terceiros - Aqui se fala em e cácia horizontal dos


direitos fundamentais, ou seja, o reconhecimento dos direitos
individuais para a solução de con itos entre indivíduos. O Estado
deve intervir para garantir a proteção interindividual. Pode-se
exempli car a ação do juiz que, antes de qualquer análise, deve
veri car os direitos individuais e suas projeções no campo
interpessoal.

No mesmo sentido, leciona Barroso (2013, p. 397/399):

O segundo desenvolvimento doutrinário que comporta uma nota


especial é a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações
privadas. O debate remonta à decisão do caso Lüth (v. supra), que
superou a rigidez da dualidade público/privado ao admitir a
aplicação da Constituição às relações particulares, inicialmente
regidas pelo Código Civil.

Diante da importância para o tema, faz-se oportuno trazer algumas considerações


sobre o caso de Lüth, acima mencionado.

046
Trata-se de decisão proferida pelo Tribunal Constitucional Alemão em
que se tratou a respeito da vinculação ou não, e de que forma os
particulares estariam vinculados ou não a direitos fundamentais. Em
1950, o Presidente do Clube de Imprensa de Hamburgo, Erich Lüth
sustentou boicote a um lme (Amada Imortal), dirigido por um
cineasta, Veit Harlan, que havia produzido um lme anti-semita
produzido durante o 3º Reich. Este cineasta conseguiu no Tribunal de
Justiça de Hamburgo que Lüth abstivesse-se de boicotar o lme, com
base no art. 826 do BGB que reza: “quem causar danos intencionais
a outrem, e de maneira ofensiva aos bons costumes, ca obrigado a
compensar o dano”. Lüth, insatisfeito com a represália sofrida em
seu direito de livre manifestação de pensamento/expressão, recorreu
ao Tribunal Constitucional alegando ofensa aos seus direitos
fundamentais. A Corte deu provimento ao recurso de Lüth
entendendo que o Tribunal de Justiça desconsiderou o signi cado do
direito de expressão e informação de Lüth também no âmbito das
relações entre particulares, como se o mesmo fosse aplicável
somente nas relações estabelecidas com o Estado. Reconheceu,
assim, a e cácia irradiante dos direitos fundamentais. Nesta decisão
apontou-se que o Poder Judiciário, como órgão do Estado, não
poderia deixar de intervir na questão, eis que, em relação a ele há
uma e cácia direta e imediata dos direitos fundamentais. Assim, o
Estado, através de seu órgão de Poder Judiciário, ao omitir-se de
adentrar na questão dos direitos fundamentais que lhe fora trazida à
tona, estaria atuando como agressor a estes direitos fundamentais.
Trata-se, neste caso, da teoria dos deveres de proteção (MATEUS,
2007, p. 79).

No que tange aos sujeitos passivos dos direitos fundamentais, tem-se entendido que
pode gurar tanto o Estado como o particular. Assim, os direitos fundamentais
incidem não apenas nas relações entre o Estado e o cidadão, mas também naquelas
entre particulares (cidadãos).

¹ Uma versão ampliada deste texto pode ser encontrada em: SERVA, Fernanda
Mesquita. DIAS, Je erson Aparecido. A repercussão dos direitos fundamentais nas
relações particulares a partir de uma teoria crítica de direitos humanos. In:  FERREIRA,
Jussara Suzi Assis Borges Nasser. AMARAL, Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do.
Empresa, negócio jurídico e responsabilidade civil. Florianópolis: Qualis Editora, 2015,
p. 247-275.

047
Além das e cácias vertical e horizontal, Bruna Pinotti Garcia Oliveira e
Rafael de Lazari (2018, p. 118). também destacam a chamada “e cácia
diagonal dos direitos humanos/fundamentais, aplicada às relações
entre particulares em que há subordinação entre eles, notadamente
nas relações de trabalho (empregador/empresa e empregado).”
Segundo os autores, essa subordinação exigiria que os direitos
humanos/fundamentais fossem aplicados de forma proporcional m
de promover o equilíbrio entre os agentes. Apesar de reconhecer a sua
importância, os autores adotam postura restritiva e crítica à sua
aplicação.

Aduz Gilmar Ferreira Mendes (2014, p. 175-176), mediante breves apontamentos


históricos, que:

A História aponta o Poder Público como o destinatário precípuo das


obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. A nalidade para
a qual os direitos fundamentais foram inicialmente concebidos
consistia, exatamente, em estabelecer um espaço de imunidade do
indivíduo em face dos poderes estatais. Os desdobramentos
originados pelas crises sociais e econômicas do século XX, contudo,
tornaram evidente que não se poderia mais relegar o Estado ao
simples papel de vilão dos direitos individuais. Percebeu-se que aos
Poderes Públicos se destinava a tarefa de preservar a sociedade civil
dos perigos de deterioração que ela própria fermentava. Deu-se
conta de que o Estado deveria atuar no seio da sociedade civil para
nela predispor as condições de efetiva liberdade para todos. A nal,
tornou-se claro também que outras forças sociais, como grupos
econômicos ou políticos de peso, poderiam, da mesma forma, trazer
para o indivíduo vários dos constrangimentos que se buscavam
prevenir contra o Estado. As razões que conduziram, no passado, à

048
proclamação dos direitos fundamentais podem, agora, justi car que
eles sejam também invocados contra particulares. 

Nota-se que a problemática do tema envolve, em muitos casos, o aparente con ito
entre dois princípios constitucionais: o da autonomia da vontade (implícito) e o da
aplicação imediata dos direitos fundamentais (explícito – art. 5º, § 1º da Constituição
da República de 1988). Nesse sentido, Mendes (2014, p. 177) assevera que:

[…] há direitos — em especial direitos de defesa -—em que se põe a


questão de saber se, e em que medida, alcançam as relações
privadas.
A resistência a que esses direitos se sobreponham à manifestação de
vontade nas relações entre os cidadãos preza o fato de que,
historicamente, tais direitos foram concebidos como proteção contra
o Estado, e que este seria fortalecido no seu poder sobre os
indivíduos se as relações entre os particulares fossem passíveis de
conformação necessária pelos direitos fundamentais. Haveria, então,
detrimento de outro princípio básico das sociedades democráticas—
o da autonomia individual, em especial no que tange à liberdade de
contratar.
A discussão sobe de ponto quando consideramos que o princípio da
autonomia da vontade, mesmo que não conste literalmente na
Constituição, acha no Texto Magno proteção para os seus aspectos
essenciais. A Carta de 1988 assegura uma liberdade geral no caput
do seu art. 59 e reconhece o valor da dignidade humana como
fundamento do Estado brasileiro (art. 3º, III, da CF) — dignidade que
não se concebe sem referência ao poder de autodeterminação. Tudo
isso con rma o status constitucional do princípio da autonomia do
indivíduo.

Essa limitação da autonomia da vontade também é reconhecida por Jussara Ferreira e


Maria de Fátima Ribeiro (2007, p. 91), as quais apontam que:

A limitação da autonomia privada vem de nida pela ordem pública,


pelo princípio da função social, pelos bons costumes e pelo princípio
da boa-fé. Não se questiona a necessidade da liberdade para
negociar desde que considerada a questão da igualdade de
contratar. A mudança de paradigma contribui na pós-modernidade

049
para o assentamento da de nição dos limites indispensáveis ao novo
modelo negocial.

Adotou-se, portanto, a teoria da ponderação de interesses para veri car quando e em


que medida os direitos fundamentais obrigam os particulares nas suas relações
privadas. Sobre isso, Mendes (2014, p. 178-179) pontua:

  De nir quando um direito fundamental incide numa relação entre


particulares demanda exercício de ponderação entre o peso do
mesmo direito fundamental e o princípio da autonomia da vontade.
Há de se efetuar essa ponderação à vista de casos concretos, reais ou
ideados. Cabe ao legislador, em primeiro lugar, estabelecer em que
hipóteses a autonomia da vontade haverá de ceder. Assim, o próprio
legislador já pune, e com pena criminal, as decisões tomadas por
particulares que importem discriminação racial, não valendo, em
casos assim, dizer que, por alguém ser o proprietário de um prédio,
possa vir a restringir, odiosamente, a entrada nele a pessoas de certa
etnia. Ao Judiciário incumbirá o exame da conformidade da
deliberação legislativa com as exigências da proporcionalidade e
estabelecer outras ponderações, nos casos não antevistos pela lei.

Essa possibilidade dos direitos fundamentais serem aplicados nas relações entre
particulares, com e cácia horizontal, é facilmente percebida pela simples leitura de
vários preceitos elencados na Constituição da República de 1988. Por outro lado,
alguns direitos consagrados na constituição, evidentemente, são aplicáveis apenas
nas relações entre os cidadãos e o Estado, possuindo, portanto, apenas uma e cácia
vertical. A exemplo, destaca-se que teriam e cácia somente vertical os seguintes
preceitos constitucionais:

1. 5º, inciso XXXVII: proibição de juízo ou tribunais de exceção;


2. 5º, inciso LI: direito do brasileiro nato de não ser extraditado;
3. 59, inciso LXXIV: assistência jurídica integral e gratuita aos hipossu cientes;
4. 59, inciso LXXV: indenização pelo Estado ao condenado por erro judiciário ou ao
que car preso por tempo excedente;
5. 59, inciso XXXIV: direito à indenização quando ocorrer a desapropriação.

