Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
I
Mineira, Conjuração Baiana), a Confederação do Equador e a revolta
de Canudos.
Nesse sentido, é estratégico começar por um texto fundador
da idéia de unidade nacional: Francisco Adolfo de Varnhagen, na
sua História da Independência do Brasil, diz sobre esse
acontecimento:
I ---------------------~~-- -~-
dominantes, no século dezenove, de afirmar e impor a idéia de unidade
sobre uma sociedade profundamente desigual e fragmentada, tanto
social quanto geograficamente.
É nessa linha o comentário de Jaime Pinsky a respeito do papel
exercido porVarnhagen:
1 Paul Veyne mostra que a História se constitui, desde Tucídides e Xenofonte (que ao
"continuar" Tucídides institui uma tradição), numa narrativa dos acontecimentos de
uma nação, de um povo, numa continuidade temporal. Tal tradição é encarada pelo
autor como "convenções que mutilam a história". Cf. VEYNE, 1983, p.1 06-7, p.334-6.
2 Cf. VESENTINI, 1984. Cf. também: SILVA, 1981.
I
mesmo reconhece, compor um quadro da História do Brasil e da
formação da nacionalidade. Na apresentação de um de seus últimos
trabalhos, Sonhos d'Ouro, de 1872, José de Alencar expôs um quadro
da sua produção literária:
3 Bosi aponta que a questão de saber se Alencar possuía previamente esse esquema de
interpretação de sua obra, ou se o compôs a posteriori é irrelevante, visto que sua
própria explicitação pelo autor, mesmo que tardia, já vale como confirmação da
"consciência histórica de Alencar em face da sua obra". (Bosi, 1989)
I
desses acontecimentos, mas simplesmente selecionar temas e
trechos possíveis de serem trabalhados em sala de aula, no nível do
ensino de 10 e 2° graus, no sentido de questionar essa idéia da unidade/
identidade nacional.
I
conhecemos. Não podíamos conhecê-Ia. [...]
Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que palejam
reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança
inesperada, a República. Ascendemos, de chofre, arrebatados
na caudal dos ideais modernos, deixando na penumbra secular
em que jazem, no âmago do país, um terço da nossa gente. [. ..]
Vimos no agitador sertanejo, do qual a revolta era um aspecto
da própria rebeldia contra a ordem natural, adversário sério,
estrênuo paladino do extinto regime, capaz de derruir as
instituições nascentes. [...] (CUNHA, 1954, p.181-2)
I
aparecem exatamente com seus nomes reais), Itatimundé vai-se
constituindo como verdadeira utopia de uma sociedade anarquista,
em que todas as normas são decididas pelos seus próprios habitantes,
e onde existe a liberdade mais ampla possível. Trazendo-nos, no
entanto, para a realidade, Veiga inventa um final trágico para a nova
Canudos: ela teria sido destruída em 1965 (observe-se a data!) e
hoje o seu território se teria transformado num depósito de lixo
atômico de uma empresa multinacional.
Dentro da temática aqui examinada, das relações entre nação
e poder, é possível estabelecer amplas discussões sobre as
perspectivas delineadas pela obra de Veiga. As questões mais
importantes são a das relações entre história e ficção e a da
temporalidade. Veiga trabalha com vários planos temporais: o da
Canudos real (fim do século XIX), o da ditadura militar que destrói a
nova Canudos (1965) e o do presente (relativo à época da produção
da obra e relembrado pela menção da modernidade, caracterizada
no "lixo atômico'). A nova Canudos, no entanto, é atemporal, ou
melhor, projeta-se na direção do futuro.
Misturando deliberadamente realidade e ficção, José J. Veiga
aposta nas possibilidades de construção de futuro(s) e, portanto, na
possibilidade de sonhar. A história e o passado são tomados como
fonte de reflexão. O autor enfrenta a memória dominante do tema
(Canudos) e reflete não sobre o que ele foi (como normalmente faz
o historiador), mas sobre o que ele poderia ter sido: o passado não é
fonte de exemplos, mas de temas para reflexão.
Nesse sentido, ele consegue propor a desconstrução da
memória dominante do tema, constituída a partir e depois de Euclides
da Cunha. Itatimundé (a nova Canudos) nunca esteve em lugar
nenhum e sempre esteve (como possibilidade, como sonho). O autor
aponta a necessidade de voltarmos a sonhar e de tomarmos a história
como nossa, no sentido de fonte temática para a construção de
projetos de futuro e não a deixarmos jazer, intocável, nos livros e
nas aulas de História.
A história pode ser pensada e discutida em planos diversos,
muito além da homogeneização imposta pela memória histórica
nacional (dominante). José J. Veiga nos convida a isso e foi o que
se pretendeu propor aqui: uma reflexão, possível no ensino de
História, que consiga romper os limites dessa memória e sugerir
alternativas de trabalho e de estudo para professores e alunos.
I
em História) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, 1981.