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O ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO

Chapter · October 2016

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Marcelo Duarte Porto Helida Cunha


Universidade Estadual de Goiás Universidade Estadual de Goiás
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Marcelo Duarte Porto
A Universidade Estadual de Goiás situa-se na região Centro-Oeste como Ins�tuição
Mirley Luciene dos Santos
de Ensino Superior pública, comprome�da e preocupada em ofertar ensino
João Roberto Resende Ferreira

E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA


OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI
superior de qualidade de forma a atender às expecta�vas da população.
Organizadores
O Mestrado Profissional em Ensino de Ciências (PPEC) da UEG contribui, desde

OS DESAFIOS DO
2013, vigorosamente para a qualificação dos profissionais da região. O seu
obje�vo é contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem na

ENSINO DE CIÊNCIAS
formação con�nuada de professores, considerando perspec�vas curriculares e
Mirley Luciene dos prá�cas pedagógicas, bem como promover a inves�gação e o desenvolvimento de João Roberto Resende

NO SÉCULO XXI
Santos metodologias e estratégias para o ensino e aprendizagem rela�vos, principalmente, Ferreira
Pós-doutora em Ecologia e Evolução Graduado em Pedagogia pela
pela Universidade Federal de Goiás, à educação básica. Obje�va ainda, desenvolver produtos técnicos na área de Universidade Federal de Goiás (1993),
Doutora em Ecologia e Mestre em Mestrado em Educação Escolar Brasileira
ensino que possam ser u�lizados por professores e profissionais em espaços
Botânica pela Universidade de Brasília,
Licenciada em Ciências Biológicas pela
E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA (2001) e Doutorado em Educação
(2011) também na UFG. Foi professor
formais e não formais, avaliar materiais didá�cos e paradidá�cos, prá�cas
Universidade Federal de Uberlândia. assistente I da Pon��cia Universidade
Docente efe�va da Universidade Estadual experimentais, e novas tecnologias de informação e comunicação para melhorar Católica de Goiás em Goiânia, no
de Goiás (UEG) atua na graduação período de 2002 a 2012. Atualmente
(Ciências Biológicas) e pós-graduação o ensino de ciências. As linhas de ensino e pesquisa do PPEC estão voltadas é professor auxiliar da Universidade
(Mestrado Profissional em Ensino de Estadual de Goiás na cidade de Anápolis.
Ciências). Atualmente é coordenadora para “Formação de professores em ensino de ciências” e “Metodologias e
do PPG em Ensino de Ciências. É
Bolsista do Programa de Bolsas de
recursos educacionais para o ensino de ciências”. O corpo docente do PPEC é
Incen�vo ao Pesquisador (PROBIP) da UEG. mul�disciplinar e cons�tuído por profissionais de diferentes Câmpus da UEG, o
E-mail: mirley.santos@ueg.br
que facilita a disseminação das a�vidades desenvolvidas no Estado de Goiás,

Marcelo Duarte Porto - Mirley Luciene dos Santos


João Roberto Resende Ferreira - Organizadores
além de docentes de outras Ins�tuições de Ensino Superior como UnB e UFMS.
Este livro é resultado do I Simpósio do nosso programa, realizado nos dias 23 e
24 de setembro de 2015 e teve o apoio financeiro da CAPES e da FAPEG. Todos
os autores que publicam nesse livro, que não são do corpo docente da UEG,
foram palestrantes no Simpósio.
Marcelo Duarte Porto
Pós-doutor em Psicologia (Universidade
Católica de Brasília). Doutor em
Psicologia (Universidade de Brasília).
Docente efe�vo da Universidade
ISBN 978-85-444-1077-6 Estadual de Goiás (UEG) atua na
graduação (Pedagogia, Campus Luziânia)
e pós-graduação (Mestrado Profissional
em Ensino de Ciências, Anápolis).
E-mail: marcelo.porto@ueg.br
 
    
  
 
    
  
Marcelo Duarte Porto
Mirley Luciene dos Santos
João Roberto Resende Ferreira
Organizadores

OS DESAFIOS DO
ENSINO DE CIÊNCIAS
NO SÉCULO XXI
E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA
EDITORA DA UNIVERSIDADE
EDITORA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE GOIA� S
ESTADUAL DE GOIÁS

Presidente
Haroldo Reimer (Reitor)

Vice-Presidente
Ivano Alessandro Devilla (Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação)

Coordenadora Geral
Elisabete Tomomi Kowata

Revisão Técnica
Thalita Gabriele Lacerda Ribeiro

Conselho Editorial
Carla Conti de Freitas (UEG)
Claude Valentin Rene Detienne (UEG)
Eduardo Soares de Oliveira (UEG)
Joelma Abadia Marciano de Paula (UEG)
Juliana Alves de Araújo Bottechia (UEG)
Marcelo Duarte Porto (UEG)
Maria Aurora Neta (UEG)
Murilo Mendonça Oliveira de Souza (UEG)
Robson Mendonça Pereira (UEG)
Vandervilson Alves Carneiro (UEG)

EDITORA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS


Br-153 – Quadra Área – CEP: 75.132-903
Fone: (62) 3328-1181 – Anápolis – GO
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Marcelo Duarte Porto
Mirley Luciene dos Santos
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(Organizadores)

OS DESAFIOS DO ENSINO DE
CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

EDITORA DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE GOIA� S

EDITORA CRV
Curitiba - Brasil
2016
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Editora CRV
Revisão: Dra. Zenaide Dias Teixeira

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CATALOGAÇÃO NA FONTE

D441

Os desafios do ensino de ciências no século XXI e a formação de professores para a educação básica. / Marcelo Duarte
Porto, Mirley Luciene dos Santos, João Roberto Resende Ferreira, (Organizadores). – Curitiba, PR: CRV, 2016. –
coedição: Anápolis, GO: UEG, 2016.
340 p.

Bibliografia
ISBN CRV 978-85-444-1077-6
ISBN UEG 978-85-5582-024-3

1. Educação 2. Ciências - ensino 3. Formação de professores I. Porto, Marcelo Duarte. org. II. Santos, Mirley
Luciene dos. org. III. Ferreira, João Roberto Resende. org. IV. Título V. Série.

CDD 373.3

Índice para catálogo sistemático


1. Ciências: formação de professores 370.71

Esta obra é produto originado do Programa de Apoio a Eventos no País financiado


com verba proveniente da CAPES do ano de 2016. A exatidão das referências, a
revisão gramatical e as ideias expressas e/ou defendidas nos textos são de inteira
responsabilidade do autor.

Impresso no Brasil
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2016
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
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EDITORA CRV

Conselho Editorial: Comitê Científico:


Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Américo Junior Nunes da Silva (UNEB)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Celso Ferreira da Cruz Victoriano (UMSA)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Claus Haetinge (UNIVATES)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO - PT) Clélia Maria Ignatius Nogueira (UEM)
Carlos Federico Dominguez Avila (UNB) Dulce Maria Strieder (Unioeste)
Carmen Tereza Velanga (UNIR) Gionara Tauchen (UFRG)
Celso Conti (UFSCar) João Alberto da Silva (UFRG)
Cesar Gerónimo Tello (Univer. Nacional Três de Febrero - Argentina) Jorge Carvalho Brandão (UFC)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Kelly Roberta Mazzutti Lübeck (UNIOESTE)
Élsio José Corá (Universidade Federal da Fronteira Sul, UFFS) Marco Aurélio Kalinke (UTFPR)
Elizeu Clementino (UNEB) Reginaldo Rodrigues Costa (PUC/PR)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Silvia Teresinha Frizzarini (UDESC)
Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba) Vilmar Malacarne (Unioeste)
Guillermo Arias Beatón (Universidade de La Havana – Cuba) Wellington Lima Cedro (UFG)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
João Adalberto Campato Junior (UNESP)
Josania Portela (UFPI)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO)
Lourdes Helena da Silva (UFV)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNICAMP)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar)
Paulo Romualdo Hernandes (UNICAMP)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc.


APRESENTAÇÃO

Nos últimos cem anos, a humanidade viveu uma época em que a ciên-
cia e a tecnologia, alinhadas ao modo de produção capitalista, provocaram
imensas transformações não só nas categorias fundamentais do pensamento
humano como tempo e espaço, mas em toda forma de existir no mundo todo.
Foram transformações sentidas no trabalho, na inovação do mercado de ca-
pitais, a globalização, a internet, a presença maior da mulher no mercado de
trabalho e principalmente, o encolhimento da mão de obra no setor fabril e a
expansão do setor de bens e serviços. Tais mudanças se intensificaram no fi-
nal do século XX e, vão se instituindo como realidade no século XXI. Como
consequências desse “desenvolvimento científico e tecnológico”, temos vi-
vido, por um lado, uma enorme concentração de riquezas para poucos e, por
outro, a expansão do desemprego estrutural, a fome e as péssimas condições
de vida para a maioria da população, devidas ao incentivo da ampliação dos
setores privados em detrimento do setor público, nas áreas de saúde, educa-
ção e moradia.
Partindo do pressuposto de que a ciência não é neutra, ela tem de ser
repensada em seus diversos aspectos teóricos/práticos, como nos processos
metodológicos, no perfil da formação de novos pesquisadores, nas situações
de trabalho e de pesquisas dentro e fora das universidades, o papel das agên-
cias financiadoras e suas formas de avaliar e financiar pesquisas. O que está
em jogo, é que as transformações implementadas pela ciência e tecnologia,
em tempos sombrios de neoliberalismo, tem possibilitado novas formas de
produção e organização não só da base material da sociedade, bem como
estabelecido novas formas de relação entre a economia cada vez mais mun-
dializada, o Estado e o indivíduo em toda a sociedade.
Diante desse quadro, seria ingenuidade pensar que essas transforma-
ções não afetariam o campo da ciência e, em especial, o de formação de
novos pesquisadores. Em um momento em que as possibilidades de acesso
das classes trabalhadoras à educação básica e ao ensino superior foram am-
pliadas, é necessário nos perguntarmos quais são os desafios para o ensi-
no de ciências – e, mais especificamente – na formação dos professores da
Educação Básica.
Nesse sentido, o colegiado do curso de Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências (PPEC), da Universidade Estadual de Goiás (UEG), le-
vantou o seguinte questionamento: “Quais os desafios do ensino de ciências
para o século XXI?”, que tornou-se a questão norteadora para o I Simpósio
do nosso programa realizado nos dias 23 e 24 de setembro de 2015. A razão
para a discussão da temática se acentua no momento em que a escola bási-
ca, segundo Coelho (2012), está esvaziada de sentido cultural e formativo,
devido aos modismos vindos de todas as partes. Desta maneira, em vez de
formar os alunos na escrita, nas ciências, no mundo tecnológico, nas letras e
nas artes, estão transformando essa instituição em uma “organização” preo-
cupada apenas em desenvolver habilidades, competências, preparação para
o trabalho sem perguntar realmente qual o seu sentido.
Assim, o PPEC, criado em 2013, tem se esforçado em seu colegiado,
para desenvolver um trabalho colaborativo entre o ensino básico e a univer-
sidade na elaboração de processos, produtos e outras propostas de ensino,
sem esquecer o debate epistemológico na constante busca por seu aprimora-
mento; tem se empenhado muito para que os professores atuem como mul-
tiplicadores, para que partilhem seus conhecimentos com os demais profis-
sionais no seu campo de atuação. Nesse sentido, o colegiado tem fomentado
a formação de grupos de discussão e de pesquisas, objetivando a elaboração
de projetos a serem desenvolvidos em seus contextos de atuação.
Atuando em duas linhas de pesquisa, “Formação de professores em
ensino de ciências” e “Metodologias e recursos educacionais para o ensi-
no de ciências”, o objetivo do programa é contribuir para a melhoria do
processo de ensino-aprendizagem na formação continuada de professo-
res, considerando perspectivas curriculares e práticas pedagógicas, bem
como promover a investigação e o desenvolvimento de metodologias e
estratégias para o ensino e aprendizagem relativos, principalmente, à
educação básica. Objetiva, ainda: desenvolver produtos técnicos na área
de ensino que possam ser utilizados por professores e profissionais em
espaços formais e não formais; avaliar materiais didáticos e paradidáti-
cos, práticas experimentais, e novas tecnologias de informação e comu-
nicação para melhorar o ensino de ciências.
O curso está na sua quarta turma, tendo seu corpo discente constituído
em sua grande maioria, por professores oriundos das redes de ensino munici-
pal, estadual e privada, de diferentes regiões do Estado de Goiás e do Distrito
Federal. Os projetos desenvolvidos por docentes e mestrandos reforçam o
perfil do programa de interação com a sociedade e com o mercado de tra-
balho, bem como – em escala menor, devido às características do mestrado
profissional – tem se dedicado também a buscar entender as raízes das con-
tradições presentes na sociedade capitalista que, sob o julgo da ciência, ame-
aça comprometer o planeta em seus aspectos naturais e a vida em sociedade.
O livro que hora apresentamos, é fruto de discussões e trabalhos apre-
sentados no I Simpósio do nosso programa. Nele estão contidos os artigos
com os vários pontos de vista dos orientandos e orientadores do PPEC. Não
foram escritos em torno de um eixo articulador comum, por isso interrogam
ou não os limites, as possibilidades e os desafios do ensino de ciência, bem
como contribuem de forma crítica para repensar a melhoria da vida em so-
ciedade. Ressaltamos que todos os autores que não são do corpo docente da
UEG foram palestrantes no I Simpósio.
Como a produção do conhecimento é um processo individual e coleti-
vo, não podemos deixar de agradecer a presença da professora Dra. Hilda
Helena Sovierzoski, Coordenadora Adjunta de Mestrado Profissional da
área de Ensino da CAPES. Agradecemos também à professora Dra. Clara
Vasconcelos (Universidade do Porto) e ao professor Sidney Quezada
(Instituto Federal do Espírito Santo) pela gentileza com que acolheram
o convite para a escrita do prefácio e do posfácio; à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Agradecemos, de modo
especial, a participação e o engajamento do corpo discente do PPEC; ao
professor Marcelo Porto, organizador do I Simpósio do nosso programa; à
professora Juliana Simião-Ferreira (Coordenadora do PPEC em 2015) e a
nossa Secretária Bianne. Sem vocês, nada disso seria possível!

Anápolis, outubro de 2016.

Marcelo Duarte Porto


Mirley Luciene dos Santos
João Roberto Resende Ferreira
(Organizadores)
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.............................................................................................. 7
Marcelo Duarte Porto
Mirley Luciene dos Santos
João Roberto Resende Ferreira

PREFÁCIO....................................................................................................... 15
Clara Vasconcelos

O ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO........................................... 17


Jullyanna Cabral de Moura
Marcelo Duarte Porto
Hélida Ferreira da Cunha

EPISTEMOLOGIA DA PRÁXIS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


perspectiva crítica emancipadora..................................................................... 35
Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

ENSINO DE CIÊNCIAS NO BRASIL – MARCOS TEÓRICOS E LEGAIS....... 53


Orlandina Aparecida Borges Mendes
Cleide Sandra Tavares Araújo
Suely Miranda Cavalcante Bastos
José Gonçalves Teixeira Júnior

REFLEXÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DE INTEGRAÇÃO DA


EDUCAÇÃO BÁSICA E DO ENSINO SUPERIOR........................................... 71
José Gonçalves Teixeira Júnior

TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: articulando aprendizagens


pela experiência............................................................................................... 89
Wagner Bandeira
Cleomar Rocha

A COMPLEXIFICAÇÃO DE QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS


E O ENSINO DE CIÊNCIAS: pressupostos teóricos de Edgar Morin............ 105
Karolina Martins Almeida e Silva

AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO CONTEXTO DA


EDUCAÇÃO AMBIENTAL.............................................................................. 123
Sabrina do Couto de Miranda
Cleirianne Rodrigues de Abreu
Plauto Simão De-Carvalho

O ENSINO DE GEOMETRIA PLANA E ESPACIAL: uma proposta de


sequência didática para promover a aprendizagem significativa................... 139
Luciana Cristina de Melo Tavares
Mirley Luciene dos Santos
CONCEPÇÕES SOBRE OS JOGOS PARA O ENSINO DE BOTÂNICA
NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE BIOLOGIA..................... 157
Renata Rolins da Silva Oliveira
Mirley Luciene dos Santos

CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE CIÊNCIAS POR ATIVIDADES


INVESTIGATIVAS EM AMBIENTES NÃO FORMAIS PARA A DISCUSSÃO
DE IMPACTOS AMBIENTAIS AQUÁTICOS................................................... 177
Michelle Abadia Cirilo
Juliana Simião-Ferreira

SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DA BIODIVERSIDADE


DO BIOMA CERRADO NO ENSINO FUNDAMENTAL.................................. 193
Patrícia Spinassé Borges
Juliana Simião-Ferreira

O PAPEL DO TUTOR NOS CURSOS SUPERIORES A DISTÂNCIA:


caminhos, encontros e desencontros na legislação brasileira....................... 205
Celso Pinto Soares Júnior
Marcelo Duarte Porto

O MESTRADO PROFISSIONAL E A FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR


NO ENSINO DE MATEMÁTICA: do disciplinar ao transdisciplinar................ 217
Geraldo Eustáquio Moreira

APRENDER E ENSINAR O PENSAR EVOLUTIVO: Darwin, Vigotski e a


formação de professores em um contexto sócio-histórico............................. 233
Alberto Rogélio Orioli
Cláudio Magalhães de Almeida
João Roberto Resende Ferreira
Marcelo Duarte Porto

REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO DIDÁTICA A


PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DE UM LIVRO
PARADIDÁTICO INTERDISCIPLINAR ENTRE HISTÓRIA E BIOLOGIA...... 255
Wilton de Araujo Medeiros
Kárita de Jesus Boaventura

A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE ALUNOS DIAGNOSTICADOS COM


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.................................................... 277
Priscila Batista de Sousa
Elianna Morais de Souza Valverde
Clodoaldo Valverde

PESQUISA PARTICIPANTE: interlocuções sobre a produção de um


módulo instrucional com professores da educação básica ........................... 291
Nara Alinne Nobre da Silva
Claudio Roberto Machado Benite
CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS
DA NATUREZA NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ............. 311
Ranib Aparecida dos Santos Lopes
Cibele Pimenta Tiradentes
Solange Xavier dos Santos

POSFÁCIO..................................................................................................... 327
Sidnei Quezada Meireles Leite

SOBRE OS AUTORES................................................................................... 329


PREFÁCIO

À tendência atual de se considerar que o ensino orientado para a investiga-


ção é uma perspectiva inovadora no ensino das ciências, os currículos da segun-
da metade do século XIX relembram-nos que ensinar ciências deve espelhar o
trabalho dos cientistas na sua tentativa de descobrir as respostas sobre o funcio-
namento do mundo natural. Questionar, observar, investigar, enumerar e outros
processos científicos devem presidir na aula de ciências e serem ensinadas na
medida em que o aluno constrói o seu conhecimento mediado pelo professor.
Não obstante o fato de tal pretensão ser quase atemporal, a mudança de concep-
ções e práticas de professoras tornaram este pressuposto uma quimera.
Pensar sobre o ensino das ciências não pode restringir-se ao seu conteúdo
científico, mas também relacionar-se à epistemologia e à natureza das ciências,
às metodologias de aprendizagem apoiadas em enquadramentos teóricos da
psicologia da educação e em fundamentos didáticos, às estratégias e recursos
educativos que auxiliem o professor a desenvolver os mapas mentais dos seus
alunos. Pensar o ensino das ciências exige o desenvolvimento de uma identidade
profissional docente capaz de fundamentar as suas práticas e mobilizar os conhe-
cimentos especializados para dar a aprender.
E se a quimera persiste em manter-se, então todos os contributos que emer-
gem vão desbravando o caminho do professor e favorecem a aprendizagem dos
alunos, demonstrando a falácia das utopias. Contribuir para os desafios do ensi-
no de ciências no século XXI e a formação de professores para a educação bási-
ca, é simultaneamente um estímulo e uma provocação, ambos necessários para
o melhor entendimento e definição de uma identidade do ensino das ciências.
Moura e colaboradores revisitam a obra de Piaget para com ela desafia-
rem o recurso ao ensino por investigação. Silva reflete sobre a importância da
epistemologia da práxis e o seu contributo no fortalecimento da ação educativa.
Os marcos teóricos e legais do ensino das ciências no Brasil são abordados por
Mendes e colaboradores desde a década de 1950. Júnior apresenta-nos um texto
sobre as possibilidades de integração da educação básica no ensino superior,
debruçando-se sobre o programa institucional de bolsa de iniciação à docência.
As tecnologias e o seu contributo na educação surgem mencionadas como ain-
da em desuso nas salas de aula e merecedoras de maior atenção, num discurso
proferido por Bandeira e Rocha. Almeida e Silva mencionam a problemática
inerente à complexidade das questões sociocientíficas no ensino das ciências.
O contributo do presente livro foca ainda questões científicas no campo
da educação ambiental, por Miranda e colaboradores, ou sobre sequências di-
dáticas no ensino da matemática, por Tavares e Santos. O ensino da botânica na
formação inicial de professores é explorado por Oliveira e Santos numa reflexão
16

sobre os jogos e suas potencialidades na promoção de uma aprendizagem signi-


ficativa. Os ambientes não formais são enaltecidos por Cirilo e Simião-Ferreira,
num texto que foca o desenvolvimento de uma sociedade ambientalmente sus-
tentável. Na sequência da temática, Borges e Simião-Ferreira apresentam uma
abordagem didática com que exploram o tema da biodiversidade.
Seguem-se dois textos direcionados para o ensino superior. O primeiro,
por Júnior e Porto, refere-se a uma análise documental sobre o tutor nos cursos
superiores a distância. O segundo, da autoria de Moreira, sobre complexidade
da abordagem interdisciplinar, incide na sua exequibilidade em mestrados pro-
fissionais em ensino da matemática.
Uma diversidade de ligações entre Darwin, Vigotsky e a formação de pro-
fessores é revisitada no texto de Orioli e colaboradores, numa abordagem ao
ensino e à aprendizagem do tema evolução biológica. Medeiros e Boaventura
debruçam-se sobre a importância da mediação do professor a partir da constru-
ção de um livro interdisciplinar. Sousa e colaboradores provocam-nos na sua
reclamação por uma escola inclusiva, onde o transtorno do espectro autista é
enfatizado. Silva e Benedite não deixaram por abordar a importância da pesqui-
sa participante na gênese do conhecimento e como fator relevante na formação
docente. O livro termina com uma postura crítica sobre o docente como profis-
sional reflexivo e a relevância da formação continuada, desta vez incidindo no
ensino das ciências da natureza, de autoria de Lopes e colaboradores.
O cenário genérico deste livro, abrangendo uma panóplia de temas relevan-
tes, convida-nos à leitura e à reflexão sobre os desafios do ensino das ciências
no séc. XXI.

Porto, Portugal
Clara Vasconcelos1
E-mail: csvascon@fc.up.pt

1 Academic Qualifications: 2011 Aggregation/ability in Science Education Universidade do Minho, 2008. Pos.Doc in Science
teaching Methodologies; 2001. PhD in Education, Universidade do Minho; 1991. Graduation in Geology, Universidade do Porto.
Actual Positions Held: Auxiliary Professor with Aggegation, faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal.
Research Interests: Teachers Trainning; Science Teaching Methodologies; Geoethics; Education for Sustainable Development
Member by Invitation of International Organizations:
(2015-) National Coordinator of International Assotiation for Promoting Geoethics- Portugal. Disponivel em: <http://www.fc.up.
pt/iapg-pns/>.
(2014-) Member of the Panel of Experts of Education of the European Federation of Geology coordinated by Eva Hartai, FG
Board Member, Coordinator of the EFG PE on Education. Disponivel em: <http://eurogeologists.eu/pe-on-education/#tab-> ou
<http://eurogeologists.eu/european-network/>
(2010-) Portuguese Council Member of the IGEO (International Geoscience Education Organization) <http://www.geoscied.org/
officers.htm>.
Some Research Projects:
WISE: Widening Interdisciplinary Sustainability Education
SUSMIN: Tools for sustainable gold mining in Europe (SUSMIN)/
MIE: A Modelação na aula de geologia do ensino superior: Investigação e Ensino
Avaliação do Currículo das Ciências Físicas e Naturais do 3º Ciclo do Ensino Básico
FCT – PTDC/CPE-CED/102789/20u
Educação em Ciências para a Cidadania através da Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas
Divulgação Científica sobre as Minas de Ouro de Castromil
O ENSINO DE CIÊNCIAS
POR INVESTIGAÇÃO

Jullyanna Cabral de Moura


Marcelo Duarte Porto
Hélida Ferreira da Cunha

Introdução

O ensino de ciências enfrenta inúmeros desafios. É nítida a preocupação


dos educadores com o desinteresse dos alunos pela ciência e, também, com
os péssimos resultados nas avaliações referentes aos conhecimentos cientí-
ficos dos estudantes brasileiros. De acordo com o primeiro relatório técnico
sobre o Índice de Letramento Científico, realizado em 2014, com jovens e
adultos de idade entre 15 a 40 anos, em 211 municípios brasileiros, menos da
metade afirmaram gostar de estudar ciências (44%) e de ler textos científicos
(45%). Além disso, essa pesquisa mostrou que apenas 5% dos entrevistados
foram classificados no nível 4 de Letramento Científico. Ou seja, apenas essa
pequena parcela dos entrevistados consegue entender realmente os termos
científicos e utilizá-los para analisar a realidade que os cerca, e não só em
situações limitadas ao cotidiano (INSTITUTO ABRAMUNDO, 2014).
O relatório do PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes) de 2012, também analisou o nível de proficiência em ciências
e mostrou que aproximadamente 85% dos estudantes encontram-se entre os
níveis de proficiência 0 e 2, ou seja, só realizam explicações científicas em
circunstâncias conhecidas, ou para concluir situações de investigações bem
simples. Só desenvolvem raciocínio direto e realizam apenas explicações
literais de resultados de pesquisas científicas. O mais impressionante é que
menos de 1% dos estudantes estão no nível 6, ou seja, que evidenciam de
forma nítida e coerente, raciocínio científico avançado, utilizando esse ra-
ciocínio para enfrentar situações científicas e tecnológicas desconhecidas
(INEP, 2012). Esses resultados mostram o quanto é importante realizar es-
tudos sobre o ensino de ciências, que se apresenta como um grande desafio
para os professores.
18

Diante do desinteresse dos estudantes pela ciência e admitindo que não


existem metodologias ideais para solucionar os problemas no ensino de ci-
ências, esse artigo pretende realizar uma discussão teórica sobre as contri-
buições do ensino de ciências por investigação. Para isso, a pergunta orien-
tadora da discussão é: De que forma as aulas investigativas colaboram para
ensinar ciências e para diminuir as visões equivocadas sobre a natureza do
conhecimento científico?

O ensino de ciências por investigação

Desde a segunda metade do século XIX até os dias de hoje, os objetivos


do ensino de ciências variaram segundo as modificações vividas na socieda-
de, por isso, ele é resultado dos interesses políticos, históricos e filosóficos
de cada momento (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011). Mas, apesar de todas as
transformações ocorridas ao longo do tempo, as inúmeras dúvidas relacio-
nadas a como ensinar ciências sempre existiram e ainda incomodam o dia a
dia de vários docentes. Segundo Bizzo (1998), essas dificuldades ocorrem
em diferentes situações e países, para esse autor não existem procedimentos
mágicos, rígidos e perfeitos para se ensinar ciências. Bazzo (2000) também
afirma que não há metodologias ideais para orientar os alunos a enfrentarem
a complexidade de conteúdos estudados, o que existem são métodos com
maiores potenciais para serem usados em diferentes situações.
Sendo assim, é tarefa dos educadores refletirem continuamente a res-
peito das suas práticas e buscar sempre renovar as atividades para que con-
sigam obter melhores resultados, o que pode amenizar a sensação de fracas-
so de vários estudantes e professores (MALAFAIA; RODRIGUES, 2008).
Para Munford e Lima (2007), o Ensino de Ciências por Investigação é um
exemplo de ideia diferenciada para as aulas de ciências, que pode auxiliar o
professor a fugir das estratégias predominantes na sala de aula, baseadas em
aulas expositivas, com alunos que atuam como expectadores e o professor
como detentor do conhecimento.
O empenho em incentivar atividades investigativas no ensino de ci-
ências surgiu ainda no século XIX, essa forma de ensino recebeu grande
destaque na educação americana e foi muito influenciada pelas ideias de
John Dewey (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011). No Brasil, apesar do Ensino
de Ciências por Investigação estar presente nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (BRASIL, 1998), Wilsek e Tosin (2012) acreditam que o país ain-
da não obteve uma relevância expressiva dessas atividades, como aconteceu
na Europa e nos Estados Unidos.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 19

Existem muitas discussões sobre metodologias de ensino de ciências,


mas a utilização das aulas investigativas pelos professores ainda é pequena,
fato que mostra uma grande distância entre as pesquisas em ensino e o que
verdadeiramente acontece na escola (ATAÍDE; SILVA, 2011). Um estudo
realizado por Zanon e Freitas (2007) também sugere esse pequeno uso das
aulas investigativas, pois os alunos que participaram desse tipo de estratégia
de ensino sentiram dificuldades, ou não estavam habituados a levantar suas
próprias hipóteses. Isso indica que as metodologias de ensino mais comuns
ainda são aquelas em que os estudantes atuam de maneira passiva. Apesar de
o Ensino de Ciências por Investigação ainda ser pouco empregado no Brasil,
diversos autores já fizeram pesquisas sobre a utilização das aulas investiga-
tivas: Matos e Valadares (2001); Zanon e Freitas (2007); Francisco Júnior;
Ferreira e Hartwig (2008); Sasseron e Carvalho (2008); Carvalho (2011);
Wilsek e Tosin (2012); Gavazzoni et al. (2014); Bona e Souza (2015) e Silva
et al. (2015), entre outros.
Existem vários conceitos para designar o ensino por investigação, entre
eles, inquiry, ensino por descobertas e aprendizagem por projetos. Além dis-
so, também há distintos enfoques para o ensino por investigação, no entanto,
todos eles apresentam um aspecto em comum: são sempre fundamentados
em problemas que o estudante precisa solucionar e assim ele deixa de ter
uma função passiva (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011). Apesar de existirem
várias concepções sobre o que é ensino por investigação, Munford e Lima
(2007) também destacam um pensamento que todas as concepções apresen-
tam em comum: diminuir a enorme diferença entre a ciência ensinada na
escola e a ciência exercida pelos cientistas. Assim, o enfoque investigativo
seria uma forma de levar para a escola alguns aspectos próprios das ativida-
des dos cientistas. Porém, essa aproximação não é algo muito simples, pois,
são necessários cuidados para evitar que o complexo exercício dos cientistas
se torne caricato, banalizado e não favoreça uma perspectiva preconceituosa
da ciência.
Dessa forma, o Ensino de Ciências por Investigação pode ser carac-
terizado como um conjunto de atividades que procurem gerar nos alunos
habilidades familiares à cultura científica, além de possibilitar a chance de
construir os conceitos da ciência (ALMEIDA, 2014). Para o autor, esse en-
sino precisa abandonar os atributos comuns ao ensino tradicional, como a
utilização da cópia e memorização de conteúdos e o emprego de atividades
fechadas, que não oportunizam a reflexão, os debates e a elaboração de hi-
póteses. De acordo com Zômpero e Laburú (2011), uma atividade para ser
considerada investigativa precisa conter os seguintes aspectos: elaboração
de hipóteses, que podem auxiliar o professor a verificar os conhecimentos
20

prévios dos estudantes; comprometimento e interesse durante as atividades;


procura por respostas para solucionar o problema, que pode acontecer de di-
ferentes maneiras, como através de pesquisas e experiências; exposição dos
resultados encontrados para os colegas, assim como os cientistas realizam.
Para a elaboração de aulas investigativas, que permitam os estudantes
realizarem a construção do conhecimento científico, alguns autores, como
é o caso de Carvalho (2011), destacam que os trabalhos de Piaget podem
colaborar bastante. A autora sugere quatro pontos relevantes dos estudos
de Piaget para serem considerados, o primeiro é apresentar um problema,
segundo as propostas piagetianas, toda pesquisa se inicia a partir de uma
pergunta, que se estabelece como um plano de ação, ou seja, é o agente
orientador da pesquisa. O problema é visto por Piaget como uma estrutura
antecipadora, assim, se o aluno compreendeu a pergunta e conseguiu cons-
truir uma operação a partir dela, é bem provável que ele compreendeu todas
as informações da ação intelectual (AEBLI, 1978). Os outros pontos a serem
considerados seriam: propor aulas que possibilitem a passagem da ação con-
creta para a mental, propiciar a conscientização dos estudantes sobre tudo
que fizeram para a resolução do problema e proporcionar que os alunos per-
corram as etapas das explicações científicas.
A atuação dos alunos e do professor em uma atividade investigativa
também é um aspecto importante para ser considerado. Azevedo (2006), por
exemplo, acredita que o desempenho do estudante deve ser semelhante ao
trabalho científico, ou seja, ele precisa discutir, refletir, esclarecer, descrever,
entre outras atividades. Dessa forma, não basta olhar ou manusear objetos,
é necessário que o aluno tenha participação ativa na investigação. Para isso,
ele precisa saber qual é a verdadeira finalidade da pesquisa que realiza, ou
seja, ele tem que compreender os motivos da investigação. O professor, se-
gundo a autora supracitada, também tem uma função importante e precisa
atuar como questionador, ele tem que instigar os alunos, sua função é de
“construir com os alunos a passagem do saber cotidiano para o saber cientí-
fico” (AZEVEDO, 2006, p. 26).
Nas atividades investigativas também é fundamental lidar com os erros
dos estudantes de forma correta, segundo Carvalho (2013), se os professo-
res souberem fazer isso haverá maior aprendizagem. Portanto, é necessário
reconhecer que normalmente os estudantes não acertam da primeira vez,
que não há problemas em errar, que é preciso refletir sobre os erros, pensar,
debater as ideias, fazer de novo e se superarem. A autora também considera
que na aula investigativa, as hipóteses que não foram aceitas, são essenciais
na construção do conhecimento científico, pois, é através desse erro que o
estudante adquire credibilidade no que é certo.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 21

Piaget considera o erro como algo possível e às vezes até necessário,


porque entende que o conhecimento acontece por um processo de autorre-
gulação (MACEDO, 1994). Assim, a influência do professor ou de um co-
lega durante a aula investigativa, conforme Piaget, seria como uma situação
perturbadora no sistema cognitivo do aluno, essa problematização do erro
atuaria como um desequilíbrio que exige ser superado. Dessa forma, o erro
é visto como parte integrante do processo, que leva o aluno a um conflito e a
busca do reequilíbrio (MACEDO, 1994).
Piaget ainda descreve a influência do erro na construção do conheci-
mento científico. Se o aluno desenvolve a noção de que o erro deve ser todo
apagado e corrigido ele também pode acreditar que na construção do conhe-
cimento científico isso acontece. Assim, ele pensará que se uma teoria for
substituída por outra, significa que a anterior está totalmente errada, que é
necessário apagá-la e esquecê-la (MACEDO, 1994). Essa visão sobre o erro
poderá desenvolver no aluno uma imagem da construção do conhecimen-
to científico como algo linear, um verdadeiro equívoco. Ideia criticada por
Moreira e Ostermann (1993), os quais afirmam que o conhecimento cientí-
fico não é linear e ocorre pela reformulação do conhecimento prévio, assim,
o erro precisa ser visto como um processo na construção do conhecimento.
Em uma aula investigativa também é necessário analisar a maneira de
avaliar os alunos. Carvalho (2013) alerta para o fato de que a avaliação tem
que ser condizente com as características do ensino sugerido. Assim, se o
objetivo é uma sequência de aulas investigativas, que não se baseia apenas
em conceitos, mas na aprendizagem de valores, procedimentos, atitudes e
conceitos da cultura científica, todos esses elementos devem ser avaliados.
Para isso, o professor precisa observar os comportamentos, atitudes e parti-
cipações dos alunos para que não só os conteúdos conceituais sejam avalia-
dos, mas também os processuais e atitudinais, tão importantes na construção
do conhecimento científico.

A importância do ensino de ciências por investigação para diminuir


as visões equivocadas sobre a natureza do conhecimento científico

Apesar das diversas discussões atuais sobre a importância da participa-


ção dos alunos na construção do próprio conhecimento, o ensino de ciências
ainda é, na sua maioria, baseado apenas em metodologias tradicionais, com
aulas expositivas, nas quais os estudantes apenas recebem os conhecimen-
tos já construídos, sem a possibilidade de participarem dessa elaboração
(GIL-PÉREZ et al., 1999). Segundo Aebli (1978), essa didática tradicional
22

baseia-se em dados intuitivos, com a finalidade de instituir nas crianças, im-


pressões fornecidas pelos sentidos, limitando-se assim a aulas de demons-
trações, em que prevalece a ação do professor, enquanto o aluno exerce uma
função passiva, na qual atua como espectador neutro. A consequência disso
é que o recurso disponível para os educandos é a memorização das infor-
mações que já são recebidas prontas. O resultado é o desinteresse de grande
parte dos alunos, o que pode levar ao fracasso na aprendizagem. É como se o
interesse fosse proporcional à participação ativa, ou seja, a aula que permite
o aluno agir de forma efetiva será mais motivadora do que aquela de simples
demonstrações por parte dos professores.
Dessa forma, o ensino de ciências que prevalece no momento tem ofe-
recido poucas chances para os estudantes realizarem investigações, debates
e reflexões, já que tem predominado uma educação baseada em conceitos
considerados como verdades inquestionáveis (MUNFORD; LIMA, 2007).
A consequência disso, segundo esses autores, é que os alunos não compre-
endem os temas científicos, sentem-se desinteressados e elaboram concep-
ções mentais erradas sobre a ciência como empreendimento cultural e social.
Vários autores, como Moreira e Ostermann (1993), Gil-Perez et al. (2001),
Fernández et al. (2005) e Praia; Gil-Pérez e Vilches (2007), também são
contra o ensino tradicional, baseado em fornecer aos alunos os conceitos
prontos. Afirmam que esse tipo de ensino causa visões equivocadas, já que,
transmite a impressão de um conhecimento científico baseado em verdades
definitivas e inquestionáveis, o que provoca o desinteresse dos alunos.
Muitas vezes as visões erradas sobre ciências que os alunos constro-
em são em consequência de como os livros didáticos e os professores ensi-
nam. Eles transmitem a ideia de um método científico elaborado de forma
rigorosa e que deve ser seguido como uma receita infalível (MOREIRA;
OSTERMANN, 1993). Segundo Azevedo (2006), as atividades investigati-
vas podem ser úteis para desmistificar essas visões equivocadas, pois, permi-
tem que os estudantes compreendam que o conhecimento científico ocorre
através de uma construção, que não é linear e não se inicia a partir de uma
observação, porque essa é precedida de muitas teorias. A autora ainda res-
salta que essa estratégia de ensino permite um envolvimento emocional dos
estudantes, porque eles começam a utilizar suas estruturas intelectuais de
maneira crítica.
Outro comportamento no ensino que pode gerar visões erradas da cons-
trução do conhecimento científico é trabalhar a teoria, as aulas práticas e a
resolução de problemas de maneira independente uma da outra. Isso acon-
tecerá porque no dia a dia dos cientistas, essas formas de trabalho se co-
nectam, de maneira que é impossível desenvolvê-las de maneira autônoma
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 23

(AZEVEDO, 2006). Praia; Gil-Pérez e Vilches (2007) também comparti-


lham dessa ideia e consideram certo que o ensino de ciências baseado apenas
nos componentes conceituais é inadequado e dificulta a compreensão dos
estudantes sobre a natureza da ciência. Isso pode melhorar com a utilização
de investigações científicas, que permitam aos estudantes construírem seu
conhecimento e sempre realizarem reflexões.
Apesar de muitos autores insistirem nas inúmeras características posi-
tivas oferecidas pelas aulas investigativas, é importante ressaltar as críticas
negativas feitas em relação às aulas que dizem ser investigativas, mas são
realizadas com a finalidade apenas de ilustrar e confirmar teorias. Um exem-
plo disso é o trabalho de Praia; Cachapuz e Gil-Pérez (2002) que é contra as
aulas investigativas de caráter empirista, nas quais o destaque é dado para
os resultados, sem considerar os procedimentos e teorias para adquiri-los.
Nesse tipo de abordagem, os alunos só reproduzem os experimentos, sem
realizarem questionamentos, reflexões e análises, como se a pesquisa cien-
tífica fosse simples e os resultados aparecessem sem dificuldade nenhuma.
Por isso, Almeida (2014) chama a atenção para um equívoco muito comum
que consiste em associar aulas investigativas com atividades experimentais.
Ser uma atividade experimental não significa ser investigativa, pois, como
já foi dito, muitas vezes são realizadas apenas reproduções de experimentos.
Também é importante destacar que para uma aula ser investigativa ela não
precisa ser necessariamente experimental.
Portanto, ao considerar que muitas visões equivocadas sobre o conhe-
cimento científico são construídas em função da forma de ensinar ciências,
alguns autores, como é o caso de Bizzo (1998), acreditam que não se pode
aceitar mais que o ensino de ciências seja restrito a passar para os estudantes
informações a respeito de produtos da ciência. Para ele, o ensino de ciências
necessita propiciar aos alunos competências que agucem o interesse peran-
te o que é desconhecido, procurando esclarecimentos lógicos e razoáveis,
apoiados em elementos concretos. Deste modo, os alunos seriam capazes de
adquirir atitudes críticas, executar avaliações e tomar decisões baseadas em
conhecimentos científicos. Para Piaget (2010), se o objetivo é formar sujei-
tos que não sejam conformados com as verdades estabelecidas mas prepara-
dos para trazer melhorias à sociedade, a educação deve ser ativa, não pode
fundamentar-se em argumentos já instituídos e conhecimentos estabelecidos
como verdades inquestionáveis.
24

O ensino de ciências por investigação como um meio facilitador


na passagem das operações concretas para as formais

Os trabalhos feitos por Piaget, sobre como ocorre a construção do co-


nhecimento, em especial o científico, estão entre os fatores que mais in-
fluenciaram o dia a dia nas aulas de ciências (CARVALHO, 2013). Segundo
Carvalho (2013), as pesquisas realizadas por Piaget com crianças e adoles-
centes proporcionaram informações relevantes que orientam os professores
na prática da sala de aula e na elaboração de suas sequências didáticas inves-
tigativas. Por muito tempo, o ensino de ciências baseava-se apenas na sim-
ples apresentação dos conhecimentos científicos prontos, os alunos teriam a
função de memorizar todos os conceitos que recebiam. Com os trabalhos de
Piaget ficou clara a importância de o sujeito atuar de forma ativa na constru-
ção desse conhecimento.
Para Piaget, é no momento das pesquisas que o processo de construção
do conhecimento acontece (toda ação nova provoca os esquemas anteriores,
que causa uma diferenciação e coordenação nova). Ou seja, é a investiga-
ção do estudante que proporcionará o desenvolvimento do conhecimento
(AEBLI, 1978). Sendo assim, as aulas investigativas podem possibilitar que
os alunos façam a construção progressiva do conhecimento, a partir das in-
formações que já possuem.
Para Piaget (2010), os conhecimentos resultam da ação, assim, para
conhecer um objeto é fundamental atuar sobre ele e modificá-lo, absorven-
do as estruturas dessa transformação ligadas com as ações transformadoras.
Ou seja, o desenvolvimento cognitivo ocorre através dos processos de as-
similação e acomodação. A assimilação é o procedimento em que a pessoa
incorpora os objetos do mundo exterior às estruturas que ela já possui, todas
as ações constituem maneiras de se assimilar. Mas, as estruturas que o in-
divíduo já possui também se ajustam às características do objeto, ou seja,
ocorre a acomodação. Sendo assim, sem a acomodação não existe a assimi-
lação (MACEDO, 1994). Dessa forma, segundo a psicologia de Piaget, para
ocorrer aprendizagem, o sujeito não pode apenas receber as informações,
é necessário apossar-se delas, impondo-lhes seus esquemas de assimilação
(AEBLI, 1978).
De acordo com Piaget, todo conhecimento é construído de forma crescente
e inicia-se com as reações anteriores e mais primitivas. Na formação do pen-
samento, as operações se diferenciam gradativamente a partir de esquemas de
ações simples para originarem esquemas cada vez mais complexos e mais mó-
veis. O professor precisa recorrer aos esquemas anteriores que o aluno possui e a
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 25

partir deles, desenvolver a nova operação (AEBLI, 1978). Para Piaget, a criança
não pode ser considerada como uma tábua rasa, em que se imprimem gradativa-
mente as impressões. Por isso, é importante ponderar que os estudantes apresen-
tam conhecimentos prévios que devem ser considerados pelos professores. É a
partir deles que se deve começar o ensino.
Segundo Piaget (2001), o processo de desenvolvimento cognitivo é
uma sequência de estágios que se conectam na formação das diferentes es-
truturas. O primeiro estágio é o sensório-motor (2 primeiros anos de vida),
caracteriza-se pela inteligência prática, em que a criança utiliza como uten-
sílios as percepções e os movimentos, sem ainda ser capaz da representação
ou pensamento. Nessa fase, a criança edifica esquemas de ação destinados a
servir de subestruturas aos estágios posteriores. O segundo estágio é o pré-
-operatório (dos 2 aos 7-8 anos), que prolonga os mecanismos de assimila-
ção e construção do período sensório-motor. O pensamento é intuitivo e suas
respostas são apoiadas basicamente na percepção. Ela passa a interiorizar
os esquemas de ação e a fazer uso da função simbólica. O terceiro período,
chamado de operações concretas (dos 7-8 anos até 11-12 anos), caracteriza-
-se pelo processo em que o raciocínio lógico vai se sobrepondo à percepção
e à intuição. A criança passa a organizar em sistemas as informações que
possui, fazendo várias relações com essas informações como conservando,
revertendo e compondo-as. O último período, chamado de operatório for-
mal, envolve a adolescência (11 ou 12 anos em diante), etapa onde ocorre
a passagem do pensamento concreto para o formal. O adolescente tem o
raciocínio hipotético-dedutivo, há o início de pensamentos abstratos, o que
permite a construção de reflexões e teorias.
Conforme Piaget (2010) existem quatro fatores que influenciam no de-
senvolvimento dessas etapas, são eles: a experiência, a maturação, a trans-
missão social e a equilibração (autorregulação). O autor afirma que a edu-
cação familiar e escolar podem agilizar o desenvolvimento da inteligência,
no entanto, não tem sua origem nelas, mas advém de processos naturais ou
espontâneos. Sendo assim, a maturação do sistema nervoso exerce uma fun-
ção imprescindível na gênese das estruturas mentais, porém, não é o bas-
tante, apenas abre possibilidades. Os fatores sociais e as práticas adquiridas
também influenciam nesse desenvolvimento. Confirmação disso é que ape-
sar de as fases do desenvolvimento ocorrerem sempre na mesma sequência,
observa-se que não existem idades absolutas, pois, pode ocorrer antecipação
ou atrasos, segundo as influências sociais e as experiências vividas.
Dessa forma, a escola tem papel importante, porque a construção do
conhecimento não se baseia apenas nos fatores de maturação e experiên-
cia, mas também, nas transmissões educativas e sociais. No entanto, Piaget
26

(2010) destaca que um dos maiores erros de algumas escolas é pensar que a
criança tem apenas a função de incorporar os conteúdos prontos, ignorando
que a aprendizagem depende de fatores internos, para a assimilação e aco-
modação dos novos conhecimentos.
A equilibração é considerada por Piaget como o fator determinante, que
organiza e articula a ação dos outros três fatores, atuando como um coordenador.
Para Piaget (2001), ao ensinar é necessário provocar o desequilíbrio na mente
da criança, para que ela procure o reequilíbrio e se reestruture cognitivamente e,
assim, ocorra aprendizagem. O mecanismo de aprender da criança é sua capa-
cidade de reestruturar-se mentalmente buscando um novo equilíbrio. Mas é im-
portante destacar que as reequilibrações não consistem em retornar ao equilíbrio
anterior, mas na formação de um novo equilíbrio. Para ensinar seria necessário
propor situações que instiguem a criança a reestruturar-se, portanto, o ensino
deve ativar este mecanismo (MOREIRA, 1999).
A proposta de Piaget para que o aluno realize investigações com a fina-
lidade de construir o próprio conhecimento demonstra-se de grande relevân-
cia quando se analisa as taxas de reprovação e de abandono escolar no ensino
fundamental. Através dessas taxas é possível observar que a evasão e o aban-
dono são maiores nas fases que correspondem à faixa etária de transição do
período das operações concretas para as formais, que ocorre por volta dos
11 e 12 anos. Segundo os indicadores educacionais do INEP (2015), entre
os anos de 2007 e 2014 a série com maior índice de reprovação é sempre o
6º ano do ensino fundamental (Figura 1). Para as taxas de abandono escolar,
também se constata que o maior índice ocorre a partir do 6º ano (Figura 2),
ou seja, na etapa equivalente à idade de transição entre o período das opera-
ções concretas para o das formais.
Conforme Piaget (2001), o processo de desenvolvimento cognitivo é
uma sequência de estágios e o período de transição entre um estágio e ou-
tro é marcado por desequilíbrios provisórios, em vários aspectos, como
nas relações sociais, vida afetiva e também na inteligência. Sendo assim,
um novo estágio é caracterizado por novas formas de organizações psí-
quicas, que finalizam as construções do período anterior, possibilitando
um novo equilíbrio e iniciando novas construções. No caso específico
da passagem das operações concretas para as operações formais, no iní-
cio da adolescência, são bastante evidentes as oscilações temporárias
no pensamento e comportamento dos adolescentes. É nessa fase que se
inicia a dedução de hipóteses e suas conclusões sem a necessidade de
uma observação real. Esses desequilíbrios ocorrem porque as operações
formais exigem do adolescente um trabalho mental muito maior do que
nas operações concretas, pois há a necessidade da reflexão abstrata, sem
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 27

a presença real do objeto em estudo. Sendo assim, o professor precisa


conhecer essas características para planejar suas aulas.

Figura 1 – Taxa de reprovação no ensino fundamental


em escolas públicas urbanas no Brasil

Fonte: dados do INEP – Figura: dos autores

Figura 2 – Taxa de abandono no ensino fundamental


em escolas públicas urbanas no Brasil

Fonte: dados do INEP – Figura: dos autores


28

Com base nessas ideias de Piaget, supõe-se que a educação deva ofe-
recer ferramentas e incentivos que permitam a construção de um equilíbrio
por autorregulação. Isso proporcionará ao aluno superação de crises ou de-
sequilíbrios para elaboração de novos conhecimentos. Segundo Seniciato e
Cavassan (2008), no ensino de ciências, as metodologias devem considerar
os esquemas de assimilação da criança e escolher atividades interessantes,
desafiadoras, motivadoras, que chamem a atenção dos alunos e provoquem
desequilíbrios e reequilíbrios proporcionando a descoberta e a construção de
conhecimentos. De acordo com Bona e Souza (2015), as atividades investi-
gativas podem causar esses desequilíbrios essenciais para desafiar o racio-
cínio dos alunos. Isso acontece porque o ensino por investigação permite a
ação dos estudantes, o que levará à construção do conhecimento. Assim, não
haverá apenas a aceitação das verdades impostas pelos professores, o que
muitas vezes causa desinteresse e como consequência reprovação e abando-
no escolar.
Dessa forma, fica evidente a importância de estudos e pesquisas sobre
metodologias que procurem facilitar a transição do período operatório con-
creto para o formal. É importante que a escola ofereça estratégias de ensino
que permitam a participação ativa dos alunos, para que eles se sintam moti-
vados, conheçam o prazer em aprender e diminuam esses índices de repro-
vação e abandono. É nesse sentido que defendemos a importância de aulas
investigativas, já que, essa estratégia de ensino é um exemplo de alternativa
metodológica baseada nas ideias construtivistas. Acreditamos que o ensino
por investigação pode ser um meio facilitador na passagem das operações
concretas para as operações formais, pois permitem a participação ativa do
sujeito na construção do conhecimento, por isso, são consideradas mais inte-
ressantes e divertidas do que a simples exposição de conteúdos.

Considerações finais

Ao considerar que os inúmeros problemas enfrentados pelos professo-


res de ciências, normalmente, são consequências da forma de se ensinar, fica
evidente a necessidade de mais discussões sobre estratégias de ensino que
procurem amenizar esses problemas. E diante das reflexões realizadas neste
artigo é possível concluir que não se pode continuar com um ensino baseado
em passar apenas informações sobre os produtos da ciência. É necessário
fornecer aos alunos atividades que desafiem e provoquem o interesse e como
consequência ocorrerá a construção do conhecimento e não, meramente, a
aceitação das verdades impostas.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 29

O ensino de ciências por investigação – ao permitir que os estudantes


tenham momentos para discutir, elaborar hipóteses, pesquisar e refletir – pos-
sibilitará a participação ativa, tão importante na construção do conhecimento,
contribuindo assim, para diminuir a impressão que muitos estudantes ainda
têm do conhecimento científico como verdades definitivas e inquestionáveis.
Deste modo, os alunos irão adquirir atitudes mais críticas e se tornarão pre-
parados para tomar decisões fundamentadas em conhecimentos científicos, o
que contribuirá para superação de visões equivocadas sobre a natureza do co-
nhecimento científico, do desinteresse pela ciência, de reprovações e evasões.
30

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EPISTEMOLOGIA DA PRÁXIS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
perspectiva crítica emancipadora

Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

Introdução

O objetivo principal deste artigo é definir uma direção para a formação


inicial com base nos pressupostos de uma educação crítica emancipadora,
em que se entende a realidade como pseudoconcreta, dialética e contraditó-
ria. Portanto, nenhuma proposta é neutra e inteiramente de qualidade, nem se
conforma com aspectos apenas positivos ou negativos. Sabe-se que existem
as realidades e não há bipolaridade, pois, dependendo do interesse, princi-
palmente o interesse de classe, há iniciativas diversas que podem conter as-
pectos diversos e antagônicos. Portanto, o que se busca é marcar pressupos-
tos para delinear um projeto de formação de professores que esteja a serviço
de uma educação emancipadora.
Para compreender e propor um projeto de formação torna-se necessário
mapear o plano de composição no qual o saber e o fazer da ação de formação
se delinearam, ou seja, mapear as intensidades que podem originar um mo-
vimento de elaboração das formas teóricas e práticas, portanto na atividade
da práxis. Para isso, trabalharemos com algumas teses como proposição que
discutimos e defendemos por serem fundantes de um projeto de formação de
professores na perspectiva crítica emancipadora1.

Pressupostos para a formação de professores na perspectiva


crítica emancipadora

Trabalhar com conceito de formação crítica emancipadora refere-se


desenvolver o par dialético da crítica e da possibilidade da emancipação.

1 Em textos anteriores, Curado Silva (2008, 2011, 2012) e Freitas e Curado (2014) utilizaram o termo crítico-emancipatória. O
conjunto de estudos realizados nesse período nos remeteu ao uso do termo crítica emancipadora. A opção se deu por entender
que o sufixo “oria” relaciona-se a um verbo substantivado que indica o modo de pertinência e ser do sujeito e o sufixo do verbo
“ora”, já por expressar o verbo, representa, entre outras ideias, a prática de ação.
36

Ou seja, requer uma ação pedagógica que toma a possibilidade da educação


como artífice na construção da consciência crítica, capaz de se apropriar da
análise objetiva da realidade para impulsionar as ações humanas em busca
de uma emancipação (MARX, 2010). Por emancipação agregam-se todas
as expectativas de liberdade possíveis à humanidade, desde o livre acesso a
todos os bens produzidos pela humanidade até uma relação subjetiva autô-
noma e consciente com o mundo. Assim, a emancipação humana, por ser to-
tal e radical, só pode efetivar-se, portanto, quando para todos, sem exceção.
Entendemos a educação escolar como um meio de luta (transitório)
para o sujeito na busca da emancipação humana, que envolve para o seu
alcance efetivo a revolução social. Para tanto utilizamos o conceito de bloco
histórico (GRAMSCI, 1981), a articulação interna de uma situação histórica
precisa. O Bloco Histórico representa a relação orgânica e dialética da estru-
tura, conjunto das relações materiais, e superestrutura, conjunto das relações
ideológico-culturais. Tal compreensão da articulação estrutura e superestru-
tura nos permite compreender que é preciso chegar a um processo de teoria e
prática para ação libertária da opressão, a construção de uma cultura revolu-
cionária e reforma intelectual e moral para as novas exigências de luta, que
exige formação crítica e luta coletiva.
A apreensão teórico-prática do bloco histórico possibilita a criação de
uma concepção revolucionária da sociedade, dando à mesma uma epistemo-
logia sistemática e hegemônica, práxis revolucionária, para compreensão da
totalidade do real visando essencialmente uma grande revolução no sentido
da emancipação humana.
A educação para emancipação deve ser primeiramente crítica no sen-
tido da análise e síntese do resgate da verdadeira história como ser humano
que está situada num contexto social e objetivo concreto. Esse movimento
corrobora um pensamento que fundamenta uma educação para a emancipa-
ção, reconhecendo a possibilidade da construção da autonomia de um sujeito
racional, que tem conhecimento e liberdade e que, coletivamente, pode rom-
per com a estrutura social opressora e construir uma sociedade emancipada
por lutas coletivas sociais.
Na medida em que se assume uma proposta emancipatória, essa visão
de emancipação humana, acima exposta, poderá servir de base para a for-
mação de professores. A relação entre educação e emancipação tem levado
a formação de professores para diferentes projetos, ora a perspectiva de que
a formação poderia e deveria realizar uma emancipação de forma direta, ca-
bendo descobrir uma técnica ou o saber docente que funcionasse neste sen-
tido; ora, não haveria nada que a formação docente poderia contribuir com
a emancipação, visto que a educação seria um campo da alienação social.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 37

Em relação ao projeto de formação de professores que se pretende crí-


tica emancipadora, é necessário compreender os projetos de sociedade que
estão em disputa ou, ao menos, tentar analisar o nível de permeabilidade ou
de sensibilidade às questões sociais e humanas. Nesse sentido, apontamos
quatro teses que podem contribuir para uma formação nesta perspectiva.

a) Organizar a formação de professores a


partir da epistemologia da práxis

Defendemos a posição teórica de que a práxis é uma categoria funda-


mental que explica uma teoria do conhecimento e, portanto, pode oferecer
elementos para a compreensão e proposição da formação do professor. Isto
porque a concepção de práxis no processo de produção do conhecimento
rompe tanto com a perspectiva idealista (os objetos são criados pela consci-
ência) quanto fenomenológica (o conhecimento como reflexo dos objetos do
mundo exterior no espírito humano). A teoria do conhecimento fundamenta-
da a partir da categoria práxis tem a atividade prática social dos indivíduos
concretos historicamente como referência para a compreensão do real. Dessa
forma, ela se faz necessária frente à realidade do trabalho docente em relação
ao que se intenta ou se pretende atingir no campo educacional, ou seja, a
função docente de ensinar na e para a constituição da emancipação humana.
Mas, qual práxis? Segundo Vásquez (1968), a práxis reflexiva é a ativi-
dade teórico-prática consciente de sua finalidade, estrutura que a rege, assim
como das possibilidades objetivas de sua realização na direção da emanci-
pação. É a consciência da objetividade com seu aspecto subjetivo, implican-
do em consciência das possibilidades objetivas de transformação social que
pode se realizar. O conceito de práxis implica, portanto, o conceito de um
sujeito intencional não como um ser passivo, mas como um ser social que
age no mundo com o objetivo de transformá-lo de acordo com um fim.
A relação dialética sujeito-objeto tem como pressuposto que a teoria se
altera no trânsito com a realidade, assim como esta se altera com a teoria. Em
outras palavras, é preciso transformar a “verdade prática” (âmbito da apa-
rência, do fenômeno) em “verdade teórica” (âmbito do conhecimento) para
que a primeira adquira um conteúdo de práxis transformadora. Esta atitude
epistemológica que tem a preocupação de transformar a “verdade prática”
em “verdade teórica” é necessária de modo permanente para que seja supe-
rada a perspectiva pragmatista de redução da práxis ao mundo da vivência
espontaneísta e pragmática.
Partindo dos conceitos e das relações entre teoria e prática pode-se en-
tender que a primeira depende da segunda, na medida em que a prática é o
38

fundamento da teoria, já que determina o horizonte de desenvolvimento e


progresso do conhecimento. O progresso do conhecimento teórico aparece
vinculado às necessidades práticas dos homens. A dependência da teoria em
relação à prática e a existência deste como último fundamento e finalidade
da teoria evidenciam que a prática, concebida como uma práxis humana total
tem primazia sobre a teoria; mas esse seu primado, longe de implicar numa
contraposição absoluta à teoria, pressupõe uma íntima vinculação com ela.
A partir da consideração da práxis como categoria fundamental da
epistemologia e do caráter relacional entre sujeito e objeto no processo de
construção do conhecimento pode-se afirmar que neste processo há um su-
jeito histórico que se relaciona com o objeto construindo e sendo ao mesmo
tempo construído por este. O que se defende nesta perspectiva é a concepção
de que a formação de professores aspira uma formação do sujeito histórico
baseada em uma relação indissolúvel entre a teoria e a prática, a ciência e a
técnica, constituída no trabalho e que garanta a estes sujeitos a compreen-
são da realidade socioeconômica-política e que sejam capazes de orientar e
transformarem as condições que lhes são impostas.
Para tal movimento, faz-se necessário identificar uma fundamentação
consistente, tanto teórica quanto epistemológica, e que possa conferir ao
professor a capacidade de compreender e atuar na dimensão técnica, estéti-
ca, política e didática na concretização de uma educação para a emancipação
e autonomia do ser humano. Como concretização desta proposta, argumenta
em favor da superação de um modelo de formação pautado na racionalidade
técnica e na epistemologia da prática, para a epistemologia da práxis, a partir
da indissociabilidade entre teoria e prática.
Como tomar tal premissa nos cursos de formação de professores?
Primeiramente esta não pode ser uma tese ou perspectiva isolada num pro-
jeto político de formação, mas necessita estar em articulação com outros
elementos, como, por exemplo, a própria compreensão do trabalho docente
que permite articular de modo permanente o saber e o fazer, a análise do
real pela pesquisa e produção do conhecimento que vise à crítica e ao debate
político da sociedade bem como uma proposta pedagógica que permita uma
sólida formação.
Afirmar a necessidade de articular teoria e prática não pode significar a
confirmação de uma prática que ocorra em detrimento da aquisição dos co-
nhecimentos teóricos. Por isso, o discurso do progressivismo como melho-
ria da qualificação profissional numa concepção pragmática não avança na
emancipação humana e representa as reformas do capitalismo e do padrão de
formação do trabalhador, pelo qual o homem não é contemplado, mas apenas
outro tipo de trabalhador.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 39

A prática, atividade intencional do homem, é, com certeza, muito im-


portante, pois é ela que determina a consciência. Por isso mesmo é que para
se transformar o mundo é preciso transformar a prática, porém não se muda a
prática sem a partilha de uma concepção de mundo moderna, revolucionária
e unitária, na qual a “consciência de fazer parte de uma determinada força
hegemônica (isto é, consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e
progressiva autoconsciência na qual teoria e prática finalmente se unificam”
(GRAMSCI, 1995, p. 52). Também não há uma defesa da teoria; existe,
sim, um receio da inversão atual, para a exacerbação da prática e diluição da
teoria, mantendo a visão associativa entre teoria e prática, o que faria perma-
necer as atuais condições docentes de má formação e profissionalização, já
que o estudo denuncia a formação de um educador pragmático e tecnicista.
Apoiado na concepção gramsciana, compreendemos ser imprescindível
“a relação orgânica entre a produção de conhecimento [...] e a universaliza-
ção do conhecimento por meio do sistema educacional” (GRAMSCI, 1995,
p. 63). Pensando a epistemologia da práxis, não significa apenas fazer indivi-
dualmente descobertas “originais”; significa, também, e, sobretudo, difundir
criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer, e, por-
tanto, transformá-las em bases de ações vitais, em elemento de coordenação
e de ordem intelectual e moral.
Sobre a possibilidade de romper a cotidianidade institucional alienada e
reverter o processo de recuo da teoria, atualmente em curso na formação de
professores, Duarte e Fonte (2010, p. 72) sustentam:

A vida cotidiana é constituída por atividades heterogêneas, realizadas


de forma pragmática, espontânea, quase automática, apoiadas sempre
em um conhecimento puramente pragmático [...] as pessoas procuram
economizar energia, pensamento e tempo [...] essa aprendizagem, que
é indispensável à formação de todo ser humano, pode tornar-se pro-
blemática quando relações sociais fetichizadas impedem as pessoas de
superar a naturalidade da vida cotidiana. [...] Ocorre aí uma inversão
alienante, pois as esferas não cotidianas de objetivação do gênero hu-
mano como ciência, a arte, e a filosofia, deveriam ser a mediação entre
cada ser humano e sua vida cotidiana.

Nessa perspectiva, a formação de professores funcionaria como media-


dora na formação do indivíduo, entre os campos da vida cotidiana e não coti-
diana da atividade social a partir do conhecimento social. Em síntese, a edu-
cação, na sua dimensão da epistemologia da práxis, emerge como auxiliar
na formação do novo bloco histórico, pois produz elementos de construção
40

da nova hegemonia na organicidade intelectual dos professores que podem


operar na busca da emancipação humana.

b) Aliar formação de professores ao debate


político da educação: a crítica social

A retórica do reconhecimento e da valorização é dominante no campo


da formação de professores e nas políticas públicas educacionais, entretanto,
há um predomínio do progressivismo2 nos discursos, que pode ser observa-
do e constatado na materialidade da formação e do trabalho docente, como,
por exemplo, na desvalorização social, profissional e salarial da carreira do-
cente; no ofício difícil, mas que no discurso parece fácil, nos processos de
proletarização e na não atratividade da carreira docente.
Na perspectiva do progressivismo, os problemas educacionais, especi-
ficamente os escolares, são constantemente reduzidos a questões que podem
ser resolvidas no âmbito do indivíduo, do esforço pessoal do professor ou
do aluno, centrado na reflexão da ação e tendo como referência resultados
de avaliações externas e padronizadas. As profecias de salvação por meio
da escola encerram os professores em ambições excessivas, e tendem a res-
ponsabilizá-los por todos os fracassos das reformas educativas. Mascaram
que os problemas da educação são problemas econômicos, políticos, sociais
e culturais, na relação da estrutura e superestrutura e, portanto, não serão
resolvidos apenas no interior da escola.
Entende-se a política educacional como parte de uma totalidade e deve
ser repensada sempre em sua articulação com essa totalidade, com o pla-
nejamento mais global que a sociedade constrói como seu projeto que se
realiza por meio da ação do Estado (AZEVEDO, 1997). Portanto, é necessá-
rio compreender como esta sociedade se organiza, sua forma de produção e
sobrevivência e que o Estado3 articula a partir desta constituição, para que se
possa perceber e entender os demais campos de atividade como a Educação.
A educação como um campo político, ou seja, espaço de disputa hege-
mônica para se definir ações e direções, pode ser entendida como uma polí-
tica pública social. A compreensão de políticas públicas se refere ao “Estado
em ação” e a de políticas sociais à ação do Estado que determina o padrão
de proteção social, voltadas para diminuição das desigualdades estruturais.
2 Refere-se a um conjunto de doutrinas filosóficas, éticas e econômicas baseado na ideia de que o progresso, entendido como
avanço científico, tecnológico, econômico e social, é vital para o aperfeiçoamento da condição humana. Essa ideia de progresso
integra o ideário iluminista e tem como corolário a crença de que as sociedades podem passar da barbárie à civilização, median-
te o fortalecimento das bases do conhecimento.
3 O Estado na teoria marxista está associado à noção de poder, ou seja, à capacidade de uma classe social de realizar os seus interesses
e objetivos específicos, portanto é um campo estratégico de ações, consequentemente um campo de luta, no qual a disputa hegemô-
nica proporciona certos acordos que diminuam a tensão uma vez que as classes sociais estão constantemente em luta.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 41

Assim, a implementação de políticas públicas sociais educacionais fica vin-


culada à concepção de Estado que o grupo hegemônico adota, em consequ-
ência dos interesses de classe que representa, bem como as pressões sociais
que demandam ações do Estado.
Os projetos de mudanças na sociedade estão atrelados também a refor-
mas do sistema educativo, sendo que o embate de diferentes projetos polí-
ticos de sociedade aparece em diferenças muitas vezes sutis (FRIGOTTO,
1996). Corre-se o risco, assim, de se confundir refuncionalização, reformas,
com mudanças que realmente poderiam alterar a natureza das relações so-
ciais na perspectiva da emancipação humana.
São nessas contradições e lutas que se situam as possibilidades de mo-
vimento da educação que, historicamente, se caracteriza como campo de
disputa pela hegemonia: “esta disputa dá-se na perspectiva de articular con-
cepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola
e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de
classe” (FRIGOTTO, 1996, p. 25).
Por isso é necessário que se distingam reforma e mudança, já que, mui-
tas vezes, esses termos têm sido usados nos meios educacionais como pos-
suindo o mesmo significado. Para Popkewitz,

reforma é uma palavra que faz referência à mobilização dos recur-


sos públicos e às relações de poder na definição do espaço público...
Reforma é uma palavra cujo significado varia conforme a posição que
ela ocupa, se dentro das transformações que têm ocorrido no ensino,
na formação de professores, nas ciências da educação ou na teoria do
currículo a partir do final do século XIX. Ela não possui significado ou
definição essencial. Nem tampouco significa progresso, em qualquer
sentido absoluto, mas implica, sim, uma consideração das relações
sociais de poder. [...] reforma é melhor entendida como parte da regu-
lação social (1997, p. 12).

Seguindo a mesma linha conceitual, o autor observa que

mudança possui um significado que, à primeira vista, tem uma pers-


pectiva menos normativa e mais “científica”. O estudo da mudança
social representa um esforço para entender como a tradição e as trans-
formações interagem através dos processos de produção e reprodução
social. Refere-se ao confronto entre ruptura com o passado e com o
que parece estável e “natural” em nossa vida social. Representa um
esforço para entender como a tradição e as transformações interagem
através dos processos de produção e reprodução social. [...] Como é
42

afirmado constantemente nas discussões, as nossas concepções de mu-


dança social são práticas que estabelecem prioridades e posições para
os indivíduos nas suas relações sociais (POPKEWITZ, 1997, p. 11).

Para romper com o discurso e as ações do progressivismo, ou seja, re-


formista, é necessário um trabalho político com maior presença dos profes-
sores nos debates públicos sobre a educação, sua função, seu sentido e suas
ações normativas. Para tanto, a formação de professores tem como um dos
pressupostos centrais, por meio da epistemologia do conhecimento, a cons-
trução do compromisso político e ético dos professores, cuja análise política
da direção de um projeto educativo, séria e concreta permite desvelar as
possibilidades e é capaz de impulsionar o enfrentamento dos conflitos e das
adversidades da escola pública, no sentido mais autêntico da tarefa educati-
va, ou seja, a construção do humano forjado na emancipação real.
A formação política do professor orienta a construção da identidade
profissional e de um projeto de escola. Como princípio, defendemos que a
formação possibilite ao professor conhecer e dominar as bases epistemo-
lógicas em que a função da escola vai sendo constituída e que orienta seus
objetivos e suas formas de trabalho. Há um caminho percorrido, fomentado
por significados políticos que são atribuídos à escola e que contribuíram para
o sentido político do ser professor (ROCHA, 2015).
É possível supor que o maior engajamento político de professores é
uma das condições necessárias, mas não suficiente, para que se construa uma
perspectiva de classe para si (expressão de uma consciência revolucionária),
ou seja, de lutas coletivas em torno das reivindicações docentes juntamente
aos demais trabalhadores. Além disso, a formação política de professores
ancorada na perspectiva da transformação social é concomitante a um desen-
volvimento de formas mais elevadas de consciência política desses indivídu-
os que irão formar novos sujeitos.

c) Ter o trabalho docente como princípio formativo

A filosofia da práxis concebe o homem como conjunto das relações


sociais, sendo o trabalho a base da vida humana. Entende-se trabalho como
uma atividade cujo processo requer a exteriorização teleológica, portanto,
intencional e a objetivação do homem no mundo, pelo qual ele assume o
mundo humanizado ao reconhecê-lo como resultado de sua ação e a finitude
que este lhe opõe à sua vontade infinita. O trabalho “é a condição básica e
fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, pode-
mos afirmar que o trabalho criou o próprio homem” (ENGELS, 2004, p. 13).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 43

O trabalho como princípio ontológico é a essência humana produzida pelos


próprios homens, pois, agindo sobre a natureza mediante o processo de trabalho,
o homem também se modifica, se faz homem, se humaniza. “Atuando assim
sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria
natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu do-
mínio o jogo das forças naturais” (MARX, 1999, p. 211).
Portanto, o homem é sua própria natureza humanizada. Afirma Marx:
“O olho fez-se um olho humano, assim como seu objeto se tornou um objeto
social, humano, vindo do homem para o homem. Os sentidos fizeram-se
assim imediatamente teóricos em sua prática” (1999, p. 177). Assim conclui
Marx: “toda a assim chamada história universal nada mais é do que a produ-
ção do homem pelo trabalho humano [...]” (1999, p. 181). A individualidade
humana não está dada a priori como se fizesse parte de uma natureza humana
pronta, acabada e natural. Ao contrário, a natureza humana é histórica, en-
tendendo a história como devir. Sendo assim, “a humanidade que se reflete
em cada individualidade é composta de diversos elementos: 1) o indivíduo;
2) os outros homens; 3) a natureza” (GRAMSCI, 1995, p. 413). Significa que
a individualidade humana é construída a partir das relações orgânicas que o
homem estabelece com os outros homens e com a natureza na atividade
intencional da objetivação, do reconhecimento e da negação. Resulta que o
homem é uma formação histórica a qual denominamos de segunda natureza.
Advém aqui o princípio educativo do trabalho. Se a existência humana
não é garantida pela natureza, ele forma-se homem. Ele não nasce saben-
do produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa
aprender a produzir sua própria existência, necessita humanizar-se. Portanto,
a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um
processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do
homem mesmo (SAVIANI, 2007, p. 154).
Sem tomar a categoria trabalho e o trabalho como centro da existência
humana, seria impossível o conhecimento do concreto. O concreto não é
apenas o material; ele é trabalho morto, ou seja, o trabalho historicamente
posto, que nos atinge mais de perto, e que hoje sinaliza mais uma fundamen-
tal ruptura histórica: o não trabalho ou o trabalho intelectual plenamente re-
alizado no interior e no exterior do homem. Trata-se de uma forma histórica
fundamental, que nega todas as formas mais “naturais” de trabalho, e que
se tornou, por sua vez, um elemento determinante de todas as formas pos-
teriores de trabalho, até o nosso tempo. Este é o trabalho humano abstrato,
um elemento universal produzido pelo homem, que, no entanto, escapa às
simples representações do senso comum.
44

Não há investigação, exposição e compreensão do concreto, do real re-


velado e desnudado da pseudoconcreticidade sem investigação e exposição
do trabalho humano. Nesse sentido, para a realização da atividade intencio-
nal e imaterial do ensino do concreto faz-se necessária uma filosofia e uma
ciência que explicitem com profundidade o valor do trabalho e sua forma
de ser na constituição da existência humana. Esta filosofia é a filosofia da
práxis, ou seja, a filosofia do trabalho, da práxis humana.
Sendo assim, a compreensão do trabalho docente perpassa o estudo do
objeto de suas práticas, as técnicas para fazê-lo, os diferentes projetos, as
intencionalidades e as propostas pedagógicas para a efetivação do projeto
educativo, as condições de realização do trabalho, mas também duas ques-
tões que elegemos neste momento para estudo: i) o princípio educativo e ii)
o conceito a ser ensinado como uma totalidade de projeto social.
Quanto ao princípio educativo, a filosofia da práxis explica que o traba-
lho existe na relação dialética que ocorre na prática social, na historicidade
das diferentes sociedades e é concebido como positividade e negatividade ao
mesmo tempo. Positividade porque é realizador e criador da vida e negativi-
dade porque em determinadas condições sociais é destruidor da vida.
Saviani (2007) afirma que o trabalho pode ser considerado como princípio
educativo em três sentidos diversos, mas articulados entre si. Num primeiro sen-
tido, o trabalho é princípio educativo na medida em que determina, pelo grau de
desenvolvimento social atingido historicamente, o modo de ser da educação em
seu conjunto. Nesse sentido, aos modos de produção correspondem modos dis-
tintos de educar com uma correspondente forma dominante de educação. E em
um segundo sentido, o trabalho é princípio educativo na medida em que coloca
exigências específicas que o processo educativo deve preencher, em vista da
participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produti-
vo. Finalmente, o trabalho é princípio educativo num terceiro sentido, à medida
que determina a educação como uma modalidade específica e diferenciada de
trabalho: o trabalho pedagógico.
Portanto, um processo educativo emancipatório na formação de pro-
fessores compreende, a partir da leitura crítica das condições e relações de
produção de sua existência, a dimensão ontocriativa do trabalho. Trata-se de
entender que, diferente do animal que vem regulado e programado por sua
natureza – e por isso não projeta sua existência, não a modifica, mas se adap-
ta e responde instintivamente ao meio –, os seres humanos criam e recriam,
pela ação consciente do trabalho, pela cultura e pela linguagem, a sua própria
existência. Além disso, é necessário o estudo crítico da noção ideológica no
campo do trabalho docente que precariza e proletariza retirando do professor
a autonomia do trabalho intelectual, e traz a afirmação do individualismo e
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 45

da inversão da realidade responsável por todo o processo de formação do ou-


tro, uma noção que acaba culpabilizando os docentes. Dessa forma, projeta
sua existência, não a modifica, mas se adapta e responde instintivamente ao
meio – os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho,
pela cultura e pela linguagem, a sua própria existência.
Quanto ao conceito a ser ensinado como uma totalidade de projeto so-
cial, a formação de professores, na epistemologia da práxis, compreende
que o conceito a ser ensinado jamais pode ser tomado em separado de uma
concepção teórico-metodológica. Ele faz parte de uma filosofia e de várias
ciências que, ao longo da história do homem, respondem a problemas prá-
ticos. Ou seja, o ensino do conceito pressupõe a sua articulação com outros
conceitos como totalidade do saber elaborado. O conhecimento do concei-
to pressupõe o conhecimento da história da produção do próprio conceito,
como também da história da produção daquele conceito dentro daquela ci-
ência e daquela filosofia.
Portanto, o conceito não é um simples fragmento de saber, um enuncia-
do, ele é parte de uma teoria. Sem o conhecimento da teoria que dá sustenta-
ção ao conceito, este torna-se uma ideia abstrata difícil de ser compreendida
e assimilada. No âmbito da formação de professores, faz-se necessária uma
formação com aprofundamento teórico-metodológico que dê conta de for-
mar o professor como um profissional que domina o conceito. É com base
no domínio do conceito que se forma o professor pesquisador que constrói
sua autonomia e possibilidade de trabalho emancipado.
Está em curso um projeto educativo para o trabalho docente, que ten-
ta desarticular a antiga pedagogia do trabalho docente e superá-la por uma
nova pedagogia – a racionalidade prática – mais flexível e que objetiva con-
tar com uma maior participação dos professores. A nova conformação do
trabalho docente ensejada pelas políticas para o magistério após as reformas
educacionais se expressa na articulação entre força e persuasão, ou melhor,
cooptação no neotecnicismo. Freitas (1995, p. 127) já apontava

que a formação de um “novo trabalhador” traria consequências diver-


sas para a educação: a) o ensino básico e técnico vai estar na mira do
capital pela sua importância na preparação do novo trabalhador; b) a
didática e as metodologias de ensino específicas (em especial alfabeti-
zação e matemática) vão ser objeto de avaliação sistemática com base
nos seus resultados (aprovação que geram); c) a “nova escola” que ne-
cessitará de uma “nova didática” será cobrada também por um “novo
professor” – todos alinhados com as necessidades do novo trabalha-
dor; d) tanto na didática quanto na formação do professor haverá uma
ênfase muito grande no “operacional”, nos “resultados” – a didática
46

poderá restringir-se cada vez mais ao estudo de métodos específicos


para ensinar determinados conteúdos considerados prioritários, e a
formação do professor poderá ser aligeirada do ponto de vista teórico,
cedendo lugar à formação de um prático; e) os determinantes sociais
da educação e o debate ideológico poderão vir a ser considerados se-
cundários – uma “perda de tempo motivada por um excesso de politi-
zação da área educacional”.

