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A escola como objeto da gestao escolar Como se sabe, para bem realizar-se, a atividade admi- nistrativa néo pode ignorar a natureza de seu objeto, in- cluindo a disponibilidade de recursos e a forma em que estes se apresentam, o local ou instituigaéo em que a agao se realiza e os objetivos que deve perseguir. No caso da gestao escolar, 0 objeto a que ela se aplica é a escola, lugar privilegiado da agao do diretor. Por isso, cumpre tomar a instituicao escolar desse ponto de vista, examinando alguns temas relacionados, tanto ao processo pedagogico que ai se desenvolve quanto as miultiplas determinac6es que ai se manifestam tendo sempre presente a educacgado como o fim 4 que a direcao deve servir. 3.1 Direcao escolar e educacao Oo dimensionamento da pr. tor escol, i ar si inici i oe se fundamenta, inicialmente, na necessidade de -onceberem maneiras de o dire atica administrativa do dire- tor contribuir para uma maior competéncia administrativa da escola fundamental, Isso é relevante porque a escola brasileira, de modo geral, nao logra alcangar minimamente os objetivos a que se pro- poe. f de conhecimento publico que, salvo excegées, as escolas fundamentais no pais nao conseguem “passar” a imensa maioria de seus frequentadores sequer os minimos rudimentos de conhecimentos e informagées que sao objeto das “avaliagoes” externas feitas pelos sistemas de ensino. E isso ao custo de pelo menos oito anos de dispén- dio em recursos tanto objetivos quanto subjetivos. Em termos administrativos, isso equivale a um fracas- so no empreendimento escolar, visto que os Tecursos, ou sua utilizagao, ou ambos os fatores, nao estao adequados ao objetivo estabelecido. Trata-se, portanto, da negagao do principio fundamental da boa administracao que requer a adequacao entre meios ¢ fins. 1. Aqui e em outras passagens, utilizo os verbos “passar” e “transmutir bem como seus derivados, entre aspas, para assinalar a impropriedade de se consi rar a educagio como mera “passagem” ou “transmissao” de algo. Bm trabalho anterior, justifico assim tal impropriedade: [. Jem educagao, nao existe propriamente uma transmissao do saber, ne sentido nor Galmente atribuido a essa palavra, Na linguagem usual, o termo transmitir SOP transferéncia de determinado objeto de um lugar para outro ou da posse de una pessoa para outra, Por conseguinte, 0 objeto passa a ocupar um novo espace ‘ou estar de pos se de outra pessoa a custa de desocupar o espago anterior ou de privar a primeir pessoa da posse do objeto em favor da segunda. Nao é assim que acantect todavia com 0 proceso educativo, Aqui a 'transmissdo* s6 pode ser aplicada como N° met fora, que, alias, deve ser evitada para nao se ocultar a peculi aridade da relagao pe? g6gica, confundindo-a com a simples relagao de “dar ¢ receber’ ot de que de um lugar a outro. Na agao educativa, quando 0 ecucando se apropitt da. date nado elemento cultural (um conhecimento, um valor, ume habilidade, ete), PS le nas nem ‘mediacio do educador, tal elemento incorpora-se em sua personalidad vi"" eS tee ae comaner também a personaiidade do educadon, Ou SA O° 7 nente cultural ndo ¢ transferido da posse dor para a do educando. Th ng ‘a outra, mas pois, nao de uma transmissdo, de algo que recriacdo de um componente cultural historicame de uma pessoa produzido, como forms pore a entario 7 comenta 47 DIRETOR ESCOLAR Mas a analise do problema nao pode restringir-se a0 exame e a responsabilizagao dos meios € de sua utilizagao, relacioné-los aos fins que se pretende alcangar. Em ou- abelecer, antes, se estamos dministrativo (inadequacao sem tras palavras, trata-se de se esti diante de um problema apenas a entre meios e fins), 0u Se, mais do que isso, a questao a elu- cidar nao se encontraria no ambito de uma filosofia e de uma politica da educagao, a que a administragao escolar necessa- riamente deve servir (Ribeiro, 1952). Isso significa que, em termos da qualidade do ensino fundamental, mais do que abordar a administragao dos meios, € preciso questionar oO proprio fim da escola e da educagao, quando mais nao seja, para saber se ele 6 de fato factivel e até mesmo desejavel. ‘A esse respeito, pode-se dizer que, de modo geral, vi- gora nos sistemas de ensino e nas politicas publicas educa- cionais uma concepgao estreita de educagao, disseminada no senso comum, de que 0 papel tinico da escola funda- mental € a “passagem" de conhecimentos € informagoées as novas geragoes. Apesar de a Lei proclamar que a educagao “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercicio da cidadania e sua Geenncanaa para o trabalho” (Lei n, 9,394/1996, art. 2°, In: Brasil, 2008 p. 265), quando se trata de concretizar tal finalidade _ meio do oferecimento de educ: f o escolar, essa intengao geral se retrai drasticamente. As medidas na diregao do “pleno desenvolvimento do educando ¥ reduzem a tent. tiva de “passagem” de or Se 2 2m” de conhecimentos scimentos, expressos nas disc: plinas escolares sa Mas, se, a luz de um pi a nente demo- , se, a luz a concepcao rat atics ; : eratica de mundo, admite: - zi se que os homens r F 2: we . 