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Arawak

Priscilla Cardoso Rodrigues


Bartô
Isaias Miliano
(Organizadores)

JAIDER ESBELL
“UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS”

Rora’imî - Brasil
2022
Imagem da capa:
Bartô

Título:
Jaider Esbell: “Um Makuna’imî Entre Nós”

Organizadores(as):
Arawak
Priscilla Cardoso Rodrigues
Bartô
Isaias Miliano

Editora:
Ars commune
Boa Vista – Roraima

A totalidade ou parte desta obra pode


ser reproduzida, por qualquer meio, desde que referida a fonte.
ARTIVISTAS

Arawak
Bartô
Isaias Miliano
Makdones
Dayana Soares
Ávilo Esbell
Charles Gabriel
Gustavo Caboco
Luís Matheus
Mario Flores Taurepang
Geovan Gabriel de Souza
Valdélia Wapixana
Juci Carneiro & Wendenmara Gomes
Milena MKX
Selestina F. da Silva
Delci F. Souza Martins
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO............................................................................................................................. 7
Priscilla Cardoso Rodrigues
O SONHO É NOSSO ....................................................................................................................... 9
Jaider Esbell
JAIDER ESBELL ............................................................................................................................. 10
Parmênio Citó
O BEIJO E A FLOR ........................................................................................................................ 11
Ávilo Esbell
JAIDER E NÓS ................................................................................................................................ 12
Família Roque dos Anjos
FALAR DE JAIDER........................................................................................................................ 15
Lenice Raposo
NETO DE MAKUNAIMA ............................................................................................................ 16
Luiza Prado de O. Martins
O NETO DE MAKUNAIMA ....................................................................................................... 18
Denilson Baniwa
NETOS DE MAKUNAIMÎ: NOSSO AVÔ EM NÓS ............................................................. 20
Gustavo Caboco
TXAÍSMOS E OUTROS FEITIÇOS PARA ABRIR O CADERNO DE CAMPO DE
KOCH-GRÜNBERG ...................................................................................................................... 23
Gustavo Caboco
JAIDER VIVE!.................................................................................................................................. 25
Dayana Soares
ÀS GERAÇÕES FUTURAS: O JABUTI VIAJANTE .............................................................. 26
Roseane Cadete
JAIDER ESBELL ............................................................................................................................. 29
Barbara Crane Navarro
JAIDER ESBELL: ESPECIALISTA EM PROVOCAÇÕES .................................................. 30
Loretta Emiri
JAIDER IMÎ ...................................................................................................................................... 33
Ednarde Marques
CAUSA E EFEITO .......................................................................................................................... 35
Jaime Brasil
ESBELLISMO, JAIDER, CAETANO, JOÃO, UFBA, SALVADOR ................................... 36
Jeane Xaud
CADÊ MEU JENIPAPO? .............................................................................................................. 39
Jefferson Dias de Araújo (Contramestre Biriba)
JAIDER ESBELL, O NETO DE MAKUNAIMA .................................................................... 40
Vanessa Augusta do Nascimento Brandão e Costa
KURUMIM-TUXAWA-PAJÉ: UU KAYMEN UNGARY PAUMARY MAKUSII’MÎ
JAIDER ESBELL ............................................................................................................................. 51
Arawak
MEU AMIGO JAIDER ESBELL ................................................................................................. 53
Bartolomeu da Silva Tomaz - Bartô
PAINEL JAIDER ESBELL: “UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS” ....................................... 54
Produção Coletiva
PAINEL VOVÓ BERNALDINA: TECENDO FIOS DE LUZ ............................................ 59
Produção Coletiva
EXPOSIÇÃO JAIDER ESBELL: “UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS” .............................. 60
Curadora: Priscilla Cardoso Rodrigues
Organizadores: Arawak, Bartô e Isaias Miliano
ROÇA AJURI DE ARTE INDÍGENA RORAIMENSE, MAKUNAIMIZAR
MAKUNAIMIZANDO .................................................................................................................. 75
ARTIVISMO ..................................................................................................................................... 80
APRESENTAÇÃO

Esse e-book marca a retomada das lutas e resistências dos artivistas de Roraima após
um período de luto e reflexões sobre o vazio deixado por Jaider Esbell, que além de um grande
amigo, era o principal articulador e incentivador da arte indígena contemporânea no Brasil. E
para celebrar essa retomada, seus amigos e parceiros na arte Arawak, Bartô Macuxi e Isaías
Miliano resolveram realizar uma grande festa no dia em que Jaider comemoraria o seu 43º
aniversário, uma festa que se iniciou com a exposição coletiva “Jaider Esbell: Um Makuna’imî
entre nós”, com obras de artivistas, artistas, artesãos e artesãs indígenas, e contou com a
presença dos familiares e amigos de Jaider, admiradores de sua arte, organizações e lideranças
indígenas. Tudo isso ao som de músicos indígenas e da roda de parixara e ao sabor da damurida,
do beiju e do caxiri, ou seja, com tudo o que Jaider mais amava. E o sentimento que ficou em
todos e todas nós que estivemos juntos nessa grande festa era a de que Jaider esteve o tempo
todo presente, com seu sorriso contagiante, sua generosidade imensa e com a luz infinita de
quem se encantou, mas continua desempenhando sua missão de unir diferentes mundos, dos
humanos e dos não humanos, das florestas, dos animais, dos rios, o material e o espiritual,
como fez com sua arte nas suas mais diversas formas.
Muitos conhecem o Jaider artista, o intelectual, o xamã, mas poucos conhecem o Jaider
família, amigo, o grande incentivador dos artistas indígenas de Roraima, que percorria o mundo
inteiro com sua arte, mas que nunca andava sozinho. Por onde ia, sempre carregava, em seu
grande jamaxim de muita luz e muito amor, como descreve seu amigo e parceiro de artivismo
Arawak, seus parentes e parentas, artistas e artesãos indígenas, percorrendo lugares e unindo
pessoas, mundos e artes pelos caminhos em que passava, assim como fazia seu avô, Makuna’imî
que, como ele, era um grande viajante, e assim como fazia o “jabuti viajante”, que nos conta
Roseane Cadete, que mesmo não tendo asas, deu um jeito de ir para o céu.
Esse e-book é um convite para conhecermos Jaider em todas essas versões, a partir das
vozes daqueles que caminharam com Jaider ao longo de sua trajetória, de seus encontros pelo
mundo, e que se reuniram nesse enorme ajuri de arte, de sonhos e, também, de muita saudade.
Um ajuri que se iniciou com a produção coletiva do Painel “Jaider Esbell: Um Makuna’imî entre
nós”, ao longo de meses, no qual, a partir da paisagem do Monte Roraima e da imagem do
rosto de Jaider, pintadas por Arawak ao centro do painel, os artivistas Bartô, Isaias Miliano,
Makdones, Dayana Soares, Luís Matheus, Ávilo Esbell, Charles Gabriel e Geovan foram
inserindo elementos iconográficos produzidos ao longo da trajetória artística de Jaider Esbell,
os quais, como nos explica a artivista Dayana Soares, abordam questões cosmológicas, culturais,
ecológicas e políticas e traduzem as visões do artista sobre o universo indígena.

