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TEXTO PUBLICADO NA REVISTA O SETOR ELÉTRICO

EDIÇÃO 49 DE FEVEREIRO DE 2010

Padrões brasileiros
Por Lívia Cunha
Até a segunda metade do século XIX, os modelos de tensão e
frequência existentes no Brasil ora seguiam as referências
europeias, ora as americanas, em virtude do custo, local ou
procedência dos equipamentos fornecidos. Essa diversidade só
deixou de existir a partir da década de 1960, quando as medidas
foram uniformizadas por meio de leis e decretos. Conheça esse
processo.
Em geral, padrões são definidos por aqueles que regulam um
determinado setor a partir, principalmente, da utilização de
produtos ou serviços pelos consumidores finais. Sua definição
depende dos interesses envolvidos neste processo; do período
histórico em que tal fato acontece; do impacto que esta definição
deve ter; e do custo da criação de um padrão, que unifica e uniformiza produtos, conceitos e
mentalidades. Criar um padrão passa não só pelo estabelecimento de normas e modelos para a
indústria seguir, mas, sobretudo, por uma mudança de mentalidade da população, técnica ou leiga,
para se adequar às alterações.
Quando as primeiras e pequenas usinas de geração de energia elétrica se instalaram no Brasil, na
segunda metade do século XIX, não havia padrões nacionais, fosse para frequência, tensão ou tipo
de corrente adotada. Os modelos, inclusive, demoraram muitos anos até que fossem estabelecidos e,
mais importante, seguidos. Porque, cabe lembrar aqui, que, no Brasil, há leis e decretos que
“pegam”, quando são seguidos e cumpridos como a legislação determina, e outros que “não
pegam”, quando a população continua a viver como se aquelas leis não existissem.
Até que esse hiato entre a elaboração de uma legislação que regulamentasse e estabelecesse padrões
de funcionamento no País e o efetivo cumprimento, o setor elétrico brasileiro se desenvolveu e
consolidou. Da criação da primeira hidrelétrica brasileira, a usina de Ribeirão do Inferno, na cidade
de Diamantina, em Minas Gerais, no ano de 1883, até a década de 1970, quando efetivamente os
padrões se tornaram modelos institucionalizados, muito aconteceu. Até as décadas de 1960 e 1970,
a utilização de determinada frequência elétrica, por exemplo, era definida pelas máquinas usadas
em cada empreendimento e não por um padrão nacional.
Cada interessado adotava o utilizado pelos países que vendiam os equipamentos. Assim, foram
estabelecidos os primeiros padrões estaduais. Quem comprasse máquinas motrizes dos Estados
Unidos para instalar em uma pequena usina geradora, que, no início, também era distribuidora e
transmissora, teria padrões diferentes daqueles que adquirissem produtos alemães. As principais
frequências em questão e que eram usadas no Brasil eram a de 50 Hz e a de 60 Hz. Sendo, de modo
geral, 60 ciclos o adotado pelos americanos e 50 pelos europeus.
O engenheiro eletricista e ex-diretor da divisão de potência do Instituto de Eletrotécnica e Energia
da Universidade de São Paulo (IEE/USP), Duílio Moreira Leite, explica que no Brasil “inicialmente
foram adotadas as duas frequências, cuja escolha dependia dos geradores comprados para as usinas
geradoras”. Essas diferenças eram percebidas até mesmo nas duas principais cidades brasileiras. No
caso do Rio de Janeiro, por exemplo, o fornecimento era feito em 50 Hz, enquanto em São Paulo,
em 60 Hz. Isso até meados do século XX.
Mas isso não só aconteceu com a frequência. As tensões elétricas utilizadas dependiam mais da
instalação, do fornecimento da empresa elétrica e dos equipamentos que utilizariam a fonte elétrica.
Ambas as questões foram uniformizadas no Brasil na segunda metade do século XX, quase 100
anos após o início do setor no País.

