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Enquadramento Teó rico

A pandemia devido ao Coronavírus está a marcar o ano de 2020. Os prejuízos


desta pandemia passam por todos os sectores, desde a saúde ao ensino e mudaram por
completo o comportamento da humanidade. (Castaman & Rodrigues, 2020).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO,2020 cit.in Castaman & Rodrigues, 2020) referiu que a 14 de abril de
2020, 1,576,767,997 estudantes ficaram afetados devido ao encerramento das escolas
e universidade nos 192 países do mundo. Esta suspensão obrigada pode levar ao
abandono escolar e ao aumento das desigualdades, tal como ao incómodo de ter de
levar o processo de aprender autonomamente.
As tecnologias na educação são cada vez mais usadas e atualmente utilizam-se
inúmeras ferramentas digitais de forma a simplificar o processo de ensino. Ainda
assim, apesar da praticidade das novas tecnologias, as aulas online obrigam à
concentração, disciplina e autonomia (Nhantumbo, 2020).
O ensino à distância, de acordo com Perry & Rumble (1987, p.5 cit.in
Castaman & Rodrigues, 2020) pode ser denominada de diferentes formas, tais como
estudo aberto, educação não tradicional, estudo externo, extensão, estudo por contrato
ou estudo experimental.
A especificidade principal do ensino à distância é a fixação de uma
comunicação de via dupla, em que o professor e o aluno não estão no mesmo local.
Estes utilizam assim métodos que proporcionem a comunicação entre os dois, como
por exemplo correspondência postal ou electrónica, telefone, rádio, internet, CD-
ROM, vídeos ou televisão. (Castaman & Rodrigues, 2020).
A educação à distância é considerada como um método de ensino planeado
que acontece, por norma, num lugar diferente do local de ensino, obrigando assim a
procedimentos especiais de elaboração do curso, comunicação feita através de
dispositivos tecnológicos, e organizações administrativas especiais. (Moore &
Kearsley, 2007,p.02 cit.in Castaman & Rodrigues, 2020)
Devido à pandemia do Covid-19, em Março de 2020, foi regularizado o ensino
à distância para os estudantes de todos os ciclos e ensino superior, pois os riscos de
exposição na comunidade escolar eram muitos altos (cit.in Castaman & Rodrigues,
2020).
As instituições de ensino foram forçadas a retificar as metodologias de ensino
para dar resposta ao sistema de ensino. Estas tiveram de utilizar as plataformas
digitais para proporcionarem o ensino a todos os estudantes (Nhantumbo, 2020).

Covid-19

O coronavírus a nível mundial já infetou 80 852 622 de pessoas das quais se


recuperaram 45 754 541, falecendo 1 766 336 indivíduos.
Em Portugal, foram infetadas 394 573 pessoas, já se recuperaram 319 746 e
faleceram 6619 pessoas.

Ivo Solomã o; Mussa Abacar Gildo Aliante

É exequível mensurar a satisfação dos estudantes do ensino superior


(TONTINI; WALTER, 2011 cit. in Salomão et al., 2018). As necessidades dos alunos
podem ser identificadas permanentemente, tais como os fatores estruturais,
administrativos e pedagógicos como maneira de aprimorar a qualidade do ensino
superior e a capacidade de aprender do aluno.
A eficiência do processo educativo pode intensificar – se com a satisfação do
aluno. A satisfação académica aparenta estar relacionada significativamente à
qualidade da aprendizagem dos estudantes. Esta qualidade pode ser afetada pelas
especificidades da instituição e pela maneira como os estudantes percepcionam o
ambiente de ensino e de aprendizagem. (Salomão et al., 2018)
A avaliação da satisfação académica abrange todo o contexto institucional e
considera a qualidade do curso, a relação entre a teoria e a prática, a qualidade do
ensino, do sistema de avaliação, o contacto com os professores e colegas, a
administração da universidade, das instalações e dos recursos (Schleich et al., 2006).
O entendimento que os estudantes têm da sua experiência académica é
também considerada como a satisfação académica e esta percepção pode interceder no
nível de empenho dos estudantes com a instituição. (PIKE, 1991 cit. in Salomão et al.,
2018).
É através das relações do estudante com a instituição que a integração deste à
universidade vai ser processada e quando esta integração não ocorre positivamente,
pode levar ao abandono escolar (Salomão et al., 2018).
Um estudo de Ribeiro et al. (2013 cit in Salomão et al., 2018) concluiu que a
satisfação académica dos alunos considera a satisfação destes com o curso, a
oportunidade, o desenvolvimento e a satisfação com a instituição.
Engajar-se no ensino à distância tem sido claramente uma das mudanças mais
importantes exigidas dos professores (Departamento de Educação, 2020a). Este
desafio foi agravado pelos vários níveis de acesso dos alunos à tecnologia online
(OCDE, 2020a) e vontade de se envolver (Borup et al., 2020) já que mudanças no
locus de causalidade percecionado relacionam-se com a necessidade de autonomia,
isto é, quando um acontecimento impulsiona uma mudança na perceção para um
locus mais externo, a motivação intrínseca diminui e consequentemente diminui sua
perceção de autoeficácia.
De acordo com Ajzen, (1985) apud L. Sokal et al., (2020), os professores que
mantiveram crenças e atitudes positivas possuíam recursos eficazes e remoção de barreiras
que lhes permitiram exercer um ensino bem-sucedido. (Bakker & Demerouti, 2007) Aspectos
semelhantes foram observados nos grupos de discussão com os estudantes universitários de
diversas instituições de ensino superior em Portugal e, destacou-se que, os alunos mais
motivados intrinsecamente conseguiram se adaptar a essas mudanças de forma mais positiva e
com menos propensão a evasão.