7
Do painel, surgiu a exposição em homenagem a Jaider e em celebração ao seu
aniversário, e da impossibilidade de muitos daqueles que também queriam fazer parte desse
momento, mas não poderiam estar presencialmente na exposição, pois estavam em outros
estados ou países, surgiu a realização desse e-book que, além dos textos de familiares e amigos
de Jaider, estudiosos de sua arte e artistas indígenas que compartilharam sua trajetória, traz uma
coleção de fotos da exposição “Jaider Esbell: Um Makuna’imî entre nós” e de diferentes
momentos compartilhados pelos organizadores com Jaider, além de momentos de luta e
resistência desses artivistas, que seguem resistindo ao avanço colonial do garimpo, do
agronegócio e da invasão de seus territórios, de seus corpos e de suas vidas, percorrendo o
caminho de luta pela sobrevivência física e cultural de seus povos, iniciado por seus ancestrais,
e também seguido por Jaider.
É, portanto, um e-book para ser lido, mas também sentido e experienciado, assim como
a arte de Jaider, que nos traz, com traços e cores, todas essas infinitas sensações, mas que,
muitas vezes, por não conseguirem ser vistas ou sentidas pelo não indígena, são identificadas
pelos críticos de arte ocidentais como algo que está na ordem dos mistérios, da escuridão, do
que está oculto, do que é intraduzível. A verdade é que não existe mistério. A obra de Jaider,
como diz o Arawak, é como um embalo de rede, um banho de igarapé, o vento no lavrado, a
chuva na mata, damurida com pimenta kanaime, roda de parixara, pintura de jenipapo na pele.
É para ser sentida e experienciada, para que possamos retomar nossa visão para aquilo o que
os críticos consideram oculto e intraduzível, pois a grande verdade é que a Modernidade, ao
separar o humano da natureza, o material do espiritual, ao nos catalogar, classificar e aprisionar
em mundos, conhecimentos e sentimentos compartimentados, nos tornou míopes para
enxergar esses “diferentes” mundos e compreender que eles são apenas um, indivisível, e que
habita a alma indígena.
É nesse sentido que esse e-book é um convite para que vocês venham conosco sentir e
experienciar a arte, a poesia, o xamanismo, o artivismo, a memória ancestral, a trajetória de luta
e resistência indígena que transbordam da obra de Jaider para os textos e fotos aqui organizados
e nos levam pelos caminhos ocultos e intraduzíveis da alma indígena.

Priscilla Cardoso Rodrigues

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O SONHO É NOSSO
Jaider Esbell

Essa noite eu dormi muito cedo. Não de cansaço ou outra coisa. Eu dormi cedo por
prazer, por ainda poder, por amar você. Eu dormi cedo pois preciso, isso gosto de fazer, é meu
dever. Dormi para sonhar, dormir para trabalhar, buscar um melhor ser. Sonhei muito, gratidão,
eu sonhei muito. Eu dormi bem cedo pois busco me disciplinar, assim eu busco estar.
Eu busco obedecer. Eu busco seguir com prazer essa linha da nossa grande tradição.
Sonhar e ouvir a madrugada, estar na minha missão. Escutar, estudar o sentido dos sonhos para
partilhar, amando, seguir andando. Somos trabalhadores incansáveis, servidores dessa que
nunca para: a vida. A nossa vida é de todos, isso devemos saber, louvar, honrar e multiplicar.
Apenas estamos matéria, passagem momentânea. A nossa alma linda é contínua, ela
devemos elevar. Temos uma alma linda para cuidar, lavar todos os dias e mostrar ao sol raiar.
Uma cuidará da outra, assim que deveria ser, é até simples de entender, dá pra se fazer. Nos foi
dado esse poder, só esquecemos de lembrar, deixamos tão fácil isso fenecer.
Devemos, poderíamos estabelecer essa relação com a grande criação. Hoje, é mais um dia
grandioso. É o dia em que muita energia boa foi filtrada pelos astros para os melhores
momentos aqui. Daqui pra frente, vivamos de moments. Moments são momentos contínuos
de fortes vibrações positivas. A energia passará com o vento, é a alegria, se abra. Uma hora, se
você permitir, ela vai lhe alcançar, você ainda vai conseguir sorrir, pode acreditar.
Se você deixar ela vai lhe abraçar, lhe envolver, lhe regenerar. Faz muito tempo que as
pessoas se agrupam no dia de hoje. Essas práticas desenvolveram em nós sentimentos. Assim,
como tudo parece que tá agora, isso não é mais apenas saudade. Saudade, que já é distante de
nostalgia, ainda vai mais além exigindo de nós deslocamentos. Se estamos inviabilizados em
corpos, nos unamos em espírito. Para dentro é que devemos ir.
Lá dentro de nós é onde tudo está. Busquei também essa madrugada, meditei
profundamente e vi. Vi o rosto da existência. Nesse lugar, todos estão juntos, felizes e sem
pisoteio. Lá não há nada que nos remeta a sofrimentos. É o que mais se aproxima de uma ideia
de infância, quando tudo está certo pois a mãe está por perto.
A mãe está sempre por perto e feliz. Amamos nossas mães? Então, não devemos lhes
ver tristes, devemos sorrir para elas. Mães adoram sorrisos e não há nenhuma cria feia, pois,
mãe é mãe, acha tudo lindo, então beleza és. Para que haja grandes festas deve haver preparação.
Alguns sempre tratam das provisões, não é? Então sorria, sorria, sorria, o sonho é nosso, disso
temos vastas plantações.

9
JAIDER ESBELL

Parmênio Citó

J az no
A mor
I nfinito, na busca e
D edicação por uma nova
E ducação pela arte como
R/E s/xistência

E ncantado,
S egue seu caminho na
B eleza e
E legância da força da
L uta pela coletividade e pela
L iberdade

Artista: Anakok
Taurepang
Obra: Jaider Esbell
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O BEIJO E A FLOR

Ávilo Esbell

Ele era o amor, sim. Conquistou a paz e a dignidade e era simples seu caráter. Era lindo
seu sorriso e eu lembro em meio a milhares. Tudo o que falava era simples e obedecido naquela
fala singela de amor. E sempre foi assim. Onde ele falava, todos obedeciam e ficavam atônitos,
pois se a mãe não estivesse, ele liderava. Ele falou, mas ninguém obedeceu. Aquela fala era de
ordem, mas ninguém ouviu.
As serras param seus ventos. Os campos eram o seu caminho. Sem limite no rosto do
menino que, ali sentado, tomava todos os ventos em seu rosto. Ele estava ali parado na porteira
perto do igarapé e via a atitude da natureza indo e vindo em um vento forte e que lhe pedia
permissão pra ir mais além. Mas ele, com os braços abertos, deixou-se seguir em frente,
abundantemente, com seu vento, seguir rumo às serras. Ele, o vento, teve permissão e passou
forte naquela região. Mas ele voltou e viu coisas boas.
Andou, andou e andou mais ainda aquele beija-flor. Não era um simples pássaro. Ele era
e é um símbolo de paz, amor, esperança, amizade e tudo de bom. E ele traz, a todos nós, a
esperança de que tudo vai dar certo, mesmo ele estando longe. Essa é a única resposta que sei
e prova que ele está no nosso meio. Fora isso, não tem outra resposta, porque vejo... meu mano
está ali.

