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INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO DE GAZA

DIVISÃO DE ECONOMIA E GESTÃO

CURSO DE LICENCIATURA EM CONTABILIDADE E AUDITORIA

Técnicas do comércio Internacional

A análise neoclássica do comércio internacional

Considerações iniciais
As principais alterações na teoria das trocas desde o tempo de Ricardo centraram-se no
desenvolvimento do lado da procura e do lado da oferta, de uma forma que não se baseia
na teoria do valor trabalho. Mais especificamente, a abordagem neoclássica surgiu como
reacção às ideias de Ricardo e seguiu duas vias:
Procura (Stuart Mill e Alfred Marshall) – análise da especialização ao nível dos
produtos;
Oferta (Heckscher, Ohlin e Samuelson) – análise da especialização ao nível dos
factores.
Trata-se de duas abordagens solidárias entre si pois, seguem os mesmos pressupostos de
base, embora tenham uma lógica de análise bastante distinta.
Por um lado, sabemos que Ricardo observou o comércio internacional pelo lado da oferta,
nunca tendo procurado determinar a exacta RTI, pois não dispunha dos
instrumentos que lhe permitiam compreender o papel da procura nos mercados. É Stuart
Mill quem introduz o lado da procura na abordagem ricardiana, ao pretender completar
Ricardo.
Por outro lado, a análise de Hechscher-Ohlin, feita, tal como a de Ricardo, pelo lado da
oferta daria, aparentemente, uma melhor continuidade a esta última. Contudo, tal não é
totalmente correcto. A análise de Heckscher e Ohlin processa-se com base em identidade
de funções de produção, enquanto a análise de Ricardo se processa com base em
desigualdade das mesmas. Para estes autores, será a distinta dotação factorial (e não a

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diferença de tecnologia) que explicará a existência da troca internacional no sentido em que
ela se observa.

Os pressupostos neo-clássicos
A abordagem neo-clássica desenvolve-se em torno da noção de equilíbrio geral, apoiando-
se num conjunto de hipóteses primordiais:
1) Quanto aos factores: (i) escassez; (ii) pleno-emprego; (iii) móveis no interior do país
mas imóveis à escala internacional; e (iv) rendimentos marginais decrescentes (mantendo
constante a quantidade utilizada de um factor, aumentos na quantidade de outro resultam
em aumentos de output menos que proporcionais e cada vez menores);
2) Quanto aos mercados: (i) concorrência perfeita em todos os mercados; e (ii)

equilíbrio como regra;


3) Quanto aos espaços nacionais: (i) cada um é tido como totalmente homogéneo; (ii) não há
poderes públicos ou privados que nele exerçam influência dominante; (iii) existe informação e
conhecimento perfeitos sobre o que se passa nos mercados;
4) Quanto ao espaço internacional: não há obstáculos à livre circulação de bens à escala
internacional;
5) Quanto às condições de oferta: (i) cada bem é produzido sob rendimentos constantes
à escala1; (ii) os bens utilizam os factores produtivos em diferentes proporções; e (iii) os
custos de oportunidade são crescentes2.
Em particular, o pressuposto de custos de oportunidade constantes foi sempre uma das
grandes objecções levantadas aos clássicos, seja porque: (i) a evidência empírica a contraria
frequentemente, sobretudo na agricultura; e (ii) origina uma especialização total (i.e.,
completa), o que contradiz ainda mais aquilo que é verificável na prática.
No quadro neoclássico, a conjugação de produtividades marginais dos factores decrescentes
com diferentes intensidades factoriais relativas ao nível das indústrias resulta em custos
de oportunidade crescentes. Como os factores são tidos como homogéneos, este
pressuposto é compatível com a mobilidade total dos factores de produção entre indústrias
dentro do espaço nacional. A existência de custos de oportunidade decrescentes
resulta numa alteração do formato da Fronteira das Possibilidades de Produção (FPP),
que deixou de ser rectilínea para passar a ser côncava, conforme figura 1 abaixo.

Figura 1 – Curva das possibilidades de produção

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Y
U

0 2 3 4 5V X

Na figura 1 estão claramente reflectidos os custos de oportunidade crescentes. Por exemplo,


começando em 2 e aumentando sucessivamente o output de X em uma unidade verifica-se que
a queda do output de Y ocorre por montantes crescentes, como mostram os intervalos
verticais. A fronteira de possibilidades de produção é cada vez mais íngreme (mais
inclinada), o que é traduzido por um declive cada vez maior da linha tangente. O custo
de oportunidade de X é conhecido também por Taxa Marginal de
Transformação de Y por 1X (TMTY/1X) e é igual, em equilíbrio, ao rácio pX/pY:

Valor da produção =

A introdução da procura e a determinação dos ganhos da troca


A análise desenvolvida por Stuart Mill e formalizada por Marshall utiliza como
instrumentos principais os seguintes elementos microeconómicos fundamentais:
1) Curvas de Indiferença (CI): i.e., lugar geométrico das diferentes combinações dos bens X
e Y que proporcionam aos consumidores o mesmo nível de satisfação;
2) isoquantas: i.e., combinações mínimas alternativas de dois factores de produção que
permitem obter um determinado nível de produto, dada a tecnologia mais eficiente disponível;
3) curvas de possibilidades de produção, que resultam do formato das isoquantas e da dotação
factorial dos países.
Trata-se de uma análise positiva (e não normativa), isto é, que pretende observar e explicar os
problemas sem emitir juízos de valor. O objectivo de Stuart Mill e, depois, Marshall, foi
chamar a atenção para aquilo que consideravam ser uma lacuna no trabalho de Ricardo: o

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não ter determinado a RTI exacta mas apenas um intervalo de possibilidades –
limitado pelas RTA de cada um dos países.