Sokal (2020) destaca que mesmo acontecendo diminuições iniciais de eficácia em


função das novas demandas, sua eficácia pode se recuperar com o tempo à medida em
que os professores aprendem a se adaptar à nova situação ou aproveitam os recursos
externos de que dispõem.

Oscar Carrasco; Amely Escalante; Genero Moyano

Os professores deveriam aproveitar os recursos existentes, do ciberespaço,


para versificar o ensino (Graells, 2004). Ainda de acordo com Graells (2004) é ainda
imprescindível promover a formação das TICs tendo em conta as necessidades dos
professores e do ensino.

WAGNER ANDRIOLA
As TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) ocupam um lugar de
excelência na tarefa de apoiar o ensino de qualidade (LIMA; ANDRIOLA, 2013;
TOLENTINO et al., 2013 cit. in Bandeira Andriola, 2019)

Para os autores Marsh (1987 cit. in Bandeira Andriola, 2019), Marsh e Bailey
(1993 cit. in Bandeira Andriola, 2019) a avaliação da qualidade do ensino à distância
deve ser feita a partir da consideração de cinco indicações: a qualidade do professor
online; a qualidade da interação entre o professor online e os alunos; a qualidade da
aprendizagem dos alunos; a qualidade da relação do professor presencial com os
alunos e por fim, a qualidade dos processos avaliativos.

Metodologia
A técnica de investigação que tem como objetivo a recolha de dados
denomina-se de focus group. (Keating, silva e veloso). O focus group, técnica de
recolha de dados qualitativos através da interação do grupo com o investigador, sobre
um determinado tema, junta pessoas com semelhanças, através de uma discussão
focalizada. (Morgan, 1996, 1997; Krueger e Casey, 2009).
Este método de investigação que se dirige à recolha de dados utiliza como
fonte de dados a interação do grupo na discussão e preconiza a importância do papel
do investigador, para a obtenção dos objetivos, na dinamização da discussão do
grupo. (Veloso e Keating).
Esta técnica abrange cinco fases, detalhadamente, o planeamento, a
preparação, a moderação, a análise dos dados e, por fim, a divulgação dos resultados.
(Krueger & Casey, 2009)
Neste estudo, foi utilizado um guião de entrevista semiestruturada formada por
8 questões de resposta aberta. O moderador da discussão, no decorrer da mesma,
apoia o grupo na exploração das questões de maneira a que surjam, aos entrevistados,
maior comunicação. (Morgan, 1997).
Recorremos a indivíduos que, no ano letivo anterior (2019/2020), tenham
estado em regime de ensino à distância desde Março de 2020 e a indivíduos que este
ano continuam em regime de aulas à distância e presencial, seja de forma intercalada
ou não.
O recrutamento dos participantes ocorreu via email e mensagens escritas
através da plataforma Messenger. Aquando da confirmação da disponibilidade para
participar nesta discussão, foi enviado o Pedido de Consentimento Informado e ainda
informações relativas à data, hora e link para aceder à reunião. Os participantes
receberam também informação relativamente ao objetivo da investigação e à duração
da entrevista. Foi assegurado aos intervenientes o anonimato.
A discussão foi realizada e gravada através da plataforma ZOOM e,
posteriormente, foi realizada a transcrição da mesma e esta foi reproduzida o mais fiel
possível. A análise dos dados extraídos foi realizada através do método grounded
theory (Glaser & Strauss, 2017), especificando, em primeiro lugar, procedeu-se a uma
análise inicial das respostas e do discurso do focus group. A definição dos temas foi
feita posteriormente. Em segundo lugar, procedeu-se à categorização dos discursos
nas temáticas encontradas.