Primórdios
A energia elétrica chegou ao Brasil primeiro para fornecimento de iluminação pública, mais
eficiente do que as anteriormente adotadas, como gás ou querosene, em um período histórico que o
País fazia parte do grupo de pioneiros mundiais na aplicação de energia elétrica. Isso foi graças ao
interesse do imperador Dom Pedro II, um entusiasta da ciência, pela nova tecnologia surgida depois
da chamada Segunda Revolução Industrial, quando a eletricidade se firmou como principal fonte
energética, em detrimento das máquinas a vapor.
Em 1879, Dom Pedro II inaugurou o primeiro serviço de iluminação elétrica permanente do País, o
da antiga estação da Corte, hoje chamada de Estação Dom Pedro II, na estrada de ferro Central do
Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal. Nela, segundo o artigo A energia elétrica
no Brasil, foram instaladas seis lâmpadas de arco voltaico tipo Jablockhoff, que substituíram 46
bicos de gás. Depois dessas, em 1881, 16 outras lâmpadas foram instaladas no Campo da
Aclamação, hoje Praça da República, também no Rio de Janeiro, com energia fornecida de um
locomóvel com dois dínamos.
Em seguida, em 1883, a cidade de Campos dos Goytacazes, litoral norte fluminense, foi a primeira
cidade sul-americana a receber iluminação elétrica pública. O imperador inaugurou naquele
município uma máquina térmica acionadora por três dínamos com potência de 52 kW, que era capaz
de fornecer energia para 39 lâmpadas de duas mil velas cada. Considerando que a lâmpada elétrica
foi inventada por Thomas Alva Edison em 1879, podemos perceber como o Brasil, de fato, era
pioneiro na aplicação dessa tecnologia e seus experimentos eram contemporâneos aos dos demais
países desenvolvedores de técnicas, equipamentos e conceitos relativos à eletricidade.
Mas a definição de padrões se fez mais importante só depois que a energia passou a ser gerada no
País em usinas, que ampliavam a capacidade produtiva e potencializavam a distribuição. A primeira
usina de geração hidrelétrica para uso privado também é de 1883. Ela, a Usina do Ribeirão do
Inferno, aproveitava as águas do afluente do rio Jequitinhonha, localizado na cidade de Diamantina,
em Minas Gerais.
Seis anos depois, em 1889, no ano da Proclamação da República, foi inaugurada a primeira
hidrelétrica para serviço de utilidade pública também em Minas Gerais, mas, dessa vez, no
município de Juiz de Fora. A usina, chamada de Marmelos-Zero, foi instalada no rio Paraibuna,
próxima à estrada União-Indústria, que ligava a cidade de Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, a
Juiz de Fora. Em Marmelos-Zero foram instalados dois geradores monofásicos de 125 kW cada,
com tensão de 100 V e frequência de 60 Hz.
Com a instalação de usinas, a energia gerada no País passou a atender, gradativamente, a mais tipos
de consumidores. A iluminação pública, os transportes públicos, o fornecimento para empresas e,
por último, o atendimento a residências. Aos poucos, a energia elétrica foi se tornando parte da vida
das pessoas, mas, para que o fornecimento pudesse atingir cada vez mais consumidores, a geração
tinha que aumentar e os equipamentos a serem beneficiados por essa energia tinham que seguir um
mesmo padrão de grandezas elétricas.
Assim, as máquinas tinham que estar preparadas para receber a tensão exata de fornecimento, caso
contrário, poderiam não funcionar e, inclusive, oferecer risco aos usuários e deveriam estar também
de acordo com a frequência elétrica correta. Como o Brasil tem dimensões territoriais, até que isso
se tornasse uma verdade no País, muito tempo e trabalho foram necessários.
Frequência elétrica
A frequência elétrica é uma grandeza física que indica quantos ciclos a corrente elétrica completa
em um segundo. Se ela não for a correta, os equipamentos elétricos não funcionam ou funcionam de
modo inadequado. Quando as empresas de eletricidade começaram a se instalar no Brasil, elas
funcionavam de acordo com as máquinas importadas, projetadas para determinada frequência. As
advindas da Alemanha funcionavam em 50 Hz, e as americanas em 60 Hz.
O engenheiro Duílio Leite explica a origem dessas diferenciações: “sempre houve duas frequências