  Em sentido diverso, teriam e cácia tanto vertical quanto horizontal os seguintes


direitos consagrados constitucionalmente:

1. 1º, inciso III: princípio da dignidade da pessoa humana;

050
2. 3º, inciso IV: princípio da vedação à discriminação odiosa;
3. 5º, caput: princípio da igualdade;
4. 5º, inciso V: direito de resposta, proporcional ao agravo (o sujeito passivo pode
ser o órgão de imprensa particular);
5. 5º, caput e inciso X: princípio da liberdade e da privacidade;
6. 5º, incisos LIV e LV: princípio do contraditório e da ampla defesa;
7. 6º e 7º: direitos sociais, especialmente o direito ao trabalho (e cácia direta
contra empregadores privados);
8. 79, inciso XVII: gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de ⅓
constitucional;
9. 79, inciso XXX: proibição aos empregadores de estabelecer diferenças salariais e
de critérios de admissão, por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Nesse aspecto, veri ca-se que alguns direitos fundamentais admitiriam uma e cácia
vertical, ou seja, seriam aplicáveis apenas nas relações do cidadão com o Estado e
outros, além dessa e cácia vertical, também teriam uma e cácia horizontal,
regulando as relações entre particulares.

Essas posições, contudo, não são unânimes, pois também existem teorias no sentido
da ine cácia horizontal (ou doutrina da State Action), segundo a qual os direitos
humanos não podem ser aplicados às relações entre particulares e a teoria da e cácia
horizontal indireta, a qual prevê que os direitos “só se aplicam indiretamente aos
particulares, sob o argumento de que, do contrário [...] acabaria aniquilando por
completo a autonomia da vontade.” (OLIVEIRA; LAZARI, 2018, p. 119).

051
O STF (Supremo Tribunal Federal) expressamente reconheceu a
possibilidade de aplicação dos direitos humanos nas relações entre
particulares, ou seja, com e cácia horizontal, ao julgar o Recurso
Extraordinário nº 201.819/RJ, no qual decidiu que sociedade civil sem
ns lucrativos não poderia expulsar associado sem a observância do
devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. BRASIL,
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 201.819/RJ: União
Brasileira de Compositores UBC x Arthur Rodrigues Vilarinho. Relatora:
Ministra Ellen Gracie. Relator para acórdão: Ministro Gilmar Mendes.
Julgamento: 11/10/2005. Publicação: DJ 27/10/2006.

Fonte: Disponível aqui

052
08

O Sistema Internacional de
Proteção dos Direitos
Humanos
053
De certa forma, a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser
considerada a certidão de nascimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
pois, a partir de então, o mundo passou a ter um documento que se propôs a garantir
e impor a adoção de mecanismos de respeito aos direitos humanos de forma
universal, ou seja, a todos os países, permitindo a criação, na sequência de um
Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos.

Antes da Declaração, porém, alguns fatos podem ser considerados os precedentes


históricos desse novo Sistema, pois, conforme observa Piovesan, “o Direito
Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho situam-se
como os primeiros marcos do processo de internacionalização dos direitos humanos”
(PIOVESAN, 2018b, p. 203).

O Direito Humanitário é o direito relacionado às guerras, ou seja, aos con itos


armados e, ainda segundo a autora (PIOVESAN, 2018b, p. 203), sua origem remonta “à
Convenção de 1864, tem como fontes principais as quatro Convenções de Genebra de
1949 e os seus princípios devem aplicar-se hoje quer às guerras internacionais, quer
às guerras civis e a outros con itos armados”.

Já a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho foram criadas após a


Primeira Guerra Mundial, também contribuíram para o processo de
internacionalização dos direitos humanos e serviram de fundamento para a criação
do Sistema Internacional (ou Global) de Direitos Humanos que tem, dentre os seus
principais órgãos, a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho de Tutela,
o Conselho Econômico e Social, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado (art.
7, da Carta da ONU, 1945).

A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, em 26 de


junho de 1945 e está disponível no seguinte endereço eletrônico.

Fonte: Disponível aqui

054
Assembleia Geral
A Assembleia é formada por todos os membros das Nações Unidas, sendo que cada
um deles pode indicar até cinco representantes, o que “não signi ca que cada
membro possa votar cinco vezes, pois a Carta é expressa no sentido de que cada qual
possui um voto.” (OLIVEIRA; LAZARI, 2018, p. 844).

As questões importantes precisarão contar com a aprovação de um quórum


quali cado de dois terços dos membros presentes e votantes. Tais situações, segundo
o art. 18 da Carta da ONU, são:

[...] recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança


internacionais; à eleição dos membros não permanentes do Conselho
de Segurança; à eleição dos membros do Conselho Econômico e
Social; à eleição dos membros do Conselho de Tutela, de acordo
como parágrafo 1 (c) do artigo 86; à admissão de novos membros
das Nações Unidas; à suspensão dos direitos e privilégios de
membros; à expulsão dos membros; questões referentes ao
funcionamento do sistema de tutela e questões orçamentárias.

Nos demais casos, as deliberações poderão ser tomadas, segundo o mesmo preceito,
pela maioria simples dos membros presentes e votantes.

Interessante destacar, contudo, que, em todos os casos, tal qual ocorre em um


condomínio, onde o condômino em débito não tem direito a voto, o mesmo se dá na
ONU, segundo o preceito contido no art. 19 da Carta da ONU:

O membro das Nações Unidas que estiver em atraso no pagamento


de sua contribuição nanceira à Organização não terá voto na
Assembleia Geral, se o total de suas contribuições atrasadas
igualarem ou excederem a soma das contribuições correspondentes
aos dois anos anteriores completos. A Assembleia Geral poderá,
entretanto, permitir que o referido membro vote, se car provado
que a falta de pagamento é devida a condições independentes de sua
vontade.

055
Assim, a falta de pagamento da contribuição nanceira devida por cada um dos países
da ONU impede-o de participar das suas deliberações, salvo caso da permissão
especial prevista no nal do preceito acima mencionado.

Conselho de Segurança
O Conselho de Segurança da ONU é composto por quinze membros, sendo cinco
permanentes (França, China, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos) e dez não
permanentes (temporários), eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de 2
anos. O Brasil já foi um membro não permanente no Conselho de Segurança por dez
vezes (BRASIL, s.d.):

[...] nos biênios 1946-47, 1951-52, 1954-55, 1963-64, 1967-68,


1988-89, 1993-94, 1998-99, 2004-05 e 2010-11. Para o último, foi
eleito com 182 votos (dentre 183 países votantes), o que
demonstra o amplo reconhecimento das contribuições do Brasil
à atuação do Conselho.

O papel do Conselho de Segurança é extremamente importante, pois, segundo o art.


14 da Carta da ONU:

A m de assegurar pronta e e caz ação por parte das Nações Unidas,


seus membros conferem ao Conselho de Segurança a principal
responsabilidade na manutenção da paz e da segurança
internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres
impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em
nome deles.

Assim, a manutenção da paz e da segurança internacionais são as principais


responsabilidades do Conselho de Segurança da ONU.

056
No Conselho de Segurança existe a possibilidade de os membros
permanentes, quais sejam, França, China, Reino Unido, Rússia e
Estados Unidos, exercerem o poder de veto, o que impede que a
medida votada seja implementada. Assim, mesmo que 14 dos 15
membros votem a favor de alguma medida, se um dos membros
permanentes vota contra a medida não será aprovada. Sobre o tema:
GUIMARÃES, Fernanda. CARVALHO, Patrícia Nasser de. A atuação do
conselho de segurança das nações unidas na guerra civil síria: con itos
de interesse e impasses entre os P5 e a consequente falta de resolução
para a questão. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações
Internacionais, v.6, n.12, Jul./Dez. 2017, p.66-83.

Fonte: Disponível aqui

A Corte Internacional de
Justiça
A Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judicial da ONU e tem seu
funcionamento regulado por seu Estatuto, que foi anexado à Carta da ONU. É
composta por quinze juízes e possui competência contenciosa e consultiva. Somente
os Estados-partes podem gurar nos seus processos (PIOVESAN, 2018, p. 219).

057
Para a defesa dos Direitos Humanos, Bruna Pinotti Garcia Oliveira e
Rafael de Lazari destacam que o Sistema Internacional contempla o
Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos de 1966, e o Conselho de Direitos Humanos,
órgão intragovernamental criado pela Resolução nº 60/251, de
15/03/2006, com o “objetivo de proteger todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais em relação a todas as pessoas.” (OLIVEIRA,
LAZARI, 2018, p. 906).

058
09

Sistemas Regionais de
Proteção dos Direitos
Humanos
059
Sistemas regionais de
proteção dos direitos
humanos
Ao lado do Sistema Internacional (ou Global) de Direitos Humanos, estudado em
nossa última aula, também temos os sistemas regionais, os quais congregam o
Sistema Europeu, o Sistema Interamericano e o Sistema Africano, os quais
analisaremos nos próximos tópicos.

Além dos Sistemas acima mencionados e que estudaremos a seguir,


importante destacar que Bruna Pinotti Garcia Oliveira e Rafael de Lazari
também abordam o Sistema Islamo-Árabe de Direitos Humanos, cujos
principais documentos são a Declaração Islâmica Universal dos
Direitos Humanos (19/09/1981), a Declaração do Cairo de Direitos
Humanos no Islã (05/08/1990) e a Carta Árabe de Direitos Humanos
(15/09/1994) (OLIVEIRA; LAZARI, 2018, p. 900).

060
Sistema Europeu de
Direitos Humanos
O Conselho da Europa foi criado em 5 de maio de 1949, após a Segunda Guerra
Mundial, “com o objetivo de uni car a Europa.” (PIOVESAN, 2018a, p. 123).
Posteriormente, em 4 de novembro de 1950, os países membros do Conselho
elaboraram a Convenção Europeia de Direitos Humanos, criando o Sistema Europeu
de Direitos Humanos.

