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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROFESSOR: JUAN HOYOS
DISCIPLINA: INTERFACES COM A SOCIOLOGIA

Fernanda Cristine do Monte Santos


Fernanda Souza da Silva
Julie Gabriele Melo da Silva
Lorena Rodrigues Soares
Márcia Xwarye
Marinice Nogueira Mendes
Rosivan Botelho Teles

DESIGUALDADES E TERRITÓRIO: SEGREGAÇÃO, GUETOS E DISTÂNCIA


SOCIAL

BELÉM-PA
2022
SEGREGAÇÃO, GUETOS E DISTÂNCIA SOCIAL

Definida como segregação, a separação geográfica de camadas por questões


como etnia, raça, crença e todas as outras formas utilizadas com o objetivo de
promover a discriminação socioespacial de seus integrantes, surgiu ainda como um
conceito abstrato por volta dos anos de 1930 e 1940 pela Escola de Chicago,
buscando analisar as diferentes formas como as populações se organizavam nas
cidades dos Estados Unidos, contudo justificadas apenas como mudanças ocorridas
naturalmente sem levar em consideração a influência de fatores externos a esses
fenômenos. Posteriormente o termo foi novamente utilizado algumas décadas
depois por volta de 1960, por estudiosos marxistas da Escola de Sociologia Urbana
Francesa que direcionaram a temática a um olhar voltado para a estratificação social
e o papel que o capitalismo exerce dentro desse contexto e como, para Karl Marx,
filósofo, economista liberal, revolucionário alemão e um dos fundadores do
socialismo científico, a luta de classes, que segundo sua concepção é o que
impulsiona a história, trouxeram novas questões para a discussão.

Como afirmou Milton Santos, um dos mais renomados geógrafos brasileiros, a


permanência dessa desigualdade de acesso ao conjunto de benefícios urbanos
pertencentes e formados a partir da coletividade, mas que são usufruídos por uma
seleta parcela da população, contribui para a exclusão social a qual se revela no
desatendimento das necessidades fundamentais do indivíduo como à educação, à
saúde, ao lazer, a segurança, a cidadania, aos direitos políticos, a habitação, como
Henri Lefebvre colocou como o direito à cidade.
Um dos maiores marcos do período colonial no Brasil foi ter utilizado como
principal subsídio para o desenvolvimento econômico a mão de obra escravizada
oriunda do continente africano. Em meio a esses 388 anos de escravidão no Brasil,
consolidou-se uma hierarquia racial e social na qual a população negra e
escravizada estava situada na parte inferior, esta situação pode ser observada
através das famosas atribuições de títulos aos proprietários de terra, como o título
de coronel, que foi bastante popular até o fim do período da Primeira República.
Nesse sentido, percebe-se que a formação da sociedade brasileira foi permeada
pelos preceitos coloniais que envolvem principalmente o racismo, de modo que ele
aderiu à sua estrutura.
Nesse viés, durante os anos de 1850 e 1888 diversas leis abolicionistas
foram aprovadas, por última, a Lei Áurea, que trouxe o fim da escravidão. No
entanto, Após ser libertada, a população negra não teve nenhum auxílio do governo,
para a aquisição de terras e condições mínimas para a vida em liberdade, em meio a
muitas dificuldades essas pessoas acabaram buscando abrigo em terrenos distantes
do centro, que em sua maioria hoje são favelas e periferias, os quais são espaços
segregados socioeconomicamente.
Percebe-se, entretanto, que as consequências desse processo de
construção histórica que originou a sociedade brasileira, com apenas 134 anos de
abolição, ainda estão presentes, sobretudo como observa-se em questões
referentes à segregação socioespacial e desigualdade racial na sociedade. Segundo
Danilo França (2021), em sua resenha sobre a obra intitulada Negros nas cidades
brasileiras, traz a ideia abordada no livro de que as relações raciais constroem o
espaço, desse modo, “ O espaço é pensado como uma acumulação de tempos, ou
seja, as formas espaciais (ou “rugosidades do espaço”) são engendradas a partir da
acumulação de processos histórico-sociais” p.2. Sob essa ótica, a “racialização” é
uma inserção de forma específica no negro no espaço urbano, pois ao serem
libertados da escrvidão, acabavam sendo também racializados, ou seja, postos em
categorias a partir de atributos raciais que eram considerados inferiores,
características culturais e estéticas, entre outras. Assim, pessoas, grupos, e até
mesmo bairros, acabavam sofrendo com a atribuição de estigmas negativos, então
“É parte fundamental desse processo de racialização a fixação de populações
negras em determinados territórios urbanos ou rurais, representados como “lugar de
negro” territórios esses que até hoje sofrem com o descaso do Estado,
principalmente nas questões de saneamento, educação e saúde. Conforme
Carvalho, I; Arantes,R (2021), a maioria dos moradores de bairros considerados
populares e inferiores são pessoas pretas, enquanto a maioria dos moradores dos
bairros considerados médios e superiores são pessoas brancas, dessa maneira é
possível notar que os padrões de segregação encadeiam a desigualdade racial, à
medida que a existência da deficiência no acesso das pessoas segregadas à
educação de qualidade, transporte, segurança e emprego, implica na continuação
de um ciclo que reverbera as condições de violência, marginalização e preconceito
até as futuras gerações.
Ademais, o texto explana os aspectos relativos à sensação de
pertencimento que são enfrentados pelas pessoas negras, as quais evitam
frequentar determinados locais, destinados a elite, por sentirem que não se
enquadram ali, além de sentirem olhares de preconceito. Isso deixa ainda mais claro
que na sociedade atual está subentendido, e muitas vezes até claro, o que é e o que
não é “lugar de negro”.

