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Estudo Tópico em Novos Direitos, parte 2

Prof. Dr. Clóvis Eduardo Malinverni da Silveira

Disciplina de Novos Direitos Individuais e Coletivos

Universidade de Caxias do Sul

Este é o segundo de dois textos em que estamos realizando um estudo sobre


novos direitos de maneira tópica. Nesse momento, vamos fixar algumas noções
básicas, porém muito importantes, sobre 0 direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado; os direitos dos indígenas e quilombolas; e o direito à
cidade sustentável; direitos de grupos étnico-raciais; o direito digital; e o direito à
cultura.

1. direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;

A crise ecológica global possui inúmeros aspectos igualmente relevantes.


Para citar alguns, pode-se começar pela crise climática, tema vastamente discutido
hoje, e pela degradação das florestas. A biodiversidade planetária também vem
sendo reduzida em ritmo alucinante, a ponto de os biólogos falarem em uma
“sexta extinção” da biodiversidade, correspondente a uma rápida aniquilação da
flora e da flora terrestre e aquática, tanto em termos de espécies e ecossistemas
como de variabilidade genética. Observa-se também a intoxicação ambiental e
sanitária por substâncias utilizadas nas atividades agrícolas e industriais; a geração
e disposição inadequada de resíduos e efluentes; a insegurança alimentar e
nutricional; o uso socialmente injusto e irracional dos recursos hídricos (cerca de 1
bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água potável) e a pressão sobre os
ecossistemas. O meio natural, base de sustentação da vida, encontra-se em situação
de colapso por força das atividades humanas – o que, para muitos acadêmicos, é
o que melhor caracterizaria o período mais recente na história do Planeta, o
chamado Antropoceno. Além disso, as tensões geopolíticas e geoeconômicas
mundiais se refletem nas disputas pelos recursos energéticos e pela água; pelas
riquezas minerais e da biodiversidade.
Talvez a questão ambiental sintetize, melhor do que qualquer outra a razão
pela qual surgem novos direitos. É o contexto histórico que leva à necessidade de
enfrentar juridicamente problemas que antes não eram assim entendidos. Os anos
1960 marcaram, em escala mundial, uma grande tomada de consciência sobre a
crise ecológica que vem se acentuando desde a revolução industrial. Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano foi realizada em Estocolmo, na
Suécia, em 1972, e elevou a questão ambiental a uma das maiores prioridades dos
Estados-membros das Nações Unidas, a ponto de, nessa mesma década, quase
todos os países criarem ou ampliarem uma vasta rede de ministérios, órgãos de
controle e gestão, e a aprovação de centenas de legislações em matéria ambiental,
sobre todos os assuntos imagináveis. A Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio/1992,
consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável, permitiu a reestruturação
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, e teve continuidade com
a Rio+5 (Nova Iorque), Rio+10 (Joanesburgo), Rio+15 (Jacarta) e Rio+20
(Novamente Rio de Janeiro). Da Rio/1992 resulta a Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) e a Convenção-Quadro sobre mudanças climáticas, que originou
o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris, de 2015, sobre combate às mudanças
climáticas. Sobretudo depois dessas duas conferências (Estocolmo/1972 e
Rio/1992), dezenas de tratados internacionais foram adotados sobre temas como
a camada de ozônio, combate à desertificação, poluentes orgânicos persistentes,
direito do mar, etc.

A Constituição de 1988 consagrou uma seção ao meio ambiente, com um


longo artigo 225. O caput do artigo 225 determina que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Esse direito é, conforme o Supremo tribunal
Federal e uma série de tratados internacionais, um direito fundamental, uma vez
que o meio ambiente é “essencial à sadia qualidade de vida”, e um “bem de uso
comum do povo”, como determina o mesmo artigo. O direito ao meio ambiente
é tanto um direito individual fundamental (na medida que o direito de cada um
ao ambiente é condição essencial para a dignidade, a vida de qualidade e, no
limite, à própria sobrevivência), como um direito de todos, ou seja, um direito
coletivo. É o direito coletivo mais amplo possível, pois não se refere apenas a uma
coletividade específica, mas ao conjunto da sociedade, e mesmo à humanidade.
Essa é sua característica principal. Na classificação do Código de Defesa do
Consumidor, que trata das modalidades de direitos transindividuais (ver
explicação na aula sobre ação civil pública), meio ambiente é direito ou interesse
difuso, ou seja, de uma ampla coletividade indeterminada de pessoas.