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JAIDER E NÓS

Família Roque dos Anjos ∗

Tínhamos um convívio e uma amizade que se originou na mais tenra idade de alguns
membros da família. Vivíamos e convivíamos no seio do que amávamos, a simplicidade e o
amor pela natureza. Anualmente, tínhamos uma data em que nos reuníamos no Sítio Vila Rosa,
em Normandia: 1º de janeiro, aniversário do patriarca da Família Roque dos Anjos, aniversário
do seu Chiquinho Paraibano, no qual Jaider Esbell sempre se fazia presente.
Naquela data, especificamente, inteirávamo-nos dos outros acontecimentos do ano,
conversávamos e compartilhávamos o que nos havia acontecido, num contexto que ia além das
prosas, do deitar no embalo das redes e que se transformaram em lindas memórias. Quantos
passeios nos levaram até o pedral do Rio Maú! Quantos momentos juntos se iniciaram num
cafezinho despretensioso! Enfim, foram tantos momentos juntos que se fizeram únicos, o bem
querer sempre se fez presente entre todos nós.
Papai e mamãe o tinham como filho, assim como muitos outros agregados que hoje são
filhos do coração. Sempre que Jaider estava presente, nossas conversas eternizavam memórias.
Lembro que, em janeiro de 2020, você esteve conosco no último aniversário em vida do Seu
Chiquinho (Foto 04); tomamos aquele cafezinho na xícara de esmalte e registramos o exato
momento (Foto 06). Até parecia que vocês sabiam dos eventos futuros: o patriarca
contemplando o céu e você contemplando o nosso pai.
Conosco você sempre teve espaço para falar de seus projetos, livros, filmes, exposições,
da sua viagem ao Vaticano, da arte que fazia parte da sua vida, da visibilidade, da cultura e da
arte indígena, das oportunidades que estavam sendo criadas...enfim, de tantas outras coisas que,
em nossa última conversa, não conseguimos finalizá-la, pois tive que retornar para Boa Vista
enquanto você permanecera no sítio.
Lembro ainda do dia em que você fez pinturas corporais (Foto 03). Esse registro foi de
uma outra vez que esteve conosco, quando se sentou no banco do Seu Chico, embaixo da
mangueira, pegou a tinta de jenipapo e com um pincel começou a fazer sua arte no corpo dos
que lá estavam. Os mais jovens fizeram fila para serem contemplados com sua arte in natura.
Guardamos todos esses e outros dias vívidos em nossas memórias.
As memórias que criamos são tão presentes, construtivas, positivas e saudosas. Temos
5 obras de arte emblemáticas produzidas por você para a Família: a tela “Seu Chico e os Feijões”
(Foto 01), coleção 2012; uma camiseta com um “Muirakitã” (Foto 04), arrematada em um leilão
que fizemos no sítio em 2020; a tela “Kanaimé” (Foto 07), coleção 2016; a tela “Mulher na
roça” (Foto 08), coleção 2011; e a maior delas, SUA AMIZADE, essa, sem dúvida, de valor
eterno (Foto 02).

* Texto produzido por Roseane Roque dos Anjos em nome da Família Roque dos Anjos.
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Para nós, você era Jaider, somente Jaider, amigo, irmão e filho.
Sua partida doeu muito, assim como doeu a passagem do Seu Chiquinho Paraibano.
Entendemos que essas passagens, por mais que dolorosa em nossas vidas, engrandecem-nos
como seres viventes, que neste plano amam a simplicidade, a natureza, respeitando-a e nos
respeitando enquanto seres.
Obrigada por ter partilhado e compartilhado conosco todos esses momentos juntos,
que são inúmeros e eternos!

Foto 01: Acervo da Família Roque dos Anjos Foto 02: Acervo da Família Roque dos Anjos
Da esquerda para a direita: Jaider Esbell, Rozinete, Da esquerda para a direita: Íris, Roseane, Jaider Esbell,
D. Caboquinha e Chiquinho Paraibano Rozinete, Chiquinho Paraibano e Irene

Foto 03: Acervo da Família Roque dos Anjos Foto 04: Acervo da Família Roque dos Anjos
Fernanda e Jaider Esbell Da esquerda para a direita: Roseane, Jaider Esbell e Rozinete

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Foto 05: Acervo da Família Roque dos Anjos
Da esquerda para a direita: Jaider Esbell, Isadora, D. Caboquinha, Foto 06: Acervo da Família Roque dos Anjos
D. Eusébia e Gabriellen Chiquinho Paraibano e Jaider Esbell

Foto 07: Acervo da Família Roque dos Anjos Foto 08: Acervo da Família Roque dos Anjos
Tela “Mulher na roça” Tela “Kanaimé”

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FALAR DE JAIDER

Lenice Raposo

É uma honra falar de quem foi Jaider Esbell aqui nesta terra.
Foi, em primeiro lugar, meu querido amigo, um grande artista, incentivador da arte
indígena, nos impulsionava a mostrar nosso talento, ajudava no que era preciso para nos
tornarmos empoderados e, muitas vezes, comprava as minhas cuias artísticas para promover o
meu trabalho em sua galeria.
Jaider me ajudou muito com suas palavras incentivadoras; era um homem educado e
respeitava todos ao seu redor; e ainda tinha sonhos a realizar. Era um grande amigo, que faz
muita falta aqui, um ser humano incrível que nos deixou muitas saudades e a quem sou
eternamente grata por tudo o que fez e por tudo o que foi. Sempre o amarei.

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NETO DE MAKUNAIMA

Luiza Prado de O. Martins

Deitada, olho para cima.


A falta às vezes é como um daqueles pontos escuros no céu, onde a gente não sabe se
tem uma nuvem cobrindo as estrelas ou se, tão longe daqui, um buraco negro suga toda a luz
para dentro de si; um portal para os mistérios do universo.
Jaider, aqui o céu é tão diferente do de Roraima. Me sinto em um mundo de ponta-
cabeça onde o alarme de um carro ecoa ao longe, solitário. Meu ouvido procura o coral de
parentes que nos acordava e entoava nosso sono todos os dias no abraço carinhoso das redes:
o canto dos pássaros, o zumbir dos insetos, o murmurar das folhas ao vento.
Quando nos conhecemos, um buraco estava se abrindo no meu peito. Caí assim, meio
de para-quedas nos braços gentis seus e de todos que você cultivou ao seu redor. A sua
generosidade abriu universos, criou caminhos, mobilizou redes. A minha memória me leva de
volta àqueles dias.
Lembro de uma cena: Paula e eu preparando tapiocas para o café da manhã na sua casa.
Algumas recheamos com queijo, outras com bananas fatiadas, outras banhamos com manteiga.
Minha pele fica pegajosa, minhas mãos desajeitadas. Naquele momento, a dor preenchia cada
dobra do meu corpo e se derramava no ar, pesada com o cheiro da chuva que chegava. O coro
de cigarras para abruptamente. Uma manga cai da árvore, se espatifa com violência no solo
macio.
Deixe os anos se desvanecerem. Deixe as águas romperem. Deixe-me ficar aqui,
dormindo com fantasmas debaixo de uma árvore tão velha quanto o tempo.
Não me acorde.
Lembro da primeira luz da manhã iluminando a galeria, onde dormimos entre as suas
obras. Quatro redes, quatro corpos, intimidade se desdobrando através da vida compartilhada.
Acordamos, varremos o chão, dobramos as redes, arrumamos a exibição. Vó Bernaldina canta
enquanto preparamos a damurida. Uma paisagem: pimentas, folhas e peixes nadando no caldo
de tucupi. Vó Bernaldina me conta que aprendeu a receita com sua mãe e avó; um prato Makuxi,
cozido em panelas de barro feitas com a terra do lavrado; uma lembrança da generosidade do
Monte Roraima.
Esta panela de damurida vai alimentar todos aqueles que entram aqui hoje para ver,
mobilizar, conversar, aprender. Os grãos da farinha absorvem o caldo; ao mesmo tempo
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crocantes e suculentos na boca, eles são um alívio do calor da tarde. Amanhã, Raquel e eu
vamos aumentar o que sobrar da damurida, transformar os restos em outra coisa, sua
generosidade sempre permitindo que mais uma história seja contada antes do fim do mundo.
Lembro de quatro corpos dormindo no mesmo quarto, suspensos em redes caindo pelo
cosmo. Nós comemos desta terra, nos curamos com esta terra, dormimos envoltos por esta
terra. Será que esta dor também revestia a sua língua? Será que as cinzas que caíam do céu
também enchiam a sua boca? Será que você trilhava este caminho vermelho sob a chuva negra
comigo? E quando chegar a hora, seremos capazes de levantar nossos braços e segurar o céu?
À noite nos sentávamos do lado de fora, espantando os mosquitos, bebendo caxiri. Um
dia, enquanto preparávamos o almoço, um rombo estrondoso ecoou pelo seu quintal. Quando
os cães começaram a latir, corremos para fora a tempo de ver a grande mangueira
desmoronando sobre a parede externa. Os cupins estavam comendo a madeira há meses, mas
a morte chegou trazida por nuvens cheias de água. Me perguntei onde nossos fantasmas iriam
dormir agora.
Lembro das águas do igarapé correndo claras na floresta densa. Em silêncio, com
reverência, deixamos nossas roupas à sua margem e entramos lentamente. Nossos corpos são
tão flexíveis contra a força suave da correnteza. Deixando todo o peso para trás, eu me lembro:
não consigo abrir meus olhos. A imensidão desta dor é a imensidão do amor que a envolve.
Deixe que os anos se desvaneçam. Que estas águas sagradas encham nossos pulmões
até que aprendamos a respirar através delas, que encham nossas bocas até que aprendamos a
saboreá-las, que encham nossos ouvidos até que aprendamos a ouvi-las. Que estas águas entrem
em mim, encham-me com a dor das palavras e dos mundos. Que estas águas me ensinem a dar
à luz o sol, que me ensinem a nunca ter medo de que ele desapareça. Que estas águas me
ensinem a dar à luz o sol, que me ensinem a nunca ter medo de que ele não volte. Que estas
águas me ensinem a dar à luz o sol, que me ensinem a nunca ter medo de que ele não seja
ouvido, nem acolhido. Deixe-me afogar aqui, deixem-me morrer aqui, entre deuses cujos
nomes desconheço, mas que aprenderei a amar e celebrar. Deixe-me tocar o mundo novamente
pela primeira vez entre estas raízes emaranhadas.
Lembro da gente se pintando com jenipapo. A tinta mostra cada pequeno corte,
arranhão e cicatriz; histórias antigas e recentes em um caótico emaranhado de linhas.
Vidas suspensas, histórias encantadas.

