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Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP

Instituto de Ciências Humanas e Sociais - ICHS


Departamento de História - DEHIS

Resenha do livro Sete Mitos da Conquista Espanhola de Matthew Restall

Prof. Dr. Luiz Estevam de O. Fernandes - História da América I


Mauro César de Castro - 19.1.3041

O historiador e professor da Universidade da Pensilvânia Matthew Restall pretende, no


seu livro Sete Mitos da Conquista Espanhola, desconstruir os mitos e as falsas interpretações
transmitidos ao longo dos tempos sobre a história da Conquista das Américas. Com fontes
históricas de diversas naturezas e tempos distintos (desde escritos da época até produções
historiográficas atuais), Restall desnaturaliza as ditas verdades. Grosso modo, pode-se dizer
que Restall propõe uma historiografia da Conquista, isto é, como as formas de observar a
história da Conquista, a construção das narrativas históricas e historiográficas sobre ela e as
formas como as memórias sobre essa experiência foram tratadas durante os séculos. Com isso,
o autor revisa e propõe outras ópticas sobre esse evento marcante para se pensar a história das
Américas em si e, principalmente, a história da modernidade.

Inicialmente, no primeiro capítulo intitulado Um punhado de aventureiros – O mito


dos homens excepcionais, o imaginário de que apenas um pequeno grupo de homens teria
conquistado as Américas e subjugado os povos originários que as habitavam é colocado como
alvo de análises e críticas. Dentro da lógica do Antigo Regime das “probanzas”, o que se
assemelha a uma prestação de contas, os colonizadores escreviam e enviam cartas e relatos à
Europa exaltando suas viagens e empreitadas, constituindo a ideia de que eles eram
excepcionais por “descobrirem” novos territórios, novos súditos para a Coroa espanhola e
novos fiéis à Igreja Católica. Restall, com base nas mesmas fontes históricas, evidencia que,
na realidade, as empreitadas das Conquistas só foram viáveis graças às alianças entre os
europeus e os povos originários, sobretudo para a comunicação e tradução. Além disso, o
historiador afirma que as condições de vida dos conquistadores europeus não era as melhores,
chegando, até mesmo, a passarem fome. Com isso, Restall desmitifica os grandes homens e
joga luz às alianças, propondo um novo olhar histórico e historiográfico sobre como as
Conquistas se deram na prática e quais foram as personagens que protagonizaram esse evento
– evidenciando o agenciamento individual e coletivo dos povos originários.

Já no segundo capítulo, Nem remunerados, nem forçados – O mito do exército do rei,


Restall apresenta uma discussão referente à ideia de que todos os soldados que chegaram às
Américas eram estritamente militares. Primeiro, o autor nos lembra de que o Estado espanhol
não era tão forte ao ponto de ter um exército tão bem preparado no século 15 e que a
composição desse era bem diversa. O poderio bélico-militar não era tão estruturado e, ao
chegarem às Américas, as estratégias e as táticas de guerra foram distintas das utilizadas nos
solos europeus, tendo em vista a influência dos povos indígenas por meio das alianças e a
adaptação ao novo território, aos novos sujeitos e à nova forma de organização
socioeconômica das nações americanas. Matthew Restall evidencia, ademais, para o fato de
que muito dos conquistadores europeus cruzavam o Atlântico em busca de melhores
condições de vida e isso se reforçava pelas “encomendas”, que eram as distribuições de terras,
títulos e poderes. Em suma, a imagem de um exército armado e forte – como dos filmes e
pinturas – representa muito mais uma forma de pensar parcial posterior à Conquista do que de
fato os processos de Conquista.

Seguindo o raciocino de Restall em Guerreiros invisíveis – O mito do conquistador


branco, é discutido o mito de que poucos soldados venceram milhares de nativos. Restall
alerta para a desproporcionalidade entre o número de europeus e o número de indígenas em
combate, quer dizer: os europeus, em grande parte das batalhas, eram bem menores do que os
indígenas – mais uma vez, retorna à ideia das alianças, sem as quais essa experiência não seria
a mesma. As divergências entre os nativos eram de tempos anteriores, afinal, os indígenas
possuem uma história pré-Conquista, não sendo, portanto, um grupo homogêneo. Dentro de
suas lógicas, muitos povos eram subjugados e obrigados a pagarem impostos aos que os
dominavam (como é o caso dos Tlaxcaltecas ou os Totonacas), sendo assim, compactuaram
acordos com os espanhóis para a defesa de interesses comuns, não no mesmo sentido dos
conquistadores europeus. Outrossim, Restall destaca a participação de africanos e negros nos
combates e em outras funções, como de mestre de pesos e medidas. Em síntese, Restall joga
luz a novos sujeitos históricos dos processos de Conquistas, os invisíveis, ou melhor, os
invisibilizados, pois o diferencial do autor é a mudança do ângulo que observa as fontes e o
seu objeto, contrário às parcialidades que reforçam a superioridade europeia nesse grande
evento que possui influências de diversos grupos étnico-raciais.