Ainda, o direito ao ambiente é o primeiro “direito transgeracional”, uma


vez que tem como destinatários não apenas todas as pessoas vivas, mas também
aquelas que ainda sequer nasceram. Afinal, o poder público e a coletividade, pelo
caput do artigo 225, têm o dever de defender e preservar o meio ambiente “para
as presentes e futuras gerações”.

Vale ressaltar que o meio ambiente não pode ser apropriado por ninguém.
Embora eu possa ser proprietário de um imóvel, por exemplo, o meio ambiente
é visto como um bem imaterial e autônomo, que não se confunde com os bens
materiais que o integram. Quando falamos de meio ambiente, portanto, estamos
falando da qualidade ambiental, do equilíbrio dos ecossistemas, da diversidade
biológica, da disponibilidade de água, do ar limpo, e de todos os atributos que
caracterizam o equilíbrio ecológico e garantem a sadia qualidade de vida. O meio
ambiente, portanto, também não pertence ao Estado. Não é um bem público-
estatal, no sentido convencional, e sim um bem de toda a coletividade (ou da
sociedade, se quisermos pensar no plano nacional, ou da humanidade, se
quisermos pensar no plano global). É um bem público, mas não no sentido de que
é de titularidade do Estado, e sim no sentido de que é de titularidade coletiva, do
público, da sociedade.

Vale ressaltar ainda que o ordenamento jurídico brasileiro adota uma


concepção integral ou ampla acerca do bem jurídico ambiental. Ou seja, quando
falamos em “meio ambiente” estamos falando do meio ambiente natural, mas
também do meio ambiente humano ou social, este último contemplando o
patrimônio cultural, estético, histórico, turístico e paisagístico, o meio ambiente
urbano e o meio ambiente do trabalho, e quaisquer outras manifestações jurídicas
associadas à sadia qualidade de vida e ao compromisso com o futuro. O meio
ambiente natural e o meio ambiente feito pelo homem interagem em uma
realidade complexa e indissociável.

A proteção do meio ambiente no Brasil é exercida basicamente através


de instrumentos de política e gestão do ambiente e de instrumentos
constitucionais e infraconstitucionais de tutela jurisdicional. Os instrumentos
jurisdicionais podem ser extraprocessuais, como os inquéritos civil e policial, o
compromisso de ajustamento de conduta e as audiências públicas; ou
processuais, como a ação penal pública (para punir crimes ambientais), a ação
civil pública ambiental (para reparar danos causados ao meio ambiente) e a
ação popular ambiental (para anular atos do poder público, ou autorizados
pelo poder público, que causam prejuízo ambiental). Como em qualquer outra
matéria, há os instrumentos de controle de constitucionalidade, quando
utilizados em defesa do meio ambiente: ação de inconstitucionalidade e ação
de inconstitucionalidade por omissão, mandado de injunção, mandado de
segurança coletivo e ação de arguição de descumprimento de preceito
fundamental.
A última grande “onda” teórica em matéria ambiental, é a tentativa de
justificar a existência de direitos da natureza e de direitos dos animais. Existem
juristas (ou ativista, pesquisadores, políticos, etc.) com pouca sensibilidade para
esses temas, seja porque preferem atuar conforme os parâmetros mais tradicionais
do direito, seja porque não acham relevante incrementar a proteção jurídica dos
animais. Outros defendem que os animais não apenas devem ser protegidos, mas
devem ser considerados sujeitos de direitos (e, portanto, poderiam até mesmoser
representados em juízo por seres humanos, da mesma maneira que, por exemplo,
o Ministério Público representa um grupo social em juízo). O mesmo valeria para
o ambiente em si. Defende-se o direito de propor-se uma ação judicial em nome
dos direitos de um rio, por exemplo. Algumas constituições como a do Equador e
da Bolívia (o chamado “Novo Constitucionalismo Latinoamericano”) consagram
a natureza ou mão-terra (“Patchamama”) como sujeito de direitos. Há juristas que
defendem uma maior proteção à natureza e/ou aos animais, porém entendem que
não há fundamentos legais nem filosóficos consistentes para entender que a
natureza possa ter direitos. Seria mais um dever de proteger o meio ambiente e os
animais por respeito à humanidade, por um dever moral de que só o ser humano
é capaz, ou pelo valor intrínseco do ambiente, e não porque os animais ou a
natureza tenham direitos. Independentemente de quem tenha razão, esses debates
são típicos dos novos direitos, por se tratar de processos de mudança social, de
novas pautas de justiça, de um recente enfrentamento jurídico de questões novas
ou reconfiguração de nossa compreensão acerca de temas candentes.