A representação da procura
Para evidenciar os efeitos da procura, necessitamos de uma forma de apresentar as escolhas
dos consumidores. O uso das curvas de indiferença serve tal propósito. Assim, consideramos
uma representação em termos de curvas de indiferença da comunidade, as quais evidenciam as
preferências agregadas de todos os indivíduos numa dada economia e têm as mesmas
propriedades das curvas de indiferença individuais. Saliente-se, entre elas, as seguintes: (i)
são negativamente inclinadas, (ii) nunca se intersectam, (iii) quanto mais longe da origem
maior o nível de utilidade ou satisfação que traduzem (a sociedade comporta-se de forma a
atingir a CI mais elevada possível), (iv) são convexas relativamente à origem, isto é, a
Taxa Marginal de Substituição de Y por X (TMSY/X) é decrescente (o que significa
utilidades marginais relativas decrescentes; i.e., a substituição de um bem por outro
torna-se progressivamente mais difícil). Estas características resultam dos pressupostos neo-
clássicos quanto à procura, dos quais se destaca o pressuposto de utilidades marginais
decrescentes, mas sempre positivas.
Ou seja, considera-se o mapa de indiferença social que representa o conjunto de curvas
sociais de indiferença que, por sua vez, sumariam os gostos da sociedade (i.e., correspondem à
agregação de milhões de preferências individuais), e que possuem as mesmas propriedades
das curvas de indiferença para consumidor individual.

Graficamente a TMSY/1X é dada pelo declive absoluto da tangente da curva de


indiferença num ponto de consumo específico: TMSY/1X = declive da curva MN. Pode ser
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entendida como o número de unidades de Y que o consumidor exige por cada unidade de X
que deixa de consumir, continuando com o mesmo nível de satisfação (ou quanto está disposto
a ceder de Y para consumir mais uma unidade de Xmantendo o seu nível de satisfação). O
consumidor maximiza a utilidade no ponto em que a sua restrição orçamentalse torna
tangente à curva de indiferença mais elevada possível, ou seja, quando TMSY1/X = pX/pY.
Se, por exemplo, TMSY/1X > pX/pY, tal significa que o consumidor considera que uma unidade
adicional de X 'vale' mais unidades de Y do que o seu custo no mercado. Ou seja, estará disposto
a reduzir o consumo de Y aumentando o consumo de X, pois isso permitir-lhe-á atingir um nível
de utilidade superior (uma curva de indiferença mais à direita). Contudo, à medida que ele
consome mais de X, a sua utilidade marginal diminui, enquanto o menor consumo de Y
aumenta a utilidade marginal desse bem. Ambos os efeitos se conjugam para uma diminuição
da TMSY/1X , convergindo para pX/pY.

O equilíbrio em economia fechada


Em autarcia, o país só pode consumir os bens que produz . Como vimos antes, a restrição da
oferta do país é indicada pela curva de possibilidades de produção (CPP), a qual representa
a totalidade das combinações de bens que poderão ser produzidas utilizando a tecnologia
mais eficiente e a totalidade dos factores disponíveis. Em autarcia, tal curva serve de restrição
quer à oferta quer à procura.

Assim, o equilíbrio ocorrerá na tangência entre a FPP e a curva de indiferença mais elevada
possível. Isto é, no ponto onde há igualdade entre a taxa marginal de
transformação de Y por X (ou custo de oportunidade de X- TMTY/X), dada pela
inclinação da tangente à CPP no ponto em causa, e a taxa marginal de substituição de Y por
X (TMSY/X) dada pela inclinação da tangente da curva de indiferença nesse ponto. Sendo
um equilíbrio simultâneo para consumidores e para produtores, esse declive traduz também o
rácio de preços autárcicos. Na figura 3, tal corresponde ao ponto P0.

Figura 3 – Equilíbrio em economia fechada

Y
M

U
P0

N
V X

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Em suma:
(i) A FPP traduz a “Recta de orçamento” dos consumidores do país: a FPP é também a
Fronteira de Possibilidades de Consumo (CPC).
(ii) Equilíbrio no ponto de tangência entre a CPP e a CI mais elevada:

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O valor absoluto do declive da tangente comum MN no ponto P0 dá o preço relativo de X
em termos de Y de equilíbrio, ou seja, traduz os termos de troca do país (a RTAY/1X ).
Note-se que os termos de troca (o declive da recta MN) vão variar ao longo da curva UV, ao
contrário do que se passava no modelo clássico (onde os termos de troca eram constantes).
Tal significa que o equilíbrio neoclássico depende tanto das condições de oferta como de
procura.

O equilíbrio em economia aberta (para o país A)

Suponhamos que o país A tem uma vantagem relativa na produção de Y, ou seja


> . Assim a vai ser inferior a , já que vai situar no intervalo das
RTA. Ou seja, a abertura à troca levará a uma diminuição de pX/pY, alterando os padrões de
produção e de consumo.
Suponha-se que a (igual a pX/pY internacional) é dada pela inclinação da linha ST
(inferior à , que era dada pela inclinação de MN). Para igualar a TMTY/1X à
nova razão de preços (condição de maximização dos lucros das empresas), a produção
doméstica altera-se para P1 (sobre a FPP). Ou seja, a economia A aumenta a produção de Y
e reduz a de X, de acordo com as vantagens relativas.
Figura 4 – Equilíbrio de A em economia aberta
Y
M

S
P1

C1

T
N
X
O menor preço relativo de X afecta também o consumo doméstico. A maximização do bem
estar dos consumidores implica que a TMSY/1X seja igual à nova razão dos preços. Isso
implica que se consuma no ponto C1,,a que corresponde um nível de satisfação superior
ao de autarcia. Pode-se dizer que a implicação mais importante da livre troca é a
independência entre as decisões de produção e de consumo, com esta última a deixar de
estar condicionado pelas restrições da produção.