17
O NETO DE MAKUNAIMA

Denilson Baniwa

Normandia sopra o vento que sobe às Casas Ancestrais


Que de vez em quando desce e se transforma em brisa
E rapidamente ascende makunaimando
Fazendo dançar as folhas dos jenipapos e buritis
Antas, pacas, tamanduás e cotias param e olham para o céu
Transformando-se em pajés pelas canções de juritis
Em companhia de pássaros coloridos que tocados pela vibração
Voam alto carregados pelas correntes desse vento

Vento que continua e movimenta coisas por onde passa


Faz redemoinho de poeira e folhas secas no chão
Vai até o Uraricoera e faz banzeiro perto da praia
E assusta garças distraídas na beirada da areia
Segue pelas ondas até o porto da Marina Meu Caso
Onde beija uma matrinxã com jiquitaia

Em despedida de Boa Vista


O vento sobe e olha do alto
Manaus, Oiapoque, Belém, Brasília
Rio de Janeiro, São Paulo
Deixando por onde passa lembranças
Vento da mudança, da inquietude
Vento de uma cosmo-transformação

Por vezes com perfume de tabaco e rapé


Ou sabores de pequenas doses de miração

Vento que pisa no chão e deixa marcas das andanças


Como onça que deixa o aviso marcado em pegadas
Passos de um gigante em plenitude

Vento que promove encontros entre rio e mar


Que provoca grandes revoluções-pororocas
Que agita as margens e as revolve até mudar a paisagem
Que pela força interna explode em outros mundos-artes

18
Vento Makunaima que chega ao sul ou sudeste
E segue aos mundos das cartas geográficas
Causando furacões se alguém o tenta segurar
Ou ajudando o pescador a conseguir seu sustento se este o abraçar
Vento que não se comporta em paredes fechadas

Que é livre e vivo!


Vivo e livre!

Vento que nasceu em Normandia


E que Makunaimando pelo mundo
Se transforma em xamã-artista
Transformando, transmutando
Subindo em cantos de passarinhos
Beijando o Cosmo infinito
De estrelas, céu e galáxias
Da nossa Via-Láctea ancestral

19
NETOS DE MAKUNAIMÎ:
NOSSO AVÔ EM NÓS

Gustavo Caboco

Nossa família é grande. Estou falando dos netos e netas diretos de nosso avô
Makunaimî. Nossa família caminha como uma bananeira. Nossa origem, a grande árvore
Tamoromu é, e foi, similar a uma bananeira. Bananeiras andam de fato em família: neta, filha,
avó e em alguns momentos, netas são transplantadas, ou seja, são cortadas e retiradas de suas
avós. Makunaimî, o Avô, cortou esta árvore e este gesto, este que derrubou a árvore, gerou uma
pororoca que cria mundos, estes que habitamos, cheio de mudas que se multiplicam e dão
continuidade à nossa história em outros terreiros. Assim se faz nossa extensão.
“Makunaima como disse dispensa uma forma, um gênero, uma gênese. É um estado de energia que se
cria e recria em si mesmo como uma bananeira que não precisa de par.” 1
Em meio às transformações propostas por nosso avô, o cenário da crise ambiental,
emocional, espiritual, colonial ou qualquer outro "all" nos convoca a nos posicionarmos
coletivamente. A contar, através da arte e de nossas ações de luta que o nosso avô se move de
modo múltiplo, transfronteiriço, transgeracional e que temos consciência do nosso direito à
anterioridade, ou seja, aquilo que nos é por direito originário: o nosso avô em nós. Para quem
está chegando agora nessa história, nosso avô, chama-se Makunaimî. Para alguns, do povo
Wapichana, aqueles que caminham antenados, chama-se Duid.
Meu desejo, com esse texto, é tecer e comentar alguns pensamentos expressos pelo
artista Jaider Esbell, do povo Makuxi, em seu texto "Makunaima, o meu avô em mim!", e
também trechos que transcrevi da conferência realizada pelo artista no 16º Festival de Verão
da UFMG (2O21), assim como compartilhar experiências da minha própria arte-vida e
trajetória enquanto neto de Makaunaimî, neto de Duid. Quero, nesse primeiro momento, iniciar
com um ensaio conciso e, mais adiante, com mais tempo, quero ampliar este texto. Vivo, neste
fevereiro de 2022, uma série de angústias em torno de alguns ecos e pensamentos nas trocas
que eu tive com Jaider. Sobre a ideia de anterioridade, ele comenta:
“Vamos prestar atenção, abrir a emoção, pois o que virá aqui é muito sério e divertido - denso e leve.
E não somente um exercício artístico para provocar momentânea comoção. Vamos ouvir, sentir, buscar e entender
de que não se trata de poder, mas talvez de justiça. A justiça das coisas justas. Não se trata de desmascarar
ninguém em absoluto ou acusar A ou B de roubo ou vilipêndio. Mas trata-se, antes de tudo, exatamente por
autoridade nata a conquista inegável da anterioridade. De acolher e situar esses frutos dúbios ou duvidosos de
conferir sentido e não ordem na nossa casa que é por extensão a casa de cada um de vocês. O coração do mundo.” 2

1 Trecho da p.14 do texto "Makunaima, meu avô em mim!” escrito por Jaider Esbell em 2018 e publicado na

UFRGS.
2 Link da fala completa do artista Makuxi. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=FYjHj6t6fxw&t=5572s. Último acesso em: 17 mar. 2022.


