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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA [XXX] VARA

CRIMINAL DA COMARCA DE GOIÂNIA/GO

Autos nº XXXXXXXXXXXXXXX

ASTOLFO, já devidamente qualificado nos autos da ação epígrafe, vem, por seus advogados,
com o devido respeito e acatamento apresentar suas razões de

ALEGAÇÕES FINAIS EM FORMA DE MEMORIAIS

no prazo de cinco dias, com fundamento no Art. 403, § 3º do Código de Processo Penal,
fazendo-o na forma das razões adiante aduzidas:

1. DOS FATOS

Conforme narrado na inicial acusatória, o réu foi acusado pelo Sr. Promotor e digno
representante da Justiça Pública como incurso nas penas previstas por infração dos artigos 33
(tráfico de drogas), caput e 35, caput c.c. art. 40, inciso V, todos da lei 11.343/06, c.c. os
artigos 29 (concurso de pessoas) e 69 (concurso material de crimes) do Código Penal;

Visto que, no dia 22 de Março 2014, foi visitado pelo chefe do tráfico conhecido pelo
vulgo de Russo da sua comunidade, conhecida como Favela da Zebra. Segundo o réu, o
traficante estava armado, exigindo-o que transportasse 50 g de cocaína para outro traficante,
que o aguardava em um Posto de Gasolina, caso contrário, ele poderia ser expulso de sua
residência.

O acusado, então, se viu obrigado a aceitar a determinação, no entanto, foi abordado


por policiais militares quando estava em seu automóvel indo ao Ponto de Gasolina, sendo a
droga encontrada e apreendida. Em que pese tenha sido preso em flagrante, foi concedida
liberdade provisória ao agente, respondendo ele ao processo em liberdade.
Durante a audiência de instrução e julgamento, após serem observadas todas as
formalidades legais, os policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante do réu
confirmaram os fatos narrados na denúncia, além de destacarem que, de fato, o acusado
apresentou a versão de que transportava as drogas por exigência de Russo. Asseguraram que
não conheciam o acusado antes da data dos fatos.

E no último ato da instrução por requerimento expresso da defesa do réu, também


confirmou que fazia o transporte da droga, mas alegou que somente agiu dessa forma porque
foi obrigado pelo chefe do tráfico local a adotar tal conduta, ainda destacando que residia há
mais de 50 anos na comunidade da Favela da Zebra e que, se fosse de lá expulso, não teria
outro lugar para morar, pois sequer possuía familiares e amigos fora do local.

Após a juntada da Folha de Antecedentes Criminais do réu, apenas mencionando


aquele inquérito, e do laudo de exame de material, confirmando que, de fato, a substância
encontrada no veículo do denunciado era “cloridrato de cocaína”, os autos foram
encaminhados para o Ministério Público, que pugnou pela condenação do acusado nos exatos
termos da denúncia.

2. DA PRELIMINAR
2.1 - DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA DO ACUSADO EM JUÍZO:

Em matéria preliminar importante destacar que, o réu confessou na audiência de


interrogatório que transportou a droga “cloridrato de cocaína” até Posto de Gasolina, nada
mais fazendo do que simplesmente servindo de transportador da droga (conhecido
popularmente como ‘MULA’), em face da coação irresistível, diante da ameaça a sua pessoa
conhecido traficante , Russo, sob a ameaça de arma de fogo, e somente por este motivo.

Em assim sendo, é sabido que a confissão da autoria do crime pelo acusado é fato de
grande importância na Justiça;

E nesse sentido, o artigo 65, inciso III do Código Penal estabelece em seu artigo:

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:


III - ter o agente:
d)confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime.
(destacamos).
Ora, diante a confissão espontânea do réu perante este MM Juiz durante a audiência de
interrogatório, necessário se faz aplicar-se ao presente julgamento a atenuante prevista no
Código Penal, que aliás, é objetiva;

Inclusive esse é o entendimento do Col. STJ:


“A confissão espontânea hoje é de caráter meramente objetivo, não fazendo a lei
referência a motivos ou circunstâncias que a determinaram”
(STJ – Rel. Min. Paulo Gallotti – Habeas Corpus 22.927 – MS).