Para compreender esse Sistema, imprescindível conhecer o contexto no qual ele


surgiu:

[...] um contexto de ruptura e de reconstrução dos direitos humanos,


caracterizado pela busca de integração e cooperação dos países da
Europa ocidental, bem como de consolidação, fortalecimento e
expansão de seus valores, dentre eles a proteção dos direitos
humanos (PIOVESAN, 2018a, p. 123).

Assim, os países da Europa ocidental vencedores da Segunda Guerra Mundial


adotaram a Convenção como um mecanismo para impedir que os horrores da
mencionada Guerra voltassem a ocorrer e, também, para buscar a uni cação da
Europa, fragmentada em razão de anos de con itos, bem como rea rmar a
importância dos direitos humanos.

Dentre os seus órgãos, o mais importante é a Corte Europeia de Direitos Humanos,


criada em 1⁰ de novembro de 1988, por meio do Protocolo n⁰ 11, que teve como
grande inovação a previsão do direito de petição para indivíduos, grupos de
indivíduos e organizações não governamentais, os quais passaram a ter a
possibilidade de demandar diretamente perante a Corte no caso de violações de
direitos humanos (PIOVESAN, 2018a).

061
As decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos são
disponibilizadas na internet, mas apenas em inglês ou francês.
(EUROPA. European Courts of Human Rights).¹

Em língua portuguesa, alguns documentos e decisões podem ser


encontrados na página disponibilizada pelo Ministério Público de
Portugal (PORTUGAL. Ministério Público. Gabinete Documentação e
Direito Comparado: direitos humanos).²

Fonte: Disponível aqui¹  Fonte: Disponível aqui²

Sistema Interamericano
de Direitos Humanos
No Sistema Interamericano de Direitos Humanos, três temas precisam ser estudados:
a Convenção Americana, a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de San


José da Costa Rica, é o “documento de maior importância” no mencionado Sistema,
segundo Piovesan (2018a, p. 149), assegurando, dentre outros:

[...] o direito à personalidade jurídica; o direito à vida; o direito a não


ser submetido à escravidão; o direito à liberdade; o direito a um
julgamento justo; o direito à compensação em caso de erro judiciário;
o direito à privacidade; o direito à liberdade de consciência e religião;
o direito à liberdade de pensamento e expressão; o direito à resposta;

062
o direito à liberdade de associação; o direito ao nome; o direito à
nacionalidade; o direito à liberdade de movimento e residência; o
direito de participar do governo; o direito à igualdade perante a lei; e
o direito à proteção judicial (PIOVESAN, 2018a, p. 150).

Visando garantir o cumprimento de tais preceitos e a observância dos direitos


humanos nos países do continente americano, o Sistema conta com a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, que tem como atribuições:

[...] fazer recomendações aos governos dos Estados-partes, prevendo


a adoção de medidas adequadas à proteção desses direitos;
preparar estudos e relatórios que se mostrem necessários; solicitar
aos governos informações relativas às medidas por eles adotadas
concernentes à efetiva aplicação da Convenção; e submeter um
relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados
Americanos (PIOVESAN, 2018a, p. 153).

Note-se que a Comissão não é um órgão jurisdicional, papel reservado para a Corte, e
tem como principal objetivo atuar como uma instância que visa garantir a observância
dos direitos humanos por parte dos estados parte da OEA (Organização dos Estados
Americanos).

Além disso, tal qual ocorre com a Corte Europeia de Direitos Humanos, o cidadão,
grupos de cidadãos ou organizações não governamentais também podem apresentar
petições perante a Comissão para questionar atos praticados pelos países que
possam resultar na violação de direitos humanos.

Recebida a petição, a Comissão veri cará se ela preenche os requisitos de


admissibilidade previstos no art. 46 da Convenção Americana de Direitos Humanos
(OEA, 1969), dentre elas, o esgotamento dos recursos na jurisdição interna do país.
Admitida a petição, passa-se à fase do contraditório, com a solicitação de informações
ao país demandado. Obtidas as informações e superado o prazo para a sua
prestação, a Comissão tomará uma decisão, arquivando a petição se inexistir violação,
ou, caso tal violação resulte provada, adotará medidas visando buscar uma solução
amigável negociada para o problema. Obtida a solução negociada, o caso é arquivado
e, caso ela não seja possível, a petição será enviada para a Corte Interamericana de
Direitos Humanos (PIOVESAN, 2018a).

063
A apresentação de petição para a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos pode ser feita pela internet: OEA. Comissão Interamericana
de Direitos Humanos. Portal do Sistema Individual de Petições.

Fonte: Disponível aqui

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do Sistema,


composto por “sete juízes, nacionais dos Estados membros da Organização, eleitos a
título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida
competência em matéria de direitos humanos” (art. 52, OEA, 1969).

A Corte possui atribuições consultivas, quando emite uma Opinião Consultiva sobre
algum tema suscitado por um Estado-parte, e contenciosa, quando decide sobre
alguma denúncia de violação de direitos humanos praticada por um Estado-parte
(PIOVESAN, 2018a).

As decisões da Corte estão disponíveis na internet e, inclusive, em


português, no seguinte endereço: OEA. Casos da Corte.

Fonte: Disponível aqui

064
Sistema Africano de
Direitos Humanos
O Sistema Africano de Direitos Humanos é o mais recente dos Sistemas Regionais,
uma vez que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos somente foi
aprovada em 1981, entrando em vigor em 1986.

Tal Carta, segundo Piovesan, traz quatro particularidades, aferíveis desde o seu
preâmbulo: é conferida grande atenção às tradições históricas e aos valores da
civilização africana; prevê uma gramática dos “direitos dos povos”; traz, além de
direitos civis e políticos, um rol de direitos econômicos, sociais e culturais; e, por m,
apresenta uma concepção de deveres ao lado dos direitos: “o gozo dos direitos e
liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada um.” (PIOVESAN, 2018a, p.
247-248).

Visando dar garantia aos direitos e a observância dos deveres nela previstos, a Carta
prevê uma Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, com as seguintes
competências (PIOVESAN, 2018, p. 251):

[...] elaborar estudos e pesquisas; formular princípios e regras;


assegurar a proteção dos direitos humanos e dos povos; recorrer a
métodos de investigação; criar relatorias temáticas especí cas;
adotar resoluções no campo dos direitos humanos; e interpretar os
dispositivos da Carta. Compete-lhe ainda apreciar comunicações
interestatais (nos termos dos artigos 47 a 49 da Carta), bem como
petições encaminhadas por indivíduos ou ONGs que denunciem
violação aos direitos humanos e dos povos enunciados na Carta (nos
termos dos artigos 55 a 59 da Carta).

Por m, o Sistema Africano também conta com uma Corte, que, tal qual as demais
Cortes dos Sistemas regionais, possui competências consultiva e contenciosa.
Contudo, ao contrário das demais Cortes, a Africana somente poderá conhecer uma
petição formulada por indivíduos ou ONG se houver declaração formulada por
Estado-parte para este m (PIOVESAN, 2018, p. 257).

065
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos está disponível na
internet e em português: Comissão Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Fonte: Disponível aqui  

066
10

Diversidade Cultural e
Direitos Humanos

067
A globalização cultural que gera  intenso debate sobre a homogeneização cultural,
localismo e transculturação também se estende para os direitos humanos, os quais,
a nal, são concebidos por alguns como produtos culturais (HERRERA FLORES, 2009).

Por outro lado, porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em
Paris, em 10 de dezembro de 1948, durante a Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), estabeleceu em seu art. I que: “Artigo I - Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
(ONU, 2019). Assim, segundo a mencionada Declaração, os direitos humanos são
universais e devem ser garantidos a todos os seres humanos, desde o nascimento.

Segundo Mazzuoli, trata-se de um instrumento com foco na “[...] positivação


internacional dos direitos mínimos dos seres humanos, em complemento aos
propósitos das Nações Unidas de proteção dos direitos humanos e liberdades
fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião.” (MAZZUOLI,
2018, p. 83).

Apesar disso, há que se ressaltar que, de acordo com  Comparato (2018), os Direitos
Humanos, estabelecidos pela Declaração Universal de 1948, não têm efeito
vinculante, ou seja, trata-se de uma “recomendação” das Nações Unidas, adotada sob
a forma de resolução da Assembleia Geral, mas não propriamente consagrada como
regra constitucional escrita, daí a necessidade da adoção de tratados ou acordos
posteriores. Obviamente que o referido contexto não interfere na absoluta
concordância da necessidade de assegurar, pelos atores internacionais, os direitos
que garantam a plena dignidade dos indivíduos. Assim que:

Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos


humanos independe de sua declaração em constituições, leis e
tratados internacionais, exatamente porque se está diante de
exigências de respeito à dignidade humana, exercida contra todos os
poderes estabelecidos, o ciais ou não. (COMPARATO, 2018, p. 232).

Essa garantia dos direitos humanos de forma inata e universal, segundo a Declaração
Universal sobre a Diversidade Cultural, promulgada pela UNESCO, no ano de 2001,
deve respeitar a diversidade cultural e o direito dos povos:

068
DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS
Artigo 4º – Os direitos humanos, garantes da diversidade cultural
A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável
do respeito pela dignidade da pessoa humana. Implica o
compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades
fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a
minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a
diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo
direito internacional, nem para limitar seu alcance.

Neste quadro, a diversidade cultural não pode ser invocada para impedir a aplicação
dos direitos humanos, inatos e universais, consagrados em nível internacional. A
pergunta que resta, contudo, é saber como agir nas situações em que os supostos
direitos humanos internacionalmente consagrados não condizem com a realidade
existente no contexto social no qual se pretende que ele seja aplicado, tema que será
tratado no próximo item.

³ Uma versão ampliada deste texto pode ser encontrada em: DIAS, Je erson
Aparecido. FERRER, Walkiria Martinez Heinrich. Cultura e direitos humanos: entre o
absolutismo e o relativismo (no prelo).