Ao mesmo tempo, sugerimos que a precarização das relações de empre-


go, aí incluídas as mudanças sobre o estatuto do magistério, os planos de car-
gos e salários e a carreira, configura uma precarização profissionalizadora.
Quando se lança sobre o professorado a extinção ou não criação de postos de
trabalho e funções necessários, arrochos salariais, estratégias de terceiriza-
ção e flexibilização nas relações trabalhistas, está-se operando um processo
de precarização das relações de trabalho. Esta dimensão atinge o trabalho
docente tanto individualmente quanto coletivamente. Ao mesmo tempo, isso
conduz o conjunto dos trabalhadores docentes a se adequarem às novas re-
lações de emprego, ou, em outras palavras, conduz a se qualificarem para
as novas formas de subsunção do trabalho do modo de acumulação flexível.
Ao tomar o trabalho como princípio educativo estamos reafirmando a
partir da filosofia da práxis a ontologia do ser social, e, no caso do trabalho
docente, reiterando que o saber e/ou o conceito a ser ensinado não pode
ser apenas passivamente assimilado, mas apreendido construtivamente, pois
apenas dessa forma estaremos em condições de construir intensamente e de
modo criativo a sociedade emancipada.

d) Referenciar na Base Comum Nacional que compreende os sentidos


epistemológico, político e profissional da formação de professores

O movimento dos educadores firmou o princípio da formação de pro-


fessores: a docência constitui a base da identidade profissional de todo edu-
cador (COMITÊ, 1983). Tal princípio passou a ser alvo de debates inten-
sos no sentido da sua formulação como um novo paradigma, e os primeiros
entendimentos versam sobre a necessidade de construir uma base comum
nacional que daria unidade a um projeto epistemológico, político e profissio-
nal. Nesse sentido, a Base Comum Nacional seria:

a. garantia de uma prática comum nacional a todos os educadores,


qualquer que fosse o conteúdo específico de sua área de atuação.
Esta base comum deveria, portanto, contemplar estudos comuns
a todas as licenciaturas, objetivando formar o hábito da reflexão
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 47

sobre as questões educacionais no contexto mais amplo da socie-


dade brasileira e a desenvolver a capacidade crítica do educador,
em face da realidade da sua atuação;
b. um processo, tendo, portanto, caráter histórico e evolutivo;
c. uma diretriz envolvendo uma concepção básica de formação do
educador e que se concretiza através da definição de um corpo
de conhecimento fundamental. Essa concepção deveria traduzir
uma visão de homem situado historicamente, uma concepção de
educador comprometido com a realidade do seu tempo e com um
projeto de sociedade justa e democrática;
d. um corpo de conhecimento capaz de aprofundar o domínio filo-
sófico, sociológico, político e psicológico do processo educativo,
dentro de uma abordagem crítica, que explore o caráter científico
da educação, tomando como referência o contexto socioeconômi-
co e político brasileiro;
e. um ponto de referência para a articulação curricular de cada insti-
tuição formadora do profissional da educação;
f. um instrumento de luta e a diretriz para a reformulação dos cursos
de formação do educador (apud SCHEIBE; AGUIAR, 1999, p.
228-229).

A compreensão da necessidade de uma política global de formação e


valorização dos profissionais da educação contemplando a formação inicial
e continuada vinculada às questões de carreira e salário assumidas pelo mo-
vimento nacional proporcionou a elaboração da defesa e organização de uma
base comum nacional.
Assim, a base comum nacional mostrava a resistência do movimento na-
cional ao currículo mínimo fixado pelo Conselho Federal de Educação e negava
a ideia de um elenco de disciplinas, que poderia restringir essa definição a um rol
de matérias que se agrupariam num núcleo comum de conhecimentos básicos de
formação do educador (BRZEZINSKI, 1996, p. 172-173).
A ANFOPE continua a defender, pesquisar e a reafirmar sua posição,
entretanto os movimentos históricos apresentam contradições que contêm
avanços e retrocessos. Na figura 1 buscamos apresentar um esquema que
demonstra o movimento na discussão da temática na ANFOPE e na socie-
dade civil e política. A formulação de uma Base Comum Nacional dentro da
ANFOPE é marcada por um sentido epistemológico, expresso no documen-
to como uma concepção básica de formação do educador e a definição
de um corpo de conhecimento fundamental (CONARCFE, 1980, p. 4).
A questão epistemológica pode ser traduzida na necessidade de se colocar a
formação do professor nas condições objetivas em que ele se encontra hoje,
48

como problema de conhecimento. Esta perspectiva de formação está forte-


mente ancorada nas relações teoria-prática que se configuram na experiência
prática do professor e se constituem juntamente com a teoria no fundamento
da práxis.

Figura 1 – Discussão da temática da Base Comum Nacional no atual contexto

Elaboração: Curado Silva.

Entretanto, as atuais políticas, a partir Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional, de 1996, e o Plano Nacional de Educação, de 2014,
veem uma Base Nacional Comum Curricular (BNC) para todas as etapas da
educação básica, que compreende a educação infantil, o ensino fundamen-
tal e o ensino médio. São diferentes as interpretações sobre como deve se
constituir essa Base Nacional Comum do Currículo. Alguns falam de currí-
culo mínimo, ou de currículo unificado, ou de conteúdo a ser ensinado em
todas as escolas brasileiras; outros de conhecimentos comuns e de direitos
à aprendizagem e ao desenvolvimento. Essas diferentes interpretações são
a expressão de que este é um espaço de disputas de poder pela definição de
um projeto de formação e pela seleção e distribuição dos conhecimentos
relevantes na sociedade atual.
Os termos base nacional comum e base comum nacional não são apenas
um trocadilho, mas indicam projetos em disputa e perspectiva de formação
curricular distinta, das quais é preciso estar atento à cooptação da categoria.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 49

A Base Nacional Comum, ainda em discussão, parece estar tomando a refe-


rência ou a ideia de uma apresentação de um currículo básico para a educa-
ção básica e a formação de professores.
O conceito de base comum nacional está marcado por dois sentidos
complementares: (i) um sentido político, caracterizando-a como instrumen-
to de luta pela formação e carreira do educador; e, (ii) um sentido teórico,
constituindo-a como princípio orientador dos currículos dos cursos de for-
mação dos educadores.
No sentido político, a ideia de base comum nacional tem por objetivo
servir de “instrumento de luta e resistência contra a degradação da profis-
são do magistério, permitindo a organização e reivindicação de políticas de
profissionalização que garantissem a igualdade de condições de formação”
e a valorização social do educador (ANFOPE, 2000, p. 9). Vinculado a este
objetivo está, ainda, o de que a base comum nacional serviria de elemento de
unificação da profissão.
É significativo reafirmar que, do ponto de vista político, propõe-se a as-
sumir a base comum nacional como instrumento de luta contra a degradação
da profissão, a favor do reconhecimento do valor social dos profissionais da
educação no contexto brasileiro, aliada a outros movimentos em defesa das
condições materiais de trabalho. Sendo uma concepção crítica que permeia
os currículos de formação do educador, a base comum nacional requer para
sua materialização a construção de uma política, no âmbito institucional,
vinculada organicamente ao Sistema Público de Ensino bem como a uma
Política Nacional de Formação dos Profissionais de Educação, que foi o
Plano Nacional da Educação – PNE – 2014-2024.
No sentido teórico, como princípio orientador dos currículos dos cursos
de formação de educadores, a base comum nacional opunha-se ao modelo re-
presentado pelo “padrão federal” (1939) e, mais tarde, pelo “currículo mínimo”
(1969). Ao longo das discussões, consensuou-se que a base comum nacional
“teria como função servir de ‘ponto de referência para a articulação curricular de
cada instituição formadora do profissional da educação’ [...] e a sua concretiza-
ção dar-se-ia por eixos articuladores” (CONARCFE, 1990, p. 5).
Os eixos articuladores estabelecidos para a base comum foram os se-
guintes: sólida formação teórica e interdisciplinar, unidade entre teoria e
prática, gestão democrática da escola, compromisso social e ético, trabalho
coletivo e interdisciplinar, articulação da formação inicial e continuada. Em
torno destes eixos articular-se-ia um corpo de conhecimentos, selecionado
em função da concepção sócio-histórica de formação, abrangendo três di-
mensões fundamentais e intrinsecamente relacionadas, a saber: i) dimensão
profissional – consubstanciada por um corpo de conhecimentos capaz de
identificar toda a categoria profissional e, ao mesmo tempo, corresponder à
especificidade de cada profissão; ii) dimensão política – organizada por um
50

corpo de conhecimentos que permitisse uma visão globalizante das relações


entre educação-sociedade e do papel do educador na superação das desigual-
dades existentes; iii) dimensão epistemológica – abrangendo um corpo de
conhecimentos onde o científico teria espaço privilegiado, de ruptura com
o senso comum buscando a compreensão da totalidade do trabalho docente
e de instituição de uma concepção mais ampla da atividade educativa, ten-
do em vista os princípios que conferem sustentação à proposição de base
comum nacional (CONARCFE, 1990; ANFOPE, 1994, 1996, 1998, 2002,
2004, 2006, 2008, 2010, 2014).
Essa concepção requer formação teórica ampla sobre as questões afetas
ao universo educacional e uma adequada tradução para o campo da prática
educativa. Idealmente, implica na preparação de um profissional com “pleno
domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com desenvolvimento
da consciência crítica que lhe permita inferir e transformar as condições da
escola, da educação e da sociedade” (FREITAS, 1995, p. 139).
A formação do profissional de educação para contemplar as dimensões
acima citadas só será possível se construída sobre uma sólida atividade de
pesquisa, compreendida como parte integrante de sua formação e de sua prá-
tica profissional. Só assim ele poderá ser crítico de problemas socioculturais
e educacionais, propondo ações que enfrentem as questões da qualidade do
ensino e medidas que visem à emancipação humana.

Considerações finais

Numa perspectiva crítica emancipadora, quatro teses poderiam ser ado-


tadas objetivando a formação de professores fincada em conhecimentos es-
senciais para a atitude crítica no sentido da busca da emancipação humana.
Esses pressupostos defendidos enriqueceriam sobremaneira a práxis educa-
tiva na luta por uma sociedade mais justa e humana. Ademais, as lutas pelas
mudanças na educação caminham lado a lado das lutas dos seres humanos
no mundo inteiro por uma vida sem divisões de classes e plena de sentido.
As lutas contra as cisões do cotidiano escolar somente alcançarão sen-
tido emancipador se compreendidas como elementos de mediação para su-
perar as grandes e principais cisões dos seres humanos alicerçadas numa
socialidade que separa proprietários de não proprietários. De um lado e de
outro, a sociedade gera seres cindidos, unilaterais, enquanto o desenvolvi-
mento mundial possibilita atualmente, mais do que nunca, a formação de
seres humanos omnilaterais. Superar esta divisão é a chave de um rico pro-
cesso emancipatório não somente de professores, mas para a humanidade.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 51

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ENSINO DE CIÊNCIAS NO BRASIL
– MARCOS TEÓRICOS E LEGAIS

Orlandina Aparecida Borges Mendes


Cleide Sandra Tavares Araújo
Suely Miranda Cavalcante Bastos
José Gonçalves Teixeira Júnior

Introdução

O objetivo principal deste artigo é identificar os marcos teórico-legais


do Ensino de Ciências no Brasil, enfatizando as principais mudanças na le-
gislação brasileira referendando este ensino como uma disciplina importante
na formação do aluno. Aqui se resumiu toda a pesquisa que foi realizada
através de revisão bibliográfica, com a aplicação de questionário e realização
de oficinas pela Secretaria Municipal de Educação de Uruaçu-GO, além da
observação direta do trabalho dos professores no Ensino Fundamental. A
pesquisa resultou na elaboração de um caderno de sequências didáticas para
o 4º e 5º anos do Ensino Fundamental, em uma escola municipal, na cidade
de Uruaçu/GO, como um estímulo para que o professor de Ciências perceba
a necessidade de se ensinar conteúdos de forma interativa e dialógica com os
alunos, apresentando correspondência com o cotidiano deles, na tentativa de
compreensão dos fenômenos ocorridos na sociedade.
Para construção destes marcos teóricos-legais do Ensino de Ciências no
Brasil, utilizou-se como referencial teórico os trabalhos de diversos autores,
tais como, Nascimento e Rezende Júnior (2010); Menon (2012); Belens e
Porto (2009); Bachelard (1996), dentre outros autores que contribuíram com
seus estudos para consolidação do assunto pesquisado.
O presente artigo é parte da dissertação desenvolvida no curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu-Mestrado Profissional em Ensino de Ciências
(PPEC), Câmpus de Ciências Exatas e Tecnológicas Henrique Santillo,
Anápolis-GO, que teve como objetivos analisar as Diretrizes Curriculares
Nacionais propostas pelo Ministério da Educação para o Ensino de Ciências,
bem como as ações da Secretaria Municipal de Educação de Uruaçu-GO,
no que tange à prática docente para o fazer pedagógico em sala de aula. O
54

trabalho desenvolvido visava a melhoria da qualidade do ensino através de


intervenções tecnológicas buscando despertar o interesse dos alunos pelo
conteúdo de Ciências no ambiente escolar.
Desde outrora, que a produção científica e tecnológica está sendo re-
gida ideologicamente por um modelo acadêmico de fazer Ciência, à mercê
da falta de estabilidade política e do autoritarismo do governo brasileiro. O
entendimento sobre o desenvolvimento do ensino de Ciências nas escolas
brasileiras passa por uma reflexão sobre as fases pelas quais a Ciência se
caracterizou, propondo discussões e principalmente mudanças. Este ensino
começou a assumir importância nas escolas ainda na década de 1920, no
entanto, neste período, era transmitido como verdades prontas e definitivas
e não cabia ao aluno qualquer questionamento sobre o assunto. Portanto, a
ideia de uma Ciência viva, em construção e transformação não era aceita e
não se fazia ligações do ensino de Ciências ministrado em sala de aula com
a tecnologia, como já se esboçava em várias escolas do mundo.
Nessa época, considerava-se que um ensino de Ciências com caracte-
rísticas reflexivas e moldadas ao cotidiano era inútil e não contribuiria para
o amadurecimento intelectual do aluno. Com o passar do tempo e os incen-
tivos dados pelos Estados Unidos na área de Ciências daquele país, devido
principalmente à Guerra Fria, muitas mudanças foram implementadas, con-
siderando fatores políticos, econômicos e sociais e influenciando vários pa-
íses, inclusive o Brasil, que passou a considerar o ensino de Ciências como
prioridade nas escolas públicas (KRASILCHIK, 2000).
Para Nascimento e Rezende Júnior (2010), as mudanças mais impor-
tantes ocorreram principalmente a partir da década de 1950, quando os con-
teúdos de Ciências ainda seguiam um currículo tradicional, caracterizado
por uma divisão clássica a ser seguida pelos professores em sala de aula:
ar, água, solo; seres vivos; corpo humano e; Física e Química, porém com
pequenas mudanças percebidas no currículo escolar.

Marcos Iniciais para Compreensão do Ensino de Ciências

De maneira geral, é preciso considerar que o termo Ciências, bem como


seus desdobramentos e significados, é muito amplo e vem sendo alvo de discus-
são há muitos anos. Para Menon (1992) o avanço das Ciências na atualidade deve
ser considerado entre os mais extraordinários empreendimentos da humanidade,
pois caracteriza uma manifestação visível de sua constante transformação.
Belens e Porto (2009, p. 26) afirmam que a “Ciência é o mais próspero
empreendimento em que os seres humanos se envolveram”. Nesse sentido,
o progresso da Ciência e da tecnologia e, porque não, dos estudos sobre a
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 55

Ciência “propiciou o surgimento das sociedades industriais modernas carac-


terizadas pela riqueza, e a expectativa crescente de que esta estará disponível
a todos” (MENON, 1992, p. 123).
Para Germano (2011) a Ciência é um fenômeno social tão antigo e vem
enfrentando tantas transformações ao longo de sua história que, qualquer
tentativa de construir um conceito universal em torno desta atividade seria,
no mínimo, incompleta. No entanto, este autor destacou que a Ciência é um
conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a Matemática, por-
tanto, capaz de provar a verdade necessária e universal de seus enunciados e
resultados (GERMANO, 2011).
Por outro lado, contrapondo à ideia de uma Ciência em constante evo-
lução, Bachelard (1996) defendeu a tese de que na Ciência não existe uma
evolução contínua, mas um processo em permanente ruptura epistemológi-
ca, de modo que um conhecimento se impõe negando o anterior. Essa ideia
pregada por Bachelard também é seguida por outros estudiosos, como Alves
(1985 apud GERMANO, 2011, p. 162), para quem a Ciência é apenas uma
“hipertrofia de capacidades que todos têm, uma especialização de certos ór-
gãos e um refinamento disciplinado do senso comum”. De fato, o que nos
interessa é apresentar como o ensino da Ciência veio se desenvolvendo no
decorrer dos anos até os dias atuais.

O Ensino de Ciências no Brasil

No Brasil, o ensino de Ciências tem sido desvalorizado desde a coloni-


zação, nos colégios jesuítas, quando o grande foco era o ensino de leitura e
escrita das primeiras letras e a catequização dos indígenas e filhos de colo-
nos. Após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, o en-
sino de Ciências foi praticamente extinto do sistema educacional brasileiro.
De acordo com Bayerl (2011), com a vinda da família Real para o
Brasil, em 1808, o sistema educacional sofreu mudanças, porém, o Ensino
de Ciências ficou esquecido e continuou assim até o período republicano.
A partir de 1890, com a Reforma Benjamin Constant, ainda na República
Velha, houve a inclusão do ensino de Ciências, nas duas últimas séries do
Ensino Secundário. Porém, com a Reforma Epitácio Pessoa, em 1901, extin-
guiu-se o Ensino de Ciências, assim como Sociologia e Moral do currículo
escolar e a inclusão da disciplina de Lógica (VIEIRA FARIAS, 2009).
Com o objetivo de inovar a educação para envolver os indivíduos à socie-
dade de seu tempo, em 1924, foi criada a Associação Brasileira de Educação
(ABE). O destaque da atuação dessa entidade “foi fundamentar a nova edu-
cação em parâmetros científicos” (VEIGA, 2007, p. 254), preconizando a
56

adoção de métodos pedagógicos fundamentados na Psicologia, a partir de


testes vocacionais e de aptidão e, na Biologia. Veiga (2007, p. 255) destaca
que estes métodos adotados pela ABE eram baseados em “teorias radicais do
período, expressando discriminações de natureza étnica ou cultural”.
Nessa perspectiva, o Ensino de Ciências prevaleceu na educação brasi-
leira, de forma fragmentada e empobrecida, restrito à área da saúde pessoal
e tendo como expectativa consertar as deformações e os problemas da po-
pulação brasileira (FABRI; CASTILHO; SILVEIRA, 2015). Durante todo
período do governo de Getúlio Vargas, a partir de 1930, o Ensino de Ciências
foi mantido nas escolas normais, primárias e secundárias sobre os preceitos
do higienismo, ou seja, corrente de pensamento preconizando o equilíbrio
físico, intelectual e moral do indivíduo.

Uma Nova Visão para o Ensino de Ciências a Partir da Década


de 1950

No Brasil, grande parte dos estudos sobre o desenvolvimento das


Ciências ocorreu a partir dos anos 1920, mas somente a partir dos anos
1950 que seu ensino se solidificou enquanto disciplina importante. E,
segundo Vergara (2012), esse atraso foi em consequência da herança lu-
sitana, tendo em vista que a presença desta cultura perdurou no Brasil
mesmo após a independência.
Nessa época, “a escolha dos temas e das correntes de pensamento a
serem seguidos, privilegiou o lado teórico da Ciência e da filosofia, em detri-
mento de vertentes mais propriamente políticas” (VERGARA, 2012, p. 33).
Assim, a partir da década de 1950, ganhou força nos estudos sobre a Ciência
brasileira, a necessidade de definição do que seria Ciência, então formula-
da por historiadores sociais, que a compreendiam como uma prática social
contextualizada. Fortalecia-se a tese de que a universalização conceitual do
conhecimento, associada à leitura das transformações dos contextos sociais
vigentes, culminaria noutras abordagens (VERGARA, 2012). Dessa forma,

o novo cenário social provocou significativas mudanças no currículo


de Ciências e na educação de base no Brasil, a partir do momento em
que passou a considerar a formação do trabalhador peça importante para
atender à exigência crescente do desenvolvimento científico-tecnológico,
criando um distanciamento entre o que era ensinado em Ciências e o co-
nhecimento necessário à produção científica e ao desenvolvimento da tec-
nologia (SANTOS; BISPO; OMENA, 2005, p. 412).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 57

Pequenas mudanças foram percebidas, principalmente após a Lei 4.024


– Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961, que
permitiu um pequeno avanço na participação das Ciências no currículo esco-
lar, figurando-se desde o primeiro ano do curso ginasial. Nesta época, se tor-
nou obrigatória nas escolas brasileiras a disciplina Iniciação à Ciência, a par-
tir da primeira série ginasial, atualmente, sexto ano do Ensino Fundamental
(PORTO; RAMOS; GOULART, 2009, p. 17). É interessante como o ensino
de forma geral reflete o momento político, econômico e cultural da socie-
dade, pois a cada governo brasileiro, ocorreu a proposta de uma reforma
que atingiu principalmente os ensinos básico e médio (SANTOS; BISPO;
OMENA, 2005, p. 412).
Nascimento e Rezende Júnior (2010) citaram que já no final dos anos
1950, a produção científica brasileira ficou sob o domínio do Estado, princi-
palmente aquela iniciada nas universidades, com uma separação nítida entre
a pesquisa científica e a produção tecnológica. Com o desenvolvimento de
um método científico cujas bases foram alicerçadas na razão instrumental,
na observação cuidadosa dos fenômenos e na neutralidade do pesquisador.
Houve uma expectativa de que a Ciência produzisse conhecimentos objeti-
vos sobre a realidade natural e social, entretanto, suas contribuições eram
provisórias, pois para atender aos critérios internos de eficácia técnica, ne-
cessitava deixar de lado as questões e os interesses sociais.
A partir da década de 1950, surgem propostas educativas para o ensino
de Ciências, oportunizando aos estudantes o acesso aos conceitos científi-
cos e ao desenvolvimento de uma maneira científica de pensar e agir diante
do cotidiano. As principais propostas, vindas principalmente de instituições
de ensino superior, como a Universidade de São Paulo – USP, incentiva-
ram um ensino escolar de Ciências mais sistematizado, utilizando textos
e exemplos do cotidiano, mas sem ainda constituir uma disciplina escolar
(NASCIMENTO; REZENDE JÚNIOR, 2010).
Com a sistematização do Ensino de Ciências e as propostas para que
fossem utilizadas em sala de aula exemplos do cotidiano, os primeiros mate-
riais destinados às escolas, principalmente nas confessionais, conferiam um
status mais próximo de disciplina escolar. Fato este de extrema importância
no reconhecimento de que as Ciências estavam cada dia ocupando um maior
espaço nas discussões, não só acadêmicas, mas dos legisladores brasileiros.
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi a responsável, através
da UNESCO, de trazer para o Brasil os primeiros projetos voltados para o
Ensino de Ciências enquanto disciplina escolar. Estados Unidos e Inglaterra
foram os primeiros países a publicarem material voltado para o Ensino de
58

Ciências, estimulando também a formação de clubes, feiras, convenções se-


minários e os Centros de Ciências nas escolas.
A partir da década de 1960, o Ministério da Educação e Cultura (MEC)
criou os primeiros Centros de Ciências no Brasil, ligados principalmente
às universidades instaladas nos diversos estados brasileiros. Enquanto isso,
as Secretarias Estaduais de Educação organizaram alguns estudos visando
uma proposta de formação de professores e discussão sobre novas propostas
curriculares contemplando exemplos do cotidiano dos alunos. Além disso, o
MEC estimulou a implantação de novos cursos de Licenciatura em Ciências
pelas universidades brasileiras, através de fomento financeiro, e o desenvol-
vimento de projetos voltados para o Ensino de Ciências nas escolas.
O uso de laboratório destinado ao Ensino de Ciências passou a ser o
método mais difundido nas escolas brasileiras, pretendendo-se que os alunos
aprendessem não só os produtos da Ciência, mas principalmente os proces-
sos que mostrassem como a própria Ciência poderia influenciar no cotidiano
dos alunos. Além disso, o período foi marcado por ter como gestores os
próprios cientistas e especialistas, mesmo que devido a uma sucessão de
problemas ambientais e sociais ocasionados pelo desenvolvimento tecno-
lógico e científico com o acúmulo de resíduos tóxicos, acidentes nucleares,
envenenamentos farmacêuticos, derramamento de petróleo, dentre outros,
necessitasse de uma revisão das políticas científicas e tecnológicas e suas
relações com a sociedade.
Nesse período, o MEC fez acordos com o governo americano visando a
publicação de livros de Ciências para as escolas brasileiras, principalmente
na área de Biologia, Geociências, Física, Matemática e Química, além de vá-
rias traduções de obras publicadas nos Estados Unidos e utilizadas em suas
escolas (AUGUSTO; AMARAL, 2014). Entretanto, apesar destes acordos,
não houve vias de fato, um incremento dos materiais de Ciências utilizados
nas escolas, tampouco o desenvolvimento de grande parte dos projetos ame-
ricanos, devido principalmente, à falta de preparo dos professores e descon-
textualização dos assuntos apresentados nos projetos.

Inovações no Currículo Escolar através do Ensino da


Ciência Pura

Segundo Nascimento e Rezende Júnior (2010), o Ensino de Ciências


no Brasil, se caracterizou, na década de 1970, pelo privilégio e ênfase na
Ciência Pura, não havendo menção às tecnologias produzidas com base
em conhecimentos científicos, já iniciados nos Estados Unidos, mas ainda
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 59

incipientes (AUGUSTO; AMARAL, 2014). Nesta década, começaram a


ser implantados os primeiros currículos estaduais com algumas inovações,
como a nova estrutura de organização dos conteúdos em espiral; tratamento
interdisciplinar dos conteúdos e o homem como tema central dos conteúdos
ministrados na aula de Ciências. Houve ainda o início de uma prática peda-
gógica mais empírica, ainda que timidamente e na qual os alunos foram in-
centivados à reflexão e criticidade e não apenas a absorção das informações
de maneira mecânica.
É preciso destacar também que em meados da década de 1970, prin-
cipalmente em razão das necessidades exigidas pelo desenvolvimento tec-
nológico, o Ensino de Ciências, além de visar à formação de cientistas,
passa a incorporar a permissão de uma vivência do método científico como
necessário à formação do cidadão. Começou-se a esboçar, então, um currí-
culo para o Ensino de Ciências que pudesse integrar Ciência, Tecnologia e
Sociedade (movimento chamado de CTS). Começava-se, assim, a se pen-
sar na “democratização do ensino destinado ao homem comum que tinha
que conviver com o produto da Ciência, da Tecnologia, exigindo dele não
apenas um especialista, mas também um bom cidadão” (SANTOS; BISPO;
OMENA, 2005, p. 413).
Na década de 1970, surgem as primeiras discussões ligadas ao meio
ambiente e ecologia, começando, inclusive, uma preocupação com a pre-
servação da natureza e a busca por formas alternativas de desenvolvimento,
sem que afetasse o planeta. Outras ideias que se iniciaram nesse período, as-
sociando questões ambientais diretamente ao desenvolvimento econômico,
foram a do eco desenvolvimento e a do desenvolvimento sustentável.
O primeiro termo concebia o crescimento econômico não como meta,
mas como meio. Uma consequência disso foi o famoso tripé do desenvolvi-
mento: viabilidade econômica, prudência ecológica e justiça social. Já o se-
gundo termo visava um novo estilo de desenvolvimento – autossustentável,
com base em tecnologias alternativas e de forma a atingir um equilíbrio entre
os processos econômicos, ambientais e sociais (ANGOTI; AUTH, 2005).
É preciso relembrar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, publicada na década de 1960, exigiu que a disciplina de Ciências
fosse obrigatória desde o primeiro ano do curso ginasial e também aumen-
tou a carga horária nas disciplinas de Física, Química e Biologia. “Essas
disciplinas passavam a ter a função de desenvolver o espírito crítico com o
exercício do método científico. O cidadão seria preparado para pensar lógica
e criticamente e assim capaz de tomar decisões com base em informações e
dados” (KRASILCHIK, 2000, p. 86).
60

Em 1971, outra Lei de Diretrizes e Bases forçou novas mudanças no


Ensino de Ciências ministrado nas escolas brasileiras, quando

a disciplina Ciências naturais passou a ter caráter obrigatório nas oito


séries do então ensino de primeiro grau. Embora se preconizasse a
valorização das disciplinas científicas, na prática, a inclusão de dis-
ciplinas profissionalizantes acabou comprometendo-lhes o desenvol-
vimento, fragmentando-as e/ou esfacelando-as (PORTO; RAMOS;
GOULART, 2009, p. 19).

Nesse período houve um desenvolvimento também da pesquisa na área


do Ensino de Ciências, com uma preocupação pelas concepções que os alu-
nos constroem sobre o mundo natural. Os vários estudos realizados sobre a
pesquisa no Ensino de Ciências mostraram que os alunos constroem concep-
ções próprias sobre os fenômenos naturais e desse modo, a aprendizagem
passou a ser vinculada com as formas que são estabelecidas nas relações
entre os novos conhecimentos e as concepções prévia dos alunos.
Além disso, as atividades didáticas pressupunham a resolução de pro-
blemas através de etapas pré-definidas, que deveriam possibilitar aos alunos
pensar e agir cientificamente. As finalidades do Ensino de Ciências consis-
tiam na valorização da participação ativa, no desenvolvimento de uma pos-
tura de investigação, na observação, descrição de fenômenos científicos e
capacidade de explicação científica do mundo.
Portanto, na década de 1970, o direcionamento conferido ao Ensino
de Ciências previa a iniciação científica em um primeiro momento, a
compreensão da Ciência como extensão e a educação científica como
seu objetivo primordial. Considerava-se nesta época que vivenciando e
memorizando os diferentes passos de uma pesquisa científica, os alunos
seriam capazes de realizar suas próprias investigações (NASCIMENTO;
REZENDE JÚNIOR, 2010).
Partindo para o final da década de 1970, apesar das preocupações em
possibilitar aos alunos a compreensão dos processos de produção do conhe-
cimento científico, o Ensino de Ciências continuou sendo desenvolvido de
modo informativo, principalmente devido às condições precárias de trabalho
e à falta de articulação entre as propostas para o Ensino de Ciências e os
processos de formação de professores.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 61

O Ensino de Ciências a partir dos Parâmetros Curriculares


Nacionais e das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental

Adentrando os anos 1980, com a diminuição das funções reguladoras e


produtivas pelo Estado e também com a abertura da economia ao comércio
e competitividade internacionais, principalmente com a globalização, houve
uma homogeneização dos critérios de competitividade e um aumento consi-
derável na influência na produção científica e tecnológica brasileira, aos mol-
des do neoliberalismo, proposto também pelos Estados Unidos e Inglaterra.
Augusto e Amaral (2014) além de constatarem a falta de utilização de
muitos projetos de Ciências propostos pelos Estados Unidos pelas escolas
brasileiras verificaram que não houve também, por parte dos professores,
inovações na prática pedagógica, não muito diferentes daquelas desenvolvi-
das, nas décadas passadas, pelos professores da USP.
A terceira fase descrita por Nascimento e Rezende Júnior (2010), ini-
ciou-se na década de 1980 com o fortalecimento das discussões e propostas
em que o ensino de Ciências, Tecnologia e Sociedade se caracterizava pelas
concepções construtivistas. Dessa maneira, passou-se a conceber o estudo
do ambiente como eixo central do Ensino de Ciências, provocando os pro-
fessores para que desenvolvessem uma abordagem interdisciplinar em que a
organização dos conteúdos utilizava os critérios de vínculo com o cotidiano
dos alunos.
A principais discussões iniciadas na década de 1980 questionaram os
efeitos nocivos da produção científica para o meio ambiente, aumentando
o leque de preocupações e sobretudo, permitindo que o Ensino de Ciências
fosse refletido além da sala de aula, tirando o homem do eixo central de dis-
cussões e incluindo-o num contexto maior chamado ecossistema.
O Ensino de Ciências nesse período se aproximou das Ciências huma-
nas e sociais, com reforço da percepção de que a Ciência como construção
humana provocaria uma reflexão mais ampla, como por exemplo, em re-
lação aos fenômenos naturais, tecnológicos, desenvolvimento sustentável,
dentre outros. As discussões nas escolas brasileiras passaram a contemplar
a atividade científica como uma construção humana, histórica e social, vin-
culada a interesses políticos e econômicos. Deste modo, a prática de ensinar
Ciências a partir da década de 1980 passa a exigir dos alunos uma visão mais
crítica da Ciência e de si mesmos.
A partir da década de 1990, acirrou o pensamento e a necessidade da
articulação existente entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, possibilitando
62

o surgimento de um panorama mais complexo, inclusive com incertezas a


respeito da produção científica e tecnológica, evidenciando a falta de relação
dessa produção com as necessidades de grande parte da população brasilei-
ra. “Reconhece-se atualmente que a socialização do conhecimento científico
deve ser acelerada, tornando-se mais eficiente” (BIZZO, 2010, p. 29).
Não restam dúvidas de que a Ciência, no entendimento atual, materia-
liza-se em tecnologia e que traz em seu bojo a ideia de desenvolvimento de
um país. No entanto, a ideia que se tem no Brasil de desenvolvimento está
associada ao programa da Ciência e da Tecnologia, principalmente, em rela-
ção à produtividade e ao aumento do consumo pela população.
Pirola (2010) considerou que os problemas sociais e ambientais causa-
dos pelo progresso científico e tecnológico, por sua vez, exigiu uma abertura
da Ciência para o conhecimento público, desmistificando a imagem tradicio-
nal, essencialista e filantrópica, inclusive, com relação a sua aplicação como
atividade inevitável e benfeitora.
Portanto, nessa perspectiva, é preciso considerar que a Ciência e a
Tecnologia deixariam de ser vistas apenas como atividades autônomas que
seguem uma lógica interna de desenvolvimento passando a ser entendidas
como processos produtivos, caracterizadas como valores, interesses pesso-
ais e profissionais, desempenhando um papel importante em sua produção e
utilização prática.
Há de se refletir, sobretudo, acerca de uma proposta de ações sobre
as reais consequências e problemáticas de natureza sociológica e ambiental
geradas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, no que se referem à
equidade na distribuição dos custos ambientais provocados pelas inovações
tecnológicas e suas implicações éticas, seus riscos e mudanças provocadas
no meio ambiente pelo exercício do poder e pela força do capital. Chegamos
aqui a um ponto importante, pois é preciso reconhecer que o desenvolvimen-
to científico e tecnológico mundial brasileiro exerceu e ainda exerce forte
influência sobre o Ensino de Ciências.
A partir da década de 1990 os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) apresentaram uma nova proposta para o Ensino de Ciências, com a
implantação de um currículo mínimo para todas as escolas brasileiras. Além
de algumas adaptações realizadas pelas Secretarias Estaduais de Educação,
nos PCNs o Ensino de Ciências passou a ter uma proposta mais inovadora,
considerada mais reflexiva, com produção de material didático e treinamento
de professores para trabalhar a disciplina de Ciências em suas escolas.
Para Fabri, Castilho e Silveira (2015), isso só é possível e necessário
com uma ação docente que estimule os alunos a perguntar, refletir, buscar
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 63

por respostas e a tomar decisões, permitindo ainda que o aluno atue ativa-
mente na construção do seu próprio conhecimento.

Um professor de Ciências elabora, organiza e revela seu discurso e


sua prática, num contexto escolar e social específicos, de acordo com
seus saberes profissionais, intenções, opções, pressupostos teóricos e
crenças – implícitos ou explícitos, que se revelam na elaboração e no
desenvolvimento de seu planejamento, na definição de seus objetivos,
na seleção e organização dos conteúdos, na escolha dos métodos, téc-
nicas e recursos para o ensino, em seus procedimentos e instrumentos
de avaliação e na sua relação com os alunos (PIROLA, 2010, p. 54).

Além disso, ensinar Ciências na atualidade constitui-se de uma ativi-


dade complexa e requer, dos professores, conhecimentos teóricos e práticos
que possibilitem a promoção dos alunos do gosto e do esforço por aprender
Ciências, a elaboração de propostas aos novos problemas e a inovação em
função das realidades escolares e sociais.
É preciso destacar que o currículo do Ensino Fundamental atualmente
tem uma base nacional comum, complementada em cada sistema de ensino
e em cada estabelecimento escolar por uma parte diversificada que juntas
constituem um todo integrado e, não mais podendo ser consideradas como
dois blocos distintos.
De acordo com o relatório das Diretrizes (BRASIL, 2010b) a articu-
lação entre a base nacional comum e a parte diversificada do currículo do
Ensino Fundamental possibilita a sintonia dos interesses mais amplos de
formação básica do cidadão com a realidade local, as necessidades dos
alunos, as características regionais da sociedade, da cultura e da econo-
mia e perpassa todo o currículo. Dessa forma, essas diretrizes podem ser
entendidas como uma das formas de expressão dos objetivos educacio-
nais compartilhados por diferentes escolas e redes, ciclos, séries e outras
formas de organização que, a partir da LDB, passaram a ser compreen-
didos como tempos e espaços interdependentes e articulados entre si, ao
longo dos nove anos de escolarização.
Ao empenhar-se em garantir aos alunos uma educação de qualidade,
todas as atividades da escola e a sua gestão deverão estar articuladas com os
objetivos propostos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. O processo de
socialização dos alunos, a distribuição de turmas por professor, as decisões
sobre o currículo, a escolha dos livros didáticos, a ocupação do espaço, a de-
finição dos horários e outras tarefas administrativas e pedagógicas precisam
priorizar o atendimento aos interesses e necessidades dos alunos.
64

É preciso destacar ainda alguns pontos importantes, segundo os quais, o


Ensino Fundamental de nove anos deve ser configurado pelo: currículo; base
comum e diversificada; projeto político-pedagógico; gestão democrática; ar-
ticulação entre as disciplinas e conteúdos (BRASIL, 2010b).
O currículo é constituído pelas experiências escolares que se desdobram
em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, buscando ar-
ticular vivências e saberes dos alunos com os conhecimentos historicamen-
te acumulados, contribuindo para construir as identidades dos estudantes.
Dessa maneira, valores, atitudes, sensibilidade e orientações de conduta são
veiculados não só pelos conhecimentos, mas por meio de rotinas, rituais,
normas de convívio social, festividades, pela distribuição do tempo e organi-
zação do espaço educativo, pelos materiais utilizados na aprendizagem e até
pelo recreio, enfim, pelo conjunto de todas as vivências proporcionadas pela
escola. Já os conhecimentos escolares são aqueles que as diferentes instân-
cias que produzem orientações sobre o currículo, as escolas e os professores
selecionam e transformam a fim de que possam ser ensinados e aprendidos,
ao mesmo tempo em que servem de elementos para a formação ética, estéti-
ca e política do aluno.
Os conhecimentos que fazem parte da base nacional comum, a que to-
dos devem ter acesso, independentemente da região e do lugar em que vivem,
asseguram a característica unitária das orientações curriculares nacionais,
das propostas curriculares dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios,
e dos projetos político-pedagógicos das escolas. Já os conteúdos curricula-
res que compõem a parte diversificada do currículo serão definidos pelos
sistemas de ensino e pelas escolas, de modo a complementar e enriquecer o
currículo, assegurando a contextualização dos conhecimentos escolares em
face das diferentes realidades.
Dessa forma, os conteúdos que compõem a base nacional comum e
a parte diversificada têm origem nas disciplinas científicas, no desenvolvi-
mento das linguagens, no mundo do trabalho, na cultura e na tecnologia, na
produção artística, nas atividades desportivas e corporais, na área da saúde e
ainda incorporam saberes como os que advêm das formas diversas de exercí-
cio da cidadania, dos movimentos sociais, da cultura escolar, da experiência
docente, do cotidiano e dos alunos. Estes são constituídos por componentes
curriculares que, por sua vez, se articulam com as áreas de conhecimento.
Essas áreas devem favorecer a comunicação entre os diferentes conhecimen-
tos sistematizados e entre estes e outros saberes, mas permitem que os refe-
renciais próprios de cada componente curricular sejam preservados.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de
nove anos (BRASIL, 2010a) exigem a estruturação de um projeto educativo
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 65

coerente, articulado e integrado, de acordo com os modos de ser e de se


desenvolver das crianças e adolescentes nos diferentes contextos sociais.
Ciclos, séries e outras formas de organização a que se refere a LDB de 1996
serão compreendidos como tempos e espaços interdependentes e articulados
entre si, ao longo dos nove anos de duração do Ensino Fundamental.
As escolas deverão formular o projeto político-pedagógico e elaborar
o regimento escolar de acordo com a proposta do Ensino Fundamental, por
meio de processos participativos relacionados à gestão democrática. O pro-
jeto político-pedagógico da escola deve traduzir a proposta educativa cons-
truída pela comunidade escolar no exercício de sua autonomia, com base nas
características dos alunos, nos profissionais e recursos disponíveis, tendo
como referência as orientações curriculares nacionais e dos respectivos sis-
temas de ensino. Será assegurada ampla participação dos profissionais da
escola, da família, dos alunos e da comunidade local na definição das orien-
tações imprimidas aos processos educativos e nas formas de implementá-las,
tendo como apoio um processo contínuo de avaliação das ações, a fim de
garantir a distribuição social do conhecimento e contribuir para a construção
de uma sociedade democrática e igualitária (BRASIL, 2010a).
Neste sentido, o regimento escolar deve assegurar as condições institu-
cionais adequadas para a execução do projeto político-pedagógico e a oferta
de uma educação inclusiva e com qualidade social, igualmente garantida a
ampla participação da comunidade escolar na sua elaboração. Portanto, o
projeto político-pedagógico e o regimento escolar, em conformidade com
a legislação e as normas vigentes, conferirão espaço e tempo para que os
profissionais da escola e, em especial, os professores, possam participar de
reuniões de trabalho coletivo, planejar e executar as ações educativas de
modo articulado, avaliar os trabalhos dos alunos, tomar parte em ações de
formação continuada e estabelecer contatos com a comunidade.
Na implementação de seu projeto político-pedagógico, as escolas se ar-
ticularão com as instituições formadoras com vistas a assegurar a formação
continuada de seus profissionais. No projeto político-pedagógico do Ensino
Fundamental e no regimento escolar, o aluno, centro do planejamento curri-
cular, será considerado como sujeito que atribui sentidos à natureza e à so-
ciedade nas práticas sociais que vivencia, produzindo cultura e construindo
sua identidade pessoal e social (BRASIL, 2010a).
Nesta perspectiva, o cuidar e o educar, indissociáveis funções da escola,
resultarão em ações integradas que buscam articular-se pedagogicamente,
no interior da própria instituição, e também externamente, com os serviços
de apoio aos sistemas educacionais e com as políticas de outras áreas, para
66

assegurar a aprendizagem, o bem-estar e o desenvolvimento do aluno em


todas as suas dimensões.
A articulação entre disciplinas e conteúdos deverá ser levada em consi-
deração nos projetos propostos pela escola, comunidade, redes e sistemas de
ensino e deverão ainda ser articulados ao desenvolvimento dos componentes
curriculares e às áreas de conhecimento, observadas as disposições conti-
das nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica
(BRASIL, 2010a) e nos termos do Parecer que dá base àquela resolução.
Os professores levarão em conta a diversidade sociocultural da população
escolar, as desigualdades de acesso ao consumo de bens culturais e a multi-
plicidade de interesses e necessidades apresentadas pelos alunos no desen-
volvimento de metodologias e estratégias variadas que melhor respondam às
diferenças de aprendizagem entre os estudantes e às suas demandas.
Os sistemas de ensino, as escolas e os professores, com o apoio das
famílias e da comunidade, envidarão esforços para assegurar o progresso
contínuo dos alunos no que se refere ao seu desenvolvimento pleno e à aqui-
sição de aprendizagens significativas, lançando mão de todos os recursos
disponíveis e criando renovadas oportunidades para evitar que a trajetória
escolar discente seja retardada ou indevidamente interrompida.
A organização do trabalho pedagógico incluirá a mobilidade e a flexibi-
lização dos tempos e espaços escolares, a diversidade nos agrupamentos de
alunos, as diversas linguagens artísticas, a diversidade de materiais, os varia-
dos suportes literários, as atividades que mobilizem o raciocínio, as atitudes
investigativas, as abordagens complementares e as atividades de reforço, a
articulação entre a escola e a comunidade, e o acesso aos espaços de expres-
são cultural (BRASIL, 2010a).
Com a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais, o Brasil deli-
neou um novo quadro para o Ensino Fundamental, de nove anos, já implan-
tada em todo o país. Isso implica novas formas de ver e repensar também
o Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental de forma
mais crítica, reflexiva, propiciando aos alunos um aprendizado de maneira
eficaz. Essas mudanças trouxeram inovações importantes para o processo de
aprendizagem, sobretudo, oportunizou o acesso de toda criança até seis anos
de idade à escola, visando garantir com segurança e sucesso, sua carreira es-
colar (BRASIL, 2010a). Afinal, “Numa sociedade em que se convive com a
supervalorização do conhecimento científico e com a crescente intervenção
da tecnologia no dia a dia, não é possível pensar na formação de um cidadão
crítico à margem do saber científico” (BRASIL, 1997, p. 21).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 67

Considerações Finais
A partir do referencial bibliográfico analisado para construção deste ar-
tigo, ficou constatado que antes da década de 1950, o Ensino de Ciências no
Brasil era apenas livresco, sem um pensamento reflexivo e fora do contexto
do aluno; seu conteúdo exigia apenas que os alunos estudassem os conteúdos
para avaliação. De fato, o Ensino de Ciências nas escolas brasileiras so-
freu forte influência do governo norte-americano que, durante a Guerra Fria,
empreendeu uma discussão e mudanças no ensino em seu país, através da
formação de professores buscando fazer com que os alunos refletissem sobre
a necessidade de um pensamento reflexivo e ao mesmo tempo, aparelhá-los
em decorrência da corrida espacial.
Estas mudanças refletiram em momentos distintos, sendo consolidadas
no Brasil, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei
nº 9394/96; dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 2010a).
Tais momentos, de uma maneira ou outra, caracterizaram-se por novas
propostas para o Ensino de Ciências nas escolas brasileiras, ainda que seja
preciso considerar os aspectos políticos e econômicos como um fator pre-
ponderante na tomada de decisões, quando se tratou de mudanças na educa-
ção, tanto básica quanto superior no país.
Vale destacar que mais recentemente, os Parâmetros Curriculares
Nacionais e as Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental impuse-
ram ao Ensino de Ciências atividades práticas reflexivas e críticas, que deram
lugar ao tratamento anterior dos conteúdos de forma meramente informativa,
como se estivessem prontos e acabados, visando apenas a memorização das
informações pelo aluno.
Dessa maneira, o Ensino de Ciências tornou-se mais contextualizado e sig-
nificativo, ou seja, passou a ser oferecido à sociedade um ensino mais condizente
com as transformações pelo qual o mundo está vivenciando, não somente em
relação ao próprio homem, mas a partir de uma reflexão que engloba o homem,
o meio ambiente e todo o ecossistema existente em nosso planeta.
A análise documental realizada para o desenvolvimento da pesquisa de-
monstrou que além das mudanças na legislação, o professor enfrenta mudan-
ças nas variações inerentes ao trabalho escolar, tais como aumento das exi-
gências em relação ao trabalho docente. É exigido hoje que este profissional
seja motivador, criativo, inovador, consiga relacionar-se com as estruturas
sociais e com a comunidade, de maneira reflexiva, crítica e analítica. Dessa
forma, ser professor de Ciências na sociedade contemporânea é enfrentar
diariamente o desafio de mostrar o valor da educação escolar, em meio a tan-
tas transformações sociais e culturais, refletidas em seus alunos e na própria
instituição escolar.
68

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implicações sociais e o papel da educação. Revista Ciência e Educação, v.
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REFLEXÕES SOBRE AS
POSSIBILIDADES DE INTEGRAÇÃO
DA EDUCAÇÃO BÁSICA E
DO ENSINO SUPERIOR

José Gonçalves Teixeira Júnior

Introdução

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) determina


que as instituições formadoras deverão articular-se com os sistemas de en-
sino, em regime de colaboração, promovendo a formação inicial e continu-
ada dos profissionais do magistério, de forma a viabilizar o atendimento às
suas especificidades nas diferentes etapas e modalidades de educação básica
(BRASIL, 2015). Dessa forma, por compreender a urgência do debate sobre
as potencialidades e as limitações da articulação entre essas duas instân-
cias formadoras, este texto busca analisar, a partir de relatos de estudantes
de cursos de licenciatura – bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (Pibid)1, as aproximações que o programa promove.
Assim, o texto pretende colaborar com esta discussão, abordando questões
por vezes desafiadoras, mas que se colocam visando a melhoria dessa articu-
lação, bem busca analisar os principais embates que dela suscitam.
A escolha dos bolsistas Pibid como sujeitos desta investigação, justifi-
ca-se pelo fato de que estes são alunos de cursos de licenciatura, em diferen-
tes instituições de educação superior em todo o país e, principalmente, por
frequentarem semanalmente o cotidiano da escola, tendo contato direto com
alunos, professores, diretores, supervisores e demais membros deste espaço.
O Pibid

traduz de forma inequívoca os princípios e o compromisso da Capes


com a formação de professores. Iniciando em 2009 com 3.088 bol-
sistas e 43 instituições federais de ensino superior, em 2014, o Pibid

1 Os relatos, aqui revisitados, foram coletados durante o período de doutoramento, sendo parte integrante do texto: TEIXEIRA
JÚNIOR, J. G. Contribuições do Pibid para a formação de professores de Química. Tese (doutorado) – Universidade
Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Química. Uberlândia, 2014.
72

alcançou 90.254 bolsistas, distribuídos em 855 campi de 284 institui-


ções formadoras públicas e privadas (em 29 delas há também progra-
mas para as áreas da educação escolar indígena e do campo). O Pibid,
contudo, não é simplesmente um programa de bolsas. É uma proposta
de incentivo e valorização do magistério e de aprimoramento do pro-
cesso de formação de docentes para a educação básica. Os alunos de
licenciatura exercem atividades pedagógicas em escolas públicas de
educação básica, contribuindo para a integração entre teoria e prática,
para a aproximação entre universidades e escolas e para a melhoria de
qualidade da educação brasileira. Para assegurar os resultados educa-
cionais, os bolsistas são orientados por coordenadores de área – do-
centes das licenciaturas – e por supervisores – docentes das escolas
públicas onde exercem suas atividades (GATTI et al., 2014, p. 5).

Dessa forma, o programa promove a articulação entre os professores e


os alunos tanto da escola de educação básica, quanto da educação superior,
como representado na figura 1. Assim, o Pibid possibilita a formação inicial
para os alunos dos cursos de licenciatura e a formação continuada tanto para
os professores da educação básica, quanto para os que atuam na educação
superior, em função das inúmeras oportunidades de estudos, de pesquisa e
da extensão.

Figura 1 – Diagrama representativo das diferentes articulações e interações


possibilitadas pelo Pibid na educação básica e na educação superior

Nesta perspectiva, a formação de professores, tanto inicial quanto a


continuada, considera a necessidade de um profissional de ensino, conforme
descrito por Roldão (2007, p. 102) “legitimado por um conhecimento espe-
cífico exigente e complexo”, que requer uma excelente operacionalização
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 73

técnico-estratégia. Assim, como indica Mizukami (2004, p. 285), tanto a uni-


versidade, quanto a escola são agências formadoras dos professores.

Sobre a formação inicial de professores

De acordo com a proposta de diretrizes para a formação inicial de pro-


fessores da educação básica, em cursos de nível superior,

os ingressantes nos cursos superiores, em geral, e nos cursos de forma-


ção inicial de professores, em particular, têm, muitas vezes, formação
insuficiente, em decorrência da baixa qualidade dos cursos da educa-
ção básica que lhes foram oferecidos. Essas condições reais, comu-
mente, não são levadas em conta pelos formadores, ou seja, não são
considerados os pontos de partida nem as necessidades de aprendiza-
gem desses alunos (BRASIL, 2000, p. 25).

Por isso, para reverter esse círculo vicioso, ou seja, os problemas na


formação dos professores provocam problemas na formação dos alunos,
que, quando conseguem ingressar no ensino superior, chegam com falhas
na formação básica, é necessário que os cursos de formação assumam a res-
ponsabilidade de suprir as deficiências da escolarização básica. Além disso,
Silva e Schnetzler (2011, p. 120) destacam a dicotomia entre as aulas teóri-
cas e práticas que, na maioria dos cursos de graduação, se caracterizam pela
falta de articulação das teorias e modelos pedagógicos com os conteúdos
químicos que deverão ser trabalhados pelos futuros professores de Química.
Dessa forma, o licenciando “não aprende a transformar os saberes que sua
atividade profissional lhe proporciona em saberes disponíveis para os de-
mais, nem a valorizar a pesquisa, que é, permanentemente, produzida, nem a
se apropriar dos seus resultados” (BRASIL, 2000, p. 31).
Por isso, essas aproximações evidenciam a necessidade de nos preocu-
parmos com o conhecimento academicamente estruturado, apontando a res-
ponsabilidade dos futuros professores pela qualidade da formação científica
adquirida no Ensino Médio. Tal responsabilidade compreende um relacio-
namento de dois níveis, com os mundos da escola e da universidade, o que
expõe e notifica a formação inicial docente no sentido de capacitar o futuro
professor para uma ação mediada mais efetiva nas aprendizagens escolares.
São estas mediações que possibilitam a apropriação pelos sujeitos dos dife-
rentes saberes e sua incorporação na geração de novos saberes. Todavia, um
dos requisitos para que isso aconteça é o “domínio da matéria a ser ensinada”
pelo professor (CARVALHO, GIL-PÉREZ, 2009).
74

Nesse sentido, Jiménez e Bravo (2000, p. 538) argumentam que quando


o conhecimento do conteúdo específico é insuficiente, os professores têm
mais ideias alternativas sobre conceitos científicos, o que reforça as pró-
prias ideias alternativas dos estudantes; encontram dificuldades em realizar
mudanças didáticas; evitam ensinar os temas que não dominam; têm inse-
gurança e falta de confiança no ensino de Ciências; têm maior dependência
do livro-texto, tanto na instrução, como na avaliação; dependem mais da me-
morização da informação; e podem fomentar atitudes negativas das Ciências
nos estudantes. Um maior conhecimento do conteúdo influi no discurso, na
classe do professor, já que faz com que este fale menos e em períodos mais
curtos, faça menos perguntas, mas de maior nível cognitivo, e avalie melhor
as respostas dos estudantes.
Estas questões aparecem nas falas dos licenciandos, que atuam como
bolsistas do Pibid, como B111: “o curso tem muito que melhorar, porque
o que aprendemos está muito distante do que vamos ensinar na escola.
Praticamente não tem contextualização e nem aplicação do que aprendemos
com o nosso dia a dia”. Dessa maneira, percebe-se as inúmeras necessidades
formativas dos cursos de licenciatura que são evidenciadas pelo Pibid. Os
bolsistas, quando em contato com os professores que estão atuando nas es-
colas, percebem que “existem muitas disciplinas dispensáveis para se tornar
um professor”, como descrito pelo bolsista B15 ou ainda que “o curso de
licenciatura não ensina a ser professor, ensina mais a ser pesquisador. Por
isso, são poucos profissionais que se formam e querem seguir a carreira da
docência”, como destacou o bolsista B7.
Além disso, os cursos de licenciatura, ao desenvolverem atividades de
estágio distanciadas da realidade das escolas não propiciam ao futuro pro-
fissional compreender as contradições presentes na prática cotidiana escolar
(PIMENTA, 2009, p. 5). Muitos dos problemas estudados na graduação não
se aplicam a situações reais da escola, fazendo com que os professores, prin-
cipalmente os recém-formados, sintam-se inseguros em relação aos saberes
adquiridos em sua formação inicial. Huberman e colaboradores (1989 apud
TARDIF, 2002, p. 261) afirmam que “a maioria dos professores aprendem
a trabalhar na prática, às apalpadelas, por tentativa e erro”. Dessa forma, se
faz necessária a interação da universidade com a escola, possibilitando um
processo de observação, reflexão e modificação das práticas escolares e dos
saberes envolvidos.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 75

Sobre as pesquisas realizadas sobre a escola

Schnetzler e Aragão (1995), ao fazer um histórico sobre as pesquisas


acerca dos processos de ensino-aprendizagem, verificaram que, em sua
maioria, versam sobre o:

desenvolvimento curricular e de novos materiais de ensino e técnicas


instrucionais, com avaliação de seus impactos; sobre a identificação
de como os alunos entendem e atribuem significados às ideias quí-
micas; sobre a proposição e a avaliação de modelos para a formação
continuada de professores e, ainda, sobre a proposição de mecanismos
para uma divulgação mais ampla da química e de sua importância so-
cial junto ao grande público. Buscam, sobretudo, identificar variáveis
que afetam o ensino e a aprendizagem e propõem e avaliam modelos
para o aperfeiçoamento do processo em sala de aula (SCHNETZLER;
ARAGÃO, 1995, p. 28).

Entretanto, por que os resultados destas pesquisas não conseguem mudar


a realidade da sala de aula? Por que os professores da educação básica não
se apropriam dos resultados das pesquisas? Talvez porque os professores não
tenham acesso a esses resultados, talvez porque lhes falte tempo ou oportuni-
dades para conhece-los. Sabemos também que a participação de professores
da educação básica em eventos acadêmicos, principalmente aqueles onde são
apresentados resultados de investigações, ainda é muito pequena.
A experiência cotidiana com os professores mostra que, mesmo quando
estes têm interesse em participar de eventos, a direção da escola não flexi-
biliza sua participação; muitas vezes o docente precisa pagar alguém para
substituí-lo ou então assume a falta nas aulas que ocorrem no período do
evento. A participação em eventos possibilita aos docentes a socialização e
o intercâmbio das experiências vivenciadas por diferentes profissionais nas
escolas, além do contato com novas metodologias e na experiência de escre-
ver e apresentar trabalhos frutos das aprendizagens da parceria firmada com
o programa. A participação em eventos possibilita aos professores momen-
tos de reflexão, explicitando aprendizagens em relacionadas às dificulda-
des enfrentadas na carreira, assim como as “soluções encontradas por estes
para superar as dificuldades presentes nas escolas em que atuam” (GAMA;
SOUSA, 2011, p. 153).
O bolsista 133 afirma que, quando no Estágio os formadores passam a
“debater artigos, que várias vezes não se enquadram no trabalho que está
sendo realizado”, torna-se difícil fazer com que as contribuições das pes-
quisas cheguem à escola e possam ser aprimoradas, intervindo na prática
76

da sala de aula. Pimenta e Lima (2009) enfatizam que quando o futuro


professor tem a possibilidade de comparar as ações vivenciadas na escola
com as produções teóricas, percebe a necessidade de confrontá-las, valo-
rizando as contribuições das pesquisas educacionais na produção de co-
nhecimentos sobre a teoria e prática de ensino. Dessa forma, as mudanças
nas práticas dos professores só serão efetivas quando eles ampliarem a
“consciência sobre a própria prática, a da sala de aula e da escola como
um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a re-
alidade” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 13). Essa questão encontra exemplo
na posição da bolsista 94: “Eu concordo com algumas teorias que a gente
estuda, mas acho que a prática é mais importante; quando eu for dar aula
vou aprendendo e praticando. [...] Acho que a gente vai contextualizando
aquilo do nosso jeito, não do jeito que alguém já fez. Junta os pedacinhos
e forma a nossa personalidade como professor”.
Nesse sentido, Carvalho e Gil-Pérez (2009, p. 84) afirmam que a pro-
posição de novas metodologias, agregadas às discussões sobre as pesquisas
relacionadas ao ensino, é benéfica para a formação dos professores, pois pos-
sibilita o rompimento com o ensino conteudista, ainda tão presente nas es-
colas. Esses autores defendem a ideia de que os (futuros) professores devem
questionar de forma frequente as práticas que lhes parecem naturais, perce-
bendo a existência de outras (e, não necessariamente novas) possibilidades,
de forma crítica e reflexiva, dando um novo sentido à continuidade das pes-
quisas e das inovações didáticas. Da mesma forma, Paredes e Guimarães
(2012, p. 272) destacam que para melhorar a formação dos professores em
serviço ou dos futuros professores, não basta apresentar estratégias metodo-
lógicas identificadas como inovadoras pelas pesquisas da área. É necessário
realizar uma discussão aprofundada das questões relacionadas aos processos
de ensino e aprendizagem, para que os sujeitos incorporem essas metodo-
logias mais relevantes em suas concepções de ensino, de aprendizagem e
também de avaliação do conhecimento.

Sobre as atividades de extensão realizadas pelas IES

O tripé ensino, pesquisa e extensão é posto como indissociável para


as instituições de ensino superior, desde a constituição de 1988. Entretanto,
muitas das ações ocorrem de forma binária, ou seja, a extensão ora é articu-
lada ao ensino ou ora articulada à pesquisa.

A articulação entre o ensino e a extensão aponta para uma formação


que se preocupa com os problemas da sociedade contemporânea, mas
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 77

carece da pesquisa, responsável pela produção do conhecimento cien-


tífico. Por sua vez, se associados o ensino e a pesquisa, ganha-se terre-
no em frentes como a tecnologia, por exemplo, mas se incorre no ris-
co de perder a compreensão ético-político-social conferida quando se
pensa no destinatário final desse saber científico (a sociedade). Enfim,
quando a (com frequência esquecida) articulação entre extensão e pes-
quisa exclui o ensino, perde-se a dimensão formativa que dá sentido à
universidade (MOITA; ANDRADE, 2009, p. 269).

Além disso, a extensão universitária é pensada tradicionalmente, como


a execução de atividades realizadas pela comunidade acadêmica para a so-
ciedade, “direcionados para uma difusão do conhecimento produzido na
Universidade, quer seja para a comunidade interna ou externa” (ARROIO
et al., 2008, p. 1888). Do contrário, devemos pensá-la como um processo
educativo, que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável, viabi-
lizando uma relação de mão-dupla, ou seja, o conhecimento não é só gerado
pela instituição superior para a comunidade, mas oportuniza e assegura à
comunidade acadêmica o encontro na sociedade de momentos de práxis de
um conhecimento. Uma prática que possibilita aprender a fazer, assim como
conhecer fazendo (TARDIF, 2000, 19). Dessa forma,

No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendiza-


do que submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conheci-
mento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados,
acadêmico e popular, terá como consequência: a produção do conhe-
cimento resultante do confronto com a realidade; a democratização do
conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na
atuação da universidade (FORPROEX, 2006, p. 21).

Neste sentido, as atividades de extensão podem constituir-se ricos


momentos de prática, tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a
sociedade. Rompendo com as barreiras que separam, histórica e tradicio-
nalmente, a teoria ou o conhecimento produzido na instituição superior e a
prática docente, o saber trabalhar. Do contrário, as atividades de extensão
podem constituir-se ricos momentos para os alunos dos cursos de licenciatu-
ra aprender com os professores das escolas, pois estes são detentores de um
saber da experiência, com seus truques do ofício, suas rotinas, seus modelos
de gestão da classe e de mediação do conhecimento (TARDIF, 2000, p. 14).
Como pode ser percebido nos relatos a seguir: “O Pibid permite que traba-
lhemos diversos conhecimentos adquiridos durante a graduação nos dando
a oportunidade de analisar o que realmente pode surtir efeito no processo
78

ensino-aprendizagem” (B128) e a possibilidade de “ver na prática e viven-


ciar as dificuldades e barreiras impostas pela escola” (B117). Além disso,
as atividades de extensão possibilitam, segundo Paredes e Guimarães (2012,
p. 272) a convivência dos bolsistas com a diversidade socioeconômica e
cultural dos alunos da educação básica possibilita que estes compreendam a
influência desses fatores na aprendizagem, assim como perceber a necessi-
dade de readequação dos planejamentos em função da defasa­gem de apren-
dizagem dos alunos.

Sobre as atividades de estágios supervisionados e do Pibid


realizadas nas escolas

Desde a definição do estágio supervisionado, a articulação e a colabo-


ração entre a educação básica e a educação superior é evidenciada, tanto en-
quanto lócus de formação, como também na avaliação das atividades pelas
duas instituições:

o estágio curricular supervisionado, definido por lei, a ser realizado


em escola de educação básica, e respeitado o regime de colaboração
entre os sistemas de ensino, deve ser desenvolvido a partir do início
da segunda metade do curso e ser avaliado conjuntamente pela escola
formadora e a escola campo de estágio (BRASIL, 2002, p. 6).

Da mesma forma, o regulamento do Pibid, destaca dentre os objetivos


do programa, três dimensões da articulação entre as escolas e as instituições
superiores de ensino:

IV – inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública


de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e parti-
cipação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas do-
centes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação
de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem; V
– incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus
professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as
protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério;
[...] VII – contribuir para que os estudantes de licenciatura se insiram
na cultura escolar do magistério, por meio da apropriação e da refle-
xão sobre instrumentos, saberes e peculiaridades do trabalho docente
(BRASIL, 2013, p. 2-3).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 79

Assim, a intensa vivência escolar, acompanhando de perto o trabalho


do professor da educação básica, o futuro professor tem a oportunidade de
aprende a ensinar, por isso, é considerado pelos alunos dos cursos de li-
cenciatura como um dos mais importantes momentos de sua formação. As
experiências vivenciadas nas escolas possibilitam a interlocução e interação
entre os professores da educação básica e os futuros professores, assim como
os professores dos cursos de licenciatura, valorizando as diferentes experiên-
cias e saberes destes sujeitos. Neste sentido, Silva e Schnetzler (2011, p. 117)
afirmam que a valorizar a experiência:

não significa dar continuidade ao que se faz por meio da repetição do


que foi realizado. Todavia, ― valorizar a experiência significa, sobretudo,
aprender a aprender com a experiência o que frequentemente só é pos-
sível a partir da crítica e da ruptura com essa experiência. (CANÁRIO,
2000, p. 13). Desse modo, ao se conceder um estatuto ao saber emergente
da experiência docente é possível que a partir da análise do mesmo, pos-
sam ocorrer mudanças das quais esse saber é portador.

Nas falas dos bolsistas Pibid, verificam-se as diferentes possibilidades


dessa interação: “tive um contato mais próximo da relação professor-aluno
[...] me apaixonei pela profissão de professor e pretendo não abandonar”
(B10) e, “eu passei a realmente ter gosto pela profissão e comecei a en-
tender o que era ensinar e que estava sendo preparado para isso” (B126).
A interação é constante; os bolsistas mostram que os professores da escola
também valorizam os saberes dos estagiários, como indicam as falas a se-
guir: “os professores nos procuram para ajudá-los a planejar experimentos
em quase todas as semanas” (B123); “realizamos várias atividades com os
alunos do Ensino Médio, desde reforço, jogos pedagógicos, oficinas com
atividades práticas, visitas orientadas, atividades na universidade” (B5)
e “planejamos aulas, unidades didáticas, planejamos e organizamos ex-
perimentos. Vivemos situações muito próximas do cotidiano do professor”
(B27). Albuquerque (2012) verificou situações semelhantes quando acom-
panhou um grupo de bolsistas Pibid:

No decorrer da experiência oportunizada pelo contato desde cedo com


a escola, o processo de reflexão sobre e na prática profissional é in-
centivado, dando origem a um espaço que se coloca como modelo
de aprendizagem sobre as relações com os alunos e alternativas para
a sala de aula, sempre numa tentativa de recuperar algumas das prá-
ticas escolares, podendo muitas vezes, aperfeiçoá-las ou superá-las.
Aos poucos os licenciandos conseguem se desprender de uma visão
80

centrada na disciplina na qual se viam como químicos, matemáticos,


físicos, biólogos ou outra licenciatura que estejam cursando e passam
a se perceber como professores com a complexidade que isso envolve
(ALBUQUERQUE, 2012, p. 33-34).

Nesse sentido, as diretrizes curriculares para a formação de professores


convocam os cursos de formação a estabelecer parcerias com as escolas, de
forma a possibilitar o diálogo e o trabalho conjunto de estagiários, professores-
-formadores e supervisores de estágio no cotidiano escolar. Entretanto, veri-
ficam-se dificuldades, como as descritas por Barcelos e Villani (2006, p. 74):

os supervisores de estágio dificilmente conseguem ir além de refletir


juntos com os estagiários a realidade e as ações por eles realizadas nas
escolas, sob a luz dos referenciais teóricos. E, neste ambiente, rara-
mente são provocadas mudanças nas crenças, valores e atitudes dos
futuros professores em relação ao ensino perante as novas demandas
científicas, políticas e socioculturais. Neste contexto, os estagiários
mais críticos e comprometidos acabam se sentindo alvo de contradi-
ções e promessas não concretizadas, pessoas estranhas à escola, para
não dizer, em algumas situações, indesejadas.

Todavia, a experiência com o Pibid tem mostrado que o professor da


educação básica, que atua como supervisor dos bolsistas exerce a função de
coformador, como revelam as falas a seguir: “o diferencial do Pibid é o con-
tato com o professor da escola, que contribui de maneira significativa para
a minha formação. Ele mostra suas práticas pedagógicas, suas avaliações
e também como ele elabora suas aulas” (B63); “a supervisora me incenti-
va como bolsista, mas principalmente como futuro professor, dando ideias,
falando sobre postura na sala de aula, dando confiança para planejar uma
aula diferenciada. Ela passa suas experiências e, por isso, é uma grande
influência para mim” (B108) e, ainda, “com ele aprendi como trabalhar os
conceitos com os alunos de uma forma que eles entendam” (B25). Nesse
sentido, Schnetzler (2002) destaca a importância de os programas de for-
mação valorizarem os saberes dos docentes, colocando os professores como
protagonistas na melhoria do ensino e, atribuindo uma dimensão própria ao
ato de ensinar. A fala do bolsista a seguir revela os problemas relacionados
à falta de compreensão por parte dos professores sobre o papel dos licen-
ciandos nas escolas: “no estágio, o professor fica com a impressão de que
estamos ali para julgar o que ele está fazendo” (B101).
Já outros bolsistas vivenciam situações nas escolas diferentes das que
estão habituados, como no relato “a partir do Pibid pude conhecer um novo
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 81

tipo de professor, mais moderno, que utiliza as novas tecnologias em suas


aulas e interage com os alunos” (B138). Ou seja, a forma como o professor da
educação básica lida com seus alunos, causa surpresa para esse licenciando.
Segundo Amaral, Moreira e Ribeiro (1996, p. 92), o professor da educação bá-
sica, quando recebe um licenciando em sua sala, possibilita o desenvolvimento
profissional deste futuro professor; ao mesmo tempo, ao ajudá-lo a ensinar,
ambos se desenvolvem, porque os dois sujeitos aprendem ensinando.
Muitas vezes, os licenciandos chegam à escola com uma impressão
simplista da carreira docente, como pode ser verificado nos relatos a seguir:
“Eu não entendia que era (uma profissão) difícil, porque ela só copiava o
que estava no livro” (B147); “eu achava que era uma profissão bem simples
e fácil de trabalhar, agora vejo é totalmente ao contrário se não tiver total
dedicação não tem como ser um bom professor” (B49) e, “não sabia que
eram necessários tantos estudos para ensinar” (B129). Talvez esses bolsis-
tas tivessem essa concepção em função de que alguns professores não valo-
rizam seu trabalho, não planejam suas aulas, não tem compromisso com a
aprendizagem e, consequentemente, desmotivam seus alunos. Infelizmente,
nestes casos, verificam-se elementos indicando que o professor da educa-
ção básica pode ser um elemento de desvalorização do magistério. Estas
questões evidenciam o cuidado que o professor da educação básica deve
ter com seus alunos, principalmente quando comenta sobre os percalços de
sua profissão. Da mesma forma, o formador de professores deve ficar atento
às experiências vivenciadas pelos licenciandos, seja no estágio ou seja no
Pibid, quando são encaminhados para a escola.
Em contrapartida, o contato com a escola evidencia fragilidades na for-
mação acadêmica dos licenciandos, como pode ser verificado no depoimento
a seguir: “no Pibid aprendemos a planejar atividades experimentais com
materiais alternativos, porque a escola não tem laboratório. É um grande
desafio, porque estamos acostumados com toda a infraestrutura da faculda-
de, com todo tipo de reagentes e vidrarias” (B4). Nessa narrativa fica clara
a necessidade de adequação entre as realidades da IES e da escola, sendo
necessário adaptar materiais para as aulas experimentais. Por isso, a impor-
tância de que ocorram momentos durante as disciplinas da graduação onde o
futuro professor possa realizar e planejar atividades onde os materiais tradi-
cionais sejam substituídos por materiais alternativos ou outras aproximações
da realidade escolar.
Entretanto, alguns bolsistas destacaram a questão da confiança e da
parceria que o professor desenvolve com os licenciandos: “juntamente
com o professor supervisor, inúmeras atividades são desenvolvidas como
a elaboração de planejamento das aulas, experimentos e provas” (B1), “o
82

nosso supervisor demonstra interesse em ouvir a nossa opinião. No semestre


passado nós elaboramos uma prova juntos, tentando pensar nas questões
baseadas nas aulas que observamos” (B23). Afonso (2013) apontou que o
acompanhamento do trabalho de um professor mais experiente foi essencial
para que os bolsistas pudessem identificar de forma mais clara o papel do
professor em sala de aula, de forma a contribuir para sua formação e identi-
dade docente. Da mesma forma, Paredes e Guimarães (2012, p. 275) relatam
que o Pibid possibilita uma melhor compreensão por parte dos bolsistas e
também dos professores supervisores das possibilidades metodológicas de-
senvolvidas em sala de aula e da necessidade de reflexão crítica sobre as
concepções de ensino destes sujeitos. Assim, Schnetzler (2002) acredita que
os formadores possuem uma significativa experiência docente e, por isso,
podem oferecer aos professores supervisores o suporte teórico e pedagógico
que viabilizem melhorias nos processos de ensino, disponibilizando recursos
didáticos, apresentando propostas e projetos de ensino diferenciados. Nesta
perspectiva, “universidade e escola buscam juntas a superação de alguns dos
problemas educacionais e de formação” (GAFFURI, 2012, p. 131).
Mizukami e colaboradores (2002) afirmam que essa forma de confiança
vai além do simples ato de ouvir ou tolerar o diferente, mas envolve a com-
preensão dos significados, de ouvir com atenção e interesse, buscando em
conjunto formas de reformular os problemas, mesmo quando o grupo não
compartilha dos mesmos pontos de vista. Percebe-se inclusive a confiança
mútua entre bolsistas e supervisor quando assumem não saber todas as res-
postas e procuram juntos a solução para os problemas. Já no estágio, estes
momentos de trocas entre professores da educação básica e licenciandos, são
mais escassos, uma vez que os tempos dos estagiários e do professor que os
recebe são limitados. As interações ocorrem basicamente na sala de aula e
em alguns intervalos. Isso dificulta o ganho de confiança entre eles e invia-
biliza momentos de interação e trocas de experiências.

Sobre as possibilidades de formação continuada

Apesar de estar em contato com a escola desde o início do curso o


aluno, mesmo nos semestres finais, se mostra frustrado com a reali-
dade da escola. Ele já conhece aquele ambiente, porém aparenta estar
preparado para atuar em uma realidade diferente da que está. Ele es-
pera desenvolver atividades com alunos ideias em uma escola ideal.
Esses alunos ideais são comportados, receptivos às propostas feitas
pelo professor e tiram boas notas. (ALBUQUERQUE, 2012, p. 61)
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 83

Dessa forma, Albuquerque destaca as primeiras dificuldades encontradas


pelos docentes quando assumem sua função nas escolas. E, com o passar
dos anos, novas questões aparecem como problemáticas em sua profissão.
Por isso, é comum a procura dos professores por cursos de formação con-
tinuada a fim de encontrar respostas para seus anseios cotidianos.