2. direitos dos indígenas e quilombolas;

Os povos indígenas e quilombolas possuem, como regra, uma ligação direta


com o meio ambiente. Seus conhecimentos tradicionais são indispensáveis tanto
para a proteção dos ecossistemas quanto para sua exploração comercial e
industrial.

A proteção dos índios antes da Constituição de 1988 se dava por meio


do instituto da tutela, o que sujeitava (de maneira imprópria) interesses desses
grupos a mecanismos de direito privado. O enfoque era superar a suposta
incapacidade civil dos índios, até mesmo sua imaginada inferioridade, e
incorporá-los ao mundo dito civilizado. Não se tratava, portanto, da
preservação e valorização das suas diferenças e rica herança cultural. Enquanto
povos originários, os índios possuem papel central na formação de uma
identidade nacional brasileira. No entanto, essa abordagem de “integração”
com a “comunhão nacional”, que tem um sentido de “civilizar” os índios,
esteve presente até mesmo no Estatuto do índio de 1973. Na prática, em vez
de valorizar a herança cultural indígena, essa abordagem ocultou uma acelerada
destruição das culturas autóctones e mesmo, em muitos casos, seu próprio
extermínio físico. Existe vasta bibliografia científica sobre isso no Brasil.

Na direção oposta a esse processo de “integração”, a Constituição de


1988, no artigo 231, a reconhece aos índios os direitos a sua “organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições”, bem como “os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, competindo à União
a demarcação de tais terras, proteção e garantia com respeito a todos os seus
bens. As terras tradicionalmente ocupadas, definidas no § 1º, e consideradas
inalienáveis e indisponíveis pelo § 4º, destinam-se à posse permanente, cabendo
aos índios (§ 2º) o “usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes”. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os
potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras
indígenas “só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional,
ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei” (artigo 231, §3º). A remoção de grupos
indígenas de suas terras é admitida apenas em caso de catástrofe ou epidemia
(§ 5º) e são nulos todos os atos que tenham por objeto ocupação, domínio ou
posse das terras indígenas (§ 6º), bem como a exploração das riquezas naturais
do solo, dos rios e dos lagos, exceto se caracterizado o relevante interesse
público da União mediante lei complementar.

O artigo 232 da CRFB determina que “os índios, suas comunidades e


organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus
direitos e interesses, intervindo o Ministério público em todos os atos do
processo”. Além de quebrar a lógica da tutela e da “integração”, na medida em
que possibilita aos índios a defesa dos seus interesses em juízo, inclusive contra
a União, o texto constitucional vai além da proposta de atendimento de
demandas econômicas e sociais. Trata-se da tarefa de garantir aos grupos
indígenas sua autodeterminação, bem como a representação política perante o
Estado Brasileiro.

Apesar da existência de políticas públicas indigenistas (sobre as quais recaem


críticas de diversas naturezas) e de órgãos responsáveis pela sua implementação, é
preciso observar, como atesta os próprios artigos 231 e 232 da Constituição, que
os direitos dos índios são direitos subjetivos coletivos. Ou seja, ao mesmo
tempo em que não se está em uma lógica de direito privado, eles não podem
ser vistos como meros destinatários de uma norma estatal. Os índios têm
direitos e deveres individuais e coletivos. Deve-se buscar aprimorar os
instrumentos jurídicos e políticos que garantem que esses direitos “saiam do
papel” e reconhecer que os povos tradicionais são capazes de exercer e proteger
(tutelar) esses direitos, inclusive judicialmente.

3. direito à cidade sustentável;

O direito à cidade está ligado de maneira indissociável do direito ao


ambiente, não apenas porque o planejamento urbano deve obrigatoriamente
incluir a proteção das áreas verdes, mas sobretudo porque o ambiente urbano
também faz parte do nosso meio ambiente; trata-se não do meio ambiente
natural, mas do meio ambiente construído, o que encontra fundamento na nossa
legislação. Apesar disso, essas matérias, embora próximas, possuem suas
especificidades e autonomia.

