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Objetivos
propósito. Para tanto, regras fixas deveriam ser criadas. Em 1863, surgiu o chamado football
association (futebol moderno), quando representantes de onze clubes e escolas reuniram-se e
fundaram a Football Association, em Londres. A prática fez tanto sucesso e disseminou-se a
ponto de Hobsbawn classificá-la como a “religião leiga da classe operária” (Hobsbawn, 1987).
Oficialmente, o futebol association foi trazido para o Brasil (especificamente, São Paulo)
por Charles Miller (1874-1953), embora pairem dúvidas a respeito. A historiografia assinala a data
de 14 de Abril de 1895 para a realização do primeiro confronto oficial de futebol em terras
brasileiras.
Nos primeiros anos do século XX, o caráter da prática mostrou-se elitista, com
agremiações fechadas, preenchendo o tempo livre dos filhos das famílias mais abastadas
(Sevcenko, 1992, p. 97).
De acordo com o censo de 1907, existiam três mil quatrocentos e dez estabelecimentos
industriais no Brasil1, ocupando pouco mais de cento e cinquenta e seis mil operários. O Rio de
Janeiro aparecia como o maior centro fabril do país, com 30% da produção total e empregando
24% do operariado brasileiro, seguido de São Paulo, com 16,5%.
Como reflexo da I Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil passou a compor de forma mais
eficaz seu parque industrial, em razão das dificuldades de importar produtos manufaturados
europeus, assim como de obter créditos no exterior. Com o desenvolvimento paulatino das
indústrias, passaram a ser produzidas no país as mercadorias de que a população necessitava.
Esse surto industrial, no entanto, ocorreu sem qualquer política de incentivo do governo federal,
cujas ações se voltavam para a proteção da cafeicultura e de outros produtos do setor primário.
Mesmo assim, os obstáculos não impediram que o setor industrial brasileiro se desenvolvesse.
À medida que o processo de industrialização avançou em áreas como São Paulo, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o antagonismo entre burguesia e proletariado
industrial engrandeceu. Passaram a surgir associações demonstradoras da obtenção progressiva de
consciência do proletariado em formação (sindicatos, ligas, partidos, uniões operárias, entre
outras), lapidados em ideias pela experiência de imigrantes estrangeiros, com as ligas ou
associações de resistência organizando os trabalhadores na luta por melhores condições.
Em julho de 1917, iniciou-se uma onda de greves que paralisou a cidade de São Paulo e
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Não tardou para que medidas enérgicas fossem tomadas por parte das autoridades
governamentais, ordenando, inclusive, que soldados agissem com rigor sobre os manifestantes
com o intuito de evitar passeatas e que fossem aprisionados os principais líderes do movimento
que, neste mesmo ano, já passavam a influenciar trabalhadores de outras unidades da federação.
A defesa do futebol entre anarquistas durou pouco. Muitos dirigentes sindicais passaram
a atacar a prática acusando-a de fazer parte das estratégias patronais de tornar a luta operária
alienante. Desta forma, os centros esportivos passaram a ser criticados por muitos sindicalistas
por distraírem os funcionários e impedirem que questionassem as péssimas condições de trabalho
e baixar remunerações oferecidas.
Para os anarquistas, procurar e viver uma vida sindical seria dever do trabalhador, assim
como participar das atividades promovidas pelos sindicatos 2. Esta seria uma forma de sair do
estado de dominação imposta pelos empregadores e pelo Estado. Muitos adeptos da ideologia
consideravam a dança, o carnaval e o futebol atividades negativas que afastavam o trabalhador da
vida sindical e das associações de classe, acusando ainda que, ao disporem de seu dinheiro para a
manutenção dos clubes de futebol, os trabalhadores estariam sendo ainda mais explorados 3 e
impedidos de observarem as condições da classe.
Fato é que indústrias paulistas começaram a investir na criação de seus clubes. Nos anos
1920, difícil apontar uma indústria da capital paulista que não tivesse um time ou um clube de
futebol. Apenas em São Paulo, a título de exemplo, cito alguns clubes ligados a empresas :
Fábrica Sant'Ana, Gasômetro F.C., Associação Esportiva Casa Pratt, Maria Zélia F.C.,
Aniagem Paulista, Bloco Paraíba F.C., além dos grêmios das companhias inglesas como a São
Paulo Railway, Gas Company e Light & Power (Decca, 1987, p.42). Talvez porque a classe
empresarial teria passado a enxergar na proliferação do esporte uma forma de promoção da
empresa (ideia de empresa vencedora), de propaganda de seus produtos, de manutenção de
certo grau de controle e de disciplina sobre o tempo livre dos trabalhadores, além de passar a
imagem de instituição preocupada com o fortalecimento físico e com o divertimento de seus
trabalhadores. No entanto, um objetivo pouco claro, diria oculto: retirar os operários das
discussões e organizações sindicais. Vale lembrar que o avanço do futebol passou a receber
destaque junto à imprensa brasileira, tornando-se esta parceira da proliferação do esporte. De
forma tímida, mas atuante. Pelo menos nesta década.