Apesar dos relatos analisados neste texto referirem apenas às impres-


sões dos licenciandos que participam do Pibid, verifica-se que há possibi-
lidades de, a partir da experiência no programa, continuar a formação dos
professores que atuam nas escolas, assim como dos formadores de profes-
sores. Bedin (2012), por exemplo, identificou em sua investigação com su-
pervisores do programa, que os saberes mais relevantes para os docentes
seriam aqueles provenientes da metodologia de ensino, que emergiam na
prática, enfatizando e moldando a forma como trabalhar e dialogar com os
estudantes referentes ao ensino e a aprendizagem. O programa possibilita
a aproximação de diferentes sujeitos a partir da escola, criando um sistema
híbrido de atividades, interconectado a outras esferas e, por elas influencia-
do, possuindo características e práticas próprias. Nesse sistema, “professores
colaboradores, professores novatos e, por que não, professores de professo-
res poderiam ou pensar em alternativas para o ensino ou teorizar o que vem
funcionando na escola” (GAFFURI, 2012, p. 92).
O Pibid visa preencher a lacuna existente em muitos cursos de forma-
ção (BRASIL, 2013), através do entrelaçamento e uma corresponsabilidade
da universidade e da escola para a formação (inicial e continuada) dos pro-
fessores. Assim, “nesse diálogo entre coordenadores, supervisores e licen-
ciandos, há um processo de enriquecimento compartilhado, com impactos
positivos tanto nos cursos de formação como nas escolas” (NEVES, 2012, p.
365). Dessa forma, percebe-se que o Pibid possibilita um momento de socia-
lização muito importante a todos. Para os supervisores, em especial, o pro-
jeto representa um momento de trocas de experiências muito almejado, mas
poucas vezes colocado em prática. Os supervisores percebem no programa
a chance de colocar em prática projetos e atividades diferenciadas que antes
não eram possíveis em função da falta de apoio e, talvez, até pela falta de
conhecimentos específicos e metodológicos, que inviabilizavam tais ações.
Dessa forma, o Pibid pode possibilitar a evolução e a progressão dos
conhecimentos profissionais dos professores, a partir dos estudos e da leitura
com os bolsistas e com o professor formador, ampliando tanto em suas bases
teóricas quanto em suas consequências práticas, “numa formação contínua e
continuada” (TARDIF, 2000, p. 7). Atualmente é comum pensar os proces-
sos de formação continuada numa “perspectiva mercadológica, enaltecendo
84

modelos, na medida em que pressupõe o professor como executor, respon-


sável pelo preparo de alunos para o mercado de trabalho” (MAGALHÃES;
AZEVEDO, 2015, p. 17). Assim,

Os programas de formação continuada frequentemente consistem de


uma série de atividades pedagógicas prontas, na esperança de que os
professores sejam capazes de reproduzi-las em sala de aula. No en-
tanto, essas propostas parecem desconsiderar os contextos específicos
do ambiente macro e micro escolar em que atuam os professores par-
ticipantes e, por isso, não chegam a ser incorporadas como um saber
ativo. (BARCELOS, VILLANI, 2006, p. 74).

Do contrário, a formação continuada deve ser compreendida como


componente essencial da profissionalização, inspirada nos diferentes sabe-
res e na experiência docente, integrando-a aos projetos político pedagógicos
e ao cotidiano das escolas, em uma perspectiva colaborativa. Dessa forma,
possibilita-se a construção de comunidades de aprendizagens, onde profes-
sores da educação básica, alunos dos cursos de licenciatura e professores
formadores aprendem uns com os outros, invertendo a ideia de que os conhe-
cimentos são específicos e oriundos da educação superior, como fora discuti-
do anteriormente sobre os cursos de extensão. Assim, a formação continuada
é um processo contínuo que envolve o acompanhamento das pesquisas e
das produções teóricas a respeito dos processos de ensino e aprendizagem,
assim como das inovações relacionadas à área específica. Envolve também
a participação em eventos acadêmicos e científicos, a realização de novos
cursos, a busca e o (re)conhecimento de práticas pedagógicas inovadoras,
complementando os procedimentos da formação inicial dos professores.

Considerações finais

O Pibid, tem contribuído significativamente para a formação dos futu-


ros professores, tendo em vista seus objetivos, a saber: incentivo à docência,
valorização do magistério, participação em experiências metodológicas de
caráter inovador, integração IES-escola e articulação teoria e prática. Além
disso, o programa passou a considerar a escola como lócus de formação dos
bolsistas, consequentemente, o professor da educação básica, que atua como
supervisor, passa a ser um coformador dos futuros professores. Os licencian-
dos que atuam como bolsistas no Pibid, percebem que o fato de estar na es-
cola, de estar explicando os conteúdos e verificando a aprendizagem, ou não,
dos alunos, faz com que se sintam importantes, valorizados. Assim, eles têm
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 85

a oportunidade de desenvolver os conhecimentos necessários para se ensinar


e principalmente sobre a aprendizagem dos alunos.
Dessa forma, verifica-
-se que a articulação entre a educação básica e o ensino superior é essencial,
seja através do Pibid, do estágio, dos cursos de extensão ou de formação
continuada. É evidente que ambas as instâncias podem ter benefícios dessa
parceria. Entretanto, parece um consenso compreender esse impacto como
uma via de mão única, onde a principal beneficiada é a educação básica. Do
contrário, a partir do contato direto com a realidade da escola, com as dificul-
dades dos alunos e com a experiência cotidiana dos professores, os cursos de
formação inicial docente seriam os maiores contemplados, caso utilizassem
dessas vivências para sua reformulação. Possibilitando assim, o retorno às
escolas de professores mais críticos e engajados na realidade escolar.
Essencial ainda que a escola seja valorizada como lócus de formação
inicial e continuada dos professores. Valorizando também os professores que
estão em serviço como coformadores dos futuros professores. Assim como
o estabelecimento da parceria entre formadores, professores da educação
básica e alunos dos cursos de licenciatura através da produção conjunta de
conhecimentos profissionais, escolares e pedagógicos, beneficiando todos os
sujeitos destas instituições.
86

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OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
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TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO:
articulando aprendizagens pela experiência

Wagner Bandeira
Cleomar Rocha

Introdução

A apropriação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)


pela educação já começa a atingir certa maturidade que pode ser observada
tanto pela expansão das discussões e pesquisas que envolvem o tema, quanto
pela profusão de soluções tecnológicas inovadoras e projetos educacionais
que as elegem como recursos em suas práticas. No entanto, tal fenômeno
não acontece sem ainda se verificarem lacunas relacionadas à compreensão
das potencialidades e das transformações que tais tecnologias imprimem na
dinâmica ensino-aprendizagem. Algumas dessas lacunas podem ser vistas
como resultantes de uma leitura objetivista do mundo, que percebe os recur-
sos tecnológicos ainda como instrumentos e não aparelhos, no sentido em
que Flusser (1985) propõe a diferença:

A categoria fundamental do terreno industrial (e também do pré-in-


dustrial) é o trabalho. Instrumentos trabalham. Arrancam objetos da
natureza e os informam. Aparelhos não trabalham. Sua intenção não
é a de “modificar o mundo”. Visam modificar a vida dos homens. De
maneira que aparelhos não são instrumentos no significado tradicional
do termo (FLUSSER, 1985, p. 14).

O resultado é a configuração e uso de produtos tecnológicos tomados


a partir de processos dedutivos que partem do modelo universal da sala de
aula e suas tecnologias analógicas, ainda orientadas para o ensino tradicio-
nal, pautado na transmissão massiva de conhecimento e total passividade
do aluno. Os ambientes virtuais de aprendizagem, em suas variadas confi-
gurações e definições, são o mais evidente exemplo dessa visão estreita do
uso das tecnologias. Elaborados a partir da ideia de “salas de aula virtuais”,
elas acabam, na maioria das vezes, por se configurarem como repositórios
90

de conteúdos e de discussões superficiais em fóruns que mal tangenciam os


temas propostos.
Se tal perfil traz prejuízos à aprendizagem naquilo que há muito susten-
tam importantes teóricos da educação, ele também ajuda a cimentar muros
cujos tijolos são moldados pela tecnofobia que apavora diversos educadores
migrantes nesse novo cenário. A consequência disso é a profusão de críticas
e reflexões direcionadas às fragilidades das tecnologias enquanto instrumen-
tos para a educação (SANTOS et al., 2015; SILVA, 2016).
Sob uma abordagem fenomenológica, a presente discussão oferece uma
outra consideração acerca das tecnologias na educação, ultrapassando as di-
cotomias usuais de sujeito/objeto, corpo/mente e outras que nunca puderam
se sustentar como real/virtual ou puros/híbridos. Tal percurso elege a ex-
periência do usuário como o foco para caracterizar os processos de ensino-
-aprendizagem no contexto das tecnologias de informação e comunicação.
Apresentado como um novo paradigma para a aprendizagem me-
diada pelas tecnologias, o modelo H1, implementado em um curso de
Especialização na modalidade à distância, conseguiu demonstrar como as
tecnologias podem integrar processos educacionais sem ocuparem o lugar
do aluno como centro das atividades, deixando o espaço para as experiências
que potencializam a aprendizagem.
A implementação do modelo se deu no curso de especialização em
Inovação em Mídias Interativas (In.Midias), modalidade EaD, realizado
pelo Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento em Mídias Interativas e in-
tegrante dos projetos de formação da Universidade Aberta do Brasil (UAB),
sob coordenação dos professores Cleomar Rocha e Wagner Bandeira com
o apoio do Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR-UFG). Por
meio da apresentação do projeto e os percursos do In.Midias pode-se verifi-
car os percalços e sucessos do modelo e apontar para novos desdobramentos.
O presente artigo é parte da tese de doutorado em Arte e Cultura Visual
do Programa de Pós-graduação de mesmo nome da Faculdade de Artes
Visuais (PPGACV-UFG) desenvolvido pelo prof. Ms. Wagner Bandeira sob
a orientação do prof. Dr. Cleomar Rocha, apoio do Media Lab / UFG e da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG).

1 O conceito H (AGA – Ambiente de Gestão de Aprendizagem) é uma abordagem da Internet como grande espaço para o
aprendizado e se opõe ao AVA, enquanto espaço particular da aprendizagem. O conceito surgiu em 2009, de autoria de
Cleomar Rocha.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 91

O Moodle e o canivete suíço

O Moodle, o mais popular dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA)


no Brasil2, caracteriza-se por ser um software em que se realizam interações
entre alunos, professores e administradores, através de ferramentas de comuni-
cação e informação síncronas e assíncronas. Sua proposta inicial é a de ser uma
sala de aula virtual (BRITAIN; LIBER, 1999), em que alunos e professores se
encontram e trocam conteúdos e experiências na busca pela aprendizagem.
O Moodle permite ao administrador do ambiente (coordenador, profes-
sor do curso ou suporte tecnológico) configurá-lo de modo quase completo,
caracterizando-o como um ambiente aberto. Esse ajuste na apresentação e
organização dos recursos é facilitada por funções de edição relativamente
simples que podem ser manipulados por usuários sem conhecimentos de lin-
guagens de programação.
A interface oferece basicamente recursos educacionais caracterizados
por ferramentas de comunicação e repositórios de documentos que refletem
o conteúdo do curso. As ferramentas de comunicação podem ser agrupa-
das de acordo com sua relação temporal de acesso, podendo ser síncronas,
em que os usuários interagem ao mesmo tempo na interface, ou assíncro-
nas, quando estes acessam as comunicações em momentos distintos. Como
exemplo de ferramentas síncronas tem-se as salas de bate-papo (ou chats),
as mensagens instantâneas (instant messengers) e as webconferências. As
ferramentas assíncronas são principalmente exemplificadas pelos fóruns e
também as mensagens instantâneas, uma vez que estas podem preservar as
comunicações para acessos posteriores.
Os recursos de conteúdo nativos da plataforma têm como objetivo per-
mitir não somente o compartilhamento de conteúdos, mas também sua pro-
dução e atividades de avaliação. Assim, encontram-se os wikis (documentos
colaborativos), galerias (espaços para compartilhamento de imagens e ví-
deos), recipientes de textos (em formatos variados como PDF, DOC outros
formatos de texto) e recursos de perguntas e respostas para avaliação. A pla-
taforma ainda permite a integração com produtos de origem externa, como
alguns games, ferramentas de atividades e outros objetos de aprendizagem,
por meio de empacotamentos que permitem seu acesso “dentro” do Moodle.
De modo geral, a organização desses elementos surge a partir da re-
produção do modelo de sala de aula tradicional, em que o professor prepara
antecipadamente o conteúdo, disponibiliza aos alunos segundo uma sequ-
ência de complexidade e sugere uma avaliação quantitativa, de preferência

2 Segundo censo da ABED (2014).


92

com questões objetivas para facilitar a correção. Não é muito difícil perce-
ber, neste sentido, o uso do Moodle como um ambiente de aprendizagem
direcionado à autoinstrucionalidade, – ainda que seja possível seu revés –,
cujo papel do professor é praticamente restrito à preparação do conteúdo e
eventuais consultas durante o curso, não muito diferente do que é praticado
em algumas instituições de ensino superior em nosso país, adeptos ao uso
de “apostilas” e rígido controle pedagógico/econômico dos professores por
parte das instituições, como atesta Silva (2015):

Uma parcela considerável de profissionais, em muitos casos orien-


tados por suas próprias instituições, passou a utilizar essas tecnolo-
gias para reproduzir no ciberespaço as mesmas estratégias de criação
de conteúdos e ensino que utilizavam nas salas de aula tradicionais
(SILVA, 2015, p. 77).

Tal visão do uso da plataforma permite uma comparação sua com um


canivete suíço. Criada em 1897, pelo suíço Karl Elsener, a ferramenta se
tornou ícone mundial de praticidade. O encantamento em torno dessa ferra-
menta se dá pela capacidade de organizar uma série de funções em um objeto
relativamente simples. Além de oferecer a função principal de canivete com
grande qualidade, também pode ter a função de chave de fendas, abridor de
latas, saca-rolhas e pode ainda conter um palito de dentes reutilizável3. Sua
consagrada solução de design que permite que todas essas funções estejam
integradas em um produto facilmente manuseável, portátil, confiante e de
forma tão elegante impressiona até nos dias atuais. Simbolicamente, o pro-
duto representa força, sofisticação e sobrevivência. Quanto ao uso, sua faca
pode cortar alimentos, realmente abre parafusos e latas e até mesmo serve
para palitar os dentes muito bem, em situações de urgência.
O que se discute, no entanto, é que, do ponto de vista do uso das tecno-
logias na educação, não estamos diante de uma situação urgente em que, ou
se concentra os recursos tecnológicos em uma única plataforma ou o acesso
às tecnologias estão restritas. Em um almoço de família, é bastante compli-
cado cortar os alimentos com um canivete que suja as mãos, abrir garrafas
com um produto que evidencia o improviso e muito menos compartilhar o
palito de dentes reutilizável. Neste momento, precisa-se de uma faca, de um
abridor específico e de um conjunto de palitos descartáveis. E tal escolha não
se dá somente pela eficácia das ferramentas, que também é alcançada pelo
canivete, mas por toda a experiência envolvida no seu uso.

3 Alguns modelos podem atingir até 115 funções em um único equipamento (FOXNEWS, 2007).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 93

O Moodle pode ser, de fato, uma excelente ferramenta que contém


os mais variados tipos de recursos potencializadores da aprendizagem.
Entretanto, falta a ele o contexto em que a aprendizagem significativa ocorre,
a saber, nas conexões e articulações com o mundo. Ao isolar a experiência
em uma plataforma, a possibilidade de enredar-se pela conexões hiperlin-
cadas da Internet se perde e, com elas, a grande possibilidade de extrapolar
os limites deste mesmo ambiente que, por si, não encerra os horizontes pos-
síveis que a Internet como um todo torna acessível. Sendo assim, por mais
que um educador, imbuído das mais nobres intenções de aplicar as teorias da
aprendizagem contextualizadas na integração social, não pode fazê-lo tendo
em mãos uma ferramenta pensada como um grande recipiente de conteúdos,
cuja chave está guardada no gabinete do professor.
A despeito de todas as afirmações que o software apresenta em torno
de sua proposta educacional, o evidente direcionamento em torno de suas
funcionalidades é vista nas discussões que concentram sua importância pe-
los recursos tecnológicos que oferecem. Isso acarreta, inclusive, em críticas
acerca da sua implementação na medida em que exige uma formação espe-
cífica por parte dos seus usuários (professores e alunos):

Sob esse prisma, o computador entra como ferramenta educacional


importante, possibilitando a professores e a alunos desempenharem
papéis diferentes dos normalmente exercidos em sala de aula presen-
cial. Ou sejam propicia diferente oportunidades de participação cole-
tiva, de interatividade e de produção de saberes. Para tanto, faz-se ne-
cessário que o educador esteja preparado para mediar esse processo
e esteja familiarizado com a informática e com a utilização de ferra-
mentas de comunicação, a fim de poder orientar melhor o intercâmbio
dos alunos com a pesquisa (GILBERTO, 2009, p. 10, grifo nosso).

No âmbito da Universidade Federal de Goiás, isso se percebe pela ofer-


ta de cursos de formação em Moodle ao corpo docente de todos os cursos
na modalidade a distância que iniciam suas ofertas pela primeira vez. Neste
caso, ao contrário do canivete suíço cuja aprendizagem é muito simples, o
Moodle exige toda uma preparação para que seus recursos possam ser ade-
quadamente utilizados. Entretanto, com tantos recursos disponíveis do cibe-
respaço, não faz sentido procurar um canivete suíço digital que tenta fazer
tudo, mas acaba respondendo parcialmente e em situações muito específicas.
Não se pretende, com essa leitura, apagar todos os sucessos já obtidos
por essa plataforma, nem tampouco sugerir que ela seja abandonada, não
somente porque não se pode ignorar sua assimilação cultural pelos gestores
do uso das tecnologias na educação, mas porque ela, como o canivete suíço,
94

demonstra suas vantagens em situações específicas, o que justifica seu su-


cesso. Neste interim, pensar o processo de aprendizagem como base de uma
experiência singular deve prever a superação de modelos que se refugiam
em um único ambiente ou recorte midiático, assumindo a pluralidade como
marca do próprio aprendizado, principalmente na utilização de uma mídia
pós-massiva como é a Internet. Mais ainda, as teorias educacionais contem-
porâneas não comportam mais uma aprendizagem individualizada, descon-
textualizada do meio em que o usuário está inserido. Somos sujeitos sociais
e nosso modo de aprender deve refletir isso.

O Modelo H entre a experiência e a aprendizagem

O curso de especialização em Inovação em Mídias Interativas nasceu


já como uma proposta inovadora em seu projeto pedagógico, uma vez que
tivera como meta a formação de profissionais capacitados para a pesquisa,
análise e desenvolvimento de projetos inovadores no campo das mídias inte-
rativas. Seus objetivos são os de: capacitar profissionais para atuarem, com
visão crítica, diante das influências socioculturais e econômicas, no desen-
volvimento de produtos e processos inovadores; ampliar a compreensão so-
bre a relação estabelecida entre cultura, inovação e mídias interativas; refle-
tir sobre a cultura da inovação e seus mecanismos de produção; Desenvolver
uma visão crítica sobre os processos produtivos, consumo e práticas sociais
no desenvolvimento de processos e produtos em mídias interativas. Tais am-
bições não poderiam ser concretizadas senão por meio de uma prática edu-
cacional que já não fosse inovadora em seu programa.
Como parte do programa Universidade Aberta (UAB) do Governo
Federal, o curso foi oferecido gratuitamente e distribuído em sete polos de
EaD do Estado de Goiás: Alto Paraíso, Anápolis, Cezarina, Cidade de Goiás,
Inhumas, Posse e Uruaçu. Foram oferecidas 30 vagas por polo, sendo 50%
reservadas a docentes das redes municipais e estadual de ensino. Com carga-
-horária total de 360 horas, o curso teve início em agosto de 2014 e encerrou
suas atividades em março de 2016.
Mesmo em se tratando de um curso a distância, por ser uma pós-gradu-
ação regulamentada pelo Ministério da Educação, o curso realizou encontros
presenciais, nos quais aconteceram diversas atividades, desde apresentações
de projetos dos alunos para avaliação, passando por palestras (presenciais
e a distância com palestrantes de outras regiões do país) e workshops.
Apesar destes componentes presenciais, em função de suas cargas horárias,
o curso está caracterizado como “totalmente a distância” (EaD) e não como
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 95

semipresencial (b-learning ou híbrido), segundo a categorização apresenta-


da pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)4.
O modelo H surge como uma resposta ao anseio pela descentralização dos
ambientes virtuais de aprendizagem. A letra tem duas conotações, sendo a pri-
meira a representação do acrônimo para “Ambiente de Gestão de Aprendizagem”
(AGA) e a segunda para ilustrar a ideia de um módulo que se integra com os de-
mais, caracterizando-se como uma rede sem um centro (Figura 1).

Figura 1 – Imagem que representa a estrutura do modelo


H. A letra em vermelho não caracteriza uma centralidade,
seu destaque é meramente ilustrativo do módulo

Fonte: ROCHA, 2011.

A proposta do modelo H é que o usuário não se estabeleça em um único


ponto na rede, mas que consiga navegar em todo o oceano informacional e
comunicacional da Internet. A ideia do H é que este funcione como:

[...] um porto de onde partem e aonde chegam navios desbravado-


res, indo e vindo do mar de informações, de grandes navegações que
respondem por grandes descobertas. Neste porto os navios recebem
mapas, rotas e missões, devendo retornar ali ao fim de cada etapa,
mantendo a comunicação com a frequência necessária para o acompa-
nhamento da viagem (ROCHA, 2011, p. 184).

Desse modo, enquanto os AVAs representam salas de aula onde acon-


tecem os encontros entre professores e alunos em torno dos recursos com-
putacionais ali concentrados, o modelo H indica caminhos de busca para

4 A Abed (2015, p. 18) estabelece três categorias de cursos na modalidade à distância: os cursos “totalmente a distância”, que
possuem mais de 70% do conteúdo oferecido a distância; os cursos “semipresenciais, híbridos ou blended”, que variam entre
30% a 70% de conteúdo a distância; e os cursos “presenciais com disciplinas realizadas a distância”, que possuem até 20% do
seu conteúdo oferecido a distância.
96

fora do centro, onde toda a rede de informações é o espaço possível para as


aprendizagens. A ênfase não está mais nas funcionalidades, pois estas estão
distribuídas nos vários aplicativos, ambientes, softwares, sites e todos os
demais componentes do ciberespaço.
Se no AVA os usuários devem aprender a usar as ferramentas que o am-
biente oferece, no modelo H as ferramentas são (des)construídas, descober-
tas, desenvolvidas em função do que cada participante considera necessário
para a sua aprendizagem. Desse modo, não há uma preparação anterior do
usuário para o domínio do espaço, pois ele usará o ambiente a partir de seus
conhecimentos prévios e das aprendizagens construídas ao longo do percur-
so. O professor não define o percurso a ser trilhado pelos alunos, mas propõe
indicações que os alunos seguirão a partir de suas próprias descobertas, des-
bravando novos recursos e novos modos de usar recursos conhecidos.
Falar em uma articulação da aprendizagem pela experiência é propor,
portanto, um deslocamento de uma percepção dualista sobre as tecnologias
(no que tange à separação sujeito/objeto) que se orienta pela assimilação de
um mundo pensado/dado onde a participação do aluno se dá de forma passi-
va na constituição do conhecimento. A partir de uma visada fenomenológica
passa-se a observar a experiência como determinante da aprendizagem, ten-
do-se os recursos tecnológicos como constituintes do mesmo mundo vivido
e não meros receptáculos de informações prontos as despejar conteúdo a
quem souber desvendar seus segredos.
As experiências se constituem, assim, por toda a trajetória do aluno na
construção de seu conhecimento e não pela coleta de conteúdos preestrutura-
dos. Ao encontrar um colega em um aplicativo de comunicação instantânea,
o aluno discute sobre o problema lançado no módulo do curso. Em seguida
ambos, montam um blog em que passam a compartilhar informações reco-
lhidas e iniciam um documento colaborativo para a construção de um tex-
to. A partir daí, elaboram uma apresentação em vídeo, disponibilizado em
rede aberta, onde comentários de terceiros, que não participam do curso,
acrescentam outras informações que comporão o conteúdo final, que será um
jogo, construído com ferramentas simples on-line que demonstra o melhor
caminho para a solução. Enquanto isso, outro grupo criou um aplicativo para
responder ao mesmo problema. No final, o que menos importou foram os
recursos utilizados, mas todas as trocas, tropeços, descobertas e caminhos
percorridos que constituíram a experiência que caracterizou a aprendizagem.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 97

In.Mídias

Para que a implementação do modelo H seja coerente, faz-se neces-


sária uma estratégia pedagógica que permita tal autonomia do aluno. Para
isso, o In.Midias adotou o método Problem Based Learning (PBL) ou
Aprendizagem Baseada em Problemas. Integrante das práticas de metodolo-
gia ativa, o PBL situa o aluno no centro do processo ensino-aprendizagem, a
partir do lançamento de um problema em que o professor atua como um mo-
tivador e orientador na busca das possíveis soluções. O processo tomou por
base a proposta de encaminhamento do PBL conforme descrito por Wood
(2003) e Oliveira (2009), que sugere a divisão do processo em quatro etapas:
1. Quanto à organização do curso, o PBL, na medida em que orienta
suas atividades pedagógicas em torno de um problema, foi estruturado em
módulos que contextualizam temas relacionados aos estudos de inovação em
mídias interativas. Os problemas foram lançados a partir dos temas de cada
módulo, na forma de textos que descreviam situações que apresentavam
as variáveis com as quais o aluno iria iniciar seu processo de investigação,
construção de hipóteses e desenvolvimento de projetos que responderiam
aos problemas;
2. O processo de acompanhamento, uma vez levantada a situação pro-
blema, era feito de forma mais próxima pelos tutores a distância, que provo-
cavam as atividades por parte dos grupos tutoriais de alunos e atuavam como
um ponto de apoio para o desenvolvimento do projeto, enquanto os profes-
sores mantinham um papel mais distante, uma vez que tinham uma visão
mais panorâmica dos grupos, reservando-se para questões relacionadas aos
conteúdos e orientações gerais, como organização de etapas, reuniões com
os tutores e acompanhamento dos processos de avaliação;
3. O desenvolvimento do projeto, como um desdobramento da solução
do problema se iniciava com a designação das funções de cada membro
dos grupos tutorais – coordenador, secretário – para, a partir de então, ini-
ciar a leitura dos problemas e definição de objetivos. Após todo o processo
que segue a estrutura do método, conforme apresentado por Wood (2003) e
Oliveira (2009), cada grupo tutorial finalizava o módulo com a apresentação
de um projeto em mídias interativas ou um conjunto de atividades experi-
mentais (o que era definido pelo professor em função das características do
módulo) a ser apresentado seja em encontros presenciais ou por meio das
mídias que compunham o processo de acompanhamento do curso;
4. A avaliação compunha um capítulo à parte no processo, uma vez que
apresenta algumas peculiaridades inerentes à modalidade de ensino. Para
Oliveira (2009) a avaliação pode ser feita de quatro modos diferentes, não
98

excludentes entre si: a avaliação modular, avaliação progressiva, avaliação


de habilidades e avaliação informal.
A distribuição dos módulos do curso se dá em 10 momentos, divididos
em dois grupos principais alternados: os módulos de projeto e os módulos
de atividades integradoras, conforme mostra tabela 1. Cada módulo do cur-
so se inicia com a apresentação do problema e do cenário elaborado pelo
professor. Não existe uma pergunta pronta, uma vez que esta deve ser feita
pelos alunos a partir das palavras-chave que identificam como constituintes
do problema.
Os alunos organizam-se em grupos, nos quais são designadas as fun-
ções específicas de coordenador e secretário. O primeiro é responsável pela
organização do grupo, fazendo os contatos com os tutores e dinamizando os
participantes, enquanto o segundo é responsável pela organização dos mate-
riais, cronogramas e sintetização das documentações. A partir daí os grupos
elaboram o objetivo do módulo, que é comparado com o objetivo traçado
pelo professor de modo a não caracterizar um desvio da proposta de apren-
dizagem. Neste momento, já se iniciam as discussões acerca das tecnologias
a serem utilizadas, primeiramente para os contatos iniciais onde acontecem
as discussões sobre objetivos.

Tabela 1 – Distribuição de Módulos e Carga-horária, In.Mídias


CH
Módulo
T P TOTAL
Atividade integradora - Pesquisa 20 10 30
Projeto Game 20 20 40
Atividade integradora - Desenvolvimento 10 20 30
Projeto Web 20 20 40
Atividade integradora - Inovação 20 10 30
Projeto Sensores 20 20 40
Atividade integradora - Tendências:
20 10 30
mercado e educação
Projeto Gadget 20 20 40
Atividade integradora - Educação 10 20 30
Projeto orientado - Perspectivas 20 30 50

Fonte: Projeto do Pedagógico do curso In.Mídias.

As demais etapas do trabalho percorrem por caminhos de certo modo


a serem desbravados pelos alunos, ainda que se preveja a maior parte deles,
em função mesmo dos objetivos do módulo. O papel dos tutores passa a
ser menos de condutores e mais de norteadores e incentivadores, que orien-
tam para que os alunos não se percam no oceano de possibilidades e nem
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 99

se desanimem frente ao grande trabalho que é a construção do percurso.


Algumas vezes, esses tutores indicam possibilidades, como recursos tecno-
lógicos que apresentam possibilidades de uso em determinados contextos,
mas na maioria das vezes, tais descobertas são feitas pelos próprios alu-
nos. Assim, em um dos módulos, um grupo de alunos resolveu mapear os
elementos discutidos no Instagram, um conhecido aplicativo normalmente
usado como micro fotolog5, de onde os registros visuais serviriam para a ela-
boração de uma discussão acerca do tema. Em outro caso, um grupo montou
um fórum com um programa de criação de mapas mentais, onde os alunos
lançavam ideias, relacionando-as de modo a alcançarem a proposta de de-
senvolvimento do produto.
Nos módulos de projeto, os alunos são motivados a desenvolverem uma
solução na forma de um produto inovador de acordo com o tema do módulo.
É importante destacar que não há necessariamente um domínio prévio de
tecnologias específicas por parte dos participantes dos grupos. Tais apren-
dizagens se dão durante as próprias etapas de desenvolvimento do projeto,
no melhor modo deweyano de “aprender fazendo”. Uma vez que se adote
o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), proposto por L.
Vygotsky (como parâmetro para os encaminhamentos dos módulos), cabe
aos tutores motivar o trabalho colaborativo, de modo que possam haver tro-
cas de experiências e os alunos poderem alcançar conhecimentos que vão
além dos que já trazem a priori. A riqueza das soluções se observa em pro-
jetos que, de início, estariam muito distantes das realidades dos alunos, mas
que ao final de cada módulo apresentavam consideráveis aspectos inovado-
res com satisfatório detalhamento técnico, resultante de um trabalho bem-
-sucedido pelo grupo.
Nesta concepção a avaliação se desdobra em quatro, a saber a modu-
lar, a progressiva, a de habilidades e a informal. As avaliações modulares
são feitas pelos tutores por meio de relatórios e memoriais entregues pelos
alunos, descrevendo os projetos ou as discussões dos módulos integradores.
As avaliações progressivas são definidas a partir do acompanhamento dos
alunos pelo tutores, adotando-se critérios como participação nas reuniões,
integração com as equipes e produção de conteúdo. As avaliações de habili-
dades, uma vez que no contexto da ZDP, não visa observar os conhecimentos
já trazidos pelo aluno, mas seu desenvolvimento dentro dos módulos. Alunos
que trazem mais competências anteriores, em determinados contextos não
possuem uma evolução muito significativa e, consequentemente essa ava-
liação não compõe o maior peso. Mas o equilíbrio é encontrado nos demais
5 Originalmente se trata de um site onde os usuários montavam diários com fotografias pessoais. Atualmente ele foi desa-
tivado, mas seu nome passou a ser usado de forma genérica por sites e aplicativos que mantém funções análogas.
100

tipos de avaliação, inclusive a informal que observa a pré-disposição do alu-


no em ajudar os colegas, sua participação e contribuição nas atividades.
As avaliações informais acontecem em sistema de fluxo contínuo no
curso, inclusive nos encontros presenciais. O resultado dessas avaliações são
determinantes não somente nas notas em si, mas na condução para as ativi-
dades de repercurso e repescagem, que constituem outras oportunidades para
o aluno alcançar as habilidades e competências previstas para o módulo e,
consequentemente, a média para sua aprovação.

Considerações finais

O curso In.Midias, ao adotar o modelo H para a condução do uso das


tecnologias de informação e comunicação apresentou uma séries de desafios
e conquistas, mas ao mesmo tempo preocupações e reflexões. As conquistas
puderam ser observadas nos percursos dos alunos para o desenvolvimento
das atividades. A cada módulo surgiam novas sugestões para o uso dos re-
cursos tecnológicos, desde a descoberta de novas tecnologias ao uso criativo
das já conhecidas. Embora houvesse algum desconforto inicial por parte de
alguns alunos em função de uma não preparação anterior para as tecnolo-
gias, em pouco tempo eles descobriram que poderiam usar as que já tinham
domínio de alguma forma e que a aprendizagem de outras não demandaria
um esforço tão grande.
De fato, nessa perspectiva do modelo H, não existe um “treinamento”
para o uso das tecnologias digitais pois, ao não serem encaradas como fer-
ramentas específicas para determinados fins, a aprendizagem se dava em
função das necessidades que surgiam. E, no contexto dos alunos para o qual
o curso foi direcionado, não havia possibilidade de usuários que não tives-
sem nenhum contato anterior com algum tipo de tecnologia digital, por mais
simples que fosse.
O maior desafio surgiu com um certo desnorteamento inicial, uma vez
que os alunos trazem uma bagagem cultural de um ensino voltado para a co-
leta de informações oferecidas pelo professor e seus materiais didáticos, ela-
borados com perguntas objetivas e respostas precisas. A ideia de que os obje-
tivos de cada módulo seriam traçados pelos próprios alunos e que o percurso
de aprendizagem seriam elaborado pelos mesmos gerou certa desconfiança
quanto à organização do curso, uma vez que ainda se entende por organiza-
ção o total controle das variáveis que interagem no processo educacional.
Algumas preocupações surgiram no sentido de evitar um retorno ao am-
biente centralizado dos AVAs. Isso começou a surgir quando alguns grupos
elegeram determinados espaços como zonas de conforto para a concentração
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 101

das atividades, como o uso dos grupos no Facebook. Aos poucos, percebeu-
-se que o uso estava ficando constante e que as interações começavam a se
ajustar ao que a rede social oferecia e não o contrário. Coube aos tutores o
trabalho de alertar para esse perigo, mas o que não deixou de evidenciar a
necessidade dos alunos de voltarem ao antigo modelo. Do mesmo modo, a
própria estrutura do curso, já em seus encaminhamentos finais, passou a so-
lidificar-se na própria estrutura. As práticas de buscar palavras-chave, definir
objetivos, determinar papéis, dentre outras começaram a se tornar mecânicas
e não mais definidas a partir das particularidades de cada módulo. Deve-se a
isso a inexperiência do curso e de seus gestores que não puderam antecipar
todas essas circunstâncias.
As mais importantes reflexões se deram no âmbito da necessidade de
um recurso que facilitasse a organização do uso dos recursos de modo a
otimizar as experiências dos alunos. Ao elegerem o Facebook como zona
de conforto, os alunos mostraram que precisam de um ponto de partida co-
nhecido, de onde os demais trajetos pudessem ser tomados. A repetição de
alguns outros recursos e o desconhecimento de outros também mostrou a
necessidade de a própria rede apresentar-se com suas potencialidades, prin-
cipalmente quando os grupos apresentam certa homogeneidade nos seus re-
pertórios tecnológicos.
Há de se ressaltar que o curso abandona a ideia de mídia como foco do
aprendizado, devolvendo a esta o papel de meio pelo qual o aprendizado é
acessado e construído. Ao fazê-lo, o curso não adota a mídia instrumental
como conteúdo, antes ela promove uma experiência ampliada de converter
várias ferramentas disponíveis na Internet, inclusive para smartphones, em
campos férteis para o plantio do conhecimento e para percursos de aprendi-
zagem significativa. Em última instância, descontrói-se o muro para que, na
perspectiva de possíveis surja, pujante, o horizonte da aprendizagem.
102

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Brasil 2013. Curitiba: Ibpex, 2014.

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OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
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2003; 326 (7384), p. 328-330.
A COMPLEXIFICAÇÃO DE
QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS
E O ENSINO DE CIÊNCIAS:
pressupostos teóricos de Edgar Morin

Karolina Martins Almeida e Silva

Introdução

Como professora das disciplinas de Didática e Metodologia do Ensino


de Biologia e, portanto, formadora de professores de ciências, tenho-me de-
dicado, nos últimos anos, a investigar, discutir e propor abordagens de con-
teúdos de ciências e biologia alicerçados nos pressupostos epistêmicos da
Educação Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) com vistas à formação cida-
dã. Deste modo, os questionamentos que consubstanciaram a problemática
de pesquisa que serão apresentados nas descrições desse artigo foram deline-
ados a partir das tramas tecidas em meio às minhas experiências formativas
e profissionais, bem como ao aprofundamento teórico acerca dos “princípios
orgânicos do pensamento complexo”1 cunhados por Edgar Morin.
Nesse movimento reflexivo, as discussões acerca da Educação CTS
e das controvérsias sociocientíficas, também conhecidas como Questões
Sociocientíficas (QSC) e, que por sua vez são recorrentes nos conteúdos
biológicos, fizeram-me reconhecê-las como importantes mediadoras para a
formação cidadã dos estudantes como também essenciais no processo for-
mativo ético e sociopolítico de futuros professores. Tais reflexões balizaram
a elaboração/construção/defesa de minha tese de doutoramento2.
Isto porque as QSC são caracterizadas como controversas centradas
nos impactos sociais advindos das inovações da ciência e tecnologia e se
relacionam com problemas sociais de ordem local e global não sendo porta-
doras de conclusões simples. Além disso, são reconhecidas pela facilidade
1 Morin e Moigne (2000) e Morin (2012) apresentam sete princípios estruturantes para o pensamento complexo, os quais
também identificam como operadores. Os princípios orgânicos operam como instrumentos facilitadores para a compreensão
de fenômenos e, sobretudo, para a integração entre o sujeito e o conhecimento. São eles: a) sistêmico/organizacional; b) ho-
logramático; c) circuito retroativo e circuito recursivo; d) autoeco-organização; e) dialógico e f) reintrodução do conhecimento.
2 Tese intitulada "Questões Sociocientíficas e o Pensamento Complexo: tecituras para o ensino de ciências", defendida em
Abril de 2016, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília.
106

com que chegam à população através dos meios de comunicação (exemplos:


aquecimento global, transgênicos, energias alternativas, clonagem, armas
nucleares e biológicas, manipulação gênica, experimentação em animais, cé-
lulas-tronco, fertilização in vitro etc.), abrangem aspectos multidisciplinares
carregados de valores (éticos, estéticos, ecológicos, morais, educacionais,
culturais e religiosos) e afetados pela insuficiência de conhecimentos (ver,
por exemplo, RATCLIFFE; GRACE, 2003; SADLER; ZEIDLER, 2004;
REIS, 2004).
É evidente na literatura o interesse de investigadores e educadores em
atividades de ensino acerca das interfaces CTS e QSC, no qual resultou nos
últimos anos, em um aumento considerável de pesquisas e propostas curri-
culares voltadas para as salas de aula de ciências. Essa situação investigativa
despertou meu interesse em delinear a caracterização epistêmica das QSC
em relação ao enfoque CTS, visto que todos os aspectos conceituais eviden-
ciados em pesquisas e atividades de ensino sobre QSC também são abarca-
dos pelos pressupostos teóricos da Educação CTS.
Deste modo, ao analisar resultados de pesquisas sobre QSC realizadas
nos últimos vinte anos, descritas em artigos, teses e dissertações, nas áreas de
Educação e Ensino de Ciências, observei que, em geral, as QSC vêm sendo
consideradas como atividades-meio/metodologias de ensino propulsoras à for-
mação de cidadãos que saibam opinar criticamente, argumentar e tomar decisões
acerca de questões controversas que envolvam a ciência e a tecnologia. No en-
tanto o que se observa com bastante frequência nas proposições desses trabalhos
é a expressão evidente de crenças e valores oriundos de diferentes fontes quando
das discussões dessas controvérsias em atividade de ensino.
Portanto, se as QSC não são compreendidas simplesmente pelo conhe-
cimento técnico (científico) justamente por sua natureza controversa; envol-
vem conhecimentos de ordem multidisciplinar; são carregadas de valores;
exigem posicionamentos e, portanto, são potencialmente propulsoras para
participação sociopolítica, entendemos que é preciso ressignificá-las para
além de sua objetividade metodológica, visando uma compreensão de ciên-
cia/conhecimento e de ensino contextualizada, buscando situá-las no meio
ambiente -cultural, social, econômico e político.
Na perspectiva da complexidade as QSC poderão ser caracterizadas
como estratégias de ensino em virtude de sua natureza epistêmica e de suas
competências formativas, sendo então, um caminho para ressignificar e su-
perar a compreensão limitada do seu caráter essencialmente prático. Essa ca-
racterização torna-se um grande desafio para a práxis docente, visto que, as
discussões sobre QSC, por meio de sua análise epistêmica nos indica conhe-
cimentos e valores que deverão ser localizados em sua multireferencialidade
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 107

e, por outro lado, suas competências formativas nos indicam a possibilidade


de uma formação antropoética no que se refere ao desenvolvimento da cons-
ciência dos sujeitos e dos processos de inserção enquanto sujeitos históricos
e de participação ativa em processos de decisão/julgamentos.
Para descrever a intencionalidade da complexificação de QSC no ensi-
no de ciências, apresento no texto que se segue reflexões sobre a relação con-
ceitual entre Educação CTS e QSC e uma proposição analítica-conceitual
das QSC a partir de sua inerente complexidade, destacando por sua vez os
elementos constitutivos de sua natureza epistêmica.

QSC e suas relações com a Educação CTS

Em meados da década de 1950, movimentos de contestação referentes


aos impactos causados pelo desenvolvimento científico-tecnológico ques-
tionaram a neutralidade científica e a visão cientificista predominante. Esses
movimentos, liderados por diversos âmbitos sociais tinham como objetivo
comum a busca por novas maneiras de desenvolvimento científico e tec-
nológico considerando as implicações sociais, ou seja, evidenciar aspectos
referentes às inter-relações Ciência-Tecnologia-Sociedade3 (CTS) (AULER;
BAZZO, 2001).
As inter-relações CTS são a base constituinte da Educação CTS, que
é defendida por educadores e pesquisadores em áreas diversas. Ela assume
que a sociedade, além do acesso às informações sobre o desenvolvimento
da ciência e tecnologia, também deverá ter condições de avaliar e participar
das decisões que interferem em seu meio. Como afirma Bazzo (1998), “o
cidadão merece aprender a ler e entender – muito mais do que conceitos
estanques – a ciência e a tecnologia, com suas implicações e consequências,
para poder ser elemento participante nas decisões de ordem política e social
que influenciarão o seu futuro e o dos seus filhos” (p. 34).
Os pressupostos de uma Educação CTS para o Ensino de Ciências,
com vistas à participação social estão calcados na problematização da vi-
são cientificista e instrumental da ciência e tecnologia. Busca-se, resgatar
suas implicações políticas, econômicas, sociais, culturais e éticas, ou seja, os
aspectos sociocientíficos (ASC) necessários para a compreensão do desen-
volvimento científico-tecnológico em um processo histórico, evidenciando
diferentes interesses e ideologias (ver, por exemplo, MARTINEZ-PEREZ,
2012; STRIEDER, 2012; SANTOS; MORTIMER, 2009).
3 Ao considerar que o movimento CTS incorpora uma perspectiva de reflexão sobre as consequências ambientais, Santos (2008) res-
salta que esse movimento, nas décadas de 1970 e 1980, centrou-se não só nos impactos tecnológicos na sociedade, mas, sobretudo,
em suas consequências ambientais, "razão pela qual muitos também adotam a sigla CTSA (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente),
que acrescenta o ambiente como mais um foco de análise nas inter-relações da tríade CTS" (SANTOS, 2008, p. 118).
108

No bojo das discussões acerca da Educação CTS, a importância da pro-


blematização, contextualização, interdisciplinaridade e abordagem dos ASC
como dimensões pedagógicas potenciais para a formação cidadã, autores de
diversos contextos defendem a inserção das controvérsias sociocientíficas,
também conhecidas como QSC, nos currículos de ciências (ver, por exem-
plo: SANTOS, 2002; RATCLIFFE; GRACE, 2003; REIS, 2004; SANTOS;
MORTIMER, 2009; MARTINEZ-PEREZ, 2012; ZEIDLER et al., 2005).
As QSC têm sido introduzidas nos debates midiáticos, políticos e nos
currículos escolares como uma forma de discutir/compreender os dilemas
sociais relacionados às ordens científicas e tecnológicas. Historicamente, de
acordo com Levinson (2006), as discussões controversas se firmaram no
contexto escolar inicialmente relacionado a temáticas de cunho mais espe-
cificamente social, o que não envolvia, necessariamente, discussões relacio-
nadas à ciência e à tecnologia. Portanto, passaram a fazer parte do currículo
as “discussões controversas” que envolvem diferentes pontos de vista sobre
um determinado assunto, mas não estão relacionadas à ciência e à tecnologia
necessariamente, como é o caso das “discussões sociocientíficas”.
Como afirma Levinson (2006), desde a década de 1970, o currícu-
lo escolar da Inglaterra, por meio do “Humanities Curriculum Project”,
introduziu temas controversos com o objetivo de lidar com: relações fa-
miliares, pobreza, raça e homossexualidade. Podemos apontar o livro de
Wellington (1986) como um importante material sobre a inserção das
controvérsias no currículo escolar inglês. Levinson (2006) acrescenta
que, na década de 1980, os temas controversos estavam voltados para as
discussões antirracismo e multiculturalismo.
As controvérsias sociocientíficas ganharam destaque no currículo do
Ensino de Ciências no final da década de 1980, tendo como pano de fundo o
desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao campo da genética, biotecno-
logia e engenharia genética, que trouxeram a necessidade da Bioética como
campo de estudo frente ao desenvolvimento científico-tecnológico produzi-
do a partir dessas pesquisas.
Nessa perspectiva, evidenciamos a pesquisa de mestrado de Reis
(1997), que trata de discussões acerca do desenvolvimento da biotecnologia
e da genética. O autor descreve sobre as potencialidades e dificuldades em
se discutir controvérsias nas aulas de Ciências e defende que abordar assun-
tos dessa natureza possibilita o desenvolvimento do pensamento crítico, da
independência de pensamento e do raciocínio moral.
De acordo com Zeidler et al. (2005), há de se considerar que as diversas
abordagens das inter-relações CTS tendem a desconsiderar as implicações
morais e éticas imbricadas nessas relações. Por outro lado, as QSC surgem
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 109

como uma abordagem conceitual que tende a unificar as orientações morais,


epistemológicas e emocionais dos alunos como componentes necessários ao
Ensino de Ciências, como afirmam os autores:

O ensino tradicional de CTS(A) (ou talvez o ensino CTS(A) praticado


pela maioria) envolve dilemas éticos ou controvérsias, mas não ne-
cessariamente explora o poder pedagógico do discurso, do raciocínio,
da argumentação, explicita considerações a respeito da natureza da
ciência, emotivo, desenvolvimento, cultural ou as interconexões epis-
temológicas dentro desses temas. Portanto, a abordagem CTS(A) vem
se tornando algo marginalizado no currículo e nas práticas (ZEIDLER
et al., 2005, p. 359, tradução nossa).

No que compete à abordagem das inter-relações CTS no Ensino de


Ciências, o objetivo voltado para a Educação Científica do público em geral,
envolve o propósito de formação para a cidadania, como se pode observar
nas afirmações de Santos e Schnetzler (1997):

Encontramos, na grande maioria dos artigos de CTS, como objetivo


central do Ensino de Ciências a formação de cidadãos críticos que
possam tomar decisões relevantes na sociedade, relativas a aspectos
científicos e tecnológicos. A educação científica deverá assim contri-
buir para preparar o cidadão a tomar decisões, com consciência do
seu papel na sociedade, como indivíduo capaz de provocar mudanças
sociais na busca de melhor qualidade de vida para todos (SANTOS;
SCHNETZLER, 1997, p. 56).

Em recente pesquisa de doutoramento, Strieder (2012) relata sobre a


multiplicidade de propostas pedagógicas e investigativas que consideram a
abordagem CTS. A autora destaca a diversidade de abordagens ditas CTS
presentes no Ensino de Ciências e explicita que também possuem propó-
sitos diferenciados em função dos encaminhamentos dados às atividades e
às discussões propostas, mesmo que envolvam um ou mais dos elementos
(ciência, tecnologia, sociedade) e, eventualmente, suas articulações.
A partir da análise de investigações no campo do Ensino de Ciências
no contexto brasileiro, Strieder (2012) elenca o que ela considera “pontos-
-chave” da Educação CTS: 1) proporcionar aos educandos meios para emi-
tirem julgamentos conscientes sobre os problemas sociais; 2) proporcionar
uma perspectiva mais rica e realista sobre a história e natureza da ciência;
3) tornar a ciência mais atrativa e acessível aos educandos de diferentes
110

capacidades e sensibilidades; 4) preparar jovens para o papel de cidadãos


para uma sociedade democrática.
Em relação às especificidades das QSC, Oulton et al. (2004) explicitam
que, nos campos investigativo e pedagógico, firmaram-se que, para além da re-
petição da necessidade de se ensinar ciências em um contexto mais amplo, o
objetivo era fazer com que os alunos pudessem compreender a natureza das
questões controversas. Sadler (2004) afirma que as QSC expressam a objeti-
vidade em se engajar os estudantes para tomada de decisão sobre questões so-
ciais da nossa contemporaneidade, o que implica em evidenciar aspectos morais
imbricados em contextos científicos. Nesse sentido, os alunos são orientados a
interpretar problemas de pontos de vista discrepantes, portanto conflituosos, que
envolvem argumentos dos campos científico, social e moral.
Ao que parece, as QSC têm se firmado em uma dimensão mais específica
da Educação CTS, relacionada ao tema controverso e também ao “objetivo espe-
cífico”. Na proposição interpretativa dessa relação, as especificidades das QSC
em relação à Educação CTS estão voltadas aos “valores éticos e morais” presen-
tes em discussões de natureza controversa. Não que a Educação CTS não realize
ou não possa vir a abordar os valores éticos e morais, até mesmo porque isso
dependerá da sua objetividade. No entanto, frente à diversidade de propostas,
observa-se entre as QSC e a Educação CTS, uma “complementariedade objetiva
específica” ou seja, as QSC ao mesmo tempo que relacionadas aos propósitos
da Educação CTS, possuem objetivações específicas (no caso, a expressão dos
valores nos julgamentos das controvérsias). Desse modo, complementam-se em
função de um mesmo propósito geral acerca da Educação Científica que, fun-
damentalmente, está calcado na formação de cidadãos para atuação em uma
sociedade democrática.
Assim sendo, desenvolver propostas no ensino de ciências que têm por
objetivo discutir QSC, necessariamente, deverão abarcar apresentações mul-
tifocais dos interesses dos segmentos envolvidos – governo, cientistas e gru-
pos de protesto. Consequentemente, o educando, ao examinar as diferentes
proposições, tende a melhor fundamentar suas decisões. Além de possibilitar
a compreensão dos interesses, das preocupações e motivações dos agentes
envolvidos, também permite compreender as propostas científicas e tecnoló-
gicas em questão, o seu contexto social e político e o seu impacto no público
em geral ou em determinadas comunidades (REIS, 2009).
A riqueza em se abordar as QSC no contexto do ensino de ciências
está justamente em seu potencial problematizador e na valorização do “pen-
sar diferente”. Não há uma resposta que seja correta. Há sim, vários olha-
res sobre a questão que evidenciam expressões calcadas em valores. Nesse
sentido, parece-nos de extrema relevância apresentar um olhar calcado no
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 111

“desenvolvimento da aptidão para contextualizar e globalizar os saberes”


(MORIN, 2012, p. 24) tendo como foco o estudo epistêmico de QSC.
Deste modo, parte-se do pressuposto de que os aspectos históricos,
políticos, econômicos, culturais, éticos, morais, religiosos e outros (assim
conceituados, pois são relacionados às discussões sobre a relação entre o
âmbito científico-tecnológico e social) estão imbricados em discussões acer-
ca das inter-relações CTS. Assim, a discussão que busca abordar os ASC em
sua profundidade tende a contribuir com compreensões críticas que estejam
engajadas na análise das relações existentes entre as dimensões científico-
-tecnológica e social.

A intenção da complexificação das QSC

Edgar Morin propõe que situemos o conhecimento como subjetivação


do próprio conhecimento e, por isso, evoca a reflexão, a contextualização
e as relações entre sujeito pensante e objeto pensado, entre a Ciência e a
Filosofia. Desse modo, há a necessidade de uma “reforma do pensamento”,
e isso nos remete à compreensão dos sistemas pelas relações que promovem
organização e também pela ordem/desordem em um processo contínuo, o
que resulta na “ordem-desordem-organização”.
A partir do entendimento de que uma QSC seja um objeto de estudo no
campo do ensino de ciências, projetamos o olhar da complexidade para a sua
compreensão e abordagem em duas dimensões do ensino educativo: a dimensão
epistêmica, que se propõe a evidenciar as características conceituais das QSC,
e a dimensão didático-pedagógica, de modo que seja necessário pensar sobre a
primeira, em seus múltiplos aspectos, para uma ação consciente que se funda-
menta na segunda, pela objetividade formativa de cidadãos.
No que compete à dimensão epistêmica, trata-se daquela que fundamen-
ta teoricamente/conceitualmente as especificidades de uma QSC e também
as localiza nas esferas da ciência, tecnologia e da sociedade, sendo que essas
se inter-relacionam e envolvem necessariamente discussões sobre essas re-
lações. Em outras palavras, por meio da dimensão epistêmica, objetivamos
identificar elementos epistêmicos que possam caracterizar as QSC em uma
perspectiva geral e, ao mesmo tempo, localizá-las em uma perspectiva con-
textual em função da sua multidisciplinaridade.
Em um olhar sistêmico, percebemos as QSC como expressões emergentes
que advêm justamente dessas relações conflituosas (CTS), das crises, da busca
por respostas frente às problemáticas. As propriedades emergentes “embebem
o todo e retroagem sobre as partes enquanto partes (MORIN, 2005, p. 137).
Isso significa que as propriedades emergentes advindas das relações entre os
112

elementos próprios do meio ecológico, bem como das suas relações com a natu-
reza das QSC, produzem fatos que retroagem sobre os mesmos, gerando o que
chamamos de controvérsias. Em outras palavras, como afirma Morin (2005), a
emergência é produto final e também portadora das virtudes reprodutoras, retro-
ativamente “produzem e reproduzem o que produziu”.
As QSC, a partir do princípio sistêmico, representam as interações entre
elementos, de modo que, a partir da diversidade de opiniões oriundas des-
tes, podemos inferir que se inter-relacionam e produzem ideias gerais e, ao
mesmo tempo, específicas, que se organizam e desencadeiam compreensões
sobre determinada problemática. Essa organização, de acordo com Morin
(2005), é justamente o encadeamento de relações entre componentes que
produzem uma unidade complexa ou um sistema. Nesse sentido, podemos
situar as QSC em um sistema social-científico-tecnológico de relações con-
flituosas que geram perturbações e que, por isso, são consideradas polêmicas.
Isso denota que as QSC, em sua perspectiva sistêmica complexa, pre-
cisam ser compreendidas por meio de seus elementos e das inter-relações
estabelecidas entre eles e também como essas relações refletem no sistema
geral. Trata-se de elucidar o que confere às QSC o seu status conceitual,
ou seja, que elementos consubstanciam a sua natureza e como as relações
são estabelecidas de modo que cada um desses elementos reflita as carac-
terísticas gerais e, ao mesmo tempo, as especificidades que fazem parte do
que chamamos de QSC. Desse modo, a seguir, serão descritos os elementos
constituintes da natureza de uma QSC.

Elementos que caracterizam a natureza das QSC


Por sua natureza, as QSC são complexas. A complexidade expressa nes-
sa afirmação não sinaliza a “complexificação” que estamos propondo para
compreensão das QSC, pois comumente confundimos o termo complexo
como sinônimo de algo complicado, ou difícil. Por essa afirmação, enten-
demos a necessidade em localizar a sua inerente complexidade e, portanto,
explicitar um olhar complexificado das QSC por meio dos operadores orgâ-
nicos do pensamento complexo.
Os elementos que consideramos característicos da natureza das QSC
são: “científico-tecnológico”, “valorativo” e “multidisciplinar”. Tais ele-
mentos estão inter-relacionados e representam a natureza complexificada de
uma QSC, sendo reconhecidos nessas proposições os operadores orgânicos
do pensamento complexo.
O elemento científico-tecnológico em uma QSC pode ser identificado
via três principais considerações, mesmo que estejam relacionadas: a) reside
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 113

na relação da produção da ciência e tecnologia em uma perspectiva social


e, por isso, faz-se necessário considerar o contexto; b) desmistificação da
visão linearizada de que a produção científico-tecnológica leva diretamente
ao desenvolvimento social e torna-se evidente reconhecer a limitação do co-
nhecimento científico frente às problemáticas; c) reconhecimento de aspec-
tos históricos, políticos, econômicos, sociais, culturais, sendo que, no bojo
dessas discussões, residem os interesses e valores sociais.
O elemento científico-tecnológico das QSC reside na relação da produ-
ção científico-tecnológica em uma perspectiva valorativa. O que isso quer
dizer? Implica dizer que, nos aspectos imbricados nessa relação e no seio
dessas discussões, também residem os interesses econômicos e políticos
que, por sua vez, estão relacionados aos valores sociais. Nesse processo, o
reconhecimento dos riscos e benefícios da produção da ciência e tecnologia,
bem como compreender a tecnologia como técnica de manipulação e sim-
plificação, nos direcionando ao campo econômico, político. Desse modo,
observa-se a importância em se localizar o elemento científico-tecnológico
em uma realidade multidimensional em que se apresentam conflitos os quais
podem ser identificados em discussões/abordagem das QSC via CTS.
Por sua vez, o elemento científico-tecnológico das QSC exprime a inter-
-relação entre as partes (CTS); o reconhecimento da recursividade e as qua-
lidades emergentes que são resultantes das relações. Para explicar melhor,
as inter-relações CTS, como representação conceitual objetiva do elemento
científico-tecnológico das QSC, expressam as “crises”, ou seja, as contradi-
ções advindas dos interesses políticos, econômicos, culturais e sociais.
Além disso, o operador recursivo também se vale da desmistificação
da causalidade linear (princípio da causa e efeito) impressa na concepção
ingênua de que o desenvolvimento científico leva diretamente ao desenvol-
vimento social, uma vez que elucida as legiões de fenômenos históricos,
econômicos, políticos, culturais e sociais em um processo no qual tudo o que
é produzido volta-se sobre o que produz. Em outras palavras, as QSC, a par-
tir de seu elemento científico-tecnológico, indica-nos as inter-relações CTS
Ao localizarmos o elemento científico-tecnológico como parte da natu-
reza de uma QSC, nós o identificamos em um sistema organizacional, sendo
as partes: a ciência, tecnologia e sociedade. E, mediante suas inter-relações,
identificamos as informações como um “todo” conflituoso, considerando as
forças antagônicas que estão na natureza do objeto; no caso, as partes tam-
bém estão no “todo” de uma QSC.
Portanto, o olhar complexo acerca das QSC, a partir do elemento
científico-tecnológico, tem por objetivo reconhecer que as relações entre
a produção científico-tecnológica, a partir do contexto social, por serem
conflituosas, reconhecem que a sociedade, como fenômeno de autoprodu-
ção permanente, é, por conseguinte, conflituosa. A informação, a partir da
114

caracterização dessas relações, tende a contextualizar os antagonismos e elu-


cidar os interesses imbricados para tomada de consciência sobre o âmbito
científico-tecnológico.
O elemento valorativo é portador das interpretações conflituosas e elu-
cida as contradições quando da discussão/abordagem de uma QSC. Esse ele-
mento é a expressão visível da limitação do conhecimento advindo do cam-
po técnico em negociações ou tomada de decisão acerca das QSC. Também
é o reconhecimento da possibilidade de ação individual-coletiva frente às
incertezas, pois sinaliza o compromisso/responsabilidade do indivíduo inse-
rido em um contexto antagônico e inter-relacionado.
Desse modo, considerar os valores constitui-se em um âmbito profícuo
para a interpretação das QSC, visto que os valores éticos e morais estão re-
lacionados a contextos e situações coletivas e individuais (subjetivas), con-
sequentes de experiências de ordem ideológica, política, cultural, religiosa,
ambiental, estética, cognitiva, entre outras. Além disso, podem expressar
uma intencionalidade regenerativa fundamentada no contexto de religação
“comunidade-sociedade-espécie humana”4.
Autores que pesquisam sobre QSC têm evidenciado a importância em
se elucidar os valores, pois os mesmos são recorrentes quando do processo
de negociação e tomada de decisão. Sadler e Zeidler (2004) consideram que
a tomada de decisão reside em três âmbitos principais: 1) Convencional:
relaciona-se a questões em que, para a sua resolução adequada, utiliza-se
como justificativa a aplicação de normas sociais; 2) Pessoal: as decisões
estão relacionadas a preferências individuais e 3) Moral: são decisões uni-
versais voltadas para o bem-estar, a justiça e os direitos.
A exigência moral expressa por Morin (2011b) institui-se como carac-
terística inerente da ação humana, sendo a ética um elemento vital na pro-
dução da realidade social. É a ética responsável pela formação de uma cons-
ciência moral do sujeito. Esse sujeito, de acordo com o autor, representa-se
como ser egocêntrico, ou seja, em um processo autoafirmativo, no qual se
apresentam princípios de exclusão – singularidade do sujeito – e também de
inclusão – sujeito coletivo.
O que Morin (2011b) nos alerta sobre a ética é a necessidade impetuosa
de se nutrir suas fontes por meio de suas raízes, alicerçadas no sentimento
de dever (obrigação moral) e no princípio de inclusão (fonte subjetiva indi-
vidual da ética). Portanto, como mencionado anteriormente, considera-se o
ato moral como ato de religação.
No âmago desse processo, podemos registrar a localidade do elemento
valorativo em relação às QSC quando reconhecemos que as negociações ou
4 Morin (2011b) afirma que o ato moral é um ato de religação: com o outro, com a comunidade, com uma sociedade e, no limite,
religação com a espécie humana (comunidade-sociedade-espécie humana). De acordo com o autor, a nossa época vive uma
crise no campo da ética representada pela crise da religação, na qual reconhece a necessidade de uma regeneração advinda
das fontes de responsabilidade-solidariedade. Essa regeneração pode partir do despertar interior da consciência moral.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 115

a tomada de decisão expressam os valores e não conduzem a explicações


simples. Afinal, como afirma Garvey (2010)5, a ciência nos pode explicitar
o que acontece, mas não o que se deve fazer a respeito das problemáticas
e, nesse intento, recorremos aos nossos valores. Assim, Garvey (2010) uti-
liza como pano de fundo de suas proposições os argumentos baseados na
“Filosofia Moral”, pois, para além dos valores, também é necessário agir
humanamente, e, para isso, é preciso viver de acordo com princípios.
As QSC não apresentam uma resposta, uma certeza, pois, em sua natu-
reza, são expressas as contradições. Para dialogar sobre elas, necessitamos de
um conhecimento inter-relacionado e contextualizado, portanto identificado
nas contradições e nas incertezas. O elemento valorativo evidencia a incerte-
za e indica-nos um pensamento com base na moral como verdade subjetiva
e, ao mesmo tempo, objetiva, entre o saber e o fazer, ou saber agir, decidir,
tomar decisões. Há, portanto, a intenção de um pensamento que recorre ao
princípio orgânico da autoeco-organização (no qual se apresenta também
o hologramático) como via interpretativa nesse processo associativo, que
inclui a ética (via moral) como condição ao enfrentamento das incertezas.
O elemento valorativo em uma QSC nos indica que os valores são
provenientes de relações oriundas de vários eixos sociais, e isso explicita
influências históricas, econômicas, políticas, culturais, religiosas, éticas e
morais, que nos levam à interpretação da realidade como uma construção
social subjetiva e intersubjetiva. A ética é complexa porque tem natureza
dialógica e deve sempre enfrentar a ambiguidade, a contradição e a incerteza
do resultado. Por isso, cabe reconhecer a ética e a moral como vias regenera-
doras do circuito constante da tríade “indivíduo-sociedade-espécie”, ou seja,
individual-social (MORIN, 2011a).
Situamos o elemento valorativo em uma QSC quando também re-
conhecemos que suas discussões guiam-nos a valores que são/estão cal-
cados em influências de múltiplas origens. No âmbito dos valores, estão
a ética e a consciência moral, que, por sua vez, consideram a dimensão
egocêntrica (eu) e a potencialidade para o desenvolvimento do altruísmo
(nós) em um processo dialógico em que o “eu” se dirige para o “nós”.
Nesse sentido, a natureza valorativa de uma QSC encontra-se, pois, na
intenção de fornecer compreensões e, ao mesmo tempo, capacidade for-
mativa de um sujeito social.
Justamente pela limitação do conhecimento técnico, também situamos
o elemento multidisciplinar na natureza de uma QSC. Há, nesse elemento, o
reconhecimento de saberes advindos de vários âmbitos, como, por exemplo:

5 James Garvey é autor do livro "The ethics of climate change: right and wrong in a warming world" (Tradução: Mudanças
Climáticas: considerações éticas" o certo e o errado no aquecimento global). O autor apresenta argumentos referentes a funda-
mentos para a ação sobre a mudança climática que não sejam apenas calcados nos campos político, econômico, científico ou
social, embora nossas decisões devam levá-los em consideração. Para o autor, trata-se de uma problemática de cunho moral,
ou seja, o que devemos fazer em relação a ela depende do que seja importante para nós e do que pensamos ser correto.
116

social, político, econômico, histórico e valorativo, suscitados para as discus-


sões/abordagem das QSC. Além desses, há um estudo de conteúdos discipli-
nares que evidenciam conhecimentos específicos acerca da questão. Porém,
como esse elemento nos conduz à complexificação das QSC?
As QSC são compreendidas como multidisciplinares, pois, necessaria-
mente, suas discussões precisam ser situadas em vários campos do conheci-
mento, e esse conhecimento necessita ser situado em via de complementari-
dade. Isso nos indica o nível de dificuldade de sua abordagem. Desse modo,
os objetivos de ação devem estar localizados em princípios do “conheci-
mento pertinente”, isto é, saber organizar e articular esses conhecimentos. É
preciso reconhecer que o conhecimento advindo do campo técnico, embora
necessário, é limitado. Além disso, como afirma Morin (2002a), “o conheci-
mento especializado é uma forma particular de ‘abstração’. A especialização
‘abstrai’ extraindo um objeto de seu contexto e de seu conjunto [...]” (p. 41).
As QSC apresentam-se como propulsoras de abordagens analíticas em
pelo menos quatro eixos: 1) dimensional: ao situar a ciência e sua relação
com dimensões filosóficas, históricas e sociológicas; 2) contextual: quan-
do se evidenciam contextos políticos, econômicos e culturais; 3) específi-
co: quando se apresentam os conhecimentos disciplinares específicos que
tendem a contribuir com as compreensões voltadas ao campo técnico e 4)
valorativo: em que se apresentam as crenças e os valores. Os quatro eixos,
associados, direcionam a uma análise de complementariedade em que se
reconhece a importância da intencionalidade em uma práxis pedagógica ob-
jetiva e relacionada ao contexto de ação.
O eixo dimensional é a representação da importância em se compreen-
der a natureza da ciência. Não se trata de uma abordagem em si, mas se vale
como orientação basal para desenvolver a capacidade de interpretação da
ciência como atividade influenciada e influente, de modo a situar a dimensão
social da ciência. Esse eixo sinaliza o elemento científico-tecnológico da
natureza da QSC no qual representa os objetivos da Educação CTS.
De acordo com Morin (2002b), “o conhecimento das informações ou os
dados isolados são insuficientes. É preciso situar as informações e os dados
em seu contexto para que adquiram sentido” (p. 36). Por sua vez, o eixo con-
textual visa expor o campo das contradições em que a QSC está situada, de
modo que este seja o caminho para a interpretação dos ASC. Por isso, tam-
bém está diretamente relacionado ao eixo valorativo, no qual se identificam
os valores relacionados às QSC estudada.
A abordagem do tipo questionadora-objetiva6 pode ser uma possibilida-
de para evidenciação dos elementos contextuais: Onde e como se localizam

6 Morin afirma que a finalidade da "cabeça bem-feita" seria beneficiada por um programa interrogativo que partisse do ser hu-
mano, pois, interrogando o ser humano, descobriria-se sua dupla natureza: biológica (Biologia, Física e Química) e cultural
(psicológica, social, histórica da realidade humana) (2012, p. 75).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 117

as questões históricas, econômicas, políticas e culturais da QSC estudada?


Há outros aspectos a serem evidenciados? Que valores foram evidentes?
O elemento multidisciplinar, situado nos quatro eixos mencionados em
suas inter-relações, indica-nos o enfrentamento da fragmentação. Portanto,
cabe apresentarmos o direcionamento desse elemento no que compete à aná-
lise conceitual das QSC, bem como à sua funcionalidade para o pensamento
complexo. De acordo com Morin (2002b), para acessarmos as informações
sobre o mundo e possibilitar articulação entre elas, é preciso perceber e con-
ceber o contexto, o global (relação entre todo/partes), o multidimensional
(histórico, econômico, sociológico, religioso... etc.) e o enfrentamento da
complexidade (união entre a unidade e a multiplicidade). Esses são os sa-
beres pertinentes ao conhecimento para o mundo e, portanto, promotores da
inteligência geral. É a inteligência geral que opera e organiza a mobilização
dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular.
A abordagem de QSC comporta uma orientação pedagógica que esteja
fundamentada em intencionalidades/objetividades formativas voltadas à for-
mação para tomada de decisões frente às questões conflituosas relacionadas
ao campo científico-tecnológico. A objetividade referente à compreensão da
natureza da ciência talvez seja uma das possibilidades mais profícuas das
discussões/abordagens das QSC. Reconhecem a aprendizagem das ciências
para uma formação em que o conhecimento lhe possa ser útil na tomada de
decisões. Nesse sentido, os conteúdos específicos (disciplinares) precisam
ser significados, de modo que busquem também a integração dos saberes
experienciais e a consideração do contexto social.
Conceitualmente, o elemento multidisciplinar, no que compete à na-
tureza das QSC, indica-nos uma “particularidade diversa”. Por um lado,
é necessário identificar as particularidades informacionais de cada âmbito
concernente à controvérsia sociocientífica e, por outro, é preciso que essas
informações sejam transpostas em conhecimentos situados, contextualiza-
dos. Em outras palavras, a particularidade diversa do elemento multidisci-
plinar indica-nos a relação dos diferentes saberes e confere a eles, por meio
do princípio orgânico hologramático, o seu caráter multidimensional. Ou
seja, os elementos da natureza das QSC concebidos como unidades comple-
xas estão em permanente processo de inter-retroação, nos quais os saberes
influenciam e, ao mesmo tempo, são influenciados pelos eixos dimensional,
contextual, específico e valorativo.
Na figura 1, a seguir, são evidenciados os elementos e os eixos que
consubstanciam a natureza das QSC, entendidas como unidades complexas,
que estão relacionadas ao “sistema complexo – sociedade”. No que compete
à “unidade complexa QSC”, situamos os três elementos de sua natureza:
a) científico-tecnológico: expressão das inter-relações CTS; b) valorativo:
118

explicita os valores éticos e morais; c) multidisciplinar: representa a multi-


plicidade de saberes.

Figura 1 – Representação dos elementos imbricados nas discussões de QSC

Fonte: Elaboração da autora.

O elemento científico-tecnológico, por sua vez, está relacionado ao


elemento valorativo pela via das controvérsias, o que denota que diversos
grupos sociais apresentam explicações, ou até mesmo proposições, de reso-
lução incompatíveis, com base em valores alternativos. Portanto, explicita
também a relação com o elemento valorativo. Ele também está relacionado
ao elemento multidisciplinar pela via “específico”, o que expressa que esses
se comunicam por meio do “conhecimento específico”, embora limitado,
mas necessário à compreensão de uma QSC.
O elemento valorativo também está relacionado ao elemento multidisci-
plinar, por meio da via “crenças e valores”, evidenciando que há necessidade
de se obter informações que sejam transpostas em conhecimentos situados,
contextualizados, de forma a identificar que valores estão imbricados a QSC.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 119

Mais algumas considerações...

Diante do exposto, reconhecemos, nas considerações de Morin (2002b;


2011a; 2012; 2013) sobre o pensamento complexo e o ensino educativo, im-
portantes elementos que guiam nossas compreensões acerca das QSC na for-
mação de cidadãos. Cabe evidenciar que esses elementos estão imbricados
na importância de uma consciência autocrítica que introduz a necessidade
de um programa interrogativo, elencando aspectos científicos e filosóficos;
a interpretação de objetos abertos, que se comunicam entre si e com o meio;
a ecologização das disciplinas que, por seus conhecimentos especializados,
quando contextualizados, promovem a construção da inteligência geral por
meio da relação “educação-sociedade-cultura”.
Assim, cabe evidenciar possibilidades e caminhos para a abordagem das
QSC. Essa intenção está baseada em três motivos principais: 1) pela nossa
concepção de ensino: por entendermos que as interações estabelecidas pelos
elementos epistêmico-pedagógicos de uma QSC, quando contextualizados,
evidenciam questões emergentes com vistas à formação crítico-reflexiva dos
estudantes; 2) pela própria natureza das QSC decorrente das controvérsias
científico-sociais que envolvem diferentes âmbitos sociais, como também
questões culturais e carregadas de valores éticos e morais; 3) Porque as QSC
são consideradas importantes propulsoras para a formação de cidadãos cons-
cientes na tomada de decisão, ou seja, pela promoção da ação sociopolítica.
Enfim, a descrição dos elementos que consideramos representantes da
natureza conceitual de uma QSC foram identificados a partir da nossa imer-
são no campo das investigações sobre QSC e das proposições teóricas de
Edgar Morin sobre a inteligibilidade do pensamento. Portanto, as nossas ob-
jetivações frente à complexificação das QSC se justificam frente a uma pos-
sível compreensão epistêmica e estratégica das QSC no ensino de ciências.

Agradecimentos

Agradeço imensamente à orientação do professor Dr. Wildson Pereira


dos Santos (in memoriam), que muito contribuiu para o meu amadurecimen-
to teórico e profissional durante o período de doutoramento. As considera-
ções apresentadas nesse capítulo são fruto de suas constantes provocações
durante as nossas reuniões de orientação.
120

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AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Sabrina do Couto de Miranda


Cleirianne Rodrigues de Abreu
Plauto Simão De-Carvalho

Introdução

Mudanças Climáticas, Aquecimento Global e Gases de Efeito Estufa


são assuntos cada vez mais frequentes na sociedade atual. Contudo, são tópi-
cos muito complexos, multidisciplinares, que envolvem densos dados cien-
tíficos e que nem sempre são tratados na escola. Este artigo objetiva discutir
as mudanças climáticas no contexto da Educação Ambiental (EA) em nível
nacional. Para tanto será feita inicialmente uma contextualização geral sobre
as mudanças climáticas.
O efeito estufa é um fenômeno físico natural que estabiliza a tempe-
ratura da Terra e possibilita a vida no nosso planeta. Contudo, o aumento
da concentração atmosférica de gases de efeito estufa (GEE) tem causado
a intensificação do aquecimento global e levado à importantes mudanças
no clima.
Os principais gases de efeito estufa direto são o dióxido de carbono
(CO2) advindo da queima de combustíveis fósseis nas atividades industriais
e transportes, e mudanças de uso da terra; metano (CH4) proveniente das
atividades agrícolas e uso de combustíveis fósseis; óxido nitroso (N2O) re-
sultante da fertilização na agricultura e processos industriais. Além destes,
tem-se os hidrofluorocarbonos (HFC), perfluorcarbono e hexafluoreto de en-
xofre (SF) decorrentes de processos industriais (OLIVEIRA; ALVES, 2011).
A Revolução Industrial e a consequente expansão da produção indus-
trial levaram ao crescente aumento do consumo de combustíveis fósseis,
intensificação dos processos agropecuários, e maior pressão de uso sobre
os recursos naturais. Esta mudança na forma de interação do homem com
a natureza/recursos naturais causou o referido aumento da concentração at-
mosférica dos GEE e intensificação do aquecimento global.
124

De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas


(do inglês IPCC: Intergovenmental Panel on Climate Change) “Mudança
climática refere-se a uma variação estatisticamente significativa nas condi-
ções médias do clima ou em sua variabilidade, que persiste por um longo
período [...]. Pode advir de processos naturais [...], ou ainda de mudanças
antropogênicas persistentes na composição da atmosfera ou no uso do solo
(IPCC, 2001)”.
Os dados a seguir apresentados foram extraídos dos relatórios de ava-
liação publicados pelo IPCC. Este órgão internacional reúne importantes
cientistas que revisam a literatura especializada e, após análise/avaliação,
consolida a cada cinco anos Relatórios de Avaliação (do inglês: Assessment
Report ou AR). O primeiro Relatório de Avaliação foi publicado em 1990
(HOUGHTON et al., 1990) e o mais recente, o quinto Relatório, foi pu-
blicado em 2014 (IPCC, 2014). Esses textos subsidiam os trabalhos da
Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima, bem como,
negociações internacionais para se estabilizar, em níveis seguros, a concen-
tração atmosférica dos GEE.
As consequências do aquecimento global podem ser sentidas em dife-
rentes partes do mundo. Os cientistas destacam que o aumento da tempera-
tura média do planeta tem elevado o nível do mar devido ao derretimento
das calotas polares, o que pode ocasionar o desaparecimento de ilhas e cida-
des litorâneas. Há previsão de uma maior frequência de eventos climáticos
extremos (nevascas, tempestades tropicais, tornados, furacões, inundações,
ondas de calor e secas), com consequências graves para as populações hu-
manas e ecossistemas naturais, levando a extinção de inúmeras espécies de
plantas, animais terrestres e aquáticos, além de microorganismos.
Apesar dos dados apresentados até o momento, existem contra-argu-
mentos de que as atividades humanas não seriam as responsáveis pelas mu-
danças no clima. Para dissolver qualquer dúvida, o último relatório do IPCC
divulgou, com uma probabilidade de mais de 95% de intervalo de confiança,
que as mudanças nas temperaturas globais estão sendo ocasionadas por ati-
vidades humanas. Além disso, os combustíveis fósseis continuam sendo os
grandes responsáveis pelas mudanças climáticas. O CO2, por exemplo, é res-
ponsável por 76% das emissões de GEE, e apenas 10 países computam mais
de 70% das emissões mundiais. Isto indica que os modelos de desenvolvi-
mento energético e de produção precisam ser debatidos por toda a sociedade.
Segundo o relatório, para manter o aumento médio da temperatura abaixo
de 2°C até o ano de 2100, serão necessárias grandes mudanças na matriz
energética dos países com reduções significativas nas emissões de GEE nas
próximas décadas (IPCC, 2014).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 125

No caso do Brasil, um impacto atual das mudanças climáticas é a maior


vulnerabilidade a eventos naturais mais intensos. O relatório do Painel
Brasileiro de Mudanças Climáticas ressaltou que a temperatura no Brasil nas
próximas décadas poderá aumentar entre 3°C e 6°C, em diferentes regiões,
com graves consequências sociais, ambientais e econômicas. De acordo com
este órgão há muitas incertezas em relação aos efeitos das alterações climáti-
cas nos recursos hídricos. As bacias hidrográficas do Amazonas, Tocantins-
Araguaia, Paraná, Paraguai e São Francisco são as principais do país e
atravessam regiões que devem sofrer alterações na temperatura, volume e
frequência de chuvas. Portanto, tais alterações afetarão a disponibilidade de
água para o uso humano, bem como, os processos ecológicos relacionados.
As previsões apontam diminuição na pluviosidade nos meses de inverno
em todo país e a frequência de chuvas deve diminuir na região Nordeste
e no Leste da Amazônia (Pará, parte do Amazonas, Tocantins, Maranhão),
com aumento da ocorrência de dias secos consecutivos. Também espera-se
aumento na frequência e intensidade das chuvas nas regiões Sul, parte do
Sudeste e no extremo oeste de Amazônia (PBMC, 2014).
Devido à capacidade das plantas de fazer fotossíntese, que consiste na
fixação do CO2 na biomassa vegetal utilizando a energia luminosa, e do solo
de estocar carbono na matéria orgânica, as áreas de florestas e os ecossis-
temas naturais são grandes reservatórios e sumidouros de carbono (carbon
sink’s). Assim, o Brasil, país de megabiodiversidade, detentor de seis biomas
terrestres (Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal, Pampa, Cerrado e Caatinga),
que englobam alguns dos maiores rios do mundo (Amazonas, Paraná e São
Francisco) (PBMC, 2014), com grandes extensões de vegetação nativa, tem
a potencialidade de se destacar no cenário internacional em emissões evita-
das. Mas para isso são necessárias ações constantes para se evitar/conter o
desmatamento, principalmente no Cerrado e na Floresta Amazônica, e ado-
tar técnicas na agropecuária e no setor de geração de energia que não impac-
tem tanto o meio ambiente.
No Brasil as mudanças de uso da terra e o desmatamento são os prin-
cipais responsáveis pelas nossas emissões. Para o setor agropecuário os de-
safios para aliar aumento da produção e redução das emissões de GEE são
enormes. Em nível global, a agropecuária é responsável por cerca de 12%
das emissões, sendo fonte de emissão de três GEE: CO2, N2O e CH4. Mas,
por outro lado, segundo a Agência das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO) nas próximas décadas haverá crescimentos na ordem
de 15% e 40% na demanda global por alimentos, fato que desafia a agro-
pecuária mundial a produzir para alimentar uma população crescente ao
126

mesmo tempo em que tem a obrigação de reduzir suas emissões de GEE


(OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2015).
O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de alimentos e está entre
os maiores emissores de GEE pela atividade agropecuária. Dessa maneira,
há uma demanda eminente por crescimento baseado em baixas emissões de
carbono e alta eficiência produtiva (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2015).
Com base no exposto, são 24 anos de publicações de dados científicos
sérios sobre as mudanças climáticas. Neste período muito foi discutido e
pouco efetivamente executado. As mudanças climáticas nos trazem desafios
que vão além da redução das emissões de GEE, nos instiga à adaptação.
Para tanto, há necessidade de esclarecimento e participação da população, e
os mais pobres serão os mais afetados pelas mudanças climáticas. Assim, é
mister se trabalhar o tema na escola básica, de forma crítica e reflexiva para
possibilitar a consolidação de uma massa crítica que pressione os tomadores
de decisão no enfrentamento sistemático do que podemos chamar de uma
crise ambiental crônica.