Participantes
Para a composição deste focus group pretendeu-se encontrar participantes que
tivessem semelhanças em relação à temática a ser estudada, de maneira a que o seu
contributo fosse relevante para os objetivos desta investigação. (Krueguer & Cassey,
2009).
O grupo de focus teve 9 participantes, que aceitaram voluntariamente
participar nesta investigação.
O participante P1, tem 49 anos, frequenta o Mestrado de Empreendedorismo
Tecnológico, na Universidade do Porto, na Faculdade de Engenharia. A participante
P2 tem 25 anos e atualmente frequenta o curso de Nutrição, na Universidade do Porto.
A Participante P3, tem 22 anos e está a realizar o Mestrado de Neuropsicologia
Clinica na Universidade Católica Portuguesa. O participante P4 tem 60 anos, e
frequenta a Universidade do Porto no Mestrado de Inovação e Empreendedorismo. A
participante P5 tem 25 anos e frequenta o Mestrado de Psicologia da Educação na
Universidade do Algarve. A participante P6 tem 23 anos e frequenta a Universidade
do Porto estando a realizar o Mestrado em Educação, Intervenção Psicológica e
Desenvolvimento. A participante P7 tem 21 anos e frequenta o curso de Nutrição na
Universidade do Algarve.
A participante P8 tem 20 anos frequenta o curso de Enfermagem na
Universidade do Algarve. A participante P9 tem 25 anos e frequenta o Mestrado de
Psicologia Clinica e Forense, Intervenção com Pessoas e Vitimas.
Resultados
Após a análise das transcrições foram encontradas seis dimensões, sendo elas
a Infraestrutura, as Metodologias de Ensino, o Regulatório, os Processos, as Pessoas
e, por fim, a Estrutura e as Relações de Poder.
Infraestrutura
Na dimensão da Infraestrutura, abordamos a infraestrutura das salas de aula e
os laboratórios, os equipamentos como os computadores, as câmaras, a iluminação e
os microfones, os softwares específicos para o ensino online e a qualidade e
velocidade da Internet.
O depoimento seguinte demonstra que numa universidade faltou planeamento
e infraestrutura apropriadas para as transformações exigidas pela educação à
distância, trazendo transtornos e uma percepção de baixa qualidade da oferta
educacional.
P4 “O planejamento era que, para no segundo semestre, as aulas fossem tanto
online, quanto presenciais. Isto causou um problema muito grande. Os professores
não se prepararam para isso, a universidade não oferecia infraestrutura para isto. Você
dar uma aula ao mesmo tempo presencial e online, você tem que ter uma
infraestrutura e uma preparação de aula muito diferente, do que só online ou só
presencial. Ficou muito confuso, ficou muito ruim. Ai nós tivemos algumas aulas
presenciais, mas agora no final era tudo online.”
Notou-se ainda que, mesmo após decorrido o primeiro semestre no contexto
de pandemia, algumas instituições de ensino se mantiveram com dificuldades de
adaptação para o sistema educacional online. Foram identificados tanto problemas
relacionados à inadequação da infraestrutura física das salas para transmissão de aulas
online, como falta de câmaras e baixa qualidade da Internet disponível. Outro aspecto
mencionado se refere às habilidades didáticas dos professores por meio de
plataformas digitais, já que nem todos se adaptaram satisfatoriamente. O depoimento
a seguir ilustra algumas descobertas feitas na investigação:
P4 “Eu vejo dois buracos. Eu vejo um buraco estrutural na universidade. A
universidade não se preparou no meio do ano para isto. Ela apostou que ia conseguir
dar as aulas online. E quando teve que fazer um misto e depois teve que fazer online,
você tem que ter câmeras nas salas, você tem que ter uma internet boa. Os
professores que davam aulas mais tecnicamente viáveis levavam equipamentos deles.
Este para mim foi um buraco. A universidade não se preparou para isto. E a outra
questão, eram professores. Tinham professores bons que continuaram bons no
online. Outros caíram um pouco, eles não se adaptaram. Aqueles que eram ruins
ficaram insuportavelmente péssimos”.
P1 “Os professores que eram melhores conseguiram continuar nesse ponto.
Ou seja, conseguiram continuar com boas aulas, com boa aprendizagem. Mas os
professores que, se calhar, não eram tão bons, não eram tão cativantes, foi mais
complicado pra eles.”
P4 “você espera que engenharia as pessoas saibam lidar com tecnologia,
talvez melhor que em outros lugares. Pelo menos em uma percepção inicial, não se
preparou. Não tinha equipamentos adequados, professores que mal sabiam operar
uma ferramenta online, falta de qualidade de recursos, desde de um microfone. E aí
entram nas questões práticas da preparação das aulas e outros tipos de questões”

