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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: PRÁTICAS, RENOVAÇÃO PEDAGÓGICA E
MEMÓRIAS
São Paulo - SP
Novembro de 2021
1. Introdução
Pensar sobre a História da Ciência não é pensar ou refletir somente sobre disciplinas
ou determinados conteúdos de forma segmentada. Ao contrário, quando abordamos tal
campo de estudos, discutimos não só os conhecimentos em si, mas conseguimos
compreender e problematizar a visão dos alunos sobre a Ciência, buscando assim a
formação integral dos sujeitos pautada numa visão crítica de mundo. Conforme aponta
Rezende (2008), quando trabalhamos a História da Ciência permitimos ao sujeito ampliar
sua compreensão sobre o que é Ciência e sobre os processos científicos, fugindo das ideias
positivistas e tecnicistas amplamente difundidas ao longo dos anos.
Alvim e Zanotello (2014) reforçam que ao subsidiarmos a noção linear do
desenvolvimento científico e não aprofundarmos na complexidade da evolução da Ciência,
simplificamos o conhecimento e sua construção, superficializando o contexto histórico, as
controvérsias e conflitos envolvidos no processo. Sendo assim, o ensino e aprendizagem da
História da Ciência deveria estar presente durante toda a formação acadêmica, desde a
educação básica até ao ensino superior, sem estar necessariamente restrita à determinados
cursos e contextos formativos.
No que concerne ao Ensino Superior brasileiro, temos uma realidade bastante
controversa. A evolução histórica nos mostra que mesmo tendo nascido sob a influência da
noção de pesquisa, a expansão das universidades no país se deu de forma irregular e
focada na formação profissional a partir de uma perspectiva mercadológica. Principalmente
por conta da ampliação da oferta de cursos por instituições de ensino superior particulares,
nota-se uma crescente polarização na formação superior, dividida em pública e privada,
onde a última, mesmo seguindo as determinações curriculares dos diversos cursos, atua em
sua maioria de forma mais alinhada com a lógica de mercado (CACETE, 2014). Visando
apresentar uma proposta de prática inovadora no Ensino Superior, focaremos nossa
discussão no ensino de graduação considerando a realidade em universidades públicas,
mais especificamente, no contexto de uma possível reforma da USP “para que ela se
converta em uma Universidade”, nas palavras do professor Luiz Bevilacqua (BEVILACQUA;
ALMEIDA FILHO; MOTA, 2020).
O contexto pandêmico de ameaça global ofereceu à universidade pública uma
oportunidade de realizar uma grande reformulação e libertação de ideias, como vemos nas
falas dos professores Luiz Bevilacqua e Naomar de Almeida Filho quando estes apontam a
necessidade de repensarmos a formação superior no Brasil, elaborando propostas
interdisciplinares menos restritivas e segmentadas, tais como a formação em dois estágios,
sendo o primeiro um Bacharelado em Ciências e Cultura ou uma Licenciatura Interdisciplinar
em Ciências e Cultura, e o segundo uma formação profissional (idem). Chauí (2003, p.13) já
apontava em seu trabalho que a realidade encontrada naquele momento, e que se perpetua
ainda hoje, contribui para “a escolarização da universidade, com a multiplicação de
horas/aula, retirando dos estudantes as condições para leitura e pesquisa, isto é, para sua
verdadeira formação e reflexão”, o que provoca a fragmentação e dispersão dos cursos e
estimula a superficialidade. A autora argumenta que:
Nesse sentido, é de grande valia voltarmos nossa atenção para o Ensino Superior e
demonstrarmos por meio de quais aspectos uma proposta pedagógica partindo do campo de
estudos da História da Ciência pode se constituir numa prática inovadora para a formação
dos sujeitos, contribuindo assim para a renovação das práticas pedagógicas na USP e nas
universidades públicas brasileiras.