para o sistema de potência, 50 Hz na Europa e 60 Hz na América do Norte (Estados Unidos e
Canadá)”. A origem, no primeiro caso, conta Duílio, é que “os europeus sempre pensaram no
sistema métrico, múltiplos e submúltiplos de 10 (como no caso do metro, decímetro, centímetro,
etc.). Por isso, pensaram que o segundo deve ter 100 meios ciclos ou 50 ciclos”, surgindo aí a
definição da frequência em 50 Hz, porque ela é dependente de tempo em segundos.
Por sua vez, “os americanos pensaram que, como a frequência depende do tempo e o sistema do
tempo sexagesimal é universal, a hora tem 60 minutos, o minuto tem 60 segundos, portanto, o
segundo deve ter 60 ciclos. Parece lógico, não?”, questiona o ex-diretor da divisão de potência do
IEE/USP.
Mas não só dessas duas faixas de frequência vivia o mundo e, em especial, o Brasil. A adoção de
uma frequência para o intercâmbio energético dentro de um mesmo país era imprescindível, mas
como o Brasil é territorialmente muito grande, as faixas de frequência adotadas até a metade do
século XX eram diversas, como apresenta o livro Energia elétrica no Brasil. Além da divisão entre
60 Hz e 50 Hz, havia cidades como Curitiba, no Estado do Paraná, que adotava a frequência de 42
Hz. Outros exemplos da pluralidade brasileira eram as cidades de Jundiaí, em São Paulo, e de
Petrópolis, no Rio de Janeiro, que utilizavam 40 Hz e 125 Hz, respectivamente.
Na Europa, no mesmo período, de acordo com o livro, coexistiram até 11 frequências diferentes. Na
Alemanha, a frequência utilizada era de 50 Hz. Assim, as cidades brasileiras que importavam mais
equipamentos alemães utilizavam essa frequência como padrão, como era o caso da então capital
brasileira, a cidade do Rio de Janeiro.
O documento Companhias interligadas da região centro-sul, da São Paulo Light, de 1964,
explicitava os problemas que poderiam ser causados pela variação dessa grandeza e a utilização de
frequência abaixo do padrão. Diz ele que “experiências realizadas na França mostraram que 1% de
abaixamento na frequência determinou abaixamento de 0,7% na carga e 1% na diminuição na
tensão diminuiu a carga em 1,6%”.
Experimentos na zona de concessão da empresa mostraram, em 1964, que “procurando reduzir o
consumo de água, o Despacho de Carga da São Paulo Light realizou experiências que indicaram
que com o abaixamento de 60 ciclos por segundo para 59 há uma queda de aproximadamente 3% na
geração instantânea. Destes, podemos considerar que cerca de 1% foi devido à queda de tensão que
acompanha o abaixamento de frequência e os outros 2% devidos à queda de frequência
propriamente”.
Quando as empresas de produção de energia elétrica começaram a crescer e a incorporar outras
pequenas usinas, começou um processo próprio de unificação para que elas pudessem fazer um
intercâmbio energético. Não só a definição de um padrão de frequência era importante para
interligar e conectar usinas e sistemas, era necessário que a frequência fosse mantida o mais
constante possível para uma melhor eficiência de funcionamento das geradoras.
A padronização
Essa necessidade de padronização de frequência ficou ainda mais clara quando o Grupo Light
decidiu interligar as usinas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Acontece que uma parte estava em 50
Hz e a outra em 60 Hz. A solução provisória adotada foi a criação da estação inversora de
frequência de Aparecida, no Estado de São Paulo, mas próxima ao Rio de Janeiro, para fazer a
mudança da frequência de um estado para o outro. Ela dispunha de um conversor de frequência com
potência de 50 MW.
Antes disso, entretanto, o governo federal publicou o Decreto-Lei nº 852, de 11 de novembro de
1938, para padronizar a frequência em todo o território nacional em 50 ciclos por segundo. Deu um
prazo, improrrogável, de oito anos para o cumprimento dessa disposição. O engenheiro eletricista e
historiador Gildo Magalhães conta que esse decreto não foi obedecido e essa questão foi se
arrastando até a década de 1960, quando foi, de fato, estabelecido o padrão de 60 Hz.
Há registros de uniformizações estaduais, como a que aconteceu no Rio Grande do Sul. A
Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), concessionária daquele Estado, cerca de quatro
anos após a data do primeiro decreto-lei, alterou a frequência adotada nas poucas cidades rio-
grandenses que operavam em 60 Hz para 50 Hz, a exemplo de Caxias do Sul, Garibaldi,
Tupanciretã e Rio Grande. Por outro lado, algumas concessionárias de outros estados, em especial
do Centro-Sul, continuaram a operar em 60 ciclos por segundo. Conforme o folheto explicativo da
CEEE, a frequência foi mantida “devido principalmente às dificuldades criadas pela Segunda
Guerra Mundial e, depois de terminado o conflito, continuaram a expandir-se na mesma
frequência”.
O engenheiro eletricista e mecânico, ex-diretor presidente da Light e ex-diretor de Operação de
Sistemas da Eletrobras José Marcondes Brito de Carvalho acrescenta que o Decreto nº 41.019, de
26 de fevereiro de 1957, estabelecia no artigo 46 que, “nos serviços de energia elétrica será adotada
a corrente alternativa, trifásica, sendo admitida, enquanto não for unificada a frequência no País, as
frequências de 50 e 60 ciclos por segundo, de acordo com a zona em que estiverem instaladas”. A
delimitação das zonas de frequências ficaria a critério do Conselho Nacional de Águas e Energia
Elétrica (CNAEE), órgão extinto do Ministério de Minas e Energia que deu origem à Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Dessa forma, é possível perceber que definitivamente não havia uma frequência unificada no País.
“A interligação dos diversos sistemas para um aproveitamento mais racional de energia gerada
exigiu uma solução definitiva para este problema da unificação da frequência. Esta situação já trazia
preocupações ao governo, desde 1954, quando instituiu o Plano Nacional de Eletrificação”,
relembra Brito.
O fato é que a frequência de 60 Hz tinha uma predominância cada vez mais acentuada no País,
notadamente em áreas de grande desenvolvimento industrial e econômico, como São Paulo e outras
cidades da região Centro-Sul. Este fator, entre outros, levou o governo federal a adotar esta
frequência como padrão. Foi então com a publicação, pelo presidente Castelo Branco, da Lei nº
4.454, de 6 de novembro de 1964, que a frequência de 60 ciclos por segundo foi adotada. A lei
dispôs sobre a unificação de frequência da corrente elétrica no País e dizia que o emprego de
frequência seria progressivo, definido pelo MME.
A partir de 1965, a Light iniciou o processo de conversão de frequência na área do Rio de Janeiro
que levou sete anos, concluído em 1971, sendo que ela tinha como prazo até 1973. Além disso, o
Estado do Rio Grande do Sul, que alterou sua frequência com o decreto-lei de 1938 e 26 anos
depois, pela lei de 1964, teve que modificar novamente seus sistemas, aderindo ao novo padrão por
completo em 1978, depois de um trabalho de conversão de frequência, iniciado em 1969 pela
Eletrobras, Eletrosul e CEEE.
A lei determinava ainda que nenhuma nova instalação de geração de distribuição de energia elétrica
para serviços públicos ou de utilidade pública seria autorizada sem que operasse ou pudesse operar
em 60 Hz, salvo em circunstâncias excepcionais. Um caso excepcional a ser citado foi da Usina
Hidrelétrica de Itaipu, empreendimento binacional construído pelo Brasil e Paraguai, no rio Paraná,
em território pertencente aos dois países.
O fato é que o Paraguai, bem como os demais países do cone sul latino americano (Bolívia, Chile,
Argentina e Uruguai), utiliza como padrão a frequência em 50 Hz. Como o Brasil divide metade da
energia gerada pela binacional com o país vizinho, a definição de como essa energia seria produzida
foi uma questão polêmica, das muitas, envolvendo a obra da usina.
A historiadora Ivone Teresinha Carletto de Lima, autora de Itaipu: as faces de um mega projeto de
desenvolvimento, explica que “a questão da frequência não havia sido contemplada pelo Tratado de
Itaipu. Para uma barragem das proporções de Itaipu, com investimentos grandiosos e consequências
econômicas igualmente relevantes, esse fator era de vital importância”. Como o Brasil tinha maior
aporte financeiro e seria o que consumiria maior parte da energia a solução mais prática seria o
Paraguai mudar de frequência.

