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Capítulo 1: A Didática no contexto histórico e contemporâneo

Luciana Peixoto Cordeiro

Introdução

A temática didática, levando em conta sua origem e seus pressupostos


teóricos, trata da história e da concepção da didática, bem como da sua
perspectiva atual no processo de ensino e de aprendizagem, em direção ao
desvelamento de práticas didático-pedagógicas que promovam um ensino
realmente eficaz e eficiente, com significado e sentido para os alunos,
contribuindo para a transformação do ser e consequentemente para a
transformação da sociedade.

Neste capítulo refletimos sobre a historicidade da didática e sua perspectiva


atual, enfatizando a importância da mesma no processo de ensino e de
aprendizagem e na função humanizadora da escola.

Tem-se, com a humanização da escola, a possibilidade de propiciar a


formação de pessoas desenvolvidas de forma integral.

Leitura, análise e estudo deste capítulo se fazem necessários para que você
construa a sua aprendizagem em relação à temática!

Historicizando a didática

O termo didática é derivado do grego e significa “arte” ou “técnica de ensinar”.


Desde a criação da obra Didactica Magna, no século XVII, por João Amós
Comêniuso (1592-1670) tem-se como foco central da didática o ensino, ou
seja, aquilo que se constitui a ação fundante do professor. (PAIM e CARMO,
2019).

Comenius, elabora uma proposta que tinha por objetivo reformar a escola e o
ensino e “[...] lança as bases para uma pedagogia que prioriza a „arte de
ensinar‟ por ele denominada „Didática‟, em oposição ao pensamento
pedagógico até então” (DAMIS, 1998, p. 17), ou seja, era uma contraposição
às ideias conservadoras da nobreza e do clero.

A Didática Magna de Comenius tinha por fundamento ensinar tudo a todos.


Esse teórico, com sua preocupação com a arte de ensinar, introduz no cenário
pedagógico a ênfase nos meios e no processo, deixando em segundo plano a
formação de um homem ideal, o que vinha, até então, sendo fundamental.

O enfoque no ensino foi importante para a pedagogia e a sociedade da época,


sendo esta caracterizada pelo início do sistema de produção capitalista. À
medida que esse sistema de produção se fortalecia, fazia crescer a
necessidade de um ensino voltado às exigências do mundo da produção e dos
negócios, contemplando o desenvolvimento das capacidades e os interesses
individuais.

Dando continuidade à historicidade da didática, Jean Jacques Rousseau


(1712-1778), propõe uma nova concepção de ensino, fundamentada nas
necessidades e nos interesses imediatos da criança. Rousseau não elaborou
uma teoria de ensino, mas sua obra originou um novo conceito de infância.
Henrique Pestalozzi (1746-1827) foi quem colocou em prática os ideais de
Rousseau, imprimindo dimensões sociais à educação.

Segundo Libâneo (2006), Johann Friedrich Herbart (1766-1841) influenciado


pelos estudos de Comenius, Rousseau e Pestalozzi, “[...] desenvolveu uma
análise do processo psicológico-didático de aquisição de conhecimentos, sob
a direção do professor” (1994, p. 60). Herbart defendeu a ideia de educação
pela instrução, que pode ser assim caracterizada:

A principal tarefa da instrução é introduzir ideias corretas na mente dos


educandos. O professor é um arquiteto da mente [...]. Controlando os
interesses dos educandos, o professor vai construindo uma massa de ideias
na mente, que por sua vez vão favorecer a assimilação de ideias novas
(LIBÂNEO, 2006, p. 60).

Libâneo (2006) traz que, os pensamentos pedagógicos de Comenius,


Rousseau, Pestalozzi e Herbart, entre outros, formaram a sustentação do
pensamento pedagógico europeu, expandindo-se por todo o mundo,
instituindo as concepções pedagógicas tradicional e pedagogia renovada. Esta
última reúne correntes que defendem a renovação escolar, opondo-se à
pedagogia tradicional. Podem-se destacar como características desse
movimento:
A valorização da criança dotada de liberdade, iniciativa e
de interesses próprios e, por isso mesmo, sujeito da sua
aprendizagem e agente de seu próprio desenvolvimento;
tratamento científico do processo educacional,
considerando as etapas sucessivas do desenvolvimento
biológico e psicológico; respeito às capacidades
individuais, individualização do ensino conforme os ritmos
próprios de aprendizagem; rejeição de modelos adultos em
favor da atividade e da liberdade de expressão da criança
(LIBÂNEO, 2006, p. 62).

A esse movimento de renovação da educação foram atribuídos diferentes


nomes: Educação Nova, Escola Nova e Pedagogia Ativa, que foram definidas
como tendência pedagógica no início do século XX.

Jonh Dewey (1859-1952) é o representante de uma das correntes advindas do


movimento escolanovista. Dewey defendia a educação pela ação, na qual são
possibilitadas situações de experiências à criança, para que desenvolvam,
assim, suas potencialidades, capacidades, necessidades e interesses.

Para Libâneo (2006), o movimento escolanovista no Brasil se desmembrou em


várias correntes, entre elas: a Vitalista, tendo como representante Montessori,
e a Interacionista, baseada na psicologia genética de Jean Piaget.

O educador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) consagra a tendência


progressista libertadora para a educação. Contesta a educação bancária, que
nega ao homem se tornar um sujeito crítico e criativo. Afasta-se das
aprendizagens que visam o recebimento e a memorização dos conteúdos, a
partir de uma realidade selecionada pelo professor e que posiciona os
educandos, enquanto ouvintes passivos do ato educativo, em que o professor
educa, sabe, pensa, fala, disciplina, escolhe, determina, impõe, enquanto o
educando não sabe e não participa, só ouve, segue determinações, não age,
não escolhe, adapta-se, constituindo-se numa educação que instala um
processo educativo que aliena.
Por outro lado, propõe a educação problematizadora, também chamada de
libertadora, porque fomenta o desenvolvimento da conscientização do
educando diante de seu contexto social.

Na educação problematizadora, o conhecimento é um processo que se realiza


por meio do contato do sujeito com o mundo vivenciado, o qual é considerado
dinâmico e em constante transformação. Essa referência de educação
possibilita a construção de um conhecimento que é crítico, realizado a partir do
desvelamento da realidade, de forma reflexiva, o que conduz os sujeitos a
sentirem a necessidade de transformarem suas relações na sociedade.

Nessa abordagem, estabelece-se uma relação horizontal entre professor e


educando, abrindo espaço para uma prática dialógica. Esse processo supõe
compartilhar conhecimentos, de modo que o professor, enquanto ensina,
também aprende com seus educandos.

Segundo Freire (1996, p. 47), é preciso “[...] saber que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a
sua construção”.

Didática numa perspectiva contemporânea

A Didática estuda o processo de ensino por meio dos seus componentes: os


objetos de conhecimento (seguindo a Base Nacional Comum Curricular –
BNCC, os conteúdos de ensino são nominados de objetos de conhecimento),
o ensino e a aprendizagem, para, “[...] com o embasamento numa teoria da
educação, formular diretrizes orientadoras da atividade profissional dos
professores” (LIBÂNEO, 2006, p. 52), ou seja, o processo didático de
possibilitar a construção do conhecimento pelo educando e o desenvolvimento
de competências e habilidades. Continua o autor, evidenciando que o “[...]
objeto de estudo da Didática é o processo de ensino, campo principal da
educação escolar” (p. 54).

Com essa abordagem, pretende-se enfatizar algumas reflexões para que se


possa pensar e agir a respeito da didática, de maneira a contribuir para o
desenvolvimento da consciência cidadã dos educandos e, em consequência,
para a sustentação da sociedade.

Como e para que se exerce a docência? Como o “saber fazer” na sala de aula
se concretiza para que se deixe de utilizar metodologias rígidas, estruturantes
e reducionistas, para adotar metodologias mais dinâmicas, vivas, flexíveis,
globalizadoras e que preparem o educando para viver e conviver com as
transformações rápidas do mundo, numa vida de incertezas e
imprevisibilidades?

Esse desafio não reside somente no aparecimento de procedimentos novos de


ensino, como sendo mais uma forma de facilitar o trabalho do professor e a
aprendizagem do educando. Faz-se necessário pensar a didática para além de
uma simples renovação pedagógica de novas formas de ensinar e aprender.
Isso remete a superar a visão da didática numa perspectiva instrumental, em
direção a uma didática fundamental.

A didática instrumental, segundo Candau (2001, p. 13),

[...] é concebida como um conjunto de conhecimentos


técnicos sobre o „como fazer‟ pedagógico, conhecimentos
estes apresentados de forma universal e
consequentemente desvinculados dos problemas relativos
ao sentido e aos fins da educação, dos conteúdos
específicos, assim como do contexto sociocultural concreto
em que foram gerados.

A didática fundamental está alicerçada, conforme Candau (2001), na


multidimensionalidade do processo de ensino e de aprendizagem, ou seja,
propõe a articulação das dimensões técnica, humana, política e social. Nessa
perspectiva, a competência técnica e o compromisso político não se
dissociam, e sim se interpenetram. “A dimensão técnica da prática
pedagógica, objeto próprio da Didática, tem de ser pensada à luz de um
projeto ético e político-social que a oriente” (p. 15).

O ensino não é uma ação neutra. Para Damis (1998), todo o ensino possui um
conteúdo pedagógico implícito, que abarca uma concepção de homem, de
sociedade e de educação, que é a sua base de sustentação. Desse modo, o
professor de Matemática, por exemplo, além de trabalhar os objetos de
conhecimento específicos desse componente curricular, também desenvolve
um conteúdo implícito, a partir de sua metodologia, de sua concepção de
educação, de mundo, de homem e de sociedade.
Entretanto, não se trata de definir a didática como instrumental, fundamental
ou crítica, mas sim, de “[...] postular uma didática comprometida com as
diferenças, as minorias sociais, as ausências curriculares, os gritos dos
excluídos, as múltiplas culturas” (PAIM e CARMO, 2019, p. 144). Os referidos
autores ousam “[...] em falar de uma didática multirreferencial que possibilite o
entrelaçar de processos, práticas, saberes e sujeitos constituindo políticas de
sentido para a formação e para a docência” (p. 144). Isso encaminha para uma
permanente discussão sobre as finalidades da didática.

Diante desse contexto, a ação educacional que deve ser implementada é a


que possibilitará a reflexão em relação a cada situação de aprendizagem, a
partir da realidade em que estão inseridos professor e educando, chegando-
se, assim, a um processo didático mais real e adequado.

Didática: relações entre professor, educando e conhecimento

O professor Fernando Becker defende que existem três diferentes formas de


representar a relação de ensino e de aprendizagem. Denomina essas formas
de modelos pedagógicos: pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e
pedagogia relacional.

Pedagogia diretiva

Conforme Becker (2001), a Pedagogia diretiva configura-se por um espaço


educativo desprivilegiando a relação entre os educandos; o silêncio deve ser
cumprido e a palavra é monopolizada pelo professor. Assim, este fala e o
educando limita-se a escutar; o docente dita, cabendo ao educando copiar,
apenas como o executor das ordens do professor.

Nessa perspectiva, o professor ensina e o educando aprende. Isso revela que


o professor exerce sua função na perspectiva da transmissão do
conhecimento. Essa pedagogia fundamenta-se na epistemologia empirista,
que é alicerçada pela crença de que o conhecimento está no meio físico
(objeto) ou social.

Sob o enfoque epistemológico empirista, pressuposto da pedagogia diretiva,


somente a escola poderia transmitir os conhecimentos validados pela ciência,
desconstruindo o que fora aprendido em outros espaços de vida do educando.
Através da receptividade aos saberes transmitidos pelo professor, da
repetição, da cópia e da memorização (decoreba), o sujeito aprende.
Epistemologicamente, segundo Becker (2001), a relação do educando
(Sujeito) com o Conhecimento (Objeto) é representada da seguinte forma:

S O

Para o autor, o professor considera que seu educando é uma tábula rasa, uma
folha em branco, não somente quando nasceu, mas frente a cada conteúdo
novo que irá construir. Considera que somente o professor tem condições de
produzir um novo conhecimento no educando. Dessa forma, “[...] tudo que o
educando tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio,
prestar atenção, ficar quieto e repetir tantas vezes quantas forem necessárias,
escrevendo, lendo, etc.” (BECKER 2001, p. 18).

Nesse modelo pedagógico, tem-se a seguinte relação entre professor (P) e


educando (E):

P E
No referido modelo epistemológico e pedagógico empirista/diretivo,
respectivamente, o sujeito não age sobre o conhecimento para atribuir-lhe
novos significados, a partir de um processo crítico-reflexivo, a relação
professor e educando se mostra no mesmo formato, ou seja, estática, onde a
diretividade docente provoca a passividade discente.

Pedagogia não diretiva

Na pedagogia não diretiva o professor assume a função de facilitador, de


auxiliar do educando. “O educando já traz um saber que ele precisa, apenas,
trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo” (BECKER,
2001, p. 19).

Conforme o referido autor, esse modelo pedagógico caracteriza-se pelo


regime laissez-faire: deixar fazer, pois assim o educando encontra o seu
caminho, cabendo ao professor interferir o mínimo possível. Dessa forma, para
o professor o educando aprende por si mesmo.