Podemos conceituar a gentrificação como um processo de transformação


urbana que “expulsa” moradores de bairros periféricos e transforma essas regiões
em áreas nobres. E, nesse sentido, a gentrificação ocorre nas áreas antes
desvalorizadas passando, agora, a ter um custo muito alto, ao passo em que a
população residente nesse local é gradativamente substituída por um perfil
comercial ou de grupos sociais mais abastados. Com isso, a situação se modifica, e
as zonas, que antes eram só guetos, barracos e, até mesmo desvalorizados,
transformam-se em condomínios, prédios e casas de médio e alto padrão.

Nas grandes metrópoles, como Belém, por exemplo, existe um grande


número de pessoas em situações de vulnerabilidade, onde, muitas vezes, as
moradias são construídas em locais inapropriados, o saneamento básico é precário
ou não existe, o acesso à educação e aos serviços de saúde é mais restrito, o índice
de desemprego é maior e, é claro, a renda dos moradores é baixa. Por outro lado,
nesta mesma região, existem diversos bairros considerados nobres, onde
predominam os condomínios fechados, com saneamento básico eficiente, sistemas
educacionais privados, excelentes atendimentos de saúde, mais e melhores
oportunidades de emprego, além de uma grande concentração de renda daqueles
que ali residem.

Além da segregação relacionada ao poder econômico, é muito frequente


também a segregação social devido à raça. Esse tipo de segregação ocorre quando
pessoas de uma determinada raça são proibidas de frequentar locais públicos, como
escolas, clubes, restaurantes e outros ambientes de lazer. Como fruto das
desigualdades e da segregação, surge a exclusão social, que pode ser definida
como o extremo da marginalização. Os grupos socialmente excluídos são privados
de praticar seus direitos básicos como cidadãos, vivendo em situações de pobreza
extrema, de falta de moradia, de desemprego, de má distribuição de renda, de falta
de acesso à educação, à saúde e analfabetismo.
Essa divisão da sociedade imposta pelo capitalismo provoca uma
significativa desigualdade social, onde a maior concentração de renda é detida por
um número menor de pessoas. E, consequentemente com a gentrificação, essas
mesmas pessoas foram obrigadas, um dia, a saírem de seus locais de origem,
justamente pelo fato da modernização e a crescente necessidade de não se ter
recursos suficientes para se manterem em determinado espaço.
Sabe-se que o racismo está entranhado na conjuntura social e suas facetas
são visualizadas de diversas formas. Nesse sentido, as instituições sociais obtêm
um papel extremamente importante referente a legitimação do racismo e
continuação no tecido social.
Dessa forma, Cornelius Castoriadis(1922) argumenta que o preconceito
racial começou a partir do viés histórico, no qual pode ser explicitado muito bem com
o início do processo de escravização, mas sobretudo na forma como houve o
alicerce do Estado e legitimação dele para excluir, segregar e marginalizar a
população preta no Brasil.
Essa constituição histórica-social negligenciou aos indivíduos não-brancos,
ao final desse genocídio e os destinou a situações de extrema miséria, condições de
moradia precárias e desamparo das instituições públicas. Diante disso, esse
processo histórico marcado no Brasil traz consequências até os dias atuais e o
racismo institucionalizado impede que os sujeitos pretos ingressam em cargos de
poderes, oferece menos oportunidades e admissão no mercado financeiro, constrói
um imaginário de inferioridade e os demarca em determinados espaços da
sociedade.
Assim, o Estado -enquanto cumpridor de necessidades mínimas aos
indivíduos- já se constrói e se afirma com parâmetros de estratificação social e
segregação racial, o qual pode ser verificado quando no século XX, foi
implementado um projeto de embranquecimento da população cívil, ao passo que,
um paralelo importante pode ser feito com o autor Foucault (1992) que combina a
análise do biopoder com racismo, que pode ser compreendida como o Estado
dedicado a processos de regulação, dominação e controle, no qual inferioriza e
condena tudo aquilo que não é purificado socialmente e potencializador na
normalização social.
Dessa maneira, é válido entender que o Estado brasileiro mobilizado pela
idealização racial branca procura trazer e incentivar economicamente a vinda de
imigrantes, principalmente italianos, a fim de diminuir os traços da negritude no
Brasil, como forma de "higienização" da população em massa.
Nessa perspectiva, todo esse palco construído e que permanece no cenário
atual escancara o sofrimento da população preta, a sua auto afirmação enquanto
geradora de resistência e continuação de vida e de trajetória na nação brasileira.
Dentro dessa análise, no entanto, alguns acontecimentos já minimizam a
desigualdade e o preconceito racial, aos poucos, a partir do momento em que foram
implementadas as cotas raciais e a inclusão da população não-branca nas
universidades. Desse modo, tal marco inaugura um processo das instituições
estatais como uma tentativa reparadora das ausências de medidas básicas desse
segmento da sociedade, o qual foi adquirido, por meio de muita luta e reivindicação
do povo preto no Brasil, principalmente a partir dos anos 60. Dito isso, o dia da
consciência negra e inclusão da história afro-brasileira nas escolas também são
vitórias e políticas públicas fundamentais para construção de um Brasil que repara e
modifica a sua realidade.