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Em suma:
(1) A abertura à troca altera a razão de preços: / em autarcia dá lugar a
/ internacional
(2) O equilíbrio da produção: = , istop é os
produtores movem se para P1, porque o país revela vantagem comparativa em
Y
(3) Em equilíbrio no consumo: = , istop é os os

consumidores movem se parea C1. O aumento do bem estar traduzido no atingir de


uma CI mais elevada é consequência do alargamento da fronteira de possibilidades de
consumo;
(4) No outro país acontece o inverso em termos de produção (i.e., o país revela
vantagem comparativa em X), mas o mesmo em termos de consumo (i.e., há um
aumento do bem estar traduzido no atingir de uma curva de indiferença mais elevada).
Note-se, ainda, que o ganho total da troca (i.e., o aumento da satisfação) pode ser
decomposto em ganho da troca (ou de consumo) e ganho de especialização (ou de
produção):
a) No lado do consumo, os ganhos ocorrem porquanto se pode consumir os bens com
uma razão de preços distinta e aquilo que pode ser consumido já não se restringe ao
que é internamente produzido. Como, no limite, os consumidores podem optar por
manter as escolhas autárcicas, nunca poderão estar pior em comércio internacional.
Mas uma eventual alteração dos preços relativos poderá colocá-los melhor.
b) No lado da produção, os ganhos ocorrem porque o valor real da mesma se eleva: os
produtores podem trocar o bem em que têm uma vantagem relativa por quantidades do
outro bem superiores ao seu custo de oportunidade autárcico. Ou seja, em face de
diferentes termos de troca relativamente à situação de autarcia, alterando o seu mix de
factores e de produção, as empresas podem aumentar o valor total da produção e
rendimento. Contudo, uma vez que os mercados são de concorrência perfeita, esses
ganhos são totalmente passados para os consumidores: os ganhos de especialização
traduzem-se num deslocamento adicional da curva de indiferença social da economia
relativamente aos ganhos da troca puros.

A determinação da Razão de Troca Internacional (RTI)


Com a abertura à troca internacional, a razão de preços se altera. Falta, pois, definir

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qual será a RTI. Por agora pode dizer-se que se situará algures no intervalo definido
pelas RTA dos países em causa e, adicionalmente, que será única.

À questão de saber qual será a RTI responde a teoria da procura recíproca,


introduzida por Stuart Mill. Retomando as hipóteses clássicas, este autor estabeleceu uma
lei elementar segundo a qual a procura de um produto variará inversamente com o seu
preço (ou com a quantidade do outro produto). Nestas condições, o crescimento da
procura dar-se-á hiperbolicamente até um valor assimptótico de saturação. Coube a
Marshall a sistematização desta teoria, hoje encarada como o antepassado mais nobre da
concepção neoclássica do preço internacional de equilíbrio. Assim, os termos de troca
representarão os preços relativos dos bens para os quais a soma dos bens procurados em
ambos os países iguala a soma dos bens oferecidos.

Y País A Y País B

a
b
X X
O preço relativo de X face a Y é superior em A (tga>tgb) pelo que A se deve especializar em Y e B em X.

A RTI será tal que: 1) Mercado do bem X: + = + = =;

2) no mercado de Y acontece exactamente o mesmo, pelo que = . Sendo a RTI


definida daquele modo, tendencialmente X = M para cada país, o que significa que a
balança comercial estará em equilíbrio.
Especificando, as curvas da procura recíproca são as curvas da oferta/procura (oferta de
A/procura de B para Y; oferta de B/procura de A para X), pelo que cada um dos seus
pontos corresponde à quantidade mínima do produto procurado que o país considerado
está disposto a receber em troca do produto que oferece. Considerando um determinado país,
teríamos que, deslocando o bloco de produção ao longo da curva de indiferença e mantendo
os eixos paralelos, as sucessivas posições que o bloco vai assumindo mantêm o país no
mesmo nível de satisfação. Assim, cada ponto obtido seria um ponto de indiferença de
comércio relativamente ao ponto inicial (ao país é indiferente comercializar ou manter-se em

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autarcia), podendo assim construir-se uma curva de indiferença de comércio e, posteriormente,
um mapa de indiferença de comércio. Por fim, se arbitrássemos razões de troca, os pontos
de tangência que elas determinam com as curvas de indiferença colectiva revelam o que o
país deseja produzir, consumir, importar e exportar para cada razão de troca possível. O lugar
geométrico de todos esses pontos de tangência dar-nos-ia a curva da procura recíproca. Deste
modo, a curva revela a oferta de um país para razões de troca alternativas, podendo ser
designada, indiferentemente, dos seguintes modos:

(i) Curva de oferta de comércio externo: traduz as quantidades de mercadoria de


exportação que o país está disposto a oferecer para diversas razões de troca
alternativas;
(ii) Curva de despesa global: traduz o total de despesa que a comunidade está disposta a
realizar para efectuar um determinado montante de importação (em termos de exportação do
seu bem de exportação);
(iii) Curva da procura recíproca: traduz simultaneamente a procura de um bem e a oferta de
outro.
A intersecção das duas curvas da procura recíproca surge como o único ponto de equilíbrio
internacional, implicando uma única RTI. Utilizando as curvas da procura recíproca de
ambos os países, determinamos o equilíbrio (daí derivando a RTI) que é único; qualquer
outra situação acabaria por gerar forças que conduziriam de novo ao equilíbrio.