A crença epistemológica denominada Apriorismo motivou práticas


pedagógicas que concebem um conhecimento inato (O), em que o sujeito
aprendente (S) age sobre o objeto e pode ser assim representada:
S O

Para essa epistemologia, “[...] o ser humano nasce com o conhecimento já


programado na sua herança genética” (BECKER, 2001, p. 20), sendo que é
suficiente o mínimo de interferência do meio físico ou social para o seu
desenvolvimento. Nesse modelo pedagógico há a negação do polo ensino,
atribuindo-se valor absoluto à aprendizagem, o que significa a abdicação do
professor na sua atuação fundamental docente: a intervenção no processo de
aprendizagem do educando. Caracteriza-se aqui a seguinte relação entre
professor (P) e educando (E):

E P

Este pressuposto remete à Carl Rogers, um dos principais representantes da


teoria humanista, que surge como corrente alicerçada na liberdade e na
autonomia dos aprendizes e o processo pedagógico centrado nas capacidades
do organismo para a autoaprendizagem, nas próprias potencialidades
humanas.

Pedagogia relacional

A pedagogia relacional concebe que o processo de aprendizagem é construído


pelo educando, servindo de base para construção de novos conhecimentos.
Este modelo epistemológico construtivista é representado da seguinte forma,
no que se refere à relação entre o sujeito (S) e o objeto do conhecimento (O):

S O

Para a pedagogia relacional, o educando aprende novos conhecimentos se ele


agir e problematizar a sua ação.
A metodologia utilizada possibilita ao educando pensar, refletir, descobrir,
analisar, comparar e interagir com o objeto de conhecimento. Portanto,
segundo Becker (2001, p. 24), “[...] aprendizagem é, por excelência,
construção [...]”. Assim, os objetos de conhecimento são desenvolvidos de
maneira desafiadora, interativa, cabendo ao professor a função de mediador
da aprendizagem. Nesse modelo, tem-se a seguinte representação entre
professor e educando:

E P

Para o autor, não há lugar nessa pedagogia para a figura autoritária do


professor. Trata-se, sim, da construção de uma disciplina intelectual e de
regras de convivência, o que possibilita a criação de um espaço fecundo de
aprendizagem. “O resultado dessa sala de aula é a construção e a descoberta
do novo, é a criação de uma atitude de busca e de coragem que essa busca
exige” (BECKER, 2001, p. 28) e a premissa é a de que o educando constrói o
seu próprio conhecimento.

Partindo dessa premissa considera-se que a pedagogia relacional ancora uma


proposta de ensino e de aprendizagem que visa propor situações de
aprendizagem embasadas na resolução de problemas. Por este motivo,
durante este processo o professor mediador possui como intencionalidade
pedagógica o desenvolvimento de competências e habilidades, em que o
educando é o centro do processo e, por isso, propõe situações de
aprendizagens significativas e contextualizadas.

Referências:

BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto


Alegre: Artmed, 2001.

CANDAU, Vera Maria (org). Rumo a uma nova didática. 12. ed. Petrópolis:
Vozes, 2001.

DAMIS, Olga Teixeira. Didática: suas relações, seus pressupostos. In: VEIGA,
Ilma Passos Alencastro (org). Repensando a didática. 13.ed. Campinas, SP:
Papirus, 1998.
GARRIDO, Selma et al (orgs). A didática e os desafios da atualidade. XIX
ENDIPE FACED/UFBA. Salvador: EDUFBA, 2019. 266 p.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006.

MORAES. Maria Cândido. O paradigma educacional emergente. Campinas,


SP: Papirus, 1997.

MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o


pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2000.

RAYS, Oswaldo Alonso. Pressupostos teóricos para o ensino da didática.


In: CANDAU, Vera Maria (org.). A didática em questão. 18. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2000
Capítulo 2. O profissional docente reflexivo e pesquisador

Carin Klein

Introdução

Para propor a discussão sobre a constituição de uma docência, cujas


características estão a reflexão e a pesquisa, sigo alguns passos de
importantes estudiosos do campo dos estudos da docência: Paulo Freire,
(1986; 2013), Selma Garrido Pimenta (1997; 2019) e António Nóvoa (2009).
São autores que convergem ao lançar mão da reflexão e da pesquisa como
elementos centrais da formação para a docência e da constituição da
identidade docente, principalmente, a partir do exercício constante da
reelaboração dos saberes, permeado pelas experiências dos cotidianos
escolares.

Ao olharmos para a didática, numa perspectiva histórica, veremos que há um


movimento que busca superar uma didática instrumental e técnica, para
privilegiar a compreensão da didática, envolvida no processo de ensino e de
aprendizagem e na articulação entre as dimensões técnicas, humanas,
políticas e sociais. (CANDAU, 2009).

O caráter histórico e cultural da identidade docente

Não é possível também a formação docente indiferente à


boniteza e à decência que estar no mundo, com o mundo e
com os outros substantivamente exige de nós. Não há
prática docente verdadeira que não seja ela mesma um
ensaio estético e ético [...] (FREIRE, 2013, p. 49).

A escolha em iniciar esse capítulo sobre a constituição do profissional docente


enquanto sujeito reflexivo e pesquisador, citando Paulo Freire, significa
reconhecer que ainda nos dias de hoje suas provocações e contribuições são
inspiradoras para o contexto atual. Importantes para a história da educação
brasileira, para os teóricos da educação que começaram a pesquisar muito
antes de nós, para a formação de professores, para os arranjos escolares e
para a consolidação de uma educação comprometida, crítica e democrática.
Não podemos desconsiderar que grande parte dos estudos, que ainda
adentram a escola e a docência, estão pautados pelas teorias críticas do
currículo, ou seja, preocupadas em produzir práticas emancipatórias, mediante
conquistas e contradições vivenciadas pelos sujeitos.

A contribuição e a disponibilidade de Freire (2013) em estimular o debate e a


reflexão e entendê-los como processos inerentes a docência é inegável.
Enquanto educador progressista, já assinalava a importância em
desenvolvermos uma responsabilidade ética na formação e na atuação da
docência, assumindo-a como “algo absolutamente indispensável à convivência
humana” (FREIRE, 2013, p. 19). Segundo ele, a identidade docente, assim
como o nosso conhecimento do mundo, são processos históricos e culturais
que demandam assumirmos uma postura vigilante contra a desumanização,
tornando-a exigência e condição para vivermos uma educação crítica.

A ética de que falo é a que se sabe afrontada na


manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe.
É por essa ética inseparável da prática educativa, não
importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com
adultos, que devemos lutar, e a melhor maneira de por ela
lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos
educandos em nossas relações com eles. (FREIRE, 2013,
p. 17-18)

Suas palavras evidenciam que a docência nos convoca a constituir uma


determinada identidade profissional, como sujeitos éticos, críticos, capazes de
ouvir, reconhecer e aprender com as diferenças que nos cercam, com as
dúvidas, incertezas, conflitos, pluralidades, ansiedades e emoções. Freire
(1986) é prolixo na defesa do ensino-pesquisa, formando com o recurso do
hífen, uma palavra composta, capaz de evidenciar o que para ele seria uma
indissociabilidade, propondo-nos uma tarefa básica que deveria iniciar em sala
de aula pela própria investigação dos estudantes, das suas linguagens e vidas.
Isso afastaria a docência e os processos de ensinar e aprender da rigidez
burocrática, de um currículo fechado, de relações pautadas pela passividade,
da contenção e da transferência de conhecimento. No caminho que ele buscou
trilhar estariam também a resistência, o conflito, a análise, a curiosidade, a
insubmissão, a reinvenção do cotidiano, a criticidade intelectual, o estudo e a
pesquisa, sem deixar de lado o rigor e a autoridade que deve acompanhar,
permanentemente, a docência.
Como nos tornamos professores? Os saberes da docência

Anunciar caminhos para a formação de professores, inicial e continuada, pode


fazer sentido ao adentrarmos na formação da identidade docente, olhando
com vigor para os saberes que as configuram, assim como investindo em uma
postura investigativa. Para essa autora, no âmbito dos cursos de licenciatura
torna-se importante aprendermos a desenvolver a docência buscando:

[...] conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que


lhes possibilitem, permanentemente, irem construindo seus
saberes fazeres docentes, a partir das necessidades e
desafios que o ensino, como prática social, lhes coloca no
cotidiano. Espera-se, pois, que mobilize os conhecimentos
da teoria da educação e da didática, necessários à
compreensão do ensino como realidade social e, que
desenvolva neles, a capacidade de investigar a própria
atividade para, a partir dela, constituírem e transformarem
os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuo
de construção de suas identidades como professores.
(PIMENTA, 1997, p. 06)

Não há dúvida que o compromisso central da instituição escolar continua


sendo a aquisição e a produção de conhecimentos, permeados pelo
desenvolvimento e a cidadania dos sujeitos. Paralelamente a isso, algumas
indagações tornam-se recorrentes para a formação docente: que
competências e saberes são necessários para que o professor cumpra com as
necessidades formativas de seus estudantes? De que forma operar um ensino
que leve em conta a incorporação das mudanças contemporâneas, complexas
e dinâmicas da sociedade?

Para Selma Garrido Pimenta (1997, p. 07) é preciso mobilizar e refletir a partir
dos saberes que acionamos na docência e que mediam a construção da
identidade profissional:

Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da


significação e da revisão constante dos significados sociais
da profissão; da revisão das tradições. Como, também, da
reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que
permanecem significativas. Práticas que resistem a
inovações, porque estão prenhes de saberes válidos às
necessidades da realidade.

Nos Estudos da Docência, Pimenta (1997) torna-se outra importante referência


ao argumentar que a identidade docente é formada pela constituição de
diferentes saberes: os saberes da experiência, os saberes específicos e os
saberes pedagógicos. Colocar as práticas pedagógicas e docentes sob o foco
de análise é uma de suas principais proposições, tal como anunciado.

Os saberes da experiência: Esses saberes atuam na formação da docência


quando acionamos na ação docente os conhecimentos que acumulamos ao
longo da vida, enquanto estudantes. Saberes formulados a partir das nossas
experiências com as relações que envolviam o ensinar e o aprender, proposto
nas normas disciplinares, nas formas de ocupação dos tempos e espaços, nas
avaliações e gratificações. Essas memórias e experiências nos ensinaram
muito sobre a docência, diante dos professores que admirávamos, assim
como, daqueles que não se tornaram um exemplo a seguir. Numa outra linha,
os saberes da experiência também se configuram a partir das vivências
escolares, já enquanto professores e de sua reflexão, produzindo experiências
capazes de desenvolver as habilidades de pesquisa e reflexão sobre a o seu
próprio fazer cotidiano.

Os saberes específicos: Diferentes licenciaturas necessitam nos tornar


competentes para o ensino de matemática, de artes, de história, de geografia,
de ciências sociais, de educação física, etc. Refletir sobre o lugar desses
conhecimentos na formação dos estudantes para a vida em sociedade, para
viver as relações de trabalho, para informatização contemporânea, para o
crescimento do consumo, assim como, para entender o que esses
conhecimentos produzem e de que forma se articulam entre si, devem se
tornar foco de reflexão e pesquisa. Será que as escolas possuem recursos
para desenvolvê-los? Quais conhecimentos iremos privilegiar em detrimento
de outros? Que sentidos podem congregar para a vida dos estudantes? Nessa
direção, cultura, conhecimento e poder tornam-se fundamentais nesse estudo,
na medida em que os conhecimentos também são postos sob suspeita, na
medida em que se tornam elementos de apreciação e desnaturalização, de
exame de seus processos de produção, legitimidade e validação, ou seja,
permanentemente envolvidos em lutas históricas e de poder. Isso implica
problematizá-los, contextualizá-los, articulá-los, inserindo-os em uma
perspectiva educativa capaz de nos tornarmos mais humanos, igualitários,
justos e cidadãos.

Os saberes pedagógicos e didáticos: Os saberes da experiência e os saberes


específicos me tornam capaz de ensinar? Se o estudo da didática nos remete
ao ensino, o que precisamos aprender para ensinar? Os conhecimentos
pedagógicos não se resumem as técnicas e estratégias ativas de ensinar, ao
relacionamento entre professor e aluno, as formas de avaliar, planejar e
organizar o ensino, por exemplo, embora esses saberes sejam de enorme
relevância para a ação docente, eles só ganham sentido, em sua articulação
com a pesquisa e a reflexão constante do currículo escolar, das formas de
organizá-lo, da distribuição dos tempos e espaços escolares, da elaboração e
articulação com a proposta política-pedagógica, da formulação das legislações
e documentos que constituem o ensino, dos temas emergentes de nossa
sociedade, das necessidades pedagógicas que emergem do cotidiano.