Desenvolvimento

A temática mudanças climáticas precisa ser efetivamente conhecida e


discutida pela sociedade em suas diferentes classes. No caso da escola uti-
lizar-se da contextualização dos temas é essencial, pois esta possibilita uma
aproximação dos estudantes com as diferentes realidades em que vivem, são
oferecidas oportunidades para entenderem como o conhecimento é produ-
zido e construído, e quais são suas implicações na sociedade. Deste modo
compreende-se os fenômenos e suas relações com as questões cotidianas da
vida (VIGOTSKI, 2001).
Outra estratégia para se trabalhar as mudanças climáticas no ambien-
te escolar é utilizar a educação científica através do movimento Ciência
Tecnologia e Sociedade (CTS) no ensino de Ciências e na Educação
Ambiental (EA). O movimento CTS contribuiu para a inserção de temas
sociocientíficos em ações sociais responsáveis, questões éticas controversas
e problemas ambientais atuais (SANTOS, 2011). Este movimento objetiva
o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão na sociedade cientí-
fica e tecnológica, e o desenvolvimento de valores, competências essenciais
no contexto discutido.
O Ministério da Educação e Cultura (MEC) estimula o desenvolvi-
mento de atividades de EA nas escolas principalmente na forma de projetos
(BRASIL, 1999). O que levou a um significativo crescimento no número
de projetos desta categoria (PALMIERI; CAVALARI, 2012). Contudo, não
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 127

existe ainda um estudo de “se” e/ou “como” a temática de mudanças climáti-


cas está sendo trabalhada nos projetos de EA. Este questionamento motivou
a realização de uma pesquisa científica, em andamento, no nível de mestrado
vinculado ao Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Ensino
de Ciências da Universidade Estadual de Goiás (UEG). A seguir serão apre-
sentados resultados parciais da referida pesquisa.
Para alcançar o objetivo proposto foi realizado o levantamento de ar-
tigos publicados em periódicos da base “Periódico Qualis” classificados na
área de avaliação “Educação” (https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/
consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.
jsf). A partir do evento de classificação “Qualis 2014” selecionou-se periódi-
cos com o status A1, A2, B1 e B2 cujos nomes apresentassem os seguintes
termos: “Ambiental”, “Ambiente”, “Ciências” e “Sociedade”. Foram encon-
tradas 42 revistas, nas quais realizaram-se buscas de artigos publicados en-
tre 2005-2015 cujos os títulos continham os termos: “Educação Ambiental”,
“Mudanças Climáticas”, “Gases de Efeito Estufa”, “Aquecimento Global”
e “Desmatamento”, bem como, a combinação destes termos: “Educação
Ambiental e Mudanças Climáticas”, “Educação Ambiental e Gases de
Efeito Estufa”, “Educação Ambiental e Aquecimento Global”, “Educação
Ambiental e Desmatamento”. Chegou-se ao total de 440 artigos, cujos os re-
sumos foram analisados quanto a quatro categorias conforme Santos e Silva
(2010): tema trabalhado, perspectivas teóricas, tipo de pesquisa, objetivos, e
instrumento utilizado para coleta de dados.
O resultado deste estudo mostrou que a temática predominante foi
Educação Ambiental sensu lato com 34,5%, seguidas de Meio Ambiente,
Natureza e Sociedade (19,9%); Políticas Públicas (8,8%); Sustentabilidade
(5,7%); Mudanças Climáticas (4%); Unidades de Conservação (4%); Lixo
(3,8%); Desmatamento (3,1%); Aquecimento Global (2,4%); Gases do
Efeito Estufa (2,4%); Saúde (2,9%); Biomas (2,2%) e Arborização (0,5%).
Esta primeira classificação possibilitou selecionar apenas 17 artigos
(4% do total) que abordaram o tema mudanças climáticas, detalhados na
Tabela 1 (os artigos foram abreviados em códigos, A1, por exemplo). Do
total, três artigos relacionaram mudanças climáticas e educação. Nos artigos
A1 e A2 os autores fizeram uma reflexão sobre os desafios que os professo-
res enfrentam para lecionar o tema mudanças climáticas. São comentadas
práticas educativas desenvolvidas em outros países e pontos importantes da
educação ambiental no Brasil. Os autores propõem uma educação ambiental
que transversalize as questões das mudanças climáticas no currículo, nos
processos de formação inicial e continuada de professores, e nas práticas
conduzidas em sala de aula. Em A3 os autores comentam que a escola vem
128

sendo desafiada a trabalhar as questões ambientais e discutem práticas peda-


gógicas que podem auxiliar os professores de ciências a ensinarem as mu-
danças climáticas de forma interdisciplinar.
Seis artigos trabalharam mudanças climáticas e políticas públicas
(Tabela 1). Em A4 os autores propõem pensar uma política pública de EA
para o enfrentamento das mudanças climáticas, bem como a construção de
alternativas viáveis para a redução da emissão de GEE e a construção de
uma sociedade de baixo carbono. Nesta proposta, o educador ambiental tem
relevante importância para a construção desta sociedade. A5 traz uma refle-
xão sobre o avanço da ciência e a contundência dos dados divulgados nos
últimos anos pelo IPCC. O trabalho afirma que mesmo nos cenários mais oti-
mistas de mitigação, ou seja, de maior redução das emissões de GEE, ainda
serão necessárias adaptações para garantir a segurança da sociedade, princi-
palmente em países mais vulneráveis do ponto de vista econômico e social.
Em A6 os autores questionam a complexidade e as incertezas cientí-
ficas relacionadas às mudanças ambientais e climáticas. Bem como, riscos
associados em nível local. Neste trabalho é defendido um novo modelo de
produção de conhecimento e de tomada de decisão, identificada como go-
vernança de risco, útil em nível local. No artigo A7 os autores destacam
que as mudanças climáticas representam um desafio aos governos, mercado/
economia e sociedade civil no sentido de forçar a busca de novas alternati-
vas possíveis a mitigação e/ou adaptação. Até o momento, o foco tem sido o
mercado global de carbono. Mesmo com os avanços no número de projetos
de redução de GEE após o protocolo de Kyoto, principalmente em países
em desenvolvimento, ainda se faz necessário promover ações que possam
alcançar a eficácia que o problema das mudanças climáticas requer.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 129

Tabela 1 – Relação dos artigos publicados em periódicos nacionais


na área de Educação no período de 2005-2015 que abordaram a
temática Mudanças Climáticas. Onde: A=abreviação para artigo
GRU- AR-
TÍTULO REFERÊNCIAS
PO TIGO
Mudanças climáticas, mudanças
EDUCAÇÃO

A1 GUERRA et al., 2010


globais: desafios para educação.
A2 Mudanças climáticas globais: A resposta da educação. JACOBI et al., 2011
A concepção das ciências e do agir responsável BADER; JEZIORSKI;
A3
dos estudantes face às mudanças climáticas. THERRIAULT, 2014
O papel da educação ambiental na formulação
VASCONCELOS;
A4 de políticas públicas transformadoras para
TAMAIO, 2010
enfrentamento das mudanças climáticas.
A5 Equidade na adaptação às mudanças climáticas. MARTINS, 2011
Governança de Risco: uma proposta para lidar DI GIULIO;
A6
POLÍTICAS

com os riscos ambientais no nível local. FERREIRA, 2013


PÚBLICAS

Mercado Global de carbono e governança


A7 FARIAS et al., 2013
global do clima: desafios e oportunidades.
Política de mudanças do clima no município
LANDIN;
A8 de São Paulo, Brasil: reflexividade e
GIATTI, 2014
permeabilidade do setor saúde.
As estratégias de enfrentamento das
NEVES; CHANG;
A9 mudanças climáticas expressas nas
PIERRI, 2015
políticas públicas federais do Brasil.
A interface da saúde pública com a saúde
A10 dos oceanos: produção de doenças, impactos MOURA et al., 2011
socioeconômicos e relação benéfica.
Considerações sobre as mudanças climáticas
A11 e os impactos na sub-bacia do rio Catolé para BONFIM et al., 2012
o município de Vitória da Conquista- Bahia.
A12 Os desastres ambientais a partir do olhar midiático. TEIXEIRA, 2012
As percepções sobre as variações e mudanças
MEIO AMBIENTE

ANDRADE; SILVA;
A13 climáticas e as estratégias de adaptação dos
SOUZA, 2014
SAÚDE &

agricultores familiares do Seridó potiguar.


Mudanças climáticas e distribuição social BURSZTYN;
A14
da percepção de risco no Brasil. EIRÓ, 2014
IWAMA;
Riscos geotécnicos e vulnerabilidade social em zonas
A15 BATISTELLA;
costeiras: desigualdade e mudanças climáticas.
FERREIRA, 2014
A remanufatura de equipamentos eletroeletrônicos
A16 como contribuições para o desenvolvimento sustentável: PAIVA; SERRA, 2014
uma avaliação do caso dos refrigeradores.
Eletricidade para o bombeamento de água
A17 subterrânea: limitações e oportunidades para SCOTT, 2014
respostas adaptativas às mudanças climáticas.

Em A8 os autores analisaram como o setor da saúde se articula com a


implantação de uma política municipal de mudança do clima. Segundo os
autores é necessário considerar a dialética global-local, pois em termos de
saúde ambiental, o agir local e o pensar global impulsionam o modelo para
130

nexos e mudanças estruturais, pois certos condicionantes de causalidade do


risco e de vulnerabilidades estão além das escalas demarcadas. No artigo A9
os autores analisaram a estratégia de enfrentamento das mudanças climáticas
no Brasil expressas na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).
De acordo com os autores esta política privilegia ações de mitigação em
detrimento daquelas voltadas à adaptação.
Relacionando mudanças climáticas e ‘saúde e meio ambiente’ foram
encontrados oito artigos (Tabela 1). De modo geral os autores comen-
tam sobre a vulnerabilidade do homem às mudanças climáticas, além dos
efeitos da pressão antrópica sobre a natureza e consequente esgotamento
dos recursos naturais.
Estendendo a análise para os temas aquecimento global, desmatamento
e gases de efeito estufa, altamente relacionados com as mudanças climáticas,
verificou-se também poucos artigos publicados, menos de 3% do total, com
base na busca realizada (Tabela 2). Este fato corrobora a necessidade de se
aproximar os projetos de EA com estas temáticas e com a escola básica.
A análise realizada, ainda parcial, mostrou que o tema mudanças climá-
ticas tem sido pouco trabalhado nos projetos de EA de modo geral. Apesar da
consistência dos dados científicos publicados na literatura e da preocupação
internacional de diversos órgãos e países em buscar formas de mitigação e/
ou adaptação a um “novo clima global”, no Brasil a escola básica, que acolhe
os filhos da classe trabalhadora, está a parte destas discussões.
Este resultado nos instiga a entender por que tal fato ocorre, bem como,
pensar e propor formas de se trabalhar a temática mudanças climáticas no
currículo básico no Ensino de Ciências e nos projetos de EA. As mudanças
climáticas, mediante a EA, têm que ser abordada de modo interdisciplinar
com contextualização histórica, social e cultural do indivíduo, construindo
assim uma visão mais crítica do conhecimento científico e tecnológico, e
suas relações com a sociedade.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 131

Tabela 2 – Relação dos artigos publicados em periódicos nacionais na área


de Educação no período de 2005-2015 que abordaram Aquecimento Global,
Desmatamento e Gases do Efeito Estufa. Onde: AG= Aquecimento Global;
DES=abreviação para Desmatamento; GEE= Gases do Efeito Estufa
GRUPO TÍTULO REFERÊNCIAS
A utilização do forno solar como instrumento
GALLEGO et al., 2014
de investigação na Educação Ambiental.
AG
A Terra ‘quente’ na imprensa: confiabilidade CARNEIRO;
de notícias sobre Aquecimento global. TONIOLO, 2012
Estudo do processo de desertificação na Caatinga:
ARAÚJO; SOUSA, 2011
uma proposta de educação ambiental.
Impactos socioambientais no rio Paraguai, SANTOS BEZERRA;
Cáceres, Mato Grosso, Brasil – percepção TORRES DE
dos pescadores da colônia z -2. OLIVEIRA, 2011
As ferramentas de geoprocessamento
como recurso didático e suas possíveis WRUBLACK et al., 2014
DES
contribuições para a educação ambiental.
Contribuição dos assentamentos rurais CALANDINO;
no desmatamento da Amazônia: um WEHRMANN;
olhar sobre o Estado do Pará. KOBLITZ, 2012
Desflorestamento na Amazônia
Brasileira: ação coletiva, governança e MACHADO, 2009
governabilidade em área de fronteira.
A mídia e a educação científica: uma discussão
MORAES GONÇALVES;
sobre a cobertura da reforma do código
BONATO, 2012
florestal brasileiro pela Folha de S. Paulo.
GEE
Efeito estufa – Uma análise turística e ambiental. GUZZO, 2008
Meio ambiente, saúde e
RATTNER, 2009
desenvolvimento sustentável.

Considerações Finais

Os resultados apresentados mostraram que as abordagens adotadas nos


artigos selecionados corroboram a complexidade que envolve as Mudanças
Climáticas, principalmente no que diz respeito à transversalidade de temas,
uma vez que ficou demostrado que questões climáticas envolvem todos os
âmbitos da sociedade, desde educação, saúde, segurança social, segurança
alimentar, política e governança. Este estudo demonstra que o educador deve
estar amparado por conhecimentos técnico e teórico-científico mínimos para
que os temas sobre mudanças no clima e seus impactos sejam trabalhados de
forma eficiente no sentido de contribuir para uma sociedade mais informada
e criticamente consolidada quanto à aspectos que afetam e afetarão suas vi-
das em diferentes escalas.
No sentido da importância da participação da escola neste processo,
devemos buscar desenvolver pesquisas em uma perspectiva que tenha o
132

potencial de estimular o aluno a se sentir parte da sociedade em que vive


e se interessar pelos problemas relacionados com as mudanças climáticas.
Este interesse pode ser favorecido quando o aluno percebe que as mudanças
climáticas podem afetar o seu estilo de vida, e deste modo, saber se posi-
cionar frente aos problemas tomando parte nas decisões sobre seu futuro.
Não é possível alcançar estas metas na ausência de pesquisas voltadas para
formação de professores com esta perspectiva. E partindo da premissa máxi-
ma defendida neste texto, de que temas ambientais perpassam virtualmente
todos os aspectos e atividades humanas, a preparação de um profissional
da educação, que se apropria de uma consolidação teórico-prática sobre o
assunto, poderá contribuir neste processo.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 133

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O ENSINO DE GEOMETRIA
PLANA E ESPACIAL: uma proposta
de sequência didática para promover
a aprendizagem significativa

Luciana Cristina de Melo Tavares


Mirley Luciene dos Santos

Introdução

O estudo da Geometria, de acordo com as Orientações Curriculares


para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), deve levar o aluno a solucionar pro-
blemas práticos de seu cotidiano, orientar-se no espaço, ler mapas, resolver
problemas, reconhecer propriedades das formas geométricas, aprofundar e
sistematizar o estudo das figuras planas e espaciais presentes na natureza. “O
trabalho de representar as diferentes figuras planas e espaciais, presentes na
natureza ou imaginadas, deve ser aprofundado e sistematizado nesta etapa de
escolarização” (BRASIL, 2006, p. 75).
Portanto, a Geometria se faz presente no cotidiano dos alunos e seu co-
nhecimento contribui para um melhor entendimento do mundo. Através dela se
desenvolvem habilidades de visualização, orientação no espaço, quantificação,
comparação, medição e de estimativas, levando o aluno a perceber e compreen-
der melhor o mundo no qual está inserido (CARDOSO et al., 2012).
No entanto, nas últimas décadas, houve um abandono do ensino
de Geometria no Brasil, principalmente por parte das escolas públicas
(PAVANELLO, 1993). Várias são as causas desse abandono, mas duas delas
atuam diretamente em sala de aula. Uma é o fato de que vários professores
não possuem conhecimentos de geometria necessários para realizar sua prá-
tica pedagógica e esse desconhecimento por parte do professor, torna difícil
o reconhecimento da beleza e da importância da disciplina na formação do
aluno. Outra causa é a exagerada importância dada ao livro didático, onde,
em vários deles, o conteúdo de Geometria é apresentado no final do livro e
por estar no final do livro, muitas vezes esse conteúdo é deixado de lado ou
visto rapidamente por falta de tempo. Os conteúdos de Matemática propostos
140

pelo currículo básico são extensos para o número de aulas previstas. Além
disso, em muitos livros, a Geometria é apresentada apenas como proprie-
dades, definições, nomenclaturas e fórmulas, de forma descontextualizada,
fora da realidade (LORENZATO, 1995).
O parágrafo acima não é uma crítica ao uso do livro didático, mas à
exagerada importância dada ao mesmo, pois o livro é um recurso acessível
ao aluno, uma vez que ele ganha este material nas escolas públicas e serve
também como norte para o professor preparar suas aulas. O livro ainda é um
recurso importante, mas não deve ser visto como um produto pronto e aca-
bado. Cabe ao professor selecionar seus conteúdos e atividades, assim como
alterar a ordem do que deve ser ensinado. O fato de um conteúdo estar no
final do livro não significa que deva ser o último a ser ensinado. É necessário
que o professor possua conhecimento e autonomia para efetuar a seleção dos
conteúdos e a ordem de ensiná-los, assim como também é recomendável que
busque complementações e atualizações fora do livro adotado.
Além da problemática apresentada pelos livros didáticos, ainda hoje, o
método de ensino da Geometria, em sala de aula, continua sendo o tradicio-
nal, ou seja, o ensino mecânico transmissivo-receptivo, centrado na figura
do professor, relegando ao aluno uma postura passiva de mero receptor de
informações. Caracteriza-se ainda, como um ensino frequentemente descon-
textualizado da realidade do aluno, preso a fórmulas, com exercícios de fi-
xação repetitivos (COELHO; TAVARES; COSTA, 2012). Essa metodologia
de ensino faz com que “muitos estudantes considerem essa disciplina sem
importância, pois mobiliza apenas a memória, consequência talvez da falta
de demonstrações ou de sugestões de materiais manipulativos, amplamente
disponíveis atualmente” (CARDOSO et al., 2012, p. 141).
Mediante a importância do ensino da Geometria, a problemática descri-
ta anteriormente e a dificuldade que os estudantes possuem em associá-la a
problemas reais, desenvolveu-se uma pesquisa-participativa realizada com
uma turma do 2º ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública esta-
dual, buscando uma aproximação do ensino de Geometria com a vivência e
a realidade dos alunos que culminou na dissertação de Mestrado da primeira
autora, e da qual esse artigo é parte integrante. Na pesquisa desenvolvida,
além da aproximação dos alunos com os conteúdos trabalhados, objetivou-
-se levar o aluno a perceber-se e atuar como sujeito ativo no aprendizado dos
conteúdos ensinados e que essa aprendizagem ocorresse de forma significa-
tiva e prazerosa. Sendo assim, uma das questões norteadoras dessa pesquisa
foi quais são as condições para que ocorra a aprendizagem significativa e
como promovê-la em sala de aula ao ensinarmos Geometria Plana e Espacial
para alunos do 2º ano do Ensino Médio?
Para tanto, desenvolveu-se uma Sequência Didática, na qual foram
propostas aulas utilizando recursos e estratégias didáticas diversificadas,
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 141

levando-se em consideração os conhecimentos prévios (subsunçores) dos


alunos. Entre os recursos didáticos, foram utilizados materiais manipulativos
e as estratégias incluíram aulas expositivas dialogadas, proposição e resolu-
ção de problemas, fotografias e medidas colhidas pelos próprios alunos em
uma trilha ecológica do Cerrado (Trilha do Tatu). Os resultados dessa ativi-
dade foram organizados em um Objeto Virtual de Aprendizagem (OVA) que
após ter sido discutido em sala de aula com os alunos, resultou junto com a
Sequência Didática, no produto final da dissertação da primeira autora.
Assim, o objetivo do presente artigo é apresentar um breve histórico
sobre o ensino da Matemática, a necessidade de rever essa forma de ensi-
no descontextualizada e mecânica e apresentar uma proposta de Sequência
Didática para o ensino dos conteúdos de Geometria Plana e Espacial por
meio de atividades que envolvam os conhecimentos prévios dos alunos, uti-
lizem recursos didáticos manipulativos, ambiente não formal de ensino, a
fotografia e os Objetos Virtuais de Aprendizagem (OVA) como estratégias
de ensino que promovam uma aprendizagem significativa.

Fundamentando a Proposta de Sequência Didática para o


Ensino de Geometria
A Geometria surgiu da necessidade dos povos de conhecerem melhor o
mundo no qual estão inseridos, melhorar a qualidade de vida, solucionar pro-
blemas práticos, como calcular áreas para plantação, medir distâncias, medir
o tempo, aperfeiçoar construções, fabricar objetos artesanais para utilização
pessoal e em comunidade, objetos para defesa e para guerras (lanças, armas,
por exemplo), entre outros. Documentos antigos revelam essa necessidade
e preocupação de diferentes povos como Babilônios, Egípcios, Chineses,
Hindus em estabelecerem conceitos geométricos e solucionarem problemas
relacionados a eles e suas comunidades. No decorrer da história, esse conhe-
cimento passou por discussões, transformações e foi evoluindo. No Brasil
há poucos registros sobre a história da Geometria, mas seu ensino tem uma
história bastante conturbada e preocupante (FERREIRA, 2005).

Breve Histórico do Ensino de Matemática no Brasil

Após a chegada dos portugueses ao Brasil, a educação ficou a cargo dos


jesuítas durante os anos de 1549 a 1759. Assim que chegaram, criaram em
Salvador, a primeira escola elementar. Gradualmente foram se expandindo e
criando novas escolas elementares e colégios em diferentes regiões. Era um
ensino destinado a uma pequena elite e nas escolas elementares, na área da
Matemática, era ensinada a escrita dos números no sistema de numeração
142

decimal e as quatro operações envolvendo os números naturais. Nos colé-


gios, o ensino era de nível secundário, mas enfatizava-se muito o latim e
havia pouco espaço para os conhecimentos matemáticos. Pesquisas reve-
lam que entre os jesuítas os estudos matemáticos eram pouco desenvolvidos
(GOMES, 2012).
Com o passar dos anos, os jesuítas foram se expandindo, fundaram 17
colégios religiosos e também cursos superiores, sendo Filosofia e Ciência,
Letras Humanas e Teologia e Ciências Sagradas os três principais. O curso
de Artes também foi criado, no qual ensinava-se geometria elementar e arit-
mética. Em 1757, dois anos antes da expulsão dos jesuítas, foi fundado o
curso de Matemática (MORALES et al., 2003).
Em 1759, após a expulsão dos jesuítas do Brasil, as escolas ficaram a
cargo de outras ordens religiosas como beneditinos, carmelitas e franciscanos
ou instituições militares, surgindo também as escolas laicas. Foram criadas
as aulas régias, que eram um modelo de ensino público, onde priorizava-se a
gramática, o latim, o grego, a filosofia e a retórica e em segundo plano fica-
vam a aritmética, a álgebra e a geometria, mas eram poucas aulas, isoladas,
com baixo número de alunos e havia dificuldade de encontrar professores
(GOMES, 2012). As aulas régias encontravam resistências, pois eram aulas
avulsas, sem articulação entre as disciplinas, sem planejamento, sendo que
as de Matemática eram as mais impopulares e de maior resistência, por não
fazerem parte do currículo tradicional (MORALES et al., 2003).
No período em que o Brasil foi colônia de Portugal e durante o período
imperial, faziam-se presentes as aulas avulsas, seminários e colégios man-
tidos por ordens religiosas, escolas e professores particulares, os Liceus lo-
calizados nos atuais estados da Bahia, da Paraíba e do Rio Grande do Norte
(GOMES, 2012). Com a chegada de D. João VI e a corte portuguesa ao
Brasil, em 1808, foram trazidas muitas mudanças, inclusive nas áreas da
educação e da cultura. Neste período vários fatores contribuíram para o in-
centivo ao desenvolvimento do ensino da Matemática, entre eles: a fundação
da primeira faculdade brasileira em 1808 e da Academia Real Militar em
1810, a proclamação da independência em 1822, a criação das primeiras uni-
versidades brasileiras em 1827 e a fundação do Colégio Pedro II, em 1837
(MORALES et al., 2003).
Após a Independência, a constituição de 1824 garantiu a gratuidade da
educação primária a todos os brasileiros, mas a grande contribuição para a
educação foi trazida pela lei de 15 de outubro de 1827, que garantia a cria-
ção das escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais
populosos do império. Mas essa lei diferenciava o ensino para meninos e
meninas, sendo uma das diferenças, o fato de que para as meninas não se
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 143

ensinava a Geometria. Em 1837 foram criados outros colégios, inclusive o


Colégio Pio XII, no Rio de Janeiro, que era considerado modelo de educa-
ção. Nele funcionava a educação secundária que preparava os alunos para o
ingresso no ensino superior. Nessa época, o ensino deixou de ser avulso e os
alunos eram aprovados ou reprovados por série e não mais por disciplinas. A
Álgebra, a Aritmética e a Geometria passaram a ocupar lugar no currículo.
“A Geometria aparece como disciplina na 4ª e 5ª série, com duas horas se-
manais” (FERREIRA, 2005, p. 95).
No início do século XX, o Brasil ainda possuía poucas indústrias, sendo
um país agrícola que comercializava e exportava para países industrializa-
dos. O acesso à educação ainda continuava difícil e destinava-se a poucos e
a maioria da população era analfabeta. A Matemática era ensinada de forma
abstrata e por diferentes professores, a maioria deles profissionais liberais
(PAVANELLO, 1993).
Após a primeira guerra mundial o grupo industrial se fortaleceu, surgiu
o movimento nacionalista com a preocupação em combater o analfabetismo
e houve uma busca na melhoraria da qualidade da escola elementar. Em
1930 foi criado o Ministério da Educação e Saúde e posteriormente foi pro-
mulgada a constituição de 1934 que estabelecia uma política nacional de
educação, designava os recursos mínimos para serem investidos nela e dele-
gava competência aos governos federal, estadual e municipal. Mas a educa-
ção continuava seletiva, trazendo o ensino profissional para as classes menos
favorecidas e o ensino secundário para as elites (PAVANELLO, 1993).
No ensino de Matemática, buscava-se uma unidade que ficava a cargo
do professor, devendo este, desenvolver o ensino de vários assuntos e buscar
integrá-los. Em Geometria era proposto que se iniciasse pelas noções intuiti-
vas para posteriormente sistematizá-las e nos livros didáticos, os conteúdos
de Matemática e Geometria eram programados para cada série, mas sem
integração entre eles (PAVANELLO, 1993).
Posteriormente a Geometria passou a ser abordada nas quatro séries, sen-
do intuitivamente nas duas primeiras e dedutivamente nas duas seguintes. Os
conteúdos eram bastante extensos para serem cumpridos em sua totalidade
dentro do número de aulas destinadas à disciplina. Ao fim da década de 1950
houve um desenvolvimento econômico e um processo de urbanização, que
trouxe mudanças para a educação. “A rede escolar expande-se, sem contudo,
atender à demanda. Não existem professores em número suficiente para preen-
cher os cargos criados por essa expansão” (PAVANELLO, 1993, p. 12).
Os alunos, em geral, não gostavam do ensino da Geometria que era ló-
gico-dedutivo, com muitas demonstrações e descontextualizado. Essa proble-
mática foi comprovada também no estado de Goiás, no Colégio Lyceu, na
144

década de 1960, onde com o aumento da demanda por educação, faltavam


professores habilitados para assumir as aulas e fazia-se necessário contratar
quem se mostrasse disposto e tivesse facilidade com a disciplina. Verificou-se
também “a presença marcante do livro didático de matemática e os primeiros
indícios do Movimento da Matemática Moderna” (RABELO, 2010, p. 6).
O Movimento da Matemática Moderna, surgido na década de 1960,
contribuiu negativamente para a Geometria, pois trouxe uma proposta de al-
gebrizar a Geometria, o que além de não vingar no Brasil, eliminou o modelo
anterior, deixando uma lacuna “nas nossas práticas pedagógicas, que perdura
até hoje” (LORENZATO, 1995, p. 4).
Os cursos de formação de professores contemplavam o ensino da
Matemática ou da Didática da Matemática, havendo pouco ou nenhum espa-
ço para a Geometria, o que criou uma lacuna, uma defasagem na formação
do professor, impossibilitando que ele ensinasse Geometria, uma vez que
não tinha conhecimento sobre o assunto. Os programas, guias curriculares,
livros didáticos traziam o conteúdo de Geometria como apêndice, comple-
mento ou ainda no final do material, o que muitas vezes não era ensinado
devido à falta de tempo (LORENZATO, 1995).
Hoje, vários livros didáticos trazem a Geometria inserida no material e
não apenas no final, mas ainda nos deparamos com vários professores com
dificuldade de ensiná-la. Os alunos também, de forma geral, apresentam di-
ficuldades no aprendizado da disciplina, vários deles por falta de base, de
conhecimentos anteriores. Há ainda muitas dúvidas como: “onde colocar o
ponto de equilíbrio dinâmico entre o intuitivo e o dedutivo, o concreto e o
abstrato, o experimental e o lógico, tendo em vista uma aprendizagem signi-
ficativa da Geometria?” (LORENZATO, 1995, p. 4).
Pereira (2001), ao analisar o modo pelo qual as pesquisas têm tratado
o abandono da Geometria no paradigma curricular do Ensino Fundamental
e Médio, a partir de revisão da literatura produzida nos últimos vinte anos,
obteve três categorias com pontos comuns em relação ao tema: as lacunas
deixadas pelo Movimento da Matemática Moderna, os problemas com a for-
mação do professor e a geometria nos livros didáticos.
A formação do professor, como já mencionado anteriormente, tem dei-
xado a desejar, pois os cursos de formação inicial continuam não dando con-
ta de discutir com seus alunos uma proposta mais eficiente para o ensino
de Geometria (SOARES, 2009). Some-se a esse fato, a própria didática do
professor, que ao ensinar geometria acaba por dar enfoque somente na no-
menclatura, deixando de evidenciar suas propriedades. Segundo Pavanello
(2004), pode-se afirmar que muitas das dificuldades que as crianças apresen-
tam em relação ao conhecimento geométrico têm relação com essa didática.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 145

Para Lorenzato (1995), a mudança no ensino de Geometria é uma ques-


tão didático-pedagógica, mas também social epistemológica, envolvendo
uma questão político administrativa. É necessário remunerar melhor o pro-
fessor, modificar os currículos de formação dos professores e lançar novas
publicações tanto de professores quanto de alunos.
De acordo com uma pesquisa realizada por Costa, Bermejo e Moraes
(2009), o ensino de Geometria Espacial nos dias atuais ainda não está ocor-
rendo de forma satisfatória, apresentando dificuldades na linguagem, na re-
presentação geométrica, nos elementos dos sólidos, no uso de fórmulas e
em relacionar sólidos. Foi observado também que os professores atualmente
trabalham a Geometria Espacial desvinculada da Plana porque pressupõem
que os alunos já tenham domínio desse conteúdo.
De acordo com Soares (2009), após movimentos de pesquisadores da
Educação Matemática, estão ocorrendo algumas pequenas mudanças com
relação ao currículo de Matemática e a inserção da Geometria com impor-
tância destacada. O autor destaca que nos livros didáticos, os temas geo-
métricos estão sendo apresentados alternadamente com temas algébricos,
não mais os deixando para o final do livro conforme ocorria anteriormente.
Considerando que o livro didático ainda é a principal fonte de consulta dos
professores e alunos, e que irá influenciar diretamente na aprendizagem, a
maneira como os conteúdos são organizados nos livros didáticos certamente
será a usada pelo professor.
Sendo assim, percebe-se que o ensino de Geometria, a despeito de sua
importância, ainda enfrenta dificuldades de origem histórica que necessitam
ser superadas. Uma das conclusões a que se chega é a que a Geometria deve
ser apresentada de forma mais atrativa e contextualizada aos alunos para que
esses tenham despertado o interesse para o seu aprendizado. E, ainda que
os aspectos utilitários da Geometria possam ser ressaltados para justificar o
seu ensino. É possível, segundo Fonseca (2002, p. 92) que “o argumento da
utilização da Geometria na vida cotidiana, profissional ou escolar permita e
desencadeie o reconhecimento de que sua importância ultrapasse esse seu
uso imediato para ligar-se a aspectos mais formativos”.
Assim, inúmeros são os motivos que justificam o ensino da Geometria,
tais como o desenvolvimento de capacidades intelectuais: percepção espacial,
a criatividade, o raciocínio hipotético-dedutivo (PAVANELLO, 1995), ensi-
nar a resolver problemas (DEGUIRE, 1994), desenvolver a representação do
espaço físico, a construção da proporcionalidade em contextos geométricos
(BÚRIGO, 1994), entre outros. Ainda segundo Soares (2009, p. 51), com o
ensino de Geometria, tem-se a possibilidade de “contextualizar os conteúdos,
uma vez que o aluno pode perceber e valorizar sua presença em elementos
146

da natureza e em criações do homem, o que pode contribuir para uma maior


significação dos conceitos aprendidos”.
Nesse contexto de significação dos conceitos aprendidos é que aborda-
remos a Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, e na sequência, a
utilização dos espaços não formais de aprendizagem para o ensino contextu-
alizado, no intuito de motivar e proporcionar aos estudantes uma participa-
ção ativa na construção do conhecimento dos conceitos geométricos.

A Aprendizagem Significativa e o Aprendizado de Geometria


Plana e Espacial

Mediante a problemática do ensino de Geometria, a mecanização desse


ensino baseado em proposições, fórmulas, teoremas e cálculos e na busca
de um ensino de qualidade que seja contextualizado e significativo para o
aluno, este trabalho foi norteado pela Teoria da Aprendizagem Significativa,
de David Paul Ausubel (1918-2008). Segundo essa Teoria, uma nova apren-
dizagem se relaciona de forma significativa com os conhecimentos prévios
(subsunçores) do aluno, produzindo uma transformação não somente no
novo conteúdo assimilado, mas no conhecimento que o aluno já possuía an-
teriormente. “À medida que se produz uma inter-relação substantiva entre o
novo e o já presente na estrutura cognitiva do aluno, se terá a chave para ex-
plicar o nível de significatividade alcançado no processo de aprendizagem”
(COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004, p. 61).
Os primeiros conceitos ocorrem por descobertas e são adquiridos pelas
crianças até os três anos. Após essa idade os conceitos são mediados pela
linguagem e ocorrem por um processo de aprendizagem receptivo, “no qual
os novos significados são obtidos por meio de perguntas e esclarecimentos
sobre as relações entre velhos conceitos e proposições e novos conceitos e
proposições” (NOVAK; CAÑAS, 2010, p. 11). Quanto mais experiências ou
proposições concretas forem disponibilizadas melhor é o processo de aquisi-
ção do conhecimento, devido a isto é importante o uso de atividades intera-
tivas no aprendizado tanto de crianças mais novas quanto para aprendizes de
qualquer idade e em qualquer campo disciplinar (NOVAK; CAÑAS, 2010).
Para a ocorrência da aprendizagem significativa, são imprescindíveis
três condições: a primeira delas é que o material deve ser potencialmente sig-
nificativo para o aluno, deve ser apresentado seguindo uma estrutura lógica
e organizada; a segunda é que o aluno deve possuir conhecimentos prévios
que sejam relacionados ao novo conteúdo para que possa fazer associações
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 147

e terceiro, a aprendizagem depende da vontade desse aluno, ele deve querer


aprender de forma significativa (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004).
O material a ser aprendido deve ser claro e deve ser apresentado rela-
cionando-se com os conhecimentos anteriores do aluno, logicamente o alu-
no deve possuir conhecimento anterior que se relacione com o novo. Nesta
perspectiva, cabe ao professor preparar o material, diagnosticar o que alu-
no já conhece, promover aulas dialogadas, pois “aquilo que o aprendiz
já sabe é o mais importante fator isolado que influencia a aprendizagem”
(MOREIRA, 2005, p. 2).
A condição que o professor não possui controle direto sobre ela é a
motivação do aluno para querer aprender de modo significativo. Para atingir
essa motivação o professor precisa desenvolver estratégias de ensino que fa-
voreçam a aprendizagem significativa, através do relacionamento do conhe-
cimento novo com o conhecimento já existente e buscar também estratégias
de avaliação onde o aluno possa relacionar as ideias que já possui com as
novas (NOVAK; CAÑAS, 2010).
Joseph Novak atribuiu uma conotação humanista para a aprendizagem
significativa “propondo que ela subjaz à integração construtiva, positiva, en-
tre pensamentos, sentimentos e ações” e que com ela o aprendiz cresce e
predispõe a novas aprendizagens, diferente da aprendizagem mecânica na
qual o aluno desenvolve uma atitude de recusa à matéria, o que dificulta
a predisposição para aprender, fator imprescindível para a ocorrência da
aprendizagem significativa (MOREIRA, 2005, p. 4).
A Geometria está presente na vida dos alunos, tanto nos ambientes ur-
banos como nos naturais, mas muitas vezes passa despercebida. Nesse con-
texto, trabalhar a Geometria em uma Trilha Ecológica é uma forma de buscar
os conhecimentos subsunçores dos alunos, uma vez que com maior ou me-
nor intensidade ou frequência, todos eles já tiveram contato com os elemen-
tos da natureza, já observaram suas formas, têm noções básicas de medidas,
como alturas e formas das árvores, por exemplo. A maioria dos alunos, em-
bora nunca tenha percorrido uma trilha, conhece elementos da natureza por
possuírem quintais em casa, frequentarem praças e parques, etc. Ao percor-
rer a Trilha e medir seus elementos ele está relacionando, associando o co-
nhecimento novo ao conhecimento prévio. A proposta da Trilha Ecológica,
além de buscar os conhecimentos subsunçores dos alunos, também serviu
de estratégia para motivar, envolver o aluno numa aula diferenciada em um
espaço não formal de aprendizagem, que a maioria nunca havia frequentado.
148

A Trilha Ecológica como Ambiente não Formal de Aprendizagem


para o Ensino de Geometria Plana e Espacial

A aula em espaço não formal de aprendizagem deve ser tão bem pre-
parada quanto uma aula em ambiente formal. O professor deve ter claros
os objetivos e as metas a serem alcançadas e os alunos também devem es-
tar conscientes e serem informados desses objetivos e metas. O conteúdo
deve ser coerente com os objetivos, deve estar em consonância com o que é
proposto pelo currículo e essa atividade deve constar em seu planejamento
pedagógico. Esses cuidados permitem que a prática faça sentido e que os
resultados sejam mais significativos. É importante também estabelecer, jun-
tamente com os alunos, regras de conduta, comportamento e horários, antes
de sair da sala de aula, para que se sintam seguros do que podem ou não fazer
(OLIVEIRA; GASTAL, 2009).
Segundo Oliveira e Gastal (2009), os espaços não formais favorecem
e estimulam a aprendizagem por se tratarem de um ambiente diferente do
escolar, fora da rotina de sala de aula, onde o aluno participa de forma mais
descontraída e espontânea. Esses espaços também possibilitam muitas vezes
o contato direto com materiais concretos, que na sala de aula são observados
apenas visualmente ou virtualmente. O aluno olhar a figura de um cilindro
no quadro ou um desenho no livro didático, imaginá-lo em três dimensões
e calcular o seu volume é diferente de, em uma trilha ecológica, visualizar,
registrar a imagem, tocar, medir, calcular o volume de um tronco de árvore
de forma semelhante ao cilindro. No segundo caso, o aluno teve contato com
o objeto de estudo de forma concreta. Ele vivenciou, sentiu o momento, a
aprendizagem foi palpável e carregada de sentimentos.
Esse contato concreto do aluno com o material de estudo, já visualiza-
do por ele anteriormente, em outros momentos da vida, contribui também
para a associação do conhecimento novo com os subsunçores, favorecendo
a Aprendizagem Significativa. A saída da sala de aula também é fator impor-
tante porque sair da rotina aumenta a predisposição do aluno para o apren-
dizado, uma das condições essenciais para a Aprendizagem Significativa
(OLIVEIRA; GASTAL, 2009).
O ambiente não formal contribui para a concretização e contextualiza-
ção do ensino, fato que envolve e motiva o aluno para que se interesse e in-
teraja com o conteúdo. Partir do universo vivencial, trabalhar a prática ajuda
o aluno a reconhecer que o conteúdo escolar extrapola os muros da própria
escola e tem utilidade para a vida e para a evolução do mundo. Nessa pers-
pectiva, trabalhar a Geometria em um espaço não formal de aprendizagem
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 149

no decorrer desse trabalho ocorreu na busca de melhorar o interesse do aluno


pelo conteúdo.
A trilha ecológica foi escolhida como ambiente não formal de aprendiza-
gem porque é um espaço onde a Geometria está presente e o aluno muitas vezes
não a percebe. Em Goiás, estado da federação em que o presente estudo foi
desenvolvido, é muito comum o aluno morar em casas com quintais, passear
em sítios, fazendas, nadar em rios, possuindo desde criança a oportunidade de
conviver com diversos elementos da natureza que também estão presentes nas
trilhas ecológicas. Portanto, vários elementos da trilha já foram vistos pelos alu-
nos, ainda que em outros ambientes, mas sem que eles observassem detalhes ou
sem o objetivo de visualizar a Geometria presente neles.

A Elaboração e o Desenvolvimento da Sequência Didática para


o Ensino de Geometria Plana e Espacial

Visando amenizar as dificuldades encontradas no Ensino de Geometria,


a Sequência Didática, ora apresentada, aborda parte do conteúdo de
Geometria Plana e Espacial proposto para o 2º ano do Ensino Médio, especi-
ficamente perímetros, áreas e volumes. O objetivo principal dessa Sequência
Didática é trabalhar a Geometria, de forma dialogada e interativa levando
o aluno a ser sujeito ativo no processo de aprendizagem, tendo como ferra-
menta os elementos da natureza presentes em uma trilha ecológica educativa
(ambiente não formal de educação), utilizando-se de objetos de medição e
imagens fotográficas tiradas pelos próprios alunos para perceber e registrar
elementos e conceitos Geométricos presentes em ambientes naturais, de for-
ma a envolver o aluno, levá-lo a visualizar e perceber a Geometria presente
no ambiente no qual estamos inseridos, e dessa forma contextualizar os con-
teúdos ensinados, e ao mesmo tempo, relacioná-los aos seus conhecimentos
prévios, buscando assim, uma forma de desenvolver o gosto e o interesse
pelo conteúdo proposto.
A Sequência Didática foi elaborada e aplicada em cinco momentos que
totalizaram 31 aulas de 50 minutos e que são descritos a seguir. Esses mo-
mentos que buscam a contextualização e a aprendizagem significativa dos
conteúdos de Geometria Plana e Espacial constituem uma contribuição para
a prática do professor da Educação Básica. A intenção não é a de apresen-
tar uma receita pronta e acabada de sucesso, mas uma estratégia de ensino
que foi experimentada na prática e trouxe bons resultados para o ensino e a
aprendizagem de Geometria.
150

Momentos 1 e 2 da Sequência Didática:


Concepções e Organizadores Prévios

O primeiro momento, desenvolvido em uma (01) aula, propiciou à pes-


quisadora conhecer algumas concepções prévias dos alunos por meio do
questionário e dos desenhos realizados. A partir desse momento, verificou-
-se que alguns alunos tinham conceitos relevantes enquanto outros desco-
nheciam o assunto. Esse diagnóstico inicial foi então utilizado para planejar
a Sequência Didática e trabalhar organizadores prévios com os alunos antes
da realização da atividade na trilha.
Assim, no segundo momento, iniciou-se a Sequência Didática com
as aulas expositivas e dialogadas. Essas aulas foram acompanhadas do de-
senvolvimento de atividades em grupo, sempre com o acompanhamento da
pesquisadora-regente. Os conceitos de Simetria, Perímetro e Área de figu-
ras planas, Vértices, Arestas, Faces e Volume de sólidos geométricos foram
trabalhados de forma variada, utilizando materiais manipulativos, sendo a
maioria reutilizáveis, tais como cordão, embalagens vazias, entre outros. A
pesquisadora trabalhou em sala conceitos da Geometria partindo do que os
alunos já conheciam. Foi trabalhado o conteúdo de Geometria plana e espa-
cial, tanto conceitos como resolução de exercícios.
O conteúdo foi assim distribuído ao longo de 17 aulas:

• 01 aula para diferenciar Geometria Plana e Geometria Espacial e


reconhecer vértices, arestas e faces;
• 04 aulas para reconhecer simetria em diferentes objetos e figuras,
diferenciar perímetro de área e calcular perímetros e áreas das
principais figuras planas (quadrado, retângulo, triângulo, losango,
trapézio, paralelogramo);
• 03 aulas para resolução de exercícios e problemas fixando o cál-
culo de perímetros e áreas;
• 02 aulas para compreender o significado do π e a forma como foi
encontrado, identificar raio e diâmetro e perceber a relação entre
eles, calcular o comprimento e a área de diversas circunferências;
• 03 aulas para estabelecer a relação entre área e volume, calcular e
comparar volumes de diferentes sólidos e conferir se embalagens
trazem o volume correto da substância que contêm;
• 04 aulas para compreender e calcular o volume da esfera e resol-
ver problemas contextualizados que envolvam volumes de sóli-
dos geométricos.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 151

Momento 3 da Sequência Didática: Visita a um Ambiente


não Formal de Educação (Trilha Ecológica) e Realização
de Atividades de Medição e Registro Fotográfico

Após trabalhado o conteúdo de forma expositiva e dialogada em sala


de aula, iniciou-se o trabalho de campo. A atividade de campo consistiu em
levar os alunos a uma Trilha Ecológica. Essa escolha justifica-se pela busca
de motivar e envolver os alunos para que se predispusessem a aprender sig-
nificativamente e também na busca de conhecimentos subsunçores, porque
na trilha estão presentes elementos já conhecidos pelos alunos.
Os alunos foram instruídos a levar objetos de medição (trena, fita mé-
trica, régua), câmeras fotográficas ou aparelhos celulares para o registro das
imagens de tudo o que para eles representasse Geometria, seja plana ou espa-
cial. O ato de registrar, de fotografar ajuda na percepção, uma vez que é ne-
cessário observar, focar para registrar a imagem. A imagem fotográfica é um
instrumento que pode ser utilizado em diversas áreas de ensino (BORGES;
ARANHA; SABINO, 2010). São representações não verbais e são lembra-
das com mais facilidade que suas representações verbais correspondentes.
A imagem fotográfica quando tirada pelo próprio aluno é uma ferra-
menta que foi vivenciada, teve algum significado, algum objetivo. Está im-
buída de pensamento, sentimentos, significações, contexto, o que a torna
mais atrativa. O aluno é capaz de explicá-la e justificar o porquê tirou aquela
foto. Ela é o registro de um momento vivenciado por ele, diferente de ob-
servar uma fotografia ou imagem já pronta em livros ou revistas. O fato de
efetuar as medições e anotá-las, também é um fato concreto, palpável que
envolve pensamentos, sentimentos e ações (RODRIGUES, 2007).
Os estudantes foram organizados em grupos de até oito (08) alunos,
acompanhados pela professora e por monitores e orientados a registrarem as
imagens do percurso. Com essas imagens foi desenvolvido um trabalho de
investigação das figuras geométricas que levou à construção de um OVA.

Momento 4 da Sequência Didática: A Construção


Coletiva do Objeto Virtual de Aprendizagem (OVA)
como Proposta de uma Situação Problema

A aprendizagem em sala de aula requer atividades práticas bem elabo-


radas que desafiem as concepções prévias do aprendiz, encorajando-o a reor-
ganizar suas teorias pessoais (MORTIMER et al., 1999). Segundo os PCN’s
a Ciência deve ser apreendida em suas relações com a Tecnologia e com
as demais questões sociais e ambientais (BRASIL, 1998). Assim, a criação
152

de um OVA, utilizando da tecnologia, busca alcançar essa aprendizagem.


Segundo Lévy (1999), os meios interativos promovem melhor aprendizado
e integração no mundo contemporâneo.
Segundo Antônio Júnior e Barros (2005), Objetos Virtuais de
Aprendizagem (OVA) constituem uma nova forma do uso da tecnologia
em sala de aula, em que através dela, elabora-se material didático envol-
vendo conteúdos, exercícios e complementos. Um mecanismo que pode
ser utilizado pelos docentes para desenvolver seus trabalhos e que possibi-
litam a interatividade.
Buscando a reflexão crítica sobre as imagens e medidas encontradas na
trilha ecológica, nas aulas seguintes à visita à trilha, os alunos reuniram-se
em grupos (os mesmos grupos que desceram a trilha), numeraram as fotos e
escreveram o que encontraram de Geometria em cada uma delas. Em seguida
foram orientados a efetuarem os cálculos de cada imagem obtida com as me-
didas coletadas na trilha. Esta atividade foi realizada na sala de computação
da escola, onde os alunos copiaram as fotos, via cabo, para o computador,
escreveram sobre elas, efetuaram os cálculos produzindo um documento por
grupo. Cada documento deveria conter no mínimo cinco fotos com descrição
e/ou cálculo. Essa etapa foi executada em quatro (04) aulas. O agrupamento
das fotos, descrições e cálculos gerou um OVA utilizando-se do aplicativo
Microsoft PowerPoint. O OVA foi criado sem alterar as proposições dos alu-
nos, estando corretas ou não as informações. Ao todo foram criados 35 slides
que foram expostos aos alunos para discussão e avaliação.

Momento 5 da Sequência Didática: Avaliação dos Resultados


e Reelaboração da Versão Final do OVA pelos Alunos

Nessa etapa, a pesquisadora apresentou o OVA aos alunos, promovendo


a reflexão e a discussão das informações contidas nos slides que contempla-
vam o que havia sido registrado no percurso da trilha ecológica. Analisou-se
slide por slide, para que os alunos pudessem observar, refletir e comentar. A
pesquisadora utilizou uma trena para mostrar o tamanho real das medidas
que eles haviam colocado nos slides. Os slides nos quais os alunos detec-
taram alguma irregularidade, seja no texto, nas medidas ou nos cálculos,
foram então corrigidos. Esse procedimento, juntamente com a avaliação do
OVA durou quatro (04) aulas.
A avaliação final da Sequência Didática foi obtida por meio do registro
de todas as atividades realizadas ao longo da sequência, as quais incluíram a
participação dos alunos nas discussões, a resolução de exercícios, as ativida-
des em grupo, a produção e reelaboração do OVA.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 153

Considerações Finais

A ida à trilha ecológica mobilizou conhecimentos prévios, aguçou a


curiosidade dos alunos, promoveu cooperação entre os estudantes na coleta
dos dados, proporcionou momento de investigação sobre o que poderia ser
ou não elementos geométricos, promoveu conhecimentos sobre a biodiver-
sidade do Cerrado e sobre a importância da preservação do meio natural
para a sobrevivência das espécies. Enfim, essa atividade motivou os alunos à
aprendizagem, levando-os a estabelecer relação entre novos conhecimentos
e àqueles já existentes em sua estrutura cognitiva. A fotografia serviu não
somente como registro do dado em campo, mas possibilitou ampliar a per-
cepção dos elementos naturais que representassem elementos geométricos.
A construção coletiva do Objeto Virtual de Aprendizagem a partir dos
dados coletados pelos próprios alunos na atividade desenvolvida na trilha re-
presentou, na SD um importante momento de avaliação do processo. Nesse
momento da SD uma situação problema foi apresentada em um contexto di-
ferente daquele apresentado durante uma aula expositiva. Em uma proposta
de ensino que busca a aprendizagem significativa, a avaliação para se verifi-
car se o processo e a construção do conhecimento foram significativos, não
pode se limitar a avaliar o aluno com atividades que exijam mera memori-
zação de conceitos e fórmulas. Assim, segundo Ausubel “a melhor maneira
de evitar a simulação da aprendizagem significativa é formular questões e
problemas de uma maneira nova e não familiar” (MOREIRA, 1999).
A SD proposta não tem a pretensão de sanar as dificuldades enfrentadas
pelos professores no ensino de Geometria. O que se propõe é apenas uma
possibilidade de sequência de atividades que podem promover um ensino
contextualizado e que ao motivar o aluno para a aprendizagem poderá alcan-
çar o objetivo de promover uma aprendizagem significativa da Geometria
Plana e Espacial no Ensino Médio.
154

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CONCEPÇÕES SOBRE OS JOGOS
PARA O ENSINO DE BOTÂNICA
NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE BIOLOGIA

Renata Rolins da Silva Oliveira


Mirley Luciene dos Santos

“Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora


de brincadeira do que em um ano de conversa”.
(Platão)

Introdução

O caráter polissêmico do termo “jogo” faz com que ele assuma caracte-
rísticas distintas nas diferentes sociedades e nas diferentes áreas do estudo.
De acordo com Cunha (2012), os jogos sempre estiveram presentes na vida
das pessoas, seja para competição, diversão ou aprendizagem de conteúdos
escolares, sendo assim considerada uma atividade intrínseca ao ser humano.
Alves (2003) afirma que os jogos e brincadeiras tiveram ao longo da
história um papel primordial na aprendizagem de tarefas e no desenvolvi-
mento de habilidades sociais, necessárias à sobrevivência humana, mas nem
sempre foram utilizados para ensinar conteúdos escolares. Cunha (2012)
relata que no século XVIII, iniciou-se a elaboração de jogos para ensinar
ciências, ocorrendo também a popularização dos mesmos, pois a princípio
eram restritos apenas aos nobres, tornando-se assim meios de comunicação
popular, ao fazer parte do cotidiano das pessoas como veículos de divulga-
ção e crítica.
No século XIX, com o fim da Revolução Francesa, inicia-se o surgi-
mento das renovações pedagógicas. A expansão de novos ideais possibilita
o crescimento das experiências que introduzem o jogo com o intuito de fa-
cilitar tarefas do ensino. No século XX, acentuaram-se as discussões sobre
os jogos como estratégia para auxiliar no processo ensino aprendizagem. A
disseminação dos jogos é decorrente também da comercialização. Alguns
158

editores estabelecem uma linha de brinquedos educativos, entre eles os jo-


gos, com o lema “instruir divertindo” (KISHIMOTO, 1990).
No Brasil, os jogos tiveram maior reconhecimento na década de 1980,
com a criação das brinquedotecas, com o aumento do número de estudiosos
do assunto e da produção científica, e também com o aumento de empresá-
rios no comércio de jogos educativos (KISHIMOTO, 1990).
Gomes e Friedrich (2001) atestam que atualmente, os jogos são pouco
difundidos e seus benefícios desconhecidos por muitos professores. Tal fato
pode ser explicado devido a palavra jogo, em nossa sociedade, ser associada
à recreação e sua utilização às vezes não ser vista com bons olhos por alguns
professores, que segundo Castro e Costa (2011), temem perder o controle da
classe ao utilizar atividades lúdicas com seus alunos, devido os jogos esta-
rem na linha tênue que separa interação e diversão.
Em relação aos benefícios apresentados na utilização desta estratégia
didática, a interação possível de ser proporcionada é predominante. Dohme
(2011) defende que o jogo é uma maneira natural de interação entre os alu-
nos, que ao vivenciar situações, manifestar indagações, formular estratégias
e verificar seus erros e acertos, podem reformular, sem punição, suas ações.
Fialho (2008) afirma que a interação que ocorre nos jogos proporciona situa-
ções de ensino aprendizagem, possibilitando que ocorra a construção do co-
nhecimento, a partir do desenvolvimento da iniciativa e da ação motivadora
proveniente das atividades lúdicas.
Costa (2011) entende como um benefício do uso de jogos em sala de
aula, a possibilidade dessas atividades lúdicas em oportunizar uma vivên-
cia, mesmo que simulada, de soluções de problemas que podem ser seme-
lhantes à realidade que o homem enfrenta ou já enfrentou. Esta concepção
aproxima-se dos processos de ensino aprendizagem de Ciências e Biologia,
que envolvem conteúdos muitas vezes abstratos e de difícil compreensão,
como é o caso do ensino de Botânica, onde prevalece a abordagem tradicio-
nal, com dissociação entre o conteúdo e a realidade (CAVASSAN; SILVA,
2005), pautado em memorização (CECCANTINI, 2006), sem priorizar a
Aprendizagem Significativa.
Para Ceccantini (2006), unir o aspecto lúdico e criativo às aulas de
Botânica, faz com que elas se tornem mais prazerosas, constituindo-se de
acordo com Mendes, Brandão e Figueiredo (2011), um recurso relevante
para o professor, ao expandir em seus alunos principalmente, a habilidade em
resolver problemas contribuindo para a apropriação de conceitos e atenden-
do às características inerentes da adolescência. Nesse sentido, a efetividade
das atividades lúdicas, especialmente o jogo, possui uma série de atribuições
que tornam a aprendizagem da Botânica um processo mais significativo, ao
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 159

proporcionar ao aluno, situações mais expressivas do que as encontradas no


ensino habitual.
A Botânica não é a parte da Biologia mais aceita e assimilada no meio
escolar (SANTOS, 2000; COSTA, 2011; FIGUEIREDO; COUTINHO;
AMARAL, 2012), sendo considerada de difícil assimilação por muitos alu-
nos. Nas escolas de Educação Básica, o ensino de Botânica é marcado pela
ênfase na memorização (CECCANTINI, 2006), pelo uso excessivo do livro
didático, pela falta de contextualização (CAVASSAN; SILVA, 2005) e pela
ausência de metodologias adequadas para o ensino dos conteúdos (MELO et
al., 2012). De acordo com Kinoshita et al. (2006), tais fatores estão interliga-
dos e denotam a deficiência na formação dos professores, levando-os a atu-
arem como simples transmissores de informações, e não como mediadores
do conhecimento, fazendo com que o estudo das plantas se torne monótono.
Campos, Bortoloto e Felício (2003), consideram que a Aprendizagem
Significativa torna-se mais viável quando as informações são mostradas com
formato lúdico, pois os alunos recebem a proposta mais entusiasmados com
a possibilidade de aprender de forma mais interativa e divertida. Os autores
também consideram os jogos uma alternativa que viabiliza a Aprendizagem
Significativa, preenchendo muitas lacunas que o processo habitual de trans-
missão de conhecimentos deixa, permitindo a efetivação do processo de
construção de conhecimentos.
Por Aprendizagem Significativa entende-se “A Teoria da Aprendizagem
Significativa” (TAS), que foi proposta por David Ausubel em 1963, sendo
a ideia fundamental um processo de aprendizagem em que as novas infor-
mações e os novos conhecimentos estejam relacionados a um aspecto re-
levante, existente na estrutura cognitiva de cada indivíduo (MOREIRA,
1999). Segundo Moreira (2011) existem algumas condições para que ocorra
a Aprendizagem Significativa: que o material utilizado no processo ensino
aprendizagem tenha relação com a estrutura cognitiva do aprendiz, sendo
assim potencialmente significativo; que o aluno tenha na sua estrutura cogni-
tiva os subsunçores adequados, e por último, que apresente uma disposição
para aprender a partir desse novo material.
No primeiro ponto mencionado, Castro e Costa (2011, p. 27) afirmam
a necessidade do material em apresentar “significado lógico, de forma subs-
tantiva, não arbitrária e não aleatória, ou seja, que ele tenha fundamento,
que represente algo e não esteja sujeito a incertezas” para que as novas in-
formações possam ser relacionadas com os conceitos prévios do aprendiz.
Ausubel e Robinson (1969) ressaltam que o significado do material pode
ser diferente para cada aluno, dependendo do que há em sua estrutura cog-
nitiva. Referindo-se ao segundo aspecto, que é sobre a estrutura cognitiva
160

do aluno, é necessário que os conceitos subsunçores estejam presentes, ou


seja, que ele tenha os conhecimentos prévios adequados para proporcionar
a Aprendizagem Significativa. Já o terceiro ponto, Moreira (2011) salienta a
disposição que o aluno apresenta para aprender, pois por mais que o material
seja potencialmente significativo e que o aluno apresente os subsunçores
adequados, é importante que ele tenha motivação para aprender, se não a
aprendizagem será sem significado, mecânica e memorística.
Schwarz (2006), afirma que:

Atividades prazerosas, como brincadeiras e jogos, que mobilizam


emoções normalmente agradáveis, podem favorecer o trabalho do-
cente. Sendo realizadas dentro de um grupo, em um contexto com
regras e diálogo, podem propiciar o envolvimento dos educandos com
as atividades escolares, favorecendo a aprendizagem, fortalecendo a
autoestima, a socialização e o senso ético (SCHWARZ, 2006 p. 25).

Em vista disso, é possível que com a utilização dos jogos, ocorra o


desenvolvimento do cognitivo e da parte emocional dos alunos, fazendo
com que o processo ensino aprendizagem torne-se mais eficaz e, além
disso, proporcione momentos de descontração, alegria e socialização en-
tre professores e alunos.
Dessa forma, Santos (2015) recomenda que é necessário analisar como
o lúdico é construído, aplicado e significado tanto pelos professores quanto
para os alunos de Ciências e Biologia, pois aulas com jogos podem ser in-
teressantes, mas existem outras modalidades de ensino que também o são.
É importante que o lúdico não apareça como única prática, hegemônica no
processo de formação inicial de professores, sendo necessário problematizar
as tendências pedagógicas, não negando sua importância, mas também não
a supervalorizando. É importante conduzir os alunos em formação inicial à
reflexão, para que eles não venham colocar os jogos e as atividades lúdicas
acima das outras práticas pedagógicas.
A partir disso, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de um
diagnóstico que foi realizado com os alunos matriculados na disciplina de
Oficinas de Práticas Pedagógicas IV do curso de licenciatura em Ciências
Biológicas do Instituto Federal Goiano Câmpus Ceres, que teve como fi-
nalidade coletar indicadores que permitissem traçar um perfil dos sujeitos
pesquisados em relação à sua afinidade com os conteúdos curriculares de
Botânica, bem como, com os jogos enquanto recursos possíveis de serem
utilizados no processo ensino aprendizagem dessa área da Biologia.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 161

Metodologia

Este artigo é parte da pesquisa de mestrado intitulada “Jogos na


Formação Inicial de Professores de Biologia”, a qual apresenta uma aborda-
gem qualitativa, que se enquadra no propósito do nosso estudo que é inves-
tigar o processo de construção de jogos na formação inicial de professores
de Biologia a partir do contexto professor reflexivo. A presente pesquisa
apresenta-se como uma proposta de Pesquisa-ação, na qual a regente da dis-
ciplina é a pesquisadora e os alunos da disciplina de Oficinas de Práticas
Pedagógicas IV (OPP IV), os sujeitos pesquisados.
Especificamente em nossa pesquisa, a pesquisa-ação é conduzida como
uma estratégia articulada à formação inicial, sendo compreendida como re-
sultado da composição de ações relacionadas às resoluções de problemas
voltados às necessidades formativas docentes em um curso de Licenciatura,
os quais estão associados às vivências do professor no dia a dia da escola.
Um questionário inicial composto de cinco questões foi aplicado com
o intuito de traçar o perfil dos sujeitos pesquisados em relação à sua afini-
dade com os conteúdos curriculares de Botânica, bem como, com os jogos
enquanto recursos possíveis de serem utilizados no processo ensino aprendi-
zagem dessa área da Biologia. Também foi solicitado aos licenciandos que
participassem de uma roda de conversa em que se apresentariam e contariam
um pouco da sua vida escolar em relação ao ensino de Biologia e mais espe-
cificamente na área da Botânica.
Os objetivos e as justificativas da pesquisa foram explicados aos li-
cenciandos, bem como repassado a eles, o Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE) para que assinassem, caso concordassem em participar
da pesquisa. Assim concordando, os licenciandos, permitiram que fossem
gravados os momentos de socialização na roda de conversa, e suas respos-
tas do questionário fossem usadas para os fins da pesquisa. Desse modo,
os licenciandos foram identificados utilizando a seguinte nomenclatura, em
ordem alfabética dos nomes: A1, A2, A3,... A32.
A análise dos dados coletados forneceu informações que caracteriza-
ram os sujeitos pesquisados, contemplando aspectos referentes a origem de
Ensino Fundamental e Médio e seu contato com a disciplina de Biologia,
mais precisamente na área da Botânica, em seus anos de escolaridade.
Nessa concepção, a pesquisa-ação aqui proposta, intencionou elaborar
e construir junto aos licenciandos ações que propiciem experiências signifi-
cativas, para que os mesmos possam desenvolver situações que favoreçam a
Aprendizagem Significativa pautada na teoria de David Ausubel, junto aos
seus futuros alunos.
162

A pesquisa ação que norteia esse trabalho foi desenvolvida a partir


de um ciclo espiral auto reflexivo contendo quatro fases: o diagnóstico
do problema, o planejamento da ação, a execução da ação e a análise,
reflexão e avaliação das ações. No presente artigo será apresentado o
diagnóstico do problema.

Resultados e Discussões

A primeira fase do espiral da pesquisa-ação refere-se à definição do


problema a partir do diagnóstico, que foi realizado em dois momentos: por
meio de uma roda de conversa e de um questionário respondido pelos 32
licenciandos matriculados na disciplina de OPP IV. O intuito dessa investi-
gação inicial foi conhecer os sujeitos pesquisados e quais metodologias de
ensino tinham sido utilizadas desde o início do curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas até o momento. Além disso, objetivou-se analisar se os
licenciandos vislumbravam nos jogos uma possibilidade de melhorar o pro-
cesso ensino aprendizagem de Botânica com base em reflexões a respeito de
metodologias de ensino lúdicas.
Na roda de conversa, foi possível perceber com detalhes quem seriam
os sujeitos da pesquisa. A maior parte dos licenciandos veio de escola públi-
ca e nesse primeiro momento, eles tiveram a oportunidade de externar como
a Botânica foi abordada durante sua vida escolar. Podemos observar isso nos
depoimentos que seguem transcritos:

A5: Lembro-me da experiência de colocar o grão de feijão para ger-


minar no algodão úmido. Foi o contato mais direto que tivemos com
as plantas no ensino Fundamental. No Ensino Médio mudei de escola
e lá tínhamos uma televisão que era usada para filmes ou documen-
tários tanto sobre animais quanto vegetais e o professor de Biologia
utilizava o pátio da escola para nos ensinar algumas coisas sobre
Botânica, pois lá tinha muitas plantas...
A9: Tanto no Ensino Fundamental quanto no ensino Médio, o li-
vro didático também esteve bem presente em minha vida escolar, o
qual íamos seguindo capítulo por capítulo durante todo o ano letivo.
Algumas vezes era utilizado desenhos, cartazes nas aulas de ciências.
A parte da Botânica sempre tive mais dificuldade, talvez pela forma
com que foi ensinada... muitos nomes... e hoje aqui na graduação,
ainda tenho dificuldades nessa área e acredito que esse fato se deva a
base que tenho do ensino médio.
A15: No Ensino Fundamental a minha aprendizagem sobre ciências
e particularmente sobre as plantas foi bem precária, sem nenhuma
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 163

atividade lúdica, apenas a utilização dos livros didáticos, quadro


e giz. No Ensino Médio não foi diferente. A Biologia, bem como a
Botânica me foi apresentada a partir dos livros didáticos, com a re-
alização dos exercícios contidos nos livros. Alguns conteúdos como
a Botânica, nem eram explicados, somente lidos pelos professores...
A25: No Ensino Fundamental, meu aprendizado sobre as plantas foi
além da teoria, pois a professora utilizava de alguns exemplos bem
práticos, como a plantação de feijão no algodão, na terra e sem-
pre nós alunos íamos observando o seu desenvolvimento e estudan-
do as plantas. Era bem interessante. Já no Ensino Médio, as aulas
eram baseadas somente no quadro negro e giz, leitura e resolução
dos exercícios no final do capítulo. E foi assim do 1º ano do ensino
Médio ao 3º ano. Havia alguns vídeos educativos, porém muito lon-
gos e pouco proveitosos perante a linguagem e escassez de imagem
para melhor entendimento.
A27: No Ensino Fundamental e no Ensino Médio meu aprendizado
sempre baseou nos conteúdos e métodos que os livros didáticos pres-
crevem. As metodologias e recursos didáticos utilizados sempre foram
estratégias constantes, tais como: giz e quadro negro. ... As aulas sem-
pre foram ministradas dentro do ambiente escolar, os professores não
buscavam inovações nas metodologias no envolvimento dos alunos
com o aprendizado. No ensino fundamental nosso estudo das plantas
se resumia ao dia da árvore, em que fazíamos frases e ouvíamos so-
bre a importância das plantas para o planeta. Mas o ensino de modo
geral se baseou em responder questões apresentadas no final do livro.

Conforme explicitado, foi possível percebermos que os licenciandos


expressam certo desagrado pela tão somente utilização do livro didático para
estudar Botânica. Mas dependendo da instrução que tiverem na formação
inicial de professores, eles poderão repetir essas mesmas práticas futuramen-
te com seus alunos, pois a formação docente não se dá apenas nas atividades
acadêmicas. Os saberes do professor em formação inicial encontram-se per-
meados da “formação ambiental”, termo utilizado por Carvalho e Gil-Pérez
(2011), para definir a formação que se tem ao longo da vida estudantil, a
partir da convivência com os próprios professores.
Com isso, muitas atitudes, ideias, comportamentos e estratégias didáti-
cas utilizadas no ensino pelos docentes decorre dessa “formação ambiental”.
Essa influência é prejudicial quando a reflexão não precede a ação. Ainda, de
acordo com Carvalho e Gil-Pérez (2011, p. 28), “a influência dessa formação
incidental é enorme porque responde a experiências reiteradas e se adquire
de forma não reflexiva como algo natural, óbvio, o chamado ‘senso comum’,
escapando assim à crítica e transformando-se em um verdadeiro obstáculo”.
164

A partir disso, percebe-se a relevância do processo reflexivo na formação


inicial de professores, porque se a influência desta formação ambiental não
for barrada, e não for tomada uma consciência da importância que esse as-
pecto repercute na docência, ela transforma-se em um verdadeiro obstáculo
no processo ensino e aprendizagem.
Assim, a prática reflexiva na ação e sobre a ação, possibilita o favoreci-
mento da oferta de estratégias didáticas que conduza os licenciandos a refle-
tirem na sua própria prática, e a partir de sua capacidade criativa, ampliarem
seus recursos e modificarem suas perspectivas. O questionário foi repassado
aos alunos ao final da roda de conversa. As respostas das questões foram
ordenadas de acordo com as perguntas, como apresentado a seguir:

Metodologias de Ensino já utilizadas na formação inicial

Em relação a primeira questão, que dizia respeito às metodologias de


ensino já utilizadas no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do IF-
Câmpus Ceres, os alunos responderam semelhantemente, citando algumas
das metodologias de ensino adotadas no Curso:

A3: Foram utilizadas metodologias convencionais como aulas ex-


positivas, práticas, mas também jogos e modelos para conteúdos
mais abstratos.
A5: Até o momento foram utilizadas variadas metodologias de ensino,
como aulas expositivas e dialogadas, aulas práticas nos laboratórios
e aulas de campo.

Como exemplificado nas falas de A5 e A3, foi unânime a menção das


aulas expositivas e dialogadas, aulas práticas nos laboratórios e aulas de
campo. Krasilchik (2011) nomeia o que chamamos metodologia de ensi-
no, de “modalidade didática”. A autora aponta a importância do licenciando
durante a formação inicial, aprender a utilizar as modalidades didáticas de
acordo com o conteúdo trabalhado, dos objetivos almejados, da faixa etá-
ria, do tempo e recursos disponíveis. Krasilchik (2011, p. 79) afirma que “a
escolha da modalidade didática depende também dos valores e convicções
do professor”. Esta escolha estaria então relacionada com a concepção de
aprendizagem que cada professor possui, segundo, então seus saberes.
Tardiff (2004, p. 16), afirma que “os saberes de um professor são uma
realidade social materializada através de uma formação, de programas, de
práticas coletivas, de disciplinas escolares, de uma pedagogia institucionali-
zada, e são ao mesmo tempo, os saberes dele”.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 165

A aula expositiva foi a mais citada por todos os alunos, possivelmen-


te pelo fato de ser, segundo Krasilchik (2011), a modalidade didática mais
utilizada pelos professores. Geralmente, o que se vê nas salas de aulas são
os professores repetindo o que está escrito nos livros didáticos e os alunos
ouvindo passivamente.
Pedagogicamente, justifica-se esse tipo de aula porque o professor en-
fatiza o que ele julga mais importante e para certos momentos é interessante,
como por exemplo: para que o professor relate alguma experiência pessoal,
para introduzir um tema novo, para fazer uma síntese. Mas os motivos peda-
gógicos por si só não explicam a tão grande popularidade desse tipo de aula;
talvez seja porque economicamente ela é bem vista, pois por meio dela é
possível atender um grande número de alunos de uma vez só. Uma das gran-
des desvantagens da aula expositiva é a apatia apresentada pelos alunos, que
geralmente não tendo oportunidade de se manifestarem, perdem a concen-
tração, gerando vários inconvenientes, entre eles a aprendizagem mecânica.
Ainda em relação à notória popularidade da aula expositiva, acredita-
mos que as justificativas para sua utilização por grande número de docentes
vão além de dos argumentos de ordem pedagógica. É importante ressaltar
que a utilização de estratégias diferenciadas que não sejam a econômica aula
expositiva estão além da própria vontade ou interesse do professor em traba-
lhar metodologias diversificadas.
São várias as questões além das de ordem pedagógica, como a falta
de recursos, a carga horária excessiva, as políticas de formação continuada
que não atendem à demanda existente. É notório que no caso de Ciências,
grande parte das escolas públicas não apresentam recursos disponíveis para
equipar um laboratório para atividades experimentais e os disponíveis para
elaboração de alguns materiais também é escasso ou inexistente. Ao bus-
car alternativas, menos onerosas para a elaboração de materiais didáticos
próprios, esbarra-se na carga horária dos professores, que é alta, impedindo
que muitos docentes tenham tempo suficiente para preparar aulas utilizando
ferramentas e recursos didáticos diferenciados.
Dessa forma, entendemos que há necessidade de transpor dificuldades
ao elaborar aulas que propiciem aprendizagens mais efetivas e que estru-
turem a construção do conhecimento do aluno, mas para que isso ocorra é
necessário que haja políticas de formação voltadas para essa finalidade e que
seja oferecido, ao docente, condições para que ele desenvolva seu trabalho
com qualidade e primazia.
166

a) Experiência com a elaboração e confecção de Jogos

De acordo com as respostas analisadas para a questão da experiência


dos alunos na elaboração de jogos, 56% dos licenciandos matriculados na
disciplina de OPP IV, já tinham experiência em confeccionar jogos, enquan-
to 44% ainda não tinham a experiência de elaborar e confeccionar jogos
até o período cursado. Tal fato decorre da realidade presente nos cursos de
Licenciatura, onde em muitas disciplinas, ensina-se apenas os conteúdos
curriculares, mas não se ensina como ensinar esses conteúdos.
Selles e Ferreira (2009) situam a formação inicial em um contexto de
incorporação de saberes, em um processo reflexivo acerca dos procedimen-
tos docentes, onde o magistério é situado como uma profissão aprendida.
Por profissão aprendida, entende-se que à formação profissional seja incor-
porado um conjunto específico de saberes e que esse aprendizado não ocorra
apenas no exercício da prática docente, de forma solitária e independente,
mas acompanhado de um processo formativo.
Santos e Cruz (2011) enfatizam a importância da formação lúdica
no processo de formação docente, como maneira de facilitar não só a
aprendizagem de conteúdos curriculares, mas também de colaborar nos
processos de socialização, comunicação, expressão e construção do co-
nhecimento. Os 56% que já tinham essa experiência na elaboração do
jogo foi devido a uma disciplina, no caso Ecologia, na qual havia sido
adotada a elaboração de um jogo.
A inserção das atividades lúdicas nas práticas da formação inicial de
professores oportuniza que os licenciandos tenham possibilidade de aprender
a ensinar conteúdos de forma diferenciada do que se tem visto habitualmen-
te. Para que isso seja efetivo, é necessário que os licenciandos “reconheçam
o real significado do lúdico para que este faça parte de sua postura profis-
sional” (LIMA, 2015, p. 21). Para tanto, a mesma autora, reconhece que os
licenciandos devem desenvolver competências que possam vir a favorecer o
trabalho com jogos e atividades lúdicas no ensino de Ciências, denominadas
por ela de Competências Lúdicas, “que dirão respeito, exclusivamente ao
processo de seleção, planejamento, aplicação e reflexão de atividades lúdi-
cas para uma situação de ensino.

b) Dificuldades em relação ao ensino de Botânica

Em relação às dificuldades apresentadas pelos licenciandos no ensino


de conteúdos de Botânica, obteve-se que a maioria das dificuldades girava
em torno do conteúdo, que por ser muito amplo (33%) e abstrato (46%)
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 167

colabora para que o ensino de Botânica ocorra de forma transmissiva, não


sendo efetivo e nem mesmo significativo. Corroborando com esses dados,
Silva (2008), em sua tese, descreve o ensino de Botânica na atualidade:

Considerando-se o ensino da botânica desenvolvido nos dias atuais é


possível dizer que este é, em sua grande parte, feito por meio de listas
de nomes científicos e de palavras totalmente isoladas da realidade,
usadas para definir conceitos que possivelmente nem ao menos podem
ser compreendidos pelos alunos e pelos professores. Soma-se a isso a
confirmação desta especialização impressa nos livros didáticos, com
conteúdos teóricos específicos e complexos, cada vez mais distantes
da realidade de alunos e professores (SILVA 2008, p. 27).