20
É importante destacar e posicionar que o nosso avô é nosso. Nós, dos povos
conhecidos por habitar e pertencer ao circum-Roraima: povos Wapichana, Macuxi, Ingarikó,
Patamona, Taurepang. O que vejo, no cenário atual, é uma continuidade e perpetuação da
exclusão. Eu mesmo estou sujeito a cometer esse erro ao não mencionar algum povo que tenha
esta relação próxima com o avô Makunaimî, por exemplo. Mas o que quero expressar é que o
mito da modernidade e seus efeitos de apropriação perpetuam os movimentos de apagamento
e o "moderno" continua a observar a ideia de natureza enquanto recurso. A pesquisa, ou os
pesquisadores, continuam também seu processo extrativista, ou seja, não devolvem nada (ou
pouco) aos povos indígenas. O fato é que publicações e debates sobre modernismo só
conseguem olhar para si e alimentar debates em sua própria bolha. Não conseguem ver o
mundo além da bolha da Arte. Por fim, museus reconstroem suas narrativas a partir de um
suposto protagonismo indígena e "co-autorias". A exclusão é inevitável quando a informação
não é acessível. Mas como atravessar esses entraves e entre mundos? Atravessar esse campo
em chamas e as ideias de acusação/roubo/apropriações? Como caminhar em direção a este
coração do mundo?
Nós, quando afirmamos "família Wapichana" para posicionar nosso lugar de netos e
netas de Makunaimî, por exemplo, não buscamos uma ideia de generalização ou dar conta de
uma representação de nosso povo de modo singular. Não buscamos "unificar", falar pelo outro,
pois nossas vozes e visões são múltiplas e quem nos une é de fato o nosso avô. Cada família
tem a sua narrativa de sobrevivência em meio à colonialidade. Somos frutos desse meio, mas
quero ouvir e contribuir para esta multiplicidade através da minha singularidade - uma
caminhada que podemos olhar na ideia do eu-povo. Não podemos acreditar no mito de que
uma pessoa ou apenas uma família representa um povo - isto seria crer numa ideia
monocultural. Mas a ideia de famílias, no plural, é o que nos forma. Por experiência, quando
expressamos algo no singular, habitamos a armadilha da exclusão. Mas penso que ao afirmar
"O meu avô em mim", esta produção textual do Jaider propõe algo diferente.
Apesar da singularidade na formulação, acredito que o artista Makuxi, nesta necessidade
e urgência em expressar-se num lugar autoral artístico, em assinar um texto em primeira pessoa,
em lançar-se artista enquanto uma estratégia de visibilidade e contribuição ao movimento
indígena, aos movimentos de base, busca, através das singularidades, quebrar o próprio mito
da unidade ou da dualidade para convidar os netos e netas de Makunaimî a reconfigurar uma
ideia de auto-estima e multiplicidade. O convite a tomar para si aquilo que é nosso.
“Algo que constitui a minha vida desde criança, ao perceber logo cedo que Makunaimî era meu avô e
esta, por forças outras, está afastado de nós, mas muito presente.”
Se roubaram algo, foi a nossa dignidade, saúde mental, autoestima e terras, mas nosso
avô continua aqui com a gente. Os debates sobre modernismo apenas nos afastam e nos
colocam distante de nossa cultura - não quero alimentar estas discussões, este afastamento. Mas
um dos debates do momento é aproximar-se de referências indígenas e de suas cosmovisões
para poder construir uma crítica ou entender e ler melhor as obras dos artistas indígenas.
É que do mesmo modo que Koch-Grünberg ou Mário de Andrade fizeram, a
intelectualidade brasileira e sua indústria cultural, assim como o mercado da arte, continuam
uma busca em raptar o nosso avô e o nosso protagonismo através dos debates sobre este
21
modernismo, sobre Mário e trupe, sobre os filmes ou peças de teatro de Macunaíma. Aquilo
que chamam de "fortuna crítica". Mas a repetição da colonialidade se atualizou. Agora nos
convidam a compor estes projetos, mas a história continua sendo "deles". E fica o quê para
nós? A fome? O peixe com mercúrio? Um ator não-indígena que representa um papel indígena
mas somos "colaboradores"? Um papagaio que conta a mesma história esquece de onde vem.
Currrupá! Currrupá! Currrupá!
"Acontece que Makunaima expôs-se em Makunaíma para ser parte da cultura disponível".
Tratando-se de nosso avô Makunaimî, Jaider já nos localizou no debate em três tempos:
Macunaíma [a apropriação], Makunáima [a versão "aportuguesada"] e Makunaimî [o originário].
Há um campo vasto da memória Duid-Makunaimî.
Para nós, este é o mesmo ser que Mário de Andrade levou à capa de seu livro sim.
Quando percebemos nosso avô na capa do livro do Mário, ele, o próprio Makunaimî, busca
retransfigurar este "herói sem nenhum caráter" em avô.
Nosso avô pulou na capa do livro do Mario, mas pulou também na pesquisa publicada
por Grünberg em "Do Roraima ao Orinoco", pulou pra dentro da caderneta de campo dele
também. Pulou dentro da caneta e do lápis do pesquisador, adentrou o campo invisível das
traduções: do Taurepang [na voz de Akuli-pa], ao Wapichana [com o tradutor Romeu], ao
Português-Alemão [pontes acadêmicas] e depois ao leitor Mário, que lê a pesquisa de Grünberg
em alemão e depois leva ao português novamente em forma de literatura. Ufa. Respirar este
exercício da memória-viva de nosso avô me revela a profundidade de duas situações: a primeira
é que nosso avô botou os brancos para trabalhar por pelo menos 100 anos. A segunda é lembrar
aquilo que o Jaider fala sobre nosso Makunaimî: que ele é um artista da transformação.
Nosso avô pode até virar filme, peça de teatro, homenageado, relembrado, estudado,
mas esquecem a sua origem. Lembrar a sua origem não é apenas referenciá-lo. É perceber sua
presença, seus movimentos, suas manifestações. Lembrem-se: nosso avô é artista da
transformação. E não estamos falando da Arte [apenas]; estamos, também, falando dos ecos e
dos sistemas e de como este ser, a TERRA, está em transformação.
Foram dessas perturbações no ecossistema que os peixes pegaram tintas e tecidos,
pintaram e levantaram suas bandeiras, algumas plantas que vivem na região das serras, enviaram
os seus cantos através do sereno pela manhã, os sapos alarmaram alto, pássaros trouxeram o
recado vários dias, meses, anos antes dos incidentes junto das cigarras que insistiam em decretar
o fim de tudo isso. É que nem o rádio e a TV, nem as ondas sonoras, nem o repórter estavam
preparados para receber tais avisos de mais este fim de mundo. O papagaio insistiu em repetir
o que o repórter disse nas telas. O distanciamento. Mesmo depois que a mídia anunciar o "maior
desastre ambiental", o susto [que é experienciado do sofá da sala ou da tela do computador]
logo perde o caráter de susto. Logo se instala novos enunciados de catástrofes ou alegrias nas
telinhas. Nosso avô, que já assistiu esta história desde o momento do corte da grande árvore,
avisou e avistou que na própria árvore havia mercúrio também, mas que este tem o seu lugar e
função no mundo. O abuso de químicos nos rios, montanhas e floresta traria a morte coletiva.
É que tem uma história que teima em se repetir e papagaiar.
"Que é Macunaíma? Seria um fruto de uma grande árvore?”
22
TXAÍSMOS E OUTROS FEITIÇOS PARA ABRIR O
CADERNO DE CAMPO DE KOCH-GRÜNBERG

Gustavo Caboco

Quero relatar aqui um sonho que tive e compartilhei na abertura dos 20 anos do festival
de filme documentário e etnográfico, Fórum.DOC, no dia 18 de novembro de 2021.