Metodologias de Ensino

Na dimensão das Metodologias de Ensino, abordamos a carência inicial de


estratégias institucionalizadas de ensino online. O facto de os professores terem de
desenvolver individualmente os métodos de ensino, como aulas síncronas ou
assíncronas gravadas ou não, softwares para videoconferência, vídeos e quizzes, o que
conduziu a assimetrias no acesso dos alunos às aulas. Interpelamos também o facto de
as aulas serem muito sobre o conteúdo e monótonas, pouco dinâmicas e interativas,
dando pouco enfoque ao desenvolvimento de estratégias de resolução de problemas e
nos critérios e instrumentos de avaliação não estarem adequados ao novo formato
educacional.
Outra participante salienta que houve uma hesitação inicial por parte da
instituição de ensino em que ela estuda sobre que métodos iriam utilizar para realizar
as atividades académicas, particularmente as aulas.
Inicialmente, cada professor procurou desenvolver os seus métodos de ensino,
incluindo a gravação das aulas para disponibilizar para os alunos assistirem em
momentos mais oportunos. Entretanto, posteriormente as aulas gravadas foram
interrompidas, sendo mantidas apenas no formato presencial e transmitidas ao vivo
por videoconferência.
“Bem lá no comecinho um professor chegou, naquele, sabe, aquele momento
em que ninguém sabia como ia ficar, ele optou por gravar aulas e colocar no Moodle
e usar o horário da aula pra discussão ou alguma coisa assim. Mas não sei porquê,
isso depois foi abortado e ele voltou a dar aula online ao vivo. E agora tem sido um
modelo híbrido. Tem professores que tão dando aula presencial e pra quem não vai,
a aula é transmitida via zoom ou por alguma outra plataforma. Mas ela não é
gravada.”
Os depoimentos mostram que as metodologias utilizadas tradicionalmente no
ensino presencial não são adequadas para a educação online, pois tendem a dar muita
importância, com abordagem estritamente expositiva, carecendo de uma maior
interação entre os participantes. Neste contexto, há uma percepção de baixa qualidade
do processo de ensino-aprendizagem, que gera certa frustração nos alunos. Entretanto,
alguns professores conseguiram adaptar-se às tecnologias digitais, proporcionando
experiências mais positivas por parte dos alunos. Os depoimentos a seguir
comprovam tal interpretação:
P7“A universidade não estava preparada. Teve professores que conseguiram
se adaptar, sem dúvidas. Usavam formas de ensino que captavam a atenção, porque
ficar a um computador ver slides a passar e pronto e sem haver grande interação é
muito frustrante para o aluno. Pelo menos para mim. Eu sinto que a maioria das
disciplinas eu sequer consegui absorvê-las bem. Não houve uma adaptação da
maioria dos professores. Agora houve alguns professores que conseguiram fazer
métodos muito interessantes, conseguiam captar bem a atenção, iam ter métodos que
conseguiam passar as disciplinas e as matérias de uma boa forma. Por exemplo:
alguns utilizaram uma disposição diferente para abordar os temas, propondo mais
questões e promovendo uma maior interação. Além disso, utilizaram dispositivos
diferentes com menos texto e mais didáticos”.