Compreensões e posturas que nos afastam da fragmentação dos saberes, da


naturalização do fracasso escolar, da rigidez das relações humanas, de uma
racionalidade técnica, da compreensão de que apenas a escola educa. Mas,
nos aproxima da constituição de saberes no confronto diário, na reelaboração
das experiências e questionamentos. Nesse sentido, poderíamos refletir e
elaborar construindo perspectivas educativas, que emergem do estudo, da
reflexão e da pesquisa, reelaborando a docência como um movimento que não
cessa, valendo-se das memórias escolares, das muitas histórias contadas, das
cenas do cotidiano, das situações que nos ensinam sobre esse processo de
ensino e de aprendizagem. Reorientar a pesquisa em didática significa tomar o
ensino como foco de análise e reconstrução:

Nas práticas docentes estão contidos elementos


extremamente importantes, tais como a problematização, a
intencionalidade para encontrar soluções, a experimentação
metodológica, o enfrentamento de situações de ensino
complexas, as tentativas mais radicais, mais ricas e mais
sugestivas de uma didática inovadora, que ainda não está
configurada teoricamente. A prática de documentação, no
entanto, requer que se estabeleçam critérios. Documentar o
quê? Não tudo. Documentar as escolhas feitas pelos
docentes (o saber que os professores vão produzindo nas
suas práticas), o processo e os resultados. Não se trata de
registrar apenas para a escola, individualmente tomada,
mas de forma a possibilitar os nexos mais amplos com o
sistema. Documentar, não apenas as práticas tomadas na
sua concreticidade imediata, mas buscar a explicitação das
teorias que se praticam, a reflexão sobre os
encaminhamentos realizados em termos de resultados
conseguidos. (PIMENTA, 1997, p. 11)

Ao falarmos da teoria e da prática, reconhecemos que há total


interdependência entre o mundo das ideias e o mundo das ações, ou, entre o
lugar do conhecimento e o lugar da prática. Seguimos na compreensão de que
teoria e prática não são oposições, mas sim os dois lados da mesma moeda.
Torna-se fundamental sublinhar o caráter de invenção de cada uma delas, na
qual uma não existe sem a outra, não havendo experiência sem um esquema
ou arcabouço teórico que a sustente (VEIGA-NETO, 2015).

Operar com a pesquisa enquanto princípio formativo da docência significa


refletir sobre e a partir das realidades escolares, considerando-as a partir de
seus aspectos contingentes, fluídos, plurais, multifacetados, ambivalentes,
fazendo uso das teorias educacionais. Podemos colher nas escolas e nos
demais sistemas de ensino observações, entrevistas, temas que se destacam
ou são completamente silenciados, comportamentos, preferências literárias e
midiáticas, modas, interesses, lazer, adereços, recreios, jogos, brincadeiras,
ocupação dos espaços, planejamentos, avaliações, para, a partir disso,
problematizar e propor o desenvolvimento de estudos, a formulação de
projetos, a construção de instrumentos de avaliação, contribuindo para a
construção da identidade docente. “Os profissionais da educação, em contato
com os saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, podem encontrar
instrumentos para se interrogarem e alimentarem suas práticas, confrontando-
os.” (PIMENTA, 1997, p. 10)

Reflexão na e sobre a prática docente

A discussão sobre o professor reflexivo não é recente. Autores como John


Dewey já partiam em defesa da reflexão como fundamento da prática docente.
Nos anos 80, Donald Schon e Kenneth Zeichner recuperam essa noção para
colocar no centro das preocupações o que ocorre nas escolas, tornando-as
questões próprias para as discussões de currículo e a proposição de
alternativas de trabalho. Nas palavras de Pimenta (1997, p. 11) o professor
reflexivo torna-se um intelectual em contínuo processo de formação,

[e] autoformação, uma vez que os professores reelaboram


os saberes iniciais em confronto com suas experiências
práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos
escolares. É nesse confronto e num processo coletivo de
troca de experiências e práticas que os professores vão
constituindo seus saberes como praticum, ou seja, aquele
que constantemente reflete na e sobre a prática.

Acionar os saberes da docência requer um exercício constante,


principalmente, diante da dinamicidade e das complexidades do mundo. Por
isso, torna-se importante “produzir a escola como espaço de trabalho e
formação, o que implica a gestão democrática e práticas curriculares
participativas, propiciando a constituição de redes de formação contínua, cujo
primeiro nível é a formação inicial.” (PIMENTA, 1997, p. 12)

No âmbito do estudo da didática a pesquisa pressupõe ser tratada como


princípio formativo, no qual o estudante das licenciaturas poderá:

[...] melhor refletir, interpretar e questionar a situação


vigente e produzir alternativas. Permite, assim, ressignificar
a realidade, favorecendo a reflexão, a criatividade e a
produção de conhecimento [...] a valorização do olhar
investigativo e a produção de conhecimentos por parte dos
estudantes, visando superar processos formativos
repetitivos, orientados pelo pragmatismo e pela
racionalidade técnica (PIMENTA et al. 2018, p. 62)

António Nóvoa (2009) evoca a necessidade de uma formação de professores


construída de dentro da profissão. Para contribuir nesse estudo marca que o
caráter de construção de uma profissionalidade docente prescinde de uma
pessoalidade de professor. Para ele, torna-se necessário a docência construir
disposições a serem apreendidas, tanto na formação inicial, como nas
formações continuadas. São elas:
 O conhecimento, conhecer, aprofundar e refletir sobre o que se ensina
torna-se central na condução da aprendizagem dos estudantes;
 A cultura profissional, compreender os sentidos da instituição escolar,
aprender com a experiência de quem faz e já fez. Aprender se faz com
os nossos pares, com o registro das práticas, com a reflexão e a
avaliação do trabalho;
 O tato pedagógico, o ato de ensinar e aprender, ou seja, a incorporação
de conhecimentos sobre as relações humanas exige da docência,
capacidade de comunicar-se com os estudantes;
 O trabalho em equipe, a profissionalidade docente implica o exercício
constante de se inserir em práticas colaborativas e coletivas da escola, e
para além das fronteiras organizacionais, dispondo-se a realização de
trabalhar em equipe e de intervir no planejamento e no desenvolvimento
de projetos educativos;
 O compromisso social torna-se um elemento inerente ao ethos
profissional docente. Educar diz respeito aos processos que fazem de
nós humanos, formando-nos a partir de princípios e valores capazes de
convergir em ações que reconheçam a diversidade cultural, a pluralidade
e a superação das desigualdades presentes nos sistemas educativos e
nas sociedades.

Encerramos esse capítulo, valendo-nos das contribuições dos autores aqui


citados, ao tomar a prática escolar como lócus privilegiado de reflexão,
investida dos pontos de vista teóricos e metodológicos.

Para Nóvoa (2009), torna-se profícuo (e um exercício inacabado), partir da


efetivação da aprendizagem e dos contextos escolares, considerando quatro
passos importantes para o desenvolvimento da profissionalidade docente:

1. Partir da observação, descrição e análise de elementos que partam de uma


realidade concreta e/ou de problemas escolares;

2. Identificação de necessidades que requerem aprofundamento teórico e


pesquisa, realização de mapeamentos, dúvidas, inquietações e alternativas;

3. Desenvolvimento de reflexão coletiva e participativa para produção e


reelaboração de organizações programáticas, dilemas sociais e/ou situações
inesperadas;
4. Preocupação, responsabilização e reorganização das atividades
profissionais, visando a necessidade de mudanças nas rotinas de trabalho.
(NÓVOA, 2009).

Referências:

CANDAU, V. M. F. (org.) Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro:


Forma & Ação, 2009.

FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e ousadia: cotidiano do professor. 4ª ed.


Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática


educativa. 46º ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2013.

NÓVOA, António. Professores. Imagens do futuro presente. Lisboa: Educa,


2009.

PIMENTA, Selma Garrido et al (Orgs.) A didática e os desafios políticos da


atualidade. XIX ENDIPE. FACED/UFBA. Salvador : EDUFBA, v. 2. 2019. 266p.

PIMENTA. Selma Garrido. Formação de professores - saberes da docência e


identidade do professor. Nuances- Vol. III- Setembro de 1997.

VEIGA-NETO, Alfredo. Anotações sobre as relações entre teoria e prática.


Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 20, n. 1, p.113-140, mar. 2015.
Capítulo 3. O planejamento da ação pedagógica

Carin Klein

Introdução

Atualmente, as políticas curriculares vigentes colocam o desenvolvimento de


competências, no centro dos processos de ensino e aprendizagem atuais.

A ação de planejar pressupõe a existência de um modelo ou estrutura


curricular, por isso, vamos estudar, nesse capítulo, a formação de algumas
racionalidades que embasaram as formas de pensar e organizar os currículos
escolares, dos objetivos às competências.

Pode-se dizer que para configuração de um planejamento, não há um “como


fazer” ou uma receita pronta a ser seguida, porém, podemos elencar
elementos que consideramos importantes e capazes de provocar a reflexão e
a busca de alternativas para a criação/construção de planejamentos.

Dos objetivos às competências

Para iniciar essa discussão, é preciso reconhecer as dificuldades em


historicizar e apresentar os diferentes autores que contribuíram para a
formação de racionalidades que embasaram/embasam as formas de pensar e
organizar os currículos escolares, atividade que se reflete no ato de planejar o
ensino e a aprendizagem. Há limites na organização de um capítulo, por isso,
traremos alguns fragmentos que consideramos importantes e que marcam
tanto a organização do currículo, como o planejamento do ensino a partir de
objetivos, e/ou por competências.

Tyler, sem dúvida é um expoente no campo do currículo, cuja obra central, de


1949, intitulada Princípios básicos de currículo e ensino contribuíram para o
desenvolvimento de uma racionalidade técnica, ligada a definição de metas,
objetivos, formas de verificação e consecução, visando tanto a eficiência,
como o domínio da organização das experiências das aprendizagens.
Para esse autor, a eficácia do currículo depende da boa demarcação dos
objetivos escolares que devem ser definidos em termos da mudança esperada
dos comportamentos do estudante ao final do processo educativo. Os
objetivos formulados serviriam para o direcionamento da ação e deveriam
expressar comportamentos e conteúdos assimilados, ou seja, “como
expressão da mudança esperada, os objetivos não podem se restringir a uma
lista de conteúdos, mas precisam associá-los a comportamentos” (LOPES e
MACEDO, 2011, p. 47).

Fiel à perspectiva comportamentalista, Tyler defende um modelo de


aprendizagem, por meio da participação ativa, no qual o docente necessita
controlar o ambiente e criar situações estimulantes, valorizando às
experiências dos estudantes e não apenas a mera organização abstrata.
Temas como seleção e organização das experiências escolares, participação
das escolas e dos professores nos processos de ensino, definição dos
objetivos educacionais, eficácia do currículo e instrumentos de avaliação da
aprendizagem também necessitam ser abordados de forma enfática nessa
perspectiva.

Há fragmentos da racionalidade de Tyler, definidas por uma estrutura baseada


em objetivos, experiências de aprendizagem e avaliação que são fortemente
acionadas, reatualizadas e hibridizadas até hoje. Vale dizer, que o seu modelo
foi alvo de muitas críticas e nunca obteve unanimidade.

O ensino e o planejamento por competências também não é algo recente e


lança mão de autores como Eva Berker, James Popham e Phillipe Perrenoud.
Nessa perspectiva, as competências são amplas e precisam abarcar:

[...] um conjunto de comportamentos, denominados


habilidades, considerados fundamentais em uma
determinada área e que devem integrar os três domínios
[...]. A elaboração curricular, assim como a avaliação tem a
competência como meta, e o objetivo do processo de
ensino é a maestria ou o domínio das competências. Para
tanto, cada competência é analisada e decomposta em
habilidades, fundamentais, embora insuficientes, para o
domínio da competência. (LOPES e MACEDO, 2011, p. 54)
Ainda que haja diferentes definições para o termo competência, cabe salientar
que as políticas curriculares incorporam e retomam sentidos e demandas
históricas, ora aliadas ao desenvolvimento do ensino por objetivos
comportamentais, numa perspectiva mais desenvolvimentista, ligada a
eficiência, ora centrada nas competências e no desenvolvimento de um sujeito
mais flexível e polivalente para um mercado de trabalho incerto, em constante
mudança e transição, como o atual.

Políticas curriculares recentes no Brasil têm dado centralidade ao ensino por


competências, bem como a realização de avaliações de larga escala para
aferir a aprendizagem, ligada a qualidade dos processos educativos. Segundo
Lopes e Macedo (2011, p. 54):

[...] recuperam assim, o cerne da racionalidade tyleriana – a


vinculação estreita entre qualidade do currículo e avaliação
dos alunos. Para tanto, reeditam a necessidade de
mecanismos que permitam avaliar os alunos com base na
noção previa de competências a serem atingidas, ainda que
definam competência de formas diversas.

Vale dizer o quanto o planejamento é uma ferramenta de trabalho


imprescindível para a docência e está envolvida em uma compreensão de
mundo e de sociedade. Por isso, atendem as racionalidades e demandas de
poder, projetam e produzem sentidos sobre as coisas e, é exatamente por
isso, que se torna uma tarefa potencial e capaz de interrogar pressupostos,
fecundar diálogos, interpretações e a construção de hipóteses. Planejar
significa (re)produzir, (des)naturalizar, (des)montar, analisar, criticar,
(re)conhecer, ter rigor, abrir mão, flexibilizar e atualizar, constantemente, o
planejamento escolar enquanto um texto pedagógico.

Planejamento da ação pedagógica

Como já abordamos no capítulo anterior, possuir conhecimentos específicos,


gostar de crianças e de ensinar não nos torna professor. Ser professor se
constitui na articulação dos saberes da docência e a disciplina de didática é
um lugar fundamental para a apreensão dos conhecimentos da docência, no
qual o ato de planejar, sem dúvida é um deles.
Atualmente, podemos pensar a didática, envolvida em discussões que
envolvem temas como inclusão, indisciplina, bullying, diversidade, ampliação
das tecnologias da informação, (des)interesses dos estudantes, fracasso
escolar, ou seja, temas que consideramos intimamente relacionados com a
aprendizagem dos conhecimentos escolares, assim como, com o
planejamento.