O absolutismo e o
relativismo cultural
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os textos que dele
decorreram, os direitos humanos devem ser concebidos como produtos naturais,
vigentes desde o nascimento dos seres humanos, e que buscam validade universal. Se
está diante do que se pode chamar de um olhar absolutista (ou universalista), que
teria as três seguintes condições (HERRERA FLORES, 2007, p. 58):

1. A crença em universalismos abstratos [...]


2. A crença na existência de uma realidade ‘absolutamente’ objetiva
[...]
3. A crença na existência de um fundamento último (originário ou

069
nalista) de toda prática social garantida por alguma instância,
procedimento ou racionalidade de corte transcendental.

Por essas premissas, independentemente do seu local de nascimento, bem como do


contexto no qual estão inseridos, os seres humanos são titulares dos mesmos
direitos, que teriam validade universal e absoluta, além de serem inatos, decorrentes
da própria natureza humana. Seriam, portanto, algo homogêneo, aplicável e exigível
em todo o planeta. Nesse sentido, “o pensamento absolutista nega, pois, toda
concepção interativa do real e, com isso, rechaça toda crítica e todo questionamento,
dado que, “por natureza”, está acima das práticas sociais que possam afetá-lo.”
(HERRERA FLORES, 2007, p. 61).

Nesse cenário, como conciliar a construção de uma identidade cultural e assegurar os


direitos humanos, de forma supostamente universal? Nesta discussão, ressalta-se o
histórico embate entre as correntes universalistas e relativistas, pelas quais se
discutem os níveis de in uência da cultura local na de nição dos direitos humanos
universais.

Para a posição relativista, que parte da premissa de que os direitos humanos são
produtos culturais e, portanto, não inatos, três também deveriam ser as condições a
serem observadas. A primeira delas é que (HERRERA FLORES, 2007, p. 60):

1) O universalismo do fortalecimento. O único que se pode e se deve


universalizar e generalizar é que todas e todos tenham acesso a
condições materiais e imateriais que lhes permitam ter o poder
su ciente para “fazer valer” suas propostas de um marco de
igualdade e de reconhecimento [...].

Por essa concepção, nem todos os direitos humanos internacionalmente garantidos


são aptos a serem aplicados em todos os contextos sociais da mesma forma, sendo
necessário que se leve em consideração o contexto social local e o anseio de seus
integrantes. As outras duas condições que estariam vinculadas ao relativismo são
(HERRERA FLORES, 2007, p. 60):          

2) A distinção entre “estados de fato” e “realidade”. Como veremos,


um “estado de fato” está aí, mais ou menos à margem de nossas
ações. Mas, a realidade nós a construímos ao nos relacionarmos –
plural e diferenciadamente – com tais estados de fato e ao reagirmos

070
culturalmente [...]
3) Uma loso a da imanência que a rme que o único horizonte da
política, da ética e da ciência é nossa interação criativa com o
mundo.

Nesse sentido, utilizando-se dos conceitos desenvolvidos na primeira parte do


presente trabalho, não se deve (ou se pode) exigir sempre a homogeneidade cultural
(e, portanto, dos direitos humanos, como produtos culturais), sendo possíveis
situações nas quais devam prevalecer o localismo e a transculturação, que devem
decorrer de “nossa interação criativa com o mundo”.

Importante salientar, contudo, que pela posição aqui adotada, não se pode admitir
um localismo “puro”, no qual as culturas locais sempre prevaleçam sobre todas as
outras concepções culturais, pois se estaria diante de outro universalismo, um
“universalismo de retas paralelas que somente se encontrarão no in nito do magma
das diferenças culturais.” (HERRERA FLORES, 2007, p. 162).

Segundo Joaquín Herrera Flores, tanto o universalismo a priori, quanto o


universalismo de retas paralelas devem ser desprezados, sendo necessário construir,
por meio da interação humana e cultural, um universalismo de chegada (HERRERA
FLORES, 2007, p. 162):

Ao universal, há que se chegar – universalismo de chegada ou de


con uência – depois (não antes) de um processo de luta discursivo,
de diálogo ou de confrontação em que se rompam os preconceitos e
as linhas paralelas. Falamos do entrecruzamento de propostas, e não
de uma mera superposição.

Assim, não se pode ter concepções pré-concebidas, sejam elas globais (universais) ou
locais (particulares), pois tais posturas acabam por ignorar o contexto social no qual
estão inseridos os seres humanos e tendem a excluir do debate os próprios seres
humanos, que acabam sendo concebidos como meio e não m do processo de
garantia de seus direitos.

Dessa forma, os debates sobre a prática de algumas tribos indígenas em enterrar


vivas crianças com alguma de ciência física ou psíquica ou, ainda, a prática do
infanticídio do quarto lho pelos Tapirapé, para garantir a sobrevivência pelo controle
populacional, pois, “segundo eles, a população se manteria em número reduzido

071
(aproximadamente 1000 habitantes) e poderia garantir que o ecossistema local
supriria as necessidades de sobrevivência do grupo” (PINEZI, 2010) devem ser
realizados dentro de seus contextos sociais e sem preconceitos, pois, a nal, tais
práticas não são muito diferentes da adotada por uma médica que decide abreviar a
vida de pacientes terminais para liberar leitos em UTI, para que eles possam receber
pacientes com melhor prognóstico de vida e é absolvida (NUNES, 2017) ou da decisão
de um tribunal inglês que impediu a transferência para os Estados Unidos de criança
portadora de uma doença rara, que acabou morrendo (G1, 2017).

Se o direito humano à vida é inato, absoluto e universal, como justi car tais condutas?
Elas, na verdade, apenas demonstram que, efetivamente, o direito à vida não possui a
validade universal que a priori lhe é atribuída, ou seja, para ser efetivado, ele depende
do contexto no qual os seres humanos estão inseridos. Assim, essa pergunta, para ser
respondida, depende de um amplo debate, no qual os envolvidos, desprovidos de
qualquer preconceito, possam buscar caminhos para que os direitos humanos sejam
analisados e postos à prova, a m de que, ao nal, se for o caso, sejam
universalizados. Nesse cenário, portanto:

O único universalismo válido consiste, então, no respeito e na criação


de condições sociais, econômicas e culturais que permitam e
potencializem a luta pela dignidade ou, em outras palavras, na
generalização do valor da liberdade, entendida esta como a
“propriedade” dos que nunca contaram na construção das
hegemonias. A partir dessa caracterização, é necessário abandonar
toda abstração – seja esta universalista ou localista – e assumir o
dever que nos impõe o valor da liberdade: a construção de uma
ordem social justa (artigo 28 da Declaração de 1948) que permita e
garanta a todas e a todos lutar por suas reivindicações. (HERRERA
FLORES, 2007, p. 162).

Dessa forma, no que diz respeito aos direitos humanos, não é possível admitir a
homogeneização cultural pretendida pela globalização no aspecto econômico (que se
baseia e tenta justi car um universalismo a priori), tampouco a prevalência do
localismo (que acaba por gerar um universalismo de retas paralelas). Deve-se buscar,
incansavelmente, um universalismo de chegada. Assim, ao analisar os exemplos
apresentados, é bem provável que se chegue à conclusão de que a atuação humana
não foi capaz de criar as “condições sociais, econômicas e culturais” para que o direito
à vida fosse efetivamente respeitado, apesar de garantido não apenas em nível
internacional, mas também nos ordenamentos jurídicos locais.

072
No mesmo sentido, a propriedade privada, que aportou em solo latino-americano
vindo da Europa, pode e deve dialogar com o conceito de propriedade comunitária ou
coletiva, do art. 393 e seguintes da Constituição boliviana (BOLÍVIA, 2019), da mesma
forma que o meio ambiente sustentável, garantido como direito humano por
documentos internacionais pode ser mesclado com o conceito de “pacha mama”
trazido pela Constituição do Equador (ECUADOR, 2008).

Nesse caminho, contudo, como concluiu Joaquín Herrera Flores, “não temos feito mais
que começar.” (HERRERA FLORES, 2007, p. 162).

073
11

Os Direitos Fundamentais
na Constituição de 1988
074
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi generosa na consagração
de direitos fundamentais, tendo destinado o Título II, aos “Direitos e Garantias
Fundamentais” e, nele, tratado no Capítulo I, “Dos direitos e deveres individuais e
coletivos” (art. 5º); no Capítulo II, “Dos direitos sociais” (arts. 6º a 11); no Capítulo III,
“Da nacionalidade” (arts. 12 e 13); no Capítulo IV, “Dos direitos políticos” (arts. 14 a 16);
e no Capítulo V, “Dos partidos políticos” (art. 17).

A colocação dos direitos fundamentais já no início do texto constitucional, por si só,


demonstra a importância que lhe foi atribuída pelo constituinte de 1988, pois, a  título
de comparação, na Constituição de 1967, os direitos e garantias individuais foram
previstos nos arts. 150 e 151 e, na Constituição de 1946, nos arts. 141 e 144
(CAMPANHOLE; CAMPANHOLE, 2000, p. 407-410 e 487-490).

Além dessa antecipação no texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais


ganharam uma importante proteção diante de futuras alterações da Constituição,
pois o art. 60, §4º, prevê que

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente


a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Assim, os direitos e garantias individuais, ao lado da forma federativa de Estado, o


voto (direto, secreto, universal e periódico) e a separação dos Poderes compõem o
núcleo intangível e imodi cável do texto constitucional, chamados, por alguns
autores, de cláusulas pétreas. São imutáveis e considerados a essência do regime
democrático adotado pela Constituição.