Regulatório
Na dimensão do Regulatório, abordamos o sistema rígido e burocratizado que
foi criado para a modalidade de ensino presencial, as exigências burocráticas atuais
que necessitam de ser revistas para os formatos de educação presencial, híbrido e
online de modo a tornarem-se mais flexíveis e dinâmicos.
Além dos problemas de natureza técnica inerentes às adaptações necessárias
para manter o processo de ensino-aprendizagem no contexto da pandemia, foram
destacadas ainda questões políticas, regulatórias e burocráticas existentes no âmbito
universitário que tornaram a transição para o sistema online ainda mais desafiadora. O
seguinte depoimento corrobora esta interpretação, demonstrando que algumas
instituições de ensino superior apresentaram resistência às mudanças.
P1“Eu acho que além dos buracos que todo mundo mencionou, eu sinto que a
minha universidade não só não estava preparada, como a percepção que eu tenho é
de que ela não quis se preparar. Por toda uma questão regulatória que envolve as
acreditações dos cursos, uma pressão política de se manter a coisa funcionando,
principalmente no segundo semestre. Uma força para colocar aula presencial, vai
ser presencial, vai começar presencial e toda essa indefinição. Ah! Mas nós não
podemos ir para um modelo 100% online, eu ouvi isso de professores, porque o nosso
curso não é acreditado para ser online. A gente tem não só o contexto da pandemia,
que a universidade não se preparou, porque desde o primeiro momento em que virou
online, fevereiro e março, sabia-se que essa pandemia poderia durar muito mais do
que o esperado. Teve o verão inteiro para se preparar minimamente, mas não fez. E
tem esta questão politica em volta que eu acho que é assim um gap regulatório, que
para sempre corre para trás do que as coisas estão acontecendo. Então a gente está
sendo obrigado a ir para o modelo online, mas o regulador, mas o regulador está
falando que não. Se você fizer isto o seu curso vai perder a acreditação. Uma coisa
que não tem cabimento no atual contexto. É regra e burocrata vai fazer burocracia
para sempre. Este é um gap estrutural, não só da universidade, mas que vem por todo
arcabouço que regula estas instituições. Tem um gap gigantesco e uma não vontade
de que isto funcione”.
Um dos participantes dos grupos de discussão aventou a possibilidade de que
poderia existir algum problema de natureza legal em realizar gravações de aulas,
justificando a interrupção deste tipo de procedimento em sua universidade, conforme
se observa no seguinte depoimento.
“Ela nem é gravada! A gente chegou a pedir para um professor gravar e ele
não sabia se podia. Aí entra a questão se pode ou se não pode. Se tem de pedir
autorização. Então assim, não, a gente não teve nenhuma aula gravada a partir,
vamos dizer, do segundo semestre.”

Processos
Na dimensão dos Processos, entendemos que os processos existentes no
ambiente universitário foram desenvolvidos para a modalidade presencial, sendo
necessário reinventá-los para se tornarem mais simples, ágeis e adequados ao contexto
atual e, nomeadamente, para as modalidades híbridas e online.
P6“Eu tinha tudo presencial: reuniões, aulas no hospital, aulas na faculdade.
Quando entrou a pandemia viemos todos para a casa e isso acabou tudo.”
P7“a universidade não estava preparada e nem nós, os próprios alunos, para
estar 100% em casa, fazer exames em casa, trabalhos em casa, reuniões em casa.
Portanto, pelo fato de ter sido uma mudança abrupta fez com que algumas coisas não
funcionassem muito bem”.
Inicialmente, devido à inexistência de estratégias institucionais para solucionar
a necessidade de ministrar as aulas, a autonomia dos professores em decidir sobre as
metodologias a serem utilizadas foi preservada. Todavia, a carência de estratégias
institucionalizadas conduziu a assimetrias nos formatos de acesso dos alunos às aulas.
“Ah.. e teve professor, teve disciplina que optou pela dinâmica passar a ser
somente online e eliminar o modelo híbrido, mas acho ficou muito a arcar da decisão
de cada disciplina, de cada professor, Entendo que a orientação é de que todos
estivessem presentes e que a parte online fosse só pra quem estivesse infectado,
estivesse de quarentena, mas o que na prática não aconteceu e ficou aquela coisa
assim, alguns participavam presencialmente e alguns online”.