Joel Rufino, ao contextualizar a popularização do futebol, afirma que tanto em São Paulo
quanto no Rio de Janeiro a febre pela prática teria sido resultado direto da intervenção dos
patrões e do poder público já que a emergência das greves operárias de 1917 teria feito “ver às
autoridades industriais que a cidade precisava de um esporte de massas, como uma criança que se
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manda brincar para queimar energias” (Rufino, 1981, p.22). Por esta visão, os operários teriam
sido incentivados a “jogar bola”, já que a prática disciplinaria a produção. Rufino indica ter sido
o futebol utilizado como um instrumento de controle das populações urbanas nas primeiras
décadas do século XX, redirecionando para a alienação das energias políticas das greves de 1917,
em São Paulo.
Bruhns chega a insinuar que a prática do futebol teria sido um instrumento quase
imperceptível utilizado para esvaziar o movimento sindical ao afirmar que o processo de
“difusão do futebol entre a classe trabalhadora não pareceu estranho a anarquistas e comunistas.
(...) A questão ocupou alguns sindicatos, recebendo a denominação de ‘esporte burguês’,
poderoso ‘ópio’, capaz de minar a união e a organização de classes” (Bruhns, 2000, p.41).
Para Cláudio Batalha (Batalha, 2004, p.114) “os clubes transformaram-se em mais um
dos mecanismos de controle da empresa sobre seus empregados”. Ou seja, patrocinar um clube
passou a significar a criação de amizade com os trabalhadores, o que contribuiu para a
desmobilização da luta sindical ao reforçar a identidade trabalhador-fábrica. Talvez Batalha tenha
razão, uma vez que o fenômeno não se limitou ao futebol, uma vez que as diversas agremiações
clubísticas promoviam bailes dançantes, concursos de beleza e bailes carnavalescos. Mais do que
uma cultura operária, uma cultura fabril. Uma espécie de “coronelismo esportivo” que diminuía a
distância do empresário em relação aos seus contratados.
Para industriais como Nicolau Scarpa, também de São Paulo, o patrocínio aos grêmios
seria uma forma de resolver os complexos problemas da questão social ao solucionar o conflito
entre capital e trabalho.
organizacional. Em cada unidade fabril incentivadora do esporte, foi estruturada uma diretoria,
cujos membros tinham por função gerenciar as atividades do grêmio. A tendência era de que
esses diretores fossem recrutados dentre os membros dos próprios quadros burocráticos das
empresas como chefes, diretores e gerentes. Também passou a se comum o(s) dono(s) de
fábricas ou altos funcionários ocuparem posições de destaque na burocracia do time, como, por
exemplo, "presidente de honra", em sinal do "reconhecimento dos sócios" pelos serviços
prestados ao clube.
RESULTADOS
CONCLUSÕES
O futebol teria cumprido uma de suas tarefas, colocando o trabalhador para jogar num
domingo, discutir o jogo jogado na segunda, talvez terça, preparando-o para o próximo embate
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na quarta, quinta, sexta e envolvendo-o completamente na véspera de uma peleja. Caso seu
incentivo por empresários tenha tido a intenção de esvaziamento do movimento operário, houve
sucesso.
A luta pareceu desigual, com os operários sendo atraídos mais à proteção dos patrões do
que à congregação sindical, isto porque muitos dos trabalhadores mostravam-se avessos aos
discursos doutrinários.
O futebol de fábrica surgiu como passatempo. Aos poucos, outros interesses brotaram,
com empresários descobrindo na prática a possibilidade de se obter disciplina, controle sobre o
tempo dos trabalhadores das fábricas, cerceamento sobre as atividades dos trabalhadores nos
sindicatos, valorização de seus produtos e artigos, visualização positiva da empresa, além da
imagem de que se preocupava com a condição física e de lazer de seus trabalhadores.
Todo este processo possui raízes que carecem de análises profundas e elas estão em um
passado não tão distante assim.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Ibrasa, 1990
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A Vida fora das Fábricas. Cotidiano operário em São
Paulo (1920-1934). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
HALL, Michael. O movimento operário na cidade de São Paulo. SP: Paz e Terra,2004.3v.
HOBSBAWN, Eric. Mundos do Trabalho. Novos estudos sobre a história operária. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987
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