2: nascem mente ot : igual- 1ente com 0 direito universal de acesso A heran eu nena anga cultural produzida historicamente, entao a See as meio de for- mé-lo como humano-historico — nao pode restringir-se a conhecimentos ¢ informagoes, mas precisa, em igual medida, abarcar os valores, as técnicas, a ciéncia, a arte, o esporte, as crencas, 0 direito, a filosofia, enfim, tudo aquilo que compe a cultura produzida historicamente € necessaria para a for- magao do ser humano-historico em seu sentido pleno,? Supondo que o Estado e a sociedade tivessem éxito em “transmitir” pelo menos os conhecimentos que compéem as disciplinas escolares e os Parametros Curriculares Nacio- nais (PCN), ou mesmo a versdo minguada desse contetido aferida pelas “avaliagdes” externas como Saeb, Prova Brasil, etc., ainda assim estaria muito distante de lograr um minimo de “preparo para o exercicio da cidadania”, Ocorre que, mes- mo estando os sistemas de ensino e toda a politica educa- cional supostamente estruturados para esse objetivo, ele nao € obtido, o que se pode constatar por meio de contato com 0s egressos do ensino fundamental que, em geral, retém apenas uma pequena parcela dos conhecimentos que com- poem os curriculos e programas das disciplinas escolares. Isso acontece porque a pequenez desse objetivo nao tem implicagdes apenas politicas — subestimagao do que © necessario em termos educativos para o exercicio da cida- dania — mas também técnicas, sendo que estas guardam uma estreita dependéncia das implicagdes politicas. n : pela O componente técnico, sistematicamente ignorado pe ies once, a: . nas em imensa maioria dos responsaveis por politicas publica _ ttoda oriagdo 4, £ importante ressaltar aqui o conceito de cultura come "t ‘ Cae humana’, ou “como 0 acrescentamento que o homem faz ao mundo 4 (Freire. 2003 » 117, DIRETOR ESCOLAR 49 educagao, refere-se a propria natureza do ato educativo, isto 6, ao modo como o educando se apropria da cultura. Sendo a educagao a maneira pela qual se constréi o homem em sua historicidade (como sujeito, senhor de vontade, que se diferencia do restante da natureza porque é criador de va- lores que fundamentam os objetivos a que se propée), a realizagdo concreta da educagao precisa inapelavelmente levar em conta essa peculiaridade. Isto significa que o processo pedagogico deve tomar o educando como sujeito, quando mais nao seja para nao ferir o principio de adequacao de meios a fins: se 0 fim é a formacao de um sujeito, o educando, que nesse processo forma sua personalidade pela apropriacao da cultura, tem necessariamente de ser um sujeito. Portanto, ele s6 se edu- ca se quiser. Disso resulta que o educador precisa levar em conta as condigdes em que o educando se faz sujeito. Nao basta, portanto, ter conhecimento de uma disciplina ou matéria a ser ensinada. Educar nao é apenas explicar a ligdo ou expor um conteudo disciplinar, mas propiciar condigdes para que o educando se faca sujeito de seu aprendizado, levando em conta seu processo de desenvolvimento biopsiquico e social desde o momento em que nasce Querer aprender nao é uma qualidade inata, mas um valor construido historicamente. Levar o aluno a querer aprender € 0 desafio maior da Didatica, a que os grandes teoricos da educagao tém-se dedicado através dos séculos For iaso, hoje, com todo o desenvolvimento das ciéncias e disciplinas que subsidiam a Pedagogia, é inadmissivel que 08 assuntos da educacdo ainda permanegam, em grande med: : ida, nas maos de leigos das mais diferentes areas (eco- 50 VITOR HENRIQUE PARO nomistas, matematicos, publicitarios, jornalistas, socidlogos, empresarios, estatisticos, etc., etc.), os quais pouco ou nada entendem da educagao dirigida as criangas e aos jovens na idade de formacao de suas personalidades. ‘Ao abordar 0 objeto da gestao escolar, torna-se impres- cindivel, portanto, verificar em que medida as politicas atinentes a educagao basica tém presente esse conceito de educagao e o levam na devida conta. 3.2 As politicas educacionais, 0 educativo eo mercantil Em instigante trabalho que analisa os resultados de- sastrosos das reformas neoliberais introduzidas no sistema escolar norte-americano no final do século passado e IF cio deste — reformas que ela mesma ajudara a implemen tar como secretaria-assistente de educagao do governo de George H. W. Bush, no inicio da década de 1999 — Diane Ravitch (2011) afirma que “a educagao ¢ importante demas para entregé-la as variagoes do mercado e as boas intengoes de amadores” (p. 248). ~ Dificilmente se encontraré na literatura recente aon politicas publicas algo que sintetize de forma tao ogica duas grandes ameagas que rondam 0 direito 4 educ aa . seja, 1) a razdo mercantil que or ienta as politicas eu . da nais e 2) o amadorismo dos que “euidam" dos assuntos educagao. s pment ; 6 > time Evidentemente esses fendmenos estado b rinante> 4. * » deter - relacionados e acabam por ser mutuamente det eee a = " . » resulte ‘A razao mercantil, ao privilegiar a busca de res favore” wae a8 i a amucativo"

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