Interessante destacar que não apenas os direitos e garantias fundamentais


expressamente previstos no art. 5º da Constituição estão protegidos, pois o texto
constitucional foi expresso em a rmar que (BRASIL, 1988):

§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem


outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil

075
seja parte.
§3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004).

Ao rol previsto no art. 5º precisam ser incorporados, assim, os direitos e garantias


fundamentais que “decorrem do regime e dos princípios por ela adotados” e, ainda,
os direitos e garantias trazidos por tratados e convenções sobre direitos humanos
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos.

Obtiveram esse quórum especial de votação e, portanto, devem ser considerados


como inseridos no texto constitucional e impossíveis de serem modi cados os direitos
e garantias fundamentais constantes dos seguintes tratados e convenções:

1. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De ciência e de seu Protocolo


Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007 (aprovada pelo
Decreto Legislativo nº 186 de 2008 e promulgada pelo Decreto nº 6.949, de
25/08/2009).
2. Tratado de Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas
Cegas, com De ciência Visual ou com outras Di culdades para Ter Acesso ao
Texto Impresso, concluído no âmbito da Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI), celebrado em Marraqueche, em 27 de junho de 2013
(aprovado pelo Decreto Legislativo nº 261 de 2015 promulgado pelo Decreto nº
9.522, de 08/10/2018).

Note-se que, para que um tratado ou convenção internacional passe a ter validade no
Brasil, ele precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, por meio de um Decreto
Legislativo, e, posteriormente, promulgado por meio de um Decreto do Presidente da
República, trâmite que efetivamente ocorreu nos dois casos acima indicados.
Piovesan (2018b, p. 128), contudo, apresenta alguns problemas com a sistemática
adotada pela constituição:

[...] a Constituição brasileira de 1988, ao estabelecer apenas esses dois


dispositivos supracitados (os arts. 49, I, e 84, VIII), traz uma
sistemática lacunosa, falha e imperfeita: não prevê, por exemplo,
prazo para que o Presidente da República encaminhe ao Congresso
Nacional o tratado por ele assinado. Não há ainda previsão de prazo
para que o Congresso Nacional aprecie o tratado assinado,

076
tampouco previsão de prazo para que o Presidente da República
rati que o tratado, se aprovado pelo Congresso. Essa sistemática
constitucional, ao manter ampla discricionariedade aos Poderes
Executivo e Legislativo no processo de formação dos tratados, acaba
por contribuir para a afronta ao princípio da boa-fé vigente no
Direito Internacional.

Diante desses problemas, alguns tratados e convenções internacionais demandam


um grande lapso temporal antes de entrar em vigor em solo brasileiro, apesar de ter
sido assinado pelo Presidente da República.

Outra polêmica diz respeito aos tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos aprovados antes da Emenda Constitucional nº 45 (BRASIL, 2004), que
passou a exigir o quórum quali cado (3/5) e aprovação de dois turnos de votação
para que os preceitos por eles trazidos passassem a ter status constitucional.

Piovesan (2018b, p. 151) é enfática em defender que os direitos humanos


contemplados nesses tratados e convenções foram incorporados no ordenamento
jurídico brasileiro com hierarquia constitucional, diante de quatro argumentos:

[...] ou seja, anteriormente à Emenda Constitucional n. 45/2004,


têm hierarquia constitucional, situando-se como normas
material e formalmente constitucionais. Esse entendimento decorre
de quatro argumentos: a) a interpretação sistemática da
Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º, já que o
último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser
interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e
racionalidade material que devem orientar a hermenêutica dos
direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que
apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d) a teoria
geral da recepção do Direito brasileiro.

Assim, além dos direitos e garantias fundamentais expressa e implicitamente


previstos no texto constitucional, também  possuem o mesmo status aqueles
decorrentes de tratados e convenções internacionais aprovados antes ou depois da
Emenda Constitucional nº 45 (BRASIL, 2004), exigindo-se o quórum quali cado e a
dupla aprovação apenas para aqueles aprovados depois da vigência da Emenda.

077
Na página da Presidência da República é possível veri car quais os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos trazem
preceitos que possuem hierarquia constitucional.

Fonte: Disponível aqui

078
12

Solução para a
Colisão de Princípios

079
Na vida em sociedade, seja nas relações entre particulares ou entre estes e o Poder
Público, as normas desempenham papel fundamental para estabelecer as condutas
que devem ser adotadas ou, ainda, as consequências que deverão ocorrer diante de
condutas indesejadas.

As normas, assim, são razões para se agir desta ou daquela forma, dependendo dos
objetivos que se pretende atingir ou as consequências que se pretende evitar.
Também nos con itos de interesses, as normas são importantes para estabelecer
qual interesse deverá prevalecer e qual sucumbirá.

Na maioria dos casos, esses con itos são facilmente solucionáveis pela aplicação das
regras estabelecidas pelo legislador no ordenamento jurídico, regras que, de forma
simples, estabelecem algumas situações nas quais serão aplicadas, existindo outros
casos mais complexos, que demandarão a aplicação de princípios para a solução da
colisão (DWORKIN, 2002, p. 46).

Esses choques serão solucionados de forma diversa, de acordo com a natureza das
normas que se entrechocam, ou seja, dependendo se neles ocorre um con ito de
regras ou uma colisão de princípios.

Em alguns casos, deparamo-nos com um con ito de regras em que a aplicação de


uma exclui a possibilidade de aplicação da outra, cabendo ao intérprete (ou mesmo
ao Poder Judiciário) a solução deste con ito.

Nestes casos, o con ito entre as regras poderá ser solucionado:

1. pela inclusão de uma cláusula de exceção em uma das regras;


2. pelo reconhecimento de invalidade de uma das regras, eliminando-a do
ordenamento jurídico; ou
3. pela conclusão de inaplicabilidade de uma das regras ao caso.

Se uma regra impõe uma conduta e outra a proíbe, é impossível a coexistência de


ambas, sendo necessário que uma delas seja reconhecida inválida e eliminada do
ordenamento jurídico, ou que seja incluída uma cláusula de exceção em uma delas
ou, ainda, que seja reconhecida a inaplicabilidade de uma delas no caso concreto.

Outras situações, porém, não admitem a solução do con ito pela inclusão de cláusula
de exceção em uma das regras, ocasião em que teremos de usar outros métodos
para reconhecermos qual regra deverá prevalecer e solucionar o con ito.

080
Dentre esses métodos, poderemos prestigiar a regra mais nova em face da anterior, a
regra especial em face da geral e, ainda, veri car as competências e atribuições para o
estabelecimento das regras, adotando aquela exarada pela autoridade competente
ou hierarquicamente superior. Em todos estes casos, os con itos serão solucionados
pelo reconhecimento de invalidade de uma regra em relação à outra ou de
inaplicabilidade de uma das regras no caso concreto.

Os con itos entre regras, portanto, devem ser solucionados numa perspectiva de
“tudo ou nada” (DWORKIN, 2002, p. 39), em que uma regra é ou não aplicada, não se
admitindo a aplicação gradual delas.

Além do con ito entre regras, algumas vezes nos deparamos com situações nas quais
um princípio impõe uma solução que, por sua vez, acaba por afrontar outro princípio.
As colisões entre princípios, concebidos como mandamentos de otimização, não
admitem uma solução de tudo ou nada e impõem uma ponderação para a sua
resolução.

Partindo da premissa de que em algumas colisões de princípios todos podem, num


primeiro momento, ser aplicados ao caso concreto, não sendo o caso de aplicarmos
uma relação de precedência previamente estabelecida, precisaremos veri car em
quais condições um dos princípios terá precedência sobre os demais.

Deveremos analisar quais os princípios colidentes são aplicáveis ao caso concreto e


veri car qual deles deve prevalecer por meio de uma ponderação, utilizando uma
relação de precedência condicionada (ALEXY, 1993, p. 92), na qual deverá ser avaliado
qual o peso que cada princípio possui no caso especí co.

Imaginemos um princípio P1 e outro princípio P2, ambos aplicáveis a um caso


concreto, mas que levariam a resultados diferentes.

Diante dessa colisão, precisaremos veri car qual princípio deve prevalecer sobre o
outro, e para tanto, deveremos veri car quais as condições especí cas daquele caso
concreto.

As soluções possíveis para esta colisão de princípios podem ser representadas pelas
seguintes fórmulas, nas quais “p” signi ca a prevalência de um princípio em face do
outro, e “C”, as condições nas quais isto ocorrerá:

1) P1 p P2

2) P2 p P1

081
3) P1 p P2 C 1

4) P2 p P1 C 2

As duas primeiras fórmulas de solução são as adotadas quando aplicamos relações


de precedência previamente estabelecidas, ou se admitíssemos a existência de um
princípio absoluto, uma vez que são incondicionadas, ou seja, independem das
condições do caso concreto.

Já as duas últimas representam uma relação de precedência condicionada, pela qual


devemos analisar as condições do caso concreto e veri car qual dos princípios (P1 ou
P2), nestas circunstâncias, tem um peso maior em relação ao outro, como se
utilizássemos a balança de Themis e, dependendo do lado para o qual pender a
balança, um dos princípios deverá prevalecer sobre o outro no caso apresentado, sem
que isto resulte na sua invalidação ou inaplicabilidade do princípio preterido.

Ambos os princípios colidentes deverão ser respeitados, porém, em graus diferentes,


pois, ao prestigiarmos um princípio em relação ao outro, não podemos eliminar ou
mesmo não aplicar de forma completa o princípio preterido, uma vez que todos os
princípios válidos possuem um núcleo intangível que sempre coexistirá com os outros
princípios aplicados ao caso concreto.

