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Considerações iniciais
As principais alterações na teoria das trocas desde o tempo de Ricardo centraram-se no
desenvolvimento do lado da procura e do lado da oferta, de uma forma que não se baseia
na teoria do valor trabalho. Mais especificamente, a abordagem neoclássica surgiu como
reacção às ideias de Ricardo e seguiu duas vias:
Procura (Stuart Mill e Alfred Marshall) – análise da especialização ao nível dos
produtos;
Oferta (Heckscher, Ohlin e Samuelson) – análise da especialização ao nível dos
factores.
Trata-se de duas abordagens solidárias entre si pois, seguem os mesmos pressupostos de
base, embora tenham uma lógica de análise bastante distinta.
Por um lado, sabemos que Ricardo observou o comércio internacional pelo lado da oferta,
nunca tendo procurado determinar a exacta RTI, pois não dispunha dos
instrumentos que lhe permitiam compreender o papel da procura nos mercados. É Stuart
Mill quem introduz o lado da procura na abordagem ricardiana, ao pretender completar
Ricardo.
Por outro lado, a análise de Hechscher-Ohlin, feita, tal como a de Ricardo, pelo lado da
oferta daria, aparentemente, uma melhor continuidade a esta última. Contudo, tal não é
totalmente correcto. A análise de Heckscher e Ohlin processa-se com base em identidade
de funções de produção, enquanto a análise de Ricardo se processa com base em
desigualdade das mesmas. Para estes autores, será a distinta dotação factorial (e não a
Os pressupostos neo-clássicos
A abordagem neo-clássica desenvolve-se em torno da noção de equilíbrio geral, apoiando-
se num conjunto de hipóteses primordiais:
1) Quanto aos factores: (i) escassez; (ii) pleno-emprego; (iii) móveis no interior do país
mas imóveis à escala internacional; e (iv) rendimentos marginais decrescentes (mantendo
constante a quantidade utilizada de um factor, aumentos na quantidade de outro resultam
em aumentos de output menos que proporcionais e cada vez menores);
2) Quanto aos mercados: (i) concorrência perfeita em todos os mercados; e (ii)
0 2 3 4 5V X
Valor da produção =
A representação da procura
Para evidenciar os efeitos da procura, necessitamos de uma forma de apresentar as escolhas
dos consumidores. O uso das curvas de indiferença serve tal propósito. Assim, consideramos
uma representação em termos de curvas de indiferença da comunidade, as quais evidenciam as
preferências agregadas de todos os indivíduos numa dada economia e têm as mesmas
propriedades das curvas de indiferença individuais. Saliente-se, entre elas, as seguintes: (i)
são negativamente inclinadas, (ii) nunca se intersectam, (iii) quanto mais longe da origem
maior o nível de utilidade ou satisfação que traduzem (a sociedade comporta-se de forma a
atingir a CI mais elevada possível), (iv) são convexas relativamente à origem, isto é, a
Taxa Marginal de Substituição de Y por X (TMSY/X) é decrescente (o que significa
utilidades marginais relativas decrescentes; i.e., a substituição de um bem por outro
torna-se progressivamente mais difícil). Estas características resultam dos pressupostos neo-
clássicos quanto à procura, dos quais se destaca o pressuposto de utilidades marginais
decrescentes, mas sempre positivas.
Ou seja, considera-se o mapa de indiferença social que representa o conjunto de curvas
sociais de indiferença que, por sua vez, sumariam os gostos da sociedade (i.e., correspondem à
agregação de milhões de preferências individuais), e que possuem as mesmas propriedades
das curvas de indiferença para consumidor individual.
Assim, o equilíbrio ocorrerá na tangência entre a FPP e a curva de indiferença mais elevada
possível. Isto é, no ponto onde há igualdade entre a taxa marginal de
transformação de Y por X (ou custo de oportunidade de X- TMTY/X), dada pela
inclinação da tangente à CPP no ponto em causa, e a taxa marginal de substituição de Y por
X (TMSY/X) dada pela inclinação da tangente da curva de indiferença nesse ponto. Sendo
um equilíbrio simultâneo para consumidores e para produtores, esse declive traduz também o
rácio de preços autárcicos. Na figura 3, tal corresponde ao ponto P0.
Y
M
U
P0
N
V X
S
P1
C1
T
N
X
O menor preço relativo de X afecta também o consumo doméstico. A maximização do bem
estar dos consumidores implica que a TMSY/1X seja igual à nova razão dos preços. Isso
implica que se consuma no ponto C1,,a que corresponde um nível de satisfação superior
ao de autarcia. Pode-se dizer que a implicação mais importante da livre troca é a
independência entre as decisões de produção e de consumo, com esta última a deixar de
estar condicionado pelas restrições da produção.
Y País A Y País B
a
b
X X
O preço relativo de X face a Y é superior em A (tga>tgb) pelo que A se deve especializar em Y e B em X.
w/r
K/L
Px/Py
Nota: (i.2) e (i.4) asseguram a igualização dos preços dos produtos e dos factores entre os
países após comércio.
resulta que (K/L)Vestuário = 2/6 = 1/3 e (K/L)Máquinas = 4/8 = 1/2. Assim, podemos concluir
que a produção de máquinas é relativamente intensiva em K face à produção de
vestuário. Ou seja, por unidade de L, a produção de máquinas requer mais unidades de K
que a produção de vestuário. Consequentemente, o vestuário é L-intensivo relativamente
às máquinas.9
abundante quando comparado com Espanha em termos físicos e que ambos produzem
dois bens, vestuário (L-intensivo) e máquinas (K-intensivo). Neste caso seria normal que
o vestuário fosse relativamente mais barato em Portugal que em Espanha. Contudo, a
consideração das condicionantes da procura leva-nos necessariamente a assumir a
possibilidade dos consumidores portugueses terem uma preferência tão grande por
vestuário que os preços relativos dos bens nos dois países não são os atrás apontados. Ou
seja, a grande procura de vestuário em Portugal implica grande produção de vestuário e,
por isso, grande procura de L e aumento de w/r. Ou seja, em termos económicos Portugal
seria abundante em capital.