"Hoje eu sonhei com o meu irmão


Hoje sonhei com nosso irmão mais velho
Corre tatu!
Wapichana corre com Makuxi
Makuxi corre com Wapichana
Encontros Makuchana
Estado da arte,
nossas sementes vivem
Hoje sonhei com meu irmão

Buscamos em acervos etnográficos e museus


Fotos de nossos parentes do Rio Branco
Do Rio Rupununi
E de toda nossa história colonial
Corre, corre, eles vão te pegar, parente
Me encontrei também com meu parente Aruak
Pudemos presenciar
As filhas encontrando fotos de seus pais
Pudemos presenciar
As filhas encontrando fotos de suas avós
E é isso.

Olha lá, olha lá:

Aquele nosso parente quando era criança!


Me desculpa, meu parente, por ter guerreado no passado,
Me desculpa, meu parente!
Hoje a nossa luta é uma só

23
Então,
Corre, corre, corre, corre, meu parente

Não querem que vejamos estas fotos


As imagens raptadas das nossas avós
Tudo registrado em foto
E quem tava do lado?
O pesquisador com aquele chapéu.
Revelando ser o sequestrador daquela imagem.
Da captura e da ruptura da nossa memória
Quando dizem:
"Foto de índio subindo em árvore". (Isso na legenda)
Mas por que o sorriso no rosto?

E agora, parente
Tranca a porta do museu que eles estão vindo nos pegar
E as fitas VHS e as fitas cassete
Com os rezos do meu parente?
- Bora correr!
Cuida, cuida, cuida, menino!
Mas não me apresse.

Hoje sonhei com meu irmão mais velho


E o campo continua em chamas.”

24
JAIDER VIVE!

Dayana Soares ∗

Jaider vive nos lavrados,


Jaider vive no sopro da Cruviana,
Jaider vive no topo das Serras,
Jaider vive no berço de Makunaima,
Jaider vive na batida das asas dos pássaros,
Jaider vive no rastejo das serpentes,
Jaider vive nas penas do cocar,
Jaider vive no sumo do jenipapo,
Jaider vive no vermelho do urucum,
Jaider vive no sabor da damurida,
Jaider vive no gosto do caxiri,
Jaider vive na roda de parixara,
Jaider vive nas andanças do jamaxim,
Jaider vive na raiz de mandioca,
Jaider vive no rasgo da flecha,
Jaider vive na fumaça da defumação,
Jaider vive no balanço das águas,
Jaider vive no urro da onça,
Jaider vive no som da mata,
Jaider vive nos traços da tela,
Jaider vive na Arte Indígena Contemporânea,
Jaider vive nos filmes,
Jaider vive nos vídeos,
Jaider vive na poesia,
Jaider vive na literatura,
Jaider vive na cura do Pajé,
Jaider vive no seio da Cultura Indígena,
Jaider vive nos ritos do Xamã,
Jaider está aqui,
Jaider vive em nós!


A autora é Professora do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima – UFRR, Mestre em
Sociedade e Fronteira pelo PPGSOF/UFRR e Doutoranda em Artes pelo Instituto de Artes/UNESP.

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ÀS GERAÇÕES FUTURAS:
O JABUTI VIAJANTE

Roseane Cadete

Jabuti aprendiz:
- Você gosta de ser artista?
Ser artista pra mim é tudo que tenho na vida.
- Sua arte é linda!
Você gosta?
- Amo!
- O que você gosta de fazer?
Acordar bem cedo pra ver o sol nascer, o pôr do sol, a lua, o céu com as estrelas, o céu
com a lua cheia. Gosto de rios e várias outras coisas.
- Eu amo ser isso.
- O que você desenha?
Desenho várias coisas. Faço livros, filmes, performances com o corpo, movimento,
voz, objetos...faço arte além dos desenhos.
- Você ama fazer tudo que gosta?
Eu tenho a sorte de ter o melhor trabalho do mundo!
- Ser artista?
Ser artista e poder, além do meu prazer pessoal, proporcionar sonhos e esperanças.
- Todas essas obras que você faz são muito importantes!
Aqui é uma galeria de artes. Um lugar de encontro de pessoas. Encontro de histórias de
vida, de memórias. Aqui é uma sala de aula ou uma casa grande que acolhe muitos espíritos,
seres invisíveis; que acolhe sensações ou histórias que as obras podem dizer.
-Você gosta de pintar o corpo?
É necessário pintar, principalmente com jenipapo. Pode ser o bravo ou o manso, que
nossos ancestrais trabalharam e hoje nós comemos ou fazemos suco ou quando ralado
tomamos como remédio acompanhado de um pajé. Os mestres da nossa cultura aplicavam no
corpo para ocasiões especiais. Para lutar, para se defender e defender nossa vida nas batalhas

26
com outros povos. Uso o jenipapo como uma linguagem de respeito. Não chegue perto. Hoje
posso te atacar.
- Como se chama isso?
Escada de jabuti. A história de nossos antepassados diz que o jabuti não tinha asas e,
mesmo assim, ele deu um jeito de ir para o céu. Então, ele pediu à natureza e ela deu a ele um
cipó. Este cipó é a escada do jabuti, que ele vai subindo até passar da grande árvore e das
nuvens, até chegar no céu. Ele resolve as coisas dele por lá e volta pela escada. Ela representa
também as pinturas corporais e representa a sabedoria, a paciência, a calma do jabuti e a
capacidade de ser um bom viajante. Porque, assim como ele leva tudo nas costas, quando é
necessário descansar, se encolhe e descansa para depois seguir. Eu me acho muito parecido
com o jabuti em alguns momentos. Eu sou um jabuti viajante!
- Aquele desenho é especial pra você?
Desde mais novo que você, eu ouvi de meu avô a história de Wazaka’ye. Eu só tinha
seis anos. Eu comecei com isso, mas não sabia o que era a arte. Então comecei a desenhar tudo
o que via pela frente, o que vinha na cabeça. Fui crescendo e me tornei um homem adulto. Em
2011, comecei a desenhar de forma profissional. Parei de jogar os desenhos que fazia e comecei
a desenhar e guardá-los. Um dos meus primeiros trabalhos foi essa tela do Kanaimé. Por isso
ela é especial. Essa obra vai ser apresentada na Bienal de São Paulo no próximo ano. Essa bienal
é uma das maiores reuniões de artistas do mundo, que acontece a cada 2 anos, onde vários
artistas sonham em expor seus trabalhos. E este ano, o “Tio Jaider” foi convidado. E isso foi
muito bom, porque assim posso mostrar os trabalhos de vários artistas por meio de várias
conversas. Por isso esse desenho é especial.
- E essa árvore da vida? O que ela representa?
Esta obra é a grande árvore da vida, Wazaka’ye. Bem alta. Onde têm muitas flores e
muitos frutos. Muitos animais conseguem pegar, outros não. Depois, passa o tempo e esses
animais acabam ficando com muita fome e sede, porque fizeram alguma coisa que a árvore
parou de dar frutos. Então chega o vovô Makunaima com seus filhos e corta essa árvore para
reconstruir o mundo. Depois que ele corta a árvore, as pessoas se alimentam bastante. Porque
antes, quando nossos ancestrais iam buscar comida, eles eram atacados por cobras e animais
ferozes. Este Makunaima, que é um grande criador, que cortou a árvore com Insikiran e Anikê
para que todos tivessem o direito de colher o seu próprio alimento. Depois a árvore cresceu de
novo e vieram outras histórias. Mas essa é maravilhosa!
- E isso foi você que fez?
Essa tela é o vovô Makunaima. Aqui ao lado o beija flor, nosso pajé também.
- E esta arte linda?
Esta representa três figuras da nossa história. Makunaima, Insikiran e Anikê são nossas
representações. Nós nunca vimos o rosto deles assim como você vê o meu, mas usamos a nossa
imaginação. Então, eles podem ser o que você quiser que sejam. Essa outra representa o
kanaimé com pele de onça e tamanduá, porque ele representa poder e força. Tudo são
representações.
27
- Você gosta de fazer arte pelo mundo?
Nosso vovô Makunaíma era um grande viajante. Viajava a vários lugares...no universo,
subia na lua, ia até o sol. Nós somos netos desse viajante e eu gosto muito de viajar, levar para
o mundo a nossa arte, nossa cultura, viajamos felizes levando o melhor que a gente faz. É nossa
riqueza, que devemos partilhar com as pessoas pra não acumular tristeza nem sabedoria, nem
dinheiro e nem felicidade, porque se estamos felizes, só vamos ficar mais felizes se
multiplicarmos com outras pessoas...partilhar conhecimentos, partilhar damurida, tocar flauta,
ouvir o som da flauta. Encontramos na arte outro tipo de amor, através da sabedoria, das
memórias, das histórias que estão vivas e presentes.
- Huuuum, agora entendi!!!!
Estou muito feliz por tudo que estou vendo e sentindo. Logo vamos fazer uma
damurida e continuar o trabalho, que agora você está começando a entender. Quero que seja
meu professor também. Você está no caminho certo, no caminho certíssimo. Escute as vovós
e pratique os ensinamentos delas. Quando a gente decide ouvir, as folhas cantam, tudo se move.
Nosso corpo é voz forte, não há quem resista aos filhos da terra. Continue ouvindo e
praticando.