Contudo, por pressão política, o povo paraguaio considerava uma questão de supremacia nacional
não se submeter ao desejo brasileiro, e também uma medida econômica, pois o país pretendia ainda
construir outra usina com a Argentina, que utiliza a mesma frequência padrão. Assim, ficou definido
que Itaipu teria duas frequências. Uma metade, referente à energia brasileira, seria gerada em
corrente alternada em 60 Hz, enquanto a outra metade, referente ao Paraguai, seria em 50 Hz. Como
já tinha ficado acertado pelo tratado de construção da geradora, a sobra da energia que o país
guarani não consumisse seria vendida ao Brasil. A energia então gerada em 50 Hz é convertida e
transmitida em corrente contínua e, próxima ao centro de consumo é então convertida em corrente
alternada na frequência de 60 Hz, pronta para ser transmitida e distribuída aos consumidores
brasileiros.
Influências
É importante ressaltar mais uma vez que a vitória da frequência de 60 Hz sobre a de 50 ciclos por
segundo se deveu também à tardia industrialização brasileira. Depois do fim do ciclo do café, em
1930, desenvolvido sobretudo no Estado de São Paulo, e do início da industrialização de base, no
mesmo período, com Getúlio Vargas, concentrada também nessa unidade federativa, diversos
empreendimentos industriais foram desenvolvidos. Isso contribuiu para que a demanda energética
dessa região fosse mais acentuada, concentrando um maior número de usinas, empresas e
empreendimentos que utilizavam máquinas motrizes, tais como os motores.
O engenheiro Duílio Leite lembra que, nesse período, “a escolha de padrão 60 Hz para o Brasil foi
pela predominância dos equipamentos industriais nessa frequência em todo o país. Havia poucos
aparelhos eletrodomésticos que usavam motores e o custo para os usuários de energia era pequeno.
Muitos funcionavam não tão bem em outra frequência, mas o usuário não percebia”.
Quando foi estabelecida a lei que determinava a frequência brasileira tal como é hoje, em 1964, o
País vinha de um período de industrialização acentuada, do governo de Juscelino Kubitschek, de
1956 a 1961, e acabaria por entrar em período conhecido como Milagre Econômico, entre 1969 e
1973, durante o regime militar, quando o Brasil experimentaria um período de grande crescimento
econômico, puxado, mais uma vez, pelas indústrias e pelo crescimento populacional.