As mudanças da legislação brasileira nas últimas décadas, resultantes de


movimentos acadêmicos e sociais reforma urbana – pedindo por medidas de
readequação das cidades no sentido de ampliar a toda a população os benefícios
da sua estrutura – permitem hoje falar na emergência de um direito a cidade
sustentável.

Os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988 tratam de maneira inovadora


da Política Urbana. Segundo o texto constitucional, a política de desenvolvimento
urbano deve ser executada pelo Município, conforme diretrizes fixadas em lei,
visando “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes” (artigo 182).

A propriedade urbana deve cumprir sua função social, que significa


basicamente atender aos critérios de ordenação da cidade que forem expressos no
Plano Diretor. Instrumento básico (mas não o único) da política de
desenvolvimento e expansão das cidades, o Plano Diretor é obrigatório para todas
as cidades com mais de 20 mil habitantes. Esse Plano, expresso em lei, deve ser
construído de maneira participativa, em um processo que envolve os poderes
executivo e legislativo municipal e a própria população em audiências e consultas
públicas.

A Política Urbana dos artigos 182 e 183 da Constituição da República


Federativa do Brasil é regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01),
tendo como objetivo o desenvolvimento das funções socias da cidade e da
propriedade urbana, com a garantia do direito à cidade sustentável (art. 2º, I).

O Estatuto da Cidade (EC/2001) define o direito à cidade sustentável


enquanto um feixe de direitos, que são: (i) o direito à terra urbana; (ii) à moradia;
(iii) ao saneamento ambiental; (iv) à infraestrutura urbana; (v) ao transporte e aos
serviços públicos; (vi) ao trabalho e ao lazer para as presentes e futuras gerações.
Esses direitos e todas as definições dadas pelo EC/2001 também estão relacionados
com o art. 225 da CRFB/88 que fixa o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Para a legislação brasileira, a cidade também faz parte do meio
ambiente (faz parte do meio ambiente construído pelo homem, que é inseparável
do meio ambiente natural).

Quando se fala em direito à cidade, preocupa-se principalmente com a


segregação social e espacial, degradação do meio ambiente, a pobreza e a
vulnerabilidade de determinados grupos sociais no contexto urbano. Um ponto
de destaque do EC é a interdisciplinaridade e gestão local, descentralizada, pois
inova no planejamento e gestão territorial das cidades de modo democrático,
garantindo a participação da população na “formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”
(art. 1º, I e art. 43 do EC).

A função social da cidade e a função social da propriedade (art. 5º, XXIII,


CRFB/88; art. 170, III) são, em linhas gerais, garantias de usufruto equitativo dos
recursos oferecidos pela cidade aos seus habitantes. Desta forma, a ordenação do
espaço será formalizada mediante o referido instrumento do Plano Diretor
participativo (art. 40, do EC/2001), que a legislação municipal de planejamento
urbano e as propriedades cumprem sua função social quando estão em
conformidade com as regras ali estabelecidas (art. 182, § 2º, CRFB/88).

Vale destacar a existência de uma série de documentos internacionais sobre


o assunto. Um exemplo emblemático é a “Carta Mundial do Direito à Cidade”,
produzida a partir do Fórum Mundial Policêntrico (2006) e dos debates que
ocorreram nos anos de 2004 e 2005 no Fórum Social das Américas (Quito), no
Fórum Mundial Urbano (Barcelona) e V Fórum Social Mundial (Porto Alegre). Esta
Carta revela a preocupação com o aumento do número de pessoas que vivem em
cidades e as dificuldades em manter o nível de vida urbano com base em princípios
da igualdade, solidariedade, dignidade e justiça social. A cidade, aqui, é entendida
enquanto um espaço e um direito coletivo de seus habitantes.

4. Direitos de grupos étnico-raciais

Não obstante a diversidade étnica-racial do país, o Brasil ainda enfrenta


cenários de discriminação e desigualdade com relação a determinados grupos,
motivo pelo qual o Direito prevê, em suas legislações, medidas para coibir tais
práticas. A CFRB/88 tem enquanto princípio o repúdio ao racismo (art. 4º) e fixa
a inafiançabilidade em casos de racismo (art. 5º, XLII).