Pessoas
Na dimensão das Pessoas, estão incluídos os professores, os funcionários e os
estudantes, percepcionamos as mudanças nas relações entre as pessoas com maior
empatia, união e solidariedade, a resistência às mudanças, zona de conforto e
tendência à inércia, os envolvidos precisam de promover mudanças de paradigmas,
atitudes e comportamentos para se adequarem às modalidades híbridas e online. A
falta de contacto presencial entre as pessoas imposta pelo distanciamento social
revelou que a interação social entre elas é um dos diferenciais mais relevantes
proporcionados pelo ambiente universitário, por exemplo a saúde mental, socialização
e networking. As pessoas precisam de formação e capacidade para as novas
ferramentas digitais ara a educação à distância.
As transformações impostas pelas medidas de contenção à pandemia afetaram
simultaneamente os diversos atores que compõem o ambiente acadêmico
universitário. Assim, foram observadas mudanças no comportamento deles, gerando
uma percepção de maior empatia e compreensão entre os envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem. O depoimento a seguir ilustra esta afirmativa:
P3 “Um ponto positivo que eu vejo no geral é que as pessoas, se calhar,
passaram a ser mais empáticas. Percebiam que era complicado estar em casa. Que
as pessoas já estavam mais saturadas, fartas, e então, às vezes aumentavam os
prazos, contribuíam de alguma forma para que nos sentíssemos melhor com aquilo
que estávamos a viver. Acho que isso foi o maior ponto positivo. Se calhar, o que
conta mais no meio de tudo, foi as pessoas terem sido mais compreensivas. Pelo
menos a maior parte delas”.
Em relação às privações impostas pelo distanciamento social, os alunos
reconheceram a importância do contacto pessoa para satisfazer as suas necessidades
sociais:
P3“a gente via até fevereiro como algo extremamente comum, as pessoas
saiam às ruas, iam estudar, para os trabalhos para a faculdade, era tudo o suposto.
Depois disso passamos a dar um valor um bocado diferente às coisas. Quando
saiamos às ruas, quando víamos alguma pessoa, tinha se calhar aquela felicidade de
finalmente encontrar as pessoas”.
P6 “Eu também concordo que houve muita resistência às mudanças. A minha
universidade foi das últimas a fechar, exatamente por causa disto. Tinha que ser
presencial, tinha que ser presencial, até porque desde setembro eu continuo 100%
presencial”.
Foi observado que muitas universidades estão a utilizar sistemas de educação
híbridos, intercalando entre atividades presenciais e online. Os depoimentos a seguir
confirmam tal afirmativa:
P5“eu tô tendo algumas aulas online e outras presencial”.
Outra participante mencionou que está se adaptando bem ao sistema
educacional híbrido, embora também estivesse satisfeita com as aulas exclusivamente
online e assíncronas. Isto porque tal formato permite uma maior flexibilidade para
organizar os seus horários para assistir as aulas em momentos mais convenientes.
Além disso, a gravação das aulas proporcionou a comodidade de assisti-las
novamente ou repetir apenas partes delas.
“Eu to achando que tem sido bom as aulas assim. Eu também tava gostando
bastante quando tava sendo só online. Tinha um pouco de dificuldade né? Tipo
assim: tinha aulas gravadas que eu tava tendo né? Aí eles gravavam e postavam no
Moodle e aí, às vezes, ficava umas duas semanas sem postar aula. Aí meio que tinha
esse conflito assim, que era novo pra todo mundo, mas eu tava gostando bastante das
aulas online porque como eram aulas gravadas que ficavam lá, a gente podia ver e
rever quando a gente queria, então eu gostei bastante das aulas online”.
Uma das participantes mencionou que a adaptação ao sistema híbrido com
aulas online e presenciais foi mais fácil porque a universidade em que ela estuda já
havia realizado as mudanças necessárias em decorrência da COVID-19, como se
observa no seguinte depoimento:
P5“Quando comecei agora, em Outubro, a gente já começou meio presencial
e meio online, então minha adaptação ficou mais fácil. ... só tenho a agradecer
mesmo pelo acolhimento e a minha experiência até agora tá sendo boa, não tenho o
que reclamar não”.