2. Fundamentação da proposta
Nossa proposta pedagógica pode ser caracterizada como uma unidade curricular dos
anos iniciais da graduação de um curso presencial de Bacharelado em Ciências e Cultural
ou Licenciatura Interdisciplinar em Ciências e Cultura. Em ambos os cursos, a formação
superior se dá em dois estágios, sendo estes a etapa inicial, com duração de 3 anos ou 6
semestres letivos. Essa etapa inicial da graduação seria composta por um currículo básico
interdisciplinar e obrigatório, representando 50% dos créditos mínimos, bem como por
disciplinas de livre escolha do estudante, que representariam os outros 50% dos créditos
mínimos. Como afirma Bevilacqua (op. cit.), o currículo básico interdisciplinar pode ser
desenvolvido a partir de uma abordagem temática, sendo o grupo de disciplinas que revela o
ethos e a missão da instituição. Uma destas disciplinas é “Bases Históricas e Filosóficas da
Ciência”, justamente aquela cuja sequência didática detalharemos neste trabalho, embora
convenha que antes apresentemos como ela se insere no projeto do curso e se articula com
outras unidades curriculares.
Um dos principais aspectos inovadores desta proposta parece-nos residir na
possibilidade de combatermos alguns dos principais problemas da universidade, o alto
índice de mudanças de cursos ou mesmo evasão de estudantes nos semestres iniciais dos
diferentes cursos. Seja por incompatibilidades pessoais, por falta de maturidade na hora da
escolha da carreira no vestibular ou por desconhecimento prévio dos cursos, muitos
estudantes acabam optando por trocar ou abandonar seus cursos, levando à perda de
tempo nas suas formações e comprometendo os indicadores de permanência e êxito da
universidade. Seja no Bacharelado em Ciências e Cultural ou na Licenciatura Interdisciplinar
em Ciências e Cultura, trabalhando a partir de uma perspectiva temática, inovadora e
interdisciplinar, o estudante teria tempo de amadurecer sua escolha para uma área de
formação profissional posterior, sem a necessidade de mudar de curso e sem perder os
créditos cursados.
Outro aspecto central dessa proposta de curso está na redução drástica do número
total de créditos a serem cursados, bem como um limite de créditos por semestre. Como
exposto pelo professor Bevilacqua (op. cit.), ao determinar um máximo de 15 créditos por
semestre, estaríamos transferindo o foco do ensinar para o aprender. Acreditamos que esta
estratégia não somente enfatiza a aprendizagem sobre a ensinagem, como ainda pode
contribuir também para reduzir a evasão causada por excesso de créditos e disciplinas nas
grades curriculares atuais. Ademais, a partir do uso sistemático de metodologias ativas e
tecnologias digitais, reforçamos o caráter pró-ativo da formação e o foco no processo de
construção do conhecimento pelos próprios estudantes, a partir de uma mediação dos
professores e da troca de experiências entre as turmas.
Sendo assim, se faz fundamental pensar em estratégias que supram não só as
questões curriculares como também compreendam o contexto de vida dos alunos. Nossa
sociedade se caracteriza atualmente pela imersão nos processos tecnológicos e na
importância da mesma no nosso cotidiano. Portanto, é imprescindível pensarmos em
estratégias que contemplem tal questão. Alguns encontros trarão recursos digitais como por
exemplo o uso do padlet como mural virtual para o compartilhamento de ideias e construção
de conceitos pelos alunos.
Nesse sentido, a disciplina terá como parte de suas atividades o desenvolvimento e a
aplicação de tecnologias que possam ser utilizadas pelos estudantes para o aprendizado e
discussão acerca da história da Ciência e, considerando que a universidade possui como
uma de suas principais atribuições contribuir para a aproximar a Ciência da sociedade, tais
ferramentas deverão atuar para divulgação científica. Pensando nisso, será proposto aos
alunos como atividade que desenvolvam um podcast em que compartilhem seus
conhecimentos acerca do tema e se familiarizem com estratégias que contribuirão para o
seu processo formativo.
ALVIM, Marcia Helena; ZANOTELLO, Marcelo. História das ciências e educação científica
em uma perspectiva discursiva: contribuições para a formação cidadã e reflexiva. Revista
Brasileira de História da Ciência, v. 7, n. 2, p. 349-359, 2014.
BEVILACQUA, Luiz; ALMEIDA FILHO, Naomar de; MOTA, Ronaldo. Vivenciando 2020 -
Perspectivas da universidade: instituição de conhecimento, formação e ensino? 26 mai
2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5FYyrA57lEA>. Acesso em: 24
nov 2021.