Tensão
Já na questão do padrão de tensão de distribuição, o processo se deu de forma um pouco diferente.
A tensão elétrica inicialmente dependia da companhia distribuidora, que, até a desverticalização do
setor elétrico brasileiro, era realizada pela mesma empresa que gerava a energia. Nesse período, o
que determinava a tensão, segundo Duílio, era o custo. Isso porque “quanto maior fosse a tensão,
menores seriam os custos da distribuição e menores também os custos para os consumidores nas
suas instalações residenciais ou industriais”.
Em São Paulo, por exemplo, existiam três faixas de tensão: 208 V/120 V, na região central da
cidade, onde há uma instalação subterrânea; 230 V/115 V, o chamado sistema híbrido; e 220 V/ 127
V. Nas regiões em que havia consumidores residenciais e industriais na mesma área, a São Paulo
Light adotava um sistema híbrido que fornecia energia trifásica em 230 V e monofásica em 115 V
ou 230 V. Nesse ponto, Duílio relata que “os transformadores trifásicos ou bancos de
transformadores monofásicos tinham um ponto central em um dos secundários que não era o neutro.
Deste enrolamento ou deste transformador com ponto central saíam as alimentações para as
residências e do conjunto de transformadores (ou de um transformador trifásico) saíam as tensões
trifásicas para as oficinas e fábricas”.
Algumas fábricas recebiam, então, os dois sistemas: 230 V/115 V, para iluminação, e 230 V,
trifásico, para as máquinas. Essas diversas faixas de distribuição, entretanto, geravam confusão e
alguns choques aconteciam. Especialmente quando uma pessoa pegava um fio direto do trifásico
(em 230 V) e um terra e aplicava a um novo circuito, com cerca de 180 V entre fase e neutro. Isso
gerava a queima de lâmpadas e de pequenos aparelhos monofásicos.
Por conta disso, em muitas cidades, por escolha da distribuidora local, foram usadas as soluções 220
V/110 V ou 220 V monofásico, 220 V/127 V ou ainda 208 V/120 V. Essas diferentes faixas geravam
para o consumidor comum residencial uma diferença na duração e no rendimento das lâmpadas,
além de redução da vida útil de funcionamento dos eletrodomésticos. Só que alguns desses
problemas não são percebidos pelas pessoas leigas, não conhecedoras dos processos elétricos.
Para tentar criar um padrão, otimizar o fornecimento, melhorar o rendimento dos equipamentos e a
eficiência energética deles, a Eletrobras nomeou, na década de 1970, uma comissão para escolher
um modelo brasileiro de tensão. Essa comissão culminou na publicação, pelo presidente Emílio
Garrastazu Médici, do Decreto nº 73.080, de 5 de novembro de 1973, que regulamentou os serviços
de energia elétrica e estabeleceu os padrões de tensões nominais para novas instalações.
De acordo com o texto legal, ficou estabelecido que, para transmissão e subtransmissão em corrente
alternada, as tensões poderiam ser de 750 kV, 500 kV, 230 kV, 138 kV, 69 kV, 34,5 kV e 13,8 kV. Já
para distribuição primária de corrente alternada em redes públicas, as tensões padrões deveriam ser
de 34,5 kV ou 13,8 kV; e, por fim, para distribuição secundária de corrente alternada em redes
públicas, poderiam ser 380 V/ 220 V, 220 V/ 127 V, em redes trifásicas a quatro fios, três fases e um
neutro, e 230 V/ 115 V, em redes monofásicas a três fios.
A solução mais econômica encontrada pela Eletrobras, de 380 V/ 220 V, era adotada na Europa e foi
adotada em muitos estados, “mas não se pode, de uma hora para outra, trocar a tensão onde havia
um número muito maior de consumidores, em São Paulo, principalmente”, opina o engenheiro
eletricista Duílio Moreira Leite.
Apesar da definição de valores de tensão a serem seguidos, para o engenheiro eletricista e
historiador Gildo Magalhães, não se pode afirmar, na verdade, que há uma padronização no País,
porque é possível encontrar diferentes Estados e regiões com instalações em tensões diferentes.
Apesar de “todos recebermos 220 V em casa, em duas linhas, que têm diferença de 110 V cada uma
para o neutro e de 220 V entre elas, é possível ainda hoje fazer instalação de iluminação, por
exemplo, toda em 220 V e ter tomadas em 110 V/127 V ou 220 V”.
Como todas as residências recebem 220 V, a tensão residencial depende mais da instalação feita nas
casas, do que do fornecimento. Apesar disso, pode-se dividir algumas cidades por maior utilização
de determinada faixa de tensão. “Sobre o uso domiciliar de energia elétrica, a alimentação depende
da carga a ser atendida. Na maior parte do País, nas residências, a ligação monofásica prevalece, na
tensão de 127 V, como é o caso do Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Belo Horizonte, Corumbá,
Cuiabá, Curitiba, Foz do Iguaçu, Porto Alegre, Salvador e Santarém. A tensão de 220 V é usada em
Brasília, Florianópolis, Fortaleza, Recife e São Luís”, pontua o ex-presidente da Light, José Brito de
Carvalho.
A diferença de utilização de tensão fornecida pelas distribuidoras ao longo do País, por exemplo,
mais instalações em Estados do Nordeste em 220 V enquanto no Centro-Sul se concentra mais
circuitos em 110 V/127 V, pode ser explicado, para Gildo Magalhães, por dois fatores: um cultural e
outro econômico.
Isso porque, para ele, em lugares que há mais influência europeia e que, por isso, antigamente
adquiria-se mais equipamentos fabricados naquele continente, encontra-se mais facilmente
instalações de 220 V, já que é o modelo adotado em alguns países do outro lado do Atlântico. Por
outro lado, a instalação em 220 V é, em teoria, mais econômica, por isso, é possível que esse tipo de
sistema tenha sobressaído em regiões em que há um percentual de pessoas mais pobres.
Por fim, hoje a Eletropaulo, concessionária que atende à cidade de São Paulo, vem procurando
substituir os sistemas 230 V/115 V por 220 V/127 V e em outras cidades do Estado de São Paulo as
companhias distribuidoras padronizaram aos poucos o 220 V/127 V.