Os princípios concebidos como mandatos de otimização podem ser representados


por meio de um grá co de círculos concêntricos de diferentes tamanhos, no qual o
círculo central representa o núcleo intangível que sempre sobreviverá a todas as
colisões com outros princípios, somente desaparecendo nos excepcionais casos em
que reconhecermos a invalidade de um deles.

Numa outra colisão entre os mesmos princípios, sob condições diferentes, o princípio
ora preterido poderá prevalecer sobre o outro, sempre de acordo com o caso
concreto. Assim, tal qual o encontro das águas de dois rios de colorações diversas, em
que ora prevalece a coloração de um e ora prevalece a coloração do outro de acordo
com as condições climáticas, como a precipitação pluviométrica enfrentada por eles
no seu curso, também os princípios cedem mutuamente e são aplicados
gradualmente, ora prevalecendo um, ora o outro de acordo com as condições do caso
concreto, mas sempre sobrevivendo e sendo aplicados os princípios colidentes.

082
Importante destacar, ainda, que em todos os casos a constrição de um dos princípios
deverá corresponder à maior aplicação do outro, ou seja, ao limitarmos a aplicação de
um princípio, restringido o seu conteúdo, deveremos, pelo menos na mesma
proporção, ampliar o conteúdo do princípio que concluirmos preponderante naquele
caso.

No caso brasileiro, o desenvolvimento de uma cultura de ponderação na aplicação da


Constituição é imprescindível, pois o constituinte optou por organizar todo o sistema
jurídico a partir de princípios expressos no texto constitucional, inovando a ponto de
estabelecer expressamente quais os princípios que devem nortear a atuação da
Administração Pública.

083
13

Igualdade na
Ordem Constitucional

084
A Constituição de 1988, no caput do seu art. 5º, prevê expressamente que: “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se [...] a
inviolabilidade do direito à [...] igualdade” e complementa em seu inciso I que
“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição”.

A partir de tal preceito e dos demais conceitos que são atribuídos ao princípio da
igualdade, ele frequentemente é analisado em dois aspectos: a igualdade material e a
igualdade formal.

Como igualdade material, teríamos o tratamento equivalente que deve ser


dispensado para todos os seres humanos, de acordo com as suas características
pessoais e com o objetivo de superar eventuais di culdades geradas pela
desigualdade natural entre as pessoas.

Nas precisas palavras de Boaventura de Souza Santos (2003, p. 56), “[...] temos o
direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser
diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma
igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente
ou reproduza as desigualdades”. Assim, tratamento igualitário não é aquele que
possui as mesmas características, mas sim aquele que busca os mesmos resultados,
apesar das diferenças entre as pessoas.

Além dessa igualdade material, também existe a igualdade formal, conhecida como
isonomia, que é a igualdade perante a lei. Segundo essa igualdade formal, todos são
iguais perante a lei, sendo vedadas práticas discriminadoras. Tal preceito está
consagrado no art. 5º de nossa Constituição, o qual sentencia que “Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”.

Uma análise mais detida da igualdade formal deixa claro que ela não é su ciente para
garantir direitos e promover justiça, já que tratar igualmente os desiguais acaba
sendo tão injusto quanto tratar desigualmente os iguais, razão pela qual ganha
importância a igualdade material.

Nesse sentido, é bastante interessante a lição de Amartya Sen (2001), que defende
que, por serem as pessoas naturalmente desiguais, é necessário estabelecer quais
aspectos da vida são importantes a ponto de merecerem tratamento materialmente
igualitário e, a partir de então, adotar medidas práticas visando garanti-lo. Tal

085
tratamento igualitário tem um aspecto importante da vida, porém, representará um
reconhecimento, expresso ou tácito, de que outros aspectos da vida serão colocados
em segundo plano.

Nas palavras da autora (2001, p. 51):

Fossem todas as pessoas exatamente similares, a igualdade em um


espaço (p. ex., rendas) tenderia a ser congruente com as igualdades
em outros (p. ex., saúde, bem-estar, felicidade). Uma das
consequências da “diversidade humana” é que a igualdade num
espaço tende a andar, de fato, junto com a desigualdade noutro.

Assim, ao de nir as cotas sociais nos vestibulares, os seus organizadores


expressamente abrem mão de tratamento igualitário no quesito nota, já que poderá
ocorrer a aprovação de alunos com notas divergentes, justamente para ampliar o
acesso ao ensino superior para determinadas pessoas.

Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (1999, p. 18):

Com efeito, por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica


pretende rmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou
injusti cadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito,
o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, o quanto
possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade, assegura que
os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos
sem especi cações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas
para os atingidos.     

Assim, eventuais tratamentos desiguais se justi cam justamente na desigualdade das


pessoas, razão pela qual devemos car atentos, pois vivemos numa época em que
muito se fala sobre a igualdade e suas consequências para o dia a dia.

086
Um instrumento muito utilizado para tentar promover igualdade
material tem sido o estabelecimento de cotas, tanto no ensino
superior, quanto em concursos públicos para cargos do Governo
Federal. Para saber mais sobre o tema, que tal consultar algumas leis?
Veja: BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o
ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de
ensino técnico de nível médio e dá outras providências.¹

BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20%


(vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para
provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da
administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas,
das empresas públicas e das sociedades de economia mista
controladas pela União.²

Fonte: Disponível aqui¹  Fonte: Disponível aqui²

Muitos defendem uma igualdade plena, mas não se dão conta que, ao tratar
igualmente os desiguais, provavelmente acabaremos por gerar graves violações a
direitos humanos. Por outro lado, estabelecer tratamento desigual para pessoas
iguais também pode resultar em privilégios indevidos.

Realmente, o fato de sermos desiguais impõe a necessidade de elegermos os


aspectos nos quais queremos ser tratados com “igualdade”, bem como em admitir
que em outros aspectos sejamos tratados de forma “desigual”.

Na atualidade, a título de exemplo, uma das dúvidas é se homens e mulheres devem


se aposentar na mesma idade e mediante as mesmas regras, ou se deve ser mantida
uma idade inferior (cinco anos a menos) para as mulheres.

087
Alguns defendem que a diferença de idade ainda se justi ca porque as mulheres
continuam a suportar de forma mais intensa as atividades domésticas e, portanto,
ostentam uma dupla jornada. Outros, por outro lado, defendem que a igualdade
buscada pelas mulheres em relação aos homens impõe a xação de uma mesma
idade, com as mesmas regras.

Não pretendo apresentar a minha opinião especí ca sobre esse tema, mas acho que
precisamos eliminar de nitivamente de nossos vocabulários, no que diz respeito às
atividades domésticas, as “coisas de homem” e as “coisas de mulher”.

Assim, inadmissível que sejam consideradas como atividades exclusivamente


femininas a conduta de lavar e passar roupas, cozinhar, lavar pratos, etc. Não é
possível que ainda considere uma conduta digna de elogios a prática do marido que
“ajuda” a mulher nas atividades domésticas.

A nal, se todos estamos concordes que se deve buscar a igualdade em alguns


aspectos, é imprescindível que homens e mulheres “dividam” as responsabilidades
domésticas da forma mais adequada para que ambos possam realizar as suas
atividades usuais sem se sentirem sobrecarregados.

Situação peculiar no Brasil é a dos casais homoafetivos que, apesar de


não terem os seus direitos reconhecidos expressa e formalmente por
leis (aqui concebidas em sentido formal), tiveram seus direitos
reconhecidos e garantidos a partir de decisões judiciais, por meio da
aplicação do princípio da igualdade. A nal, os direitos garantidos aos
casais heteroafetivos realmente precisam ser garantidos aos casais
homoafetivos. Um rol dessas decisões pode ser consultado em:
DIREITO HOMOAFETIVO. Consolidando conquistas. Jurisprudência.

Fonte: Disponível aqui

088
14

Liberdade na
Ordem Constitucional

089
No dia 6 de janeiro de 1941, durante o seu discurso do Estado da União, perante o
Congresso norte-americano, o então Presidente Franklin D. Roosevelt defendeu que
aos seres humanos é necessário que sejam garantidas quatro liberdades essenciais: a
liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a liberdade de viver sem penúria e a
liberdade de viver sem medo (COMPARATO, 2018).

Esse discurso e as quatro liberdades defendidas por Roosevelt foram expressamente


citados como fontes de inspiração para a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 10 de dezembro de 1948. A
partir de então, tais liberdades ganharam formalmente o status de direitos humanos
(COMPARATO, 2018).

No caso da Constituição brasileira, foram contempladas expressamente a liberdade


de expressão e, também, a liberdade religiosa, mas, paralelo a estas, também foi
prevista a liberdade em sentido geral, que contemplaria as outras duas liberdades
defendidas por Roosevelt.

Liberdade de expressão
A liberdade de expressão, no caso do Brasil, é expressamente prevista na Constituição
de 1988 que, em seu art. 5, inciso IV, estabelece que “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988) e, em seu inciso IX, que “é
livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientí ca e de comunicação,
independentemente de censura ou licença.” (BRASIL, 1988).

O texto constitucional brasileiro não é tão amplo quanto o consagrado pela


Constituição Espanhola de 1978, que prevê em seu art. 20 (ESPANHA, 1978, p. 12): “Se
reconhecem e protegem os direitos: a) a expressar e difundir livremente os
pensamentos, ideias e opiniões mediante a palavra, o escrito ou qualquer outro meio
de reprodução; b) à produção e criação literária, artística, cientí ca e técnica; c) à
liberdade de cátedra; e d) a comunicar ou receber livremente informação verdadeira
por qualquer meio de difusão. A lei regulará o direito à cláusula de consciência e ao
segredo pro ssional no exercício dessas liberdades”.

090
Apesar disso, é possível extrair do texto da Constituição de 1988 que a liberdade de
cátedra, bem como as demais liberdades previstas no texto espanhol, também estão
amparadas pela liberdade de expressão.