Já dizia Jaider Esbell às gerações futuras...o jabuti viajante que agora encanta encantado
encantando.

Desenho de Emannuel Wapixana

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JAIDER ESBELL

Barbara Crane Navarro

Para aqueles de nós que permanecem nesta terra, lamentar a perda dos espíritos-guia de
Jaider Esbell e Ko'ko Bernaldina é apenas uma parte de nossa jornada.
A outra parte de nossa jornada é caminhar pela Terra com o conhecimento em nossos
corações de que tudo é sagrado.
Nosso trabalho é cuidar e proteger a Terra enquanto vivemos e criamos no brilho de
sua presença eterna. O exemplo de suas vidas nos inspira a continuar engajados na luta contra
a injustiça, que lutamos com eles, onde quer que estejamos no mundo.
Eles nos lembram que essa responsabilidade pela Vida é, de fato, maior - muito maior
- do que qualquer outra coisa.
Eles nos lembram que nossa determinação de emergir como centelhas, acesas por sua
chama eterna, deve permanecer dedicada à causa da vida no planeta e de todos os seres que o
habitam.
Eles nos lembram que a Terra nos chama em sua defesa e que criar é resistir!
Que brilhem para sempre.

Artista: Barbara Crane Navarro.


Obra: Santuário na floresta
segurando sua chama sagrada
29
JAIDER ESBELL:
ESPECIALISTA EM PROVOCAÇÕES

Loretta Emiri

Os artistas indígenas de Roraima lutam pelos direitos de seus povos, por isso se
autodenominam Artivistas. Deles recebi convite para escrever um texto a ser incluído em e-
book pensado para homenagear Jaider Esbell e Vovó Bernaldina. O convite lisonjeou-me e
preocupou-me ao mesmo tempo, porque o ato de transformar palavras, sentimentos,
acontecimentos em texto escrito sempre acarreta um complicado, às vezes dolorido, trabalho
interior.
Morei muitos anos em Roraima, sempre operando com os indígenas ou a favor deles.
Faço viagens diárias pela internet para me manter ligada a esta região, para valorizar e divulgar
as conquistas dos parentes indígenas, para sensibilizar a opinião pública sobre os direitos
territoriais e culturais das etnias brasileiras. Certo dia, me deparei com as criações de Jaider
Esbell, que achei intrigantes, fascinantes.
Em 2016, pela primeira vez, três indígenas participaram do Prêmio Pipa, na categoria
online. O vencedor desta modalidade é definido pelo número de votos recebidos em sua página
no website do Prêmio, sendo que o objetivo da iniciativa é divulgar os sujeitos indicados e a
arte contemporânea brasileira através da internet. Os indígenas e seus aliados desencadearam
uma campanha em favor dos três artistas e eu fiz minha parte. Dos sessenta e três participantes
da primeira fase, apenas dez conquistaram mais de quinhentos votos e passaram para a segunda
fase; dentre eles estavam os três indígenas. Jaider Esbell acabou sendo o vencedor, Arissana
Pataxó a segunda colocada, Isaías Sales é o terceiro artista do grupo. Na ocasião, Jaider
manifestou sua satisfação em relação à disseminação popular de sua obra podendo assim
alcançar um maior número de pessoas a quem apresentar a realidade e a cultura Macuxi. Ainda
em 2016, o Jaider pediu minha amizade no Facebook de modo que, apesar da distância
geográfica, tivemos a oportunidade de dialogar e interagir. Durante uma estadia em Roraima,
em dezembro de 2018, o conheci pessoalmente quando, junto a um colega Macuxi, me
entrevistou para uma rádio local.
A aparição do Jaider no cenário do ativismo, realizado através da arte, remonta ao ano
de 2011. Ele convidou Carmézia Emiliano, Bartô, Amazoner Arawak, Luiz Matheus, Diogo
Lima, Isaias Miliano e Mário Flores Taurepang a se debruçarem em torno das sensações que
podem ter tidos os nativos de Roraima quando tiveram o primeiro contato com as vacas
introduzidas em suas terras pelos invasores brancos. Reunindo dezesseis obras, nove das quais
do próprio Jaider, a coleção, intitulada “Vacas na terra de Makunaimî: De malditas a desejadas”,
tornou-se um marco na história da arte indígena contemporânea em Roraima. As participações
30
do Jaider em exposições e eventos dos mais variados foram se intensificando pelo Brasil afora,
sendo que nunca deixava de convidar outros artistas a participarem das atividades por ele
organizadas.
A partir de 2013, Jaider Esbell começou a percorrer museus europeus, preconizando o
resgate das motivações fundantes da arte indígena. Em 2019, ao lado de Daiara Tukano e
Fernanda Kaingang, participou de diversas mostras internacionais em dez países, passando a
elaborar conceitos que englobam a revisão crítica dos sistemas artísticos hegemônicos europeus
e a elaboração de estratégias que libertem a arte contemporânea das interferências da
colonização. Em suas andanças, atuando de forma múltipla e interdisciplinar, desempenhando
várias funções, Jaider realizava também rituais e ousadas performances, tanto no país quanto
no exterior. Com seu estilo histriônico e provocatório, nem todo mundo se sentiu à vontade
com ele ou entendeu direito seu recado. Porém sua obra, seus vídeos, suas palavras, sua febril
e incansável atividade chamaram a atenção da opinião pública sobre a dramática situação das
etnias brasileiras e abriram caminhos para outros artistas indígenas.
De 4 de setembro a 5 de dezembro de 2021, ocorreu a 34ª Bienal de São Paulo. No
mesmo ano, ali do lado, de 4 de setembro a 28 de novembro, o MAM – Museu de Arte Moderna
hospedou a exposição coletiva “Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea”. Curada por
Jaider, a exposição reuniu as obras de trinta e quatro artistas indígenas. Feito uma bomba, no
dia 2 de novembro explodiu a notícia da inexplicável, prematura morte do artista Macuxi.
Praticamente, é no seu pensamento e articulação que se assenta a história da bienal e da
exposição coletiva. Jacopo Crivelli Visconti, curador geral da Bienal declarou: “Jaider Esbell era
alguém generoso e comprometido, com uma capacidade impressionante de estabelecer vínculos
e estimular encontros entre diferentes pessoas, comunidades e saberes. Sua falta será
intensamente sentida. Inseparável de sua brilhante produção artística, ele deixa um legado de
luta pelo reconhecimento do valor das culturas e da vida dos povos originários, que não pode
arrefecer.”
Em outubro de 2021, o Centre Georges Pompidou, o Beaubourg, tinha anunciado a
aquisição de duas obras de Jaider Esbell: Carta ao Velho Mundo (2018-2019) e Na Terra Sem Males
(2021). A curadoria da 59ª Bienal de Veneza selecionou o artista macuxi para inteirar a
Exposição Internacional de Arte intitulada “O leite dos sonhos”, que poderá ser visitada de 23
de abril a 27 de novembro de 2022. Tenho certeza que o espírito do Jaider chegará em Veneza
para aqui também provocar, turbar os ânimos de organizadores e visitantes da exposição.
Enquanto escrevo, estão pipocando as celebrações para os cem anos da Semana de Arte
Moderna, que aconteceu entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922 em São Paulo. O evento foi
o marco simbólico do Modernismo, movimento no qual destacaram-se pintores que tinham
estado na Europa e tinham trazido influências da arte que lá se fazia. A antropofagia, quer dizer
a prática do canibalismo, era uma obsessão da vanguarda parisiense da década de 1920;
portanto, o Modernismo pregava que a cultura brasileira ressurgisse da “digestão” das
influências externas. O escritor Oswald de Andrade mostrou ao poeta Raul Bopp um quadro
feito por sua mulher; na figura enigmática pintada por Tarsila do Amaral, os dois enxergaram
um índio canibal, um homem antropófago, alguém que iria devorar a cultura para se apossar
dela e reinventá-la. Num dicionário da língua tupi-guarani, Tarsila achou as palavras “aba” e