Diante do quadro apresentado, evidencia-se que o processo de racialização


é consequência de formulações eurocêntricas em um sistema colonial, que por sua
vez, afeta a construção interpessoal e a individualidade do sujeito enquanto ser
humanizado. O Sociólogo peruano Aníbal Quijano (2000), definiu Colonialidade do
Poder como a base que fundamenta e perpetua os processos de colonização ainda
na modernidade, através de ferramentas que envolvem aspectos políticos,
epistêmicos, estéticos e ontológicos. Nesse contexto, o negro encontra-se
subjugado na teia de relações hierarquizadas, tendo sua subjetividade confrontada
no sentido de inexistência diante das formulações identitárias definidas e impostas
com a racialização.

Sob o mesmo ponto de vista, as delimitações socioespaciais são


ferramentas importantes no processo civilizatório que a cultura branca estabelece à
comunidade negra. Tal como propôs Fanon (1968), o colonialismo impõe
determinados mecanismos objetivos e subjetivos que visam a padronização e
controle do ser, ocasionando assim, a infeliz perda de valores individuais e coletivos
nas etnias racializadas. Desse modo, as organizações geo-espaciais atuam como
contextos de interação, percepção, construção do indivíduo e rotulação deste quanto
a sua raça por parte de uma comunidade detentora de poder.

Com isso, o conhecimento sobre essa formulação fornece ao sujeito


subjugado o anseio por reconstituir seu ser em busca do autoconhecimento. Em
consequência, após assimilar as condições do sistema em que se insere, a
comunidade segregada em um contexto hierarquizado então assume consciência de
territorialidade e engloba esse aspecto na representação identitária de seu grupo no
espaço geo-social urbano, como também adquire liberdade das máscaras e padrões
institucionalizados impostos a estes.

Nesse sentido, a Psicologia exerce papel de suma importância ao promover


estudos que visem o entendimento das inter relações e configurações associadas a
estas, atuando em interfaces com outras correntes das ciências humanas em
raciocínios congruentes. Bem como já defendido pelo psicólogo e doutor em
Sociologia Rafael Guimarães (2017), não se deve ignorar dispositivos
histórico-sociais na constituição do sujeito e coletividade, sobretudo faz-se
necessário reter conhecimento dos aspectos envolvidos na formação da sociedade
tal como ela se expressa na modernidade, seja em suas relações de poder, seja nos
mecanismos de posicionamento perante os conflitos e barreiras que impedem um
giro decolonial no contexto sociocultural presente.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, I.; ARANTES, R. “Cada qual no seu quadrado”: Segregação socioespacial
e desigualdades raciais na Salvador contemporânea. Rev EURE, Santiago, vol.47,
n.142 ,s.p, set, 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.7764/eure.47.142.03

FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. São Paulo: Ubu Editora,2020.

FRANÇA, D. S. N.. Ensaio: As desigualdades que não cabem nos estudos de


estratificação. Nexo Políticas Públicas, 26 jul. 2021. Disponível em: As
desigualdades que não cabem nos estudos de estratificação | Nexo Políticas
Públicas (nexojornal.com.br). Acesso em: 16 de junho de 2022.

FRANÇA, D.S.N. Racialização Urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais.


(ONLINE), v. 36, p. 16, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/3610716/2021.
Acesso em 21 de junho de 2022.

GUIMARAES, Rafael Siqueira de. Por uma Psicologia decolonial:(des)


localizando conceitos. São Paulo: ABRAPSO, 2017.

MARISCO, Luciane. Revistando Autores sobre os Conceitos de Segregação


Socioespacial e Exclusão Social na Análise da Produção Desigual do Espaço
Urbano. Contexto Geográfico, Maceió, v. 5, n. 9, p. 45-56, jul. 2020.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina.


Argentina: CLAC SO, 2000.

SEGREGAÇÃO socioespacial: o que é e quais são os impactos. Estadão, 24 set.


2021. Notícias. Disponível em:
https://summitmobilidade.estadao.com.br/ir-e-vir-no-mundo/segregacao-socioespacia
l-o-que-e-e-quais-sao-os-impactos/. Acesso em: 23 jun. 2022

TILLY, Charles (2000). La desigualdad persistente. Buenos Aires: Manantial, 2000.


p. 203 – 256.

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