Estrutura e Relações de Poder

Na dimensão da Estrutura e Relações de Poder, percepcionamos que a


estrutura e as relações de poder tradicionalmente existentes não são compatíveis com
o formato de ensino-aprendizagem online. Esta estrutura parte da premissa de que os
professores são detentores do conhecimento, ou seja, agentes ativos, e os alunos
adotam uma postura passiva em relação ao processo de aprendizagem. A
metodologias online exigem um maior envolvimento e interação ativa tanto do
professores como dos alunos num estrutura hierárquica mais linear. Os alunos devem
ser sujeitos ativos do seu processo de aprendizagem já que são os mais interessados.
Procurou-se compreender o nível de literacia digital prévia dos estudantes,
professores e funcionários das instituições de ensino, bem como as estratégias
utilizadas por elas para favorecer o processo de ensino-aprendizagem. Os resultados
mostram que não houve uma preparação adequada das universidades para promover a
formação dos seus stakeholders acerca das ferramentas digitais necessárias para
adaptar o processo educacional ao novo contexto. Cabe, todavia, ressaltar que os
estudantes mais jovens, por tipicamente terem literacia digital, apresentaram uma
facilidade em se adaptar ao sistema educacional online. Por outro lado, alguns
professores tiveram dificuldades em utilizar as tecnologias de informação e
comunicação para oferecer experiências educacionais de melhor qualidade para os
seus alunos. Os depoimentos a seguir ilustram tais interpretações:
“Eu acho que cada um teve que se adaptar a sua maneira”.
“Da parte digital, pronto, acho que a nossa geração permite-nos essa
adaptação, então não foi muito complicada. Obviamente nunca tínhamos usado, se
calhar com o Zoom então, é uma questão de estar a ver pela primeira vez, mas como
tudo também em pouco tempo aprendi, isso não tem sido um problema”.
“Eu acho que o fato de nos adaptarmos a essas ferramentas foi relativamente
rápido. Agora, talvez a universidade não nos deu essa formação, nem deu informação
sobre “ah! vamos pra esta plataforma e é assim, assado... mas pronto”.
Uma das participantes salientou que a adaptação às tecnologias foi
relativamente fácil, mas que as mudanças em suas rotinas causaram maior
estranhamento e desconforto, como se nota no depoimento a seguir:
“Acho que o que nos foi mais difícil, foi propriamente mudarmos
completamente o estilo de rotina e não as ferramentas ou nos adaptarmos as
ferramentas, que isso até conseguimos obviamente rápido. É mesmo estar presente
numa rotina completamente diferente e com hábitos que tivemos que criá-los né?!
Portanto, isso eu acho que foi o desafiante, pelo menos nessa fase pra nossa
geração”.
“É, como eu fico dos 2 lados do balcão, eu além de assistir o curso, eu
também dou aula e dou consultoria digital, então eu não sei, eu acho que acabei
tendo uma visão crítica até demais porque como eu fui me antecipando às
ferramentas digitais pra interagir com os meus alunos, com os meus clientes. Eu via
que os professores não utilizavam nada disso. Então isso me incomodou um pouco
porque eu percebi que, claro que tem pessoa com mais dificuldade, é, mas eu percebi
que faltava também uma proatividade em perceber dinâmicas diferentes, em utilizar
ferramentas diferentes, em fazer a coisa acontecer. Tem um monte de ferramenta de
quiz de dinâmica que você pode fazer e eles simplesmente não utilizavam isso. Mas
não teve nenhuma preparação, quer dizer, da faculdade pra quem não tivesse nesse
meio.”
“De maneira geral, a geração que assiste aula, eu sou um pouco fora da
curva aqui, ela já tá naturalmente preparada pra isso e inclusive a minha filha que
tem 16 anos que tá fazendo a décima série, fez uma peça de teatro no fim do ano. Foi
interessante, uma parte da peça era mostrar como que ocorria uma aula online com
os alunos da idade dela e foi muito interessante porque o quadro mostrava todo
mundo de frente pro palco e a professora atrás e hora que simulava desligar a
câmera que a maioria faz isso, isso é péssimo né, e os professores nem sempre
estimulam colocar e engraçado que eu via a interação da turma de 16 anos igual a
nossa turma que era um tanto mais velha. É a comunicação rolando por fora no
whatsapp fazendo piadinha, falando que a aula tá um saco, num sei o que... apesar
da diferença de 2 ou 3 gerações, mas o comportamento era exatamente o mesmo.