Daí, necessário se faz que a circunstância da confissão do réu em Juízo deverá ser
considerada no momento da dosimetria da pena;

Importante reiterar que o réu é primário, desconhece os demais réus, possui bons
antecedentes, possui profissão e residência fixa conforme faz prova os documentos trazidos
aos autos;

3. DO DIREITO:

3.1 DA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA:

Para que determinada conduta seja considerada crime, deve ser ela típica, ilícita e
culpável. Um dos elementos da culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa,
sendo,portanto, a inexigibilidade de conduta diversa uma causa de exclusão de culpabilidade.
Portanto, Excelência, fica claro que Russo, estando armado, ao exigir o transporte das
substâncias entorpecentes sob pena de expulsá-lo de sua casa e da comunidade, sem ele ter
outro local para residir, praticou uma coação moral irresistível. Sendo assim, acorda o
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E


ASSOCIAÇÃO PARA OTRÁFICO. SENTENÇA CONDENATÓRIA.
INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA.Entrega da DROGA NÃO
CONCRETIZADA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO DE CONVICÇÃO DA
SOCIEDADE CRIMINOSA. I - Deve ser reconhecida a causa supralegal de
excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa em
favor da processada que, em situação de extrema necessidade, praticada ameaça
séria contra seu companheiro, recolhido em penitenciária juntamente com o
coator, a quem ele devia,visando protegê-lo, cede à coação, ingressando
em estabelecimento prisional com substância entorpecente, exigida para o
adimplemento da dívida, ausente alternativa,impedida de agir conforme o
ordenamento jurídico, frustrada a entrega da droga pela atuação da polícia, que a
apreendeu no momento da revista pessoal da processada, não concretizado o crime
de tráfico em relação aos demais processados, impondo a absolvição de todos. II -
É despropositada a condenação pelo delito do art. 35, da Lei de Drogas,quando a
prova colhida nos autos não demonstra o ânimo de estabelecimento de unidade
duradoura entre os processados, para a finalidade de realização do comércio de
drogas,não exposto vínculo permanente para essa atividade. APELOS
PROVIDOS.(TJGO, APELAÇÃO CRIMINAL 424311-32.2013.8.09.0123, Rel.
DR(A). LILIA MÔNICA CB.ESCHER, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em
03/09/2015, DJe 1876 de 24/09/2015)

Diante das circunstâncias e das particularidades do caso concreto, em especial


considerando a idade de Astolfo e o fato de não ter familiares para lhe dar abrigo, não seria
possível exigir outra conduta do acusado. Conforme previsão do Art. 22 do Código Penal, no
caso de coação irresistível, somente deve responder pela infração o autor da coação.

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a


ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da
coação ou da ordem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Assim, na forma do Art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, deve o réu ser
absolvido. Neste sentido, os tribunais também são decisivos:

"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE.


CONCORRÊNCIA. PROVA JURISDICIONALIZADA. AUSÊNCIA.
ABSOLVIÇÃO. SE NÃO EXISTE NOS AUTOS PROVA DE QUE O ACUSADO
CONCORREU PARA A INFRAÇÃO, IMPÕE-SE SUA ABSOLVIÇÃO,COM
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO, DE ACORDO COM O
ARTIGO 386, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
APELACAO CONHECIDA E PROVIDA, À UNANIMIDADE DE
VOTOS."(TJGO, APELACAO CRIMINAL 25483-4/213, Rel. DES.
GERALDO SALVADOR DE MOURA, 1A CAMARA CRIMINAL, julgado em
02/12/2004, DJe 14421 de 28/12/2004)

4. DO MÉRITO

Astolfo com 74 anos de idade, em 22 de março 2014, praticou a conduta prevista no


artigo 33 da lei 11.343/06, transportando 50g de cocaína, que tem pena cominada de 5 a 15
anos de reclusão e multa.

Entretanto, a conduta de Astolfo apesar de consciente não foi voluntária, em face da


coação irresistível, diante da ameaça a sua pessoa exercida por conhecido traficante, Russo,
sob a ameaça de arma de fogo, ausente a culpabilidade em razão da inexigibilidade de
conduta diversa.
Frisa-se que o acusado não buscou aderir a conduta criminosa sob qualquer aspecto,
estando em casa, e sendo procurado pelo traficante para o exercício da atividade criminosa.

Os policiais que conduziram Astolfo à delegacia Fato confirmaram em audiência de


instrução e julgamento, que o acusado apresentou a tese de coação anteriormente apontada.

Assim sendo, não houve dolo na conduta do agente, uma vez que sua voluntariedade
foi suplantada totalmente pela coação de Russo. Faz-se incidir a regra de exclusão de
tipicidade da conduta do artigo 22 do CP – “nulla culpa sine crime”.