Nesse sentido, pensar o planejamento do ensino requer levar em conta as


múltiplas dimensões envolvidas nele, indagando-nos: Quem são os estudantes
e o que eles trazem consigo? Quais são suas experiências fora da escola?
Que conhecimentos trazem e quais foram incorporados na escola? Como
ocorre a organização das situações de aprendizagem? E o ensino e as
aprendizagens estão envolvidos com as dimensões social, cultural, histórica e
política?

Precisamos salientar que o planejamento refere-se ao contexto da sala de aula


e que está, inexoravelmente, ligado aos processos de ensino e aprendizagem.
E nós, o que entendemos por aula? Em que espaços ela pode acontecer? O
que a pandemia do Covid-19 nos ensinou sobre isso que chamamos de aula?
Se pensarmos na denominação aula como referente aos espaços em que
ocorrem as aprendizagens, estaremos extrapolando uma compreensão inicial
reservada a sala de aula ou presa a um espaço físico. Há estudantes que ao
realizarem, por exemplo, um passeio guiado, uma feira de ciências ou
vivenciarem uma hora do conto, dizem que não tiveram aula. Conceptualizar
esse espaço é uma discussão importante para estudo da didática, assim
como, para realizar o planejamento. Para SANTOS e INFORSATO (2011) a
aula:

[...] é o centro do processo pedagógico, momento


organizado para a ocorrência da aprendizagem do aluno
por meio das atividades de ensino. Se se trata de organizar
os espaços e os tempos, a aula, como ato pedagógico,
precisa ser planejada e pensada para a ocorrência do
processo ensino-aprendizagem, de forma a desenvolver
nos alunos as condições para que continuem a aprender
mesmo fora do ambiente escolar, com autonomia e
reflexão, como seres aprendentes que adquirem certas
habilidades de organização do pensamento e da ação, as
quais os preparam para continuar aprendendo sempre.
(SANTOS e INFORSATO, 2011, p. 82)

[...] Portanto, aula, muito além dos processos burocráticos


que tentam traduzi-la nos planos de ensino, constituem
ações organizadas, práticas, que conduzem o aluno ao
aprender contínuo em um processo reflexivo de constante
reconstrução de conhecimentos prévios, de mudança de
atitudes frente ao saber organizado que a escola lhe
propicia. (SANTOS e INFORSATO, 2011, p. 84)

Acreditamos que planejar não se restringe ao preenchimento de atividades


burocráticas, a realização de atividades organizadas de forma aleatória ou
irrefletida, tampouco como uma atividade em si, mas antes de tudo como uma
atividade permanente e que necessita ser constantemente revisitada e
modificada, na medida em que se torna “um instrumento para que a
aprendizagem se realize” (INFORSATO e SANTOS, 2011, p. 87). Nesse
sentido cabe explicitar:

Planejar significa levar em conta a vida na sala de aula e


preparar situações que permitam que a vida se faça no
ambiente escolar, facilitando assim o aprender dos alunos e
a retomada de estratégias e metodologias com vistas ao
progresso das relações travadas no ambiente escolar, tanto
as cognitivas, quanto as emocionais que, muitas vezes, são
deixadas de lado, relegadas ao esquecimento por não
estarem ligadas aos aspectos quantitativos valorizados pela
escola. (SANTOS e INFORSATO, 2011, p. 83)

Nas palavras de Danilo Gandin, podemos pensar o planejamento como


processo, que inclui de forma indissociável preparação, intencionalidades,
realização e avaliação.

Planejamento é elaborar - decidir que tipo de sociedade e


de homem se quer e que tipo de ação educacional é
necessária para isso; verificar a que distância se está deste
tipo de ação e até que ponto se está contribuindo para o
resultado final que se pretende; propor uma série orgânica
de ações para diminuir esta distância e para contribuir mais
para o resultado final estabelecido; executar - agir em
conformidade com o que foi proposto e avaliar – revisar
sempre cada um desses momentos e cada uma das ações,
bem como cada um dos documentos deles derivados
(GANDIN, 1985, p. 22).

Pode-se dizer que para configuração de um planejamento, não há um “como


fazer” ou uma receita pronta a ser seguida, porém, podemos elencar
elementos que consideramos importantes e capazes de provocar a reflexão e
a busca de alternativas para a criação/construção de planejamentos.

Elementos importantes a considerar no desenvolvimento de um


planejamento didático-pedagógico

O pano de fundo de qualquer atividade de planejamento pressupõe


conhecimentos articulados as ações a serem realizadas e vinculadas a um
propósito definido. De acordo com Inforsato e Santos (2011), todo
planejamento necessita levar em conta as seguintes etapas:

Diagnóstico: O conhecimento e as características da realidade em que se atua


devem ser levados em conta para a realização dos planejamentos. Esse
diagnóstico pode ser elaborado de múltiplas formas e ocasiões, por exemplo:
conhecer o projeto político-pedagógico, valer-se dos conhecimentos e/ou
atividades desenvolvidas previamente, das observações das situações de
aprendizagem dos estudantes, das situações de conflitos, etc. São
conhecimentos que devem ser investigados ao longo do processo, a fim de
(re)afirmar propósitos, estabelecer arranjos, ritmos, dinâmicas, modificações
configurando planos atualizados e com sentido para os estudantes.

Competências: Essa etapa pressupõe definir as competências, a fim de guiar a


mobilização de conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades, atitudes e
valores que deverão ser incorporados pelos estudantes, promovendo a
resolução das demandas e problemas da vida contemporânea.

A homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enquanto


documento de caráter normativo,

[...] define o conjunto orgânico e progressivo de


aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da
Educação Básica, de modo a que tenham assegurados
seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em
conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de
Educação (PNE). (BRASIL, 2017, p.07).

A BNCC adota o conceito de competência, termo que tem orientado, ao longo


dos últimos anos, muitos Estados e Municípios brasileiros, a construção de
seus currículos. Essa discussão reforça marcos legais anteriores, previstos no
PNE, ao firmar a necessidade de uma BNCC com foco na aprendizagem,
como meio de fomentar a qualidade do Ensino.

Buscando romper com visões reducionistas e lineares, a BNCC visa à


formação integral do individuo, ao mesmo tempo em que prevê a superação
da fragmentação do conhecimento e a sua aplicação na vida cotidiana,
colocando o sujeito numa posição de protagonismo, vinculado a um
determinado contexto social e histórico.

Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões


pedagógicas devem estar orientadas para o
desenvolvimento de competências. Por meio da indicação
clara do que os alunos devem „saber‟ (considerando a
constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e
valores) e, sobretudo, do que devem „saber fazer‟
(considerando a mobilização desses conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores para resolver demandas
complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das
competências oferece referências para o fortalecimento de
ações que assegurem as aprendizagens essenciais
definidas na BNCC. (BRASIL, 2017, p.13).

Nesse sentido, são definidas dez competências gerais para a Educação


Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) que preveem
“a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades
(práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho”. (BRASIL, 2017, p. 08). Os planejamentos de ensino
devem privilegiar o desenvolvimento dessas competências, no âmbito da
Educação Básica.
Na Educação Infantil, a BNCC está estruturada, partindo dos direitos de
aprendizagem (conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e
conhecer-se) e do desenvolvimento de cinco campos de experiência, no qual
são definidos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, organizados
em três grupos, por faixa etária. São os seguintes: O eu, o outro e o nós;
Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala,
pensamento e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e
transformações.

No Ensino Fundamental, a BNCC organiza-se a partir de cinco áreas do


conhecimento, definidas pelo Parecer CNE/CEB nº 11/2010, que devem se
interconectar na formação, ao mesmo tempo em que mobilize as
especificidades e os saberes dos diferentes componentes curriculares.

Cada área de conhecimento estabelece competências


específicas de área, cujo desenvolvimento deve ser
promovido ao longo dos nove anos. Essas competências
explicitam como as dez competências gerais se expressam
nessas áreas. Para garantir o desenvolvimento das
competências específicas, cada componente curricular
apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades
estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento
– aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos -
que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas.
(BRASIL, 2017, p. 28).

No Ensino Médio, o trabalho pedagógico também deve ser orientado e


desenvolvido tendo como foco o desenvolvimento de competências. Nessa
etapa, a BNCC está organizada em quatro áreas do conhecimento, como
determina a LDB.

A organização por áreas, como bem aponta o Parecer


CNE/CP nº 11/2009, „não exclui necessariamente as
disciplinas, com suas especificidades e saberes próprios
historicamente construídos, mas, sim, implica o
fortalecimento das relações entre elas e a sua
contextualização para apreensão e intervenção na
realidade, requerendo trabalho conjugado e cooperativo dos
seus professores no planejamento e na execução dos
planos de ensino‟ (BRASIL, 2009; ênfases adicionadas).
(BRASIL, 2017, p. 32).

Cada área do conhecimento estabelece sua função na formação integral,


destacando competências específicas de área e levando em conta as
particularidades referentes ao tratamento de seus objetos de conhecimento.
Devem-se atentar as particularidades e as características dos estudantes,
observando o que foi apreendido no Ensino Fundamental e as especificidades
dessa etapa de ensino. É preciso ainda enfatizar que a organização das
habilidades do Ensino Médio, na BNCC (com a explicitação da vinculação
entre competências específicas de área e habilidades) objetivam a clara
definição das aprendizagens essenciais que devem ser garantidas aos
estudantes.

Estratégias de ensino-aprendizagem: Frente ao desafio e a necessidade de


organizar e operacionalizar o ensino e a aprendizagem, Lea Anastasiou (2004)
define a importância das “estratégias de ensinagem”. As estratégias
necessitam estar relacionadas ao projeto político-pedagógico da escola, no
qual se definem os marcos que devem alimentar o trabalho docente. São
incentivadas no âmbito dos planejamentos escolares, pois criam situações
capazes de impulsionar e potencializar ações mentais de pensamento,
comparação, observação, organização, elaboração e confirmação de
hipóteses, classificação, crítica, aplicação de novos princípios e tomadas de
decisão.

O que e como fazer para ampliar as possibilidades dos estudantes


aprenderem, deve ser o foco primordial do ensino. Envolver os estudantes em
propostas educativas, interessantes, desafiadoras e participativas pode
evidenciar um caminho potente e profícuo para uma aprendizagem ativa e
significativa.

Certamente, empreender as ações didáticas articuladas ao


processo de o aluno aprender não é algo trivial, pois
demanda preparações muito diferenciadas daquelas que
habitualmente realizamos na nossa trajetória de formação e
de prática profissional. Um outro elemento dificultador de se
optar pelas estratégias de ensino-aprendizagem é a
chamada arquitetura organizacional das nossas escolas,
tanto em termos físicos, quanto em termos das suas
funcionalidades e de suas estruturas curriculares.
(INFORSATO e SANTOS, 2011, p. 94)

Estimular trabalhos em grupos, por equipes, com diferentes dinâmicas de


estudos, de respeito e cumprimento de normas, interações, trocas, negociação
e a socialização de experiências e saberes, sem dúvida, mostram-se como
formas instigantes e profícuas de realizar o ensino.

Referências:

ANASTASIOU, Léa e ALVES. Leonir (Orgs.). Processos de ensinagem na


universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3ª ed.
Joinville, SC. UNIVILLE, 2004.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; SEB; DICEI, 2017.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação; Conselho Pleno. Parecer nº 11, de


30 de junho de 2009.

LOPES, Alice Casemiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de Currículo. São


Paulo: Cortez, 2011.

TYLER, Ralph. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo,


1977.

GANDIN, Danilo. Planejamento com prática educativa. Loyola, 1985.

INFORSATO, E. C.; ROBSON, A. S. A preparação das aulas. In:


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Prograd. Caderno de Formação:
formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011,
p. 86-99, v. 9.

SANTOS. R. A.; INFORSATO, E. C. Aula: o ato pedagógico em si. In:


UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Prograd. Caderno de Formação:
formação de professores didática geral. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011,
p. 80-85, v. 9.
Capítulo 4: Os Projetos de trabalho na sala de aula

Carin Klein

Introdução

Como já estudamos, o planejamento da ação educativa deve estar sustentado


por princípios éticos, teóricos, políticos, reflexivos, criativos, interativos, entre
outros. O planejamento pedagógico necessita abarcar referências e
intencionalidades em relação ao ensino e a aprendizagem, bem como servir
para interrogar a própria docência, no sentido de perguntar-se sobre o
acolhimento das diferenças, a configuração das normas, as possibilidades de
interação, o incentivo a pesquisa, a validação de diferentes fontes de
pesquisa, além de manter o diálogo “com as transformações que ocorrem na
sociedade, nos alunos e na própria educação.” (HERNANDEZ, 1998, p. 13).