Conclusão
Os participantes declararam que ocorreram mudanças significativas nas suas
vidas após a pandemia por COVID-19, particularmente, no que se refere às atividades
académicas. No setor da educação a Pandemia implica o fecho das escolas levando à
interrupção das atividades letivas presenciais (Filho, et al. 2020).
De maneira geral, a literacia digital dos alunos das gerações Y e Z é bastante
elevada, o que permitiu uma adaptação às novas tecnologias de informação e
comunicação com relativa facilidade.
Os estudantes observaram que os professores tiveram maiores dificuldades
técnicas e resistências para se adaptarem a modalidade de ensino online.
As Instituições de Ensino Superior na qual os participantes estudam não
ofereceram treino e formações para que estudantes e docentes se pudessem adaptar ao
ensino online.
Os estudantes declararam que as mudanças nas suas rotinas e hábitos foram as
que trouxeram maior desconforto.
De maneira geral, os estudantes apresentaram um nível regular de satisfação
com a educação no formato online.
Eles acreditam que houve uma perda significativa da qualidade educacional no
formato online, particularmente de atividades práticas, em laboratório, de visitas à
sítios que poderiam contribuir com a sua formação.
Os alunos que iniciaram os seus cursos no segundo semestre de 2020 estão
ligeiramente mais satisfeitos, pois tinham expectativas mais alinhadas com o ensino
online e as universidades também já haviam se estruturado mais adequadamente para
este formato de ensino.
As instituições de ensino estão a oferecer aos alunos condições de realizar as
suas atividades acadêmicas, mas as metodologias utilizadas são consideradas
monótonas, pouco estimulantes e com baixa produtividade, e não despertam uma
motivação extrínseca para os alunos.
Alguns aspectos contribuíram para que os estudantes pudessem superar as
dificuldades vivenciadas em suas atividades acadêmicas:
Motivação extrínseca:
Perceberem que outros alunos estavam vivenciando uma situação semelhante.
Notaram uma maior união e apoio mútuo entre as pessoas, gerando esperanças
de que os problemas seriam resolvidos.
As instituições de ensino não interromperam as suas atividades, apesar das
dificuldades de adaptação às novas circunstâncias.
Motivação intrínseca:
Gostar da área de conhecimento que estão cursando.
Manutenção do foco em seus objetivos profissionais e acadêmicos como
elemento motivador intrínseco para não desistir dos seus cursos.
Perceberam a necessidade de se adaptarem às mudanças para continuar os seus
estudos.
Existência de comprometimento instrumental pelo fato de terem investido
tempo e dinheiro na sua formação e não valer a pena desistir do curso devido à
pandemia.
Os alunos mais motivados intrinsecamente conseguem superar as dificuldades
e permanecer no curso.
Os alunos não abandonam o curso porque gostam da área, use ja revelam altos
níveis de comprometimento afetivo, que se compreende “como um apego afetivo ou
emocional de um funcionário perante a organização, de modo a que esteja fortemente
comprometido, que se identifique, que esteja envolvido e que desfrute da sua
participação na organização” (Allen, & Meyer, 1990, p.2) ou porque acreditam que já
investiram tempo e dinheiro e poderiam ter mais prejuízos, revelando níveis elevados
de empenhamento instrumental que reside na conscientização que o indivíduo tem dos
custos implicados na sua saída da organização (Messner, 2013, p.79).
O comprometimento normativo, sentido de obrigação moral continuar a
pertencer à organização, um valor de dever e lealdade, com as universidades é
reduzido (Messner, 2013, p.79).
O formato educacional online exige mudanças na infraestrutura, nos processos
e nas tecnologias, mas principalmente de paradigmas, atitudes e comportamentos das
instituições de ensino dos órgãos reguladores e também dos estudantes.
Os alunos devem mudar a sua postura, tornando-se mais ativos no processo de
ensino-aprendizagem.
As universidades devem ter humildade para se reinventarem enquanto locus de
produção e disseminação de conhecimento.
O que se observa é uma tendência de resistência às mudanças e de uma
perspectiva que a pandemia será controlada e as universidades poderão retornar aos
seus modelos de educação e estruturas de poder tradicionais.

Referência:

Sokal, L. J., Trudel, L. G. E., & Babb, J. C. (2020). Supporting Teachers in Times of
Change: The Job Demands- Resources Model and Teacher Burnout During the
COVID-19 Pandemic. International Journal of Contemporary Education, 3(2), 67.
https://doi.org/10.11114/ijce.v3i2.4931

Sokal, L., Trudel, L. E., & Babb, J. (2020). Canadian teachers’ attitudes toward
change, efficacy, and burnout during the COVID-19 pandemic. International Journal
of Educational Research Open, October, 100016.
https://doi.org/10.1016/j.ijedro.2020.100016

Kim, L. E., & Asbury, K. (2020). ‘Like a rug had been pulled from under you’: The
impact of COVID-19 on teachers in England during the first six weeks of the UK
lockdown. British Journal of Educational Psychology.
https://doi.org/10.1111/bjep.12381

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