A Via da Oferta: Modelo de Heckscher-Ohlin e corolários


Ricardo nunca se preocupou em explicar porque é que as produtividades diferiam entre os
países. No seu caso, o que explica as vantagens comparadas é o facto de os países
beneficiarem de diferentes tecnologias, logo de diferentes produtividades do factor trabalho.
Por sua vez, na abordagem neoclássica pela via da procura são as diferenças ao nível da
procura que determinam diferentes preços em autarcia e, portanto, que fornecem os incentivos
à troca internacional.
Eli Heckscher (1879-1952) e Bertil Ohlin (1899-1979) construíram uma explicação alternativa
baseada nas seguintes duas premissas: (i) a produção dos bens requer diferentes
quantidades de cada um dos factores (intensidade factorial dos bens); e (ii) os países
caracterizam-se por diferentes dotações factoriais (abundância factorial dos países).
Tendo em conta essas premissas, o modelo de Heckscher-Ohlin (HO) conclui que cada
país goza de vantagens comparativas nos bens que usam mais intensivamente o seu factor

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mais abundante (relativamente mais barato).

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Este modelo em que a explicação das trocas internacionais decorre dos diferentes stocks
de factores (diferentes dotações factoriais) dos vários países é muitas vezes
designado por modelo das dotações factoriais ou modelo das proporções factoriais.

Algumas relações fundamentais e sua explicação económica


Antes de considerarmos a abertura ao exterior, analisemos algumas relações
fundamentais que, no quadro dos pressupostos neoclássicos, se estabelece entre: (i) a
intensidade factorial relativa ou proporções factoriais, K/L, e a remuneração relativa dos
factores, w/r; (ii) entre as variações de K/L e a variação da quantidade produzida relativa,
QX/QY; (iii) Relação entre w/r e o preços relativos dos bens pX/pY.

(i) Relação entre w/r e K/L


Se w/r aumenta – i.e., se o trabalho se tornar relativamente mais caro –, então K/L também
aumenta. Por outras palavras, se o custo relativo de determinado factor aumentar, a
indústria irá diminuir a quantidade relativa utilizada desse factor, ou seja, aumentar a
quantidade relativa utilizada do outro factor, por forma a manter a condição de optimização
TMSTK/L = w/r. Em suma, se w/r aumenta, a indústria irá utilizar relativamente mais
capital e, portanto, relativamente menos trabalho, pelo que K/L também aumenta.

w/r

K/L

(ii) Relação entre w/r e as quantidades produzidas em cada indústria QX e QY


Observemos o modo como os factores se repartem pelas duas indústrias. Em termos algébricos,
deve começar por notar-se que cada economia dispõe de uma quantidade limitada de K e
L. Em particular, o pleno emprego de K requer que KY + KX = K, pelo que podemos escrever:
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Vimos anteriormente que a resposta imediata a um aumento de w/r se traduz na elevação
de K/L em ambas as indústrias, Y e X. Considerando que o rácio agregado K/L é
constante e que a indústria Y é K-intensiva (X é L-intensiva) – i.e., (K/L)X < (K/L)Y – e
tendo em conta a expressão anterior, então os aumentos de KY/LY e KX/LX só serão
possíveis se LY/L se reduzir em favor de LX/L. Ou seja, dado que a indústria Y é K-
intensiva, a quantidade de K/L libertada por cada unidade que se deixa de produzir é
muito significativa (quando comparada com a que seria libertada por via da diminuição
da produção de X).
Dado o pressuposto de pleno emprego dos factores, essa quantidade vai ter que ser empregue na
produção de X. Ou seja, para aumentar a intensidade de capital em ambas as indústrias (em
pleno emprego) é necessário reduzir a produção do bem que usa esse factor mais
intensivamente, de forma a distribuir os factores assim libertos pela produção a realizar dos dois
bens.
Assim, em termos relativos, ambas as indústrias estarão a poupar L relativamente a K,
enquanto em termos absolutos se verifica uma redistribuição dos factores afectos à
produção, a qual determina a quebra de QY e aumento de QX.
Em suma, quando variam os preços relativos dos factores, ambas as indústrias utilizarão
relativamente mais o factor cujo preço relativo diminui. Em termos absolutos haverá uma
reafectação dos factores à produção das duas indústrias, levando a uma diminuição na sua
utilização na indústria intensiva no factor cujo preço relativo diminui, o que significa que em tal
indústria se observa uma quebra na produção.

(iii) Relação entre w/r e o preços relativos dos bens pX/pY


Considerando a classificação anterior das indústrias em termos de intensidade factorial, acabou
de se verificar que, face a um aumento de w/r, os rácios K/L aumentam em ambas as
indústrias, que a produção da indústria K-intensiva diminui (i.e., QY↓ ) e que a produção da
indústria L-intensiva aumenta, (i.e., QX↑ ). Ora, a taxa marginal de transformação
(TMT) no novo ponto de produção sobre a FPP tem associado um preço relativo de X superior
(i.e., pX/pY↑ ).
Assim sendo, é possível afirmar que o aumento no preço relativo de um
determinado factor leva, ceteris paribus, ao aumento do preço relativo do bem que é
relativamente intensivo nesse factor.