É, nessa perspectiva, que apostamos nesse estudo, na organização do


currículo por Projetos de trabalho, não se tratando simplesmente de uma
metodologia de ensino, pois a sua realização pressupõe transgressões do
tempo e dos saberes disciplinares. Isso ocorre ao reconhecermos que a
organização do currículo por disciplinas tornam-se blocos fechados,
compartimentados e que pouco conversa com a vida dos sujeitos envolvidos.
Na mesma direção, os conteúdos escolares, deixam de ser apresentados
como componentes neutros, estáveis e universais, admitindo-os enquanto
construtos da cultura, envolvidos em dinâmicas de poder, seleção e hierarquia.

Planejar a partir dos Projetos de trabalho significa afastar-se de uma postura


rígida frente ao conhecimento escolarizado, afastando-se das verdades
imutáveis, inquestionáveis e universais. Nessa compreensão de ensino e de
aprendizagem, há muito mais lugar para a formulação de hipóteses; para a
ampliação dos lugares e fontes de pesquisas; para as falas e o envolvimento
com a comunidade escolar; para a confrontação e a reflexão sobre os
conhecimentos, advindos de diferentes perspectivas, assim como, diante das
normas e dos tempos que nos constituem e organizam a nossa vida.

A escrita do tema intitulado: Os Projetos de trabalho na sala de aula tomam


como base os seguintes livros: A organização do trabalho por projetos de
trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio (HERNANDEZ e VENTURA,
1998) e Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho
(HERNANDEZ, 1998).

A escrita dessas obras decorreu das diversas histórias, incursões, assessorias


e da necessidade de relacionar-se criticamente com a prática vivida,
principalmente, pelos docentes da Escola Pompeu Fabra, de
Barcelona/Espanha, ao longo de cinco anos.

==========================

Transgressão, inovação, renovação, reconstrução, integração e reflexão são


algumas palavras que se destacam ao realizarmos críticas à escola moderna,
organizada a partir de tempos, espaços e rotinas de trabalho, ainda, bastante
rígidas. Paula Sibilia (2012) nos diz que a escola moderna foi criada e ganhou
força, no século XIX e boa parte do XX, justamente para modelar os corpos e
as subjetividades, de acordo com um projeto de sociedade, compatível com as
engrenagens da era industrial que exigia corpos disciplinados para o trabalho.
Uma maquinaria de época que visava instituir uniformidades,
homogeneizações e normas muito claras a seguir, mas que entrou em crise ao
se tornar “gradativamente incompatível com os corpos e as subjetividades das
crianças de hoje” (SIBILIA, 2012, p. 197).

Os/As estudantes do século XXI, na sua grande maioria, conectados e


interativos, mostram-nos a incompatibilidade entre os modos de ser atuais,
com um modelo tradicional de educação escolar, bem como com suas
instalações, normas e regulamentos (SIBILIA, 2012).

Seguindo essa discussão, a autora nos indaga sobre que tipos de corpos e
subjetividades se criam hoje em dia, nas últimas décadas do século XXI? E
por quê? Que tipo de escola teríamos que concretizar para perseguir tal
projeto?

Essas indagações já nos dão algumas pistas sobre o que tem provocado um
desencaixe entre escola tradicional e contemporaneidade, principalmente, a
partir das últimas décadas. Vale dizer que os modos de ser contemporâneos
nos conduziram a um abismo com a escola e o modelo tradicional de ensino.

A sociedade atual se tornou altamente tecnológica e midiatizada, introduzindo


em sua cultura o apelo e o incentivo a rapidez, visibilidade, simultaneidade,
flexibilidade, liquidez e a dissolução de fronteiras, características mediadas
constantemente por avanços tecnocientíficos, próprios de um mundo plural e
globalizado, e, que parece exigir de nós outros valores e metas. Mudanças
que suscitam dos/as estudantes outros ritmos, forças e experiências:

[...] hoje se estimula a criatividade e o prazer nos


ambientes laborais. Nessa mesma linha, procuram-se
características antes combatidas, tais como a originalidade
ligada a certa espontaneidade e a capacidade de mudar
rapidamente, reciclando o que se é na veloz sintonia das
tendências globais. Também são bem cotadas a livre
iniciativa, a motivação, o empreendedorismo e a vocação
proativa, como atitudes capazes de movimentar os
mercados e gerar benefícios. Sem esquecer, por outro lado,
que tudo isso ocorre numa cultura que enaltece a busca de
celebridade e o sucesso imediato, combinando nesse
projeto a realização pessoal e a satisfação instantânea, e
exaltando valores como a autoestima, o gozo constante, a
beleza e a juventude; em suma: bem-estar corporal,
emocional, laboral e afetivo, decorrentes de um ideal de
felicidade que perpassa todos os âmbitos. São essas as
qualidades pessoais que melhor cotizam no mercado de
valores da atualidade, assim como a capacidade individual
de administrá-las com êxito e sem pausa, projetando-as na
própria imagem como se fosse uma marca bem posicionada
nos competitivos (e instáveis) jogos das reputações
contemporâneas. (SIBILIA, 2012, p. 203).

Constatar que vivemos atualmente uma crise da escola moderna ou um


desencaixe com os tempos (e sujeitos) contemporâneos, não significa
defender ou percorrer um modelo escolar ideal a seguir, mas principalmente,
provocar reflexões sobre os espaços e as experiências escolares atuais, seus
currículos, normas e planejamentos. Estamos diante de uma sociedade que
está em mudança constante e exige de nós a configuração de propostas, mais
condizentes com o mundo que habitamos, uma vez que a escola não se
dissolverá, tampouco viveremos uma lógica que abolirá o ensino, a construção
de normas e o controle sobre os corpos e as subjetividades, significa pensar
que elas continuarão sendo alvo de atualização e reinvenção.

Por que Projetos de trabalho?


De acordo com Hernandez (1998) entre as finalidades da organização do
currículo por Projetos de trabalho está a ampliação e a compreensão da
comunidade escolar em desenvolver e organizar os conhecimentos de forma
significativa. Isto é, os intentos não estão em transmitir e dominar
determinadas linguagens e conteúdos, mas em incorporar estratégias e
recursos para que os estudantes possam interpretar e dar sentido as suas
vivências e ao próprio mundo.

Ensinar por meio de Projetos de trabalho traz à pauta a discussão sobre a


perspectiva do conhecimento globalizado e a integração entre as áreas de
ensino, além de conectar-se com aspectos de inovação e da complexidade da
vida que ocorre fora da escola. Para Hernandez e Ventura (1998, p. 63)
“Globalização e significatividade são, pois, dois aspectos essenciais que se
plasmam nos Projetos”.

Hernández (1998) utiliza os termos Projetos de trabalho ligado a uma


tradição educativa que trata do ensino e da aprendizagem articulada a uma
“realidade” plural e controversa, vivida pelos estudantes, não existindo apenas
uma resposta ou olhar sobre os diferentes contextos. Outra reside em afastar-
se do poder regulador da docência, colocando os estudantes como participes
importantes desse processo.

A palavra projeto inspira-se ao uso que arquitetos, designers e artistas fazem


do termo:

Como um procedimento de trabalho que diz respeito ao


processo de dar forma a uma ideia que está no horizonte,
mas que admite modificações. Está em diálogo permanente
com o contexto, com as circunstâncias e com os indivíduos
que, de uma maneira ou outra, vão contribuir para esse
processo. Pela confluência de campos disciplinares que se
entrelaçam para que um “projeto” se realize, e a ideia de
colaboração que implica. Além das possibilidades de
estabelecer conexões, gerar transformações, explorar
caminhos alternativos, dialogar com outros “projetos” que
brindam práticas profissionais vinculadas a essa noção.
(HERNANDEZ, 1998. p. 22)
Transpor um termo que possui sentidos específicos em um campo, a
arquitetura, para o campo da educação demonstra o desejo e a necessidade
de questionar compreensões e caminhos usuais, a fim de introduzir outras
possibilidades de trabalho e reflexão, produzindo desconfianças e desafios
acerca das formas de conhecer, interagir e organizar o currículo. O autor, ao
trazer o termo projeto para o campo da educação, une-se a sentidos que
devem acompanhar o processo educativo, como: horizonte, modificações,
diálogo, colaboração, conexões, caminhos.

Já o que segue de trabalho trata-se de opor-se ao espontaneismo, além de


questionar a aprendizagem focada no prazer e na descoberta, derivada de
algumas linhas da Escola Nova. A direção dada aqui é a “[...] de aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e aprender a compreender com e
com o outro”, finalidades da educação escolar, segundo a UNESCO.
(HERNANDEZ, 1998. p. 22)

Torna-se importante destacar que a construção e a direção dos Projetos de


trabalho não serão dadas de antemão, tampouco definidas sempre pelo
professor ou guiadas pelo livro didático. Vale dizer que a elaboração de um
Projeto de trabalho, assim como outras formas de organização do currículo,
necessita levar em conta os documentos e legislações que orientam e devem
organizar a ação educativa. São eles: Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica – DCNEB (BRASIL, 2013); Projeto político-pedagógico e a
Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017).

A escolha do tema

Para iniciar um Projeto torna-se importante a escolha do tema ou a elaboração


de um problema: o que já se sabe sobre ele, o que já se aprendeu em outros
Projetos, o que se pode pesquisar sobre o tema ou problema, dentro e fora da
escola. O tema ou problema tem a função de servir como um fio condutor do
trabalho e pode advir do currículo oficial, correspondendo ao ano ou etapa da
escolaridade; de uma experiência em comum (saneamento básico, o interesse
pelos dinossauros, a vida de um artista, etc.); originar-se de um fato atual
(Covid-19, Olimpíadas, Copa do Mundo); ser proposto a partir de uma
problemática proposta pelo professor ou corresponder de algo que ficou
pendente de outro Projeto.
Os envolvidos necessitam reconhecer a necessidade, relevância e interesse
por desenvolver um ou outro Projeto. A escolha deverá ter consonância com
as demandas da turma e para tratar sobre a importância em estudar
determinado tema, ao invés de outro, o professor poderá contribuir trazendo
para a turma um vídeo, convidando um profissional para falar sobre o assunto,
apresentando informações iniciais.

Desse modo, a escolha não ocorrerá simplesmente por que gostamos do


tema, mas pela possibilidade em articular com temas já estudados, a fim de
estabelecer novas conexões, ampliar as informações e as hipóteses do que se
quer conhecer, visando guiar e organizar a ação educativa.

A atividade docente após a escolha do tema

Compete aos docentes atuar para dar sentido ao tema proposto nas diversas
etapas, mantendo o foco, contribuindo na seleção, organização,
problematização e avaliação dos temas e das fontes, interagindo e
transformando as informações em significativos materiais de aprendizagem.
Vejamos a representação a seguir:

Tabela: A atividade docente durante o desenvolvimento do Projeto

1. Especificar o foi condutor ►Relacionar com as legislações vigentes.

2. Buscar materiais ► Previsão dos conteúdos, atividades e fontes de


informação (o que se pode aprender no Projeto?).

3. Estudar e preparar o tema ► Seleciona a informação com critérios de


novidade e de planejamento de problemas.

4. Envolver componentes do grupo ► Cria-se um clima de envolvimento e


interesse de aprender no grupo
5. Destacar o sentido Funcional do Projeto ► Destaca a atualidade do tema
para o grupo.

6. Manter uma atitude de avaliação ► Planejar o desenvolvimento do Projeto:


O que sabem sobre o tema, que dúvidas surgem, o que acredita que os
alunos estão aprendendo.

7. Recapitular o processo seguido ► Ordena-se em forma de programação,


para contrastar e planejar novas propostas educativas.

Fonte: HERNANDEZ e VENTURA (1998, p. 69).

A representação usada aqui para sintetizar e especificar aspectos importantes


para elaboração dos Projetos de trabalho não pode ser tomada como um todo
homogêneo e fixo. O desenvolvimento dessa atividade não deve se prestar
apenas, para introduzir um nome novo as atividades rotineiras. Há que se ver
como um caminho orientador, podendo-se prever variações na organização da
prática, nas formas de interpretar, refletir e realizar a docência.

A atividade dos estudantes após a escolha do projeto

Segundo Hernandez e Ventura (1998) após a escolha do tema, os estudantes


partem para a elaboração de um índice para previsão e planejamento dos
tempos, atividades, inserção de outros temas e informações, levantamento das
fontes de pesquisas, instrumentos de avaliação, dando a compreensão do
sentido de globalização do Projeto.

Uma visão em comum da turma pode configurar os aspectos para organizar o


planejamento, o ponto de partida, a aproximação das informações, a seleção
das fontes. Como já indicamos, para confirmar a relevância e a justificativa do
projeto, pode-se assistir um vídeo, convidar profissionais ou envolvidos para
tratar do assunto, ler materiais comuns utilizando-se de livros, fotos,
entrevistas, matérias jornalísticas, etc. Cabe pensar individualmente e em
grupo que as diferentes fontes de informação expressam “visões da realidade”,
estando sujeitas a diferentes enfoques, interesses, linguagens, hipóteses,
teorias, pontos de vista, podendo contrapor-se e divergir (HERNANDEZ e
VENTURA, 1998, p. 73). Por isso, é necessário ordená-la em relação às
finalidades do Projeto, compondo possíveis capítulos, propondo indagações,
estabelecendo prioridades, hierarquias e relações a partir das fontes e
conhecimentos, por fim, abrindo possibilidades e perspectivas para novos
Projetos.