Para Kinoshita et al. (2006), as estratégias de ensino de botânica estão vol-


tados ao ensino expositivo, ampliando o estigma em relação ao tema, ampliando
a “cegueira botânica” entre os alunos. Macedo et al. (2012, p. 392), usa o termo
“cegueira botânica” para referir-se “à falta de habilidade apresentada para a per-
cepção das plantas no ambiente natural, diminuindo a capacidade de reconheci-
mento da importância destas para a biosfera como um todo”.
É possível que com a utilização de atividades lúdicas, bem como aulas
de campo, experimentações investigativas para ensinar Botânica essa “ce-
gueira botânica” possa diminuir, já que com essas atividades os alunos não
aprenderiam tão passivamente os conteúdos curriculares de Botânica. Mas
para que isso ocorra é necessário que tanto o licenciando como o professor
já atuante na docência, saiba muito mais do que a matéria a ser ensinada.
Carvalho e Gil-Pérez (2011) sustentam que no processo de formação
inicial de professores não se deve subjugar o bom conhecimento da matéria
a ser ensinada, sendo este aspecto algo fundamental do ponto de vista didá-
tico. Todavia é imprescindível também que o futuro professor rompa com a
visão unilateral de ensino e que possa interessar-se em preparar atividades
que venham gerar uma aprendizagem efetiva.
É importante que o licenciando perceba a necessidade do professor ser o
direcionador das atividades que se propõe, sejam elas lúdicas ou não e que ele
seja um profissional que esteja atento a conhecer as teorias que permeiam a lu-
dicidade, para que sua prática seja efetiva, reflexiva e sobretudo significativa.
Ainda em relação às respostas do questionário, 21% dos licenciandos
responderam que o tempo para trabalhar o conteúdo curricular de Botânica
proposto era escasso. Provavelmente, os licenciandos que responderam des-
sa forma, associaram a quantidade de aulas proposta na matriz curricular de
Biologia, à extensão do conteúdo, que dependendo da estratégia utilizada
168

nas aulas, torna-se “maçante”. Dessa forma, o futuro professor deve refletir
sobre a escolha de conteúdos bem como das metodologias de ensino ade-
quadas, não centrado somente na transmissão de conhecimentos e também
no uso excessivo do livro didático. Assim, ao utilizar variadas metodologias
poderão estabelecer uma relação mais estreita na interação social, atendendo
às diferenças individuais tão frequentes em uma sala de aula.

c) Metodologias consideradas viáveis para ensinar Botânica


de modo a promover a Aprendizagem Significativa

Observa-se na Figura 1, que os licenciandos consideram várias meto-


dologias com potencialidade para ensinar Botânica de maneira a promover
a Aprendizagem Significativa, entre elas os jogos. Vale ressaltar que não
citaram aula expositiva.

Figura 1 – Metodologias que possibilitam alcançar a Aprendizagem


Significativa no ensino de Botânica citadas segundo os licenciandos
em Ciências Biológicas do Instituto Federal Goiano Campus
Ceres, matriculados na disciplina de OPP IV, em 2015

Fonte: Elaborado pela autora.

É possível que a justificativa para a não alusão à aula expositiva seja pelo
fato de que o contato que a maioria dos licenciandos tiveram com a Botânica na
Educação Básica (conforme diagnóstico e relatos na roda de conversa inicial)
foi por meio dessa modalidade didática. Ao serem apresentados, na formação
inicial de professores, às diversas estratégias para ensinar conteúdos curriculares,
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 169

entendemos que os licenciandos estão buscando compreender a importância


da elaboração de atividades de aprendizagem, que de acordo com Gil-Pérez e
Carvalho (2011, p. 43), é uma das necessidades formativas do professor.
De acordo com Krasilchick (2011), as aulas em laboratório, ou au-
las práticas, são imprescindíveis para o ensino aprendizagem não só de
Botânica, mas de todas as áreas da Biologia. Isso se deve às potencialidades
dessa estratégia de ensino, que permite aos alunos envolver-se de forma de-
safiadora ao identificar questões para investigação, elaboração de hipóteses,
planejamento de experimentos, organização e interpretação de dados, desa-
fiando sua imaginação e raciocínio. Dessa forma, podemos inferir que se o
professor reduzir a aula prática a uma simples atividade demonstrativa have-
rá uma diminuição da potencialidade dela em proporcionar a Aprendizagem
Significativa, porque as atividades já estão organizadas de forma que o aluno
siga instruções detalhadas e que chegue a um resultado já previsto.
As aulas de campo, denominadas por Krasilchick (2011) de excursões
ou ainda trabalhos de campo, para que sejam potencialmente significativas
devem ser organizadas de forma que os alunos tenham um problema a re-
solver e que a partir dele, tenham que observar, coletar dados e analisá-los.
Os painéis e as maquetes entram na classificação de estratégias didáti-
cas citadas nas respostas dos licenciandos, e são reportadas por Krasilchick
(2011) de demonstrações. Essa estratégia, normalmente vem seguida de uma
aula expositiva sobre determinado assunto. Para que a metodologia utiliza-
da seja efetiva e potencialmente significativa, o docente que a utilizar deve
certificar-se de que o material esteja visível para todos os estudantes, ou
ainda, poderá propor que os próprios estudantes confeccionem seus próprios
materiais práticos.
As paródias são variedades lúdicas, pois possuem tanto o aspecto lúdico
como o educativo e podem ser utilizadas como forma de memorizar conteúdos
ou de facilitar o entendimento deles. Segundo definição do dicionário da língua
portuguesa, pode ser definida como: “Obra literária, teatral, musical etc. que
imita outra obra, ou os procedimentos de uma corrente artística, escolar etc. com
objetivo jocoso ou satírico; arremedo” (HOUAISS, 2009, p. 1437).
Os jogos também serão estratégias potencialmente significativas se
não tiverem uma abordagem voltada apenas para a memorização. Os jogos,
quando voltados para a problematização, podem proporcionar bons resulta-
dos diante do processo ensino aprendizagem. Castro e Costa (2011) enfati-
zam que a função educativa do jogo possibilita que a aquisição e a retenção
de conhecimentos ocorram em um ambiente de descontração, o que torna a
aprendizagem de conteúdos mais favorável, colaborando como uma impor-
tante estratégia na organização da estrutura cognitiva dos alunos.
170

É fundamental que os licenciandos possam refletir a respeito da neces-


sidade de utilizarem uma variedade de modalidades e estratégias didáticas
em suas aulas quando futuros professores, assim como da importância de
observarem o assunto a ser tratado, os objetivos que se pretende alcançar,
estando atentos à faixa etária e também aos recursos e espaço disponíveis.
Krasilchik (2011) pontua que a variação das atividades é necessária, pois
atende as alteridades do alunado, bem como promove um interesse maior
deles em relação ao conteúdo proposto.
A potencialidade da estratégia em possibilitar o alcance da Aprendizagem
Significativa está voltada para a maneira com que é realizada a abordagem
dos conteúdos. Corroborando, Bazzo (2000, p. 3) afirma que, “não existirá,
certamente, o método ideal para ensinar nossos alunos a enfrentar a inde-
finição e a complexidade de nossos dias, mas sim haverá alguns métodos
potencialmente mais favoráveis do que outros”.

d) Concepção dos licenciandos a respeito


dos jogos para ensinar Botânica

Os jogos são citados nas respostas dos licenciandos como uma maneira
de proporcionar aprendizagem de forma mais prazerosa, sem a passividade
de uma aula expositiva. É importante que o licenciando tenha oportunidades
de refletir sobre as estratégias de ensino, entre elas os jogos, e de que forma
eles podem proporcionar essa possível melhoria no processo ensino apren-
dizagem da Botânica.
Algumas das respostas dos licenciandos foram transcritas a seguir:

A4: O jogo atrai os alunos, eles então prestam mais atenção e conse-
quentemente aprendem melhor e de forma mais divertida.
A11: A Botânica é de difícil assimilação, e as aulas se tornam muito
cansativas quando ela é trabalhada apenas com quadro e giz. Os jo-
gos são uma das diversas maneiras que se tem para instigar o aluno
a aprender Botânica.
A12: Os jogos vem somar no processo de desenvolvimento do aluno,
não só na construção dos conhecimentos, mas no desenvolvimento
afetivo também.
A20: Acredito que aproxima o aluno do conteúdo, porque é uma me-
todologia dinâmica e gera curiosidade.
A27: Os jogos ajudam o aluno a enxergar o conteúdo de forma mais
prazerosa, levando uma maior disposição ao estudo, e como consequ-
ência uma maior aprendizagem.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 171

Para que a utilização de jogos no ensino de Botânica proporcione resul-


tados efetivos, é indispensável a reflexão prévia sobre a forma que ele será
utilizado com os alunos e também a reflexão posterior a aplicação da estra-
tégia, com o intuito de analisar e refletir sobre a ação.

Considerações Finais

Esse recorte da pesquisa, que procura diagnosticar a visão dos licen-


ciandos a respeito dos jogos, bem como a forma com que a Botânica foi
abordada durante sua vida escolar, buscou um ponto de partida nos depoi-
mentos dos licenciandos para que fossem levantados indícios de como foi o
contato deles enquanto alunos da Educação Básica com a Botânica. Dessa
forma, foi possível diagnosticar qual foi a “formação ambiental” que esses
licenciandos tiveram durante esses anos de escolaridade.
Entendemos que a Botânica foi ensinada a esses licenciandos base-
ada quase que exclusivamente a partir da utilização de livros didáticos,
voltados para a realização de exercícios e leituras dos textos. Percebemos
assim, a necessidade de que no processo de formação os licenciandos
tenham uma formação reflexiva, para que não venham a apenas repe-
tir as práticas de seus professores, mas que possam utilizar-se de es-
tratégias de ensino que possibilitem a seus futuros alunos alcançarem a
Aprendizagem Significativa de conteúdos de Botânica, como é o caso
dos jogos. Compreendemos que é possível superar essa lacuna existente
entre o processo formativo e a formação ambiental que os licenciandos
vivenciaram em toda sua vida escolar através de práticas reflexivas que
levem o licenciando a refletir sobre sua própria prática, contribuindo as-
sim para a formação do aluno da Educação Básica.
Assim, apontamos que existem várias estratégias possíveis de alcan-
çar a Aprendizagem Significativa, sendo os jogos uma delas e que as ações
decorrentes da utilização do lúdico, podem proporcionar a Aprendizagem
Significativa dos conteúdos curriculares de Botânica, com a mediação do
professor e intervenção do mesmo nos momentos oportunos e também a
partir da interação proporcionada.
Espera-se com esse trabalho contribuir para a melhoria do ensino de
Botânica, e também para a formação inicial de professores de Biologia, ao
encorajar os acadêmicos a utilizar metodologias diferenciadas e lúdicas e
demonstrar que há possibilidades de alcançar a Aprendizagem Significativa
utilizando-se jogos potencialmente significativos.
172

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INVESTIGATIVAS EM AMBIENTES
NÃO FORMAIS PARA A DISCUSSÃO DE
IMPACTOS AMBIENTAIS AQUÁTICOS

Michelle Abadia Cirilo


Juliana Simião-Ferreira

A aprendizagem científica
O conhecimento científico pode ser considerado um meio para atingir a
formação de pessoas críticas, capazes de analisar e relacionar informações,
além de buscar alternativas para problemas que enfrentarão no futuro. No
entanto, notamos que o ensino de Ciências na escola tem veiculado uma
imagem reducionista e distorcida da Ciência, visão que a apresenta como
sendo descontextualizada, individualista, elitista, rígida, aproblemática e
acumulativa. Nota-se que o ensino se baseia em um processo de memori-
zação de vocábulos, de sistemas classificatórios e de fórmulas por meio de
estratégias didáticas em que os estudantes aprendem os termos científicos,
mas não são capazes de extrair o significado de sua linguagem (CHASSOT,
2003; CACHAPUZ et al., 2005; SANTOS, 2007; TEIXEIRA, 2013). Para
Cachapuz et al. (2005), isso está relacionado à forma como esse ensino vem
sendo abordado na escola em um modelo por transmissão do conhecimento
em que não há reflexão epistemológica.
Atualmente, pesquisas na área de ensino de Ciências têm buscado
compreender como ocorre a aprendizagem nesse campo do conhecimento.
Estudos apontam que a aprendizagem ocorre quando os alunos reconstroem
seus conhecimentos anteriores mediante uma problemática de investigação
ou pelo surgimento de alguma informação conflitante com as ideias e re-
presentações pré-formadas. A aprendizagem do aluno depende, portanto, de
seu envolvimento ativo frente a uma temática desafiadora ao seu universo
(KRASILCHIK; MARANDINO, 2004; MORAES, 2011).
Grande parte dessas pesquisas baseia-se nos estudos de Piaget (1896-
1980), de acordo com o qual as maneiras de conhecer progridem ao longo da
178

vida a partir da estrutura maturacional do sujeito. Para o autor, num primeiro


momento o sujeito possui uma inteligência sensório-motora, onde ele apre-
ende o mundo pelas suas sensações e experiências motoras. Esse período
duraria até os dois anos de idade, aproximadamente. Desse período até os
sete ou oito anos, o sujeito incorpora a função simbólica nas suas ações inte-
lectuais. Isso permite representar os objetos não perceptíveis corporalmente,
invocando-os por meio de símbolos. Entretanto, é necessário tempo para in-
teriorizar as ações do pensamento, assim, nesse período ainda não é possível
elaborar hipóteses e analisá-las a partir de proposições, fato mais comum a
partir dos 11 ou 12 anos (PIAGET, 1972).
Mas é importante ressaltar que essas mudanças de um estágio para o ou-
tro tem menos relação com a idade do sujeito do que com as ações e relações
que ele já é capaz de fazer, sendo que o fator determinante que delimita essa
mudança, de maneira geral, é a necessidade de adaptar-se ao mundo. Assim,
cabe ao professor conduzir o aluno, nas diversas faixas etárias, na cons-
trução de seu conhecimento, questionando e motivando-o adequadamente,
selecionando situações instigantes, que possam propiciar questionamentos,
cuja resposta ou solução representará uma conquista no sentido de melhor
compreender a natureza e de compreender o seu papel social de cidadão
participativo e consciente frente às problematizações do mundo moderno
(BARTELMEBS; MORAES, 2011; MORAES, 2011).
Um dos conceitos que Piaget utiliza para caracterizar o desenvolvimen-
to cognitivo dos sujeitos é o de estrutura. Para ele, o desenvolvimento inte-
lectual dos sujeitos se dá graças à inter-relação da sua experiência com os
objetos, da transmissão social, do desenvolvimento biológico e da equilibra-
ção. Esses quatro elementos se tornam condições para que o sujeito reorga-
nize seus esquemas e possa atingir outro nível de estrutura. Assim, ocorrem
as mudanças de estágios (BARTELMEBS; MORAES, 2011).
Segundo Bartelmebs e Moraes (2011), a equilibração ocorre num com-
plexo movimento entre o mundo conhecido pelo sujeito e a novidade. O su-
jeito enxerga o mundo a partir dos conceitos e conhecimentos que já possui,
resultados de suas interações anteriores. E a aprendizagem só se dá, de fato,
quando este processo de desequilíbrio puder ser ultrapassado, voltando ao
estado provisório de equilibração. Assim, ensinar significa provocar dese-
quilíbrio no aluno para que ele procure o reequilíbrio. Desse modo, mais do
que ouvir as concepções dos alunos, o professor deve dar sentido ao que será
aprendido, estabelecendo relações e conduzindo os alunos na construção ati-
va do aprendizado.
Portanto, qualquer que seja a atividade didática desenvolvida pelo
professor, é necessário buscar ressignificar os conhecimentos científicos ao
apresentá-los aos estudantes, incentivando-os na construção do seu próprio
conhecimento. O mais importante em uma aula, desse modo, não são as
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 179

afirmações corretas que os alunos podem fazer, as respostas prontas que po-
dem elaborar, mas o caminho que se precisa percorrer para encontrar a solu-
ção para um problema. O mais importante, portanto, é o processo ou a pos-
tura em que o aluno pratica o ato de conquistar o conhecimento (MOREIRA,
1999; MORAES, 2011; BARTELMEBS; MORAES, 2011).

A aprendizagem por atividades investigativas

Utilizar atividades investigativas como ponto de partida para desenvol-


ver a compreensão de conceitos é uma forma de levar o aluno a participar
de seu processo de aprendizagem, sair de uma postura passiva e começar
a perceber e agir sobre o seu objeto de estudo, relacionando-o com acon-
tecimentos e buscando as causas dessa relação. No modelo de ensino por
investigação, que tem como base a teoria de John Dewey (1902-1990), as
atividades de aprendizagem são desenvolvidas a partir de um problema. Esta
metodologia de ensino, a qual sofreu algumas modificações propostas por
diversos autores ao longo dos anos, apresenta-se relevante do ponto de vista
pedagógico, por contribuir para a aprendizagem de procedimentos e habili-
dades, além de conceitos (AZEVEDO, 2004; ZÔMPERO; LABURÚ, 2012).
Além da compreensão sobre a construção do conhecimento científico,
a utilização de atividades investigativas na escola possibilitará, também, a
discussão de problemas sociais. No contexto de uma investigação, o papel
desempenhado pelo problema é fundamental, pois a investigação tem como
objetivo inicial a resolução de problemas, sendo eles que orientam todo o
trabalho subsequente. Espera-se que as respostas obtidas nesse processo
possam ser subsídios para uma transformação da realidade social do aluno,
uma vez que a prática confirma a teoria, mas também é ponto de partida para
sua superação (AZEVEDO, 2004; SANTOS, 2005).
Há diversas controvérsias acerca da utilização do método científico nas
aulas de Ciências. Historicamente, ele está relacionado à abordagem empi-
rista-indutivista que, atualmente, recebe críticas acirradas devido ao caráter
de Ciência como verdade absoluta e da concepção de método científico rí-
gido, neutro e único meio eficaz de comprovação científica. As abordagens
atuais de ensino assumem uma crítica às atividades de investigação com
perspectivas simplistas e pouco reflexivas da Ciência, de modo que a inves-
tigação deva ir além das atividades técnicas instrumentalistas, possibilitando
a discussão das relações e implicações sociais e políticas da investigação
cientifica na sociedade (ANDRADE, 2011).
Tantas críticas levaram os professores da Educação Básica a te-
rem dificuldades de trabalhar com o método científico, abandonando uma
180

visão tradicional e incorporando situações reflexivas durante a sua prática.


Percebemos que as atividades experimentais que são desenvolvidas em sala
de aula tendem, muitas vezes, a ser meras receitas a serem seguidas pe-
los alunos, de uma forma descontextualizada e sem um propósito aparente
(SILVA, 2007; FARIA et al., 2014).
Zômpero e Laburú (2012) afirmam que a aplicação das etapas do mé-
todo científico no ensino pode levar a uma mecanização, fazendo o aluno
entender que aprender ciência é utilizar as etapas do método científico. Para
que isso não ocorra, é necessário que os alunos construam significados acer-
ca dos conceitos científicos ao desenvolverem habilidades procedimentais
investigativas. O método científico deve representar um caminho, uma tra-
jetória que pode conduzir à construção de conhecimentos, que devem ser
focos de constantes discussões e revisões. Para que o aluno não se limite ao
trabalho de manipulação, é importante que ele tenha a oportunidade de re-
fletir, discutir, explicar e relatar os conhecimentos que foram construídos no
decorrer de todo o processo. Assim, as atividades experimentais são impor-
tantes e relevantes se vinculadas a uma metodologia adequada de discussão
e análise do que está sendo estudado (SILVA, 2007; SILVA; CUNHA, 2012;
FARIA et al., 2014).
Atualmente, o ensino de Ciências por atividades investigativas vem as-
sumindo uma perspectiva de trazer a atividade cientifica dos cientistas para a
educação básica, em um movimento de aproximar esses conhecimentos dos
conhecimentos escolares (CLARK et al., 2009; ANDRADE, 2011). Desse
modo, compartilhamos da ideia de Silva e Cunha (2007) de que o méto-
do científico é uma alternativa que deve ser trabalhada com os alunos da
Educação Básica com o intuito de mostrar que eles possuem também a ca-
pacidade de “construir” e “reconstruir” conhecimentos. A correta utilização,
que inclui uma postura investigativa levando em conta os conhecimentos
prévios dos alunos, traz ganhos tanto para a aprendizagem dos conhecimen-
tos científicos, quanto para uma correta compreensão sobre a Ciência, o que
tende a refletir numa postura crítica do aluno-cidadão.
Na atualidade, considera-se necessário que as pessoas não só compre-
endam uma série de fatos e leis da ciência, como, também, tenham conhe-
cimentos sobre o modo como o conhecimento científico é construído. Por
meio da observação, da elaboração de hipóteses, da análise, o aluno compre-
enderá o processo de ensino-aprendizagem como uma construção. Só este
conhecimento complexo e amplo poderá permitir que os alunos compreen-
dam de forma mais significativa os conteúdos científicos, e que consigam
tomar decisões sobre assuntos que envolvem a ciência de uma forma mais
informada e fundamentada (SILVA, 2007; FARIA et al., 2014).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 181

Segundo Zômpero e Laburú (2012), o ensino baseado em atividades in-


vestigativas pressupõe a apresentação de um problema inicial sobre o assun-
to estudado, a partir do qual o aluno levanta hipóteses. Nesta etapa é possível
a exposição das ideias prévias dos alunos, o que permite que eles reflitam e
tomem consciência do que pensam sobre o problema proposto. Como vimos,
as pesquisas sobre ensino-aprendizagem de Ciências produziram evidências
de que as crianças trazem para a escola um conjunto de concepções sobre
vários aspectos do mundo, mesmo antes de qualquer introdução à Ciência
como disciplina escolar. Estas concepções alternativas são adquiridas a par-
tir de sua inserção na cultura comum e da experiência cotidiana com fenô-
menos e eventos, e, frequentemente, interferem na aprendizagem das ideias
científicas (BORGES, 2002).
Na etapa seguinte, o professor propõe uma atividade, que pode ser um
experimento, para que durante um tempo, os alunos observem, registrem,
analisem os dados e obtenham uma conclusão. Antes de realizar a atividade
prática, deve-se discutir com os estudantes a situação ou fenômeno que será
tratado. Pode-se pedir que eles escrevam suas previsões sobre o que deve
acontecer e justificá-las. Na fase pós-atividade, faz-se a discussão das obser-
vações, resultados e interpretações obtidas, tentando reconciliá-las com as
previsões feitas (ZÔMPERO; LABURÚ, 2012).
Borges (2002) elaborou um quadro (Quadro 1) no qual evidencia os
níveis hierárquicos de investigação, sendo que o nível 3 deve ser aquele al-
mejado no processo de ensino.

Quadro 1 – Níveis hierárquicos de investigação segundo Borges (2002)

Nível de Procedi-
Problemas Conclusões
Investigação mentos

Nível 0 Dados Dados Dados

Nível 1 Dados Dados Em aberto

Nível 2 Dados Em aberto Em aberto

Nível 3 Em aberto Em aberto Em aberto


182

O ensino de Ciências em ambientes não formais de educação

Propõe-se, então, um ensino que não se restrinja à transmissão de co-


nhecimentos, mas que seja capaz de fornecer subsídios para que os alunos
sejam capazes de compreender e discutir os significados dos assuntos cien-
tíficos e os apliquem em seu entendimento do mundo. Além da escola, esse
ensino pode ser desenvolvido nos espaços não formais de educação, que são
lugares, diferentes da escola, onde é possível desenvolver atividades edu-
cativas (PIVELLI; KAWASAKI, 2005; SASSERON; CARVALHO, 2011).
De acordo com Jacobucci (2008) existem duas categorias sugeri-
das para classificar os ambientes não formais de educação: locais que são
Instituições e locais que não são Instituições. Na categoria Instituições, es-
tão inclusos os espaços que são regulamentados, que possuem equipe téc-
nica responsável pelas atividades executadas, como os Museus, Centros
de Ciência, Parques Ecológicos, Jardins Botânicos, Planetários, Institutos
de Pesquisa, Zoológicos. Por outro lado, os ambientes que não dispõem de
estruturação institucional, mas onde é possível adotar práticas educativas,
como por exemplo, o teatro, parque, praça, cinema, caverna, rio, compõem
os ambientes não formais não Institucionais.
O trabalho em parceria com os espaços não formais torna-se ainda mais
significativo no ensino fundamental ao potencializar a motivação, interesse e
participação do aluno, buscando um diálogo da Ciência com a comunidade.
As aulas de Ciências realizadas nesses ambientes funcionam como meto-
dologia eficaz, tanto no sentido de motivarem e envolverem os estudantes
como por superarem a fragmentação do conhecimento, que comumente en-
contramos nas escolas (ARAÚJO et al., 2013). Deste modo, os espaços não
formais de ensino têm um alto potencial educativo, possibilitando a pas-
sagem de um conhecimento de níveis menos elaborados para níveis mais
elaborados e complexos, contribuindo para o ensino de Ciências por meio
do aprendizado de qualquer conteúdo, dentre eles, os impactos ambientais.

O ensino de impactos ambientais aquáticos

Notamos que o discurso ambiental contemporâneo enaltece uma visão


conservadora dos recursos naturais, preservando-os da ação devastadora hu-
mana. Assim, se constrói a imagem de uma relação antagônica e excludente
na qual de um lado estaria a Natureza e do outro a Humanidade, a Cultura, as
relações sociais (CARVALHO, 2007). Essa concepção é refletida na escola
que, por ser uma instituição social, vivencia as características e os problemas
do sistema em que ela está inserida.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 183

Como vimos, o currículo escolar centra­-se em fatos, conceitos e simples


generalizações, em que o papel do professor se resume a um transmissor de
conhecimento factual. Há a ideia de que a simples abordagem dos assuntos
ambientais é suficiente para o desenvolvimento de atitudes e comportamen-
tos favoráveis ao ambiente, predominando, nas escolas, práticas pedagógicas
centradas na política dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar), refletindo uma
concepção de educa­ção focada na gestão dos recursos, que está associada a
uma perspectiva antropocêntrica da relação homem-natureza. Desse modo,
os alunos deveriam aprender a conviver com o meio ambiente sem degradá-
-lo, preservando os recursos naturais disponíveis (CORREIA, 2014).
Carvalho (2013) esclarece que essas práticas simplistas devem ser re-
pensadas, no intuito de ceder lugar àquelas que consi­derem as complexida-
des e o conflito de interesses que envolvem e permeiam a relação sociedade
e natureza. A questão ambiental deve ser encarada de maneira unívoca entre
homem e natureza, uma vez que o homem também é natureza e ambos estão
inseridos na sociedade. Como exemplo, podemos citar os trabalhadores e
população periférica que estão expostos continuamente a riscos ambientais
(CARVALHO, 2007). Notamos que os grupos sociais de menor renda, em
geral, são o que têm menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento
básico. Nesta perspectiva, não se trata de resolver os conflitos ambientais em
torno de interesses ambientais comuns, como se a esfera ambiental estivesse
acima dos conflitos que marcam a vida social.
Para Carvalho (2007), o meio ambiente não é reduzido a um conjunto
de recursos naturais escassos ameaçados pela sociedade, mas um bem social
comum, constitutivo da esfera pública, portanto, campo de excelência da
ação cidadã, uma construção coletiva em torno do avanço da justiça ambien-
tal. Para a autora, no horizonte desejável para uma sociedade ambientalmen-
te sustentável e socialmente justa, nenhum grupo social, étnico, racial ou de
classe deveria arcar com uma parcela desproporcional das consequências
ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas, as-
sim como da ausência ou omissão de tais políticas.
A escola é igualmente atravessada por várias subjetividades que podem
estar em acordo ou em antagonismo com os ideais ecológicos. A escola,
nessa perspectiva, pode se converter num espaço educador mais ou menos
propício à formação de identidades ecológicas ou predatórias, conforme os
valores predominantes naquele contexto. A corrente crítica da Educação
Ambiental tem se destacado bastante por considerar pressupostos de fun-
damental importância na formação do sujeito como cidadão, ciente de seus
direitos e deveres dentro da sociedade (FONSECA; OLIVEIRA, 2011;
CARVALHO, 2013).
184

O foco de uma educação dentro do novo paradigma ambiental, portan-


to, tenderia a compreender, para além de um ecossistema natural, um espaço
de relações socioambientais historicamente configurados e dinamicamente
movidos pelas tensões e conflitos sociais. Nesse contexto, as práticas edu-
cativas devem apontar para propostas pedagógicas centradas na mudança de
hábitos, atitudes e práticas sociais, desenvolvimento de competências, capa-
cidade de avaliação e participação dos alunos (CARVALHO, 2001).
Para Jacobi (2005), a educação para a cidadania trata não só da capa-
cidade do indivíduo de exercer os seus direitos nas escolhas e nas decisões
políticas, como ainda de assegurar a sua total dignidade nas estruturas so-
ciais. Desse modo, o exercício da cidadania implica autonomia e liberdade
responsável, participação na esfera política democrática e na vida social.
Assim, os cidadãos podem desenvolver ações de integração social, conser-
vação do ambiente, justiça social, solidariedade, segurança e tolerância, as
quais constituem preocupações da sociedade atual.
Esse cidadão ambiental ideal foi designado por Carvalho (2012) como
sujeito ecológico. Como dito, esse sujeito é um tipo ideal portador do ideário
ecológico, com suas novas formas de ser e compreender o mundo e as expe-
riências humanas. Sintetiza assim as virtudes de uma existência ecologica-
mente orientada, que busca responder aos dilemas sociais, éticos e estéticos
configurados pela crise socioambiental, apontando para a possibilidade de
um mundo socialmente justo e ambientalmente sustentável.
Para a autora, o sujeito ecológico é um ideal de ser e de viver em um
mundo ecológico que vai se constituindo como um parâmetro orientador das
decisões e escolhas de vida que as pessoas vão assumindo e incorporando,
buscando experimentar em suas vidas cotidianas essas atitudes e comporta-
mentos ecologicamente orientados. Assim, a existência de um sujeito ecoló-
gico põe em evidência não apenas um modo individual de ser, mas, sobretu-
do, a possibilidade de um mundo transformado, compatível com esse ideal.
Para Carvalho (2013), como ocorre com outros ideais que os indivíduos
tomam como modelo para si, nem sempre é possível realizá-los cem por cen-
to na vida diária. Mas, que o importante é observar que, na medida em que
instituições e pessoas tentam viver de acordo com preocupações ecológicas,
aí se encontra vigente, em alguma medida, o sujeito ecológico como modelo
de identificação pessoal e reconhecimento social. Mas nem todo mundo está
a ponto de adotar uma orientação ecológica em suas vidas. Para a autora, ser
ecológico é uma opção, não uma imposição ou uma verdade auto evidente,
e aí entra o papel da escola e do educador que é um formador de opinião na
batalha das ideias que atravessa nossa sociedade todo o tempo. Assim, em-
bora a formação do sujeito ecológico tenha lugar em todas as experiências
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 185

que nos formam durante a vida, a escola toma parte entre estas experiências
como um elo muito importante deste ambiente-mundo em que vivemos.
Ao interferir no processo de aprendizagem e nas percepções e represen-
tações sobre a relação entre indivíduos e ambiente nas condutas cotidianas
que afetam a qualidade de vida, a educação promove os instrumentos para a
construção de uma visão crítica, reforçando práticas que explicitam a neces-
sidade de problematizar e agir em relação aos problemas socioambientais,
tendo como horizonte, a partir de uma compreensão dos conflitos, partilhar
de uma ética preocupada com a justiça ambiental (JACOBI, 2005).
Segundo Carvalho (2013), não importa se a escolha seja pela modali-
dade de projetos temáticos, palavras geradoras, currículo interdisciplinar ou
outro caminho metodológico que se seja útil para pôr fim a uma interrogação
significativa da realidade. Mas ao levar a cabo uma interrogação significa-
tiva da realidade, a escola estará promovendo experiências e provocando
o pensamento crítico sobre os muitos modos possíveis de habitar, viver e
conviver no mundo numa perspectiva social e ambientalmente responsável.
A escola deve refletir sobre os temas e os objetivos que pretende atingir
com seus alunos, deve analisar se pretende ser apenas uma mera transmissora de
conhecimentos ou se realmente quer ter um importante papel na transformação
dessa sociedade e, principalmente, na formação de seus alunos para a vida em
comunidade (BRAGA, 2010). Nesse sentido, o papel dos professores é essencial
para impulsionar as transformações de uma educação que assume um compro-
misso com a formação de uma visão crítica, de valores e de uma ética para a
construção de uma sociedade ambientalmente sustentável.
Os professores precisam estar cada vez mais preparados para reelabo-
rar as informações que recebem para poder transmitir e decodificar para os
alunos a expressão dos significados em torno do meio ambiente nas suas
múltiplas determinações. Assim, ao trabalharem os problemas ambientais
locais e globais de maneira coerente com a construção do conhecimento
pelos alunos, possibilitarão a realização de um projeto pedagógico que favo-
recerá o desenvolvimento da cidadania, criando condições necessárias para
melhorar e modificar o ambiente, de forma a fazer com que seu aluno sinta-
-se integrante e responsável pelo mesmo. A reorientação da educação, nesse
sentido, envolve ensinamentos e instruções que não somente aumentam o
conhecimento do estudante, mas incentivam o desenvolvimento de habilida-
des e valores que os orientarão e os motivarão para estilos de vida sustentá-
veis (LEGAN, 2007; JACOBI, 2011).
Concordamos com Carvalho (2012) que afirma que educadores que pas-
sam a cultivar as ideias e sensibilidades ecológicas em suas práticas educati-
vas estão sendo portadores dos ideais do sujeito ecológico. Lamim-Guedes e
186

Soares (2011) afirmam ser indispensável um trabalho de educação científica


relacionada às questões ambientais, a fim de se obter uma população infor-
mada e consciente de sua responsabilidade na proteção do meio ambiente.
Com relação aos impactos ambientais específicos em ecossistemas
aquáticos, notamos que nas últimas décadas tem ocorrido um aumento sig-
nificativo em decorrência das atividades antrópicas, tais como mineração,
construção de barragens e represas, lançamento de efluentes domésticos e
industriais não tratados, desmatamento e uso inadequado do solo, introdução
de espécies exóticas, entre outros. Como consequência destas atividades,
tem-se observado uma expressiva queda da qualidade da água e perda da
biodiversidade aquática. Dessa forma, considerando a importância indiscu-
tível dos recursos hídricos para a manutenção e sobrevivência das espécies,
a atual situação de degradação destes recursos é merecedora de atenção
(GOULART; CALLISTO, 2003; MALAFAIA et al., 2013).
Tradicionalmente, a avaliação de impactos ambientais em ecossistemas
aquáticos tem sido realizada por meio da medição de alterações nas con-
centrações de variáveis físicas e químicas. Entretanto, o uso de bioindica-
dores constitui uma ferramenta adicional na avaliação das respostas destas
comunidades biológicas a modificações nas condições ambientais originais.
Bioindicadores são espécies, grupos de espécies ou comunidades biológicas
cuja presença, quantidade e distribuição indicam a magnitude de impactos
ambientais em um ecossistema. Os insetos aquáticos são bons bioindicado-
res da qualidade de água porque vivem de semanas a meses no sedimento
do rio. Por este motivo, o seu monitoramento torna-se mais eficiente que o
monitoramento baseado apenas na mensuração de parâmetros físicos e quí-
micos (CALLISTO; GONÇALVES; MORENO, 2005).
A composição das espécies e sua distribuição alteram-se pela ação
dos impactos. Quanto mais intensos forem, mais pronunciadas serão
as respostas ecológicas dos organismos aquáticos bioindicadores de
qualidade da água, podendo haver inclusive a exclusão de organismos
sensíveis à poluição. Em relação à tolerância frente a adversidades am-
bientais, podemos classificar os insetos aquáticos em três grupos: orga-
nismos sensíveis ou intolerantes, organismos tolerantes e organismos re-
sistentes (GOULART; CALLIXTO, 2003; CALLIXTO; GONÇALVES;
MORENO, 2005). E, a partir dessa classificação, podemos quantificar o
quão impactado está o ambiente aquático em estudo.
Uma maneira de discutir os impactos ambientais aquáticos em sala de
aula seria desenvolver uma atividade investigativa na qual os alunos coletas-
sem e analisassem os insetos aquáticos de um riacho próximo da escola, por
exemplo. Também é relevante o uso de meios de divulgação científica, como
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 187

textos de jornais e revistas em sala de aula, além de visitas programadas a


ambientes não formais de educação, como centros de ciência de instituições
de pesquisa e de parques de proteção ambiental, como importantes estraté-
gias para ensinar valores científicos e ambientais na prática social. Como
vimos, é bem documentado que, além de educação formal em ambientes
escolares, os alunos podem aprender e desenvolver atitudes em relação à ci-
ência por meio de contextos de aprendizagem não formais. Esses contextos,
geralmente, possibilitam ao aluno maior liberdade de aprendizagem, tornan-
do a atividade intrinsecamente motivadora (KONDRAT; MACIEL, 2013;
VENVILLE et al., 2013).

Considerações finais

A perspectiva educativa baseada em atividades investigativas pode


contribuir para a formação de cidadãos capazes de ler criticamente seu
contexto socioambiental, interpretar as relações, os conflitos e os proble-
mas nele situados, e tomar decisões voltadas para uma ação socialmente
responsável. Para tanto, há necessidade de se estabelecer metodologias
e estratégias pedagógicas para a melhoria da conexão entre conteúdos
aprendidos no contexto escolar e situações nas quais tais conteúdos po-
derão ser usados no cotidiano do aluno.
Faz-se necessário que os alunos tenham conhecimento científico, bem
como uma postura crítica frente a esses assuntos, de modo a estimular uma
postura reflexiva e investigativa sobre os fenômenos da natureza e de como
a sociedade nela intervém, utilizando seus recursos e ressignificando sua
realidade social.
188

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SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO
DA BIODIVERSIDADE DO BIOMA
CERRADO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Patrícia Spinassé Borges


Juliana Simião-Ferreira

Introdução

Aprender Ciências envolve a iniciação dos estudantes em uma nova ma-


neira de pensar e explicar o mundo natural, que é fundamentalmente diferente
daquelas disponíveis pelo senso-comum (MORTIMER, 1996). Para o autor,
aprender Ciências envolve um processo de socialização do conhecimento da
comunidade científica, porém muitas vezes os estudantes se mostram inca-
pazes de compreender e entender aquilo que o professor quer que ele perce-
ba. De acordo com Santos; Bispo e Omena (2005), essa constatação, aliada
às exigências da sociedade contemporânea em relação ao desenvolvimento
da Ciência, remete à necessidade de um ensino de Ciências voltado para o
exercício do senso crítico, visando ao desenvolvimento de uma percepção
aguçada a respeito dos impactos sociais, culturais e ambientais, decorrentes
dos avanços científicos e tecnológicos. Para Lorenzetti e Delizoicov (2001),
é necessário que se popularize e desmitifique o conhecimento científico, para
que o leigo possa utilizá-lo na sua vida cotidiana. Os meios de comunicação,
as escolas e os espaços não formais podem contribuir para que a população
tenha um melhor entendimento da produção científica.
Nesse sentido, uma estratégia utilizada para desenvolver a temática am-
biental com alunos é a elaboração de aulas em ambientes não formais, como
trilhas interpretativas como recurso em ações educativas. De acordo com
Souza et al. (2012), acredita-se que as trilhas ecológicas constituem um ins-
trumento pedagógico importante, pois permite que áreas naturais possam ser
transformadas em verdadeiras salas de aula ao ar livre e verdadeiros labora-
tórios vivos, instigando o interesse, a curiosidade, a descoberta e possibili-
tando formas diferenciadas de aprendizado. As trilhas possibilitam trabalhar
diversos eixos temáticos e abordagens ecológicas com finalidade de fornecer
194

conhecimento e esclarecimento lúdico aos estudantes. Nesse sentido, as tri-


lhas devem ter como finalidade sensibilizar os alunos e as pessoas, socializar
conhecimentos, introduzir e promover o aprendizado de novas atitudes, no-
vos valores em relação ao meio ambiente e novo comportamento diante da
sociedade, permitindo uma releitura do mundo e de sua realidade, de forma
a perceber a dinâmica socioambiental que relaciona o global e o local (REIS;
SEMÊDO; GOMES, 2012).
O ensino sobre ambientes ameaçados pelas elevadas taxas de degrada-
ção pode contribuir para uma melhor formação ecológica dos estudantes. Os
biomas brasileiros, principalmente os considerados “hotspot” da biodiversi-
dade, deveriam ser focos de estratégias de ensino que garantam a populari-
zação do conhecimento e assim uma maior conscientização sobre o bioma.
O Cerrado é um dos ‘hotspots’ para a conservação da biodiversidade
mundial. Nos últimos 35 anos mais da metade dos seus 2 milhões de km2
originais foram cultivados com pastagens plantadas. O Cerrado possui a
mais rica flora dentre todas as savanas do mundo, apresentando um alto nível
de endemismo. Apresenta uma grande riqueza de espécies de aves, peixes,
répteis, anfíbios e insetos, embora a riqueza de mamíferos seja relativamente
pequena (KLINK; MACHADO, 2005). É o segundo maior bioma brasileiro,
sendo uma das regiões de maior biodiversidade do planeta. O bioma apre-
senta um mosaico de vários tipos de vegetação, savanas, matas, campos,
áreas úmidas e matas de galeria etc. Essa diversidade de fitofisionomias é
resultante da diversidade de solos, de topografia e de climas que ocorrem no
Brasil Central (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2009).
De acordo com Santos et al. (2010), o Cerrado brasileiro vem sofrendo
um acelerado processo de degradação devido ao crescimento das cidades
nele localizadas, mas, principalmente, pela expansão da agricultura e da pe-
cuária. De acordo com Klink e Machado (2005), as taxas de desmatamento
no Cerrado têm sido historicamente superiores às da floresta Amazônica e o
esforço de conservação do bioma é muito inferior ao da Amazônia.
Um dos principais desafios na conservação do Cerrado é demonstrar às
pessoas a importância que a biodiversidade desempenha no funcionamento
dos ecossistemas. No passado, a falta de conhecimento e as incertezas sobre
os principais fatores que causavam o desmatamento no Cerrado prejudica-
ram sua conservação e manejo (KLINK; MACHADO, 2005). O crescimento
acelerado e desordenado das cidades brasileiras gerou uma crescente de-
gradação das condições de vida, o que impõe uma reflexão necessária e o
enfrentamento de desafios para mudar as formas de pensar e agir em torno
dos problemas emergentes (REIS; SEMÊDO; GOMES, 2012). Dentro desse
contexto, a educação torna-se essencial para formar indivíduos capazes de
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 195

preservar a biodiversidade de espécies, permitindo uma reaproximação com


a natureza. A educação exerce influência e tem como princípio a transforma-
ção do indivíduo, dessa forma a partir do conhecimento, as atitudes são re-
fletidas no cotidiano e no ambiente no qual o aluno está inserido, permitindo
atuar como multiplicadores de conhecimento na sociedade.
De acordo com Moreira (2003), a educação em Ciências tem por objeti-
vo fazer com que o aluno compartilhe significados no contexto das Ciências,
sendo capaz de interpretar o mundo e manejar alguns conceitos, leis e teo-
rias científicas, relacionando os problemas cotidianos com os conhecimentos
científicos, sendo capaz também de identificar os aspectos históricos, epis-
temológicos, sociais e culturais das Ciências. Uma educação voltada para o
ambiente reconhece que os comportamentos vêm guiados muito mais pelas
nossas emoções e valores do que por nossos conhecimentos, portanto, é ne-
cessário não só oferecer aos educandos informações, como propor experiên-
cias que reconstruam a conexão entre o homem e a natureza (TOMAZELLO;
FERREIRA, 2001). Fica evidente a importância de se conscientizar os ci-
dadãos para que atuem de maneira responsável e mantenham o ambiente
saudável no presente, para que no futuro saibam exigir e respeitar os direitos
próprios e os de toda a sua comunidade, o que modificará suas relações com
o ambiente tanto interiormente, como pessoa e enquanto ser coletivo (REIS;
SEMÊDO; GOMES, 2012).
Na educação ambiental escolar, deve-se enfatizar o estudo do meio
ambiente onde vive o aluno, procurando abordar os principais problemas
cotidianos, as contribuições da ciência, dos saberes populares, enfim, os
conhecimentos necessários e as possibilidades para solucionar ou minimi-
zar os problemas ambientais (REIGOTA, 2009). Existe a necessidade de se
considerar, como ponto de partida para se trabalhar a temática ambiental,
aspectos e elementos do ambiente natural, social e cultural dos alunos, bem
como suas representações e saberes espontâneos sobre o tema (PEREIRA,
2010). As trilhas constituem uma das formas consagradas de atuação nesses
espaços. Nelas se procura destacar as propriedades do ambiente e chamar a
atenção dos visitantes para as interações e impactos ambientais produzidos
pelo ser humano (SERPE; ROSSO, 2010).
Para tanto, o professor necessita de novas propostas de ensino com o in-
tuito de implementá-las em sala de aula com seus alunos na educação básica.
A estratégia de uma aula planejada em um espaço não formal de educação é
importante para o processo de ensino-aprendizagem do aluno de forma que
contribui para ampliar os conhecimentos dos estudantes. Nesse sentido, os
conhecimentos adquiridos em sala de aula podem ser vivenciados a partir
de experiência ativa nesses espaços não formais possibilitando ao aluno um
196

contato direto a partir de observações e discussões sobre o assunto desenvol-


vido em sala de aula. Desta forma, esta sequência didática visa promover a
popularização do conhecimento sobre o bioma Cerrado e sua biodiversidade,
por meio da utilização de estratégias educacionais no ensino de Ciências em
ambientes não formais.

Sequência didática no Ensino de Ciências

A sequência didática é um procedimento que compreende um conjunto


de atividades conectadas entre si, com etapas ou atividades para trabalhar os
conteúdos disciplinares de forma integrada para uma melhor dinâmica no
processo de ensino-aprendizagem (OLIVEIRA, 2013). Para Zabala (1998,
p. 18), as sequências didáticas são “um conjunto de atividades ordenadas,
estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais
que têm um princípio e um fim, conhecidos tanto pelos professores como
pelos alunos”.
Para Oliveira (2013) a sequência didática é um procedimento para
sistematização do processo de ensino-aprendizagem, sendo fundamental
a efetiva participação dos alunos nas etapas das atividades. Nesse sentido,
o processo de aprendizagem é uma construção pessoal e individual, e esta
construção implica na contribuição por parte da pessoa que aprende, do seu
interesse e na disponibilidade de seus conhecimentos prévios e de sua expe-
riência (ZABALA, 1998). Dessa forma, para o autor, a sequência didática é
um processo que não só contribui para o que o aluno aprenda determinados
conteúdos, mas também que aprenda a aprender.
A proposta dessa sequência didática é auxiliar os professores de
Educação Básica a trabalharem com o tema: o bioma Cerrado e sua biodi-
versidade, oferecendo aos estudantes aulas em espaços não formais com o
intuito de refletir, debater e popularizar o conhecimento sobre o tema pro-
posto. Essa sequência didática pode contribuir para aumentar o interesse dos
estudantes por esse assunto e até mesmo colaborar com atitudes que favore-
çam a conservação desse bioma.
Desta forma, por meio da sequência didática possibilitaremos aos alu-
nos, relacionar e debater o conteúdo estudado com o mundo em que vivem.
Assim, apresentamos o roteiro de atividades seguido por sugestões de apli-
cações de atividades a serem desenvolvidas com os alunos.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 197

Procedimentos instrucionais para o uso da sequência didática

Esta sequência didática é dirigida ao professor da Educação Básica. Ela


foi elaborada com o objetivo de buscar um Ensino de Ciências contextua-
lizado, caracterizado pela construção conjunta da relação docente-discente
com o conhecimento, por meio da utilização de estratégias para o ensino
do bioma Cerrado e sua biodiversidade. Nesta perspectiva, que o professor
que busca novas estratégias de ensino possa utilizar esse roteiro de ativida-
des, e que o mesmo contribua com o planejamento das aulas, envolvendo
os conteúdos sobre o bioma Cerrado e sua biodiversidade. As estratégias de
ensino indicadas nesse roteiro possibilitarão um aprendizado efetivo em seus
alunos. O professor poderá mudar a sequência de aplicação das estratégias,
intervir quando julgar necessário, adequando-as sempre à realidade dos seus
alunos, estimulando debates e reflexões críticas, além de ampliar a socializa-
ção na sala de aula e em espaços não formais.
O tema escolhido é o bioma Cerrado, por ser considerado o segundo
maior bioma brasileiro. O Cerrado é um dos biomas brasileiros mais amea-
çados em termos de perda de cobertura vegetal remanescente. Nele, o des-
matamento, as queimadas e os incêndios florestais provocam a fragmentação
dos habitats, a extinção de espécies, a invasão de espécies exóticas, a erosão
dos solos, o assoreamento dos rios, dentre outros prejuízos ambientais.
Nessa sequência didática será trabalhado o tema Cerrado e sua biodi-
versidade, por ser um tema pouco conhecido e divulgado. Segundo Bezerra
e Suess (2013), ao analisar livros didáticos de Biologia do Ensino Médio,
verificaram que o bioma Cerrado é tratado de maneira acrítica tanto em re-
lação à importância da biodiversidade quanto em relação a sua situação de
degradação ambiental.
Nos livros didáticos de Ciências, encontram-se diversos equívocos so-
bre o assunto, com imagens contraditórias e com pouca valorização desse
bioma, de maneira a explorar apenas os aspectos negativos do bioma em de-
corrência de algumas características próprias de sua vegetação em algumas
de suas fitofisionomias. Há um destaque para a preservação da Amazônia e
da Mata Atlântica em relação ao Cerrado. De acordo com Bizerril (2003) os
temas ligados à conservação do Cerrado são raros nos textos ou não exis-
tem. Nos livros de Ciências, estes apresentam raras informações sobre o
Cerrado, tendo destaque a floresta Amazônica que é o bioma mais citado
em relação a temas como ecossistemas, queimadas e desmatamento e o que
contém mais ilustrações. Bezerra e Suess (2013) apontam que as figuras nos
livros ressaltam a vegetação típica do cerrado stricto sensu, não abordando
sobre as outras fitofisionomias, o que contribui para estereotipação do bioma
198

Cerrado, o que favorece para uma visão de um ambiente pouco diverso e


improdutivo biologicamente. De acordo com Bizerril (2003), os livros de
Ciências apresentam poucas informações sobre a fauna e flora do Cerrado, a
flora sendo representada por imagens de plantas de espécies exóticas, orna-
mentais e cultivadas.
Acreditamos que a compreensão dos alunos a respeito do bioma Cerrado
e de sua biodiversidade não deve se restringir a conhecer somente as suas
características peculiares, mas há também a necessidade de incluir reflexões
e análises críticas sobre a conservação de sua biodiversidade e sobre os pro-
blemas ambientais decorrentes, principalmente, da pecuária e da agricultura
local. É importante incentivar a popularização do conhecimento sobre o bio-
ma Cerrado a fim de evitar uma maior perda ambiental, causada por degra-
dação e ações antrópicas. Dessa forma, a proposta dessa sequência didática
é auxiliar os professores da Educação Básica a trabalharem com o tema o
bioma Cerrado e sua biodiversidade em espaços não formais de educação.

Expectativas de aprendizagem

- Identificar os conhecimentos prévios dos alunos do 7º ano do ensino


fundamental sobre o bioma Cerrado;
- Avaliar a percepção ambiental dos alunos do 7º ano do ensino funda-
mental sobre a biodiversidade do Cerrado;
- Utilizar um espaço não formal (trilha interpretativa) para promover a
popularização do conhecimento sobre a biodiversidade do bioma Cerrado;
- Incentivar os estudantes a se identificarem como parte integrante
da natureza;
- Conhecer as características do Cerrado e compreender que ele é for-
mado por uma rica diversidade biológica;

Conteúdos

- Características do bioma Cerrado, impactos ambientais, fogo


no Cerrado.

Número de aulas necessárias para execução da sequência didática

- Aproximadamente duas aulas, sendo uma em sala de aula e outra no


espaço não formal de educação escolhido pelo professor.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 199

Atividade 01: aplicação de um questionário

Tempo estimado: 30 minutos


Descrição da atividade:
Para investigar o conhecimento prévio dos alunos, você professor, pode
aplicar um questionário com perguntas sobre o assunto que será abordado.
Propomos um exemplo de questionário com as seguintes questões, como
sugestão para desenvolver o tema:
1) Defina, com suas palavras, o que você entende por biodiversidade.
2) O bioma Cerrado possui grande biodiversidade. Cite alguns exem-
plos de animais e plantas contidos no mesmo.
3) Para você, quais são as ameaças à biodiversidade do Cerrado?
A aplicação do questionário é importante para você perceber o nível de
conhecimento dos alunos sobre o tema, o que determinará o seu ponto de
partida. O questionário semiestruturado, por ser um instrumento de coleta
de dados, permite ao aluno responder livremente sobre o assunto, podendo
emitir sua opinião sobre as questões apresentadas. Os alunos utilizam um
tempo de aproximadamente 30 minutos para responder as questões presentes
no questionário. É importante o professor não mencionar nenhum tipo de
informação adicional sobre o assunto do questionário, isto é importante para
não interferir na coleta dos dados.
Para avaliar o conhecimento prévio dos alunos sobre o bioma Cerrado e
sua biodiversidade por meio da utilização dos questionários, sugere-se a ela-
boração de categorias para cada pergunta. Para isso, é importante observar
as respostas obtidas pelos alunos sobre as questões e a partir daí elaborar as
categorias que julgue adequadas para enquadrar as respostas para posterior
análise dos dados.

Atividade 02: Elaboração de um desenho


representando a biodiversidade do Cerrado

Tempo estimado: de 30 a 40 minutos


Descrição da atividade:
A segunda atividade a ser desenvolvida com os alunos do 7º ano, em
sala de aula, é a confecção de um desenho representando a biodiversidade
do bioma Cerrado. O professor entrega aos alunos uma folha de papel A4
na qual irão desenhar. Para a atividade, é necessário o uso de lápis de cor.
Nenhuma outra informação adicional deve ser mencionada com os alunos
durante o momento da atividade. O desenho é um instrumento importante
200

para analisar a percepção ambiental do aluno. Por meio do desenho, a crian-


ça pode refletir sobre o conhecimento, suas emoções e imaginações.
A atividade proposta aos alunos tem como objetivo avaliar a percepção
ambiental sobre a biodiversidade do Cerrado, dando ênfase principalmente
nos elementos desenhados pelos alunos.
Por meio da avaliação das atividades 01 e 02 será possível identificar o
conhecimento prévio que os alunos têm sobre:
- Conceito e entendimento sobre biodiversidade;
- As características do bioma Cerrado;
- Exemplos da fauna e flora do bioma Cerrado;
- As ameaças à biodiversidade do Cerrado;
- A percepção ambiental dos alunos sobre o bioma Cerrado e sua
biodiversidade.

Atividade 03: Trilha Interpretativa com os alunos

Tempo estimado: 02 horas (Pode variar de acordo com a trilha escolhi-


da pelo professor para desenvolver esta atividade)
Descrição da atividade:
Os ambientes naturais representam uma interessante opção para o pro-
cesso de ensino-aprendizagem no que tange à valorização do trabalho em
grupo, estimulando a curiosidade e interesse na observação, propiciando o
estímulo ao questionamento e participação ativa. A utilização de trilhas pode
ser uma excelente estratégia de ensino para prática da educação ambiental,
pois possibilita que os estudantes contemplem e analisem novos ambientes,
isso contribui com atitudes que colaboram para a preservação ambiental. O
estudo sobre o bioma Cerrado e sua biodiversidade é um bom exemplo de
conteúdo que pode ser realizado em trilhas interpretativas. Isso pode ser de
grande relevância para despertar nos alunos responsabilidades no que diz
respeito à conservação do meio ambiente.
É importante conhecer antecipadamente o local escolhido para realizar
a atividade 03, destacando sempre a importância da conservação do bioma
para as espécies, permitindo que os estudantes possam compreender que eles
também são parte integrante da natureza e que é necessária a preservação de
áreas naturais, enfatizando os aspectos ecológicos, culturais, sociais e histó-
ricos desses espaços.
Antes de iniciar a atividade na trilha interpretativa, o professor deve
escolher um local apropriado, de preferência onde tenha sombra, para mi-
nistrar uma palestra dialogada com o intuito de instigar a participação dos
alunos, identificando os seus conhecimentos prévios sobre o bioma Cerrado.
Inicialmente, sugerimos uma breve exposição oral, de aproximadamente
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 201

20 minutos, na qual o professor deve enfatizar as características do bioma


Cerrado, como por exemplo: as características da vegetação, exemplos da
fauna e flora do bioma. Para a palestra podem ser utilizadas imagens para
a ilustração dos exemplos para facilitar a identificação e compreensão por
parte dos alunos. Outros aspectos como a localização do bioma Cerrado no
Brasil, conceito de biodiversidade devem ser destacados. Um ponto impor-
tante a ser ressaltado com os alunos durante a palestra são as ameaças à
biodiversidade como o desmatamento, a agricultura, a pecuária, queimadas,
poluição ambiental e caça/ extinção de espécies.
Feito isso, sugerimos que o professor conduza seus alunos para a trilha
interpretativa. Essa etapa é muito estimulante para os alunos, porque atua
como um momento motivador para a aprendizagem, já que estão fora do
habitual espaço escolar. Ao longo do percurso da trilha interpretativa, cabe a
você professor escolher os pontos de parada para destacar as principais ca-
racterísticas do bioma Cerrado como: a vegetação, o solo, o clima e a biodi-
versidade local. Durante o percurso na trilha interpretativa os alunos devem
ser estimulados a observar, a ouvir, a refletir, a questionar, a perguntar sobre
os assuntos trabalhados na palestra no decorrer da trilha de forma a estimular
a sua percepção do ambiente. É importante salientar que o professor provo-
que situações-problema no aluno para que ele possa compreender melhor os
conceitos estudados anteriormente na sala de aula, como por exemplo, soli-
citar aos alunos que façam comparações entre as diferentes fitofisionomias
encontradas durante o percurso na trilha, quais as características peculiares
de cada um delas, as diferenças observadas em relação ao solo, a temperatu-
ra do ambiente, entre outros que julgar necessário.
Dessa forma, o aluno poderá reconhecer a partir da experiência ativa no
ambiente que o Cerrado é um bioma que apresenta diversas fitofisionomias.
Se você, professor, achar oportuno pode aproveitar esse momento para de-
senvolver dinâmicas de educação ambiental com os alunos. A trilha interpre-
tativa é um espaço não formal apropriado para que os estudantes conheçam o
conteúdo curricular, podendo vivenciá-lo a partir dessa experiência de forma
a facilitar o entendimento e o processo de ensino-aprendizagem.
Ao retornar da trilha interpretativa, é importante que você, professor,
faça uma socialização que possa levantar a discussão e reflexão dos alu-
nos sobre o bioma Cerrado e sua biodiversidade. Sugerimos a aplicação do
mesmo questionário aplicado na primeira atividade. Isso possibilitará a você
avaliar a aprendizagem dos alunos com as atividades desenvolvidas no es-
paço não formal. Essa sequência didática pode ser utilizada como sugestão
para uma avaliação qualitativa do aluno, levando em consideração seus co-
nhecimentos prévios, sua participação nas discussões e reflexões nas ativi-
dades desenvolvidas.
202

Considerações Finais

Esta sequência didática foi direcionada aos professores da Educação


Básica. Dessa forma foi elaborada com o objetivo de buscar um ensino de
Ciências contextualizado, caracterizado pela construção conjunta da rela-
ção docente-discente com o conhecimento. A proposta dessa sequência di-
dática é auxiliar os professores a trabalharem com o tema biodiversidade
do Cerrado oferecendo aos estudantes aulas em espaços não formais com o
intuito de refletir, debater e popularizar o conhecimento sobre o tema. Essa
sequência didática pode contribuir para aumentar o interesse dos estudantes
por esse assunto e até mesmo colaborar com atitudes que favoreçam a con-
servação desse bioma.
A Trilha Interpretativa é um espaço não formal apropriado para que os
alunos conheçam o conteúdo curricular, podendo vivenciá-lo a partir dessa
experiência de forma a contribuir com o processo de ensino-aprendizagem.
As Trilhas Interpretativas podem ser eficazes para promover a popularização
do conhecimento do bioma Cerrado e sua biodiversidade uma vez que os
alunos podem vivenciar por meio de experiências reais os conteúdos an-
teriormente presentes apenas nos livros didáticos. As atividades de ensino
desenvolvidas na Trilha Interpretativa mostram-se motivadoras para os es-
tudantes e, portanto, contribuem para o processo de ensino e aprendizagem
dos alunos.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 203

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O PAPEL DO TUTOR NOS CURSOS
SUPERIORES A DISTÂNCIA: caminhos,
encontros e desencontros na legislação brasileira

Celso Pinto Soares Júnior


Marcelo Duarte Porto

Introdução

Para iniciarmos o diálogo em relação ao Papel do tutor na Educação


Superior a Distância, faz-se necessário apresentarmos a informação segundo
a qual apenas no ano de 1996 a Educação a Distância (EaD) foi reconheci-
da como uma modalidade Educacional. Ela foi regulamentada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDB/96(Lei 9.394/96) ao preconizar no
artigo 80 que “O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veicula-
ção de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades
de ensino, e de educação continuada” (BRASIL, 1996). Sua regulamentação
promoveu uma maior representatividade para a modalidade que passou a
fazer parte das políticas públicas para a educação nacional.
A nova LDB/96 estabeleceu o regime de parceria e colaboração da União,
dos Estados e do Distrito Federal para a organização do ensino brasileiro. As
normas da Educação superior, assim como as ações de autorização, reconhe-
cimento, credenciamento, avaliação e supervisão são de responsabilidade da
União, representada pelo Ministério da Educação – MEC.
No Brasil, para que um Projeto de Lei já aprovado no Poder Legislativo
seja transformado em Lei, é necessária a sanção do Poder Executivo. Cabe
também a este poder emitir Decretos, com o objetivo principal de regula-
mentar a referida Lei, desde que, não sejam aplicadas modificações em sua
redação (LESSA e FERRAZ, 2010). No ano de 2005 houve a publicação do
Decreto 5.622/05 que regulamentou a EaD e a definiu como:

[...] uma modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagó-


gica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização
de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes
206

e docentes desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tem-


pos diversos (BRASIL,2005).

No ano seguinte, por meio do Decreto 5.800/06 foi instituído o Sistema


Universidade Aberta do Brasil – UAB, com o objetivo de ampliar e inte-
riorizar a oferta de cursos superiores, prioritariamente de licenciatura por
meio do desenvolvimento da modalidade EaD, através de parcerias com
Instituições Públicas de Ensino Superior.
O crescimento da EaD é apoiado por fatores de ordem político-social,
econômico, pedagógico e tecnológico. Nas questões político-sociais, a EaD
foi impulsionada pela crescente exigência da expansão na oferta de cursos e
qualificação profissional. No aspecto econômico, foi estimulada como meio
de proporcionar aos alunos qualificação com custo reduzido. Em relação
à proposta pedagógica, a escola necessitava de uma modalidade de ensino
com metodologias flexíveis que atendesse principalmente aos trabalhadores.
Aliado a estes, houve o desenvolvimento e a ampliação do acesso aos recur-
sos tecnológicos (PRETI, 2000).
Saviani (2009) postula que esta modalidade é um excelente instrumento
para contribuir com o processo educativo, principalmente nos cursos de for-
mação de professores, mas deve prover uma formação profissional efetiva e
não apenas um mecanismo de certificação.
De acordo com o último Censo da Educação Superior (MEC, 2015), a
modalidade a distância está em amplo crescimento e representou 17,1% das
matrículas, predominantemente nos cursos de licenciatura. Em diálogo com
Saviani (2009), percebe-se que a EaD é uma possibilidade de formação efe-
tiva e emancipatória, que não deve apresentar como princípio apenas a am-
pliação do número de atendimentos, acolhendo às exigências do capitalismo,
como destaca Rodrigues (2007), na educação concebida como mercadoria.
Sendo assim, o escopo deste trabalho foi cunhado a partir dessas consi-
derações em relação ao avanço da Educação Superior na modalidade EaD no
Brasil e por entender que o Tutor exerce um papel indispensável na prática
pedagógica e na construção do conhecimento por meio do contato direto
com os alunos. Como objetivo geral, propomos: realizar uma análise docu-
mental na legislação brasileira sobre a função e atuação do Tutor nos cursos
da modalidade EaD. Este estudo se faz necessário, uma vez que há poucos
trabalhos em relação à atuação do Tutor no Brasil (GRÜTZMANN, 2013),
além disso, não existe um consenso entre as Instituições de Ensino sobre
qual é a verdadeira função do tutor nos cursos superiores na modalidade EaD
(NUNES, 2013).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 207

O Papel do tutor e a legislação brasileira

O Ministério da Educação é o órgão federal responsável por regulamen-


tar as políticas de Educação e os níveis e modalidades de ensino no Brasil
com a colaboração do Conselho Nacional de Educação e suas respectivas
Câmaras que o compõe, de acordo com a Lei 9.131/95. Entre as atribuições
da Câmara de Educação Superior está a emissão de pareceres, deliberações
e sugestões para os cursos de graduação (BRASIL, 2005).
Com a proposta de promover discussões em relação às regulamentações
para a educação superior, foram realizadas pesquisas no site do Ministério
da Educação (MEC, 2016) em busca de leis, decretos, atos normativos, refe-
renciais e demais documentos oficiais relacionados à Educação a Distância,
a partir da LDB/96, objetivando-se identificar a abordagem do papel do tutor
e promover um diálogo com o estado da arte existente. Para organizarmos
os materiais foi desenvolvida uma tabela (Tabela I) com o objetivo de cate-
gorizar os documentos encontrados e a referência ao papel/função do tutor.

Tabela 1 – Extrato dos documentos avaliados de


EaD encontrados no site do MEC (2016)
Faz referência ao
Tipo de Documento Quantidade
papel do tutor
Decreto 03 01
Resoluções 03 01
Portaria 05 01
Parecer 11 04
Referenciais 01 01
Documento de
01 01
Recomendações
Total 24 09

Fonte: <http://portal.mec.gov.br>.

Percebemos que as regulamentações da EaD estão distribuídas em três


repositórios digitais do Ministério da Educação, denominados de: Educação
Superior a Distância, Educação a Distância e Legislação de Educação a
Distância. Encontramos em todos os repositórios regulamentações referen-
tes a Educação Superior, o que pode dificultar as pesquisas e os estudos em
relação ao tema. Para as normatizações publicadas pelo órgão considera-
ram-se apenas as emitidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho
Nacional de Educação.
Vale ressaltar que não podemos considerar as regulamentações le-
gais como uma verdade absoluta, mas promover discussões buscando
208

identificar as contradições com o foco na melhoria dos processos edu-


cacionais. Demo (1997) cita sobre a existência de “ranços” na LDB/96
que consequentemente afeta as demais regulamentações, por este motivo
devemos estar atentos a influências históricas, econômicas e políticas no
contexto da educação no Brasil.

Análise dos conteúdos identificados em relação ao papel do tutor


Dos 24 documentos analisados em relação a normatização da EaD no
Brasil a partir da LDB/96, 09 citavam de alguma forma o papel do tutor,
porém apenas 03 apresentaram contribuições significativas referente a orien-
tação de quais são as atribuições deste profissional na EaD. Para Lessa e
Ferraz (2011) o entendimento da legislação poderá contribuir com a segu-
rança e a qualidade dos programas educacionais.
Nunes (2013) a partir de um levantamento bibliográfico sobre o papel
do tutor na EaD encontrou 64 descrições diferentes para o perfil deste profis-
sional, além de identificar que eles possuem atribuições diferentes de acordo
com a Instituição de Ensino em que atuam. Para a autora, é necessário estru-
turar esta função. Sem dúvida a organização desta profissão é por meio da
normatização, assim buscamos identificar os critérios adotados e passaremos
a apresentá-los em ordem cronológica.
Foi publicada em janeiro de 2005 o resultado de um grupo de trabalho
sobre Educação a Distância para a Educação Superior denominado de “Ações
Estratégicas em Educação Superior a Distância em Âmbito Nacional”. Este
documento apresentou que a oferta dos cursos deveria estar de acordo com
o Plano de Desenvolvimento Institucional e que a tutoria é uma das necessi-
dades dos cursos nesta modalidade (MEC, 2005).
No mesmo ano, foi publicado o Decreto 5.622/05 que regulamentou a
EaD no país, contudo sua redação cita apenas que cabe à Instituição de Ensino
a responsabilidade por capacitar os profissionais de tutoria (BRASIL, 2005).
Em agosto de 2007 foi publicado pelo MEC as Referências de Qualidade para
Educação Superior a Distância que apresentou a importância da interação dos
tutores com os alunos e da atuação deles no processo de mediação pedagógica,
atribuindo-lhes importante papel na prática pedagógica (MEC, 2007).
Este documento apresentou a importância da instituição promover a
capacitação de sua equipe de tutoria, com o foco no conteúdo específico do
curso, nas ferramentas tecnológicas e nos fundamentos de EaD. Gomes et al
(2007) atribuem que o papel da tutoria é essencial na qualidade do processo
de ensino e aprendizagem da EaD, uma vez que atua fortemente na comuni-
cação com os alunos e na apreensão de seus conhecimentos.
Ao considerarmos a responsabilidade da Instituição de Ensino em de-
finir as funções deste profissional, podemos nos deparar com programas em
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 209

que os alunos não recebem o apoio pedagógico necessário. Nunes (2013),


por exemplo, identificou que apenas 8% das instituições percebem a impor-
tância do trabalho do tutor junto aos materiais didáticos, possibilitando uma
transposição didática. Este fato pode promover uma tutoria passiva, a qual
não gera discussões e questionamentos aos alunos. O conceito de transpo-
sição didática vem ganhando espaço na literatura como um constructo que
visa investigar a qualidade das metodologias assim como linguagem utiliza-
da no enfoque dos conteúdos escolares.
Além disso, é necessário que os programas apresentem profissionais en-
volvidos e capacitados para os processos de mediação pedagógica. Masetto
(2000, p. 145) afirma que:

A mediação pedagógica busca abrir um caminho a novas relações do


estudante com os materiais, com o contexto, com outros textos, com a
aprendizagem compartilhada com os colegas, com o professor, consi-
go mesmo e com seu futuro (MASETTO, 2000, p. 145).

Neste sentido, faz-se necessário que os tutores se qualificarem em relação


aos processos didáticos pedagógicos para que promovam um processo de ensino
efetivo e possibilitem, dessa maneira, a aprendizagem. Prado e Martins (2002)
reiteram que a mediação pedagógica requer que o tutor tenha condições para
aprender, por meio de uma postura reflexiva e que busque criar e recriar estraté-
gias pedagógicas para atingir os objetivos da aprendizagem.
No ano de 2007 o Conselho Nacional de Educação – CNE, através da
Câmara de Educação Superior – CES emitiu os Pareceres CNE/CES nº 195 e
197/2007 que apresentaram a infraestrutura necessária para o credenciamento
das instituições de ensino superior para a oferta de cursos na EaD. Apesar de
fazer referência sobre a importância da capacitação dos profissionais de tutoria
e a infraestrutura necessária, não foi apresentado texto referente à sua atuação.
No mesmo ano a Portaria nº 40/07 definiu a necessidade de apresentar a equipe
de tutores para a solicitação de atos de autorização de cursos (BRASIL, 2007).
Neste diálogo, consideramos o papel do tutor imprescindível para os
cursos EaD, uma vez, bem qualificados, podem promover a mediação do co-
nhecimento. Kaminski e Stoltz (2015) apontam que a concepção histórico-
-cultural assinala nesta direção, uma vez que o processo de mediação promo-
vido pelo tutor deve inserir os alunos no centro do processo de aprendizagem
por meio da relação com o outro. Assim, o processo de ensino e aprendizado
advêm de atividades mediadas, promovendo a formação de um sujeito críti-
co e consciente na sociedade em que está inserido. Porto e Oliveira (2010),
na perspectiva histórico-cultural vygotskyana, afirmam que o “outro” é
parte constituinte da mediação, pois o humano é considerado um ser emi-
nentemente social. Nesta pespectiva, vale retomar o conceito de Zona de
210

Desenvolvimento Proximal (ZDP), zona esta que seria o espaço primoroso


para a atuação do Tutor. Segundo Vygotsky (2007, p. 86):

[...] a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível


real de desenvolvimento determinado pela resolução de problemas in-
dependente e o nível de desenvolvimento potencial determinado pela
resolução de problemas sob orientação de adultos ou em colaboração
com companheiros mais capacitados.

Neste sentido, as instituições devem promover capacitações que possi-


bilite o tutor a se reconhecer como cúmplice do aluno no processo de apren-
dizagem, na medida em que a mediação se insere como condição que via-
biliza a troca e desperta a reflexão para o desenvolvimento da autonomia
intelectual do aluno (KAMINSKI; STOLTZ, 2015).
Demo (1998) discute que a Educação a Distância não dispensa a figura
do professor, contudo ele deve agregar novas competências e práticas pe-
dagógicas principalmente no que diz respeito às novas tecnologias digitais.
No ano de 2010 o CNE, através da Câmara de Educação Superior, emi-
tiu o Parecer 195/10 que estabeleceu que o tutor pode atuar como professor-
-orientador de Estágio Supervisionado nos cursos de graduação, desde que
tenham formação e experiência na Educação Básica (BRASIL, 2010), não
diferindo assim da função dos professores em cursos presenciais. Contudo,
apenas no ano de 2015, o Parecer CNE/CES nº 564/15 reconheceu os tutores
como profissionais da educação ao afirmar que “os tutores desempenham
importante papel no processo educacional e, especialmente, na mediação di-
dático-pedagógica do ensino e aprendizagem, constituindo-se, desse modo,
em profissionais da educação (BRASIL, 2015).”.
Para o autor Tonnetti (2012) a função do professor/tutor é precarizada a
partir do momento em que atua como um bolsista ou estagiário das institui-
ções de ensino, permanecendo fora dos benefícios trabalhistas conseguidos
pela profissão docente. Mas destaca que eles são os grandes responsáveis
pelo processo de ensino e aprendizagem na EaD.
Após uma trajetória de mais de 10 anos da regulamentação da mo-
dalidade EaD no país, no ano de 2016 foi aprovada a Resolução nº 1 do
CNE/CES que definiu pela primeira vez a função e o papel do profissio-
nal de tutoria:

Entende-se por tutor da instituição, na modalidade EaD, todo profis-


sional de nível superior, a ela vinculado, que atue na área de conhe-
cimento de sua formação, como suporte às atividades dos docentes
e mediação pedagógica, junto a estudantes, na modalidade de EaD
(BRASIL, 2016).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 211

Entendemos que esta legislação foi tardia, apesar de ainda atribuir à no-
menclatura de tutor para aquele profissional que desenvolve as atribuições do-
centes. Possivelmente se considerássemos este profissional como professor,
não haveria discordâncias em relação a sua atuação nas instituições de ensino.
Assim, o professor que atua como do tutor, deverá compreender que para a EaD
as práticas educativas são baseadas nas ferramentas tecnológicas, neste caso, o
que modifica é a metodologia do ensino. Andrade (2009) afirma que o tutor:

Deve ser visto como um professor à distância, com um papel similar


ao professor do ensino presencial, sendo ele responsável por promo-
ver a interatividade, pela troca de experiência entre os alunos e por
reforçar a comunicação do grupo (ANDRADE, 2009, p. 04).

Neste caso deve-se considerar apenas que a modalidade EaD possui


características específicas e que o professor/tutor deve compreender que o
processo de ensino e aprendizagem ocorre através da separação física e es-
pacial. Nunes (2013) identificou que apenas 6% das instituições estudadas
percebem a importância de o tutor conhecer as características da EaD. Este
fato chama atenção uma vez que estes profissionais não podem tentar repro-
duzir as práticas pedagógicas da modalidade presencial na EaD.