No quarto capítulo, Sob o domínio do rei – O mito da conclusão, Restall indaga se a


Conquista ocorreu de forma rápida e na totalidade do continente. Como já visto no primeiro
capítulo, era de praxe dos conquistadores europeus exaltarem suas operações, mas, agora, o
autor evidencia como eles sustentaram suas empreitadas exaltando as riquezas naturais, que
poderiam vir a ser extraídas para enriquecer os cofres europeus – dentro de uma lógica de
riqueza da Primeira Modernidade. Nesse sentido, o ouro e a prata foram utilizados como
forma de convencer os financiadores da Conquista de que valeria o investimento. Com isso,
diversos exageros foram construídos acerca do novo território exuberante, rico em natureza e
em força humana. Essa mitificação cai por terra quando Restall lembra que não foi tão rápido
devido às resistências dos americanos – mais uma vez pensando nos agenciamentos dos povos
originários.

No quinto capítulo, As palavras perdidas de La Malinche – O mito da (falha na)


comunicação, Restall questiona a tese de que a (suposta) falta de diálogo e comunicação
propiciou o massacre indígena – em interlocução e debate com as teses de Todorov, a virada
linguística e a nova história cultural do último século. Além do mais, Restall destaca o papel
dos intérpretes, que aprendiam vários idiomas e podiam alcançar postos elevados no processo
da Conquista. La Malinche, mulher indígena intérprete de Cortés, é lembrada como uma
tradutora que era mencionada nas cartas direcionadas ao rei da Espanha Felipe II e
articuladora das alianças e das batalhas, orientando as estratégias e táticas – apesar de que a
memória coletiva do México trate-a como traidora. Assim, Restall nos mostra que a
comunicação não era controlada exclusivamente pelos espanhóis, mas fundamentalmente por
intérpretes como Malinche que dominava mais de três idiomas, incluindo o espanhol falado
na época.

O sexto capítulo Os índios estão se acabando. O mito da desolação nativa trata do


mito do índio abalado, inativo e apático perante o processo da Conquista e de um imobilismo
perante a “inevitável vitória” espanhola. Ao analisar registros de cronistas do 16, Restall
evidencia a construção de visões estereotipadas dos indígenas como inocentes ou infantis, que
enxergavam os espanhóis como deuses. Para Restall, existiam inúmeros povos nativos que
agiram e resistiram de modos variados frente à Conquista ao longo dos tempos. Argumenta
que os indígenas não só resistiram à invasão, como também adaptaram à nova realidade, com
nações nativas sendo vitoriosas, como é o caso dos Totonacas na conquista da cidade de
México-Tenochtitlán. Novamente Restall sublima as ações dos indígenas no processo de
Conquista de modo a desnaturalizar o imaginário racista que persiste até os dias atuais que
subjuga os povos indígenas.

No sétimo e último capítulo Macacos e homens – O mito da superioridade, discute-se


a ideia de que os europeus tinham o direito de dominar os povos nativos graças à suposta
ingenuidade, insensibilidade e falta de cultura indígenas. Aos povos originários, cabia a
dominação por povos civilizados como destino. Restall defende que foram, sim, as doenças
trazidas da Europa e das quais os indígenas não tinham proteção, as divergências internas
entre os grupos nativos e a preocupação dos indígenas em preservar seus territórios frente às
guerras que tornaram decisiva a expansão colonial espanhola em solo americano e não um
suposto direito à dominação do outro.

Em síntese, o historiador Matthew Restall, em seu livro, descontrói os sete mitos


solidificados pela historiografia – mas não unicamente por ela – acerca do processo de
Conquista por meio das análises de como esse processo foi visto, memorizado e transmitido
na história. Além disso, é inegável que sua obra e sua pesquisa traça orientações sobre o
ofício dx historiadorx, uma vez que é pautada essencialmente sua relação com as fontes.
Restall gira o ângulo de análise e pensa o processo e os sujeitos envolvidos em suas
complexidades e histórias. Sem dúvidas, Matthew Restall faz mais que desmitificar as visões
tradicionais sobre as Conquistas das Américas.

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