Diante desse cenário, vê-se que, de um lado, o direito de expressar-se livremente é


fundamental para os seres humanos, mas, por outro, que tal liberdade não é absoluta
e, de nenhuma forma, inconsequente. Isso ocorre porque ao meu direito de
expressar-me livremente soma-se o direito do outro também expressar-se livremente,
o que impõe, no caso de discordância de discursos, que ambos tenhamos a
capacidade de respeitar-nos mutuamente.

Esse respeito mútuo em caso de discursos dissonantes, infelizmente, tem sido raro há
alguns anos, num contexto em que “esquerda” e “direita” elegem-se mutuamente
como inimigos, alimentando um discurso de ódio que se alimenta de si mesmo
(MACHADO; DIAS; FERRER, 2018).

Claro que os excessos devem ser prevenidos e, caso ocorram, punidos, mas é
necessário que a liberdade de expressão reencontre o campo do diálogo, no qual
juntos possamos construir as melhores soluções para todos. Precisamos,
de nitivamente, substituir o “eu” e o “outro” pelo “nós”!!

Liberdade religiosa
A liberdade religiosa, em certa medida, foi substituída pelo conceito do princípio da
liberdade de crença e não crença. Claro que não se trata de um conceito novo, mas
me pareceu bastante interessante a utilização dessa expressão e não a expressão que
é mais usual, que é a do princípio da liberdade religiosa.

O atual fundamento jurídico para ambos os princípios é encontrado no art. 5º, inciso
VI, da Constituição, que prevê que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Realmente, quando optamos por utilizar a expressão “liberdade religiosa”, parece que
estamos excluindo a possibilidade de um cidadão optar pela “não religião”, ou seja, a
liberdade que cada um tem de ser ateu. Neste ponto, a adoção do princípio de crença
e não crença traz explícita esta possibilidade.

091
Este suposto detalhe é bastante importante, pois é crescente o número de pessoas
que declaram ser ateias. No caso do Brasil, não existem dados o ciais, mas existem
países em que os ateus são a maioria. A título de exemplo, na Suécia, 85% da
população é ateia ou não tem religião (SANT’ANA, 2018). Impossível imaginar que
estas pessoas ateias não possuam o direito de não professar qualquer crença.

Além disso, ao usarmos o princípio da  liberdade religiosa, pode-se argumentar que
acabamos por restringir a liberdade das pessoas, pois estas, em tese, estariam na
posição de poder escolher sua religião dentre um rol pré-estabelecido de religiões
existentes e reconhecidas.

Assim, estariam excluídas aquelas pessoas que, a despeito de não serem ateias, não
se identi cam com qualquer religião especí ca e, assim, consideram-se “sem religião”.
Este grupo é dos que mais cresce no Brasil (junto com os que se declaram
evangélicos) e já representam 8% da população segundo dados do Censo de 2010 do
IBGE (G1, 2012).

É certo que alguns autores defendem que a liberdade religiosa é mais ampla e inclui a
opção de escolher qualquer prática religiosa mesmo que ela não seja reconhecida
o cialmente, ou seja, o cidadão poderia optar por uma religião só dele, uma religião
própria e individual.

Contudo, a adoção do princípio da liberdade de crença e não crença elimina qualquer


possibilidade de dúvida, deixando claro que tal aspecto da liberdade inclui a
possibilidade de o cidadão professar ou não qualquer fé.

O fortalecimento de tal princípio, por outro lado, também permite o consequente


fortalecimento da laicidade do Estado, uma vez que traz expressa a necessidade do
Estado prestigiar os dois polos da liberdade, pois, ao deixar claro que tanto a crença
como a não crença devem ser respeitadas, resta ao Estado apenas adotar a
imparcialidade, a neutralidade e a equidistância que dele se exige.

Assim, nas palavras do Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADPF 54/DF (BRASIL,
2013): 

Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de diferentes


credos pací cos e com aqueles que não professam fé alguma. Não se
cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse ou
aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles. A liberdade
religiosa e o Estado laico representam mais do que isso. Signi cam

092
que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a
outros direitos fundamentais, tais como o direito à
autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à
privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade
de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da
reprodução.

O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) possui duas


publicações nas quais defende a adoção do estado laico e a liberdade
de crença e não-crença. Para saber mais: BRASIL. Conselho Nacional do
Ministério Público. Em defesa do estado laico: coletânea de artigos.
Vol. 1. Brasília: CNMP, 2014.

BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Em defesa do estado


laico: prática processual. Vol. 2. Brasília: CNMP, 2014.

Acesse: Volume 01 Volume 02

093
15

Fraternidade na
Ordem Constitucional

094
A Constituição brasileira de 1988 não possui, em seu texto, a palavra “fraternidade”
como era de se esperar, já que ela, ao lado da igualdade e da liberdade, compõe os
ideais que inspiraram o movimento iluminista que resultou na Revolução Francesa,
marco na consagração dos direitos humanos.

Apesar dessa omissão, outras palavras e expressões contidas no texto constitucional


trazem na sua essência a mesma proposta da fraternidade. Nesse sentido, o
preâmbulo da Constituição prevê que dentre os seus objetivos está a garantia de uma
“sociedade fraterna” e, em seu art. 3º, que:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Assim, construir uma sociedade fraterna e solidária é um dos objetivos fundamentais


da República Federativa do Brasil. Mas, a nal, qual o conceito que deve ser atribuído à
palavra solidariedade?

Segundo Silva (2013, p. 1):

A solidariedade passa pela empatia, mas nela não se encerra. Ao


contrário, vai além dela. Enquanto a empatia é a capacidade de se
colocar no lugar do outro, a solidariedade consiste na preocupação
com a situação alheia e na tomada de ações para minimizar o
sofrimento do próximo.        

Assim, o agir solidário pressupõe uma preocupação com o outro e com o seu bem-
estar, pois o objetivo é que o viver bem seja uma realidade compartilhada por todos
dentro da sociedade. Nas palavras de Eros Grau (2006, p. 215):

Solidária a sociedade que não inimiza os homens entre si, que se


realiza no retorno, tanto quanto historicamente viável, à Gesellschaft

095
– a energia que vem da densidade populacional fraternizando e não
afastando os homens uns dos outros.

Assim, a solidariedade pressupõe uma inter-relação entre os seres humanos e, apesar


de ter aplicação plena em todos os âmbitos da relação do Estado com o cidadão e na
própria relação entre cidadãos, sua repercussão ocorre de forma especial em
algumas temáticas, nas quais a sua in uência é ainda maior.

Em primeiro lugar, a solidariedade é imprescindível para a manutenção de uma


República, na qual os direitos de todos precisam ser respeitados e exercidos
harmonicamente, além de existir, ao lado dos bens de cada um, os bens que são de
todos, a res publica, os quais precisam ser utilizados visando atender o interesse da
coletividade.

Além de ser um fundamento da República, a solidariedade também merece especial


atenção no campo do Meio Ambiente, pois cabe à geração atual agir de forma a
garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as futuras gerações,
conforme preceitua o art. 225 da Constituição (BRASIL, 1988):

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.

Trata-se da chamada solidariedade intergeracional, que impõe a uma geração


obrigações em relação a outras gerações, a partir da qual “[...] há um vínculo jurídico
que, pela atual Constituição, se desenvolve como “contrato de justiça social”, com a
obrigação solidária de distribuir as vantagens e as onerosidades da sociedade política,
da sociedade do risco.” (KÖLLING; MASSAÚ; DAROS, 2016, p. 262).

Assim, a distribuição das vantagens e onerosidades não deve se dar apenas entre a
presente geração, mas também envolver as futuras gerações de forma a permitir que
eles possam ter garantido um meio ambiente equilibrado. Em razão disso, ao adotar
medidas no presente, há que se pensar no futuro, também.

096
Esse é um grande desa o, pois, conforme nos alerta Oscar Vilhena Vieira, muitas
vezes os seres humanos não são aptos a identi car e proteger as suas metas de longo
prazo, que “constantemente são subavaliadas por maiorias ávidas por maximizar seus
interesses imediatos” (VIEIRA, 1997, p. 54). Em razão dessa tendência para a não
solidariedade, as Constituições modernas acabam adotando mecanismos de
autolimitação ou pré-comprometimento, que atuariam como reserva de justiça
(VIEIRA, 1997) e muitos deles baseados na solidariedade, inclusive intergeracional.

A solidariedade também ocupa posição de destaque no sistema de Previdência Social


e de Saúde Suplementar. No caso da Previdência Social, os segurados contribuem não
apenas para os seus próprios benefícios, mas também para os benefícios a serem
recebidos por outros segurados. O próprio Governo e os empregadores também
contribuem para o Sistema. Assim, o fato de um segurado contribuir por dezenas de
anos e, depois, não se aposentar, não o autoriza a receber de volta o valor das
contribuições que recolheu, uma vez que elas são utilizadas para garantir o
pagamento de outros segurados.

O mesmo ocorre no âmbito da Saúde Suplementar, pois os Planos de Saúde


promovem o rateio dos custos dos procedimentos para todos os titulares dos planos,
não existindo uma relação direta entre as mensalidades pagas e os valores utilizados
nos procedimentos.

Nos dois casos, todos contribuem para todos, numa lógica de solidariedade que é da
essência dos referidos sistemas.

097
Uma opção para o sistema baseado na solidariedade é o chamado de
sistema de capitalização. No caso da Previdência Social, com o sistema
de capitalização, o trabalhador recolheria contribuições para a própria
aposentadoria. O mesmo ocorreria no caso dos Planos de Saúde, no
qual o consumidor recolheria mensalidades para uma conta individual
e, posteriormente, ao realizar procedimentos, descontaria os
respectivos valores da mencionada conta. O tema é bastante polêmico
e ainda causa bastante insegurança (BRASIL. Senado Federal.
Capitalização prevista na reforma da previdência provoca incertezas).