A busca por fontes de informação

Docentes e estudantes são instigados a colaborar e complementar


cooperativamente a busca e a organização dos conhecimentos escolares.
Essa forma de proceder produz efeitos importantes para o ato de aprender:
assumir o tema do Projeto; obter acesso as informações, para além da escola;
situar-se diante das informações; envolver-se com outras pessoas, pois “o
aprender é um ato comunicativo”, assim como desenvolver responsabilidade e
atuação sobre o seu processo de aprendizagem (HERNANDEZ e VENTURA,
1998, p. 75). São ações que promovem a aprendizagem, o desenvolvimento
da autonomia dos estudantes e o diálogo entre os envolvidos ao
aperfeiçoarem comparações, dúvidas, deduções e relações.

Vale dizer, que a construção de conhecimentos, a partir da pesquisa em


diferentes fontes de informações, tais como: fotos, notícias, documentos
antigos, depoimentos orais, mapas e livros irão marcar o caráter fluido,
polissêmico e interessado do conhecimento, além de afastar-se das usuais
compartimentações e passividades propostas, em geral, nas disciplinas.

O índice como uma estratégia de aprendizagem

No contexto de um Projeto, o índice torna-se uma importante estratégia de


aprendizagem, na medida em que aciona dimensões cognitivas, afetivas,
colaborativas, reflexivas, estéticas e motoras para a aprendizagem. A sua
elaboração e retomada cumpre a função de compreender quais foram as
apreensões já realizadas pelos estudantes em torno de um Projeto, além de
funcionar como um esquema para futuras explorações. O índice pode e deve
ser revisto, ampliado, reformulado para atender as finalidades educativas.

Realizar um dossiê de síntese dos aspectos tratados no Projeto

A partir das atividades vividas ao longo do Projeto, o dossiê pode funcionar


como um recurso interessante de registro, sintetização e avaliação. Seguindo
o índice pode-se realizar a avaliação formativa dos estudantes, expressando
suas incorporações, interpretações, reflexões, sentidos e aprendizagens, por
meio de diferentes linguagens.

Também denominado como portfólio, os registros necessitam corresponder


aos pressupostos pedagógicos vivenciados ao longo do Projeto, necessitando
sua explicitação, diante dos critérios de realização, validação e correção.

Para finalizar

Ao finalizar esse capítulo vale retomar que os Projetos de trabalho não são
uma método ou uma pedagogia, constituem uma forma de organizar um
planejamento de ensino de forma globalizada e interessada pela
aprendizagem significativa. Significa enfrentar os problemas reais e complexos
do cotidiano, admitindo que as formas de conhecer (e ensinar) circulam muito
além da escola e do currículo oficial.

O diálogo pedagógico deve permear e atravessar as formas de (re)construção


dos caminhos e cenários de ensino e aprendizagem, responsabilizando todos
os envolvidos nas tarefas de expandir, selecionar, ordenar, analisar e
interpretar a informação.

Como um processo não acabado, os Projetos de trabalho podem configurar a


organização do currículo escolar, introduzindo e instigando a pesquisa, o
interesse de toda a comunidade escolar, o planejamento conjunto, a
necessidade do debate, a pluralidade dos recursos e das fontes de
informação, a pluralidade e a provisoriedade do conhecimento, a avaliação
formativa e o caminho para novas explorações.

Partindo de um tema ou problema real podemos articular os conhecimentos


escolares das disciplinas, a curiosidade, a indagação, ao diálogo, a pesquisa,
a fim de reconhecer, interpretar e quem sabe interagir diante da complexidade
da vida que estamos imersos.

Referências:

BRASIL, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:


<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em:
01 set. 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretoria de
Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da
Educação Básica. Brasília: 2013.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos


de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

HERNÁNDEZ, Fernando e VENTURA, Montserrat. A organização do trabalho


por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5ª ed. Porto
Alegre: Artmed, 1998.

SIBILIA, Paula. A escola no mundo hiperconectado: Redes em vez de muros?


Redes em vez de muros? Matrizes, v. 5, n. 2, jan./jun. 2012, p. 195-211.
Disponível em https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38333/41193
Acesso em: 09 fev. 2021.
Capítulo 5: Metodologias Ativas no Processo Ensino e Aprendizagem

Carin Klein

Introdução

A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante


lhe coloca o dever de se preparar, de se capacitar, de se
formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta
atividade exige que sua preparação, sua capacitação, sua
formação se tornem processos permanentes. Sua
experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai
deixando claro que ela requer uma formação permanente
do ensinante. Formação que se funda na análise crítica de
sua prática. (FREIRE, 2001, 259-260).

Iniciamos esse capítulo com o excerto de um autor que recebeu


reconhecimento mundial, já nos anos 50 e 60, do século XX, devido ao
incontestável rigor, como educador e filósofo. A formulação e os pressupostos
de uma educação popular trouxeram para o campo da educação, discussões
caras e consideradas “perigosas” até os dias de hoje. Paulo Freire (2001)
trazia em suas proposições uma educação que levasse em conta os
cotidianos, a criticidade em relação aos conhecimentos e as formas de ler o
mundo, tanto para quem aprende, como para quem ensina, indicando que “A
compreensão é trabalhada, é forjada, por quem lê, por quem estuda [e] que,
sendo sujeito dela, se deve instrumentar para melhor fazê-la. Por isso mesmo,
ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador, persistente.” (FREIRE, 2001,
p. 265).

Nesse sentido, a leitura da palavra e a leitura do mundo não podem ser


atividades ingênuas ou mecânicas, necessitam estar inexoravelmente
relacionadas aos contextos vividos, ou seja, ao desenvolvimento da
compreensão do mundo que lemos e habitamos. Assim, a atividade de
alfabetização, por exemplo, não estaria restrita a decodificação de símbolos,
mas, sobretudo, na leitura dos sentidos e das relações instituídas, nas formas
de representar os outros, nas disputas pelo poder, nas formas de produzir
desigualdades e hierarquias sociais.
Ao trazermos nessa introdução a Carta de Paulo Freire aos professores
pretendemos destacar a dimensão política que cerca as relações de ensino e
de aprendizagem. Por isso, o capítulo intitulado: Metodologias Ativas no
Processo Ensino e Aprendizagem tem o propósito de demarcar a
importância de uma educação em que se considera central, tanto para os
docentes, como para os estudantes, a realização de percursos educativos que
lhes tornem ativos, curiosos, inquietos, indagadores, rigorosos e persistentes.

==========================

Como já argumentamos em outros capítulos, vivemos em meio às


transformações sociais, culturais, políticas e tecnológicas que vêm
demandando modificações (ou, verdadeiras revoluções) nas relações de
trabalho, nas formas de interação e comunicação. Os impactos dessas
transformações seguramente vêm produzindo efeitos na solidez de muitas
instituições e organizações, dentre elas, a escola.

Em oposição à solidez, Bauman (2001, p. 12) utiliza-se da metáfora da fluidez


ou liquidez para caracterizar a contemporaneidade. Para o autor os fluidos
escapam, diluem, borram fronteiras, inundam, não são facilmente contidos
uma vez que transbordam, invadem, desintegram. O poder dessa metáfora
serve para pensarmos no “derretimento dos sólidos” instaurados na
modernidade, instituições como a escola e os modelos de educação tradicional
foram (e permanecem) centralmente envolvidos com a dissolução das
certezas, espaços, tempos, modelos curriculares, metodologias ortodoxas,
padrões, fronteiras, identidades docentes.

Segundo Léa Anastasiou e Leonir Alves (2004) as metodologias tradicionais


de ensino possuem como foco os processos de ensino e aprendizagem
baseados, principalmente, na passividade dos estudantes e nas atividades de
memorização, geralmente, seguidas de uma organização espaço-temporal
rígida e arbitrária, operações que não dão mais conta da educação e da
formação dos indivíduos e das sociedades que se constituem na atualidade.
Em contraponto as metodologias tradicionais, essa autora discute e denomina
de estratégias de ensinagem, ao lançar mão da união dos termos ensino e
aprendizagem, tornando-os inseparáveis, como as duas faces de uma mesma
moeda.
As estratégias de ensinagem precisam decorrer de um exercício docente de
permanente estudo, seleção, organização, criatividade, criação coletiva,
mediação, acompanhamento, a fim de que os estudantes apreendam os
conhecimentos, estabeleçam relações, desenvolvam competências e
habilidades de forma ativa. Não podemos deixar de relacioná-las as
legislações que traçam as diretrizes para o ensino, assim como com o Projeto
político-pedagógico institucional, em que se definem coletivamente por meio
da comunidade escolar, as demandas, as relações de convivência, a
compreensão sobre ciência, cultura e conhecimento, as formas de
organização do currículo, o desenvolvimento de competências, etc. As
estratégias de ensinagem necessitam ser acionadas de forma alternada e
contínua, enquanto recursos importantes no âmbito de uma metodologia
dialética:

Na metodologia dialética, [...] o docente deve propor ações


que desafiem ou possibilitem o desenvolvimento de
operações mentais. Para isso organizam-se os processos
de apreensão de tal maneira que as operações de
pensamento sejam despertadas, exercitadas, construídas e
flexibilizadas pelas necessárias rupturas, por meio da
mobilização, da construção e das sínteses, devendo estas
ser vistas e revistas, possibilitando ao estudante sensações
ou estados de espírito carregados de experiência pessoal e
renovação. (ANASTASIOU e ALVES, 2004, p. 69)

Obter uma postura crítica, reflexiva e interativa pressupõe uma docência


aberta ao estudo, a participação e a investigação, na qual a aprendizagem dos
conteúdos são importantes, mas não bastam, pois necessitam de
contextualização e problematização.

Cabe aos docentes desenvolver competências específicas que os tornem


desafiadores e mediadores, na formulação das propostas educativas. Dai a
importância da incorporação dos saberes da docência, que incluem e articulam
os saberes específicos (correspondem aos conhecimentos obtidos na
graduação: história, matemática, biologia, etc.), os saberes pedagógicos
(dizem respeito ao desenvolvimento da profissionalidade docente:
planejamento, organização do ensino, metodologias, avaliação formativa,
currículo) e os saberes da experiência (aqueles construídos e incorporados,
por meio da experiência). (PIMENTA, 1997)
Afinal, o que são metodologias ativas?

O método ativo ou as denominadas metodologias ativas representam uma


abordagem já consagrada no campo educacional, principalmente, ao
abordarmos a ressignificação da ação docente. Ao examinarmos alguns
estudos acerca desse tema, observamos uma convergência na defesa das
metodologias ativas, isto é, principalmente no sentido de que estudantes
obtenham um lugar ativo, reflexivo e autônomo no processo de aprendizagem.
Berbel (2011, p. 28) indica que,

As metodologias ativas têm o potencial de despertar a


curiosidade, à medida que os alunos se inserem na
teorização e trazem elementos novos, ainda não
considerados nas aulas ou na própria perspectiva do
professor. Quando acatadas e analisadas as contribuições
dos alunos, valorizando-as, são estimulados os sentimentos
de engajamento, percepção de competência e de
pertencimento, além da persistência nos estudos, entre
outras.

As metodologias ativas são acionadas com o propósito de estabelecer por


meio da investigação, da participação e da mediação, entre professor e
estudantes, os processos de aprendizagem de forma mais significativa e
integrada, utilizando-se para isso de “[...] experiências reais ou simuladas,
visando às condições de solucionar, com sucesso, desafios advindos das
atividades essenciais da prática social, em diferentes contextos.” (BERBEL,
2011, p, 29). Engajar os estudantes nesse processo significa introduzir e
desenvolver o desejo de responder as diversas situações ou problemas
cotidianos, no sentido de envolvê-los pela compreensão, interesse, escolha,
participação, além de oportunizar a tomada de decisões, a exposição e a
confrontação de suas hipóteses.

Cabe destacar que as metodologias ativas não tratam simplesmente de


modificar a disposição da sala de aula, de introduzir os usos das novas
tecnologias, ou somente utilizar técnicas de motivação. Trata-se de pensar e
percorrer caminhos que considerem os estudantes, o centro dos processos de
ensino e de aprendizagem, valorizando suas hipóteses, oportunizando a
defesa de seus pontos de vista, encorajando sua participação na escola e na
comunidade, isto é, compreendendo-os como sujeitos históricos, políticos e
culturais. Esses são elementos que devem embasar a elaboração de
propostas de ensino e da ação docente, em contraponto a passividade, a
cópia e a fragmentação dos conhecimentos. O que queremos enfatizar não é o
desenvolvimento de metodologias apenas, mas adotá-las enquanto caminhos
importantes para repensarmos as propostas educativas e tornar a
aprendizagem significativa:

Destaca-se como um dos desafios à educação o repensar


sobre novas propostas educativas que superem a instrução
ditada pelo livro didático, centrada no dizer do professor e
na passividade do aluno. É importante considerar as
práticas sociais inerentes à cultura digital, marcadas pela
participação, criação, invenção, abertura dos limites
espaciais e temporais da sala de aula e dos espaços
formais de educação, integrando distintos espaços de
produção do saber, contextos e culturas, acontecimentos do
cotidiano e conhecimentos de distintas naturezas. A
exploração dessas características e marcas demanda
reconsiderar o currículo e as metodologias que colocam o
aluno no centro do processo educativo e focam a
aprendizagem ativa. (VALENTE, ALMEIDA e GERARDINI,
2017, p. 458-459).