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w/r

Px/Py

Descrição e implicações dos pressupostos do modelo de Heckscher-Ohlin


(i) Pressupostos de enquadramento
(i.1) Número de países, factores e bens (2x2x2): o modelo considera dois países, A e B,
dois bens homogéneos, X e Y, e dois factores produtivos também eles homogéneos,
L e K.
(i.2) Em ambos os países, há concorrência perfeita nos mercados de bens e de factores.
Implicações:
 Os preços são determinados pela oferta e procura
 Em equilíbrio de longo prazo, os preços dos bens igualam os seus custos
(médios e marginais) de produção
 Todos os compradores e vendedores são price-takers (cada um é muito
pequeno, não tendo qualquer influência no preço), estando perfeitamente
informados dos preços em vigor. Consequentemente este pressuposto
assegura a identidade dos preços quer dos factores quer dos produtos.
(i.3) Perfeita mobilidade interna e completa imobilidade internacional dos factores.
Implicações:
 Igualização das remunerações dos factores entre indústrias do mesmo país.
A
mobilidade total de factores dentro do país assegura que w e r são idênticos em
todas as indústrias de um país. Se uma indústria beneficiar de ganhos supra-
normais ou se pagar salários superiores, os factores produtivos movem-se
imediatamente (porque são homogéneos e existem em quantidades fixas) no
sentido de igualar a remuneração dos factores entre indústrias.

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 Remunerações relativas dos factores diferentes entre os países, em situação de
autarcia. A imobilidade entre países permite que as diferentes remunerações dos
factores resultantes da diferente abundância factorial entre países não sejam
eliminadas com migrações de factores de um país para outro. Assim, em autarcia,
w é relativamente mais baixo no país relativamente abundante em L, sem que isso
origine um êxodo de L.
(i.4) Inexistência de custos de transporte e de outros elementos susceptíveis de provocar
distorções nos preços (exemplo, tarifas, quotas ou outras barreiras), o que implica
que, com livre troca, o preço de cada bem será igual nos dois países.

Nota: (i.2) e (i.4) asseguram a igualização dos preços dos produtos e dos factores entre os
países após comércio.

(ii) Pressupostos quanto à oferta


(ii.1) Os factores são homogéneos e existem em quantidades fixas; i.e., a dotação
factorial é constante.
(ii.2) A função de produção é caracterizada por rendimentos constantes à escala, para
ambos os bens, em ambos os países: significa que se, por exemplo, duplicarmos a
quantidade de cada um dos factores simultaneamente, obteremos o dobro do output.
(ii.3) Os factores de produção obedecem à lei dos rendimentos decrescentes; i.e., custos
de oportunidade de produção crescentes (implicando especialização incompleta).
Assim, mantendo constante a quantidade utilizada de um factor, aumentos na
quantidade de outro factor resultam em aumentos do output menos que proporcionais
e cada vez menores.
(ii.4) Irreversibilidade factorial; i.e., uma vez classificados os bens em termos de
intensidade factorial não há possibilidade de haver alterações. Assim, se X é L-
intensivo relativamente a Y, Y será K-intensivo relativamente a X qualquer que seja
o rácio entre os preços dos factores.
(ii.5) As funções de produção são idênticas nos dois países, ou seja, a tecnologia é
universal. Este pressuposto, juntamente com a neutralidade da procura, conduz a que
diferenças nos preços relativos dos bens resultem exclusivamente de distintas
dotações factoriais.

iii) Pressupostos quanto à procura

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(iii.1) A procura é idêntica nos dois países, isto é, as preferências são similares nos dois
países. Isto resulta na neutralidade da procura, conduzindo a que diferenças nos
preços relativos dos bens apenas resultem de distintas condições da oferta.
(iii.2) As preferências dos dois países são dadas pelo mesmo mapa social de indiferença.

Determinante das trocas do modelo de Heckscher-Ohlin


A intensidade factorial: classificação das indústrias/bens
Para ser válido, o modelo requer que um bem seja L-intensivo relativamente ao
outro. Por exemplo, admitindo o seguinte exemplo para os bens Vestuário e Máquinas -
onde por simplicidade se consideram coeficientes de produção fixos (uma única técnica
de produção):

Quantidade de factor por unidade de produto


Trabalho, L Capital, K
Vestuário 6 2
Máquinas 8 4

resulta que (K/L)Vestuário = 2/6 = 1/3 e (K/L)Máquinas = 4/8 = 1/2. Assim, podemos concluir
que a produção de máquinas é relativamente intensiva em K face à produção de
vestuário. Ou seja, por unidade de L, a produção de máquinas requer mais unidades de K
que a produção de vestuário. Consequentemente, o vestuário é L-intensivo relativamente
às máquinas.9

A abundância factorial e classificação dos países


Note-se que, conjugados os pressupostos (ii.5) tecnologia universal e (iii.1) neutralidade
da procura acima expostos, a única fonte de diferença entre os países reside nas
diferentes dotações factoriais dos países. Dados os pressupostos (ii.5) e (iii.1), os
conceitos de dotações factoriais físicas e dotações factoriais económicas conduzem à
mesma classificação dos países, embora não sejam idênticos.
O critério físico (lado da oferta) determina a abundância factorial dos países na base das
quantidades físicas de K e L existentes. Assim, por exemplo, se (K/L)A > (K/L)B diz- se
que, com base na abundância factorial em termos físicos, A é relativamente abundante em
K pois possui uma maior quantidade de K por unidade de L.

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O critério económico atende à oferta e à procura, ao classificar os países com base na
comparação de w/r em autarcia. Assim, por exemplo, se (w/r)A > (w/r)B diz-se que,
com base na abundância factorial em termos económicos, A é relativamente abundante
em K porque este factor é relativamente mais barato do que em B.
Repare-se que a diferença pode ser significativa. Imagine-se que Portugal é L-

abundante quando comparado com Espanha em termos físicos e que ambos produzem
dois bens, vestuário (L-intensivo) e máquinas (K-intensivo). Neste caso seria normal que
o vestuário fosse relativamente mais barato em Portugal que em Espanha. Contudo, a
consideração das condicionantes da procura leva-nos necessariamente a assumir a
possibilidade dos consumidores portugueses terem uma preferência tão grande por
vestuário que os preços relativos dos bens nos dois países não são os atrás apontados. Ou
seja, a grande procura de vestuário em Portugal implica grande produção de vestuário e,
por isso, grande procura de L e aumento de w/r. Ou seja, em termos económicos Portugal
seria abundante em capital.