Considerações Finais

Entendemos que é necessário romper com os preconceitos que ainda


pairam sobre a modalidade EaD. Um dos caminhos para romper com este pa-
radigma seria considerar que o tutor é de fato o professor do curso e, portan-
to, possui todos os direitos trabalhistas desta ocupação. Neste caso, não seria
necessária legislação específica para regular a atuação deste profissional.
As Instituições precisam perceber que este profissional é de fato o res-
ponsável por promover todo o processo de ensino e aprendizagem e que a
sua valorização e capacitação devem estar de acordo com as características
da modalidade.
É necessário que o Ministério da Educação compreenda que função
proposta para a atuação do tutor está de acordo com as especificações do-
cente. Tonnetti (2012) evidenciou que em muitas universidades os profes-
sores ocupam papeis burocráticos na EaD, ficando a cargo dos tutores o
processo de mediação pedagógica junto aos alunos. Mendes (2013) desta-
cou ainda que em sua pesquisa todas as atribuições dos tutores são perti-
nentes a prática docente e que esta distinção evidencia a precarização do
trabalho do professor.
212

REFERÊNCIAS
ANDRADE, E. M. de. As práticas pedagógicas do tutor na educação à dis-
tância. In: IX Seminário Pedagogia em Debate e IV Colóquio Nacional de
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O MESTRADO PROFISSIONAL E A
FORMAÇÃO INTERDISCIPLINAR
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do disciplinar ao transdisciplinar

Geraldo Eustáquio Moreira

Ideias introdutórias

Atualmente, percebe-se que os Mestrados Profissionais (MP) passam


por uma necessária valorização quando comparados a outros programas de
Pós-Graduação, principalmente por suas contribuições à melhoria do ensino
da Educação Básica, refletindo, diretamente, no desenvolvimento profissio-
nal do professor-aluno das diversas áreas, especialmente de Matemática.
Ao levarem em consideração a formação assentada na prática profissio-
nal, constata-se que as políticas para os cursos de modalidade profissional no
Brasil, têm ganhado forte apoio no meio acadêmico e grande reconhecimen-
to dos sistemas de Educação Básica. Para tanto, é preciso refletir sobre a im-
portância desses programas para o País, inclusive sobre suas características
e que formação (interdisciplinar) se espera dos futuros mestres.
Neste sentido, a temática apresentada para discussão neste texto é im-
portante e, ao mesmo tempo, provocativa e, para além disso, aliada às dis-
cussões sobre interdisciplinaridade, traz reflexões capazes de desmantelar
pseudocompreensões sobre a tríade Mestrado Profissional, formação inter-
disciplinar e Ensino de Matemática, principalmente no momento em que “va-
riados autores têm mostrado a imprescindibilidade de se ofertar cursos para
sanar algumas defasagens da formação inicial dos docentes” (MOREIRA,
2015, p. 514).
À luz dos pontos colocados para reflexão, para não tornar o discurso
vazio frente à importância que requer o assunto, principalmente pela jovia-
lidade dos Mestrados Profissionais, é preciso trazer para o debate temas re-
lacionados à formação profissional, aliada à formação interdisciplinar, con-
siderando o que vem sendo discutido sobre tais programas, apresentando,
inclusive, as lacunas na formação que esses cursos ofertam.
218

Os mestrados profissionais em ensino de matemática: foco na


prática docente

Em nosso País, a Pós-Graduação Stricto Sensu tem crescido significa-


tivamente nas últimas décadas, envolvendo 5.812 cursos no ano de 2015,
distribuídos entre as áreas do Mestrado Acadêmico – M, do Doutorado – D
e do Mestrado Profissional – MP (BRASIL, 2015).
Consoante ao sítio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – CAPES (BRASIL, 2016), atualmente, em nosso País,
contamos com 83 Cursos de Pós-Graduação Strico Sensu recomendados,
pertencentes à área de Ensino de Ciências e Matemática. Destes, 65 Cursos
são de Mestrados, subdivididos em Mestrados Acadêmicos (32), Mestrados
Profissionais (33) e Doutorados (18). A produção acadêmica interdisciplinar,
pelo que se observou é incipiente.
Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), o MP é uma modalidade de Pós-Graduação Stricto Sensu
“voltada para a capacitação de profissionais, nas diversas áreas do conheci-
mento, mediante o estudo de técnicas, processos, ou temáticas que atendam
a alguma demanda do mercado de trabalho” (BRASIL, 2015, s/p), ou seja,
são programas que referem-se à pesquisa aplicada (SILVA; NORONHA;
ARAÚJO, 2012).
A regulamentação dos MP assenta-se na Portaria Normativa n. 17, de
28 de dezembro de 2009, do Ministério da Educação e da CAPES (BRASIL,
2009), a qual é responsável pelas normas específicas de credenciamento e
avaliação desses cursos.
Enquanto os Mestrados Acadêmicos objetivam “buscar expor o mes-
trando à literatura científica da área, treiná-lo em atividades de pesquisa,
buscando qualificá-lo para o magistério superior, sendo então geralmente
seguido do doutorado” (PIQUET; LEAL; TERRA, 2005, p. 33), os obje-
tivos dos MP referem-se, principalmente à capacitação profissional quali-
ficada para o exercício da prática profissional avançada e transformadora
de procedimentos, “visando atender demandas sociais, organizacionais ou
profissionais e do mercado de trabalho”; à transferência do conhecimento
para a sociedade, atendendo às demandas específicas de cunho nacional, re-
gional ou local; à promoção da articulação integrada da formação profis-
sional com entidades demandantes de naturezas diversas, “visando melho-
rar a eficácia e a eficiência das organizações públicas e privadas por meio
da solução de problemas e geração e aplicação de processos de inovação
apropriados” (BRASIL, 2009, p. 21) e, ainda, contribuição para congregar
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 219

a competitividade e o aumento da produtividade, tanto em empresas quanto


organizações públicas e privadas.
Em consonância com Piquet e colaboradores (2005), o Mestrado
Profissional constitui, basicamente, numa “maior aproximação entre os tra-
balhos conduzidos pelas universidades e as demandas existentes no campo
social e profissional, proporcionando um encurtamento dos prazos entre in-
vestigação e a sua aplicabilidade” (p. 34). Para esses autores, o MP tem um
“direcionamento claro para encontrar o caminho da resposta a uma pergunta
específica proposta pela área profissional ou identificada pela universidade,
como algo que deva ser investigado naquela área” (p. 34).
Analogamente, para Moreira e Nardi (2009) as principais caracterís-
ticas dos cursos de MP estão no entrelaçamento do corpo docente com o
prazo de conclusão do curso e o resultado da pesquisa, isto é, a elaboração
da dissertação ou trabalho de conclusão. Os autores destacam uma distin-
ção importante entre o Mestrado Acadêmico e o Mestrado Profissional. No
primeiro caso, a pesquisa deve ser eminentemente acadêmica, resultando
em artigos de pesquisa, principalmente, enquanto que, no segundo, a ênfase
deve ser dada à produção técnica, ou seja, aos recursos didáticos ou instru-
cionais, uma vez que os mestrandos que devem se apropriar dos resultados
da pesquisa, devendo “testá-la em situações reais de sala de aula e refletir
sobre os resultados dessa experiência em conjunto com o orientador e seus
pares” (p. 5).
Devido à especificidade dos MP, chamo à atenção para um ponto que
merece destaque. Segundo a Portaria Normativa n. 17, em seu artigo 7º,
parágrafo 3º, o trabalho de conclusão pode ser elaborado em diferentes for-
matos, tais como:

[...] tais como dissertação, revisão sistemática e aprofundada da lite-


ratura, artigo, patente, registros de propriedade intelectual, projetos
técnicos, publicações tecnológicas; desenvolvimento de aplicativos,
de materiais didáticos e instrucionais e de produtos, processos e
técnicas; produção de programas de mídia, editoria, composições,
concertos, relatórios finais de pesquisa, softwares, estudos de caso,
relatório técnico com regras de sigilo, manual de operação técnica,
protocolo experimental ou de aplicação em serviços, proposta de in-
tervenção em procedimentos clínicos ou de serviço pertinente, projeto
de aplicação ou adequação tecnológica, protótipos para desenvolvi-
mento ou produção de instrumentos, equipamentos e kits, projetos de
inovação tecnológica, produção artística [...] (BRASIL, 2009, p. 21,
destaque meu).
220

Para Moreira e Nardi (2009), “ainda que se mantenha a nomenclatura


de dissertação, a natureza do trabalho de conclusão do mestrado profissional
é distinta da do acadêmico” uma vez que se refere a um “relato de uma expe-
riência de implementação de estratégias ou produtos de natureza educacio-
nal, visando à melhoria do ensino em uma área específica” (p. 4).
Voltando-me à área de Ensino de Matemática, criada em setembro de
2000 pela CAPES, há que se considerar que ainda é nova, porém apresenta
indicadores de consolidação que têm levado a área à sua expansão e conse-
quente formação de pesquisadores de alto nível. Para Moreira e Nardi (2009),
o MP em Ensino de Matemática “é uma nova proposta de Pós-Graduação
Stricto Sensu. Não é uma adaptação, ou variante, de propostas já existentes.
Não é um mestrado mais simples; é diferente, isso sim” (p. 2). Para outros
pesquisadores, o passeio entre as diversas áreas do conhecimento não des-
merece a necessidade de investigações próprias:

Claro que a Educação Matemática transita por vários outros campos cien-
tíficos, como a própria Matemática, a Educação, a Psicologia, a Sociologia
e as Ciências Cognitivas. No entanto, por ser autônoma, possui problemas
próprios e questões de investigação complexas, sendo, pois, independente
desses campos científicos, o que revela a necessidade de construirmos
e validarmos instrumentos de investigação próprios, podendo ser esten-
didos às demais áreas, mas que se assentam nas teorias da Educação
Matemática (MOREIRA et al., 2016, p. 83).

No azo, saliento que os MP foram desenhados para os professores, prio-


ritariamente, e, no caso dos MP em Matemática, possuem elevado potencial
para contribuírem com a melhoria do ensino e da aprendizagem, principal-
mente da Matemática, visto que o momento é de grande reflexão sobre os
baixíssimos índices de avaliação alcançados pelos estudantes brasileiros em
exames nacionais, como a Prova Brasil, e internacionais, como Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa).
Similarmente, é importante, então, destacar a ressignificação da ação
pedagógica mediante as novas formas de ensinar e aprender, sejam ao nível
da formação inicial, sejam ao nível da Pós-Graduação, mas que atendam aos
acotovelamentos dos professores e dos alunos, o que pode ser prontamente
obtido por meio da formação continuada, que dá liberdade ao processo peda-
gógico (MOREIRA, 2014; MOREIRA, MANRIQUE, 2014), com variadas
“experiências respeitosas de liberdade” (FREIRE, 1996, p. 121), que podem
culminar com a maximização dos resultados positivos em relação aos ensi-
nos de Matemática.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 221

Os mestrados profissionais em ensino de matemática: do


disciplinar ao transdisciplinar

Advogando-se a necessidade de refletir sobre a complexidade do que é


interdisciplinaridade, faz-se necessário, primeiramente, discutir alguns con-
ceitos que podem ajudar a clarear as ideias acerca da temática e, para além
disso, contribuir para a tecitura de fatos e teorias que venham ancorar posi-
ções mais consistentes sobre a interdisciplinaridade, “já que ela pavimentou
o caminho para outra nova ordem de se pensar o ser humano, o mundo e
as coisas do mundo” (TRINDADE, 2011, p. 262). Então, para dialogar so-
bre a formação interdisciplinar nos Mestrados Profissionais em Ensino de
Matemática, é preciso, antes, compreender unidades menores, tais como dis-
ciplinar, multidisciplinar e pluridisciplinar, uma vez que ajudam a construir
o conceito maior.
Neste sentido, observa-se que, atualmente, a sociedade tornou-se tão com-
plexa que exige, cada vez mais, de seus cidadãos conhecimentos interligados
que formem uma rede de saberes que esteja entrelaçada em diversos campos
das Ciências, das Tecnologias, das Epistemologias e das Humanidades, dis-
tanciando-se cada vez mais do senso comum, do conhecimento fragmentado e
compartimentado, podendo gerar novos saberes que venham responder às novas
necessidades sociais, alicerçadas em velhos pilares.
Segundo a literatura consultada, o conhecimento disciplinar é, tradicio-
nalmente, fragmentado, solto e sem conexão com outros saberes, necessários
à compreensão de totalidade. Assim, o conceito de disciplinaridade vem de
longe sendo discutido e, desde a década de 60, tem ganhado voz nos mais
diversos setores acadêmicos, levando à composição da interdisciplinaridade
(FAZENDA, 2002; MORIN, 2009; PIAGET, 1979).
Evidentemente que a interarticulação entre as diversas ciências, “pro-
vocam encontros e trocas que permitem a uma disciplina disseminar uma
semente da qual nascerá uma nova disciplina” (MORIN, 2009, p. 109), le-
vando ao mais alto nível de entrelaçamento do conhecimento, tornando-o tão
complexo quanto o próprio conceito de interdisciplinaridade, pois apresenta
o grau mais elevado numa escala crescente de articulação entre os conheci-
mentos de áreas distintas.
Mas, a compartimentalização do conhecimento gera, pois, o que se cha-
ma, principalmente no ambiente escolar, de disciplina, dificultando a comu-
nicação entre os saberes pedagógicos, epistemológicos e sociais, negligen-
ciando a contextualização em ambientes escolares, configurando-se como o
sentido comum de um campo específico de conhecimento.
222

Enquanto para Japiassu (1976), a disciplinaridade é a exploração pro-


gressiva científica de uma determinada área ou domínio homogêneo de estu-
do em que esta deverá definir e estabelecer suas fronteiras constituintes, para
D’Ambrósio (2005, p. 103), “as disciplinas dão origem a métodos específi-
cos para conhecer objetos de estudo bem definidos. Os métodos e os resulta-
dos assim obtidos, que se referem a questionamentos claramente identifica-
dos, constituem um corpo nomeado de conhecimento”. Vejamos a Figura 1:

Figura 1 – Disciplinaridade

Como pode ser observado na Figura 1, a disciplinaridade refere-se, no


máximo, a um nível de realidade, ou seja, atua num domínio particular do
conhecimento. Não nego, de forma alguma, e nem minimizo a necessidade
de valorizar o disciplinar, afinal, ele é a unidade que compõe o tecido inter-
disciplinar. Para Morin (2009, p. 110), a “disciplina é uma categoria organi-
zadora dentro do conhecimento científico”.

De toda forma, convém não esquecer que, para que haja interdisci-
plinaridade, é preciso que haja disciplinas. As propostas interdisci-
plinares surgem e desenvolvem-se apoiando-se nas disciplinas; a
própria riqueza da interdisciplinaridade depende do grau de desenvol-
vimento atingido pelas disciplinas e estas, por sua vez, serão afetadas
positivamente pelos seus contatos e colaborações interdisciplinares
(SANTOMÉ, 1998, p. 61).

Segundo Nicolescu (1999), quando a comunicação disciplinar não deu


conta de provocar a interação entre os conhecimentos das várias disciplinas
criadas pela ciência moderna, surgiram outros níveis: a multidisciplinarida-
de, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade.
A multidisciplinaridade, segundo Piaget (1979, p. 166) é o “nível in-
ferior de integração. Ocorre quando, para solucionar um problema, busca-
-se informação e ajuda em várias disciplinas, sem que tal interação contri-
bua para modificá-las ou enriquecê-las”, uma vez que é uma estratégia de
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 223

abordar um mesmo objeto do conhecimento de diversas perspectivas disci-


plinares diferentes, sem que exista um resultado integrado.

Figura 2 – Multidisciplinaridade

A Figura 2 mostra que a multidisciplinaridade extravasa as fronteiras


disciplinares. Contudo, a meta permanece limitada à estrutura da pesquisa
disciplinar. Multidisciplinarmente, podemos exemplificar dizendo que a es-
trela central do sistema solar, isto é, o sol, pode ser definido de acordo com o
interesse presente: um Físico diria que ele é enorme esfera de gás incandes-
cente; um astrônomo diria que ele é o centro gravitacional do sistema solar;
um Biólogo diria que ele é a fonte de energia terrestre... Ou seja, o conceito
de multidisciplinaridade se caracteriza por uma ação simultânea de várias
disciplinas sobre um determinado assunto, cuja fragmentação disciplinar
ainda é reinante, pois não há trocas entre as áreas.
De seguida, a pluridisciplinaridade, por sua vez, se caracteriza pela
ação de várias disciplinas sobre certa temática, mediante diálogos não co-
ordenados e não hierarquizados entre as áreas do saber, cuja ocasionalidade
impera nas cooperações mútuas. Os objetivos são múltiplos e há troca e co-
operação entre os níveis disciplinares envolvidos, mas sem coordenação ou
organização, mantendo a finalidade multidisciplinar.

Figura 3 – Pluridisciplinaridade
224

Na Figura 3, é possível verificar que, quando várias disciplinas coe-


xistem em um mesmo ramo, como as especializações da Matemática, por
exemplo, costuma-se falar em pluridisciplinaridade, caso haja tentativas de
realizar um trabalho em equipe.
Em oposição à pluridisciplinaridade, na interdisciplinaridade há coor-
denação e reciprocidade entre as ações disciplinares, que são articuladas e
têm como meta a construção de um conhecimento comum. Pode-se dizer
que é o “nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre vá-
rias disciplinas provoca intercâmbios e, consequentemente, enriquecimentos
mútuos” (PIAGET, 1979, p. 166), sem estar filiada a essa ou àquela área.

Figura 4 – Interdisciplinaridade

Observando a Figura 4, é possível inferir que há um esforço de cor-


relacionar as disciplinas, que são inter-relacionadas entre si. Consoante a
Fazenda (2002) a ideia de interdisciplinaridade nasceu na França e na Itália,
por volta da década de 60, como resposta aos movimentos estudantis que
reivindicavam um ensino de cunho social, político e econômico, pois tinha
como cerne a ideia de que a integração dos saberes poderia resolver os pro-
blemas de ordens diversas existentes. Para a pesquisadora, o pensar inter-
disciplinar é uma atitude diante do conhecimento que objetiva reformular o
velho ou descobrir o novo.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a ideia de interdisci-
plinaridade deve nascer da “necessidade sentida pelas escolas, professores
e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia
uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários”
(BRASIL, 2002, p. 89).
Por ser um processo dinâmico, e devido à sua volatilidade conceitual,
Fazenda (2002, p. 8) afirma que “nas questões da interdisciplinaridade, é
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 225

possível planejar e imaginar, porém é impossível prever o que será produzi-


do e em que quantidade ou intensidade”, o que a torna fundamental para uma
formação acadêmica condizente com o atual estágio de desenvolvimento da
Ciência globalizada, que traz reflexões importantes “sobre as reivindicações
geradoras do fenômeno interdisciplinar e suas origens, que desencadearam
uma nova ordem de pensar sobre o homem e as coisas do mundo, que se
encontram em estado de franca efervescência” (TRINDADE, 2011, p. 262).
Por seu turno, e ainda mais complexo que o conceito de interdiscipli-
naridade, atualmente tem-se levantado discussões sobre a transdisciplina-
ridade, que é o nível de interação mais complexo que existe, pois integra
todos os domínios disciplinares em torno de uma interpretação holística de
todos os fatos e fenômenos existentes. Segundo a literatura consultada, Jean
Piaget, em 1970, foi o primeiro a utilizar o termo e em 1980, Edgar Morin
traz conceitos de que revelaram a existência de uma transdisciplinaridade
antiga e outra nova. Pode-se dizer que é uma etapa superior à interdisciplina-
ridade onde há uma integração global das várias ciências, não sendo possível
separar os níveis disciplinares.

Figura 5 – Transdisciplinaridade

A Figura 5 caracteriza o nível transdisciplinar. Pode-se dizer que é uma


etapa superior à interdisciplinaridade onde há uma integração global das vá-
rias ciências, não sendo possível separar os níveis disciplinares.

Enquanto a interdisciplinaridade torna flexíveis os limites das disciplinas


e promove o intercâmbio teórico e metodológico, a transdisciplinaridade,
na prática, propõe novas teorias e metodologias que se situam aquém e
além do cotidiano das disciplinas acadêmicas (PAVIANI, 2003, p. 5).
226

Neste sentido, na transdisciplinaridade os domínios das disciplinas são


levados para os campos mais extensos como o social, o ético, o político, o
econômico, ou seja, transita, dialeticamente, para as distintas partes e para
o todo.

Recentemente, Piaget criou um novo termo para completar a gradação


esboçada pelo multi-, pelo pluri- e pelo interdisciplinar. Trata-se do
transdisciplinar. [...] O próprio Piaget se apressa em precisar que se
trata apenas de um sonho, de uma etapa previsível das associações,
mais do que uma realidade já presente (JAPIASSU, 1976, p. 75-76).

Consentaneamente, ao me aproximar da finalização do presente texto,


deixo como reflexão aos leitores a ideia de que é possível realizar pesquisas
no âmbito interdisciplinar, principalmente porque ao aceitar ser um pesqui-
sador da própria prática, por meio da reflexão na ação, da reflexão sobre a
ação e da reflexão sobre a reflexão na ação (SCHÖN, 2000), o professor-
-aprendiz pode contribuir para o entendimento desse termo novo, costurado
sob antigas reivindicações, que é a interdisciplinaridade. Ela “surgiu da ne-
cessidade de reunificar o conhecimento” (TRINDADE, 2011, p. 262).

Reflexões finais

Ante o cenário traçado acerca da indissociabilidade entre o Mestrado


Profissional, a interdisciplinaridade e o ensino de Matemática, entende-se
que os estudos profissionais necessitam ser vistos como uma modalidade
que agrega qualidade ao sistema de Pós-Graduação Stricto Sensu de nosso
País, que possibilita a “formação de profissionais qualificados pela apropria-
ção e aplicação do conhecimento embasado no rigor metodológico e nos
fundamentos científicos” (BRASIL, 2009, p. 20), refletindo diretamente na
melhoria da Educação Básica em função da inserção dos mestrandos nas
salas de aula.
De acordo com Moreira, Manrique e Martins (2016), dados do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
revelaram o catastrófico resultado do último Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (PISA), promovido e coordenado pela Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2012.
Para os pesquisadores, a capacidade matemática de 85 mil estudantes de 15
anos, do mundo inteiro, foi avaliada, abordando, principalmente, a resolução
de problemas aplicados ao cotidiano, deixando o Brasil na 38ª posição em
um ranking de 44 países participantes.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 227

A 38ª posição repercutiu negativamente em todos os setores da socie-


dade, mormente no meio acadêmico, sobretudo nos grupos de pes-
quisa que atuam com investigações sobre o ensino e aprendizagem
de Matemática. Certamente que vários estudiosos opinaram sobre o
assunto e muitas críticas foram feitas aos professores que ensinam
Matemática; aos sistemas de ensino; às precárias estruturas que se en-
contram as escolas brasileiras e aos diversos programas de governo,
que deveriam ser programas de Estado, mas essa é uma discussão para
outro momento (MOREIRA; MANRIQUE; MARTINS, 2016, p. 71).

Para esses pesquisadores, essa posição nos leva à autocrítica, que deve
ser concreta e inerente ao professor reflexivo, uma vez que o professor deve
pensar no que aconteceu, no que observou, no significado que deu a uma
determinada aula e na eventual adoção de outros sentidos para a prática de
sala de aula.
Há muito, venho insistindo na priorização e na imprescindibilidade dos
professores que ensinam Matemática, principalmente, adotarem uma postu-
ra diferente daquela de professor ensinador (DEMO, 2001), que se encontra-
ram “impedidos de revelarem seus talentos ocultos; anulados no desejo da
pergunta, embotados na criação; prisioneiros de um tempo tarefeiro, reféns
da melancolia; induzidos a cumprir o necessário, cegos à beleza do supér-
fluo” (FAZENDA, 2006, p. 2), podem ser os grandes heróis de uma educa-
ção que vai do disciplinar ao interdisciplinar, que não se inibam perante os
desafios de uma educação que requer atitude e coragem para mudar.
Acredito e defendo que os MP podem contribuir para a conquista de
muitas experiências exitosas na Educação Básica, cujos produtos educacio-
nais podem revelar verdadeiros indutores de qualidade, que podem ajudar a
solucionar os problemas educacionais, uma vez que a coalizão interdiscipli-
nar com outras áreas do conhecimento traz benefícios a todos.

O fenômeno da interdisciplinaridade, como instrumento de resgate do


ser humano com a síntese, projeta-se no mundo todo. Mais importante
que conceituá-la, é refletir a respeito de atitudes que se constituem
como interdisciplinares. A dificuldade na sua conceituação surge por-
que ela está pontuada de atitudes, e não simplesmente de um fazer;
entretanto, a interdisciplinaridade precisa ser bem compreendida para
que não ocorram desvios na sua prática (TRINDADE, 2011, p. 262).

Nesta mesma direção, a produção interdisciplinar da área foi objeto


de estudo de Pires e Gonçalves (2011). Segundo os autores, quando envol-
ve a interdisciplinaridade, “apenas 6,6% dos trabalhos tratam a temática a
228

partir da Educação Matemática” (p. 7). Os pesquisadores concluíram que


os professores de Matemática, de um modo geral, possuem dificuldades em
explorar conceitos das outras áreas e não há planejamentos coletivos dos
professores de Matemática e outras áreas concomitantemente, envolvendo,
claro, as diversas disciplinas que compõem o currículo escolar, o que vem
confirmar nossas suspeitas iniciais, uma vez que os Mestrados Profissionais
na área de Ensino da Matemática, tendo como panorama o enfoque historio-
gráfico, podem propiciar abordagens interdisciplinares, capazes de mudar a
realidade, possibilitando a aproximação entre a teoria e a prática descritas
nos diversos currículos.
E concordando com Fazenda (2002), e ao finalizar o presente texto,
que não intencionou dar respostas acabadas sobre a interdisciplinaridade no
Ensino de Matemática, mas fazer com que todos se percebam e, gradativa-
mente, se tornem parceiros da construção de um novo conhecimento, que
exige, cada vez mais, novas formas de agir e pensar, visto que “a interdisci-
plinaridade pode ser aprendida e pode ser ensinada, o que pressupõe um ato
de perceber-se interdisciplinar” (p. 86).
Ressalta-se, ainda, que é muito importante conhecer e apresentar o que
os MP dizem sobre a interdisciplinaridade; se estão ou não trabalhando des-
sa forma e como seus projetos abordam a temática. Posteriormente, e como
sugestão de continuidade dessa investigação, pode-se consultar os coorde-
nadores desses Mestrados Profissionais, buscando responder eventuais ques-
tionamentos e dúvidas sobre a interdiciplinaridade no Ensino de Matemática.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 229

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APRENDER E ENSINAR O PENSAR
EVOLUTIVO: Darwin, Vigotski e a formação
de professores em um contexto sócio-histórico

Alberto Rogélio Orioli


Cláudio Magalhães de Almeida
João Roberto Resende Ferreira
Marcelo Duarte Porto

Introdução

A teoria da evolução biológica por meio da seleção natural, originalmen-


te proposta em conjunto por Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel
Wallace (1823-1913), na Inglaterra do século XIX, mudou o pensamento
científico a respeito do mundo vivo. Abalou conceitos há séculos estabele-
cidos e tidos como inquestionáveis ao afastar a necessidade da existência
de um criador especial para a origem e o desenvolvimento das incontáveis
formas de vida existentes na Terra, incluindo a espécie humana.
Ocupando posição central nas Ciências Biológicas (MEYER; EL-
HANI, 2005), a evolução biológica é a teoria unificadora da biologia
(FUTUYMA, 2002), uma vez que procura explicar como o mundo vivo
se organiza. A compreensão efetivada a respeito dos fundamentos evoluti-
vos transpassa sua zona de conhecimento biológico, exigindo também um
pensar disciplinar histórico, geográfico, geológico e psicológico (MOURA;
SILVA-SANTANA, 2012).
Nesse sentido, entende-se que a Biologia é uma ciência evolutiva. A
compreensão científica da formação e do funcionamento dos sistemas bioló-
gicos é feita a partir dos fundamentos evolutivos, como tão bem expressou
Dobzhansky (1973) ao publicar um artigo com o título Nothing in biology
makes sense except in the light of evolution [Nada na biologia faz sentido ex-
ceto à luz da evolução], e Mayr (2006, p. 105), quando complementa, “posso
modificar isto dizendo... à luz da evolução darwiniana”.
Um dos méritos atribuídos a Darwin é o de propor uma elegante expli-
cação para o processo de evolução biológica com sólida estrutura conceitu-
al. Conhecida como darwinismo, essa teoria se fundamenta nos princípios
234

cientificamente aceitos da variação e da adaptação, propondo que o principal


mecanismo da evolução é o da seleção natural das variações hereditárias.
Considerando-se que o conhecimento científico é construído sócio-his-
toricamente a partir da atividade humana, como tal, trata-se de uma produ-
ção coletiva e, portanto, controverso. Torna-se, então, necessário apropriar-
-se da sua historicidade, da gênese e desenvolvimento desse conhecimento.
As visões dogmática, rígida, aproblemática e ahistórica da ciência não
consideram as dificuldades encontradas no percurso do trabalho do cientista,
suas limitações, as limitações do conhecimento científico do tempo presen-
te, a origem do questionamento, e tampouco o contexto histórico, político,
social e cultural em que o pesquisador está inserido. Essa é a visão exclusi-
vamente analítica, limitada e deformada, que não considera a unificação dos
conhecimentos prévios, como foram construídos, ignorando o trabalho em
equipe e corporativo. É a visão ingênua e romântica do pesquisador enquanto
mito, que trabalha sem hesitações ou erros, proporcionando a imagem des-
contextualizada de uma ciência socialmente neutra. Desconsidera-se, desse
modo, que o conhecimento desenvolvido e assimilado a partir de um contex-
to histórico-cultural tem relevância significativa nas descobertas científicas.

O progresso nas Ciências Biológicas não se caracteriza tanto pelas


descobertas individuais, por importantes que sejam, ou pelas proposi-
ções de teorias novas, mas muito mais pelo gradual e decisivo desen-
volvimento de novos conceitos, e pelo abandono dos que antes eram
dominantes. Na maioria dos casos, o desenvolvimento dos conceitos
novos mais importantes não foi devido a descobertas individuais, mas
muito mais à integração nova de fatos anteriormente estabelecidos. A
teoria darwiniana da descendência com modificações, por meio da se-
leção natural, representa boa ilustração desse princípio (MAYR, 1998,
p. 954-955).

Nesse sentido, o professor, a partir do referencial da pedagogia históri-


co-crítica, munindo-se dos conhecimentos da História, Filosofia e Sociologia
da Ciência (HFSC), pode contribuir para a superação de um ensino de ciên-
cias prático-utilitário, desmistificando a visão mágica de como os cientis-
tas atuam na construção do conhecimento ao incorporar a essa construção,
caracterizada por situações de fracassos e de sucessos, os complexos va-
lores de natureza social, histórica, cultural, inerentes às relações humanas
(QUEIRÓS et al., 2013).
Essa superação não ocorre de forma espontânea e natural, como a evo-
lução biológica. Trata-se de um fenômeno social e como tal tem de ser en-
carado com intencionalidade. Exige-se uma ação planejada e organizada em
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 235

face de objetivos específicos propostos em conjunto com o compromisso de


transformações culturais, políticas, econômicas, sociais e psicológicas que
vão além das reformas já propostas e fracassadas pelo capitalismo ao longo
de mais de um século.

A razão para o fracasso de todos os esforços anteriores, e que se des-


tinavam a instituir grandes mudanças na sociedade por meio de re-
formas educacionais lúcidas, reconciliadas com o ponto de vista do
capital, consistia – e ainda consiste – no fato de as determinações
fundamentais do sistema do capital serem irreformáveis (MÉZÁROS,
2007, p. 197. Grifo do autor).

Mediante uma análise introdutória da evolução e do pressuposto de que o


capital é irreformável, serão apresentadas a seguir algumas considerações sobre
a evolução biológica e os desafios para a formação de professores e o ensino de
ciências, tanto na formação de professores quanto na educação básica.

Evolução biológica e abordagem sócio-histórica: tessituras

A teoria do ensino desenvolvimental, ou ensino para o desenvolvimen-


to, formulada pelo pedagogo russo Davidov, incorpora as contribuições da
psicologia soviética de Vigotski, Leontiev e Luria a partir dos pressupostos
filosóficos da concepção do materialismo histórico-dialético e da psicologia
histórico-cultural, desenvolvendo-as para o campo da didática. Trata-se de
considerar que os processos de ensinar e aprender se dão, na educação for-
mal, através da mediação intencional do professor na formação de processos
mentais do aluno, objetivando, de acordo com Vigotski, o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores (memória, atenção, reflexão, abstração,
consciência e planejamento); isto é, promover e ampliar as capacidades cog-
nitivas do aluno, atuando na formação de sua personalidade. No processo de
ensino-aprendizagem, portanto, cabe ao professor a mediação didática e aos
alunos, a atividade de estudo.
O objetivo da aprendizagem é o desenvolvimento das capacidades in-
telectuais por meio do conteúdo e das operações mentais que lhe corres-
pondem. De fato, “aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados
desde o primeiro dia de vida da criança” (VIGOTSKI, 2007, p. 95).
Ao abordar os conteúdos escolares, o professor atua na formação
de conceitos, procedimentos lógicos do pensamento. Segundo a teoria
histórico-cultural (THC), a atividade de ensino deve ser organizada no
sentido de promover a formação de conceitos teórico-científicos, os quais
236

são internalizados/apropriados em conhecimento, isto é, compreende-se


a sua essência.
Novamente, essa postura que o professor deverá assumir não pode ser
uma ação isolada. Ou seja, o professor e a escola são partes integrantes de
um sistema econômico e social que atuam de forma institucionalizada com
objetivo de manutenção do capital, especificamente no que diz respeito ao
ensino de ciências.

A educação institucionalizada, especificamente nos últimos 150 anos,


serviu – no seu todo – ao propósito de não só fornecer os conhecimen-
tos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do siste-
ma do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores
que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver ne-
nhuma alternativa à gestão da sociedade seja na forma “internalizada”
(isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através
de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e im-
placavelmente imposta (MÉZÁROS, 2007, p. 202. Grifos do autor).

No entanto, sendo a escola uma instituição social, ela também é um


espaço de disputa. Nesse sentido, o processo educativo escolar se configura
pelas assimilações das experiências da prática social, e o ensino deverá favo-
recer a apropriação dos meios que instrumentaliza a atividade humana práti-
ca. O aprendizado escolar “está voltado para a assimilação de fundamentos
do conhecimento científico” (Vigotski, 2007, p. 94). A formação de concei-
tos científicos se dá através da mediação pedagógica, vinculada à epistemo-
logia das ciências. Ela requer o conhecimento histórico desse conceito, o
amplo entendimento do contexto envolvido na sua formação, as condições
nas quais se desenvolveu. Portanto, a análise do conteúdo a ser mediado no
aprendizado corresponde ao percurso do método da reflexão dialética.
Entende-se assim que as ações de aprendizagem visando à compreen-
são da teoria da evolução devem basear-se no conteúdo evolutivo, do qual
derivam os métodos para organizar o ensino. A respeito da importância do
conteúdo de aprendizagem, Libâneo esclarece:

O conteúdo da aprendizagem, em outras palavras, é o conteúdo te-


órico (usando o termo para significar uma combinação unificada de
abstração substancial, generalização e conceitos teóricos). [...] O re-
sultado disso é que os alunos aprendem como pensar teoricamente
a respeito de um objeto de estudo e, com isso, formar um conceito
teórico apropriado desse objeto para lidar praticamente com ele em
situações concretas da vida (LIBÂNEO, 2004, p. 20).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 237

Nesse sentido, consideram-se, também, as condições histórica e socio-


cultural do aluno, suas condições física, afetiva e cognitiva, além dos moti-
vos que possui para interiorizar tais conceitos, seus conhecimentos prévios
em relação ao conteúdo a ser mediado, e sua zona de desenvolvimento pró-
ximo (ZDP).
Vigotski explica o conceito de ZDP:

Para elaborar as dimensões do aprendizado escolar, descreveremos um


conceito novo e de excepcional importância, sem o qual esse assun-
to não pode ser resolvido: a zona de desenvolvimento proximal [...]
define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão
em processo de amadurecimento, funções que amadurecerão, mas que
estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam
ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, em vez de
“frutos” do desenvolvimento (VIGOTSKI, 2007, p. 97-98).

À luz da teoria histórico-cultural, a mediação pedagógica tem início nos pro-


cessos interpessoais. O trabalho docente, portanto, deve implicar no desenvolvi-
mento de ZDPs dos estudantes ao nível de desenvolvimento real; nesse sentido,
as atividades de ensino-aprendizagem implicam em relações intersubjetivas.
A partir do entendimento pelo professor do histórico contextualizado do
conceito científico e da sua aproximação às ZDPs dos alunos, aliado aos moti-
vos de aprendizagem, as ideias vão se constituindo, sempre do geral, do todo,
para o particular. Tal abordagem, de acordo com Marx (1818-1883), deve estar
permanentemente presente em nossa representação: é o caminho da abstração
substantiva à generalização, que, por sua vez, leva à formação dos conceitos
teóricos, em um movimento que vai do abstrato em direção ao concreto.
Recorremos, novamente, a Vigotski:

O estado de desenvolvimento mental [...] só pode ser determinado se


forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e
a zona de desenvolvimento proximal [...] aquilo que é zona de desen-
volvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real ama-
nhã – ou seja, aquilo que a criança pode fazer com assistência hoje, ela
será capaz de fazer sozinha amanhã (VIGOTSKI, 2007, p. 98).

Entender algo significa expressá-lo em forma de conceito, saber repro-


duzir mentalmente o seu conteúdo, compreender a sua essência. O conceito
é a expressão de algo abstrato em palavra. A formação dos conceitos teóricos
reflete os processos de desenvolvimento mental que, por meio do conteúdo
do conhecimento, culmina na ascensão do pensamento abstrato, privado de
238

desenvolvimento, primitivo, ao concreto, desenvolvido, que possibilita a re-


produção teórica da realidade.
A interiorização dos conceitos científicos requer, também, atividades
de estudo, que são tarefas de aprendizagem organizadas de forma que os
alunos, através da resolução de problemas, possam percorrer o caminho que
o pensamento científico de determinado conceito possui, desenvolvendo
operações mentais que exigem reflexão e tomada de decisões. O conteúdo
da atividade deve manter o conhecimento teórico que possa significar uma
combinação unificada da abstração substantiva, dos processos de generaliza-
ção e, por fim, a formação dos conceitos teóricos.
Nesse sentido, entendemos que a mediação pedagógica leva à atividade de
estudo a qual estimula processos mentais, propiciando a formação de conceitos,
culminando na apropriação de conhecimentos e no desenvolvimento mental,
afetivo e moral dos alunos. O que move esse processo são algumas contradições
como, por exemplo, as exigências da sociedade em seu tempo histórico, ou a
do professor frente aos conteúdos de ensino e o nível de desenvolvimento dos
alunos colocando-se o estímulo da capacidade crítica, do raciocínio e da criativi-
dade como condição essencial para o alcance desse desenvolvimento.

Formação inicial e continuada do professor

O ensino da biologia evolutiva é o “eixo transversal que percorre todas


as áreas das Ciências Biológicas, atingindo inclusive alguns segmentos das
ciências exatas e humanidades”, pois “não só explica a diversidade da vida
como também proporciona uma excelente oportunidade para análises e refle-
xões que desenvolvem o espírito crítico daqueles que a estudam” (TIDON;
VIEIRA, 2009, p. 1).
Nesse contexto, a Resolução 7/2002 do Conselho Nacional da Educação
e da Câmara de Educação Superior (BRASIL, 2002a) resolve, em seu artigo
1º, que as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Bacharelado
e Licenciatura em Ciências Biológicas, integrantes do Parecer CNE/CES
1.301/2001 (BRASIL, 2001), deverão orientar a formulação do projeto pe-
dagógico do curso de Ciências Biológicas. Tais diretrizes propõem que

o estudo das Ciências Biológicas deve possibilitar a compreensão


de que a vida se organizou através do tempo, sob a ação de pro-
cessos evolutivos, tendo resultado numa diversidade de formas
sobre as quais continuam atuando as pressões seletivas. Esses or-
ganismos, incluindo os seres humanos, não estão isolados, ao con-
trário, constituem sistemas que estabelecem complexas relações de
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 239

interdependência. [...] Em tal abordagem, os conhecimentos bioló-


gicos não se dissociam dos sociais, políticos, econômicos e cultu-
rais (BRASIL, 2001, p. 1. Grifos nossos).

O mesmo Parecer recomenda que a estrutura geral dos cursos de Ciências


Biológicas seja organizada a partir de abordagem unificadora dos conteúdos
curriculares, distribuindo e integrando os conhecimentos biológicos ao longo
de toda a formação no sentido de que “os conteúdos básicos deverão englobar
conhecimentos biológicos e das áreas das ciências exatas, da terra e humanas,
tendo a evolução como eixo integrador” (BRASIL, 2001, p. 5).
Nessa complexa capacitação docente, exige-se do profissional em edu-
cação o domínio de múltiplas atribuições que requerem, além do domínio
do conhecimento específico do seu curso de formação, o desenvolvimento
de aprendizagem de ordem pessoal, social, cultural, política, ética, estética,
moral, ambiental. Ele deve saber interpretar, reconstruir e mediar o conhe-
cimento numa perspectiva sócio-histórica; escolher a metodologia que pro-
voque a curiosidade nos estudantes, despertando-lhes, através da mediação
lógico-histórica do conteúdo, desejos e motivos de aprender, atuando sobre
suas personalidades no sentido de atender aos interesses da comunidade.
Pozo e Crespo (2009) exprimem bem essa ideia quando afirmam:

Um sistema educacional, mediante o estabelecimento dos conteúdos


das diferentes disciplinas que compõem o currículo, tem como função
formativa essencial fazer com que os futuros cidadãos interiorizem,
assimilem a cultura em que vivem, em um sentido amplo, comparti-
lhando as produções artísticas, científicas, técnicas, etc. próprias dessa
cultura e compreendendo seu sentido histórico, mas, também, desen-
volvendo as capacidades necessárias para acessar esses produtos cul-
turais, desfrutar deles e, na medida do possível, renová-los. Mas essa
formação cultural ocorre no marco de uma cultura da aprendizagem,
que evolui com a própria sociedade (POZO; CRESPO, 2009, p. 23).

O Parecer CNE/CEB nº 7/2010 (BRASIL, 2013), ao discorrer a respei-


to da formação inicial e continuada de docentes, assim se expressa:

Ao selecionar e organizar o conhecimento específico que o habilite


para atuar em uma ou mais etapas da Educação Básica, é fundamental
que se considere que o egresso dos cursos de formação de professores
deverá ter a oportunidade de reconhecer o conhecimento (conceitos,
teorias, habilidades, procedimentos, valores) como base para a forma-
ção integral do estudante, uma vez que esta exige a capacidade para
análise, síntese, comprovação, comparação, valoração, explicação,
240

resolução de problemas, formulação de hipóteses, elaboração, execu-


ção e avaliação de projetos, entre outras, destinadas à organização e
realização de atividades de aprendizagens (BRASIL, 2013, p. 59).

Esse documento considera, ainda, que

hoje, exige-se do professor mais do que um conjunto de habilidades


cognitivas, sobretudo se ainda for considerada a lógica própria do
mundo digital e das mídias em geral, o que pressupõe lidar com os
nativos digitais. Além disso, lhe é exigida, como pré-requisito para o
exercício da docência, a capacidade de trabalhar cooperativamente em
equipe, e de compreender, interpretar e aplicar a linguagem e os ins-
trumentos produzidos ao longo da evolução tecnológica, econômica
e organizativa. Isso, sem dúvida, lhe exige utilizar conhecimentos
científicos e tecnológicos, em detrimento da sua experiência em
regência, isto é, exige habilidades que o curso que o titulou, na sua
maioria, não desenvolveu (Ibidem. Grifo nosso).

Tal proposição implica um redimensionamento dos cursos de licencia-


tura e de formação continuada desses profissionais. Se, às IES cabe, no exer-
cício de sua autonomia, entre as diversas atribuições asseguradas pelo artigo
53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996
(BRASIL, 1996), fixar os currículos de seus programas, estabelecer planos,
programas e projetos de pesquisa científica e das atividades de extensão, ela-
borar e reformar seus estatutos e regimentos em consonância com as normas
gerais atinentes; questionamo-nos por que, no entendimento do Conselho
Nacional de Educação e da Câmara de Educação Básica, os cursos de licen-
ciatura titulam discentes que não desenvolveram os conhecimentos científi-
cos e tecnológicos necessários à prática docente.
A despeito das necessidades e atribuições impostas ao exercício da
docência, destacamos a dimensão estritamente instrumental da educação,
pautada na ação reprodutiva prática-utilitária dos saberes conquistado pela
humanidade (QUEIRÓS et al., 2013); na pedagogia da competência, onde
o “saber fazer” se sobrepõe a qualquer outra forma de saber; e em princí-
pios alinhados às normas empresariais que visam o cumprimento de metas
quantitativistas, a qualidade total e os critérios de avaliação do produto em
detrimento do processo (MARTINS; DUARTE, 2010).
A contradição aqui está no fato de que tais imposições buscam atender
as demandas sociais atuais centradas no que Saviani (2007) denomina neo-
produtivismo: na perspectiva da lógica mercantil e do capital, associada a
políticas educacionais vinculadas aos organismos internacionais que visam
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 241

quantificar e qualificar o produto do trabalho educativo, posto que este deve


ser fundamentado na humanização dos indivíduos.
Nessa direção, discorrendo a respeito da autonomia docente entendida
como qualidade educativa (e não meramente profissional), Contreras (2002)
admite o conceito de “profissionalidade docente” (e não de profissionalis-
mo) no sentido de que a autonomia docente, a partir da formação intelectual
crítica, ascenda à emancipação. Emancipação intrínseca à personalidade do
professor que, enquanto portador de independência intelectual e política, é
capaz de superar e questionar criticamente as concepções de ensino, das de-
mandas sociais e do trabalho.
Segundo esse autor, o modelo pedagógico em curso está intimamente
associado aos princípios positivistas contrapondo-se à dialética, uma vez que
a formação atual do professor ocorre a partir de pressupostos da racionalida-
de técnica e especializada, e da prática profissional desprovida de orientação
ou dirigida segundo valores e princípios vigentes na sociedade capitalista na
qual predominam a alienação, o individualismo e os valores econômicos do
mercado, não possibilitando aos sujeitos “a conquista da própria autonomia
intelectual” e que, “se contraponha à formação de indivíduos centradas nos
ideais de eficácia e otimização das performances, voltada para o desempe-
nho pragmático e quantificável” (MARTINS; DUARTE, 2010, p. 20).
A LDB estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Em seu
artigo 35, ao determinar as finalidades do ensino médio, destaca a ética, a
autonomia intelectual e o pensamento crítico como elementos de aprimo-
ramento do educando enquanto pessoa e necessários para a constituição de
uma identidade autônoma.
No entanto, quando o tema é evolução, a despeito de sua importância
científica, o discurso ético e o pensamento crítico frequentemente inexistem
uma vez que o conteúdo de evolução biológica muitas vezes é concebido de
forma equivocada ou impregnada de valores e ideologias que não consti-
tuem seu objeto de estudo (GOEDERT, 2004). A ideia corrente a respeito da
evolução biológica é a de que os seres vivos progridem em direção a maior
complexidade e perfeição.
Além da tendência de se pensar no caráter evolutivo como algo que
acontece linearmente, progressivamente e com um propósito definido, rumo
ao aperfeiçoamento, somam-se as preconcepções de caráter mítico-religio-
sas, que distanciam ainda mais os alunos do pensamento científico, gerando
grande incompreensão acerca do parentesco entre as espécies (GOEDERT,
2004), fato que dificulta a aceitação da teoria biológica da evolução.
Oliveira e Bizzo (2011) destacam as ideias confusas construídas pelos
alunos acerca da natureza da ciência, quando, por exemplo, afirmam que
242

a evolução biológica não é comprovada cientificamente, ao considerarem


“teoria” como sinônimo de suposição, especulação. Corrêa et al. (2010) tam-
bém destacam equívocos conceituais e históricos presentes nos livros didáti-
cos como sendo outro fator que contribui para a dificuldade de compreensão
e aceitação do conceito de evolução.
É frequente, também, a polarização que se faz entre as concepções de
Lamarck (1744-1829) e Darwin, sendo relevante pontuar que no âmbito es-
colar é comum Lamarck ser injustamente ridicularizado e que pouco se fala
acerca de outros autores que contribuíram com a história do estudo evolutivo
(MOTTOLA, 2011).
Para Ridley (2006), a história da biologia evolutiva começa com
Charles Darwin, com a publicação de On the Origin of Species [A Origem
das Espécies] (1859), porém muitas das ideias por ele difundidas já tinham
sido levantadas e questionadas no meio científico. Esse autor também afirma
que o termo “evolução” sofre diretamente mudanças em seu significado, de
acordo com o período histórico e contexto em que é utilizado.
Nesse sentido, as competências e habilidades necessárias para a inter-
pretação e aplicação dos fundamentos evolutivos no enfrentamento de im-
portantes questões biológicas da atualidade – às quais se incluem a remedia-
ção dos danos ao meio ambiente; a previsão das consequências das mudanças
ambientais; a resistência de bactérias aos antibióticos; o melhoramento das
safras e produtos defensivos; o investimento em créditos de carbono; a com-
preensão, prevenção e combate às doenças, como as pandemias provocadas
por vírus emergentes, por exemplo; e muitos outros desafios (FUTUYMA,
2002; MEYER; EL-HANI, 2005) – parecem se distanciar das atividades
promovidas nas escolas de educação básica e nos cursos superiores de gra-
duação em Ciências Biológicas.
Nessa perspectiva, questionam-se os documentos curriculares e po-
líticas educacionais oficiais da Educação no Brasil, como as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1999), as Orientações
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN+) (BRASIL, 2002b) e as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (BRASIL, 2006), quando visam à formação dos indivíduos para
as necessidades do mundo do trabalho, submetendo-se a imposições do
sistema capitalista. As propostas educacionais do Ministério da Educação
(MEC) conduzem a escola ao atendimento dos objetivos – ficando de
lado as necessidades, os motivos, e o contexto histórico-cultural-social.
O Estado precisa atuar na esfera do desejo, da necessidade e dos moti-
vos dos alunos para que eles se desenvolvam. O professor, também. Tais
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 243

motivos, desejos e necessidades não se coadunam necessariamente com


aquelas imposições que vislumbram apenas o consumo.
Com base nesse entendimento, a ação do professor deve ser intencional,
considerar os motivos dos alunos e ter clareza das mudanças que deseja pro-
mover na mente destes ao encaminhar a formação do pensamento teórico-
-conceitual do conteúdo abordado. O professor deve ser capaz de traduzir os
conteúdos de aprendizagem em procedimentos de pensamento, isto é, co-
locar os alunos em uma atividade mental, em uma sequência de operações
mentais, para que possam operar com conceitos.
Para o ensino das Ciências/Biologia, o conteúdo de evolução é a es-
trutura chave, unificadora e central que direciona a aprendizagem. Sendo
a evolução biológica uma teoria histórica, deve-se, no ensino de Ciências/
Biologia, explorar a sua historicidade, possibilitando a evidência das contro-
vérsias e conflitos desse conhecimento quando da sua construção e, conse-
quentemente, promover a visão de uma ciência em constante modificação.
O próprio Charles Darwin, por vezes caía em contradição. O não
entendimento sobre os mecanismos da herança levou os estudiosos, até
o inicio do século XX, a concepções errôneas acerca desse tema. A prin-
cipal tese de Darwin foi que a mudança evolutiva ocorria devido à pro-
dução de variação numa população, e a sobrevivência e o sucesso re-
produtivo para algumas dessas variantes. Ele estava convicto de que na
natureza havia um imenso reservatório de variação, sempre disponível
como matéria-prima para a seleção. Entretanto, a origem dessa variação
confundiu-o durante toda a sua vida.
Os capítulos um, dois e cinco de A origem das espécies (Darwin,
1859:2014), intitulam-se, respectivamente, Variação no estado domés-
tico, Variação na natureza e As leis da variação, revelam sua indecisão
quanto à origem da variação e a natureza da herança, conjecturando a
possibilidade de o ambiente ser capaz de induzir as variações orgânicas,
os efeitos do uso e do não uso de estruturas corporais e que as caracte-
rísticas adquiridas pudessem ser herdadas – princípios tradicionalmente
aceitos, formalizados em 1809 pelas hipóteses evolutivas desenvolvidas
por Lamarck, no Philosophie Zoologique. A despeito da sua indecisão
quanto à natureza das variações, Darwin sempre as considerou, junta-
mente com a seleção natural, os principais mecanismos da evolução bio-
lógica. E nisso, podemos dizer hoje, ele estava correto.
Apesar de Gregor Mendel (1822-1884) ter publicado suas descobertas
sobre a herança genética em 1866, suas ideias foram totalmente ignoradas
até 1900, quando seus estudos se tornaram conhecidos e, só então, capa-
zes de serem compreendidos. O não entendimento sobre os mecanismos da
244

herança levou os estudiosos, até o início do século XX, a concepções errône-


as, chegando a considerarem a variação genética como “a nova fronteira da
biologia evolutiva” (MAYR, 2006, p. 110).
Nesse sentido, explicitar a história de um conceito científico, aproxi-
mando os estudantes da epistemologia contemporânea, supera distorções
conceituais e a visão alienante do empirismo.
Discorrendo acerca da aprendizagem e o ensino de ciências, Pozo e
Crespo (2009) destacam o fato de se continuar ensinando nas salas de aula a
concepção positivista do conhecimento científico, “baseado na aplicação ri-
gorosa do ‘método científico’, que deve começar pela observação dos fatos,
do qual devem ser extraídas as leis e os princípios” (Pozo; Crespo, 2009, p.
20). E afirmam: “nem sequer o velho clichê da ciência empírica, dedicada a
descobrir as leis que governam a natureza por meio da realização de experi-
mentos, é verdadeiro hoje em dia” (Ibidem, p. 21).
Frente a isso, os mesmos autores enumeram algumas atitudes e crenças
inadequadas mantidas pelos alunos com respeito à natureza da ciência e sua
aprendizagem, que se desviam do que caberia esperar de uma instrução cien-
tífica adequada, e os aproxima das formas de conhecimento “pouco compa-
tíveis com o discurso científico” (Ibidem, p. 17), como as pseudociências.
Dentre alguns problemas citados, destacamos:

- Para aprender ciência é melhor não encontrar suas próprias respos-


tas, mas aceitar o que o professor e o livro didático dizem, porque isso
está baseado no conhecimento científico.
- O conhecimento científico é muito útil para trabalhar no laboratório,
para pesquisar e inventar coisas novas, mas não serve praticamente
para nada na vida cotidiana.
- A ciência proporciona um conhecimento verdadeiro e aceito
por todos.
- O conhecimento científico é sempre neutro e objetivo (POZO;
CRESPO, 2009, p. 18. Grifos nossos).

Na perspectiva de ampliar a consciência do professor de Ciências/


Biologia sobre a própria prática, destacamos que os objetivos globalizadores
do curso de Evolução Biológica são os de (i) identificar as principais evidên-
cias da evolução biológica, reconhecendo-a como uma ocorrência própria da
natureza e, a partir daí, como o conceito central da Biologia; e (ii) compreen-
der os fundamentos da Biologia Evolutiva nos seus princípios, entendendo-a
como a teoria unificadora da Biologia.
De modo geral, os alunos reconhecem precariamente os princípios
fundamentais da teoria evolutiva: variabilidade genética, seleção natural e
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 245

adaptação, não os integrando ao cotidiano nem à natureza humana, distan-


ciando, assim, a teoria aprendida da sua utilização científica e prática.
É imperativo no ensino da Evolução Biológica definir com clareza os
conceitos científicos, contrapondo-os às concepções sincréticas, cuidando
para que os termos complexos, tais como variabilidade genética, adapta-
ção, seleção natural ou mesmo evolução, sejam devidamente esclarecidos.
Evita-se, assim, o comprometimento de toda a compreensão sobre esse tema,
como, por exemplo, a ideia ainda fortemente presente na mente dos estudan-
tes de um mundo natural teleológico, isto é, guiado em direção à perfeição.
É imprescindível que o professor, com vontade e comprometimento, se
muna de argumentos consistentes para que ele mesmo acredite naquilo que
ensina, distinguindo os conhecimentos científicos dos filosóficos, culturais,
religiosos e, principalmente, das armadilhas do indutivismo e do pseudo-
cientificismo, articulando com segurança os conhecimentos relacionados à
Evolução Biológica com as dificuldades e conflitos inerentes ao tema.

Atividade de ensino: a aprendizagem do pensar evolutivo –


ascensão do abstrato ao concreto

Considerando-se que para lidar com a diversidade de fenômenos bioló-


gicos e ambientais do tempo presente é imperativo o desenvolvimento do pen-
samento teórico evolutivo desenvolvemos, no Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Goiás (PPEC-UEG),
uma atividade de aprendizagem que busca aproximar os alunos/licenciandos
em Ensino de Ciências dos elementos que compõem o conceito de evolução
biológica ao simular em ações teórica e prática o processo de seleção natural
em aves em um determinado ambiente.
Tal atividade de aprendizagem foi mediada no minicurso A paleonto-
logia como ferramenta na prática pedagógica, em evento acadêmico vol-
tado para licenciandos em Ciências da UEG, e em uma feira de ciências
aos alunos do ensino fundamental II de uma escola pública municipal, no
ano de 2014. Foi também apresentada como avaliação final da disciplina de
mestrado Teorias de Aprendizagem como Fundamento para Metodologia do
Ensino de Ciências do PPEC-UEG.
Assim, a partir do pressuposto de que os licenciandos, por se inscre-
verem no minicurso, e os alunos do fundamental II por estarem presentes
na feira, possuem desejos, objetivos, condição afetiva e razões para se en-
volverem cognitivamente na atividade de aprendizagem (Davidov, 1982),
consideramos os demais princípios da THC: mediação didática, mediação
246

cognitiva e práticas sociais. Nesse contexto, no sentido de ampliar o de-


senvolvimento das capacidades cognitivas dos participantes, levamos em
conta as suas concepções prévias; as possibilidades de aproximação às suas
ZDPs; as interações sociais colaborativas; o percurso histórico-contextual e
os métodos de investigação no desenvolvimento do pensamento evolutivo;
o desenvolvimento de operações mentais quanto aos processos de abstração,
generalização, formação de conceitos e consequente reprodução teórica do
processo evolutivo.
Objetivamos igualmente a promoção do desenvolvimento cognitivo
dos conceitos nucleares e princípios que fundamentam a teoria biológica da
evolução, quais sejam: variabilidade genética de uma população; seleção na-
tural; competição intraespecífica; sobrevivência; alterações nas frequências
dos genótipos e fenótipos em uma população; adaptação populacional.
No planejamento dessa atividade consideramos também a convicção de
Cachapuz (2012, p. 13), fruto de suas experiências e reflexões profissionais
(e pessoal) da Educação em Ciências, quando se refere ao “laço estreito entre
o exercício da cidadania participativa e o progresso do conhecimento cien-
tífico”. Destaca que “para a Unesco, a essência do conhecimento científico
é a capacidade de examinar problemas de diferentes perspectivas e procurar
explicações para diferentes fenômenos com um sentido de análise crítica”
(Ibidem). O mesmo autor, ao justificar o porquê de o ensino das ciências
ser importante, afirma: “a ciência [...] necessita de liberdade e pensamento
crítico, precisamente duas condições necessárias para as sociedades demo-
cráticas” (Ibidem, p. 13).
Antes de efetuarmos a atividade de aprendizagem no minicurso, rea-
lizamos, como projeto piloto, a ação mediada na disciplina Ciência para o
Ensino Fundamental, do PPEC-UEG, com o professor titular e dois alunos.
Cabe notar que apenas um aluno pertence à área das Ciências Biológicas;
o professor é da área das Ciências Físicas, e o outro aluno, da Matemática.
Os procedimentos e resultados obtidos neste projeto piloto nos permitiram
avançar com segurança para a ação mediada no minicurso com os licencian-
dos em Ciências.
A ação mediada tem início com uma conversa informal com os partici-
pantes a respeito de como os seres vivos em geral estão adaptados aos am-
bientes em que vivem. São abordadas questões de como se dá tal adaptação;
por que só se encontram leões no continente africano, tartarugas gigantes no
arquipélago de Galápagos; cangurus na Austrália; lobos-guará no Cerrado.
As diferenças intraespecíficas também são abordadas no sentido de se identi-
ficar suas origens. Nesse momento, inevitavelmente, o senso comum preva-
lece com os equívocos conceituais e históricos já relatados – a ideia de que
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 247

os seres vivos progridem em direção a maior complexidade e perfeição, num


processo de adaptação ativa e teleológica.
Geralmente, os estudantes desconsideram os conhecimentos relaciona-
dos à genética e à biologia molecular e celular; que as variações nas ca-
racterísticas dos organismos de uma população surgem por meio de muta-
ções aleatórias de sequências de DNA que afetam aquelas características e
é aumentada pela recombinação gênica que ocorre fortuitamente na meiose
durante a produção de gametas nos animais e de esporos nas plantas, na re-
produção sexuada e pelo fluxo gênico.
À medida de que nos aproximamos das ZDPs dos participantes, com
as abstrações e generalizações desenvolvidas na discussão, introduzimos a
ideia de que a evolução biológica envolve processos de modificações e trans-
formações e, como o mundo não é estático, assim como todos os seres vivos
estão constantemente submetidos aos processos de mudanças, tem-se que a
evolução biológica é um evento natural. Nesse momento, os participantes
iniciam o reconhecimento das inter-relações do conteúdo formal aprendido,
mas que até então não os associavam à natureza do processo evolutivo.
Segue-se a apresentação com slides da historicidade do desenvolvimen-
to do pensamento evolutivo, seus principais colaboradores e com a viagem
de Darwin ao redor do mundo a bordo do H. M. S. Beagle (1831-1836), a
qual culminou com o desenvolvimento dos princípios da teoria da evolução
biológica: variabilidade, seleção natural e adaptação.
Com o conceito de evolução apropriado e ampliado cognitivamente,
iniciamos a atividade prática colaborativa. Tomamos como base para essa
atividade o artigo Os tentilhões de Galápagos: o que Darwin não viu, mas os
Grants viram, de Mori et al. (2006), do Departamento de Genética e Biologia
Evolutiva do Instituto de Biociências da USP.
No sentido de compreender que o ambiente determina as direções da
seleção (e não o surgimento das características adaptativas), as autoras de-
senvolveram uma situação que “simula o que ocorre na natureza em relação
à disponibilidade de recursos alimentares e as características morfológicas
que possibilitam a utilização destes recursos” (MORI et al., p. 1). Esta ati-
vidade de aprendizagem permite que os participantes compreendam como a
seleção natural atua sobre uma população. As autoras explicam:

O clima de Galápagos flutua bastante, assim como a quantidade e a


variedade dos frutos e sementes que são o alimento principal dos tenti-
lhões, resultando na sobrevivência de diferentes fenótipos em diferen-
tes condições [...]. O objetivo da discussão deste trabalho são os dados
obtidos com a população de Geospiza fortis da ilha de Dafne Menor.
248

Como o número de indivíduos nessa pequena ilha é reduzido, todos


são capturados todos os anos, recebem anel com identificação indivi-
dual e várias medidas morfológicas são tomadas. Entre as descobertas
dos Grants, destacam-se três: 1) pequenas variações nas medidas do
bico podem resultar na capacidade ou não de comer determinado tipo
de semente; 2) aves com bicos menores gastam mais tempo mani-
pulando sementes duras do que aves com bicos maiores, pois essa
manipulação está diretamente correlacionada com a força do bico; 3)
as dimensões dos bicos são herdadas [...] (MORI et al., 2006, p. 1).

Em nossa atividade, utilizamos diversas pinças de tamanhos diferentes,


as quais representam os bicos das aves (pinças de tirar sobrancelha, pinças
cirúrgicas, prendedores de roupa, pegadores de alimentos de tamanho médio
e grande); e diversas sementes e frutos de tamanhos, formas e durezas dife-
rentes (nozes, castanha de caju, grãos de milho, lentilha, feijão e arroz, uvas-
-passas), dispostas em bandejas, que representam a variedade e quantidade
de alimentos disponíveis no ambiente.
A atividade tem início dispondo-se as bandejas contendo as sementes
para os grupos de participantes e distribuindo-se aleatoriamente uma pinça
para cada participante, que deveria coletar e manter separadas as sementes/
frutos em tempos determinados. A distribuição aleatória das pinças represen-
ta a situação natural de que os seres vivos nascem com determinadas carac-
terísticas, neste caso, um determinado tipo de bico, não existindo a opção da
escolha. Nesse momento, entende-se a casualidade das variações genéticas,
distanciando os participantes da visão teleológica da natureza.
Ao final de cada tempo verificamos quais sementes/frutos sobraram
nas bandejas, quais foram coletados e por quais pinças. Se o participante
não tivesse conseguido pegar semente/fruto algum neste intervalo de tempo,
compreendia que tal situação representa a eliminação da ave pela incapaci-
dade de obter alimento. Vivencia-se, nesse momento, a pressão seletiva que
o ambiente exerce sobre os seres vivos, que “lutam pela vida” (DARWIN,
1859:2014, p. 110). É a ação da seleção natural.
A seguir, mudamos a disponibilidade de sementes/frutos nas bandejas,
situação que simula as variações da oferta ambiental dos alimentos no tem-
po de uma estação do ano, um ano completo ou uma geração das aves, e
iniciamos uma nova rodada. Novamente, a dificuldade em obter o alimento
com a pinça disponibilizada, ou não obter alimento algum, retrata a impossi-
bilidade de a ave se manter viva. Pudemos notar, também, que participantes
que obtiveram sucesso no tempo anterior não necessariamente conseguiram
nessa variação – vivencia-se aqui a real situação da inexistência na natureza
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 249

de fenótipo predestinadamente bem-sucedido para explorar o ambiente, mas


sim aquele que é adaptado (ou não) ao meio no qual interage; bem como a
falaciosa ideia a respeito de processos ativos de adaptação.
Essa mesma atividade de aprendizagem foi apresentada uma semana
depois na “I Feira de Ciência e Tecnologia” de uma escola municipal para
alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. A feira foi planejada, organi-
zada e realizada pelos mestrandos do PPEC-UEG como atividade avaliativa
da disciplina Ciência para o Ensino Fundamental.

Considerações finais

A síntese e as reflexões sobre o ensino-aprendizagem do tema evolução


biológica realizada a partir de pesquisa bibliográfica, do projeto piloto, do
minicurso, e apresentação na feira de ciências aos alunos do ensino fun-
damental II permite afirmar que os alunos, de algum modo, vivenciam o
processo de elaboração do conhecimento científico em seu percurso lógico-
-histórico. Com suas dúvidas e incertezas, buscam significados e interpreta-
ções que culminam na formação de conceitos.
Evidenciamos que os princípios gerais do processo evolutivo são bem
entendidos e apreendidos pelos alunos participantes da atividade, pois quan-
do os vivenciam, a apropriação cognitiva desse conhecimento é naturalmen-
te favorecida, permitindo generalizações e ascensão do pensamento abstrato
ao concreto, aproximando-se do nível de desenvolvimento real e, portanto,
ocorrendo aprendizagem significativa.
A participação nessa atividade é estimulante, requer atividade mental
dos alunos que se sentem à vontade, motivados, ‘brincam’ bastante, dia-
logam, agem de modo colaborativo (e não competitivo), envolvem-se na
solução de um problema, estabelecem relações, constroem significados, con-
tribuem para suas próprias aprendizagens e, ao final da atividade, a partir das
mudanças nas suas capacidades de interpretação dos eventos apresentados,
ficam com a prazerosa sensação de que realmente vivenciaram o processo
evolutivo e a satisfação de terem participado de um episódio histórico-cien-
tífico importante.
Os resultados obtidos nas três atividades mediadas, inicialmente no
projeto piloto desenvolvido no PPEC e, posteriormente, com os acadêmicos
licenciandos participantes do minicurso e com os alunos da segunda fase
do ensino fundamental na feira de ciências, foram relevantes e igualmente
positivos. Tais fatos nos inclinam a perceber que o processo evolutivo, em
suas linhas gerais, pode ser apreendido cognitivamente por estudantes de
qualquer nível de escolarização, do ensino fundamental à Pós-Graduação, na
250

formação inicial e continuada, desde que o professor/mediador tenha sensi-


bilidade, domínio teórico e convicção: porque, para que e para quem o está
fazendo e, ainda, com quais propósitos.
Por tais motivos, defendemos que o ensino da evolução biológica este-
ja integrado às epistemologias das Ciências, das Ciências Biológicas, bem
como às dos processos pedagógicos, beneficiando-se dos conhecimentos da
História, Filosofia e Sociologia das Ciências para a superação do pensamen-
to sincrético que compromete a formação dos conceitos teórico-científicos e
das dificuldades de aprendizagem características de um ensino prático-utili-
tário. No contexto de limitações na elaboração cognitiva dos componentes
nucleares para o conceito de evolução biológica destacamos a relevância das
formações inicial e continuada para o desenvolvimento de uma autonomia
docente, no sentido de permitirem aos licenciandos/professores acesso aos
avanços dos conhecimentos no campo da sua disciplina e no campo do ensi-
no, tanto aos conteúdos quanto aos métodos.
Além disso, defendemos que seja necessário combater criticamente
toda e qualquer reforma educacional proposta pelos órgãos multilaterais do
capitalismo que visam reduzir os níveis de consciências política e coletiva da
classe trabalhadora, bem como responsabilizar somente os professores pela
má qualidade do ensino. Pois, por uma mudança essencial, a solução deverá
abarcar a totalidade das condições em que se dão as práticas educacionais no
processo de ensinar e aprender o pensar evolutivo da biologia e da sociedade
como um todo.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 251

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REFLEXÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA
DA MEDIAÇÃO DIDÁTICA A
PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA
NA CONSTRUÇÃO DE UM LIVRO
PARADIDÁTICO INTERDISCIPLINAR
ENTRE HISTÓRIA E BIOLOGIA

Wilton de Araujo Medeiros


Kárita de Jesus Boaventura

Introdução

Em pesquisa recente empreendida no âmbito do PPEC/UEG, constatou-


-se através de pesquisa-ação, que a interdisciplinaridade no ensino contribui
para a compreensão sobre os limites e meandros na relação entre transposi-
ção e mediação didática. Tanto professores quanto alunos pesquisados pela
então mestranda Kárita Boaventura, avaliaram a possibilidade da interdisci-
plinaridade entre biologia e história, e, a partir dessa avaliação mensurou-se
a eficácia de um livro paradidático proposto como ferramenta para esse tipo
de ensino-aprendizagem.
Como se tratava de um protótipo de paradidático foi solicitado que tam-
bém dessem sugestões a fim de contribuir para o aprimoramento do produ-
to1. Conforme relato,

No processo da pesquisa foi elaborado um protótipo de livro para-


didático tendo como tema “Chagas, Malária e Amarelão: Doenças
Negligenciadas que ainda matam no Brasil”. O objetivo é apontá-lo
como uma ferramenta capaz de inserir a História da Ciência enquanto
objeto mediador no ensino de biologia, dando ênfase aos conhecimen-
tos de parasitologia.

1 BOAVENTURA, Kárita de Jesus – A pesquisa resultou na dissertação A história da ciência como objeto mediador do con-
teúdo de parasitologia no ensino médio: Um livro paradidático. Anápolis: UEG, 2016.
256

Como se vê, considerou-se relevante discutir conteúdos interdisciplina-


res entre história e biologia, especificamente o recorte “parasitologia”, dan-
do à História da Ciência (HC) a especificidade de ser objeto mediador do
ensino. E foi precisamente este o recorte feito, mais adiante utilizado, dentre
todas as falas coletadas.
Esta experiência de pesquisa suscitou diversas reflexões sobre pesquisa,
ensino, transposição e mediação didática, às quais serão discorridas a seguir,
optando-se por inserir o livro paradidático como um meio que favorece o
conhecimento mais dialógico e menos posicional. E, discutindo, de modo
mais especifico a interdisciplinaridade como contexto dialógico.
A pesquisa e os autores citados, bem como as ideias apresentadas deli-
neiam o contexto dialógico e comunicacional a partir de um corpus discursi-
vo, quais sejam as falas inseridas nas análises feitas. Assim sendo, o modelo
posicional é posto em questão, a partir do qual se opta pela valorização do
imanente e as “insurgências” dos sujeitos de fala.
O conteúdo interdisciplinar do livro paradidático será compreendido
como estimulante a critica, ao posicionamento de sujeitos e contextos envol-
vidos, configurando um escopo favorável ao “saber histórico” mais afeito
às “carências de orientação” humanas do que à ideia de ciência abstrata e
transcendente para indivíduos abstratos e transcendentes.

Pesquisa, ensino, transposição e mediação: entre o posicional e


o dialógico
Com isso, é inevitável observar que, no estado da arte em Ensino de
Ciências podemos perceber algumas características similares na atuação
do pesquisador de HC e o professor que a utiliza como estratégia didática.
Porém é de difícil mensuração a pertinência dos conhecimentos e compe-
tências exigidos de um e de outro, pois são bastante semelhantes. Com isso,
este breve escopo serviu de suporte para uma compreensão inicial sobre a
questão da transposição e da mediação na atuação docente.
Por outro lado, a escolha de um livro paradidático como estratégia
de ensino mostra que o professor nesse limiar do conhecimento pode
atuar de modo mais desenvolto como um “mediador” do que como um
“transmissor”. Conforme veremos mais adiante, isto se deve à relevância
que se passa a dar ao contexto do mundo contemporâneo e a relevância
de seus fatores comunicacionais.
Conforme observa Martins (2005), os historiadores da ciência não re-
fletem sobre os fenômenos naturais e sim sobre os seres humanos envolvidos
no estudo dos fenômenos naturais. Ou seja, um trabalho de pesquisa em HC
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 257

não tem o objetivo de transmitir informações sobre a própria ciência. A posi-


ção mediana de Martins de certo modo ilumina que, o fato de o pesquisador
de HC assumir uma posição “mediana” é dessemelhante ao fato de o profes-
sor assumir uma postura mediadora.
Frequentemente encontradas nos trabalhos historiográficos implícita ou
explicitamente, informações “internalistas” e “externalistas” – ou seja, as
que excluem o cientista do universo da ciência e aqueles que excluem as
obras científicas do universo dos cientistas –, tornam possível ponderarmos
que o trabalho do pesquisador é muitas vezes posicional, o que provavel-
mente o conduz ao conhecimento “transmissor”. Por outro lado, nem esse
nível de preocupação sobre a natureza da ciência faz parte das preocupações
docentes, nem tampouco faz sentido tamanha preocupação posicional. Ou
seja, atuando em esferas distintas essas práticas dessemelhantes mostram
que assumir uma “posição mediana” não é o mesmo que assumir uma “pos-
tura mediadora”. E é isso que é interessante refletir.
Por exemplo, ao referir-se ao pesquisador, Martins insere uma crítica
ao externalismo de Bruno Latour. Diz que em sua obra os objetos naturais
passam a ser tão imprevisíveis e mutáveis quanto os seres humanos, porque
o conhecimento científico disponível sobre esses objetos naturais não sendo
incluído nas análises tornam-se unicamente aquilo que os personagens estu-
dados dizem sobre eles.
Ressaltem-se as ponderações de Martins, porque, como assinala Videira
(2006), após a publicação da famosa obra de Thomas Kuhn A estrutura das
revoluções científicas em 1960, a HC viu-se envolvida num problema de
identidade. Haja vista que deixando de ser uma “ciência auxiliar”, a HC tor-
nou-se intricada em questões como tensões entre teleologia e anacronismo,
autoria e institucionalização e um refazimento de estatuto ontológico para
hermenêutico. E esses deslocamentos desenham complexidades na relação
pesquisa/ensino que estabelecem meandros e limites, de convivências por
vezes interpenetrantes.
De certo modo, o trato reflexivo que se deu na pesquisa acima referida
ao utilizar a HC como “objeto mediador do conhecimento do conteúdo de
parasitologia no ensino médio” deve-se a isso, a uma ampliação que ocorreu
desde a inserção da história social, e os seus consequentes deslocamentos
entre pesquisa e docência. Em larga medida a isso se deve tais reflexões
sobre os transito dos limites posicionais aos meandros do conhecimento, e
sobre trazer à tona acerca da postura e posição mediadora, por vezes assumi-
da pelos sujeitos, outras vezes dadas aos objetos.
Essa expansão que conduz a um questionamento acerca do que seja
a natureza da ciência tem dado margem para o avanço da historiografia da
ciência, porém, propor o uso da HC enquanto objeto mediador, tal como pro-
pôs a pesquisa, conduz ao nível de complexidade que corresponde à retirada
258

do ambiente de produção da pesquisa para o ambiente escolar, inserindo


assim matizes sobre o internalismo/externalismo. No dizer de Chevallard
(1991) essa mudança de ambiente não é possível sem uma operação deno-
minada “transposição didática”. No entendimento de Ricardo (2005), é im-
possível que esse processo se efetive, sem certo “grau de publicidade”, que
nada mais é do que a máxima objetividade possível.
Entre um e outro, postura e posição de sujeitos e objetos, cabe assinalar
que para o docente a questão volta-se muito mais para o aspecto comunica-
cional do objeto de conhecimento do que sobre o aspecto posicional. Assim,
no que se refere à docência, observamos na pesquisa-ação que a figura da
transposição é menos efetiva do que a figura da mediação, no que se refere
à atuação no contexto escolar, delineando maior clareza sobre as diferenças
de atuação que se operacionalizam entre o pesquisador de HC e o professor
que utiliza a HC como ferramenta didática.
Discutindo a transposição didática aplicada ao “tempo didático” – ou
seja, o tempo disponível em sala de aula para abordar o conteúdo histórico
selecionado – Forato et al. (2005) observam que pode haver excessiva sim-
plificação e omissão de conteúdos, sendo importante atentar para os riscos
das omissões deliberadas. Levando em conta esse e diversos outros aspec-
tos sobre a transposição, os autores fazem inúmeras ponderações sobre a
delicada tarefa de “transpor” conteúdos, e diversas advertências, tais como
“parece-nos pouco provável que o trabalho do especialista escrito para seus
pares possa ser interessante e adequado ao aluno da escola básica” (p. 48), ou
acredita-se que os prejuízos trazidos por “versões” não podem ser negados
(BRUSH, 1974; MARTINS, 2005; WHITTAKER, 1979).
Além disso, Forato et al. (2005) também alertam para o sério risco de se
incorrer na pseudo-história ao tensionar compreensibilidade versus rigor his-
tórico: “um relato profundamente comprometido com a busca pela fidedig-
nidade histórica pode tornar-se incompreensível ou fatigante para os alunos”
(p. 52). Após listarem e discutirem muitos outros obstáculos e conflitos, os
autores por fim dizem ser inevitável “buscar estratégias factíveis para subsi-
diar o trabalho dos professores para realizar tais discussões, sem pretender
transformá-los em historiadores da ciência” (p. 54).
Pelos aspectos mencionados, é possível perceber que o uso da HC como
transposição requer cuidados bastante similares ao trabalho do historiador
da ciência, porque muitas vezes os conteúdos são permeados por questões
sobre a natureza da ciência. Com isso, podemos pensar que essas cautelas
se devem muito mais aos cuidados posicionais. Sejam posições temporais
(quanto ao trabalho do historiador da ciência), sejam institucionais (relativas
ao trabalho do professor ou pesquisador).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 259

O modelo posicional em questão no contexto comunicacional


e contemporâneo

Contudo, admitindo-se que se trata de trabalhos complementares, tal-


vez seja razoável admitir o uso da mediação didática para distensionar, ex-
perimentando atividades menos posicionais e mais dialógicas. Este modelo
posicional começou a ser questionado por Nietzsche ainda no final do século
XIX, anunciando já naquele período a crise da humanidade tecnológica e
tecnocrática, crise que se potencializou até aos dias atuais, a serviço da pre-
servação das estruturas sociais.
Em uma de suas obras mais polêmicas, Humano, Demasiado Humano,
escrita em 1879, Nietzsche recupera a mais profunda ontologia do homem
dotado de vontade e de poder, opondo-se à metafísica humanista, a qual atri-
bui ao homem posição central na sociedade e no universo, responsabilizan-
do-o pela produção das condições objetivas de sua existência. Este modelo
posicional esteriliza qualquer influência sujeito-objeto, e, por assim dizer,
considera fundamental a ação manipulatória dos meios de comunicação.
Muito menos dialógico, portanto.
Neste modelo posicional emissor/receptor, o foco é organizar o conteú-
do de tal forma que seja recebido precisamente como foi proposto, tal como
se o receptor fosse movido por imitação de figuras criadas isoladas de seu
contexto e significado. Nesse caso, a ênfase recai centralmente no emissor e
na codificação da mensagem. Conforme Catapan (2000) a realidade comuni-
cacional contemporânea vai desnudar cada vez mais o homem desta centra-
lidade posicional identificada como razão logocêntrica. Como consequência
disso, ainda segundo Catapan, possibilita cada vez mais a objetivação “fora
de si”, no compartilhamento da inteligência expandida2 ou “tecnologias da
inteligência”. Este processo supera e subverte a concepção moderna de hu-
manismo “autocentrado”, ou seja, da precedência do homem logocentrado.
Para Davallon (2007), o termo mediação pode ser definido pela pre-
sença de um terceiro elemento, que serve de intermediário entre outros dois
elementos, cuja ação provoca um efeito sobre os destinatários. Ou seja, a
mediação implica transformação, não apenas em transmissão de uma men-
sagem. A comunicação se dá pela operação desse terceiro elemento, o qual
muitas vezes surge em decorrência do contexto comunicacional da globali-
zação no mundo contemporâneo.
2 Conforme Lucia Santaella, O embrião desta ideia vem de McLuhan, em sua obra sobre Os meios como exten-
sões do homem ao ponto em que nos encontramos hoje, ou seja, com as tecnologias digitais, o que está sendo
expandido são as nossas capacidades cerebrais in <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&vi
ew=article&id=4218&secao=381>. Também em <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/viewFile/13607/15425> ou em
SANTAELLA, Lucia. Corpo e comunicação: sintoma e cultura. São Paulo: Paulus, 2004.
260

Neste contexto, o surgimento e a luta dos novos sujeitos sociais tem


colocado uma nova pauta de discussão, em torno dos processos identitários e
do próprio conceito de identidade de quem se comunica, de quais conteúdos
e de quais meios. Ou seja, no cerne da questão da identidade encontramos
a noção de construção dos sujeitos (individuais ou coletivos) opondo uma
concepção essencialista de identidade cartesiana, cindida do objeto, isolada
do outro “na solidão de sua autocontemplação”, em oposição à ideia de iden-
tidade como construção móvel, histórica; ou seja, um sujeito “iluminista”
versus um sujeito fragmentado, construído nas relações.
Como se vê essas discussões sobre o sujeito e sua identidade no mundo
contemporâneo, também guardam em si as discussões acima expostas sobre
os aspectos posicionais e dialógicos, sejam de atuação dos sujeitos, sejam
de conteúdos escolares ou de pesquisa em HC. A oposição aqui observada
refere-se à dualidade indivíduo versus sujeito, que de certo modo permeia a
discussão sobre relações posicionais e dialógicas. A ideia de sujeito implica
em intersubjetividade ou ultrapassagem da individualidade do eu para a co-
municação numa esfera comum, trazendo essas questões comunicacionais
para o centro da vida social.
Como orienta Martín-Barbero (1993), nesse contexto ganha relevân-
cia a teoria da recepção, a qual procura redimensionar o papel do sujeito
nos processos de comunicação. Rompendo a perspectiva teórica metodoló-
gica centrada nos meios, focaliza-se a análise interpretativa das mediações.
Propõe-se um deslocamento das esferas emissão/mensagem para a dimensão
do sujeito-receptor. Conforme Mattelart (1989), a teoria da recepção resgata
a figura do sujeito-receptor, frequentemente negligenciado por teorias cen-
tradas na emissão ou no conteúdo.
Neste enfoque, não se conduz a uma busca pela verdade metafísica ab-
soluta, mas a “dialogicidade”, em que se abre espaço também para a retóri-
ca e para os discursos, segundo Perelman (1977), trata-se de uma abertura
por onde se introduz a noção de “juízo de valor” ao universo da lógica. Da
racionalidade lógica à dialógica, amplia-se o horizonte de expectativas ao
assumir complexidade nas relações, admitindo-se este ambiente não apenas
cognitivo, mas também comunicacional.
Nesse caso, a sala de aula apenas deixa de ser espaço ou palco único
de observação, da dimensão cognitiva (logos), teórica. Por isso, a necessi-
dade de uma abordagem mais ampla, interdisciplinar e dialógica, na qual
a representação do objeto é dada pela construção de um sentido comparti-
lhado, não posicional ou hierarquizado, cujas dimensões afetiva (phatos) e
autoral (ethos), dos sujeitos também em construção, sejam consideradas. É
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 261

alternativa à fragmentação posicional sujeito/objeto, em cuja base epistemo-


lógica a ideia de totalidade suprime os contextos.
Para Levy (1993), neste ambiente comunicacional organiza-se uma
“ecologia cognitiva”, em que “não há causas e efeitos mecânicos, mas sim
ocasiões e atores” (p. 148), ou seja, num ambiente de globalização comuni-
cacional, não há uma relação causal em inovações técnicas e forma cultural,
mas dialógica.