A seguir, a representação dos princípios que devem embasar o


desenvolvimento das metodologias ativas:

Figura: Princípios que embasam as metodologias ativas


Fonte: https://a1f6.com/metodologias-ativas-das-origens-aos-dias-atuais/

Aprendizagem por meio das metodologias ativas

Tomar os estudantes como centro das ações educativas torna-se um


pressuposto das metodologias ativas. Instigar a autonomia, a participação e a
construção dos conhecimentos, competências e habilidades deve ocorrer
mediante a proposição de estratégias de ensino que envolvam a pesquisa, o
trabalho em grupo, o aprofundamento teórico, a sistematização e a discussão
diante as respostas a possíveis situações e problemas do dia a dia, assim
como, do currículo oficial.

Como já discutido, envolver os estudantes nos processos de aprendizagem de


forma ativa, responsável e participativa, não é algo novo. Anastasiou e Alves
(2004) chamam de estratégias de trabalho referentes “[...] à metodologia
dialética, à ação de ensinagem, à organização curricular, ao papel do
professor e do aluno; enfim, situam as estratégias no seu contexto
determinante.” (ANASTASIOU e ALVES, 2004, p. 73).

Entre elas, podemos citar: a aula explosiva dialogada, em oposição a aula


expositiva tradicional. Para a concretização do princípio dialético deve-se
tomar como ponto de partida a realidade social, considerada como
mobilizadora da construção dos conhecimentos. Primeiro, realiza-se um
exercício inicial e não organizado com os estudantes, sobre determinado tema
ou problema, para então realizar-se a síntese do conhecimento, que consiste
no resultado das operações mentais e de forma mais elaborada, possibilita
rever a realidade ou a prática social. Para propor a participação dos
estudantes, pode-se inicialmente propor, de maneira individual, em duplas ou
coletivamente, as principais considerações a partir da leitura ou do estudo
dirigido de um texto, da tempestade de ideias, da construção de um mapa
conceitual, de uma lista de discussão ou da resolução de problemas.

Assim como, as demais estratégias de ensinagem exigem-se do docente


planejamento, organização e acompanhamento criterioso e atento, a fim de
que o estudante atue de forma ativa e comprometida no desenvolvimento do
seu processo de aprendizagem. (ANASTASIOU e ALVES, 2004).

As estratégias grupais consistem na mediação de uns com os outros,


podendo ser professores ou estudantes, a fim de atuar e mediar na discussão
de um tema ou na resolução de um problema ou situação. Trabalhar em grupo
exige mais do formar um grupo de pessoas, exige participação e diálogo
efetivo; responsabilidade com a tarefa; parceria; organização; articulação e
respeito diante das opiniões, divergências e singularidades; cumprimento das
etapas, mediante os objetivos traçados. O trabalho em grupo pressupõe ainda
a articulação e a rotatividade dos participantes para cumprirem funções que
lhe são inerentes, como: observar a participação dos envolvidos; desenvolver
pautas de estudos, pesquisas, defender ou contrapor ideias; problematizar;
sintetizar; divulgar o resultado das discussões; além de respeitar as regras
estabelecidas para o desenvolvimento da estratégia.

Os projetos de trabalho, abordados no capítulo 4, estimulam os estudantes a


partirem da exploração de um tema ou problema específico e deve decorrer,
tanto do interesse dos estudantes, como proposto pelo professor, atendendo
as exigências do currículo oficial. Consiste na elaboração de índices de estudo
que devem ser compostos, revisados e ampliados em grupo, a fim de
realizarem investigações e estudos, explorando fontes distintas, entrevistas
orais, vídeos, propondo-se discussões, elaboração de sínteses e formulação
de novas questões.

Para Berbel (2011), o estudo de caso é uma metodologia potente para


envolver os estudantes na análise de situações problemas, no estudo de
ferramentas conceituais e na resolução dos mesmos. Realizada em grupos
essa proposta estimula e oportuniza aos estudantes buscar soluções, após
embasá-las teoricamente e discuti-las.

Diversas estratégias vêm sendo divulgadas na literatura sobre a utilização das


metodologias ativas, dentre elas está a problematização, a fim de que os
estudantes possam examinar uma situação ou problema (real ou hipotético) e
diante dele, possam traçar caminhos de pesquisa, estudo, interação,
comparação, desenvolvimento de estratégias de pensamento, reflexão e
posicionamento crítico. O que temos ao final é uma pedagogia crítica e
problematizadora.

A sala de aula invertida pressupõe uma mudança de paradigma na


educação, tornando simbólica a mudança espacial, a fim de investir no
trabalho em equipe, ignorado em uma sala de aula convencional. A geografia
da sala de aula invertida inspira-se em “[...] um ambiente de escritório.
Algumas lembram espaços tipo coworking, onde a ausência de paredes e a
unificação de ambientes busca integrar equipes e melhorar a comunicação.”
(CHAGA e BOPPRÉ, 2017, p. 57). Porém, a inversão se justifica como uma
proposta de aprendizagem ativa se o professor propuser formas de
desenvolver as aprendizagens de forma interativa, gerindo projetos,
compartilhando e problematizando conhecimentos de forma a estimular a
investigação. Para os autores:

A pergunta que se coloca ao adotar uma estratégia


educacional que propõe “inverter” a sala é saber se ela
funciona se não existir um “professor invertido” propondo
“aulas invertidas”. Isso porque as salas invertidas surgem a
partir de metodologias ativas de aprendizagem, nas quais
os alunos aprimoram o trabalho em equipe e assumem
funções antes ignoradas pela “sala normal”. (CHAGA e
BOPPRÉ, 2017, p. 58)

Vale dizer, que as avaliações que se inserem no desenvolvimento das


metodologias ativas devem ser compreendidas como inerentes ao processo
formativo e devem ocorrer mediante a elaboração de sínteses escritas e/ou
orais capazes de evidenciar a compreensão e a análise de conceitos
desenvolvidos ou de tópicos previamente delimitados. Podem ocorrer
mediante questões, esquemas, portfólios, mapas conceituais, sínteses
variadas, interpretações, julgamentos, comparações, realização de
justificativas, transposição dos conceitos para um cenário distinto ou para
novas situações.

As estratégias aqui elencadas posicionam os estudantes para lidar com


problemas e situações diversas, partindo de temas interessantes e desafios
que colocam em jogo o desenvolvimento de seu potencial intelectual, reflexivo,
crítico e humanista. Nesse percurso, necessitam recolher informações e
trabalhar com elas, a fim de que produzam compreensões e caminhos de
resolução.

Muitos de nós, enquanto estudantes trilhou um caminho acadêmico embasado


pela cópia, passividade e memorização, entendendo que esse era um caminho
“natural” para constituir a docência. Queremos contrapor essa lógica e pensar
a docência em outra direção, pois quanto mais nos inserirmos, enquanto
docentes, em uma pedagogia critica, problematizadora e permeada de
intencionalidades, nos tornaremos capazes de promover uma educação que
alterne diversas estratégias de ensinagem, mobilizando a curiosidade, a
pesquisa, a busca de informações em fontes diversas, a interação, a
cooperação, a responsabilização para responder a problemas concretos, a fim
de desenvolver diferentes habilidades de pensamento e de ação.

Outras estratégias podem ser pensadas para a concretização das


aprendizagens ativas, de acordo, com cada ano e etapa da educação básica e
podem girar em torno da escrita; da produção de enredos; da identificação,
análise e produção de gêneros textuais; do incentivo a leitura, da exploração
de um ambiente virtual, da intertextualidade, etc. atuando na dissolução de
fronteiras entre a segmentação das áreas de ensino. Estratégias que podem
associar-se ao estudo das ciências, das artes, da literatura, isto é, baseando-
se na investigação e no exercício da autonomia, da interação, da criatividade e
da interpretação do tempo presente.

Referências:

ANASTASIOU, Lea. G. C; ALVES, Leonir P. (Orgs). Estratégias de ensinagem.


In: Processos de ensinagem na Universidade. Pressupostos para estratégias
de trabalho em aula. 3. ed. Joinville: Univille, 2004. p. 67-100.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. RJ: Jorge Zahar, 2001.


BERBEL, Neusi, A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de
estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas. Londrina, v. 32, n.1, p. 25-
40, jan./jun. 2011.

CHAGA, Marco e BOPPRÉ, Daniel. Ensaios de um professor invertido. In.


DIAS, Simone Regina e VOLPATO, Arcelone (Orgs.). Práticas inovadoras em
metodologias ativas. Florianópolis: Contexto Digital, 2017.

FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores. Educação Básica -


Estudos Avançados, n. 15 (42), 2001.

PIMENTA. Selma Garrido. Formação de professores - saberes da docência e


identidade do professor. Nuances- Vol. III- Setembro de 1997.

VALENTE, José Armando; ALMEIDA, Maria Elizabeth Almeida e GERALDINI,


Alexandra. Metodologias ativas: das concepções às práticas em distintos
níveis de ensino. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 17, n. 52, p. 455-478,
abr./jun. 2017.
Capítulo 6: Avaliação da Aprendizagem

Luciana Peixoto Cordeiro

Introdução

Este capítulo objetiva proporcionar a você conhecimentos sobre o processo de


avaliação.

Neste sentido, será abordada a função da avaliação, os aspectos qualitativos e


quantitativos, a postura do professor em relação a uma avaliação que esteja a
favor do autodesenvolvimento dos educandos, elevando sua autoestima,
gerando autoconfiança e autonomia intelectual, instigando o desejo de
aprender cada vez mais.

Visa-se, também, por meio desse capítulo, que você identifique a avaliação
como um processo de aprendizagem.

Assim, avaliar é desvelar as dificuldades dos educandos e promover situações


que favoreçam a construção dos conhecimentos.

Leitura, análise e estudo deste capítulo se fazem necessários para que você
construa a sua aprendizagem em relação à temática!

Avaliação da Aprendizagem

O processo de avaliação de aprendizagem ocorre de forma articulada com o


Projeto Político Pedagógico – PPP - e, também, com o tipo de sociedade que
se deseja. Desse modo, quando se fala em avaliação, precisa-se pensá-la a
partir dessa articulação. Assim, pode-se afirmar que a avaliação, conforme
argumenta Luckesi (2002, p. 28), não se dá num vazio conceitual, mas é “[...]
dimensionada por um modelo teórico de mundo e de educação, traduzido em
prática pedagógica”.

Isso confirma que a prática do processo de avaliação precisa ser exercida com
a dimensão que merece. Está, sim, “[...] a serviço de uma pedagogia, que
nada mais é do que uma concepção teórica da educação, que, por sua vez,
traduz uma concepção teórica da sociedade” (LUCKESI, 2002, p. 28).
A avaliação tem por função contribuir para o autodesenvolvimento do
educando, elevando sua autoestima, gerando autoconfiança e autonomia
intelectual, instigando o desejo de aprender cada vez mais. Sendo assim, o
processo de avaliação é emancipatório e formativo e cabe ao professor
acompanhar permanentemente o aprendente no processo de construção de
conhecimento, desafiando-o à busca de novas aprendizagens.

Na perspectiva de Delors (1999, p.155),

O professor deve estabelecer uma nova relação com quem


está aprendendo, passar do papel de „solista‟ ao de
„acompanhante‟, tornando-se não mais alguém que
transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda os seus
alunos a encontrar, organizar e gerir o saber (grifo do
autor).

A avaliação, assim, desvincula-se da compreensão de ser o momento


conclusivo do processo educativo e passa a fazer parte do cotidiano desse
processo. Para Hoffmann, o fato de considerar a avaliação reduzida a um
procedimento conclusivo, sem estar associada à ação educativa, “[...] limita o
aprofundamento necessário em relação ao significado das interferências
constantes dos professores nas manifestações dos alunos” (2006, p.46).

Para que a avaliação passe a fazer parte do processo de aprendizagem do


educando, é preciso reconstruir o seu significado. Hoffmann (2006) argumenta
que, então, faz-se necessário conceber a avaliação como indissociável da
educação observadora e investigativa, visando favorecer e ampliar as
possibilidades de aprender do educando. Para a autora, “Investigar significa
manter-se atento e curioso sobre as manifestações dos alunos e agir significa
oportunizar situações de aprendizagem enriquecedoras” (p.30). Acrescenta,
ainda, que avaliar é, essencialmente, questionar, “[...] é observar e promover
experiências educativas que signifiquem provocações intelectuais significativas
no sentido do desenvolvimento do aluno” (2005, p.73).

A avaliação no contexto escolar assume uma função muito importante, pois


representa o meio através do qual a escola é desafiada a cumprir uma função
social transformadora. Poder-se-ia perguntar o porquê dessa afirmação. A
resposta é aparentemente simples, mas, na prática, exige não só dos
professores, mas de todos os setores da escola, o comprometimento em
propiciar que os educandos aprendam. Nesse sentido, Hoffmann, afirma que:

Os alicerces da avaliação são os valores construídos por


uma escola: que educação pretendemos? Que sujeito
pretendemos formar? O que significa aprender, nesse
tempo, nessa escola, para os alunos que acolhemos, para
o grupo de docentes que a constituem? Qual a natureza
ético-política de nossas decisões? É por aí que a reflexão
sempre deveria iniciar (2005, p.59).