As correntes elétricas

As primeiras experiências de geração


de energia elétrica foram feitas por
meio de corrente contínua. Antes da
instalação de usinas geradoras, a
fonte de fornecimento da eletricidade
provinha de baterias e dínamos
elétricos. Estes são aparelhos que
geram corrente contínua convertendo
energia mecânica em elétrica, através
de indução eletromagnética,
enquanto aqueles são dispositivos
que armazenam energia química e a
disponibiliza em forma de energia
elétrica.

Nesse período, no final do século XIX, fosse no Brasil ou no restante do mundo, as instalações que
eram abastecidas com energia elétrica a recebiam de maneira limitada, normalmente, durante só um
determinado período do dia e a fonte geradora precisava estar a uma curta distância da
consumidora. Isso porque, quando se aumentavam as distâncias, eram registradas muitas perdas
elétricas, já que a técnica não estava aprimorada. Era o período inicial de exploração da eletricidade
enquanto fonte energética. Só depois do desenvolvimento comercial da corrente alternada e de
inauguradas as primeiras usinas geradoras com maior capacidade instalada, gerar, transmitir e
distribuidor energia elétrica a um número maior de pessoas se tornou possível.
A transmissibilidade da corrente alternada, que permite que a energia seja transmissível e
transportável a grandes distâncias com baixas perdas, contribuiu para que a utilização da
eletricidade fosse desenvolvida. O século XX, que viu o início, o desenvolvimento e diversas crises
de eletricidade, foi marcado pela dominação da corrente alternada sobre a contínua. Entretanto, é
possível encontrar importantes circuitos alimentados por corrente contínua que não tenham o
fornecimento provindo de baterias elétricas. É o caso do linhão de Usina Hidrelétrica de Itaipu, que
tem metade da sua geração em corrente contínua.
“O Brasil tem a linha de mais alta tensão em corrente contínua - existe só mais uma no mundo (em
600 kV) e certamente a de maior potência (metade da potência de Itaipu - a que coube ao Paraguai).
Está prevista outra linha também em 600 kV para mandar para o sudeste a energia das usinas em
construção no rio Madeira”, pontua o engenheiro eletricista e ex-diretor da Divisão de Potência do
Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (IEE/USP) Duílio Moreira Leite.

Pesquisa

* “A energia elétrica no Brasil” – Bertanha Grupos Geradores


* “Energia elétrica no Brasil” – Ed. Biblioteca do Exército
* “Companhias interligadas da região centro-sul” – IV Reunião – Palestras proferidas na Usina
Henry Borden – Light São Paulo – 1964
* “Fornecimento de energia elétrica em tensão secundária de distribuição – instruções gerais” –
Eletropaulo – 1986
* “Fornecimento de energia elétrica – tensão de subtransmissão 88/138 kV” – Eletropaulo – 1988
* “Itaipu: as faces de um mega projeto de desenvolvimento” – Ivone Teresinha Carletto de Lima –
Ed. Germânica
* “CEEE: a questão da frequência” – Serviço de Relações Públicas – 1966

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