Interdisciplinaridade em favor do contexto dialógico e


comunicacional a partir de um corpus discursivo

Então, essas discussões teórico-conceituais, posicionam a pesquisa ini-


cialmente referida em um contexto dialógico e comunicacional. Conforme
pontuado por Caregnato e Mutti (2006), classificou-se os sujeitos pesqui-
sados como “corpus empírico”. Atentando-se às etapas postas por Orlandi
(2001), o recorte sócio histórico para a coleta de dados deu-se mediante aos
problemas que o ensino de ciências tem sofrido atualmente – problemas es-
ses salientados pela literatura apresentada e pela vivência em sala de aula
enquanto docente a mais de 16 anos.
Salientando a abordagem dialógica e comunicacional, o eixo temático
em que o “objeto discursivo se tornou processo discursivo” (BOAVENTURA,
2016, p. 123), foi delimitado a partir dos questionários que deram uma visão
geral da formação ideológica tanto de alunos como de professores. Esses
questionários foram respondidos por professores e alunos do Ensino Médio
da rede privada e pública de ensino de Goiânia e Aparecida de Goiânia.
Compõem o corpus discursivo os questionários respondidos por alunos e
professores que foram enumerados para manter sigilo de suas identidades.
Por isso, quando suas falas forem citadas ao longo do texto elas serão identi-
ficadas por números, sendo que os professores foram enumerados de 1 a 21
e os alunos de 1 a 53.
O primeiro ponto a ser analisado foi levantado pelos professores que, an-
tes de emitirem suas opiniões sobre a interdisciplinaridade, levantaram suas
dificuldades em sala de aula tendo em vista a falta de interesse dos alunos
por suas disciplinas (biologia e história), além das exigências curriculares.
Levantaram questões acerca da teoria que é ensinada na academia e da
falta de estrutura encontrada nas escolas para colocar essa teoria em prática.
Afirmaram que só é possível exercitar o que aprenderam nas escolas fazendo
adaptações de acordo com a realidade encontrada, como diz o Professor 10:
262

“A didática ensinada na academia não está vinculada a realidade da estrutura


empírica dos colégios” (Professor 10 – historiador).
As respostas descritas abaixo foram selecionadas para exemplificar
diversos posicionamentos. O Professor 02 enfatiza que as escolas devem
questionar seu modelo didático, pois o aluno do século XXI tem caracte-
rísticas particulares que fazem esse modelo precisar de uma reformula-
ção ou até reconstrução:

Vivemos em um mundo globalizado, a tecnologia faz tanto parte do


dia a dia de todos, sendo assim o professor concorrer com o processo
tecnológico torna-se difícil. As escolas devem repensar o modelo di-
dático para o novo aluno do século XXI (professor 02 – historiador).

O Professor 06 cita que o que foi visto na faculdade difere muito do


encontrado nas escolas: “O ensino de didática visto na faculdade foi muito
diferente da realidade encontrada em sala de aula. A teoria perfeita das aulas
de didática não cabe dentro de uma sala de aula onde o principal problema é
a indisciplina” (professor 06 – historiador).
Ou ainda, como dizem as Professoras 09 e 11, que o excesso de conteú-
do e a distância desse com a realidade dos alunos os distancia de seu objeto
de estudo:

Nas escolas públicas e privadas percebi que os alunos veem os conte-


údos distanciados do cotidiano deles. Então, eu só conseguia a aten-
ção deles quando estabelecia uma aproximação do conteúdo com algo
do seu cotidiano. Quanto à relação teoria e prática, as teorias ajudam
muito, mas precisei criar metodologias próprias, segundo o que eu ia
sentindo a necessidade, levando em consideração o que os próprios
alunos me ofereciam também (professora 09 – historiadora).
Um dos maiores problemas que enfrento na sala de aula é o excesso de
conteúdos no conteúdo programático (que geram abordagens superficiais
e distantes do envolvimento do aluno) – (professora 11 – historiadora).

Fica claro no corpus discursivo que é preciso haver uma mudança na


relação de poder estabelecida entre a “noosfera” de Chevallard (1991) e os
personagens da sala de aula, ou seja, aluno e professor. Qual seja, ao serem
provocados ao diálogo, ressaltam a perda de sentido do sistema posicional
e logocêntrico, a qual desloca ou distancia os sentidos ontológicos da teoria
aos da prática e cotidiano de professores e alunos.
Como se vê o corpus discursivo questiona a “noosfera” que produz uma
“cultura dominante”. Sendo assim, nos parece razoável supor que questiona
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 263

também os sentidos posicionais embutidos na ideia de transmissão e de


transposição didáticas. Portanto, esse corpus discursivo questiona o que es-
tabelece como padrão a ser seguido, implanta ou suprime nos currículos e
manuais ditando as normas que deixam claras as posições de quem influen-
cia e quem é influenciado.
Esta situação posicional da cultura dominante é detalhada na fala de
Perrenoud (1999), em termos de favorecidos e desfavorecidos:

A democratização dos estudos atingiu, hoje, um limiar que, em nume-


rosos países, coloca as classes médias ao lado dos favorecidos. Os des-
favorecidos são menos numerosos, mas ainda mais favorecidos que
antes. Sua expressão política tem uma influência limitada, não somen-
te porque são imigrados sem direitos políticos, mas mais globalmen-
te porque sua pobreza e seu escasso nível de instrução não lhes dão
muitas oportunidades de se fazer ouvir e nem mesmo de compreender
os mecanismos que fabricam o fracasso escolar de suas crianças. O
cúmulo da alienação sabe-se bem, é sentir-se o único responsável por
sua situação infeliz, de vê-la como consequência “lógica” e, portanto,
“justa” de sua própria incapacidade de vencer (p. 7).

Em grande parte, esse acirramento posicional deve-se a um dos aspec-


tos levantados acima no corpus discursivo, qual seja a diferença entre o es-
tudado na academia e o visto na prática em sala de aula.
Por outro lado, conforme pudemos observar nas falas, ainda se ressalta
a importância da teoria, a qual deve adaptar-se à realidade vigente, entenden-
do-se que a realidade das escolas difere do idealizado na academia quando
se fala em estrutura pedagógica, estrutura física e até quanto a receptividade
do próprio aluno (BOAVENTURA, 2016, p. 125). Com isso, os sujeitos de
fala ressaltam a importância da interdisciplinaridade:

A interdisciplinaridade deve ser gradativamente incorporada à prática


e ao ensino de todas as disciplinas. Atualmente ela é uma necessidade
em vista da sua cobrança no ENEM. Para, além disso, acredito que
uma abordagem interdisciplinar pode contribuir para reavaliarmos a
nossa educação no sentido de torná-la menos conteudista, decorativa
e especializada (professora 01 – historiadora).
Vejo a interdisciplinaridade como ferramenta de ação para o professor
ter referência de que ensinar é uma arte. A relação entre conteúdos tor-
na o ensino mais atraente, chamando mais os alunos a interessarem-se
pelas aulas (professora 07 – historiadora).
264

Acho a interdisciplinaridade importante para a prática docente, pois o


mundo fora da escola não é separado em blocos disciplinares que pro-
movem uma visão ‘bitolada’ do conhecimento (professor 14 – biólogo).
A interdisciplinaridade é a única prática que funciona em sala (profes-
sor 19 – biólogo).
A interdisciplinaridade é necessária e eficaz. Com o atual modelo de
Processo Seletivo Universitário, a interdisciplinaridade fez com que
voltássemos a estudar temas coligados à área de origem (professora
20 – bióloga).
A história da ciência mediando o ensino de parasitologia foi excelen-
te! A interdisciplinaridade aborda dois trabalhos em um só conteúdo,
expandindo o conhecimento do aluno (aluna 16).

Nesse “novo” conceito de saber tem-se a mediação se sobrepondo a


transposição (BOAVENTURA, 2016, p. 126), sendo a mediação mais abran-
gente que a transposição, pois essa última hierarquiza o conhecimento estan-
do o saber sábio (produzido por cientistas) sempre em uma posição superior
ao saber ensinado (que é o aprendido na escola e que sofre a influência do
professor e do próprio aluno). Dessa forma, entende-se que a mediação não
só questiona a hierarquização dos saberes, mas também suscita a importância
de saberes menosprezados e que podem também participar desse processo
interdisciplinar. Quando aos sujeitos é dada a oportunidade de fazer parte do
processo ensino-aprendizagem e não só observá-lo, surge o que para Lopes
(1997) é a questão central, qual seja, romper e superar o autoritarismo:

A questão central está em romper com o autoritarismo dos saberes


dominantes, de forma a não considerá-los como os únicos saberes vá-
lidos, o que implica desmascarar o processo que faz deles os melhores
saberes, ao interpretá-los como seres eruditos. Mesmo porque, muitas
vezes os saberes dominantes, que se dizem e tentam se impor como
eruditos, nada mais são do que senso comum, devendo ser superados
(LOPES, 1997, p. 47).

Rompendo e superando o erudito através do diálogo com o senso co-


mum, podemos por consequência observar que os sujeitos de fala validam
o processo ensino-aprendizagem dando um sentido diverso à própria con-
cepção de espaço, o qual passa ser ampliado de espaço escolar para “espaço
de aprendizagem”, reforçando a importância dos contextos. Dessa forma,
enfatiza-se a seguinte fala:

A meu ver como professora de história, não existe história isolada


de outras disciplinas, para mim a interdisciplinaridade é o que deve
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 265

nortear a educação, quebrando as fronteiras e colocando a importância


de todos em todos (professor 04 – historiador- sublinhado nosso).

Esse espaço de aprendizagem seria todo lugar para além do espaço fí-
sico no qual não é preciso haver autoridades ou estruturas físicas instituídas
pela sociedade como “escolares” para que ocorra o aprendizado. É dessa
amplitude de arcabouço de informações (BOAVENTURA, 2016, p. 127),
que esse aluno traz para a sala, amplitude presente no nível de desenvolvi-
mento real segundo Vygotsky (2007), a qual mesmo fazendo parte do senso
comum, e não sendo esse o conhecimento final esperado no processo, mas
fazendo parte dele, tem importância.
Nesse sentido, podemos considerar que a interdisciplinaridade enquan-
to conhecimento compartilhado pode ser visto como uma “representação so-
cial” que, sem hierarquizar saberes, humaniza o indivíduo (BOAVENTURA,
idem), tornando-o, portanto, sujeito não apenas no conhecimento da teoria,
mas, sobretudo no rebatimento desta em suas vivências:

Destarte, estudar representações sociais implica adentrar a densidade


de um espaço que (re) apresenta os seres humanos em seus pensa-
mentos, em suas opções históricas, independentemente de suas carac-
terísticas socioeconômicas, culturais ou políticas. Portanto, as repre-
sentações tornam-se sociais quando levam em consideração diferentes
aspectos da sociedade, principalmente o conhecimento gerado que co-
mumente é denominado de senso comum (ALVES, 2014: 279).

Portanto, o conceito de interdisciplinaridade aqui passa a ser visto de


modo amplo: abrangendo para além dos currículos os diversos saberes com-
partilhados, inclusive os do “espaço de aprendizagem”, constituindo-se in-
terdisciplinaridade também entre ciência e saber, no sentido de que “toda
ciência é um saber, mas nem todo saber é científico” (LOPES, 1997, p. 48).
Os saberes podem ter diferentes contextos de atuação e não precisam ter se-
guido o método científico para serem reconhecidos enquanto conhecimento
(FAZENDA et al., 2009).

Quanto à interdisciplinaridade entre história e biologia

Sobre a interdisciplinaridade entre história e biologia, diferentes pontos


de encontro e possibilidades nas falas foram levantados. Podemos associar
esse momento do corpus discursivo ao que diz Monteiro (2001), ou seja,
tratar-se de um processo de (re) construção do saber através da aproxima-
ção de disciplinas que, a princípio parecem distantes, para que se tornem
266

ensináveis. Nisso, suscita-se que o senso crítico do aluno se abra a uma gama
de possibilidades de aquisição de conhecimentos e comunicacionais. Como
nesta fala: “Não acho que a história tenha alguma aproximação com a bio-
logia, pois elas estudam coisas bem diferentes, a única aproximação é que
em Biologia estuda as doenças e na antiguidade muitas pessoas tinham as
doenças que estudamos em Biologia” (aluna 49).
Pelo que diz a aluna 49, nota-se uma abertura ao diálogo a partir da
critica. Pois, ao ver um ponto de encontro da biologia com a história, ao
perceber que determinados eventos históricos foram marcados por epide-
mias que são estudadas em biologia, não admite, mas acentua que essas duas
disciplinas conversam entre si (BOAVENTURA, 2016: 129). Além disso,
diversas outras falas mostram as diversas aberturas ao diálogo que surgem a
partir da interdisciplinaridade historia/biologia:

Como estudar a história da humanidade sem saber o que nos torna


humanos do ponto de vista científico? O que nos diferencia do ponto
de vista biológico? São inúmeras as coisas onde história e biologia se
casam e são extremamente felizes (professor 04 – historiador).
Há aproximação entre as disciplinas de história e biologia, pois ne-
nhuma descoberta científica foi feita ao acaso, sempre existiu um es-
tudo anterior. As duas disciplinas se complementam, pois não existe
ciência (física, química, matemática, biologia) sem história (professor
12 – biólogo).
Vejo que há uma aproximação entre a história e a biologia, pois a his-
tória nos mostra desde o princípio o comportamento e juntamente com
a biologia o desenvolvimento de nossa espécie e outros (aluna 16).
Achei a história da ciência mediando a biologia interessante, pois
percebi que pessoas importantes na história também influenciaram na
Ciência. (Aluna 17).
Consigo ver uma aproximação entre a história e a biologia porque
alguns biólogos são de períodos históricos importantes (aluna 28).
Vejo aproximação entre a história e a biologia, pois a biologia tem alguns
conteúdos que relata sobre a história dos pesquisadores (aluna 34).
Consigo ver aproximação entre a história e a biologia, pois envolvem
seres vivos e basicamente tudo tem uma história e tudo surgiu da bio-
logia (aluno 44).
Há sim uma aproximação da história com a biologia! Acredito que a
biologia tem sim um contexto histórico, tipo: ‘Como surgiu?’, ‘Quem
descobriu?’, ‘Do que se trata?’, isso aproxima a História da Biologia
e vice-versa! (aluna 53).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 267

Podemos associar essas falas ao que dizem Fourez (2003) e Fazenda


et al. (2009), qual seja, que embora a maioria dos professores não tenham
tido formação acadêmica interdisciplinar, a prática interdisciplinar cer-
tamente provoca ao cotidiano escolar e suas inter-relações contextuais.
Nesse sentido, complementamos, abrem-se expectativas comunicacio-
nais e dialógicas, inclusive perpassando um leque maior de disciplinas e
situações, como ressaltados:

Trabalhando o tema ‘Grandes Navegações’ com meus alunos eu che-


guei a elaborar uma questão sobre a porcentagem de Caravelas que
afundavam no século XVI. História e matemática juntas! Fantástico!
(professora 01 – historiadora).
Um exemplo que há aproximação entre a história e a biologia é que
não há como explicar a grande fome do século XIV sem falar de am-
bientalismo (professor 11 – historiador).
Durante a Universidade eu fui bolsista PIBIC em história da medici-
na. É possível historicizar doenças e práticas médicas, sentimentos e
imaginários sobre o assunto em todos os níveis de ensino (professora
01 – historiadora).
A interdisciplinaridade é excelente para o aprendizado do aluno, mes-
mo porque agora com o ENEM ficou mais objetiva a sua utilização
por ser muito cobrada nesta prova (professor 17 – biólogo).

Observa-se que apesar da importância da interdisciplinaridade ser re-


conhecida nestas falas que representam a comunidade escolar investigada,
ela não é um trabalho fácil de ser colocado na prática. Para Carmo e Selles
(2011, p. 570) há níveis que podem ser sumarizados da seguinte forma: a)
formação acadêmica; b) instituição escolar; c) postura posicional ao invés de
mediadora. É provável que, no dizer do professor 08, a interdisciplinaridade
ser uma “ilusão interessante” deva-se a conjugação desses níveis de dificul-
dade – dentre outras falas sobre as dificuldades desta prática:

Acho a interdisciplinaridade uma ilusão interessante. Porém é inviável


por não ser conhecida por grande parte dos docentes de nosso país
(professor 08 – historiador).
Muito difícil de ser utilizada nas escolas pela falta de tempo ou por
não ter definido um tempo de encontro dos professores das matérias
dentro de seus horários (professor 17 – biólogo).
Tenho que me desdobrar, pois não fui formado dentro dessa realidade
(professor 02 – historiador).
Tive dificuldades em colocar a teoria da academia em prática na sala
de aula, pois meus professores da graduação não eram especialistas
268

em educação, então tive que buscar mais informações a respeito do


assunto por conta própria (professor 12 – biólogo).
Exige um maior preparo do professor, contribuindo para a melhora da
sua qualificação (professor 15 – biólogo).

Escolha do livro paradidático e interdisciplinaridade entre


história e biologia

Quanto à escolha do uso do livro paradidático enquanto produto edu-


cacional para trabalhar a interdisciplinaridade tendo a HC como objeto me-
diador de conhecimentos de parasitologia, as falas tanto de alunos quanto de
professores atestam que a experiência foi profícua.

Extremamente produtivo, além de proporcionar a prova que é possível ter


a interdisciplinaridade em um material com esse público alvo, demonstra
a eficácia de se unir a história da ciência com o ensino de parasitologia,
ou, além disso, promover um grande esclarecimento sobre determinada
doença, a partir do contexto histórico, perfeito! Esse paradidático é uma
prova real de que seja possível fazer algo didático interdisciplinar, para os
ensinos fundamental e médio (professor 04 – historiador).
Esse livro se mostrou rico em informações, que conversam entre si,
abordando temas diferentes que trabalham juntos emitindo e atingindo
o objetivo de transferir entendimento, melhor do que se estivessem
separados (professor 15 – biólogo).
Achei legal a história da ciência mediando a biologia, pois a
Ciência dificilmente fala dos pontos históricos da forma abordada
no livro (aluna 28).
O livro é interessante, boa explicação, seria muito bom se este fosse
usado em sala de aula, é um livro com textos curtos e menos cansati-
vos, nele temos tudo que precisamos sem precisar de muitas folhas,
acredito que ele se usado em sala de aula, melhoraria muito nosso
aprendizado (aluna 36).
Avalio esse livro com nota 10, pois foi bem elaborado, bem criativo, lin-
guagem jovem. Me chama atenção. Quero um desse para mim (aluna 48).

Seja pela liberdade didática e alcance por meio de linguagem acessível


ao aluno, ao que parece, a distância entre sujeito (aluno) e objeto (conhe-
cimento) diminuiu, aparentemente desfazendo a rigidez ou mecanicidade
posicional do modelo comunicacional emissor/meio/receptor. Além disso,
abriu um leque de outras opções de recursos impressos, os quais também
podem ser utilizados dentro e fora da sala de aula: “O livro paradidático se
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 269

mostrou importante, pois traz várias respostas a perguntas que o livro didáti-
co pode gerar em um aluno e que o mesmo não vem a responder” (professor
02 – historiador).
O que discorremos acima na contextualização teórico-conceitual sobre
o dialogismo e a comunicabilidade a partir da crítica vislumbrou-se nas se-
guintes falas:

Quanto ao uso do paradidático como recurso em sala acho excelente


na formação do cidadão crítico (professor 14 – biólogo).
Gostei muito da História da Ciência mediando o ensino de parasito-
logia. Percebi que ainda existe uma visão equivocada de grande parte
dos alunos sobre a construção do conhecimento científico. A maioria
acha que os cientistas são gênios infalíveis. Livros como esse são im-
portantes para desmistificar isso, pois possibilitam compreender como
os cientistas trabalham, além de estimular o pensamento crítico (pro-
fessora 21 – bióloga).

Outra forma de observar que o livro paradidático media o aluno em


seu contexto, deu-se a partir da fala da Professora 07: “O trabalho com o
paradidático é interessante, pois há uma grande carência de materiais que
venham dar suporte ao trabalho do professor principalmente nas disciplinas
novas chamadas Tópicos” (professora 07 – historiadora). Explica-se: na rede
pública do Estado de Goiás há na grade curricular as disciplinas chamadas
“Tópicos”, são disciplinas eletivas que propiciam “reforço” a determinadas
disciplinas que possuem conteúdo muito extenso, ou considerado de gran-
de dificuldade pelos alunos. Como mostra Boaventura (2016: 133), esses
“Tópicos” geralmente, são escolhidos por regiões a fim de que o aluno ao
se transferir de uma escola para outra, dentro da mesma região, que ele não
tenha perdas de conteúdo. O problema salientado pelos professores é que
essas disciplinas não vêm com uma grade curricular, consequentemente, não
há materiais didáticos que possam dar suporte ao professor e ao aluno. Por
isso a professora 07 sugere que ele possa ser apresentado enquanto alternati-
va curricular didática para essas disciplinas.
A respeito do uso da História da Ciência como objeto mediador de
conhecimentos de parasitologia, ficou claro que a História da Ciência, ci-
tando Matthews (1995), “humaniza” a ciência. Nos termos desta pesquisa,
isto quer dizer que insere os sujeitos de fala no processo de conhecimento,
tornando-o menos metafísico e mais comunicacional e retórico, ampliando
a possibilidade de apreensão desta realidade através da teoria da recepção.
270

É fantástico aplicar a história em outros contextos. É bom para que os


alunos percebam que estudar história não é (e nunca deveria ter sido!)
decorar datas e nomes. Que história nada mais é do que a evolução do
homem e de sua trajetória no mundo! (professora 09 – historiadora).
O uso da História da Ciência mediando o ensino de parasitologia foi
bastante esclarecedor, pois criou condições para o aluno entender o
contexto histórico social em que as teorias foram criadas (professor
15 – biólogo).
Acredito que a História pode auxiliar na aprendizagem da Biologia.
Os alunos podem perceber que os conhecimentos científicos são cons-
truídos ao longo do tempo, são influenciados pelos fatores sociais,
econômicos, políticos e culturais de cada momento. Dessa forma, o
ensino pode se tornar mais contextualizado (professora 21 – bióloga).
A História da Ciência mediando a parasitologia foi extremamente
válido, nós professores de biologia, raramente sabemos do contexto
histórico, datas e todos os personagens envolvidos nas descobertas
científicas (professora 20 – bióloga).

Esta receptividade também ficou evidenciada a partir das falas em que


se constatam sugestões para que fossem construídos outros livros paradi-
dáticos abordando outras doenças tendo a História da Ciência como objeto
mediador do conhecimento. Biólogos e alunos, por exemplo, deram como
sugestão que o livro paradidático e as doenças fossem regionalizados:

Para avaliação geral do seu livro, minha nota é 10 pela iniciativa e ex-
celente escrita do conteúdo, a única dica seria para o próximo abordar
doenças cotidianas de nossa região que estão em alta, porém negligen-
ciadas pela própria população como dengue, febre amarela e parasito-
ses intestinais que acometem nossas crianças (professor 17 – biólogo).
Para começar, a História da Ciência mediando a parasitologia está
muito bom, mas acho que deveriam abordar cada vez mais tipos de
doenças e não somente a parasitologia (aluno 11).

Discorrendo sobre a interdisciplinaridade entre história e biologia, per-


cebemos que tanto professores quanto por alunos levantam diferentes pontos
de encontro e possibilidades em suas falas:

Como estudar a história da humanidade sem saber o que nos torna


humanos do ponto de vista científico? O que nos diferencia do ponto
de vista biológico? São inúmeras as coisas onde história e biologia se
casam e são extremamente felizes (professor 04 – historiador).
Há aproximação entre as disciplinas de história e biologia, pois
nenhuma descoberta científica foi feita ao acaso, sempre existiu
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 271

um estudo anterior. As duas disciplinas se complementam, pois não


existe ciência (física, química, matemática, biologia) sem história
(professor 12 – biólogo).
Vejo que há uma aproximação entre a história e a biologia, pois a his-
tória nos mostra desde o princípio o comportamento e juntamente com
a biologia o desenvolvimento de nossa espécie e outros (aluna 16).
Achei a história da ciência mediando a biologia interessante, pois
percebi que pessoas importantes na história também influenciaram na
Ciência (aluna 17).
Consigo ver uma aproximação entre a história e a biologia porque
alguns biólogos são de períodos históricos importantes (aluna 28).
Vejo aproximação entre a história e a biologia, pois a biologia tem alguns
conteúdos que relata sobre a história dos pesquisadores (aluna 34).
Consigo ver aproximação entre a história e a biologia, pois envolvem
seres vivos e basicamente tudo tem uma história e tudo surgiu da bio-
logia (aluno 44).
Há sim uma aproximação da história com a biologia! Acredito que a
biologia tem sim um contexto histórico, tipo: ‘Como surgiu?’, ‘Quem
descobriu?’, ‘Do que se trata?’, isso aproxima a História da Biologia
e vice-versa! (aluna 53).

Nesse aspecto, o produto educacional construído tem a finalidade de


suscitar a discussão sobre a importância de um trabalho interdisciplinar no
processo ensino-aprendizagem, possibilitando a “insurgência” de sujeitos
envolvidos, transformando-os de meros receptores em participes na constru-
ção do conhecimento com os saberes intrínsecos às suas falas.

Considerações finais – inserção do conhecimento nas temporali-


dades: “razão histórica” ou o “saber histórico”

Admitindo-se aspectos retóricos na construção do conhecimento,


crenças e valores oriundos de um momento histórico de um grupo so-
cial, vem à tona, possibilitando o diálogo com a fala de outros sujeitos,
possibilitando o discurso como consciência de si na relação com os ou-
tros, em que o sujeito se constitui e se reconhece. Esse processo retira a
construção do conhecimento de sua posição metafisica, e, ao assumir-se
mediado aponta para um deslocamento da razão abstrata para o que po-
demos admitir como sendo “razão histórica” ou “saber histórico”, dando
imanência temporal aos sujeitos envolvidos.
A “razão histórica” ou o “saber histórico”, segundo Rüsen (2010), é
algo mais consistente do que a possibilidade de um modelo pré-fabricado de
272

interpretação histórica, sendo propriamente o que Rüsen denomina de “for-


mação”, ou um processo que coloca à frente as carências do sujeito agente,
com as quais vai contrapondo a fragmentação do saber científico. Para este
autor, não faz sentido algum falar em “formação” apenas como didática do
ensinar ou aprender, para que a mesma seja válida é necessário aos envol-
vidos valerem-se como pessoas que usam o saber para fins de orientação de
sua própria vida prática.
Assim sendo, para Rüsen, a teoria da história ou a “ciência da história”
é mais modesta do que o pensamento científico em geral. Mais modesta,
porem mais plausível, porque recorrendo aos sentidos já instituídos e exis-
tentes no mundo dos homens, renuncia à criação de modelos (p. 78). Os
fundamentos da historia como ciência consistiria muito mais em um quadro
de regulação da reflexão se completando justamente no movimento de trans-
formar modelos recebidos, do que em gerar modelos, cujo fim último seria
o alcance da “experiência do tempo” de modo não arbitrário e com uma
atratividade própria.
“Com seu olhar para os fundamentos existenciais do saber, ela [a ciên-
cia da história] apreende sua relação interna com a práxis” (p. 99), daí reti-
rando a “formação” que rompe com especializações excessivas e articula aos
demais saberes. Isso significa que as especificações de conteúdos continuam
com os especialistas. A razão ou “formação” permaneceria em um nível mé-
dio de abstração, não sendo o fim, mas apenas o meio da reflexão teórica.
A experiência na construção de um livro paradidático – expressa nas
diversas falas acima citadas –, mostra a devida relevância do lugar da “razão
histórica” no ensino de ciências. Põe em relevo a importância de se consi-
derar as “carências de orientação” dos sujeitos envolvidos no processo de
formatação do livro, tratando-os como se também precisassem de orientação
para a sua própria vida prática, e não apenas como meios em que se confor-
massem os fins didáticos.
Nesse caso, o produto elaborado passou por um processo de “forma-
ção” nos termos de Rüsen – ao solicitar que “tanto alunos como professores
avaliassem a possibilidade da interdisciplinaridade entre as disciplinas de
história e biologia, mensurando a eficácia do livro paradidático como ferra-
menta no processo ensino-aprendizagem, dando sugestões para seu aprimo-
ramento” (BOAVENTURA, 2016: 99).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 273

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A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE
ALUNOS DIAGNOSTICADOS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Priscila Batista de Sousa


Elianna Morais de Souza Valverde
Clodoaldo Valverde

“Eu Acredito, que às vezes são as pessoas que ninguém espera nada
que fazem as coisas que ninguém consegue imaginar”.
(Alan Turing)

Introdução
No Brasil, a Educação Especial vem sendo debatida desde a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948 (BRASIL, 2007). Contudo, ainda
que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelecesse que as
pessoas com deficiência devessem ser inseridas preferencialmente no ensino
regular, foi somente a partir da Constituição de 1988 que o Brasil iniciou a
discussão acerca da educação inclusiva.
Houve um impacto mundial da Declaração de Salamanca (1994), que
influenciou também, no debate no Brasil sobre a educação inclusiva, resul-
tando na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (2008). Essa política determina que os alunos com deficiência e
altas habilidades (superdotação) devem ser preferencialmente incluídos na
rede regular de ensino, recebendo Atendimento Educacional Especializado
(AEE). O AEE elabora e organiza os recursos pedagógicos de forma a identi-
ficar problemas pré-existentes, tais como, acessibilidade e o nível de dificul-
dade de aprendizagem de maneira a minimizar as barreiras de acessibilidade,
considerando as necessidades específicas de cada aluno. O objetivo é pro-
mover a aprendizagem dos alunos com Necessidades Educativas Especiais
(NEE), nas escolas públicas e privadas. Conforme Duek (2007), as ativida-
des desenvolvidas pelo AEE devem ser diferenciadas das atividades realiza-
das nas escolas regulares de ensino, não sendo, portanto substitutivas, mas
complementares ao processo de ensino e aprendizagem desses alunos,
Embora a inclusão seja uma prática cada vez mais frequente no contex-
to educacional e uma ação garantida por lei, a educação ainda se depara com
278

um impasse, ainda há programas, projetos e leis cujo cumprimento não tem


sido constatado.
Receber alunos com NEE certamente é um desafio para as escolas, pois
presume adaptações ambientais, curriculares, metodológicas e profissionais
capacitados; ou seja, a escola precisa se adaptar às necessidades dos seus
alunos, uma vez que, a inclusão de alunos com deficiência não ocorre apenas
com a sua inserção na escola, é necessário uma ressignificação das políticas
inclusivas adotadas atualmente (SANCHES; TEODORO, 2006).
Apesar de, na atualidade, a inclusão ser amparada legalmente, ela apre-
senta situações conflituosas por diversos fatores. Entre os vários problemas
destacam-se o desconhecimento das deficiências e habilidades por parte dos
professores, um número elevado de alunos com e sem deficiência em salas
regulares, a falta de material didático direcionado aos deficientes e o escasso
apoio psicopedagógico. Dessa maneira, faz-se necessário, de maneira ime-
diata, o desenvolvimento de propostas que possam colaborar para a melhoria
da prática inclusiva. Por atuar diretamente com os alunos, os professores
têm papel relevante nesse processo, assim necessitam, com urgência, do de-
senvolvimento e compartilhamento das experiências inclusivas, de forma a
contribuir para o avanço de tal proposta.
A inclusão permite a desmistificação de rótulos atribuídos aos indiví-
duos, diminuindo o preconceito ainda existente e dando oportunidade às
crianças com deficiências, tais como os autistas, de conviver com outras
da mesma idade que não possuem a síndrome e vice-versa (VIEIRA et al.,
2013). Esse processo de interação, que ocorre a partir da inclusão, permite
aos alunos autistas novos modelos para alcançar novas habilidades sociais.
Sendo assim, as escolas regulares, por permitirem a interação entre os seres
humanos, representam o local ideal para que ocorram trocas sociais entre
os alunos, propiciando o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social dos
alunos autistas (BRANDE; ZANFELICE, 2012). Ainda nessa perspectiva,
Vygotsky (1994) e Lemos et al. (2014) nos abalizam que a interação social
possui um importante papel no processo de aquisição da linguagem, uma
vez que, o desenvolvimento da comunicação é necessariamente interacional,
sendo de indiscutível importância os comportamentos verbais e gestuais.
Este estudo faz parte da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos e
Pesquisa em Educação Especial: Interação, Prática e Inclusão (GEPEE), do
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências, da Universidade Estadual de
Goiás e teve como objetivo analisar como na literatura está sendo discutido
a inclusão de alunos com autismo, buscando reflexões sobre os fatores que
contribuem para essa prática social, bem como sobre aqueles que dificultam
esse processo.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 279

Metodologia

A revisão bibliográfica foi desenvolvida a partir de uma busca em sítios


eletrônicos de artigos, teses e dissertações publicadas entre os anos de 1993
a 2014, nas bases de dados fornecidos pela Capes e pelo Google acadêmico.
O refinamento da pesquisa foi realizado por meio de uma busca minuciosa
de palavras chaves, tais como: autismo, inclusão escolar, educação inclusiva
e ensino. Foram analisados exclusivamente trabalhos publicados na íntegra
e que tivessem como foco a inclusão de alunos com Transtorno do Espectro
Autista (TEA), em salas regulares de ensino.
Para Sampieri et al. (2006), revisão bibliográfica é a localização e ob-
tenção de documentos para avaliar a disponibilidade de material que subsi-
diará o tema do trabalho de pesquisa. É a análise crítica, minuciosa e ampla
das publicações em uma determinada área de conhecimento, verificando
como tal assunto foi abordado em estudos anteriores.
Neste trabalho a análise ocorreu de forma descritiva em um total de
vinte e uma produções.

História do autismo

A palavra autismo tem origem grega e significa “por si mesmo”.


Segundo Cunha (2009), essa terminologia representa a introspecção do au-
tista, que é uma das principais características do transtorno. Pesquisadores,
como Eugene Bleuler, realizaram estudos relacionados ao autismo, porém
foi o psiquiatra norte americano Leo Kanner em 1943 que percebeu em seus
estudos características comuns em 11 crianças, como, por exemplo, a inca-
pacidade de se relacionar, movimentos corporais repetitivos e resistência à
mudança de rotina. Essas características foram inicialmente denominadas de
“Distúrbio Autístico do Contato Afetivo” (GRACIOLI; BIANCHI, 2014).
De acordo com Grinker:

Se Kanner, porém, houvesse visto apenas um desses pacientes, talvez


não tivesse ficado tão interessado. Mas aquela era outra história – 11
pacientes, oito meninos e três meninas, todos muito diferentes: alguns
dominavam a linguagem verbal, outros eram completamente mudos
– mas ainda assim todos eram social e linguisticamente deficientes
(GRINKER, 2010, p. 59).

No ano de 1944 o psiquiatra austríaco Hans Asperger divulga em


sua tese de doutorado a psicopatia autista da infância, mas infelizmente o
280

reconhecimento internacional aconteceu apenas nos anos 90, passando a se


chamar de síndrome de Asperger1.
O autismo, também conhecido atualmente como Transtorno do Espectro
Autista (TEA) é classificado pelo Manual de Diagnóstico e Estatística dos
Transtornos Mentais (DSM-5)2 como pertencente à categoria denominada
Transtornos de Neurodesenvolvimento (NUNES et al., 2013). Segundo
Lemos et al. (2014), utiliza-se o termo “espectro autista” tendo em vista as
particularidades referentes às respostas inconsistentes, aos estímulos e ao
perfil heterogêneo de habilidades e prejuízos.
Quando falamos de TEA, fazemos comparação com o espectro de luz
visível e suas variações, por exemplo a luz visível varia entre a luz violeta e a
vermelha e entre esses extremos temos uma quantidade infinita de pequenas
variações de comprimentos de onda, que vai aumentando desde a luz violeta
até vermelha. O mesmo ocorre com o espectro autista, pois cada criança
autista apresenta um nível de autismo diferente, que varia de acordo com o
grau leve até o severo. Abaixo, a figura 1 exemplifica isso.

Figura 1 – Espectro Autista de acordo com DSM-5, varia continuamente


desde o grau leve, passando pelo moderado até o grau severo

1 Crianças com distúrbios sociais semelhantes aos do autismo, mas com a linguagem e a inteligência em geral preservadas.
2 Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais 5.ª edição ou DSM-5 é um manual desenvolvido pela Associação
Americana de Psiquiatria.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 281

Dessa maneira, duas crianças diagnosticadas com Síndrome de Heller


(Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância – DSM-IV) não serão exa-
tamente iguais, elas não terão os mesmos sintomas ou o mesmo tipo de gra-
vidade, portanto apresentarão níveis diferentes de autismo.
As características mais abrangentes desse transtorno que, possui a etio-
logia ainda desconhecida, consistem em: prejuízo na comunicação, no com-
portamento e consequentemente na interação social (VIEIRA et al., 2013).
Vale ressaltar que as anormalidades no funcionamento dessas áreas devem
estar presentes por volta dos três anos de idades e há diferenças no momento
em que aparecem esses sintomas, bem como na sua gravidade e natureza.
De acordo com Vieira et al. (2013), há uma maior incidência de autismo em
meninos, atingindo cerca de 4 meninos para cada menina.
Entre outras características apresentadas por portadores do TEA, pode-
mos citar:

• déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múlti-


plos contextos;
• padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal;
• interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade
ou foco;
• déficits na reciprocidade socioemocional;
• interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente;
• adesão inflexível à rotina;
• hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais;
• déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para inte-
rações sociais:

• déficits na compreensão e uso de gestos,


• ausência de expressões faciais,
• dificuldade no contato visual,
• comunicação verbal e não verbal pouco integrada;

• déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos;


• movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos;

O TEA é um transtorno complexo, pois apresenta uma enorme varieda-


de de sintomas, com isso seu conceito foi ampliando e hoje admite-se vários
graus de autismo (LEMOS et al., 2014). Essa grande variedade de sintomas
dificulta a conclusão do diagnóstico pelo profissional. De acordo com Sacks:
282

O autismo como tema toca nas mais profundas questões de ontolo-


gia, pois envolve um desvio radical no desenvolvimento do cérebro e
da mente. Nossa compreensão está avançando, mas de uma maneira
provocadoramente vagarosa. O entendimento final do autismo pode
exigir tanto avanços técnicos como conceituais para além de tudo com
o que hoje podemos sonhar (SACKS, 1995, p. 26).

Segundo KLIN (2006 apud VIEIRA et al., 2013), um dos principais


prejuízos decorrentes do autismo está relacionado à capacidade de comuni-
cação, tanto na habilidade verbal quanto na não verbal. A maioria dos autistas
apresenta linguagem imatura, anormal, com entonação monótona, caracteri-
zada por jargões e ecolalia. E cerca de 20 a 30% não desenvolvem nenhum
tipo de habilidade de comunicação, ou seja, nunca falam. Apresentam ainda
dificuldades em compreender linguagem corporal e expressões faciais. Já os
prejuízos pertinentes à interação social de indivíduos autistas é fruto da in-
capacidade de entender seu próprio estado mental, assim como o dos outros
(MERCADANTE; ROSÁRIO, 2009).
Todas essas características mencionadas anteriormente favorecem o
isolamento da criança e reflete fortemente na sua capacidade de aprendiza-
gem (NUNES et al., 2013). Nessa perspectiva, a escola tem papel fundamen-
tal no sentido de enriquecer as experiências sociais das crianças com TEA,
por meio da interação com os colegas de classe, valorizando a diversidade,
cooperação e respeito pela diferença (BRANDE; ZANFELICE, 2012).

Resultados e discussão

Segundo Nunes et al. (2013), depois do advento da Política Nacional


de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, houve um
aumento significativo no número de matrículas de alunos com autismo
nas escolas comuns. De acordo com dados obtidos pelo censo escolar do
Ministério da Educação, em 2006, haviam 2.204 alunos diagnosticados com
esse transtorno e inseridos em salas de aulas das escolas de ensino regular.
Já em 2012 esse número aumentou para 25.624. Porém estudos analisados
demonstraram que, mesmo com o acesso de educandos às escolas, o proces-
so de inclusão ainda não está acontecendo de fato (BRANDE; ZANFELICE,
2012; CAMARGO; BOSA, 2009; GRACIOLI; BIANCHI, 2014; MATTOS;
NUERNBERG, 2011), pois a inclusão de alunos com NEE não ocorre ape-
nas com a sua inserção nas salas de aula. É claro que a inclusão só é con-
cretizada quando ninguém fica fora da escola, mas todos precisam receber
as mesmas oportunidades, independente das limitações impostas. Ainda é
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 283

preciso que sejam realizadas diversas mudanças para que não exista mais
uma distância significativa entre o real e o ideal nas instituições inclusivas.
A maioria dos estudos analisados aponta como principais barreiras para
o processo de inclusão de alunos autistas a escassa rede de apoio, pouca
formação dos professores, preconceito e insegurança dos pais (BRANDE;
ZANFELICE, 2012; CAMARGO; BOSA, 2009; GRACIOLI; BIANCHI,
2014; MATTOS; NUERNBERG, 2011; NUNES et al., 2013).
De fato, os professores são um dos principais responsáveis pelo sucesso
ou insucesso da inclusão escolar e a eles são impostas grandes expectativas
e responsabilidades por permanecerem muito tempo com os alunos. Assim,
surge a necessidade de uma formação adequada para esses profissionais atua-
rem frente a esses desafios. Além da formação inicial, esses profissionais de-
vem buscar sempre uma formação continuada para a atualização pertinentes a
educação inclusiva nesse novo cenário (MATTOS; NUERNBERG, 2011). De
acordo com o estudo realizado por Nunes e colaboradores (2013), devido à fal-
ta de formação e preparação dos professores, os mesmos acabam deixando de
lado suas funções de educador e assumem o papel de cuidador. Quanto maior
a capacidade, confiança e preparo dos professores para atuar na educação in-
clusiva, melhor serão os resultados do trabalho desses profissionais.
A aprendizagem de alunos autistas ocorre de forma particular devido a
suas especificidades e por isso carecem de adaptações específicas e individua-
lizadas nas metodologias de ensino utilizadas pelos professores. Se não forem
levadas em consideração as necessidades de cada indivíduo, para que assim
possam ser feitas adaptações coerentes à sua capacidade de aprendizagem, a
inclusão não irá se concretizar (BRANDE; ZANFELICE, 2012). Isso não sig-
nifica que tais estudantes devam ser direcionados a abordagens escolares sim-
plistas, é preciso adaptações nas atividades comuns de forma a facilitar para
esses alunos a apropriação do conhecimento. Os resultados da pesquisa reali-
zada por Nunes et al. (2013) demonstraram que a maioria dos alunos autistas
não acompanha os conteúdos pedagógicos desenvolvidos em sala, estão em
séries que não correspondem à idade cronológica esperada e que os recursos
pedagógicos utilizados não favorecem a apropriação de conteúdos escolares.
Em resumo, estão apenas em atividades de caráter infantilizado.
No trabalho de Gracioli e Bianchi (2014), as autoras fizeram um estudo
de caso em uma instituição privada de ensino, a fim de observar os caminhos
e práticas pedagógicas utilizadas, para atender a um aluno autista. A pes-
quisa desenvolvida constatou que a inclusão de um aluno autista na escola
regular exerce um desafio constante para os professores, para escola e a fa-
mília. Entretanto como a instituição é privada, vale destacar algumas vanta-
gens, tais como, número reduzido de alunos por turma e pouca ou nenhuma
284

burocracia para manter dois professores por sala de aula, mesmo assim as
professoras sentiram uma imensa dificuldade em trabalhar com um educan-
do autista, mostrando evidências da falta de experiência e de formação para
trabalhar com ele.
Brande e Zanfelice (2012) relatam uma experiência desenvolvida com
um aluno autista nos primeiros anos de alfabetização. O trabalho destaca a
importância da escuta como fator motivador, para todos os envolvidos no
processo, indicando a construção de alguns caminhos para o ensino.
Mattos e Nuernberg (2011) também descrevem uma experiência de in-
tervenção escolar com um aluno com TEA em uma instituição de ensino
fundamental, em que foram observadas melhoras significativas na qualidade
de interação e comunicação do aluno, assim como identificaram melhoras na
capacidade da turma em acolher as diferenças e da professora em flexibilizar
suas práticas educacionais. Nesse trabalho foram utilizadas histórias como
fator motivador, produzidas e contadas por meio dos cartões que eram mos-
trados às crianças, passados de mão em mão e depois fixados em murais. As
histórias despertaram a atenção do aluno com TEA, levando a se fixar em
um dos cartões. As brincadeiras demostraram ser uma ferramenta eficaz nas
trocas sociais e passaram a ser realizadas no contexto escolar. Dessa forma,
percebemos a importância de metodologias diversificadas que instiguem a
curiosidade, motivação, interesse e criatividade de alunos autistas, refletin-
do uma aprendizagem significativa. Em oposição ao pressuposto de que os
alunos autistas não são capazes de aprender, eles podem sim apresentar uma
aprendizagem, porém de maneira mais lenta, e requerem uma atenção minu-
ciosa por parte dos professores.
A capacitação dos professores e outros profissionais que trabalham com
crianças autistas ou portadores de necessidades educacionais especiais é de
grande relevância no processo de inclusão. E de acordo com Iribarry:

É preciso também que cada membro da equipe esteja o mais fami-


liarizado possível com a diversidade de disciplinas e que frequente
continuamente as disciplinas de seus colegas. Ademais, é preciso que
os discursos se tornem legíveis e não mais se tornem discursos vela-
dos e obscuros. Uma questão psicofarmacológica complexa deverá
ser exposta com a mesma clareza que uma orientação diagnóstica do
serviço social, por exemplo. Isso nos permite entrever a necessida-
de do abandono do jargão com que cada disciplina institui seu saber.
A comunicação entre os membros da equipe, portanto, não seguirá
mais um modelo verticalizado, baseado na liderança de um saber so-
bre outro(s), mas deverá assumir uma característica horizontal, onde
todos, igualmente, compartilham de seus conhecimentos e saberes
(IRIBARRY, 2003, p. 484).
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 285

A falta de apoio aos professores é outro grande empecilho para o pro-


cesso de inclusão. Muitos professores buscam promover a inclusão dentro da
sala de aula, mas sozinhos isso se torna impossível. A escola deve oferecer
condições para facilitar esse processo, como currículos flexíveis, material di-
dático apropriado e profissionais especializados que possam contribuir com
o trabalho do professor regente em sala. Sendo assim, mesmo tendo uma
formação inicial e continuada de qualidade, sem o suporte oferecido pela es-
cola, a prática docente não trará bons resultados (BRANDE; ZANFELICE,
2012; CAMARGO; BOSA, 2009; GRACIOLI; BIANCHI, 2014; MATTOS;
NUERNBERG, 2011).
A interação social é fator potencializador da inclusão escolar, pois o
desenvolvimento de todas as crianças está intimamente ligado às interações
e relações com o meio social em que estão inseridas. No que tange a inte-
ração de alunos autistas com os demais, a inclusão escolar tem se demons-
trado favorável para ambas as partes. Estudantes com o desenvolvimento
“típico” aprendem a respeitar e conviver com as diferenças, contribuindo
para que os alunos autistas tenham experiências positivas para seu desen-
volvimento (BRANDE; ZANFELICE, 2012; CAMARGO; BOSA, 2009;
GRACIOLI; BIANCHI, 2014; MATTOS; NUERNBERG, 2011; NUNES
et al., 2013). O ambiente inclusivo traz grandes contribuições para alunos
autistas, principalmente no que se diz respeito à aquisição de habilidades
comunicativas, esses tipos de habilidades são as que os eles apresentam um
dos maiores déficits.
Vigostski explica que por meio da mediação, todos estão relacionados
ao processo de constituição social do sujeito. Segundo Vigostski:

Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas ativi-


dades adquirem um significado próprio em um sistema de comporta-
mento social e, sendo dirigidas a objetivos definidos, são retratadas
por meio do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto até
a criança e desta até o objeto passa por meio de outra pessoa. Essa
estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvol-
vimento profundamente enraizado nas ligações história individual e
história social (VYGOTSKI, 1994, p. 40).

Assim, a partir da interação com o outro, o aluno pode estabelecer uma


relação entre o seu conhecimento anterior e as experiências sociais. O educando
aprende porque esse processo envolve a observação, experimentação e proble-
matização e deve ser auxiliado na busca de respostas para os problemas.
286

A insegurança dos pais em deixar seus filhos autistas em escolas de


ensino regular foi outro aspecto bastante evidenciado durante a revisão bi-
bliográfica como sendo um dos principais fatores responsáveis pelo fracasso
da inclusão. Muitos pais sentem mais confiança em matricular seus filhos
em escolas especiais por acreditarem que são espaços que fornecem mais
segurança e dispõe de profissionais mais preparados e capacitados em atuar
com alunos com deficiência (NUNES et al., 2013).
A participação da família no cotidiano escolar representa um ponto po-
sitivo para a inclusão dos filhos, auxiliando a escola nas tomadas de decisões
e sua intervenção direta no processo de aprendizagem dos filhos autistas.
Segundo Bezerra et al:

[...] encontrar o caminho para relações de parceria pode ser uma expe-
riência significativa, resultando em melhorias nas interações humanas,
no ensino [...] Pode ser a luz de um novo tempo na educação: apro-
veitamento das experiências familiares na construção do saber e das
ações da escola (BEZERRA et al., 2010, p. 289).

Quanto ao trabalho de Serra (2010), a autora discute a dinâmica fami-


liar de uma pessoa com autismo e suas relações com os processos de inclu-
são educacional na sala de aula. De acordo com a pesquisadora, a família do
indivíduo com autismo exerce papel fundamental no seu desenvolvimento
e acredita que a intervenção precoce com as crianças autistas podem trazer
inúmeros benefícios. Essa intervenção deve iniciar antes da criança comple-
tar cinco anos de idade.

[...] intervenção precoce e o atendimento intensivo que se faz antes


dos 5 anos de idade e, como resultados, temos visto que os procedi-
mentos psicopedagógicos realizados na faixa etária de 0 a 5 podem
‘devolver’ a criança ao trilho de desenvolvimento normal (SERRA,
2010, p. 42).

Assim, a falta de informação a respeito do autismo ainda gera muitos


mitos e preconceito nos dias atuais, até mesmo por parte de muitos professo-
res sem formação adequada. E esse preconceito ainda arraigado na socieda-
de faz com que as características impostas pela síndrome tornem os sujeitos
menos capazes, dificultando a inclusão (NUNES et al., 2013).
De acordo com as informações apresentadas nos artigos pesquisados,
observa-se que, para contemplar os estudantes autistas, dentro do contexto
escolar, é necessária a capacitação de todos os envolvidos de forma direta e
indireta na formação desse aluno.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 287

Considerações finais

Com os dados levantados na pesquisa constatou-se que embora o nú-


mero de matrículas de alunos com autismo em escolas regulares tenha au-
mentado, após o advento do paradigma da inclusão, a grande maioria ainda
não vem recebendo o suporte necessário para o desenvolvimento da apren-
dizagem. Por não haver precisão sobre sua causa, o autismo ainda é enigma,
isso reflete negativamente na escola, uma vez que os profissionais que atuam
com alunos autistas, na instituição escolar, apresentam dificuldades em lidar
com estes educandos.
A escola e a família são os alicerces do processo educacional e possuem
funções complementares. Sendo assim, a participação efetiva dos pais na
vida escolar de seus filhos contribui de maneira significativa para os avanços
do seu desenvolvimento. Da mesma maneira, a escola deve manter vínculos
diários com os pais ou responsáveis, não se restringindo somente a reuniões
mensais, principalmente na formação dos alunos autistas.
O processo de inclusão é frágil, lento e deve ser realizado com o apoio
dos pais e de toda comunidade escolar. A escola inclusiva deve ter como
princípio básico, o reconhecimento, atendimento e respeito às necessidades
de cada aluno, oferecendo uma educação de qualidade, por meio de profis-
sionais qualificados, currículo apropriado e flexível, modificações estrutu-
rais e organizacionais, estratégias e recursos de ensino adaptados às especi-
ficidades de cada aluno, dentre outros.
Este estudo demonstrou que, mesmo sendo uma prática complexa, são
necessárias mudanças estruturais e conceituais nesse novo cenário de aten-
dimento educacional a alunos com NEE, para garantir a permanência dos
mesmos na escola comum e não somente seu acesso. Assim, é necessária a
realização de mais pesquisas relacionadas ao tema “autismo e inclusão”, a
fim de melhor subsidiar o trabalho dos professores e trazer novas orientações
para os pais, uma vez que, as informações referentes ao autismo e ao proces-
so de inclusão desses alunos são escassas.
288

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PESQUISA PARTICIPANTE: interlocuções
sobre a produção de um módulo instrucional
com professores da educação básica

Nara Alinne Nobre da Silva


Claudio Roberto Machado Benite

Introdução

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores


em nível superior esclarecem que os cursos de formação inicial ou continu-
ada devem propiciar a construção do conhecimento por meio da pesquisa e
institui que a mesma é um princípio pedagógico essencial para o aprimora-
mento do profissional do magistério e da prática educativa (BRASIL, 2015).
Assim, entende-se que a pesquisa constitui-se como elemento funda-
mental para o desenvolvimento do saber e da consciência crítica e se aliada
à prática docente pode contribuir para a formação de um profissional crítico
e reflexivo. Há diferentes formas de estimular a pesquisa no âmbito esco-
lar. Demo (2000) apresenta que a elaboração de materiais didáticos e textos
científicos próprios representam desafios da pesquisa para o professor.
Guiados por essa premissa, no âmbito do Mestrado Profissional, em
Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Goiás – Unidade Anápolis,
foi realizada uma investigação junto à Subsecretaria Regional de Educação
(SRE) da cidade de Ceres/Goiás com intuito de conhecer a dinâmica de ofer-
ta e realização dos cursos de formação continuada. Por meio de entrevistas
com a coordenadora pedagógica e a técnica pedagógica, identificou-se a ne-
cessidade de incentivar os professores a elaborar materiais didáticos para o
ensino de Ciências e a partir da reflexão teórica conjunta entre pesquisadora
e grupo pesquisado (professores do Colégio Estadual João XXIII) desen-
volveu-se a investigação, contemplando elementos da Pesquisa Participante
(PP), seguindo a sequência metodológica proposta por Le Boterf (1984).
A PP possui um caráter de atividade que envolve investigação social,
trabalho educacional e ação, pois a mesma se mostra comprometida com
a resolução de um problema e não apenas com a produção de pesquisas.
292

Partindo desse pressuposto, a PP nessa investigação foi realizada em quatro


etapas: montagem institucional do projeto – proposta de produção de mate-
rial instrucional, contendo conteúdos sugeridos pelos professores da escola a
partir da reflexão de seus contextos e de suas práticas pedagógicas; estudo da
população envolvida – caracterização dos participantes da pesquisa; análise
crítica dos problemas a serem resolvidos – investigação sobre a produção de
materiais didáticos; execução de um plano de ação – elaboração e avaliação
do módulo instrucional.
Nesse capítulo, discorre-se sobre a proposta de uma pesquisa que
buscou atuar na formação continuada de cinco professores, utilizando a
Pesquisa Participante (DEMO, 2004; LE BOTERF, 1984), como proposta
para a participação ativa dos docentes na reflexão e na construção de um
material didático voltado para o ensino de Ciências do ensino médio. Assim,
apresentam-se as etapas que culminaram na criação do módulo instrucional
intitulado Química – Mineração: Riquezas e Impactos e a importância de os
professores serem protagonistas na construção de materiais que os auxiliem
na dinâmica do processo de ensino aprendizagem.

A pesquisa enquanto instrumento para a formação de


professores reflexivos

Para Demo (2000), o alicerce da educação escolar consiste na pesquisa,


sendo esta, pressuposto fundamental para que o indivíduo adquira conheci-
mento e condições de intervir na construção de uma sociedade ética, política
e solidária. Logo, considerar o aluno como agente passivo e simples receptor
de informações descaracteriza a função social e educativa do ambiente esco-
lar. Contudo, a efetivação desta proposta exige primeiro que os professores
estejam preparados para trabalhar a pesquisa como subsídio formativo na
educação básica. Esta preparação deve ocorrer tanto em nível de formação
inicial como continuada, pois favorece o questionamento reconstrutivo.
O trabalho docente enseja postura reflexiva intermediada por decisões
que abarcam conhecimentos teórico e prático. Nesta conjuntura, Maldaner
(2003) discute sobre as dificuldades que os professores sentem quando se
veem diante de situações que exigem uma postura guiada por uma formação
que conjugue ensino/pesquisa:

Ausentes de rituais da pesquisa, alijados dela pela formação ambien-


tal, os professores têm dificuldades, até mesmo, de julgar um progra-
ma novo de ensino, um livro didático ou de produzir as suas aulas com
independência e autonomia. Tudo isso poderia ser superado, penso, se
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 293

desenvolvêssemos mais a ideia da pesquisa do professor como algo


inerente à sua atividade profissional. Até mesmo o desenvolvimento
da ideia de professor/pesquisador exige que façamos tentativas na prá-
tica e, assim, ela se torne mudanças reais nas práticas dos professores
(MALDANER, 2003. p. 245).

A formação baseada no domínio de conteúdos é visivelmente criti-


cada nos dias atuais, mas vestígios deste modelo de formação são ainda
relutantes. Por outro lado, a reestruturação da postura docente envolve
ações que explorem os aspectos que remetem à prática, que sejam dinâ-
micos e didáticos, por exemplo, subsidiando os professores com auto-
nomia para a escolha de materiais didáticos, analisando aspectos ideoló-
gicos, políticos e as necessidades regionais. Acredita-se que o processo
de pesquisa associada à ação pedagógica e conjugada ao ensino possa
contribuir para essa reestruturação.
A pesquisa incita desafios para o professor, no momento que envolve
consciência crítica, estudo de problemas, propostas de soluções, trabalhos
em grupo, dentre outros. Assim, Demo (2000) esquematiza cinco desafios
para a pesquisa com foco no professor.
O primeiro desafio consiste em (Re)construir projeto pedagógico pró-
prio. O projeto pedagógico do professor atua como uma carta de apresenta-
ção, pois revela a ideologia do profissional, sua visão de ensino, de cidadania
e de política. Ocorre que ninguém mantém inelutavelmente a mesma postura
por toda vida, pois existe no processo prático do trabalho do professor, uma
atividade de construir e reconstruir permanentemente o projeto pedagógico.
Isto implica uma postura teórica e autocrítica, capacidade de fundamentar
ideias com começo, meio e fim, de apresentar propostas próprias, qualidades
inerentes ao professor pesquisador.
O segundo desafio incide sobre a produção de textos científicos próprios,
que deve acompanhar o desenvolvimento da carreira docente. Para isto, o pro-
fessor deve descobrir seu tema de interesse, realizar estudos, aprofundar suas
leituras, a partir de um sistema que preconiza a consolidação de base teórica e
solução de problemas que emergem junto com a prática da pesquisa.
A elaboração desses textos, dentro de princípios metodológicos, com-
preende alguns cuidados básicos: deve-se partir de uma hipótese de trabalho;
delimitar o tema e critérios de leitura; fundamentação teórica que permita
argumentações e contra-argumentações; apresentação de dados empíricos ou
teóricos. Todo esse rigor metodológico busca uma interação entre teoria e
prática. Demo (2000) discute que, entre os professores, a teoria não é uma
virtude abundante, mas que os mesmos são ricos em práticas e, portanto,
294

existe nelas uma chance inigualável de pesquisa. Assim, a prática também


reconstrói conhecimento, desde que volte à teoria.
Como terceiro desafio da pesquisa com foco no professor está a cons-
trução de material didático próprio. É certo que na escola, o professor irá
encontrar material didático disponível, no entanto, isto não significa que es-
tes atendam as especificidades de sua disciplina, assim como a realidade da
escola e da região.
O professor precisa ter condições de perceber essas fragilidades, de
criar materiais que atendam aos parâmetros legais e aos princípios de cada
disciplina. Esta construção é positiva no momento em que incentiva o pen-
samento autônomo e autoformação, deixando para trás um processo pautado
por um ensino tradicional, que distancia o conhecimento teórico e prático e/
ou o específico e pedagógico, fazendo com que o professor atue como sim-
ples executor de atividades preestabelecidas. Neste contexto, Santos (2007,
p. 2) pontua que “para ocorrer uma mudança na qualidade do trabalho do
professor é fundamental que a sua prática docente se estabeleça em novas
bases e esse processo depende, dentre outras coisas, da elaboração/utilização
de materiais didáticos”.
Demo (2000) coloca em pauta que a formação de um cidadão crítico
anseia por metodologias que extrapolem a aula meramente expositiva, que
convirjam para a reconstrução de propostas próprias, que perpassam a con-
cretização de um material didático por parte do professor:

Se queremos um cidadão competente formal e politicamente, a aula


meramente expositiva apenas atrapalha e faz da escola acentuadamen-
te uma perda de tempo. Será mister preferir didáticas reconstrutivas,
que sejam mais aptas a estabelecer o relacionamento fecundo de sujei-
tos. Para isso serve a feitura de material didático próprio em primeiro
lugar (DEMO, 2000, p. 46).

O trabalho docente aliado à pesquisa guarda ainda um elemento es-


sencial: inovação da prática didática, o que caracteriza o quinto desafio. O
professor está sempre se renovando, muitas vezes frente às dificuldades e
ao fracasso escolar, representado pelas dificuldades de aprendizagem, pelo
baixo rendimento, pela falta de materiais complementares. Cabe ressaltar
que esta inovação só é verdadeiramente efetiva quando permeada pelo pro-
cesso de reconstrução do pensamento e da prática docente, pois são esses
elementos que nortearão o trabalho do professor, buscando mudanças que
envolvem: organização do processo avaliativo sobrepondo os aspectos qua-
litativos sobre os quantitativos; elaboração de materiais didáticos próprios
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 295

que apresentem propostas motivadoras; organização do currículo; autoava-


liação (DEMO, 2000).
O quinto desafio da pesquisa para o professor consiste na necessida-
de de recuperar constantemente a competência. Historicamente, observa-se
que o processo de formação de professores ofertado pelas Escolas Normal,
posteriormente por cursos de licenciatura curta e licenciatura parcelada não
conseguiam aliar teoria e prática, pois representavam modelos que se distan-
ciavam da realidade do contexto escolar e, logo, do processo de pesquisa.
O ato de recuperar competência coloca ênfase sobre a oferta de cursos
bem estruturados, que considerem as problemáticas do trabalho docente, que
favoreçam a pesquisa, a inovação e a discussão de modo argumentativo.
Para Demo (2000), a competência esperada no professor pode ser resumida
em pesquisa, elaboração própria, teorização das práticas, atualização perma-
nente e manejo eletrônico.
Como já apresentado, a pesquisa enquanto elemento presente no coti-
diano do professor pode atuar como um importante instrumento para a me-
lhoria do fazer docente. Portanto, é preciso superar a dicotomia entre ensino e
pesquisa para propor programas e projetos fundamentados no modelo orien-
tado pela pesquisa. Coloquemos em pauta a fala de Maldaner (1999, p. 291)
“Defendo a ideia de que ensino e pesquisa constituem um ‘par conjugado’
para o exercício do magistério”. Esta conjugação deve se efetivar tanto nas
escolas, quanto nas universidades e nos cursos de formação continuada, pois
configurarão um novo espaço de discussão e desenvolvimento de propostas.
A integração entre pesquisa e ensino precisa superar uma barreira exis-
tente entre pesquisa realizada nas universidades e nas escolas de educação
básica, buscando colaboração entre os pesquisadores destes setores. Nesta
conjuntura, Zeichner (1998) propõe a participação dos professores da edu-
cação básica como coinvestigadores nas pesquisas acadêmicas, realizando
assim trabalhos colaborativos que busquem superar essa divisão:

Acredito que podemos ultrapassar a linha divisória entre os profes-


sores e os pesquisadores acadêmicos de três modos: 1) comprome-
tendo-nos com o corpo docente em realizar uma ampla discussão
sobre o significado e a relevância da pesquisa que conduzimos; 2)
empenhando-nos, nos processos de pesquisa, em desenvolver uma
colaboração genuína com os professores, rompendo com os velhos
padrões de dominação; 3) dando suporte às investigações feitas por
professores (forma como os professores preferem se referir a seus
trabalhos nos EUA) ou a projetos de pesquisa-ação, e acolhendo se-
riamente os resultados desses trabalhos como conhecimentos produ-
zidos (ZEICHNER, 1998, p. 10).
296

A proposta da formação de um professor-pesquisador concretiza-se


como um meio de reflexão e questionamento crítico. Segundo Contreras
(1994), a pesquisa pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia do
professor, pois:
a) articula conhecimento e ação como partes de um mesmo processo;
b) tem como sujeitos os próprios implicados na prática que se investiga, su-
perando a separação entre quem produz o conhecimento e quem atua como
docente; c) possibilita modificar a maneira como os professores entendem e
realizam a prática, criando condições para transformá-la; d) possibilita ques-
tionar a visão instrumental da prática, segundo a qual é possível a produção
de um conhecimento teórico a ser aplicado pelos professores.
Contudo, a proposta de formação de professores pesquisadores que
buscam a reflexão sobre o trabalho docente, a produção de conhecimento e
o comprometimento com a ação social perpassa por novas estruturas insti-
tucionais e apoio governamental para consolidação de um novo modelo de
cursos de formação inicial e continuada.

A Pesquisa Participante como proposta para trabalhos de


formação de professores

A pesquisa constitui-se como gênese do conhecimento gerada por um


processo de construção e reconstrução de ideias que envolve questionamen-
tos, debates e desenvolvimento de consciência crítica. Para Demo (2004), a
pesquisa engloba intenções metodológicas e política, abrangendo dois prin-
cípios: um que segue o viés científico e outro que segue o viés educativo.
O primeiro é caracterizado pelo cuidado com o processo de construção
do conhecimento, sobretudo pelos aspectos metodológicos. O segundo pelo
valor pedagógico da pesquisa que abarca, entre outros, o caráter formativo e
educativo, a mesma atua como instrumento que possibilita ao professor con-
dições de propor mudanças para as atuais situações de opressão, nas quais a
classe dominante detém o conhecimento e utiliza de ideologias para impor e
justificar a dominação vigente. Contudo, isso exige do professor reflexão e
uma formação que permita teorizar sua prática docente, inclusive sua parti-
cipação ativa no contexto social, requer “professores que produzam conhe-
cimentos sobre o pensar e o fazer docentes, de modo que o desenvolvimento
dessas atitudes e capacidades permita-lhes reconstruir saberes, articular co-
nhecimentos teóricos e práticos e produzir mudanças no trabalho docente”
(LISITA; ROSA; LIPOVETSKY, 2001, p. 109) emergindo assim, a necessi-
dade do professor envolvido em todas as etapas da pesquisa.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 297

Segundo Demo (2004) existem diferentes tipos de categorização de


pesquisa: pesquisa teórica, pesquisa metodológica, pesquisa empírica e pes-
quisa prática, tomada como sinônimo de Pesquisa Participante (PP). Sobre
estas tipologias é possível registrar:

A pesquisa teórica organiza quadros teóricos de referência e amarra


sistematizações teóricas, que são importantes para qualquer intento
explicativo; a pesquisa metodológica leva a amadurecer opções me-
todológicas e a fundamentar porque cremos que aquilo que fazemos
deva ser reconhecido como científico, sugerindo a elaboração de ins-
trumentos teóricos e metodológicos de explicação da realidade; a pes-
quisa empírica produz a experimentação, obtida, geralmente, por meio
de instrumentos quantitativos; a PP funda cientificamente uma opção
política e trabalha com pertinácia componentes qualitativos da reali-
dade (DEMO, 2004, p. 46).

A partir das características citadas acima, a PP se aproxima dos obje-


tivos deste trabalho, pois seu caráter teórico, prático e político justifica o
envolvimento dos professores no decorrer da pesquisa e atua como momento
para investigação sobre a atuação docente e para repensar a prática pedagó-
gica, subsidiando a formação dos mesmos.
Envolver os professores em um trabalho pautado pelos princípios da
PP consolida um momento oportuno para que os mesmos assumam posturas
reflexivas e críticas sobre suas ações, embasadas em interrogações e análises
sobre seu próprio trabalho, gerando transformações em seu pensamento e
prática, desconstruindo a senso comum de que o professor deve seguir regras
ou técnicas que são impostas por outras pessoas.
Intenciona-se que através da articulação entre pesquisa e formação, os
sujeitos consigam refletir sobre seus saberes e sobre o seu contexto de atu-
ação e ainda, produzir conhecimento acerca do trabalho docente. Na PP, os
sujeitos precisam estar ativos, o pesquisador é um orientador e deve criar
condições para que os envolvidos busque sua independência (DEMO, 2004).
Neste contexto, entre os princípios da PP estão:

a) todos os métodos de pesquisa estão impregnados de implicações


ideológicas; b) o processo de pesquisa não pode esgotar-se em produto
acadêmico, mas representar benefício direto e imediato à comunidade,
ou seja, deve ter alguma utilidade prática social; c) a comunidade ou a
população deve ser envolvida no processo inteiro, até a busca de solu-
ções e à interpretação dos achados; se a meta é mudança, deve haver
envolvimento de todos os interessados nela (DEMO, 2004, p. 96).
298

É certo que existe uma resistência da população ao envolvimento com


projetos, no entanto, isso pode ser reflexo das inúmeras pesquisas com cunho
tradicional, interessadas num simples produto acadêmico, que considera a
população agente passivo, incapaz de analisar e propor soluções para seus
problemas (ZEICHNER, 1998).
A PP vai ao contrário da pesquisa tradicional, a seleção de problemas a
serem estudados emerge da população envolvida, que os discute com espe-
cialistas apropriados, não emergindo apenas da simples decisão dos pesqui-
sadores (LE BOTERF, 1984). Neste sentido, a formação do professor pela
pesquisa pode influenciar mudanças na realidade educacional, pois na PP, o
mesmo pode se tornar investigador da própria prática.
Apresentamos aqui, o modelo de PP que comporta as quatro fases pro-
posta por Le Boterf (1984): montagem institucional e metodológica da pes-
quisa participante; o estudo preliminar e provisório da região e da população
envolvida; análise crítica dos problemas que a população considera prioritá-
rios e que os seus membros desejam estudar e a programação e aplicação de
um plano de ação que contribua para a solução dos problemas encontrados.
Partindo destas fases, defendemos que a população em estudo é uma comu-
nidade que participa ativamente na análise de sua própria realidade. A pes-
quisa é uma atividade educacional e orientada para a ação popular, na qual
existe um diálogo entre a população e os pesquisadores.

Interlocuções sobre uma Pesquisa Participante: A construção


de um módulo instrucional com professores da Educação Básica

Na cidade de Ceres, os cursos de formação continuada de professores


são organizados e estruturados pela Subsecretaria Regional de Educação
de Ceres (SRE). Assim, foi realizada uma entrevista com três represen-
tantes da SRE (técnica pedagógica/ coordenadora pedagógica/ tutora pe-
dagógica) e permitiu identificar que, grande parte dos cursos oferecidos,
são delineados pela Secretaria de Educação do Estado de Goiás, que a
mesma determina os temas e encaminha os materiais que devem ser se-
guidos. Estes materiais são utilizados durante os cursos e repassados para
os professores, em geral no formato de mídias. Em meio à entrevista, ob-
servou-se que os cursos oferecidos apresentavam fragilidades, no sentido
de fomentar a formação continuada de professores reflexivos, do incentivo
a pesquisa e de produção de materiais didáticos próprios, em especial na
área de Ciências, conforme apresentadas pelas falas do professor formador
(PF) e técnica pedagógica (PT):
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 299

PF- Já foi ofertado algum curso que incentiva o professor a produzir


seu próprio material? Já teve algum curso relacionado a esta área?
PT- Nós tivemos duas professoras aqui da regional... que participa-
ram do intercâmbio (nos EUA). Então, quando elas chegaram, fize-
mos um momento específico para os professores de Língua Inglesa, e
neste curso, por exemplo, eles elaboraram inúmeras atividades para
usarem em sala de aula. Construíram e confeccionaram material di-
dático, já saíram daqui com o material pronto, tudo aquilo que elas
viram lá, elas chegaram e passaram aqui. E nessas formações de co-
ordenador pedagógico, a gente tá sempre sugerindo para que o coor-
denador pedagógico construa com o professor da escola.
PF- Esse material foi produzido na área de Língua Inglesa. Na área
de Ciências da Natureza, de Química, especificamente, você recorda
de algum material que já tenha sido construído?
PT- Não, nessa área não. Nessa área as escolas nossas são bem am-
paradas, porque tem os laboratórios, né.

A entrevista indicou que a construção do material didático citado por


PT foi um evento isolado, revelando que há necessidade de explorar ativida-
des direcionadas a este fim. No final da fala, observamos que há apenas su-
gestões de que o coordenador pedagógico da escola oriente os professores a
desenvolver materiais próprios, pois concordamos com Demo (2000) de que
a produção de materiais é um momento propício para aproximar o professor
dos desafios da pesquisa e ainda estratégia direcionada para que os mesmos
reflitam sobre temas de interesse de estudo.
Nesse trabalho, utilizando a pesquisa como instrumento formativo e
momento para produção de conhecimentos, desenvolveu-se junto a cinco
professores de uma escola pública da cidade de Ceres, Goiás, uma investiga-
ção que culminou na construção de um Módulo Instrucional interdisciplinar,
voltado para o ensino de Ciências da primeira série do Ensino Médio. Assim,
apresentam-se as etapas desta investigação, assim como, as características
do material didático construído. Foram priorizados momentos de diálogos
entre pesquisador e grupo participante, com intuito de valorizar o conheci-
mento adquirido e a partir das discussões sobre a prática docente, criar um
espaço para a formação dos envolvidos.