Astolfo foi pego em flagrante delito direto por policiais, conforme previsto no art 301
do CPP, mas, apesar da conduta não ser tipificada no artigo 28 da lei 11343/06, foi liberado
para aguardar o processo em liberdade provisória.

Sendo assim, não houve dolo na conduta do agente, uma vez que sua voluntariedade
foi suplantada totalmente pela coação de Russo. Faz-se incidir a regra de exclusão de
tipicidade da conduta do artigo 22 do CP – nulla culpa sine crime.

Após a juntada da Folha de Antecedentes Criminais do acusado, verificou-se que


respondia por inquérito policial pela suposta prática de falsificação de documento particular,
delito previsto no artigo 298 do CP.

A Folha de Antecedente restou demonstrar a primariedade do acusado. Haja vista não


existir sentença condenatória com trânsito em julgado contra o acusado, os inquérito
verificados não poderão imputar qualquer interpretação desfavorável ao acusado por parte do
juiz sentenciante, sob pena de violar de morte o princípio constitucional da inocência, artigo
5, LVII da CF, devidamente reconhecido na súmula 444 do STJ.

4.1 Das teses subsidiárias

Desse modo, deve ser reconhecida a circunstância atenuante do artigo 65, III, I do CP,
haja vista o acusado ter 74 anos de idade, da coação moral a que podia resistir, prevista no
art. 65, III, c, do Código Penal, uma vez que Astolfo somente transportou a droga por
exigência de Russo, ou seja, não se exigia outra conduta do agente mediante as condições do
ocorrido, este agiu por sua própria proteção e deve pelo mesmo motivo ser absolvido.
Ainda de acordo com a atenuante da confissão, prevista no art. 65, III, d, do Código
Penal, outra situação que sempre atenua a pena é a confissão espontânea, perante a
autoridade, a autoria do crime. Mesmo tendo alegado causa excludente de culpabilidade,uma
vez que o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a confissão qualificada
suficiente para atenuar a pena do réu. Também, segundo se extrai do enunciado, o réu
é primário, ostenta bons antecedentes e não há elementos no sentido de envolvimento com
organização criminosa e dedicação às atividades criminosas, o que legitima o réu a requerer a
causa especial de diminuição de pena do tráfico privilegiado.

Caso incida alguma condenação, que a mesma seja estabelecida no mínimo legal, em
função das atenuantes acima apresentadas, para cinco anos de reclusão em regime inicial
semiaberto de reclusão, art. 33, § 2, b do CP.

Sendo assim, com a diminuição de pena aplicada e os demais requisitos do Art. 44,do
Código Penal preenchidos, que seja permitida a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos. Isso porque, uma vez sendo reconhecido o tráfico privilegiado, com
a diminuição da pena no patamar máximo, a pena definitiva não ultrapassa quatro anos.

Lembrando que a vedação constante no art. 33, §4º, da Lei n.11.343/2006, não mais
subsiste, uma vez que, por meio da Resolução n. 05, publicada em 15.2.2012, o Senado
suspendeu a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos",
sendo, pois, possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

5. DO PEDIDO

Em face das razões de fato e direito apresentadas, e da injustiça da acusação, venho


diante deste digno e justo juízo criminal pedir que:

1)- o acusado seja absolvido das imputações inferidas, pois sua conduta não constitui
crime uma vez incidente – nulla culpa sine crime, devendo o juiz sentenciante absolver o
acusado de acordo com artigo 386, VI do CPP;

2)- que a confissão, circunstância subjetiva do crime, a semelhança da reincidência,


reduza a pena além do mínimo legal combinado, conforme art. 387, III do CPP;

3)- que seja reconhecido a redução da pena além do mínimo legal cominado,
conforme Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06;
4)- caso seja reconhecida cumulativamente as duas causas de redução da pena acima
das, confissão subjetiva e do Art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 – legal, perfazendo uma
redução na pena base de 1/3 da pena cominada, 3 anos e 4 meses, faz jus o acusado ao início
de cumprimento da pena em regime aberto, haja vista ser reconhecido este direito, conforme
art. art. 33, §2, c do CP;

5)- em sendo reconhecido o início do cumprimento da pena em regime aberto, faz jus
o acusado a substituição da pena privativa de liberdade, por restritiva de direitos, conforme
artigo 44, I do CP; e

6)- reconhecido o regime aberto como inicial, faz jus o acusado ao cumprimento da
pena em residência particular, em conformidade com o artigo 117 da LEP.

Termos em que

Pede deferimento,

Local, 13 de março de 2015

Gleice Genaro ADV - OAB N_(DRE 117226935)

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