O Estado brasileiro prevê o direito à cultura e seu exercício, com


valorização da diversidade étnica e o incentivo das manifestações culturais
indígenas e afro-brasileiras (art. 215, parágrafos).

Importante medida no sentido de concretização dos direitos étnico-raciais


foi estabelecida pela Lei n. 10. 639/03, que fixa a obrigatoriedade do ensino da
história e cultura afro-brasileiras e africanas nas escolas públicas e privadas do
ensino fundamental e médio. Essa legislação permite que ações pedagógicas
interfiram de maneira positiva na construção das representações sobre desses
grupos, em especialmente, na superação das desigualdades sociais e raciais. A
educação aqui remete às posturas podológicas de um direito inclusivo e de respeito
às diferenças.

Em 2014, a Lei da Ação Civil Pública foi alterada e incluiu dentre os direitos
protegidos por esta ação, o tema da proteção da honra e dignidade de grupos
sociais, étnicos ou religiosos. (Lei n. 7.347/1985, art. 1º, inciso VII). Embora a Lei
seja originalmente de 1985 (já bastante recente, se tivermos um olhar histórico),
foram necessários quase 15 anos para que esse dispositivo fosse inserido. Esse
exemplo atesta como é dinâmica da questão dos novos direitos.

Em termos internacionais, a Assembleia Geral da Organização das Nações


Unidas, em 1963, definiu, mediante a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial o significado de “discriminação
racial”: “ARTIGO 1. Nesta Convenção, a expressão “discriminação racial”
significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça,
cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito
anular ou restringir o recebimento, gozo ou exercício num mesmo plano, (em
igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no
domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de
vida pública”.

No final de 2018, o Brasil contava com a Secretaria de Políticas de Ações


Afirmativas que coordena a formulação e o acompanhamento de políticas públicas
com objetivo de “inclusão” racial e enfrentamento ao racismo.

5. direito digital;

As novas tecnologias constituem uma das principais fontes de novos


direitos, na medida em que modificam radicalmente o modo de vida das
populações com grande rapidez. Criam grandes possibilidades e praticidades;
porém criam também novas situações de vulnerabilidade, injustiças e demandas
por regulamentação dessas atividades, visando um equilíbrio.

A Lei 12.965/14 é o Marco Civil da Internet e estabelece direitos, garantias,


princípios e deveres para o uso da Internet no território brasileiro. Seu fundamento
é o respeito à liberdade de expressão, pluralidade e diversidade, os direitos
humanos, a livre iniciativa, a defesa do consumidor, o exercício da cidadania em
meios digitais e a finalidade social da rede (art. 1º, incisos).

Os princípios que regem o uso da internet no país são os seguintes (art. 3º):

I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação


de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II - proteção da privacidade;

III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;

IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;

V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede,


por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões
internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades,


nos termos da lei;

VII - preservação da natureza participativa da rede;

VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet,


desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos
nesta Lei.

A Lei esclarece que tais princípios não são taxativos, isto é, são exemplos
princípios a serem seguidos, mas que não excluem outros previstos pelo
ordenamento jurídico do país, bem como tratados internacionais ratificados pela
República (art. 3º, parágrafo único). A Lei define também o que é internet, IP
(endereço de protocolo de internet), terminal, conexão à internet e demais termos
técnicos, bem como objetiva promover o acesso à informação, ao conhecimento
e ampla difusão de novas tecnologias. (art. 4º, incisos e art. 5º incisos).

Os temas relacionados aos novos direitos às vezes se entrecruzam,


formando novas demandam, cada vez mais específicas. Por exemplo, o Decreto
n. 7.962/13 - Regulamenta o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90)
no que diz respeito à contratação no comércio eletrônico, com regras acerca de
compras on line e acesso à informação dos produtos (art. 2º, III), o atendimento
ao consumidor (art. 4º), bem como compras coletivas (art. 3º).

Esse novo direito é reflexo das mudanças sociais e tecnológicas ocorridas


nos últimos anos, que pretende gerir as relações entre tecnologia e as pessoas de
modo harmonioso. Não se fala em um novo ramo do Direito, mas sim de
adequações dos ramos do direito (Direito Penal e Direito Civil, por exemplo) às
novas problemáticas criadas pela tecnologia, como é o caso da violação de direito
autoral, crime de invasão de dispositivo informático ou falsificações de diversas
ordens.