As fases da Pesquisa

Na primeira fase da PP, que consiste na Montagem Institucional e


Metodológica os organizadores da pesquisa, devem realizar tarefas que com-
preendam: discussão do projeto de pesquisa participante com a população e
300

seus representantes; definição de objetivos, métodos e hipóteses; delimita-


ção da região a ser estudada; elaboração de um cronograma e distribuição de
tarefas (LE BOTERF, 1984). Tarefas estas que podem e devem ser adaptadas
de acordo com o projeto.
Nesse contexto, a Subsecretaria indicou-nos a única escola de ensino
médio da cidade para a execução da proposta. Em seguida, foi realizada uma
visita ao Colégio Estadual João XXIII e agendada a apresentação da propos-
ta da pesquisa para planejamento coletivo do dia 28 de fevereiro de 2015, a
fim de salientar os professores interessados em participar da construção des-
se módulo instrucional, colaborando com a escrita e com os conhecimentos
adquiridos no decorrer de suas atividades profissionais.
Na reunião, estavam presentes 18 professores e desses, 6 manifesta-
ram interesse em participar da pesquisa: sendo duas professoras de Química,
duas professoras de Biologia, uma Pedagoga que trabalha como professo-
ra de apoio e um professor de Sociologia. Foi proposta a organização de
um grupo de estudo que tinha por princípio a discussão e reflexão sobre a
prática docente e a construção de um módulo instrucional, organizado com
base nos momentos pedagógicos: Problematização inicial, Organização do
Conhecimento e Aplicação do conhecimento (DELIZOICOV, ANGOTTI,
PERNAMBUCO, 2011). Contudo, era preciso que os participantes decidis-
sem um tema para a construção do mesmo.
Para guiar a escolha, durante a apresentação discutiu-se sobre os temas
sugeridos pelas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais e, também, temas que se aproximavam do contexto
da cidade de Ceres/GO. Logo, a unidade temática escolhida foi Mineração. A
escolha do tema é justificada pelo panorama de produção mineral do Brasil,
da região Centro-Oeste e do Norte do Estado de Goiás, onde se situa a cidade
de Ceres. A região norte do estado é beneficiada com diferentes mineradoras,
dentre elas Yamana Gold (Alto Horizonte), Anglo American (Niquelândia e
Barro Alto) que exploram minérios de cobre, ouro, níquel, cobalto e outros,
além de mineradoras desativadas em Pilar de Goiás e Campos Verdes.
A segunda fase consistiu no estudo preliminar e provisório da região e
da população envolvida. Nesta fase da PP, utilizamos os objetivos da pes-
quisa para direcionar o diagnóstico da região e da população envolvida.
Ressaltamos que em casos que se julguem necessários, o diagnóstico pode-
-se seguir as três partes indicadas por Le Boterf (1984): Identificação da
estrutura social da população pesquisada; descoberta do universo vivido pela
população de pesquisados e recenseamento dos dados socioeconômicos e
tecnológicos. Este tipo de informação permite caracterizar a homogeneidade
ou heterogeneidade do grupo.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 301

Nessa fase, utilizou-se de entrevistas e questionários semiestruturados


para o levantamento de dados que permitisse traçar o perfil dos professores,
a compreender os recursos metodológicos e materiais utilizados pelos mes-
mos no planejamento de suas aulas e registrar os elementos e as caracterís-
ticas que eles achavam importante para compor os módulos instrucionais.
Embora 6 professores tenham manifestado interesse em participar da pesqui-
sa, no início das atividades, apenas 5 se dispuseram a participar: uma profes-
sora de Química, duas professoras de Biologia, um professor de Sociologia e
uma professora de apoio. A tabela 1 apresenta uma breve caracterização dos
professores participantes da pesquisa.

Tabela 1 – Caracterização dos professores participantes da pesquisa


Completa carga
Tempo de atua- Carga horária
Professor Idade horária em
ção na docência cumprida
outra Instituição
1 25 6 meses 36 horas Não
2 38 15 anos 60 horas Não
3 41 15 anos 40 horas Sim
4 50 2 anos 40 horas Não
5 51 15 anos 40 horas Sim

Dentre os participantes, quatro cumprem 40 horas semanais na escola,


um faz 60 horas e outro, 36 horas, caracterizando uma carga horária extensa,
ficando os mesmos com pouco tempo disponível para pesquisas e desenvol-
vimento de projetos, como pontuado pelos próprios professores:

PF - Quais principais dificuldades você encontra no processo de en-


sino aprendizagem?
PFC1 - Recursos disponíveis, tempo para desenvolver pesquisas e
estudar mais, interesse dos alunos.
PFC2 - Carga horária.
PFC3 - Carga horária (O tempo se torna pouco para confecção de
muitos materiais).

Conforme estudo realizado por Sá Moura (2009), a intensa carga ho-


rária prejudica não apenas a qualidade do ensino, mas também se constitui
como um obstáculo para os professores que precisam de qualificação. Entre
os participantes, além da intensa carga assumida na escola onde foi desen-
volvida a pesquisa, dois trabalham em outras Instituições.
Demo (2000) discute sobre a importância de os professores constru-
írem seus próprios materiais. Contudo, os sujeitos da pesquisa afirmaram
302

que nunca utilizam materiais de sua própria autoria, sendo as fontes mais
utilizadas os livros didáticos (LD) e textos da internet, corroborando com
dados expostos por Santos (2006, p. 13) de que os LD se constituem como a
“principal ferramenta utilizada por professores do ensino médio para plane-
jarem e ministrarem suas aulas”.
A análise crítica dos problemas prioritários identificados junto ao grupo
caracteriza a terceira fase da PP e tem como princípio a compreensão e a
transformação da realidade. Para Le Boterf (1984):

O objetivo das atividades de análise crítica é o de promover, nos gru-


pos de estudo, um conhecimento mais objetivo dos problemas e da
realidade. Deve-se partir dos fenômenos para buscar o essencial, além
das aparências e das relações cotidianas imediatas. Os problemas não
devem somente ser descritos, mas explicados, a fim de procurar as
estratégias possíveis de ação (LE BOTERF, 1984, p. 63).

A terceira fase reforça a importância de um profissional que atue em


equipe, pois a proposição de estratégias deve ser construída coletivamente,
atendendo a necessidade do grupo. A partir daí, deve-se estruturar quais são as
soluções que podem ser implantadas de forma imediata e as que exigem prazo
mais longo, ou mesmo outro tipo de intervenção. Buscando atender esta etapa,
foram organizados momentos de diálogos para que os professores conseguis-
sem tecer estratégias para a construção dos módulos instrucionais. Buscamos
fundamentações teóricas que solidificaram os diálogos e proporcionaram a in-
terpretação e a proposição de alternativas as necessidades encontradas.
Outro ponto discutido, nos encontros, incide sobre a relevância dos pro-
fessores produzirem seus próprios materiais didáticos, sobretudo a constru-
ção destes em parceria com seus pares, trocando conhecimentos teóricos e
também suas experiências, pois estes momentos de diálogos favorecem o
processo de reflexão sobre o trabalho docente e as necessidades educacio-
nais dos alunos. Para Zeichner e Liston a reflexão é um ato dialógico, cons-
tituído como uma das dimensões do trabalho pedagógico, que precisa ser
concretizado no espaço escolar (GERALDI, MESSIAS E GUERRA,1998).
Colocaram-se também em pauta, as dificuldades para que os professores
produzam seus materiais, como a disponibilidade de tempo, incentivo dos
programas governamentais.
Nessa conjuntura, através dos diálogos, buscou-se de forma conjunta,
entre pesquisadora da Universidade e professor da Educação Básica, delinear
os aspectos principais para a construção do material. Questionados nos en-
contros, os professores foram incitados a refletirem sobre suas experiências
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 303

e conhecimento de materiais didáticos utilizados em sala de aula ou em ou-


tros ambientes, para estruturar e colaborar na construção de um material que
atendesse à necessidade dos alunos. Acredita-se que através de sua prática,
o professor apropria-se e desenvolve conhecimento, portanto, a importância
destes terem a oportunidade de produzir seu próprio material.
Em relação às características pontuadas pelos professores para a com-
posição do material estão:

PG3 - Deve ser de fácil manuseio e bem colorido.


PG4 - Ser atrativo para o aluno com temas atuais e que traz uma
interação de conteúdos interdisciplinares e atividades diversificadas.
PG5 - Informações gerais fieis à realidade social.

Após essas discussões, passou-se a quarta fase da PP. Segundo Le


Boterf (1984), na quarta fase, é importante delimitar quais são as soluções
que podem ser implantadas de forma imediata e as que exigem prazos mais
longos. Assim, decidiu-se por programar um plano de ação que atendesse a
necessidade formativa relacionada à produção de material didático e a re-
alização desta em grupo. Outras necessidades foram identificadas, como a
de oferecer cursos de formação continuada que atendessem as temáticas de
interesse do grupo. Contudo, isso demandaria um tempo maior que o dispo-
nível para concretizar a investigação.
De acordo com a estrutura proposta por Le Boterf (1984), o plano de
ação elaborado deve comportar: atividades que subsidiem a análise dos pro-
blemas e as situações vividas; medidas que possam melhorar a situação a
nível local e outros. O objetivo é que todo grupo participe das decisões.
Portanto, os pesquisadores impulsionados pelo interesse em uma pes-
quisa que defende a reflexão e a criticidade, investidos pela possibilidade da
comunidade ser ativa no processo de ação social e planejamento de estraté-
gias, mediada por processos reflexivos, propõem a elaboração e aplicação de
módulos instrucionais. Os módulos são construídos a partir de conteúdos,
estratégias e metodologias pontuadas pelo grupo de professores participan-
tes da pesquisa. O plano de ação visa à melhoria das práticas pedagógicas
dos professores e o ensino como uma prática social, à medida que eles serão
autores de seus próprios materiais e poderão atender as necessidades especí-
ficas da região e da escola que atuam.
O plano de ação foi estruturado nos primeiros encontros do mês de
Maio de 2015, partindo dos saberes docentes (TARDIF, 2010) para discutir
a estrutura do módulo instrucional a ser construído. De maneira geral, este
304

processo pode ser esquematizado em duas etapas: Determinação dos temas,


conteúdos e estrutura básica do módulo instrucional e Avaliação do material.
A definição dos temas foi intermediada por assuntos que propiciassem
aos alunos compreender desde os aspectos históricos da produção mineral no
Brasil, as técnicas de extração até o beneficiamento do minério. E também,
que permitisse englobar um número maior de conteúdos das disciplinas mi-
nistradas pelos professores envolvidos na construção do material (Química,
Biologia e Sociologia). Na Tabela 2 estão esquematizados os assuntos que o
grupo propôs para cada Unidade.

Tabela 2 – Assuntos/Conteúdos propostos para


as Unidades do módulo instrucional
Unidade Assuntos/Conteúdos
Aspectos históricos e econômicos da mineração no Brasil e em Goiás, regiões
1 geográficas do Brasil, PIB, exploração de ouro no século XVII, doenças causadas
por exposição a minérios, importância dos minerais para os seres vivos.
Características dos minerais, elementos químicos, relaçao entre Ciência e
a Tecnologia e a descoberta de novos elementos químicos, tabela periódica,
2
metais e ametais, impactos ambientais causados pela mineração, função dos
elementos químicos no organismo.
Formação e tipo de rochas, propriedades físicas e mecânicas do minerais, teoria
3
ácido-base, escala de pH, óxidos, equilíbrio ácido-base no organismo.
Mina a céu aberto e galeria, processo de extração, beneficiamento e purificação
4 do minério, reações químicas, reações químicas nos seres vivos, influência
da tecnologia na produção mineral.

Após determinação dos conteúdos propostos na Tabela 2, passou-se a


etapa de planejar a escrita do material. Neste momento, o grupo se mostrou
engessado, em função de disponibilidade de tempo. Conforme Sá Moura
(2009), o fato dos professores cumprirem uma extensa carga horária em sala
de aula, dificulta que os mesmos dispensem tempo para outras atividades,
sobretudo dediquem-se a curso ou programas de capacitação. Percebeu-se
a necessidade de buscar novas estratégias para garantir a participação dos
professores, e evitasse sobrecarregá-los, correndo o risco de desistirem da
pesquisa. Assim, a proposta seguiu os objetivos traçados na primeira etapa,
em que a pesquisadora da Universidade ficou responsável pela escrita e os
pesquisadores da Educação Básica pela análise conjunta, tanto no que se
refere à escrita, como indicação de textos, de pesquisas e atividades.
Entendemos que o processo de formação docente que busca aliar refle-
xão/pesquisa exige participação ativa e envolvimento dos professores, con-
tudo, não é apenas volitivo, está interligado entre outras, pelas condições
institucionais oferecidas. Como exigir professores engajados com pesquisas
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 305

e projetos se as condições de trabalho não os incentiva? Maldaner (2003) ao


relatar sobre a constituição de grupos de estudo e pesquisa, revela que apesar
dos professores nunca se negarem a participar e realizar leituras de textos
complementares, as condições concretas de trabalho, como as condições de
tempo e espaço, limitam a participação deles.
Passando à etapa de avaliação do material, as pontuações dos professo-
res estavam, no geral, concentradas na problematização inicial e na aplica-
ção do conhecimento. As falas de PFC2 e PFC4 indicam questionamentos a
serem inseridos, no primeiro momento pedagógico:

PFC2 - Quais os impactos ambientais são provocados pela atividade


mineral? A vida dos trabalhadores na mineração sofre danos, quais?
PFC4 - Quais os interferentes do setor mineral para a economia do
Estado de Goiás e do Brasil? O nosso contexto social sofre mudanças
por ações interligadas a Mineração?

Ao fazer essas propostas, acredita-se que os professores utilizaram de


reflexões sobre um conhecimento intuitivo, espontâneo e experiencial para
propor questões que induzam não apenas a conhecimentos teóricos disci-
plinares, mas questões que permitam criar um espaço interativo e de diálo-
go. As questões propostas por PFC2 e PFC4 podem conduzir os alunos a
um pensamento crítico em relação à mineração, a seus impactos ambientais
(pouco difundidos) e as interferências ao contexto local, proporcionado dis-
cussões interdisciplinares.
Entre as outras alterações registradas pelos professores estão:

PFC1 e PFC3 - Inserir atividades experimentais, indicação de vídeos...


PFC1 - Inserir a atividade experimental que utilize materiais do coti-
diano para o conteúdo de ácido-base.
PFC2 - Atividades lúdicas... Textos sobre os riscos da mineração para
os trabalhadores.
PFC5 - Discutir a função dos elementos químicos no organismo. Você
pode utilizar o livro do Amabis, vou trazer ele...

Para contemplar as sugestões acima foi criado, no módulo instrucional,


a seção Química de um Jeito Divertido, que propõe na Unidade 2, a ativi-
dade do Bingo Bio-Químico. Esta atividade alia o estudo dos símbolos dos
elementos químicos, das famílias da tabela periódica e das funções biológica
dos elementos químicos para o organismo dos seres vivos. Nas Unidades 3 e
4 foram inseridas as seguintes atividades experimentais: Identificando os mi-
nerais; Extrato de repolho roxo, como indicador de pH e Reações Químicas.
306

A indicação de vídeos também foi contemplada, entre os vídeos suge-


ridos estão: Projeto Minas-Rio; Vale Tudo: A mineração no Brasil; Tudo se
transforma, História da Química, Tabela Periódica e A Química do Fazer,
Metais Siderurgia. Estes vídeos foram pesquisados via internet e se encon-
tram disponíveis no site do You Tube. Para a Unidade 4, foi construído um
vídeo com imagens filmadas em uma mina desativada, da cidade de Ouro
Preto, MG. Este vídeo permite ao professor trabalhar assuntos relacionados
ao modo como a Ciência e a Tecnologia têm interferido nos meios de produ-
ção, as condições de trabalho nas minas, os aspectos históricos e lendas das
minas do século XVIII.
Guiados pelo pressuposto da riqueza do trabalho em grupo, pela possi-
bilidade de estabelecer parcerias e do crescimento profissional, intencionou-
-se que a avaliação final do material ocorresse de forma conjunta. Entretanto,
por dificuldades em marcar os encontros, a pesquisadora elaborou questio-
nários abertos e enviou por e-mail, juntamente com o material, para que os
professores avaliassem e registrassem as possíveis alterações.
Cada questionário continha de 5 a 7 questões, que se referiam a estru-
tura do material, ao conteúdo, a qualidade das informações e a adequação
dos conteúdos ao nível de ensino proposto. Os cinco professores participan-
tes da pesquisa receberam o questionário, mas apenas dois responderam.
Posteriormente, a pesquisadora foi à escola e apresentou o material impresso
aos professores que não haviam respondido o questionário, mas eles não
fizeram nenhuma pontuação.
Durante as etapas da PP, buscou-se valorizar a participação dos profes-
sores, seus saberes, assim como criar contornos para problemas referentes
à disponibilidade de tempo e dedicação à pesquisa. No entanto, após sete
meses da pesquisa, três dos professores já não participavam frequentemente
dos diálogos e não fizeram a avaliação final do módulo instrucional.
Em contraponto, os registros de PFC1, no que tange a avaliação do
material, revelam reflexões voltadas tanto para a prática dos professores,
afirmando que os textos complementares às Unidades do módulo instrucio-
nal podem contribuir para o planejamento das aulas, atuando como um ins-
trumento de apoio. As principais características do material estão indicadas
na Tabela 3.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 307

Tabela 3 – Principais características do módulo instrucional


Seções Descrição
Representadas por entrevistas realizadas com pessoas
Cidadão da comunidade, tem por finalidade aproximar o aluno com
em Foco notícias, informações sobre como a Ciência e a Tecnologia têm
influenciado os meios de produção nas mineradoras.
Cada Unidade contém um conjunto de fotos originais tiradas em
oficinas de produção de joias, amostras de minerais, museus de
Álbum Mineral
mineralogia e mineradoras, que buscam através das imagens,
instigar a curiosidade dos alunos pela temática.
Os textos complementares relacionam o conteúdo da Unidade
Textos
com temáticas diversas, que podem propiciar discussões
Complementares
interdisciplinares interligadas ao contexto social e econômico.
Um pouco Esta seção tem por objetivo identificar especificidades do contexto
de História histórico,que podem trazer significados ao conteúdo em estudo.
Apresentam atividades lúdicas e experimentais que podem
Química de um
favorecer a diálogo e a interatividade no processo de ensino-
Jeito Divertido
aprendizagem, além da relação teoria experimento.
Para Aprender Aparece no decorrer das Unidades, com indicação de pesquisa
Mais que podem dar suporte teórico ao aluno.

O módulo instrucional foi intitulado, “Química – Mineração:


Riquezas e Impactos.” A disciplina de Química é o eixo norteador do
módulo instrucional, mas o mesmo abarca de maneira interdisciplinar as-
suntos referentes às demais disciplinas. Esperamos que o material possa
contribuir com o desenvolvimento de aulas dinâmicas e a formação de
um cidadão crítico e consciente.

Considerações Finais

As entrevistas realizadas com representantes da SRE (Coordenadora do


Núcleo Pedagógico, Técnica Pedagógica e Tutora pedagógica) foram essen-
ciais para compreender a dinâmica de oferta dos cursos de formação contí-
nua, assim como salientar as possíveis fragilidades, principalmente porque
no âmbito da PP, identificar os problemas junto à realidade dos participantes
é fator primordial para o sucesso da pesquisa. Compreendemos que as fra-
gilidades apontadas durante a pesquisa, como o pouco incentivo a cursos
pautados pelo desenvolvimento de pesquisas, de produção de materiais didá-
ticos, da prática reflexiva e da compreensão que o ensino e a prática docente
se estabelecem em um contexto balizado por questões políticas, econômi-
cas, culturais, não foram resolvidas apenas com esta pesquisa, mas que se
constituiu como uma atividade orientada que implicou, para os professores,
reflexões sobre sua prática, sua formação e o contexto onde ela se solidifica.
308

Quanto à disponibilidade dos professores para participarem da pesqui-


sa, nossos resultados apontam que apesar da necessidade, poucos professo-
res se disponibilizam a aproximação Universidade – Escola, alegando ônus
sem bônus. Como apresentado nos resultados, apenas 05 se dispuseram a
participar, diversos fatores podem justificar essa ausência, como por exem-
plo, o fato de que os professores, na maioria das vezes, são considerados
sujeitos passivos e não encontram na pesquisa soluções para seus problemas,
a falta de incentivo das políticas públicas e o reconhecimento.
Os resultados afirmam a relevância do trabalho conjunto, com troca de
experiências e reflexões que subsidiem o processo formativo e o entendi-
mento de que o ensino se desenvolve num contexto sociopolítico, que não
é neutro, mas imbuído de uma ideologia. Evidenciam também os entraves
na participação efetiva dos professores durante pesquisas que exigem dispo-
nibilidade de tempo e dedicação, como por exemplo, na escrita do módulo
instrucional. Entendemos que para a proposta da pesquisa, a participação
dos professores durante a escrita seria enriquecedora, mas que o comprome-
timento dos mesmos, durante as etapas de definição de conteúdos, sugestões
de textos, atividades e pesquisa foram significantes para concretizar refle-
xões e ações que podem implicar mudanças na prática docente.
E embora todos os impasses, os envolvidos puderam perceber a possi-
bilidade de um trabalho em parceria, com reflexões teóricas e práticas assi-
métricas, contribuindo para a formação e melhoria da própria prática, funda-
mentais para um ensino de qualidade.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 309

REFERÊNCIAS

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CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO
APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS
DA NATUREZA NOS ANOS FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL

Ranib Aparecida dos Santos Lopes


Cibele Pimenta Tiradentes
Solange Xavier dos Santos

Introdução

A realidade do ensino aprendizagem de Ciências da Natureza nos anos fi-


nais do Ensino Fundamental instigou o desenvolvimento de uma pesquisa no
âmbito do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional
em Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Goiás (PPEC/UEG)
com o objetivo de investigar a formação dos professores, as principais difi-
culdades enfrentadas no exercício da docência e os resultados da aprendiza-
gem de Ciências da Natureza nos anos finais do Ensino Fundamental (EF),
tendo como referência a rede estadual de Educação do estado de Goiás.
O problema do ensino aprendizagem de Ciências nos anos finais é bas-
tante amplo. Alguns fatores identificados no decorrer da pesquisa, como a
carência de formação docente na área de atuação (LOPES et al., 2016), bem
como as dificuldades enfrentadas pelos professores na prática pedagógica,
como mostrado a seguir, justificaram a produção do material que é aqui apre-
sentado e discutido.
O presente trabalho visa compartilhar o processo de construção dos pro-
dutos educacionais resultantes dessa pesquisa que constituem na organização
e realização de quatro edições do “I Encontro de Formação Continuada para
professores de Ciências da Natureza” de diferentes Subsecretarias regionais
de Ensino de Goiás e do desenvolvimento do “Guia pedagógico: Sugestões
de atividades diversificadas para o ensino aprendizagem de Ciências da
Natureza nos anos finais do Ensino Fundamental” (LOPES, 2016). Tais pro-
dutos ressaltam aspectos da formação e da prática dos docentes que atuam
nas turmas de 6° ao 9° ano do EF e contemplam sugestões de atividades
312

diversificadas para o ensino aprendizagem com o intuito de oferecer sub-


sídios ao professor, bem como contribuir para o aprimoramento da prática
docente e da aprendizagem.
Na perspectiva da formação de um professor reflexivo, o desenvolvi-
mento da proposta primou por envolver professores (em atuação e em for-
mação), bem como estudantes, tanto no planejamento, nas discussões e na
implementação das atividades. Segundo Curado Silva (2008, p. 33)

O ser professor é constituído e aprimorado à medida que o profissional


em formação ou em serviço busca refletir a partir de situações práti-
cas reais, tornando-se responsável pela construção do seu saber e da
sua prática pedagógica, num aprender fazendo, traduzida pela ideia de
professor reflexivo: aquele que reconstrói reflexivamente seus saberes
e sua prática.

Espera-se que o material produzido possa ter contribuído (no caso dos
encontros) e contribuir (no caso do guia) para a formação e para a prática
docente, oportunizando reflexões acerca dos aspectos teóricos, pedagógicos,
conceituais e sugestões de estratégias diversificadas que amparam a prática
no ensino aprendizagem de Ciências da Natureza.

Desenvolvimento

A pesquisa ocorreu na abrangência da Secretaria de Estado de Educação


Cultura e Esporte de Goiás (Seduce/GO). A gestão da rede pública estadu-
al de educação de Goiás está organizada em Subsecretarias Regionais de
Educação (SRE), totalizando 40 regionais localizadas em diversos municí-
pios do estado (Figura 1). Ao se considerar essa dimensão da rede, optou-se
pelo critério de amostragem.
O ponto de partida da pesquisa foi a identificação das demandas dos
professores na sua prática pedagógica. Para tanto, foram amostradas quatro
subsecretarias regionais de ensino do estado. Por meio do contato com a
equipe do núcleo pedagógico de cada regional participante, foi solicitado um
levantamento das demandas dos professores quanto ao ensino aprendizagem
de Ciências da Natureza nos anos finais do EF. Este levantamento apontou
elementos que alicerçaram a elaboração das propostas de um encontro de
formação continuada em cada SRE, no qual foram desenvolvidas ativida-
des visando atender às demandas apresentadas e fornecer contribuições para
minimizar as dificuldades da prática pedagógica e, consequentemente, da
aprendizagem dos estudantes.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 313

Os encontros de formação para os professores de Ciências foram pen-


sados com a pretensão de promover reflexões das ações cotidianas dos pro-
fessores. No início de cada encontro foi aplicado um questionário semies-
truturado com questões referentes às estratégias e recursos didáticos mais
utilizados e as dificuldades enfrentadas por eles. A metodologia de trabalho
adotada a seguir priorizou a realização de oficinas, nas quais foram apre-
sentadas algumas sugestões de atividades diversificadas para o ensino dos
conteúdos indicados pelos professores participantes no levantamento prévio
das demandas. Considerando que ao participar do processo de construção da
aprendizagem, este se torna mais significativo, então, ao se apresentar as su-
gestões de atividades aos professores, lhes foi esclarecido que não se tratava
de modelos prontos, mas que as elas seriam reconstruídas em conjunto com
os todos os participantes no decorrer das oficinas.
Dessa forma, buscou-se analisar cada proposta apresentada quanto à
adequação ao contexto da escola, às condições de implementação em sala de
aula e à exploração dos conceitos científicos envolvidos em cada atividade.
Primou-se, também, por estimular estudos, discussões e debates referentes
às estratégias de ensino mais eficazes na promoção de resultados significa-
tivos na aprendizagem de Ciências da Natureza, além de temas como a con-
cepção da área de Ciências, do objeto e objetivo de ensinar Ciências no EF,
bem como a reflexão sobre as concepções individuais que são determinantes
na prática pedagógica.
314

Figura 1 – Municípios no estado de Goiás que sediam as Subsecretarias


Regionais de Educação (SRE) da Secretaria de Estado de Educação,
Esporte e Cultura do Estado de Goiás (SEDUCE/GO)

A fim de garantir o anonimato, as SRE investigadas foram identificadas


no decorrer do trabalho como SRE 1, SRE 2, SRE 3 e SRE 4. Ao se trans-
crever trechos das falas dos participantes, os diretores de Núcleo Pedagógico
foram referidos como D1, D2, D3 e D4. Da mesma forma, para indicar os
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 315

professores participantes, adotou-se os codinomes P1, P2, P3... P64, confor-


me numeração dada aos registros realizados.
Intencionando, ainda, contribuir para a formação inicial dos futuros
professores de Ciências da Natureza – os licenciandos do curso de Ciências
Biológicas da UEG/CCET que participam do PIBID (Programa Institucional
de Bolsa de Iniciação à Docência) – foram realizados encontros com a equi-
pe, para estudos de fundamentação teórica, discussões e adequação das ati-
vidades trabalhadas com os professores participantes dos encontros de for-
mação docente para a realidade da escola parceira do PIBID.
Os bolsistas apresentaram o projeto ao professor regente das turmas de
6° ao 9° ano do EF, a fim de planejar e desenvolver com os estudantes as ati-
vidades em questão. Esta etapa do trabalho possibilitou a análise da viabili-
dade e eficácia das propostas, bem como a organização dos depoimentos, de
alguns registros fotográficos e a discussão sobre o processo de estruturação
do guia pedagógico.
Dessa forma, os produtos educacionais apresentados são fruto de um
trabalho pensado a partir da discussão da formação docente e o ensino apren-
dizagem de Ciências da Natureza nos anos finais do EF. Segundo Contreras
(2002, p. 90), “a ideia básica do modelo de racionalidade técnica é que a
prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante
a aplicação de um conhecimento teórico e técnico”.
Na premissa de que é necessário superar este modelo, os produtos de-
senvolvidos foram pautados nas próprias demandas e queixas apontadas
pelos professores participantes, quanto às dificuldades encontradas na pro-
moção da aprendizagem de Ciências. Estes constituem oportunidades de for-
mação continuada, pois possibilita(ra)m a reflexão da prática docente e a (re)
construção das próprias estratégias de ensino.
O envolvimento dos professores como autores e atores do processo de
elaboração do guia pedagógico, pela oportunidade de discussão e reflexão
acerca da prática pedagógica, possibilitada pela participação no encontro
de formação, esteve em consonância com a ideia difundida por Schön de
um professor mais ativo, crítico e autônomo, livre para fazer suas escolhas
e tomar decisões, contestando com a ideia do profissional cumpridor de or-
dens que emanam de fora das salas de aula (ALARCÃO, 1996). Esta ideia é
reforçada nos dizeres de Freire (1996, p. 44) “na formação permanente dos
professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática.
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar
a próxima prática”. Assim, na perspectiva da ação reflexiva, foi fundamental
a etapa de discussão e adequação das propostas de atividades à prática peda-
gógica individual.
316

No cumprimento da tarefa de contribuir para a formação integral do


indivíduo, o ensino de Ciências da Natureza requer estratégias diversificadas
capazes de envolver os estudantes na construção do conhecimento. Na pre-
missa de que esta se dá na interação com o outro, é preciso que o professor,
assumindo o papel de mediador, deixe de ser o transmissor de ideias prontas,
e o estudante deixe de ser apenas um receptor de informações. No entanto,
para entender esta, que ainda é uma forte tendência na prática docente, é fun-
damental atentar-se às principais dificuldades enfrentadas pelos professores.
Conforme apresentado por diversos estudos anteriores (CACHAPUZ;
PRAIA; JORGE, 2004; MALDANER; ZANON, 2004; COSTA, 2010;
DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011) e constatado no decor-
rer desta pesquisa, a concepção tradicional de ensino de Ciências explícita
ou implicitamente, ainda é vigente nas práticas pedagógicas. O paradigma
da racionalidade técnica ainda se faz presente, direcionando a atividade do-
cente para uma prática instrumental, na qual prevalece a aplicação de teorias
e técnicas científicas (CONTRERAS, 2002).
Considerando que o professor é um profissional reflexivo e que a refle-
xão é um processo coletivo, refletir sobre a própria atuação propende contri-
buir para mudanças na prática docente, de forma a promover a diversificação
das estratégias adotadas para a promoção da aprendizagem significativa.
Entre as demandas dos professores, em relação ao ensino de Ciências
da Natureza, sobressaíram aspectos relacionados à transposição didática dos
conceitos científicos. Eles demonstraram que, ao preparar as aulas tendo o
Currículo Referência como norteador de seu trabalho, encontram dificul-
dades no trato com os conceitos científicos específicos. Nesse sentido, são
lembrados alguns depoimentos dos professores, como P36 que se expressa
sobre o currículo dizendo:

Veja! Já trabalhamos com esse currículo há muito tempo. Desde 2008


e depois a bimestralização em 2012, e só agora estou vendo melhor
essa questão de pensar na expectativa de aprendizagem de que fala-
ram. Planejar analisando o que eu quero que meu menino aprenda e
não apenas em qual conteúdo tenho que ensinar, faz muita diferença!

Ao falar do planejamento de suas aulas, P29 complementa: “Eu, por


exemplo, sempre pesquiso o conteúdo da aula. Aí vem um montão de infor-
mações diferentes. Estudo, trabalho nas aulas. Depois chega a avaliação e
quase sempre, não foi trabalhado o que estão cobrando”. Estes depoimentos
revelam que os professores anseiam por soluções misteres para os problemas
emergentes do cotidiano pedagógico.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 317

Tendo como premissa as demandas dos docentes que foram elencadas,


a elaboração do Guia pedagógico propôs colaborar com o (re)pensar da prá-
tica pedagógica, indo além da apresentação de roteiros de atividades para o
ensino de Ciências.
As oficinas possibilitaram a adequação das atividades propostas confor-
me as inquietações dos professores em relação ao contexto, disponibilização
de materiais e a formação inicial. Assim, as oficinas, também, focaram na ex-
ploração dos diferentes conceitos científicos necessários à compreensão de
cada tema, sendo que os professores que dominam os conceitos científicos
envolvidos na atividade proposta conseguem adequá-la à realidade e tam-
bém vislumbrar diferentes possibilidades pedagógicas para o planejamento.
As discussões sobre planejamento pedagógico do professor, utilizando
estratégias diversificadas para o ensino de Ciências, oportunizaram reflexões
sobre a prática pedagógica e estudo de conceitos científicos, a exemplo da
atividade ‘Investigando a fotossíntese’, que foi uma das oficinas de destaque
nos encontros realizados com os professores e, também com os estudantes
do 7° ano do EF.
Para a realização dessa atividade é sugerido o uso da planta aquática
Elodea sp. Logo que esta foi apresentada, alguns professores se manifesta-
ram por não conhecerem a planta, como P5 afirma: “conheço aquelas plantas
de plástico que enfeitam o aquário e não a planta mesmo. É viva mesmo?”.
Em seguida P8 ressalta: “não dá mesmo pra fazer esse tipo de aula, pois não
temos essas coisas por aqui”.
A implementação de estratégias diversificadas, muitas vezes não é efe-
tivada devido aos obstáculos e à resistência de alguns professores. Entende-
se que estas dificuldades se dão, em grande parte, pela carência de formação
na área, que acentua a deficiência no domínio de conteúdos.
Em seguida, alguém do grupo sugeriu que um professor fosse ao pátio
da escola e trouxesse uma folha para que fizéssemos a tentativa de substi-
tuir a planta aquática. Os participantes se surpreenderam ao constatar que,
mesmo com outra planta (no caso, uma folha de couve), foram obtidos os re-
sultados esperados na atividade. Na realização dos encontros subsequentes,
esta atividade foi conduzida considerando os acontecimentos do primeiro
grupo. Conforme planejado, adotou-se a estratégia de investigação dos co-
nhecimentos prévios, instigando os professores a propor sugestões de outras
possibilidades e recursos didáticos para trabalhar o tema fotossíntese.
Nos estudos e preparação das atividades com os bolsistas PIBID, tam-
bém foi questionado o que consideravam a melhor forma para se realizar
esta atividade com os estudantes do 7° ano. Os bolsistas, ao planejarem a ati-
vidade, foram instigados a refletir sobre os aspectos positivos e negativos e
318

sobre a viabilização dos materiais, assim, optaram também, por usar plantas
que podem ser coletadas no pátio da escola. Desse modo, percebeu-se que
a participação, tanto dos pibidianos, quanto dos professores, no processo de
discussão e reelaboração da atividade, facilitou a compreensão do conceito
a ser estudado.
Com esta oportunidade de formação, os docentes se mostraram interes-
sados e mais confiantes para desenvolver estratégias diversificadas em suas
aulas, diferindo do que haviam se queixado ao indicarem no questionário as
dificuldades encontradas, de que, em geral, as aulas são desenvolvidas com
base em resumos e cópias do livro didático que, normalmente são transcritas
para a lousa e em seguida para os cadernos dos estudantes. Essa prática, cer-
tamente, vem contribuindo para a desmotivação dos estudantes, refletindo
resultados pouco satisfatórios na aprendizagem, conforme o que tem sido
mostrado nos processos de avaliação em larga escala que analisam a apren-
dizagem em Ciências da Natureza, como o sistema de avaliação implemen-
tado pela Seduce/GO e a avaliação internacional do Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (PISA), coordenado internacionalmente pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Nesse sentido, há mais de uma década, Galiazzi et al. (2001) já aler-
tavam que a prática pedagógica envolvendo estratégias diversificadas pode
contribuir para a transformação do ensino de Ciências, mas na prática essa
diversificação é pouco frequente. Durante a pesquisa foi possível constatar
que os professores têm convicção de que é importante diversificar as estraté-
gias de ensino para atender as especificidades do processo de aprendizagem.
Também, foi possível inferir que o uso de estratégias diferenciadas para o
ensino ainda não é prática muito comum, conforme afirma P19 “Os alunos
ficam ansiosos esperando as aulas de Ciências nos dias que estamos fazendo
algum projeto com atividades além do livro e do caderno, mas, é tão com-
plicado. Fazemos poucas”. No entanto, Mortimer (1998, p. 108) afirma que,

O ensino das ciências que praticamos em nosso país está, ainda, mui-
to longe de ser atingido por essa onda pós­moderna. Continuamos a
ensinar os modelos como se fossem a realidade. Escrevemos equa-
ções químicas nos quadros­negros como se fossem as próprias reações
químicas e não suas representações; desenhamos orbitais moleculares
como se fossem reais, e não modelos, criações de teorias. Escondemos
atrás da linguagem científica, neutra e a-sujeitada, fria e atemporal,
pretensamente universal, para ensinarmos uma ciência clássica, na
maioria dos casos já superada historicamente, como a verdade imu-
tável. Não damos vozes aos alunos, não escutamos como descrevem
suas experiências e seu mundo em sua linguagem cotidiana, às vezes
irrefletida, lacunar. [...]. Através desse ensino, perpetuamos as rela-
ções de poder em nossa sociedade[...].
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 319

Viveiro e Diniz (2009, p. 28) afirmam, “o pluralismo de estratégias


pode garantir maiores oportunidades para a construção do conhecimento, ao
fornecer aos alunos diferentes abordagens do conteúdo”, porém, a realidade
do ensino aprendizagem de Ciências da Natureza demonstra que diversos
fatores, como formação deficiente, falta de recursos didáticos, condições
inadequadas para o trabalho docente, tem dificultado essa prática.
O (re)planejar com o professor visa romper o paradigma de que só é
possível diversificar as estratégias de ensino de Ciências se a escola contar
com laboratório equipado, com recursos didáticos que, geralmente, são de
difícil acesso ou se tiver o apoio de um agente externo ao cotidiano da sala
de aula, com preparação e materiais específicos. Ao planejar as atividades
junto com os professores, buscou-se identificar as possibilidades de desen-
volver o ensino de Ciências por meio de estratégias diversificadas com re-
cursos didáticos acessíveis que podem contribuir para uma aprendizagem
mais significativa. Nesse sentido, Schön (1997, p. 82-83) afirma que

Todos os indivíduos devem, no mais curto espaço de tempo, ser ensi-


nados individualmente [...]. O melhor professor será o que tiver uma
resposta pronta para a questão que preocupa o aluno. Estas explica-
ções dão ao professor o conhecimento do maior número possível de
métodos, a capacidade de inventar novos métodos e, acima de tudo,
não provocam uma adesão cega a um método, mas a convicção que
todos os métodos são unilaterais e que o melhor método será o que der
melhor resposta a todas as dificuldades possíveis que o aluno tiver,
quer dizer, não um método, mas uma arte e um talento.

Outra situação que chamou a atenção foi em relação à atividade com o


“Ecossistema engarrafado” (Figura 2). Ao desenvolvê-la em todas as ofici-
nas nos deparamos com problemas conceituais quanto aos gases envolvidos
no processo de respiração e fotossíntese dos vegetais. Ao concluir a monta-
gem do ecossistema engarrafado, P58 pergunta: “Os animais que estão aqui
na ‘biosfera’ vão gastar o oxigênio que a planta produziu na fotossíntese. E à
noite o que ela vai fazer?”. Logo, P55 faz a explicação: “aí é o seguinte, isso
ainda vai funcionar igual uma estufa, o que tá preso aí dentro, né? É igual ao
planeta Terra: tem alguém produzindo, alguém consumindo, alguém produ-
zindo, alguém consumindo...” Ao reforçar a pergunta da professora sobre o
que vai acontecer, P59 afirma: “hora que acabar o gás carbônico...” Mas P55
interrompe e diz: “mas o gás carbônico não vai acabar, minha preocupação,
meu questionamento é sobre o oxigênio pra essa planta utilizar à noite”.
Este momento de dúvidas foi mantido por um tempo. Para instigá-los
a pensar na respiração e nas condições de sobrevivência para a planta presa
320

no ecossistema engarrafado, foram apresentadas fotos de outros modelos


construídos há mais tempo e a pergunta surgiu de outros professores, como
P57, que olha surpresa e fala: “Uai não morre?” E continua, “estou aqui pa-
recendo os meninos, ansiosa para saber o que vai acontecer”. P58 fez outra
pergunta: “é a água? A água evapora? O que acontece?” Mas logo P55 se
entusiasma e explica: “é o ciclo da água. Outro conteúdo que dá para estu-
dar”. Então, após alguns minutos analisando, discutindo as possibilidades de
uso pedagógico desta atividade, para retomar o foco da discussão, a questão
inicial sobre o oxigênio e o gás carbônico foi repetida e, então, P58 afirmou
com segurança:

“Não. Eu já consegui raciocinar, já consegui entender. É por isso


que se chama ciclo, se renova. Igual o ciclo da água [...]. O oxi-
gênio não vai acabar. Ele vai se renovando. A planta vai produzir
durante a fotossíntese”.

Depois disso, ainda houve dúvidas, como a apresentada por P60: “esse
processo acontece apenas durante o dia?” Mas P43 ajudou, lembrando que,
“ela acontece na presença de luz, mesmo à noite, se houver uma fonte de luz,
haverá fotossíntese”. A discussão foi conduzida para que as respostas sobre
os processos de respiração e fotossíntese fossem construídas e, ao final, um
professor fez um esquema com setas, no papel que estava sobre a carteira,
mostrando os gases que são absorvidos e liberados pela planta em cada pro-
cesso, dizendo que assim ele compreendeu.
Segundo depoimento de bolsistas PIBID, a construção do modelo de
ecossistema engarrafado possibilitou a exploração de diversos temas, como
formação, camadas e diferentes tipos de solo. Também instigou bastante a
curiosidade dos estudantes, que fizeram perguntas como: a planta precisa de
oxigênio para sobreviver. Se fechar a garrafa ela vai morrer? Vamos abrir
a garrafa só na próxima aula? O que vai acontecer com as minhocas até a
semana que vem?
Dando sequência ao projeto, na aula seguinte a turma aguardava entu-
siasmada a chegada dos bolsistas, pois queriam entender o que aconteceu
com o ecossistema engarrafado, pois haviam observado que a planta não
morreu. Os questionamentos sobre o que aconteceu para permitir a sobrevi-
vência da planta se intensificaram. A discussão foi conduzida para o estudo
da fotossíntese. Na realização da atividade do ecossistema com os estudantes
surgiram questões semelhantes àquelas feitas pelos professores. Ao final do
estudo dos conceitos envolvidos no ecossistema, propôs-se que continuas-
sem observando os fenômenos (desenvolvimento da planta, ciclo da água)
no ecossistema engarrafado que foi construído.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 321

Figura 2 – A Construção do ecossistema engarrafado. Oficina realizada


no Encontro de formação de professores de 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental e com estudantes da escola participante do PIBID

No transcorrer das oficinas, o envolvimento e empolgação dos profes-


sores foram perceptíveis. Estes acrescentavam diferentes possibilidades de
exploração às atividades apresentadas, elencando novas sugestões de estra-
tégias de ensino ao conteúdo apresentado.
Outra atividade que muito chamou a atenção foi aquela que propunha
investigar se a luz faz curva. Ao apresentar os materiais explicando como
seria preparada a garrafa, os professores iniciaram, entre eles, as discussões
sobre diversos conteúdos que poderiam ser explorados com a atividade, sen-
do identificados conceitos como a pressão do ar.
Na ocasião do encerramento do encontro de formação, os professores
avaliaram o evento com depoimentos positivos, a exemplo das palavras de
P40 que relata, “o encontro valeu porque deu abertura pra participar. Eu
tinha a visão de trabalhar mais focado no conteúdo e não na expectativa de
aprendizagem e nem usando atividades tão práticas”.
Nas quatro regionais, registrou-se a solicitação para que o projeto con-
tinuasse, com novas edições do encontro. Destacando o pedido para que
322

eles acontecessem na ocasião do planejamento inicial do ano letivo, pois


quase não há oportunidades de formação continuada para os professores de
Ciências. Sobre isso, P45 solicita: “leve à universidade ou à secretaria de
educação nossas condições de trabalho. Precisamos de apoio. Poderiam or-
ganizar um curso preparatório, uma graduação como complementação, pe-
gando a metade do curso aos sábados”.
Ao avaliar o encontro de formação realizado na SRE, a D4 reforça, “até
o ano passado, infelizmente as formações não chamaram atenção dos nossos
professores. Isso foi perceptível hoje, quando os professores vieram para a
prática. Então está faltando, realmente formações nesse nível, ‘de colocar a
mão na massa’”. Observou-se que os participantes estavam interessados e,
mesmo com a hora avançada, continuavam fazendo perguntas e apontamen-
tos sobre sua prática e seu cotidiano na escola.

Considerações Finais

A implementação das atividades diversificadas promoveu a análise de


diversas questões que envolvem o ensino e que, certamente, contribuem para
a fragilização da aprendizagem de Ciências da Natureza nos anos finais do
EF. Pensar este processo não tem sido tarefa fácil, pois muitas variáveis da
prática docente devem ser observadas.
Os professores se deparam com inúmeros desafios relacionados à ges-
tão da sala de aula, planejamento e ao desenvolvimento do conteúdo curricu-
lar. Assim, buscar as expectativas dos professores ao elaborar uma proposta
de encontros de formação continuada, possibilitou a definição de uma meto-
dologia de trabalho mais próxima dos anseios docentes. Isto resultou em boa
aceitação dos professores e dos estudantes que participaram do projeto com
os bolsistas PIBID, facilitando a participação nas oficinas que viabilizaram a
concretização de um guia pedagógico.
As oficinas realizadas no decorrer dos encontros de formação com os
professores e com os estudantes envolvidos permitiram trocas de experiên-
cias e a compreensão, tanto de conhecimentos conceituais, quanto pedagó-
gicos. Estes momentos também mostraram as diferentes possibilidades de se
explorar cada atividade, adequando-a aos objetivos das aulas, bem como às
formas de adequar os materiais necessários ao contexto da escola.
A construção do guia pedagógico, envolvendo os professores, primou
por fornecer elementos basilares à reflexão de questões do cotidiano. Deste
modo, o professor poderá, em detrimento de propostas tradicionais de ensi-
no, (re)elaborar sua prática pedagógica em busca de novos resultados para o
ensino aprendizagem.
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 323

Por conseguinte, o guia é apresentado como recurso didático auxiliar à


prática e à formação inicial e continuada dos docentes. Os resultados obtidos
na realização das oficinas com os professores das SREs pesquisadas incitam
reflexões sobre os modelos de formação continuada que são disponibilizados.
No viés da formação inicial, o envolvimento dos estudantes de Licenciatura
em Ciências Biológicas, no processo de construção do guia pedagógico permi-
tiu importantes reflexões sobre a diversificação das estratégias para o ensino de
Ciências da Natureza. Tais conhecimentos, certamente, contribuirão para a for-
mação e atuação destes futuros professores de Ciências.
Espera-se que, com a participação no estudo, discussão e implementa-
ção das atividades, os professores sejam encorajados e percebam as possibi-
lidades de planejar atividades diversificadas. Assim, os estudantes poderão
perceber que Ciência não é memorização, nem mágica, mas que a constru-
ção dos conhecimentos é um processo que está presente no cotidiano.
324

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POSFÁCIO

Segundo o documento da Unesco (2000), “A ciência para o Século


XXI”, o desenvolvimento científico e tecnológico de um país está intima-
mente ligado aos investimentos em educação científica realizados, prin-
cipalmente, na educação básica, isto é, no ensino fundamental e médio.
Entretanto, o Fórum Mundial de Educação organizado em Dakar em 2000,
que resultou no documento intitulado “Educação para Todos: o compromis-
so de Dakar”, apresenta seis metas em educação que deveriam ser atingidas
de 2000 a 2015, por 164 países, inclusive o Brasil. Por exemplo, deveriam
expandir cuidados na primeira infância e educação, universalizar o ensino
primário, promover as competências de aprendizagem e de vida para jovens
e adultos, reduzir o analfabetismo em 50%, alcançar a paridade e igualdade
de gênero e melhorar a qualidade da educação. Em todas as metas, a educa-
ção científica é algo importante e fundamental no processo de concretização.
Assim, é fundamental investir em práticas educativas, científicas, a fim de
eliminar os preconceitos existentes na humanidade e conscientizar a popula-
ção sobre o papel da ciência.
Até hoje não há uma fórmula pronta para resolver os problemas da edu-
cação e, inclusive, da educação brasileira. Se há, de fato, uma relação entre
o desenvolvimento científico e tecnológico de um país com a qualidade e o
nível de educação, é importante que conheçamos os mecanismos metodo-
lógicos que levam ao sucesso [e ao fracasso] dos processos educacionais. É
urgente que tenhamos programas de pós-graduação e produção de conheci-
mento que pense caminhos para alinhar as demandas do mundo contemporâ-
neo com as questões da educação, sobretudo, da educação científica.
A presente obra, “Os desafios do ensino de Ciências no século XXI
e a formação de professores para a Educação Básica”, possui uma íntima
ligação com as áreas de Educação e de Ensino, porque aborda temáticas
importantes tanto para estudantes e pesquisadores da formação inicial e con-
tinuada de professores da educação científica, porque nos faz refletir sobre
as práticas pedagógicas do ensino de ciências e matemática e a formação de
professores. Por exemplo, entre outras tendências metodológicas de ensino
de ciências e matemática, o livro traz o ensino de ciências por investiga-
ção, uso de jogos pedagógicos em aulas de ciências, sequências didáticas
para promover a aprendizagem significativa, questões sociocientíficas para
abordar a complexidade de Edgar Morin, e tecnologias educacionais para
aprimorar as práticas pedagógicas.
328

Algumas reflexões importantes e necessárias são apresentadas,, como


alguns marcos teóricos e legais sobre o ensino de ciências, as mudanças
climáticas no contexto da educação ambiental, as possibilidades [e neces-
sidades] de integração da educação básica e o ensino superior, o papel do
tutor nos cursos superiores a distância, e o aprender e ensinar o pensar
evolutivo na perspectiva de Darwin e de Vygotsky. Além disso, a obra
aborda também outras questões importantes sobre a inclusão educacional
e a mediação didática por meio de experiências de construção de um livro
paradidático interdisciplinar.
Por fim, muitos dos artigos presentes na obra articulam ensinamentos e
promovem aprendizagem de conteúdos pedagógicos. A obra também busca
promover uma reflexão sobre o desenvolvimento de investigações de profes-
sores da educação básica usando pesquisa participante.
Considerando o contexto educacional do Brasil com relação ao Plano
Nacional da Educação (BRASIL, 2014), com suas 20 metas estruturantes para
garantir o direito à educação básica com qualidade até 2024, esta obra aborda
sobretudo as práticas pedagógicas da educação básica [e da educação científica]
e da formação inicial e continuada de professores. Além disso, ao considerar as
Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013), com pressupostos e funda-
mentos para o ensino médio com qualidade social, esta obra promove a inter-
-relação entre educação, ciência, tecnologia e cultura; educação básica pela pes-
quisa; educação básica para o trabalho; educação básica voltada para os direitos
humanos; e educação básica voltada para a sustentabilidade. Portanto, a obra em
questão está em sintonia com as tendências nacionais e internacionais.
Assim, considero a obra adequada e pertinente para o momento histó-
rico brasileiro, e poderá ser utilizada por estudantes e professores de gra-
duação em licenciaturas de biologia, física, química e matemática, como
também estudantes e professores de cursos de pós-graduação lato sensu e
stricto sensu.
Vitória, Espírito Santo, 08 de outubro de 2016.

Sidnei Quezada Meireles Leite1


E-mail: sidneiquezada@gmail.com

1 Professor Titular do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). Leciona Química e Educação em Ciências no Programa de Pós-
graduação em Educação em Ciências e Matemática (Educimat) do IFES. É Bolsista Capixaba de produtividade em pesquisa da
FAPES. Desde 2003, desenvolve investigações sobre formação inicial e continuada de professores das Ciências da Natureza e
diálogos entre espaços de educação formal e não formal, todos com enfoque Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTS/
CTSA). Os estudos perpassam por temáticas da educação em direitos humanos e questões socioambientais. É formado em
Química e Engenharia Química pela UFRJ, com Doutorado em Engenharia Química pela Coppe/UFRJ. Também possui Estágio
Pós-doutoral em Educação pela UnB e pela Universidade de Aveiro – Portugal. É membro da Associação Ibero-Americana CTS,
ABRAPEC, SBPC, SBENBIO e SBQ (Divisão de Educação Química).
SOBRE OS AUTORES

Alberto Rogélio Orioli

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de


Santo Amaro (UNISA-SP) e especialização em Planejamento Educacional
e Docência do Ensino Superior pela Escola Superior Aberta do Brasil
(ESAB). É Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de
Goiás (UEG), na linha de pesquisa Formação de Professores em Ensino
de Ciências; Professor de Biologia na educação básica e Pesquisador no
Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho Docente e Educação Escolar –
TRABEDUC, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás
(FE/UFG). E-mail: alberto.orioli@icloud.com

Celso Pinto Soares Júnior

Mestrando em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás/


UEG (2015), pós-graduado em Políticas e Gestão da Educação Profissional e
Tecnológica pelo Instituto Federal de Goiás (2014) e em Educação a Distância
pelo SENAC (2011). Atualmente é Coordenador de estágio Supervisionado
do curso de Biologia a Distância – UEG, membro de avaliação do Conselho
Estadual de Educação de Goiás e Consultor Educacional. Áreas de Interesse:
educação a distância, tecnologias educacionais, processos de mediação pe-
dagógica e teorias da aprendizagem. E-mail: cpsjunior@hotmail.com

Cibele Pimenta Tiradentes

Mestre em Ciências Ambientais e Saúde (2007). Especialista em


Docência Universitária (1999). Bacharel e Licenciada em Ciências
Biológicas (1998), todos pela Universidade Católica de Goiás. É docen-
te efetiva na Universidade Estadual de Goiás, parecerista da revista ele-
trônica Revelli, consultora de Análise de Consistência de Material didá-
tico para EaD, professora concursada pela Secretaria Estadual de Goiás.
Tem experiência em Ensino de Educação Básica – Ensino Fundamental
(Ciências) e Ensino Médio (Ciências Biológicas). Assessora Pedagógica
em Escolas Estaduais. Atua junto à Gerência de Formação Central –
Formação de Professores de Ciências da Natureza da Secretaria de Estado
da Educação de Goiás. Áreas de interesse: Educação, Formação de profes-
sores, Educação Ambiental, Políticas Educacionais, Saúde do professor.
E-mail: cibele.tiradentes@ueg.br
330

Claudio Roberto Machado Benite

Doutor em Química com ênfase em Ensino de Química pela Universidade


Federal de Goiás (UFG), Professor adjunto do Instituto de Química da UFG
e vice-coordenador do Laboratório em Pesquisas em Ensino de Química
e Inclusão(LPEQI). Professor colaborador no Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências da UnuCET – UEG e vinculado ao Programa de Pós-
graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal
de Goiás. Atua na área de Ensino de Ciências/Química, desenvolvendo tra-
balhos em Tecnologias da Informação e Comunicação, Inclusão e no âmbito
da Lei 10.639/03. E-mail: claudiobenite@ufg.br

Cláudio Magalhães de Almeida

Possui graduação em Biologia pela Pontifícia Universidade Católica


de Goiás (2000), mestrado e doutorado em Geologia pela Universidade de
Brasília/UnB. Atualmente é docente de ensino superior da Universidade
Estadual de Goiás/UEG. Tem experiência em taxionomia de ostracodes fós-
seis, atuando principalmente nos seguintes temas: bioestratigrafia e paleoe-
cologia. Também possui experiência em curadoria de microfosseis carbona-
ticos. E-mail: almeidacm@icloud.com

Cleide Sandra Tavares Araújo

Graduação em Química (1988), Mestrado (2002) e Doutorado (2009)


pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Pós-Doutorado no
Laboratório de Epectroscopia Aplicada – LEA/UFU, (2013). Atualmente
é docente efetivo em Regime de Tempo Integral e Dedicação à Pesquisa
(RTIDP) na Universidade Estadual de Goiás. Tem experiência na área de
Ensino, com ênfase na Formação de Professores, Administração Pública
e Química Analítica nos temas: FAAS, águas, íons metálicos, adsorção e
adsorventes naturais (lignocelulósicos). Atua na Graduação (Química
Licenciatura e Química Industrial) e Pós-Graduação – Mestrado Profissional
em Ensino de Ciências – PPEC. Desenvolve projetos, na área de formação de
professores/Ensino de Ciências e remediação química de sistemas aquosos
contaminados com íons metálicos utilizando materiais do bioma do cerrado:
Jatobá, Pequi, Baru e Lobeira-do-cerrado. Bolsista do Programa de Bolsa de
Incentivo ao Pesquisador (PROBIP). E-mail: cstarjb@yahoo.com.br
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 331

Cleomar Rocha

Possui graduação em Letras pela Faculdade de Educação Ciências e


Letras de Iporá, mestrado em Arte e Tecnologia da Imagem pela Universidade
de Brasília, doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela
Universidade Federal da Bahia, pós-doutorado em Tecnologias da Inteligência
e Design Digital pela PUC-SP (2009), pós-doutorado em Estudos Culturais
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-doutorado em Poéticas
Interdisciplinares pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é
professor adjunto da Universidade Federal de Goiás, onde coordena o Media
Lab / UFG e o curso de especialização em Inovação em Mídias Interativas.
Tem experiência nas áreas de Artes, Comunicação e Design, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: Arte Tecnológica, Design de Interfaces e
Mídias Interativas. E-mail: cleomarrocha@gmail.com

Cleirianne Rodrigues de Abreu

Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de


Goiás (UEG), professora de Biologia no Colégio Estadual Amália em
Goiânia e mestranda no Mestrado Profissional em Ensino de Ciências
da UEG-Anápolis. Tem experiência na área de Biologia Geral. E-mail:
cleiriannne@gmail.com

Clodoaldo Valverde

Pós-Doutor pela Universidade de Brasília (UnB). Doutor em Física


Computacional pela Universidade Federal de Goiás. Mestre em Física pela
Universidade Federal de Goiás. Graduado em Pedagogia pelo Instituto de
Educação e Tecnologias. Graduado em Física Licenciatura pela Universidade
Federal de Goiás. Graduado em Física Bacharelado pela Universidade
Federal de Goiás. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências da Universidade Estadual de Goiás. Professor da Universidade
Paulista (UNIP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação
Especial: Interação, Prática e Inclusão – GEPEE (O GEPEE desenvolve in-
vestigações na área do Ensino de Ciências para estudantes com necessidades
educativas especiais. Na atualidade, o principal eixo temático do GEPEE
envolve o desenvolvimento de metodologias que contemplam estudantes
surdos da Educação Básica usuários da Língua Brasileira de Sinais (Libras)
e alunos com Síndrome de Down e Autismo). E-mail: valverde@ueg.br
332

Elianna Morais de Souza Valverde

Especialista em Saúde da Família, pela Universidade Federal de Goiás.


Especialista em Enfermagem do Trabalho, pela Faculdades Integradas
de Jacarepaguá. Graduada em Enfermagem pela Universidade Paulista.
Professora de Enfermagem da Universidade Paulista, Goiânia, Goiás, Brasil.
E-mail: eliannamsv@hotmail.com

Geraldo Eustáquio Moreira

Possui Doutorado em Educação Matemática (PUCSP, 2012), com


Estágio Doutoral na Universidade do Minho (Portugal); Mestrado em
Educação (UCB, 2005); Pós-Graduação Lato Sensu em Metodologia do
Ensino da Matemática (UNICLAR) e Licenciatura em Ciências (UEG),
Matemática (UEG) e Pedagogia (Instituto Superior Fátima/DF). É Professor
Adjunto da Universidade de Brasília – UnB/FUP. É Professor e Pesquisador
do Mestrado Profissional em Gestão Pública (UnB/FUP), do PROFMAT
(Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional – UnB) e do
Mestrado Profissional em Ensino de Ciências (UEG). E-mail: geust@unb.br.

Hélida Ferreira da Cunha

Possui Doutorado em Ciências Ambientais (2006), mestrado em


Biologia (área de concentração em Ecologia/ 2000) e graduação (Bacharelado
e Licenciatura/ 1993) em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de
Goiás. Atualmente é docente de ensino superior em Regime de Dedicação
Exclusiva da Universidade Estadual de Goiás. Atua como docente e orien-
tadora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Recursos Naturais
do Cerrado e no Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências.
Avaliadora ad hoc do INEP-MEC. Líder de grupo de pesquisa no CNPq.
Tem experiência na área de Ecologia Evolutiva, atuando principalmente nos
seguintes temas: Isoptera, Cerrado, macroinvertebrados terrestres. E-mail:
cunhahf@gmail.com

João Roberto Resende Ferreira

Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (1993),


Mestrado em Educação Escolar Brasileira (2001) e Doutorado em Educação
(2011) também na UFG. Foi professor assistente I da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás em Goiânia, no período de 2002 a 2012. Atualmente é
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 333

professor auxiliar da Universidade Estadual de Goiás na cidade de Anápolis,


atuando na Graduação e no Programa de Mestrado Interdisciplinar de
Educação e Tecnologias – MIelt e Mestrado Profissional de Ensino de
Ciências – PPEC. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
História e Sociologia da Educação atuando principalmente nos seguintes te-
mas: educação, trabalho e movimentos sociais; cultura política, cidadania e
políticas públicas educacionais. E-mail: joaorob-ferreira@uol.com.br

José Gonçalves Teixeira Júnior

Possui graduação em Licenciatura em Química pela Universidade


Federal de Uberlândia (2003), mestrado em Química (2007 – área de con-
centração Educação em Química) e doutorado em Química (2014 – área
de concentração Educação em Química), ambos pelo Programa de Pós-
Graduação do IQUFU. Atuou como professor de Química, na educação bá-
sica, em escolas da rede pública e privada, entre os anos de 2003 e 2009.
Atualmente é Professor Adjunto I e coordenador do Estágio Supervisionado
no curso de Química – Licenciatura, da Faculdade de Ciências Integradas do
Pontal (FACIP/UFU). É coordenador do subprojeto Pibid/Química/Pontal
desde 2010. Tem experiência na área de Química, com ênfase em Educação
Química, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de Química,
formação docente, experimentação, inclusão e dificuldades conceituais.
E-mail: goncalves@ufu.br

Juliana Simião-Ferreira

Doutora em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de


Goiás. É docente do departamento de Ciências Biológicas e do Mestrado
Profissional em Ensino de Ciências da Universidade Estadual de Goiás. Atua
nas áreas de Ensino de Ciências por Investigação, Divulgação Científica
e Popularização da Ciência, assim como Educação Ambiental e Ecologia
aquática. Atualmente, seu foco é na formação de professores que possam
ensinar Ciência por um viés investigativo e portanto mais ativo. Além dis-
so, tem objetivo de popularizar o conhecimento sobre o Bioma Cerrado e a
Biodiversidade Aquática em riachos. E-mail: julianalimno@gmail.com
334

Jullyanna Cabral de Moura

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual


de Goias (2006) e Mestrado em Ensino de Ciências pela Universidade
Estadual de Goias (2016. Atualmente é professora da Escola Municipal
Itamar Martins Ferreira e professora do Colégio Estadual Setor Palmito.
E-mail: juzinha_biologia@yahoo.com.br

Kárita de Jesus Boaventura

Possui pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Licenciatura


e Bacharelado em História, Licenciatura em Ciências Biológicas,
Especialização em História Nacional Regional e Local; especialização
em Métodos e Técnicas de Ensino pela Universidade Salgado de Oliveira
(UNIVERSO); Mestrado em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual
de Goiás (UEG). Tem experiência na área de História, Ciências Biológicas e
Educação. E-mail: karitaboaventura@hotmail.com

Karolina Martins Almeida e Silva

É licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Goiás


(UFG – Campus de Jataí); Mestre em Educação em Ciências e Matemática
pela UFG e; Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB).
Atualmente é professora do curso de Biologia Licenciatura da Universidade
Federal do Tocantins (UFT – Campus de Araguaína) e ministra as discipli-
nas Didática e Metodologia do Ensino de Biologia I e II. É coordenadora de
área do PIBID-Biologia e, está vinculada ao Núcleo de Extensão e Pesquisa
em Educação – Biologia (NEPE-Bio) no qual desenvolve pesquisas rela-
cionadas à Educação CTS e Questões Sociocientíficas (QSC) no Ensino de
Ciências e Biologia. E-mail: karolinaeducabio@gmail.com; karolina.mar-
tins@uft.edu.br

Kátia Augusta Curado Pinheiro Cordeiro da Silva

Possui graduação em Pedagogia, Mestrado em Educação Brasileira


pela Universidade Federal de Goiás (2001) e Doutorado em Educação
pela Universidade Federal de Goiás (2008). É professora adjunto – DE
da Universidade de Brasília – UnB no Departamento de Administração e
Planejamento – PAD da Faculdade de Educação e no Programa de Pós-
graduação em Educação. Desenvolve e orienta pesquisas na área de
Educação, com ênfase em Políticas Públicas, Formação de Professores e
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 335

produção do conhecimento científico (pesquisa). Coordena o grupo de pes-


quisa GEPFAPe – Grupo de Pesquisa sobre Formação e Atuação de profes-
sores/Pedagogos. E-mail: katiacurado@unb.br

Luciana Cristina de Melo Tavares

Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás


(UEG). Possui especialização em Currículo e Prática Educativa (PUC-RJ)
e graduação em Ciências – Habilitação em Matemática pela Faculdade de
Filosofia Bernardo Sayão. É docente da Universidade Estadual de Goiás
nos Câmpus Universitários CSEH e CEAD e professora titular da Secretaria
Estadual de Educação, atuando nas áreas de Física e Matemática na Educação
Básica. E-mail: luciana.cmtavares@gmail.com

Marcelo Duarte Porto

Graduado em Psicologia pela Universidade de Brasília, Mestre e


Doutor em Psicologia pela mesma Instituição. Pós-doutor em Psicologia
pela Universidade Católica de Brasília. Docente permanente, orientador
do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da UEG. Nesse progra-
ma ministra as disciplinas: “Teorias de Aprendizagem como fundamen-
to para o Ensino de Ciências” e “Fundamentos de Educação Inclusiva no
Ensino de Ciências”. É autor dos seguintes livros: “Metodologia Científica
Descomplicada, editora do IFB, 2016”; “Educação Inclusiva: concepções e
práticas na perspectiva de professores, editora Aplicada, 2010”; “Prevenção
ao Fenômeno Bullying, 2ª ed., editora CRV, 2016”; e organizador do livro
“Educação, Família, Identidade e Integração Social na Contemporaneidade,
editora do IFAM, 2016”. Diretor Cultural da Academia de Letras de Brasília
(ACLEB). E-mail: marcelo.porto@ueg.br

Michelle Abadia Cirilo

Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás.


Possui graduação em Biologia pela Universidade Católica de Goiás e em
Educação Física pela Universidade Federal de Goiás. Atua como professo-
ra de Ciências na rede pública de ensino. Desenvolve pesquisas na área de
ensino de ciências por investigação em ambientes formais e não formais de
educação. E-mail: michellecirilo@gmail.com
336

Mirley Luciene dos Santos

Pós-doutora em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás


(UFG). Doutora em Ecologia e mestre em Botânica pela Universidade de
Brasília (UnB). Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal
de Uberlândia (UFU). Integrante do grupo de pesquisa Biodiversidade do
Cerrado e Popularização da Ciência (UEG). Bolsista do Programa de Bolsas
de Incentivo ao Pesquisador (PROBIP) da Universidade Estadual de Goiás.
Docente e Orientadora, atualmente coordena o Mestrado Profissional em Ensino
de Ciências da Universidade Estadual de Goiás, Câmpus Anápolis de Ciências
Exatas e Tecnológicas (CCET). No mesmo Câmpus, atua também na graduação,
no curso de Ciências Biológicas. E-mail: mirley.santos@ueg.br

Nara Alinne Nobre da Silva

Mestre em Ensino de Ciências pela UnuCET – UEG, Licenciada em


Química pelo Instituto Federal de Goiás, Campus Uruaçu. Professora no Instituto
Federal Goiano, Campus Iporá, membro do grupo de pesquisa Ludismo e Ensino
de Ciências na Formação Profissional e do Laboratório em Pesquisas em Ensino
de Química e Inclusão (LPEQI). Atua na área de Ensino de Química, desenvol-
vendo trabalhos na área de Formação de Professores, Educação Ambiental e
Estágio Supervisionado. E-mail: nara.silva@ifgoiano.edu.br

Orlandina Aparecida Borges Mendes

Mestranda do curso de Pós-graduação stricto sensu, Mestrado


Profissional em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás
– UEG, Campus Anápolis de Ciências Exatas e Tecnológicas Henrique
Santillo/CCET. Servidora administrativa na Subsecretaria Regional de
Educação de Uruaçu-GO e docente na Rede Pública Municipal de Ensino de
Uruaçu-GO. Brasil. E-mail: orlandina.mendes@seduc.go.gov.br

Patrícia Spinassé Borges

Graduação em Ciências Biológicas pela Faculdades Integradas São Pedro


( FAESA), Pós Graduada em Gestão e Educação Ambiental pelo CET-FAESA,
Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás. Professora
efetiva na Rede Estadual – Secretaria de Educação (SEDU) / Governo do Estado
do Espírito Santo. E-mail: patriciaspinasse@yahoo.com.br
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 337

Plauto Simão De-Carvalho

Doutor em ecologia pela Universidade de Brasília (UnB) e professor ti-


tular da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Tem experiência na área de
Ecologia, com ênfase em Ecologia Molecular, Filogeografia/Biogeografia,
Botânica e Estrutura Populacional. E-mail: plauto.decarvalho@gmail.com

Priscila Batista de Sousa

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências


da Universidade Estadual de Goiás, Goiás, Anápolis, Brasil. Especialista
em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade Brasileira de
Educação e Cultura. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade
Estadual de Goiás. E-mail: pri-ipo@hotmail.com

Ranib Aparecida dos Santos Lopes

Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás


(2016), especialista em Ciências da Natureza/Biologia, pela Universidade
de Brasília (2007), graduada em Ciências Biológicas (2006) e em Pedagogia
(2003), pela Faculdade de Caldas Novas. Professora efetiva da Secretaria
de Estado de Educação de Goiás, lotada na Superintendência Pedagógica,
atuando na formação de professores, elaboração de matriz curricular, mate-
rial didático, avaliações externas para Ensino Fundamental e Médio. E-mail.
ranib.lopes@hotmail.com

Renata Rolins da Silva Oliveira

Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Estadual de Goiás


(UEG). Especialista em Psicopedagogia Institucional pela Faculdade de
Selvíria Mato Grosso do Sul. Licenciada em Biologia pela UEG. Integrante do
grupo de pesquisa Ludismo e Ensino de Ciências na Formação Profissional –
(IF Goiano) e Biodiversidade do Cerrado e Popularização da Ciência (UEG).
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano
(IF Goiano) – Campus Ceres. E-mail: renata.rolins@ifgoiano.edu.br
338

Sabrina do Couto de Miranda

Doutora em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB) e professora titu-


lar da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Campus Palmeiras de Goiás. Tem
experiência em estudos florísticos, fitossociológicos e ecológicos. Atualmente,
também se dedica à pesquisa na área de formação de professores por meio do
envolvimento com o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
– PIBID/CAPES. Docente permanente do Mestrado Profissional em Ensino de
Ciências da UEG, Bolsista do Programa de Bolsa de Incentivo ao Pesquisador
(PROBIP). E-mail: sabrinac.miranda@gmail.com

Solange Xavier dos Santos

Pós-doutora pela EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia (2010),


doutora em Ciências Biológicas (Microbiologia Aplicada) pela Universidade
Estadual Paulista (2003), mestre em Criptógamos (Área de Micologia) pela
Universidade Federal de Pernambuco (1995), licenciada em Ciências Biológicas
pela Universidade Estadual Paulista (1993). É docente efetiva da Universidade
Estadual de Goiás, atuando no ensino de graduação (Ciências Biológicas) e
pós-graduação (PPG em Recursos Naturais do Cerrado e PPG em Ensino de
Ciências), em projetos de pesquisa, extensão e gestão. É coordenadora ad-
junta dos laboratórios do curso de Ciências Biológicas, curadora da Coleção
Criptogâmica do Herbário HUEG e coordenadora da área de Biologia do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Tem experi-
ência nas áreas de Botânica, Micologia e Educação (com ênfase na formação de
professores). E-mail: solange.xavier@ueg.br

Suely Miranda Cavalcante Bastos

Graduação em Ciências – Habilitação Matemática pela Uni Evangélica


(1988),  Pós-graduação em Matemática Superior pela Uni Evangélica
(1990), Mestrado em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de
Goiás (2009). Atualmente é docente efetiva em Regime de Tempo Integral e
Dedicação à Pesquisa (RTIDP) na Universidade Estadual de Goiás – UEG,
no Câmpus de Ciências Exatas e Tecnológicas Henrique Santillo.  Atua
na área de ensino com ênfase em formação de professores no Curso de
Matemática e Laboratório do Ensino de Matemática. Desenvolve pesqui-
sa nas áreas de Educação – ensino de Matemática para a Educação Básica e 
Engenharia Agrícola – propriedades termodinâmicas de adsorção de água de
grãos e sementes de produtos agrícolas. E-mail: suelycavalcante@uol.com.br
OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA 339

Wagner Bandeira

Possui graduação em Desenho Industrial pela Esdi.UERJ (2000) e mes-


trado em Design pela PUC.RJ (2006). Atualmente é professor assistente na
Universidade Federal de Goiás e doutorando no Programa de Pós-graduação
em Arte e Cultura Visual na UFG. Coordena a equipe de produção mul-
timídia no Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (CIAR.UFG) e
integra a equipe de pesquisadores do Laboratório de Inovação, Pesquisa e
Desenvolvimento de Mídias Interativas (Media Lab. UFG). Tem experiência
na área de Desenho Industrial, com ênfase em Programação Visual, atuando
principalmente nos seguintes temas: design de interface, design de experi-
ência do usuário, design editorial, tipografia, design para EaD, identidade
visual e semiótica. E-mail: wiccket@gmail.com

Wilton de Araujo Medeiros

Doutor em História (UFG); pós-doutor em Geografia Urbana (UFPB).


Ensino e pesquisa em História da Ciência no Mestrado Profissional em Ensino
de Ciências da Universidade Estadual de Goiás (PPEC/UEG). Possui forma-
ção (Graduação: Arquitetura e urbanismo; mestrado profissional em Gestão do
Patrimônio Cultural), pesquisa e publicações interdisciplinares (História e mor-
fologia urbana; Memória e patrimônio cultural; Ensino de Arquitetura; Ensino
de Geografia; Ensino de Ciências). E-mail: wilton_68@hotmail.com
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 136 (Não comercializado)
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12 x 19 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)
Marcelo Duarte Porto
A Universidade Estadual de Goiás situa-se na região Centro-Oeste como Ins�tuição
Mirley Luciene dos Santos
de Ensino Superior pública, comprome�da e preocupada em ofertar ensino
João Roberto Resende Ferreira

E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA


OS DESAFIOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NO SÉCULO XXI
superior de qualidade de forma a atender às expecta�vas da população.
Organizadores
O Mestrado Profissional em Ensino de Ciências (PPEC) da UEG contribui, desde

OS DESAFIOS DO
2013, vigorosamente para a qualificação dos profissionais da região. O seu
obje�vo é contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem na

ENSINO DE CIÊNCIAS
formação con�nuada de professores, considerando perspec�vas curriculares e
Mirley Luciene dos prá�cas pedagógicas, bem como promover a inves�gação e o desenvolvimento de João Roberto Resende

NO SÉCULO XXI
Santos metodologias e estratégias para o ensino e aprendizagem rela�vos, principalmente, Ferreira
Pós-doutora em Ecologia e Evolução Graduado em Pedagogia pela
pela Universidade Federal de Goiás, à educação básica. Obje�va ainda, desenvolver produtos técnicos na área de Universidade Federal de Goiás (1993),
Doutora em Ecologia e Mestre em Mestrado em Educação Escolar Brasileira
ensino que possam ser u�lizados por professores e profissionais em espaços
Botânica pela Universidade de Brasília,
Licenciada em Ciências Biológicas pela
E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA (2001) e Doutorado em Educação
(2011) também na UFG. Foi professor
formais e não formais, avaliar materiais didá�cos e paradidá�cos, prá�cas
Universidade Federal de Uberlândia. assistente I da Pon��cia Universidade
Docente efe�va da Universidade Estadual experimentais, e novas tecnologias de informação e comunicação para melhorar Católica de Goiás em Goiânia, no
de Goiás (UEG) atua na graduação período de 2002 a 2012. Atualmente
(Ciências Biológicas) e pós-graduação o ensino de ciências. As linhas de ensino e pesquisa do PPEC estão voltadas é professor auxiliar da Universidade
(Mestrado Profissional em Ensino de Estadual de Goiás na cidade de Anápolis.
Ciências). Atualmente é coordenadora para “Formação de professores em ensino de ciências” e “Metodologias e
do PPG em Ensino de Ciências. É
Bolsista do Programa de Bolsas de
recursos educacionais para o ensino de ciências”. O corpo docente do PPEC é
Incen�vo ao Pesquisador (PROBIP) da UEG. mul�disciplinar e cons�tuído por profissionais de diferentes Câmpus da UEG, o
E-mail: mirley.santos@ueg.br
que facilita a disseminação das a�vidades desenvolvidas no Estado de Goiás,

Marcelo Duarte Porto - Mirley Luciene dos Santos


João Roberto Resende Ferreira - Organizadores
além de docentes de outras Ins�tuições de Ensino Superior como UnB e UFMS.
Este livro é resultado do I Simpósio do nosso programa, realizado nos dias 23 e
24 de setembro de 2015 e teve o apoio financeiro da CAPES e da FAPEG. Todos
os autores que publicam nesse livro, que não são do corpo docente da UEG,
foram palestrantes no Simpósio.
Marcelo Duarte Porto
Pós-doutor em Psicologia (Universidade
Católica de Brasília). Doutor em
Psicologia (Universidade de Brasília).
Docente efe�vo da Universidade
ISBN 978-85-444-1077-6 Estadual de Goiás (UEG) atua na
graduação (Pedagogia, Campus Luziânia)
e pós-graduação (Mestrado Profissional
em Ensino de Ciências, Anápolis).
E-mail: marcelo.porto@ueg.br
 
    
  
 
    
  

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