Intensidade e abundância factorial, formulação e explicação teórica da proposta


do modelo
Da consideração da abundância factorial resulta uma classificação dos países e da
consideração da intensidade factorial, resulta uma classificação das indústrias. Da conjugação
das duas informações, torna-se possível enunciar o postulado pelo modelo de Heckscher-Ohlin:
“Cada país tem vantagem comparativa no bem relativamente mais intensivo no factor de
produção em que o país é relativamente mais abundante.” Ou, dito de outro modo, torna-
se possível evidenciar a existência de incentivos e vantagens na troca internacional se cada
país se especializar na produção do bem em cuja função de produção se incorpora
relativamente mais o factor de produção em que o país é relativamente mais abundante.
De facto, se determinado país é relativamente abundante em K, terá um preço relativo
mais baixo (em autarcia) para o seu produto K-intensivo. Se o outro país é
relativamente abundante em L, terá um preço relativamente mais baixo em autarcia para o
seu produto L-intensivo. Uma vez que os preços em autarcia são distintos, há ganhos
potenciais na troca. Quando esta se verifica, os preços equilibram-se entre os países. Em cada
país a produção altera-se: cada país especializa-se na produção e exportação do bem que
produz relativamente mais barato, o que significa que o país irá exportar o bem que usa
NOTAS DE AULAS/TCI/C&A/ISPG/2017 NHANOMBE
mais intensivamente o factor em que é relativamente abundante.
Note-se que o conceito de vantagem comparativa se mantém: simplesmente, enquanto em
Ricardo ela derivava da diferença de tecnologia, aqui deriva da diferença nas dotações
factoriais em termos relativos10. Em termos gráficos (diagrama de Harrod- Johnson):

NOTAS DE AULAS/TCI/C&A/ISPG/2017 NHANOMBE


A parte direita do diagrama mostra a relação entre a remuneração relativa dos factores e a
proporção factorial (intensidade factorial de cada indústria). Se w/r aumenta, então K/L aumenta,
isto é, se o preço relativo de uma factor aumenta a indústria tenderá a recorrer mais ao factor
cujo preço não aumentou. A parte esquerda do diagrama ilustra a relação entre a remuneração
relativa dos factores e o preço dos bens. Assim, o gráfico relaciona os preços relativos dos bens
com as intensidades factoriais relativas, através das remunerações relativas dos factores.
O país A é relativamente mais abundante em K uma vez que K/L é superior em qualquer
das indústrias relativamente ao país B (que é então relativamente abundante em L). O bem Y
é relativamente intensivo em K e o bem X é relativamente intensivo em L (quer em A quer
em B). Assim, tomando o resultado do teorema de de Heckscher-Ohlin, A irá especializar-se
em Y e B em X. A observação dos preços em autarcia torna evidente este sentido de
especialização: Y é relativamente mais barato em A, pelo que é nesse bem que o país se deverá
especializar. Existindo diferentes preços em autarcia, existe um claro incentivo à troca.
O modelo de Heckscher-Ohlin, tal como o de Ricardo, apenas contempla o lado da oferta
na explicação das trocas. É, no entanto, distinto do modelo de Ricardo, ao procurar
explicar as trocas internacionais com base nas diferentes dotações factoriais dos países.

Os três corolários do modelo: consequências/efeitos da abertura à troca


(1) A igualização internacional do preço dos factores e o teorema de Samuelson (1949)
Pretende este teorema demonstrar que se entre dois países, A e B, que produzem
dois bens, X e Y, para os quais apresentam funções de produção idênticas, não houver
restrições ao comércio nem custos de transporte, a remuneração dos factores, relativa e
absoluta, é a mesma nos dois países. Esta igualdade verifica-se mesmo que os factores
sejam imóveis internacionalmente e existam diferentes dotações factoriais entre os países,
bastando para tal que o número de bens comercializados seja pelo menos igual ao número
de factores de produção.
Ou seja, como consequência do comércio internacional produz-se uma tendência para
a igualização dos preços dos factores. Nesse sentido, o comércio internacional de bens
funciona como um substituto perfeito da mobilidade internacional de factores. Na sua
essência, o modelo de Heckscher-Ohlin estabelece uma troca indirecta de factores
entre os países. Exportando o bem L-intensivo em troca do bem K-intensivo, o país
relativamente abundante em L exporta indirectamente uma quantidade de L e importa
uma quantidade de K. Esta troca indirecta de factores aumenta a remuneração de L no
país L-abundante e baixa-a no país K-abundante, enquanto que a remuneração de K, r,
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aumenta no país K-abundante e diminui no país L-abundante.
A demonstração poderia ser comprovada através do diagrama de Harrod-Johnson. Em
particular, com a abertura ao comércio internacional, a arbitragem assegura que o preço
relativo dos bens converge para um preço de equilíbrio. Então, considerando as funções
de produção idênticas, fica assegurado que w/r é igual nos dois países e que os rácios K/L são
idênticos nos dois países relativamente a cada indústria.
Em termos de remuneração absoluta, constatamos que em concorrência perfeita estas
correspondem às produtividades marginais dos factores, w e r. Estas dependem apenas da
proporção K/L usada na produção dos bens, a qual é igual nos dois países. Assim, as
produtividades marginais são iguais e consequentemente as remunerações.
Embora este teorema seja logicamente correcto, as suas conclusões podem parecer
contrariadas pelo que se observa no mundo real. Tal verifica-se porque o teorema só é válido
sob certos pressupostos, como o livre comércio, homogeneidade do produto e dos factores e a
identidade de tecnologia ao nível mundial, situações que hoje estão bem longe de suceder,
pelo que existirão então distintas remunerações relativas e absolutas dos factores nos
diferentes países. Entre outros factores, os custos de transporte, as tarifas, os subsídios e
outras políticas económicas contribuem para diferentes preços dos produtos entre os países.
Ora, se os preços dos produtos não são os mesmos, então também não é de esperar que
as remunerações relativas dos factores sejam as mesmas. O teorema é contudo um ponto de
partida para a explicação das diferenças de salários reais entre os países e a forma como a livre
troca tende a reduzir tais disparidades.