Nesse sentido, a Lei 12.737/12 alterou o Código Penal brasileiro a fim de


adicionar a tipificação de delitos informáticos, criando os artigos 154-A, 154-B,
266, § 1º e 298. Essa lei ficou popularmente conhecida como “Lei Carolina
Dieckmann”, uma vez que a atriz, à época, teve dados e informações pessoais e
íntimas roubados e expostos na Internet, situação que motivou a aprovação do
projeto da lei.

É comum que fatos midiáticos produzam o “clima” propício à criação de


novas legislações. Isso não é bom o ruim em si, mas é importante que essas leis
sejam feitas com conhecimento técnico do assunto; e, ao mesmo tempo, com
legitimidade política, com sustentabilidade social, econômica e ambiental.

6. direito à cultura.

A cultura é ao mesmo tempo um direito de cada indivíduo (individual)


como um direito coletivo (que pode ser exercido e tutelado coletivamente, ou
seja, por grupos sociais e específicos e, no limite, por todos). A definição de direitos
culturais envolve memória coletiva, arte, saberes e todos os signos culturais que os
titulares terão acesso. A cultura é simultaneamente produzida e
apropriada/usufruída coletivamente.

O Direto à Cultura na CRFB/88 está no Art. 215, que define: “O Estado


garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais. § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional. 2.º A lei disporá sobre a fixação de datas
comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos
nacionais.” A CRFB/88 estabelece também a obrigatoriedade para o ensino
fundamental de conteúdo relativo aos valores culturais e artísticos de nível
nacional o regional (art. 210).
É mediante o Ministério da Cultura (MinC) que projetos são formulados
a fim de concretizar os preceitos constitucionais. A cultura, até o ano de 1985, era
atribuição Ministério da Educação e Cultura do governo Federal. Nesse ano, foi
criado um Ministério da cultura independente. Com a posse de Michel Temer
como presidente interino, no ano de 2016, o MinC foi incorporado novamente
ao Ministério da Educação. A extinção foi revertida em pouco tempo e a
autonomia do Ministério foi logo restabelecida.

No plano internacional, inúmeros textos fazem referência explicita à


cultura. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, possui artigos
específicos acerca da cultura e o define como direito humano.

No artigo 22º da Declaração é dito que “toda a pessoa, como membro da


sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação
dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço
nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os
recursos de cada país”.

Já no artigo 27º declara-se que “toda a pessoa tem o direito de tomar parte
livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no
progresso científico e nos benefícios que deste resultam”, e que “todos têm direito
à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica,
literária ou artística da sua autoria”.

A Convenção Interamericana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José


da Costa Rica), de 1969, trata da cultura em vários momentos. Por exemplo, no
artigo 26, pelo qual os Estados-partes se comprometem a adotar providências
progressivas, sejam internas ou internacionais, para conseguir a plena efetividade
dos direitos econômicos e sociais, bem como sobre educação, ciência e cultura.

Existem vários outros documentos diretamente voltados à cultura como a


“Declaração da Unesco sobre os Princípios de Cooperação Cultural (1966)”; a
“Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001)”; e a “Convenção para
Salvaguarda do patrimônio Cultural Imaterial (2003)”, dentre outras.

...

CONCLUSÃO

Assim, concluímos nossa apresentação tópica de alguns dos mais


importantes “novos direitos”. Como foi dito anteriormente, as matérias acima
apresentadas são muito ricas e complexas. Entretanto, o objetivo aqui foi
apresentar algumas noções essenciais que servem como referência para o estudo
destes assuntos.

Novamente, observe que, dentre as situações que caracterizam novos


direitos do ponto de vista teórico, praticamente todas podem ser observadas aqui:
novos assuntos temas; novos sujeitos de direito (incluindo subjetividades jurídicas
não-humanas, como a tentativa de justificar direitos dos animais ou da natureza);
novos instrumentos jurídicos ou formas de proteger direitos; e, sobretudo, direitos
que não são reconhecidos ao ser humano em abstrato, e sim aos seres humanos
em condições específicas.

Esses direitos possuem fundamentos universalistas (como a dignidade de


todos os seres humanos) mas, ao mesmo, reconhecem que a proteção dessa
dignidade precisa levar em consideração as necessidades dos seres humanos
submetidos a diferentes conjunturas, condições ou situações.

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