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gente.12 Recorde-se que, em condições óptimas, isto é, segundo os pressupostos do
modelo, o comércio livre torna-se um substituto perfeito da livre circulação de factores.
Assim sendo, abrir ao comércio é equivalente a aumentar a oferta do factor escasso, que
necessariamente se traduz numa redução do seu preço.
Numa sociedade em que as classes detentoras dos factores estão claramente
definidas, o comércio livre, embora beneficie a economia como um todo, tem efeitos
distintos nas várias classes de cidadãos. Assim, este conflito de interesses resulta na forte
possibilidade do aparecimento de lobbies proteccionistas. Veja-se, por exemplo, o caso
dos EUA e a protecção dos têxteis. Os EUA são um país abundante em L especializado
mas onde o L não especializado é relativamente escasso. Como os têxteis requerem
essencialmente L não especializado, a abertura ao comércio destes produtos seria
fortemente prejudicial para os L sem qualificações específicas. É o lobby por eles
organizado que está na origem do relevante proteccionismo.
Por exemplo, considerando os bens tecido e trigo, a imposição duma tarifa sobre a
importação de tecido leva a um aumento do preço do tecido em relação ao trigo. Em
resposta a alterações dos preços relativos os produtores de tecido vão aumentar a sua
produção. Assim, vai haver lugar a uma alteração da distribuição de factores: a indústria
do trigo vai libertar factores que serão transferidos para o tecido. Contudo, o trigo liberta
mais K do que o tecido pode absorver, uma vez que supostamente o tecido é mais L-
intensivo que o trigo. Desta forma, verificar-se-á um excesso de oferta de K e excesso de
procura de L, pelo que w/r aumentará, beneficiando L e prejudicando K.
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Dizemos, pode não ser, porque os detentores de L também podem deter K. Por isso, a perda registada
com um factor pode ser (mais do que) compensada com o ganho no outro.
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alteração da dotação factorial de um país não terá efeito sobre w/r desde que os termos de
troca se mantenham. Mantendo-se w/r também se manterá K/L em ambas as indústrias. O
que sucede então com o output total das duas indústrias quando aumenta a oferta de um
factor, considerando constante o rácio K/L?
O aumento da oferta de K, por exemplo, irá conduzir a um aumento da produção do
bem K-intensivo e à diminuição da produção do bem L-intensivo. Ou seja, o aumento da
oferta de um factor conduz ao aumento (mais que proporcional) da produção do bem que
o utiliza intensivamente, e à redução da produção do outro bem. A indústria mais K-
intensiva passará agora a empregar mais de ambos os factores de produção. Portanto, o
aumento da oferta de um factor leva à deslocação de ambos os factores para a indústria
que utiliza intensivamente o factor que aumentou.
K Y LY K X L X K
Vejamos algebricamente. Sabe-se que: + = , pelo que sendo
LY L LX L L
dados KY/LY e KX/LX, a única forma de manter verdadeira a expressão quando K se eleva
(determinando a subida de K/L) será dando um maior peso à indústria com maior K/L.
Em termos de efeitos no output, a produção potencial de ambos os bens aumenta,
beneficiando, contudo apenas as indústrias que utilizam intensivamente o factor cuja
dotação aumentou. Ou seja, o output óptimo inclui uma maior quantidade de Y, mas isso
não é possível sem reduzir X, já que o K (novo) tem que ser combinado com alguma
quantidade de trabalho que tem de ser libertada por X.
Em suma, o K suplementar será absorvido de maneira a que K/L se mantenha. Se K
se repartisse por ambas as indústrias, seria necessário, para que K/L se mantivesse, mais
L em cada um dos ramos. Isto é impossível dado que a dotação em L não aumenta, o que
implica que o K suplementar terá de ser empregue apenas na indústria que utiliza
relativamente mais K.
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Por outro lado, à medida que a troca se desenvolve, estes teoremas auxiliam
também o entendimento do tipo de alterações que se espera ao longo do tempo. Por
exemplo, o teorema de Rybczynski descreve a forma como o padrão de troca pode variar
à medida que o país cresce. Consideremos um país em que se está a verificar um grande
aumento da força de trabalho e a ter relativamente pouco investimento. O rácio K/L
estará a decrescer sucessivamente e se este país continuar a enfrentar os termos de troca
constantes, este teorema prediz um aumento da produção de bens L-intensivos mais do
que proporcional ao de outros países, enquanto que a produção de bens K-intensivos
subirá proporcionalmente menos ou mesmo decrescerá. Suponhamos que o país já
exportava inicialmente o bem L-intensivo e importava o bem K-intensivo. Assim, à
medida que a força de trabalho do país aumenta, o país exportará mais e mais o bem L-
intensivo e importará mais o bem K-capital (isto supondo sempre que a composição da
procura interna não se altera).
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Mais à frente, no módulo consagrado ao comércio internacional sob concorrência imperfeita, veremos as
consequências da violação da hipótese de rendimentos constantes à escala e concorrência perfeita.
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em A, neste país Y é L-intensivo, havendo tendência a aumentar a remuneração relativa
dos factores (w/r)A. Em B, X é L-intensivo, havendo tendência ao aumento de (w/r)B. Tal
situação conduz à possibilidade de haver igualização dos preços relativos dos bens, sem
que tal ocorra ao nível das remunerações relativas dos factores.
w/r
Y
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