(2) A repartição interna dos rendimentos e o teorema de Stolper-Samuelson (1941)


Este teorema indica-nos a forma como as alterações dos preços relativos dos bens, derivadas
da abertura à troca, afectam os preços dos factores. Sabemos já que se os termos de
troca pX/pY se elevam, o output de Y diminui e o de X aumenta.
Atendendo à relação entre os preços relativos e as remunerações relativas dos factores,
observar-se-á que, considerando X L-intensivo, w/r aumenta; ou seja, o preço relativo de L
eleva-se, enquanto K se torna relativamente mais barato. Por outras palavras, verificando-se
um aumento no preço relativo de um bem, então o factor em que ele é relativamente intensivo
vê subir o seu preço relativo e o outro factor vê diminuir a sua remuneração.
A lógica deste resultado revela-se claramente a partir do que anteriormente se disse sobre o
modo como o valor de um bem ou de um factor provém da sua escassez. Quando o preço
relativo de um bem sobe, tal reflecte um aumento na sua procura pelos indivíduos, isto
é, um aumento da escassez relativa desse bem. Este, por seu turno, reflecte um aumento
na escassez dos factores que entram na sua produção. De facto, para produzir mais do bem,
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aproveitando a sua subida de preço, os produtores terão de utilizar mais factores elevando a
sua procura e dispondo-se a oferecer maior remuneração. Assim sendo, quanto mais
intensivamente for um factor utilizado na produção do bem em causa, mais aumentará o seu
preço (remuneração) relativamente ao outro factor.
E o que dizer quanto à remuneração absoluta? Sendo X L-intensivo e Y K- intensivo,
então pX/pY↑ K/L ↑ cada unidade de L tem mais K ao seu dispor PmgL ↑ e,
portanto, w ↑ .
Resumindo, a livre troca beneficia, em cada país apenas os detentores do factor de produção
em que o país é abundante. Assim, ao contrário do que a teoria clássica
implicitamente assumia, o comércio internacional pode não ser benéfico para toda a

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gente.12 Recorde-se que, em condições óptimas, isto é, segundo os pressupostos do
modelo, o comércio livre torna-se um substituto perfeito da livre circulação de factores.
Assim sendo, abrir ao comércio é equivalente a aumentar a oferta do factor escasso, que
necessariamente se traduz numa redução do seu preço.
Numa sociedade em que as classes detentoras dos factores estão claramente
definidas, o comércio livre, embora beneficie a economia como um todo, tem efeitos
distintos nas várias classes de cidadãos. Assim, este conflito de interesses resulta na forte
possibilidade do aparecimento de lobbies proteccionistas. Veja-se, por exemplo, o caso
dos EUA e a protecção dos têxteis. Os EUA são um país abundante em L especializado
mas onde o L não especializado é relativamente escasso. Como os têxteis requerem
essencialmente L não especializado, a abertura ao comércio destes produtos seria
fortemente prejudicial para os L sem qualificações específicas. É o lobby por eles
organizado que está na origem do relevante proteccionismo.
Por exemplo, considerando os bens tecido e trigo, a imposição duma tarifa sobre a
importação de tecido leva a um aumento do preço do tecido em relação ao trigo. Em
resposta a alterações dos preços relativos os produtores de tecido vão aumentar a sua
produção. Assim, vai haver lugar a uma alteração da distribuição de factores: a indústria
do trigo vai libertar factores que serão transferidos para o tecido. Contudo, o trigo liberta
mais K do que o tecido pode absorver, uma vez que supostamente o tecido é mais L-
intensivo que o trigo. Desta forma, verificar-se-á um excesso de oferta de K e excesso de
procura de L, pelo que w/r aumentará, beneficiando L e prejudicando K.

(3) A livre troca e o crescimento económico e o teorema de Rybczynski


Quando os coeficientes de produção são constantes, um aumento na dotação de um
factor aumenta o output do bem que usa esse factor intensivamente e reduz o output do
outro bem. Este postulado faz a ‘ponte’ entre o comércio internacional e o crescimento
económico, observando os efeitos da alteração das dotações factoriais (crescimento),
mantendo-se constantes os termos de troca.
Note-se que o facto de se manterem constantes os termos de troca implica que se
mantenham constantes os preços relativos dos factores, quaisquer que sejam as dotações
factoriais dos países (teorema da igualização dos preços dos factores). Assim sendo, a

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Dizemos, pode não ser, porque os detentores de L também podem deter K. Por isso, a perda registada
com um factor pode ser (mais do que) compensada com o ganho no outro.