Fonte: Disponível aqui

098
16

Temos Direitos Humanos!


E Os Nossos Deveres?

099
Um dos livros mais famosos do jus lósofo Norberto Bobbio se chama “A Era dos
Direitos”. Nele, o autor italiano defende que já não precisamos discutir a origem dos
direitos ou mesmo os seus fundamentos, uma vez que eles já foram estabelecidos,
cabendo, a partir de agora, começar a discutir como efetivar tais direitos.

Tenho algumas reservas com relação a esta a rmação, pois a maioria dos ditos
“direitos humanos” atualmente vigentes foram estabelecidos no mundo ocidental, por
homens, religiosos, brancos, heterossexuais, magros e proprietários.

A consequência disso é que muitos dos direitos vigentes não se aplicam às pessoas
que não preenchem os pré-requisitos dos seus criadores, ou seja, muitas vezes as
mulheres, os não religiosos, os negros, os de cientes, os homossexuais, os gordos e
os trabalhadores não proprietários são simplesmente excluídos do rol de pessoas
reconhecidas como titulares de direitos. Na aula de hoje, porém, não pretendo
analisar os direitos das minorias, mas sim os deveres da maioria.

Neste aspecto, é interessante observar que falamos muito de direitos e, por outro
lado, quase não discutimos os nossos deveres. Infelizmente, em nosso dia a dia, é
comum pessoas que acham que elas apenas têm direitos, sendo impensável imaginar
que tais direitos possam trazer, como acompanhamento, um rol de deveres. O outro,
nessa lógica, não é concebido como alguém também titular de direitos. O outro é,
simplesmente, o inimigo.

Essa postura é lamentável, uma vez que faz com que a vida em sociedade perca muito
de seus atrativos e, às vezes, se torne um fardo quase que insuportável de ser
carregado. É imprescindível uma mudança de paradigma, com a adoção de uma nova
lógica que reconheça que, além dos direitos, que devem ser respeitados por todos e
pelo Poder Público, também temos deveres que precisamos observar, não apenas em
relação ao outro e à natureza, mas, também, em face do Poder Público.

Canotilho (1998) defende a existência de duas espécies de deveres: os  conexos, com


direitos fundamentais (ou deveres fundamentais correlativos a direitos) e os deveres
autônomos. No caso dos deveres conexos com direitos fundamentais, a sua
observância é obrigatória para que possam ser garantidos os direitos fundamentais
de todos, razão pela qual a todos são impostos deveres fundamentais. É o caso do
meio ambiente que, conforme já mencionado, exige que todos atuem com o dever de
garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

100
Ao lado de tais deveres, existem autônomos, como o dever de pagar impostos, o
dever de fazer com que a propriedade cumpra a sua função social, dever de defesa da
pátria, etc. São deveres que não estão diretamente relacionados a direitos
fundamentais (CANOTILHO, 1998).

Interessante destacar que nos Sistemas de Direitos Humanos, tanto Global quanto
Regionais, apenas a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos apresenta uma
concepção de deveres ao lado dos direitos, partindo da premissa de que “o gozo dos
direitos e liberdades implica o cumprimento dos deveres de cada um.” (PIOVESAN,
2018a, p. 248).

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos está disponível na


internet e em português: Comissão Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Fonte: Disponível aqui

Além disso, segundo Canotilho, apesar de não existir uma divisão clara, é possível
“detectar deveres primordialmente cívico-políticos (dever de defesa da pátria, dever
de voto), e deveres de caráter econômico, social e cultural (dever de defender a saúde,
dever de defesa do patrimônio)” (CANOTILHO, 1998, p. 480).

Da leitura de nosso texto constitucional, é possível extrair, dentre outros, os seguintes


deveres (BRASIL, 2013):

Votar para escolher nossos governantes.


Cumprir as leis.
Respeitar os direitos sociais de outras pessoas.
Educar e proteger nossos semelhantes.
Proteger a natureza.
Proteger o patrimônio público e social do País.
Colaborar com as autoridades.

101
Ao lado de tais deveres, é importante reconhecer que a Administração Pública (uma
das facetas do Estado) também passou por um processo de evolução, pois, se
inicialmente à Administração Pública bastava prestar serviços, com o passar do
tempo, ela também passou a ter como uma de suas obrigações atuar da forma mais
transparente possível e dando ouvidos ao cidadão, cuja opinião e manifestação
ganharam relevância na tomada de decisões pela Administração Pública.

Surge o que se convencionou chamar de “Administração Pública dialógica”, na qual a


atuação da Administração Pública deveria ser construída a partir do diálogo constante
com os cidadãos, única forma de construirmos uma nova sociedade, a partir de um
movimento “de baixo para cima”, na qual o cidadão seja elevado ao posto de
protagonista de sua história, exigindo os seus direitos, mas cumprindo elmente os
seus deveres, inclusive o de participar da vida em sociedade.

Assim, como se vê, precisamos reconhecer que vivemos numa era de direitos e
deveres, cabendo a cada um de nós a busca por uma vida digna de ser vivida, a partir
de um pacto de respeito recíproco.

Um tema que tem ganhado importância é a defesa dos direitos dos


animais e demais formas de vida, ou seja, dos direitos não humanos. O
respeito a tais direitos, por consequência, exigirá que os seres
humanos assumam um novo rol de deveres em relação aos demais
seres vivos. Para um estudo mais aprofundado, leia ROCKENBACH,
Ramiro. Para além dos direitos humanos: uma defesa da vida e a paz
como caminho comum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.

102
Material Complementar
LIVRO

“História Constitucional Inglesa e Norte-Americana: do surgimento


à estabilização da forma constitucional”
Autor: Cristiano Paixão e Renato Bigliazzi
Editora: Editora UnB, 2008).
Sinopse: No mundo ocidental, os constitucionalismos inglês e norte-
-americano são extremamente importantes, pois representam o mo-
mento em que os direitos humanos são incluídos nos ordenamentos
jurídicos dos países.

LIVRO

“Teoria dos Direitos Fundamentais”


Autor: Robert Alexy
Editora: Malheiros, 2017
Sinopse: Leitura imprescindível para quem quer compreender os di-
reitos fundamentais, inclusive os consagrados em nossa Constituição.

WEB

O texto integral da Declaração Universal dos Direitos Humanos está dis-


ponível na página oficial da ONU – Organização das Nações Unidas, em:
Acesse o Link

103
Conclusão
Para o significado da palavra contexto, podemos conceber um determinado
momento na história de uma cidade, estado ou país, como também uma
situação específica na qual uma pessoa ou instituição se encontra. Assim, o
estudo do contexto é de extrema importância quando se pretende analisar
um fato, uma vez que as circunstâncias que permeiam a sua ocorrência
podem ser decisivas para a sua compreensão.

Em sua obra “A reinvenção dos direitos humanos”, o Prof. Joaquín Herrera


Flores propõe a utilização do “diamante ético”, uma metáfora que contempla
doze elementos que devem ser levados em consideração na avaliação de
um determinado contexto.

Tais elementos estariam divididos em dois eixos: um conceitual, no qual


estão as teorias, a posição, o espaço, os valores, a narração e as institui-
ções, e outro, material, no qual estão as forças produtivas, a disposição, o
desenvolvimento, as práticas sociais, a historicidade e as relações sociais.

O saudoso professor espanhol argumentava que a garantia dos direitos


humanos e o desenvolvimento de uma comunidade somente é possível
se o seu contexto social for considerado e não apenas com a simples apli-
cação da lei, de forma descontextualizada. Se aplicarmos os elementos do
“diamante ético” na atualidade brasileira, veremos que ele não é dos mais
positivos.

Vivemos uma crise econômica que motiva propostas absurdas de mudanças


constitucionais e legislativas que podem resultar na eliminação de direitos
duramente conquistados. Apesar dessa situação aparentemente negativa,
é extremamente interessante como muitos brasileiros insistem em sonhar
e concretizar os seus sonhos, seja casando, tendo filhos, investindo em no-
vos empreendimentos, enfrentando com bom humor as adversidades e,
ainda, conseguindo rir de si próprio, deixando claro que o melhor do Brasil
realmente é o brasileiro.

104
Tais pessoas dão concretude ao ensinamento de Gilles Deleuze, que sustenta
que “a vida não pode fixar-se em uma descrição que imobilize o seu poder de
mudança e devenir. Ou, em outras palavras, a vida não se define pelo que é,
mas sim pelo que pode ser, pelo poder de um corpo de afetar e ser afetado,
de multiplicar conexões, de criar novas relações, de aumentar sua capacidade
de atuar”.

Na verdade, essas pessoas, ao acreditarem num devenir promissor, apesar do


aparente contexto negativo do presente, são imprescindíveis para que a reali-
dade seja alterada, ou seja, que um novo amanhã possa florescer.

Assim, convido a todos os alunos a viverem seus sonhos e projetos para que
possam construir um futuro melhor; construir um novo contexto no qual a vida
seja cada dia mais digna de ser vivida.

(Texto escrito em homenagem aos meus filhos, Arthur e Márcio que, apesar de
terem nascido nesse contexto aparentemente não tão positivo, tenho certeza
que terão condições de lutar por um futuro melhor, um melhor devenir).

105
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Marraqueche para Facilitar o Acesso a Obras Publicadas às Pessoas Cegas,
com Deficiência Visual ou com outras Dificuldades para Ter Acesso ao Texto
Impresso, concluído no âmbito da Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI), celebrado em Marraqueche, em 28 de junho de 2013.
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dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109,
111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal,
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107
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