Aspectos qualitativos e quantitativos na avaliação

O que se costuma ouvir dos professores é a seguinte questão: como vou


pensar e priorizar os aspectos qualitativos, se, no final do bimestre, tenho que
dar nota/conceito ao educando? É possível desenvolver uma prática avaliativa
com cunho qualitativo, se “tenho” que atribuir uma nota?

Pensando na prática de avaliação, sabe-se que ela tem sido tratada como o
ato de atribuir ao educando uma nota ou um conceito. Nessa perspectiva em
que é executada, a avaliação tem por propósito medir o desempenho dos
educandos. Faz-se necessário, então, ressignificar no que consistem os
aspectos qualitativos e quantitativos do processo de avaliação.

A avaliação pode ocorrer por meio de critério quantitativo. “[...] o quantitativo


não é um mal em si, até porque, na perspectiva dialética, não existe qualidade
sem quantidade (e vice-versa)” (VASCONCELLOS, 1998, p.58). A
quantificação é um aspecto que exige atenção do professor na mensuração
dos resultados de desempenho de aprendizagem do educando. Importante
ressaltar que o foco precisa ser dirigido para a dimensão humana, nas
perspectivas cognitiva, sociocultural, ética, política.

A nota é um dos indicadores que demonstra se os educandos estão atingindo


os resultados previstos no planejamento do professor. Mas atenção: a questão
maior não é saber que classificação os educandos alcançaram, mas ter
clareza quanto aos critérios que foram adotados na quantificação, bem como
as ações que serão planejadas a partir desses resultados.
Se os resultados foram satisfatórios, será mantido o status quo, ou serão
lançados novos desafios? Se os resultados foram insatisfatórios, será
planejada uma retomada, tendo em vista os motivos pelos quais os educandos
obtiveram baixo desempenho, na intenção de realizar intervenções didáticas
para que avancem na construção de seu conhecimento? Ou se dará
continuidade ao processo de ensino, desprivilegiando o que faltou ser
aprendido lá atrás?

“O fundamental, pois, é que a quantidade – enquanto um indicador – esteja a


serviço da qualidade, de um projeto, de uma proposta educacional”
(VASCONCELLOS, 1998, p.59). Portanto, o que importa é a reflexão e a
tomada de decisão, tanto por parte do professor quanto dos educandos. Por
essas questões, tem-se que pensar na avaliação quantitativa como uma
prática pautada no diálogo, não como algo definitivo, como processo formativo:
contínuo e sistemático.

Dessa forma, faz-se possível afirmar que o importante é o processo de


aprendizagem do educando, o durante, e não o resultado final. Se o professor
ficar atrelado à avaliação voltada apenas para dar nota e fazer a média
aritmética, valer-se-á unicamente dos aspectos quantitativos, desconsiderando
os qualitativos, e, por consequência, distanciando-se do fator humano.

Os aspectos qualitativos devem sobrepor-se aos aspectos quantitativos. O


que deve ser avaliado é se todos os educandos estão aprendendo, como
estão aprendendo e o que ainda não compreenderam, nem interpretaram. O
professor acompanha, observa e reflete sobre as manifestações dos
educandos, intervindo com situações didáticas que favoreçam não só a
interação, a compreensão e a interpretação da realidade, mas a construção
dos conhecimentos.

Conforme Hoffmann (2005, p.81), o processo avaliativo mediador caracteriza-


se em acompanhar, entender e favorecer a contínua progressão do educando,
considerando-se as seguintes etapas: “[...] mobilização, experiência educativa
e expressão do conhecimento [...]”.

Numa perspectiva contemporânea, a avaliação deve assumir uma outra


função: abandonar o paradigma de avaliação como medição e classificação,
assumindo o ponto de vista de diagnóstico e decisão.
O diagnóstico aponta em que estado de aprendizagem se encontra o
educando. Com a situação diagnosticada, parte-se para a tomada de decisão,
na busca de um caminho que oportunize a construção do conhecimento.

Hoffmann (2006) enfatiza que o conhecimento produzido pelo educando, em


um certo momento de sua experiência de vida, é um conhecimento em
processo de construção e superação. Afirma, ainda, que, nesse sentido, a
avaliação é desvinculada da concepção de verificação de respostas certas
e/ou erradas, assumindo um sentido investigativo e reflexivo do professor
sobre as aprendizagens e as necessidades demandadas dessa aprendizagem
que se encontra em processo de construção por parte do educando. Nessa
maneira de pensar e agir, avaliar é desvelar as dificuldades dos educandos e
promover situações pedagógicas que favoreçam o desempenho qualitativo da
aprendizagem.

Nas práticas avaliativas do trabalho pedagógico, realizar a avaliação


qualitativa compreende: conhecer o nível de compreensão do educando em
relação a determinado objeto de conhecimento; acompanhar as hipóteses que
o educando tem, em um determinado tempo, em relação a um conceito vendo-
as não como “erro”, mas como uma etapa da construção do conhecimento;
observar as manifestações dos educandos; fazer com que os aspectos
qualitativos prevaleçam sobre os quantitativos.

Para que a avaliação realmente seja um instrumento de ajuda, deve ser


reenfocada até a raiz (VASCONCELLOS, 1998). O autor afirma ainda que
“Muitas vezes tenta-se inovar, mas não se supera o núcleo do problema”
(p.20), isto é, agora se aplicam diferentes instrumentos de avaliação,
entretanto, se eles não objetivarem detectar as necessidades de
aprendizagem dos educandos, e se não forem organizadas situações didáticas
para superá-las, continuar-se-á na lógica classificatória.

Segundo Vasconcellos (1998, p.20),

O professor diz: „Não faço mais provas; agora são


atividades avaliativas‟; „Não corrijo mais em vermelho,
agora só em verde‟. É necessário atenção, pois se não
houver mudança de postura, de concepção, não adianta
mudar o nome ou a cor: em pouco tempo o aluno vai
descobrir que as provas apenas mudaram de nome, e vai
detestar o verde.

O cuidado com o processo avaliativo precisa ser constante e considerar as


características dos educandos.

“O aluno aprende à medida que se engaja no processo, que responde aos


incentivos do professor” (MORETTO, 2014, p.91). Ressalta-se aqui, o
compromisso do educador em desenvolver um ambiente favorável,
estimulador, instigante à aprendizagem. Entretanto, cabe ao educando
engajar-se nesse processo.

Moretto (2014, p.91, grifo do autor) deixa claro que “[...] o aluno é um elemento
ativo no processo, como o é também o professor. Portanto, aquele não pode
ser um mero “escutador”, e este, apenas um “falador”. Chama a atenção,
ainda, que “A relação entre ambos deve ser de constante interação, com vistas
à produção dos objetos de conhecimento”.

O professor precisa assumir a sua função de acolhedor, questionador,


provocador, desafiador. Necessita ensinar o educando a pensar, a resolver
situações-problema, a desenvolver suas habilidades e aplicar o que aprende
em outros novos contextos.

Para Alves, cabe ao educador:

[...] orientar, supervisionar, apoiar, motivar, esclarecer,


aconselhar, questionar, avaliar e sugerir caminhos aos
alunos, em vez de apresentar-lhes conhecimentos já
construídos, soluções já prontas e avaliações pontuais
(2013, p.52).

Em relação aos critérios para a avaliação da aprendizagem, Luckesi (2011,


p.411) os define como “[...] padrões de expectativa com os quais comparamos
a realidade descrita no processo metodológico da prática da avaliação”.

Os critérios para o desenvolvimento da avaliação são praticados no


planejamento, no qual se delineiam os resultados que serão buscados a partir
do investimento na sua operacionalização. “Os critérios que definem o que
ensinar e o que aprender e a sua qualidade desejada determinam o que e
como avaliar na aprendizagem escolar” (LUCKESI, 2011, p.411, grifo do
autor).

Os critérios, conforme o referido autor, dependem de algumas variáveis, entre


as quais estão:

❖ A concepção de educação, que pode ser traduzida na seguinte


pergunta: o que se deseja com a prática educativa?

❖ A concepção de educando: quem é o educando? Que olhar lhe será


atribuído? De que forma será observada a sua idade, seu processo
psicológico, a bagagem sociocultural que o caracteriza, seu jeito de
praticar o relacionamento, bem como suas possibilidades de relacionar-
se com o outro?

❖ As necessidades a serem superadas pela prática pedagógica;

❖ Os objetos de conhecimento selecionados: o que e como serão


desenvolvidos para possibilitar e potencializar a aprendizagem;

❖ O nível de exigência de desempenho dos objetos de conhecimento, ou


seja, que nível de desempenho se deseja que os educandos alcancem.

É possível depreender, por meio desses critérios, que a avaliação é um


processo complexo, que está atrelado às decisões que são tomadas. Para
Luckesi (2011), o critério define o que se deseja como resultado da prática
docente, e, desse modo, estabelece o caminho a ser seguido, tanto para o ato
de ensinar quanto para o de avaliar.Como já foi mencionado, a avaliação da
aprendizagem visa à busca por resultados desejados, o que ocorrerá se ela for
planejada e executada com qualidade, de maneira a propiciar essa busca.
Neste contexto, há de se considerar a ética do professor com o sistema de
ensino, a sociedade, a escola, os pais e educandos. Luckesi (2011) define
três pactos éticos essenciais na prática do professor: pacto profissional, pacto
curricular e pacto com a verdade.

O pacto ético profissional “[...] acarreta que, sejam quais forem as condições
dadas, os profissionais da educação investirão sempre na busca de soluções
para que os resultados de sua ação sejam positivos” (p.392). Assim, os
educadores precisam focar no alcance de resultados que sejam positivos.
O pacto ético profissional do educador está relacionado diretamente à
eficiência e à efetividade de sua ação, o que conduz à aprendizagem e ao
desenvolvimento do educando.

O referido autor argumenta que “Se o pacto ético profissional não for
cumprido, a avaliação não faz sentido, dado que, se não há ação investida em
determinada direção, não há o que avaliar, pois não existem resultados”
(p.392).

O pacto ético curricular significa que o professor, por meio do currículo, deve
possibilitar que o educando aprenda, cabendo comprometer-se:

[...] com o cumprimento satisfatório do currículo – o que


implica, de sua parte, “ensinar bem e investir junto ao
educando até que ele aprenda” e, da parte do educando,
“aprender bem”. Essa é a expressão de sua
responsabilidade ética no que se refere a garantir que o
currículo efetivamente seja cumprido com sucesso. (p. 393,
grifo do autor)

Nesse pacto, “[...] o educador não pode contentar-se com o fato de os


educandos terem um desempenho “médio [...]” (p.394). Faz-se necessário que
o professor se comprometa e invista no desempenho pleno de seus
educandos.

O último pacto ético abordado por Luckesi, mas não menos importante, foi o
pacto com a verdade. Qual o seu significado? Esse pacto refere-se à
investigação crítica em relação à aprendizagem do educando.

O pacto com a verdade, de forma ética, exige do professor,


“[...] a elaboração de instrumentos de coleta de dados,
segundo regras de cientificidade, na sua aplicação com
necessária atenção e cuidados, para que os educandos
possam responder a eles sem ameaças e ansiedades
psicológicas [...] (LUCKESI, 2011, p.395).

Referindo-se à correção das atividades avaliativas, o autor determina que ela


precisa ser ancorada na verdade e na equanimidade, e que a sua devolução
carece de observações adultas e verdadeiras, não agressivas ou
desqualificadoras. Deve, ao contrário, ser acolhedora e construtiva, de modo
que o educador seja visto como um parceiro que prima pela aprendizagem de
seus educandos, atuando nesse sentido na sua prática pedagógica avaliativa.

Ser parceiro é ser solidário com o educando. Solidariedade, nesse caso,


significa solidificar uma relação de interdependência entre professor e
aprendentes, mediada pelo acolhimento, pelo ato amoroso no processo de
aprender e ensinar.

Neste capítulo, foi possível constatar que a avaliação não é um aspecto


isolado na escola. Ela precisa estar articulada com o Projeto Político
Pedagógico. A avaliação tem por função contribuir para o
autodesenvolvimento do educando, cujas dificuldades são, assim, desveladas,
e promovidas situações que impulsionem e promovam as suas aprendizagens.
A avaliação deve pautar-se pelo aspecto qualitativo. Desta forma, o professor
tem o desafio de buscar conhecer em profundidade o nível de compreensão e
de apropriação dos saberes dos educandos, acompanhando suas hipóteses e
observando suas manifestações, e, consequentemente, intervindo de maneira
estratégica e planejada.

Referências:

ALVES, Julia Falivene. Avaliação educacional: da teoria à prática. Rio de


Janeiro: LTC, 2013.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez.


Brasília, DF: MEC; Unesco, 1999.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio, uma perspectiva


construtivista. 36.ed. Porto Alegre: Mediação, 2006.

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. 7.ed.


Porto Alegre: Mediação, 2005.LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da
aprendizagem escolar. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação da aprendizagem: componente do ato


pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011.

MORETTO, Vasco Pedro. Prova: um momento privilegiado de estudo, não um


acerto de contas. 9.ed. Rio de Janeiro, Lamparina, 2014.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Planejamento: projeto de ensino-
aprendizagem e projeto político-pedagógico.7. ed. São Paulo: Libertad,2000.

VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da aprendizagem:


práticas de mudança - por uma práxis libertadora. São Paulo: Libertad, 1998.

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