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alteração da dotação factorial de um país não terá efeito sobre w/r desde que os termos de
troca se mantenham. Mantendo-se w/r também se manterá K/L em ambas as indústrias. O
que sucede então com o output total das duas indústrias quando aumenta a oferta de um
factor, considerando constante o rácio K/L?
O aumento da oferta de K, por exemplo, irá conduzir a um aumento da produção do
bem K-intensivo e à diminuição da produção do bem L-intensivo. Ou seja, o aumento da
oferta de um factor conduz ao aumento (mais que proporcional) da produção do bem que
o utiliza intensivamente, e à redução da produção do outro bem. A indústria mais K-
intensiva passará agora a empregar mais de ambos os factores de produção. Portanto, o
aumento da oferta de um factor leva à deslocação de ambos os factores para a indústria
que utiliza intensivamente o factor que aumentou.
K Y LY K X L X K
Vejamos algebricamente. Sabe-se que: + = , pelo que sendo
LY L LX L L
dados KY/LY e KX/LX, a única forma de manter verdadeira a expressão quando K se eleva
(determinando a subida de K/L) será dando um maior peso à indústria com maior K/L.
Em termos de efeitos no output, a produção potencial de ambos os bens aumenta,
beneficiando, contudo apenas as indústrias que utilizam intensivamente o factor cuja
dotação aumentou. Ou seja, o output óptimo inclui uma maior quantidade de Y, mas isso
não é possível sem reduzir X, já que o K (novo) tem que ser combinado com alguma
quantidade de trabalho que tem de ser libertada por X.
Em suma, o K suplementar será absorvido de maneira a que K/L se mantenha. Se K
se repartisse por ambas as indústrias, seria necessário, para que K/L se mantivesse, mais
L em cada um dos ramos. Isto é impossível dado que a dotação em L não aumenta, o que
implica que o K suplementar terá de ser empregue apenas na indústria que utiliza
relativamente mais K.

Relevância dos teoremas estudados


Os teoremas/corolários ao modelo de Heckscher-Ohlin fornecem importante
informação sobre o sentido da especialização, os efeitos da abertura do país à troca e a
forma como os padrões da troca variam ao longo do tempo. Por exemplo, o teorema de
Samuelson e de Stolper-Samuelson predizem o que irá acontecer às remunerações dos
factores após a abertura à troca.

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Por outro lado, à medida que a troca se desenvolve, estes teoremas auxiliam
também o entendimento do tipo de alterações que se espera ao longo do tempo. Por
exemplo, o teorema de Rybczynski descreve a forma como o padrão de troca pode variar
à medida que o país cresce. Consideremos um país em que se está a verificar um grande
aumento da força de trabalho e a ter relativamente pouco investimento. O rácio K/L
estará a decrescer sucessivamente e se este país continuar a enfrentar os termos de troca
constantes, este teorema prediz um aumento da produção de bens L-intensivos mais do
que proporcional ao de outros países, enquanto que a produção de bens K-intensivos
subirá proporcionalmente menos ou mesmo decrescerá. Suponhamos que o país já
exportava inicialmente o bem L-intensivo e importava o bem K-intensivo. Assim, à
medida que a força de trabalho do país aumenta, o país exportará mais e mais o bem L-
intensivo e importará mais o bem K-capital (isto supondo sempre que a composição da
procura interna não se altera).

Consequências da não verificação de alguns pressupostos13


Violação da hipótese da irreversibilidade factorial
Considerando que a intensidade factorial é alterada para remunerações relativas dos
factores acima de um determinado nível, então:
(i) o modelo de Heckscher-Ohlin deixa de poder ser aplicado dada a impossibilidade de
proceder a uma classificação definitiva dos bens em matéria de intensidade factorial.
O modelo de Heckscher-Ohlin não está preparado para, neste caso, prever o bem
exportado, baseado na relativa abundância factorial. Um país respeitará as previsões
do modelo mas o outro não.
(ii) o teorema de Samuelson deixa de ser válido: com a livre troca, os preços relativos dos
bens são iguais nos dois países, mas o mesmo não sucede com as remunerações
relativas dos factores.
Vamos então supor que existe reversibilidade das intensidades factoriais: Se
w/r<wn (ponto de reversibilidade), então o produto X é L-intensivo e Y é K-intensivo.
Para w/r>wn verifica-se o inverso. Portanto, pX/pY apenas é função crescente do rácio w/r
se X for L-intensivo, o que implica a quebra da correspondência unívoca (para a mesma
relação pX/pY existem duas relações w/r). Na medida em que pX/pY é menor em B do que

13
Mais à frente, no módulo consagrado ao comércio internacional sob concorrência imperfeita, veremos as
consequências da violação da hipótese de rendimentos constantes à escala e concorrência perfeita.

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em A, neste país Y é L-intensivo, havendo tendência a aumentar a remuneração relativa
dos factores (w/r)A. Em B, X é L-intensivo, havendo tendência ao aumento de (w/r)B. Tal
situação conduz à possibilidade de haver igualização dos preços relativos dos bens, sem
que tal ocorra ao nível das remunerações relativas dos factores.

w/r
Y

p X/p Y (p X/p Y)A (K/L) YA K/L

Violação da hipótese da neutralidade da procura


Como implícito na análise efectuada, se a procura não for neutral então há a
possibilidade de inviabilização dos resultados previstos pelo modelo de Heckscher-Ohlin.
Com efeito, com a violação desta hipótese a dotação física dos países pode ser diferente
da dotação económica.
Vejamos o seguinte exemplo. Considere-se que A é K-abundante, que Y K-
intensivo e que a procura em A é fortemente orientada para Y. Neste caso, o preço
relativo deste bem poderá ser mais elevado do que em B (L-abundante). Com a abertura à
troca, A exporta X e importa Y, pois este é mais barato a preços internacionais. Em B
acontece exactamente o contrário. Ora este padrão de comércio é o oposto do previsto
pelo modelo de Heckscher-Ohlin. Ele levará a remuneração relativa de K a diminuir em
A e a de L a diminuir em B, contrariando igualmente o previsto.

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