31
“poru”, que significam “homem que come”. Intitulado Abaporu, o quadro se tornou o mais
icônico da arte brasileira.
Historicamente, a antropofagia também foi utilizada para justificar o extermínio dos
indígenas brasileiros. E o homem branco invadiu territórios, massacrou povos, devorou as
bases da sobrevivência física e cultural dos nativos, comeu florestas, envenenou habitats e rios,
bebeu o sangue dos indígenas assassinados ou mortos por epidemias e privações. Depois de
quinhentos e vinte anos de violências e abusos, no Brasil ainda têm indígenas que teimam em
sobreviver graças à sua formidável resistência.
Eu acredito profundamente que qualquer manifestação de arte é um ato político. Sendo
nossos contemporâneos, hoje em dia os indígenas brasileiros lutam por seus direitos também
através da pintura, escultura, fotografia, literatura, poesia, teatro, canto, dança. Eles estão
alcançando dois resultados ao mesmo tempo: seus esforços se somam à luta pela sobrevivência
física e cultural das etnias às quais pertencem; e estão contribuindo para redefinir a identidade
nacional, pois o Brasil sem os indígenas não existe.
Quero finalizar minha homenagem ao Jaider, reconduzindo a reflexão às vacas das
terras de Makunaimî. Na época em que a Diocese de Roraima implantou o projeto “Uma vaca
para o índio”, o mesmo foi bastante questionado. Achava-se que os indígenas não precisavam
desenvolver atividades econômicas para ver reconhecido e homologado o território que
ocupam histórica e tradicionalmente. Aos poucos, porém, foi justamente através de atividades
até então controladas pelos invasores de suas terras, que os indígenas do lavrado de Roraima
se asseguraram meios de subsistência, bem-estar e autonomia econômica. Em 1922, intelectuais
e artistas pensaram ter digerido as influências externas e ter reinventado a arte brasileira. A
contradição reside no fato de que eles eram influenciados pela vanguarda parisiense; vanguarda
que tinha a obsessão do canibalismo. Em 2022, o espírito do pensador e artista Macuxi Jaider
Esbell está indo para Veneza para dizer ao mundo que a arte brasileira está ressurgindo após
ter sido devorada e reinventada pelos artistas indígenas.

32
JAIDER IMÎ

Ednarde Marques

Jaider é e sempre será referência de algo imenso, grande, intangível ou imî, que é como
os parentes do circum-Roraima qualificam as coisas gigantes. Será sempre necessário certa
abstração para capturar a significação desse ser/entidade/força. Ao observarmos o tamanho
das pegadas, não resta dúvida de que estamos falando de um gigante. Assim como seu avô
Makunaimî, Jaider é a própria imensidão; e, quando se trata de imensidões, faltam caracteres
para enquadrar, descrever, qualificar. Talvez esteja aí mesmo a maior evidência de conexão
direta com o Grande Encantado do Roraima, seu avô: a falta de caracteres que os descrevam.
Conexão maior inclusive do que qualquer laço sanguíneo.
Akuli ao relatar a Grünberg a existência de um ser cosmológico, de grande importância
local, demostrou dificuldade na tentativa de usar palavras que sejam minimamente fiéis ao que
de fato signifique a imensidão desse Ser. Mário de Andrade, ao ler Grünberg, também se
deparou com o mesmo problema ao tentar transformar esse Ser descrito por Akuli em
caricatura folclórica brasileira e, devido a essa falta de palavras que pudessem contemplar o que
de fato era esse ser grandioso, tentou resolver o problema de partida, no título do seu livro
caricato, adiantando que se trata de um herói, ou seja, um ser dotado de poderes, mas também
sem nenhum caráter ou, para mim, características que o definam.
Deparo-me com o mesmo problema ao tentar descrever Jaider. Dada a impossibilidade
dessa definição fidedigna, tento fazê-la ao contrário, mais pelo que não é do que pelo que é.
Macunaíma, assim como seu inspirador Makunaimî, assim como Jaider, não estão sujeitos aos
padrões de moralidade baseados na dualidade mental. Não. Estão além do bem e do mal, do
feio e do belo, do homem e da mulher etc. São seres que transcenderam essa mente comum
que a tudo separa. Nenhuma moral lhes sujeita, são amorais. O tempo não lhes sujeita, são
atemporais. A própria morte não lhes sujeita, são imortais. As palavras também não, são
indescritíveis. É dessa forma, portanto, que referencio meu irmão Jaider na tentativa de
descrever minha relação com ele. A primeira nota quanto a essa amizade é que eu estava diante
de um grande ser, um gigante, sempre que o encontrava. É claro e evidente que estou falando
de uma pessoa também, um ego, com suas preferências e preterências, mas não é isso que quero
ressaltar aqui. Prefiro falar do Jaider Imî.
Conheci o Jaider em meados de 2010 e tive o privilégio de acompanhar o
desenvolvimento do ser artístico, humano e espiritual, como escritor, como artista plástico,
como promotor de cultura, como ativista indígena, como txai. Txai é o nome que os índios da
Amazônia Ocidental dão àqueles que se iniciam no mundo espiritual/xamânico, principalmente
com o uso de plantas de poder. São pessoas que não temem deixar a dualidade, que sabem
navegar no mundo além-mente. Jaider era puro txaísmo. A imersão dele nesse mundo
33
espiritual/ancestral pode ser notada de forma mais intensa nos seus trabalhos após ser
apresentado à Ayahuasca. Consagro essa bebida xamânica e minha admiração por esse amigo
se tornou maior quando soube que ele tinha se introduzido nesse mundo. Várias vezes nos
encontramos aleatoriamente em Boa Vista e sempre ficávamos de combinar uma sessão juntos,
o que infelizmente nunca ocorreu. Mas pude acompanhar a forte influência desse mundo além-
mente em suas obras. De forma cada vez mais intensa, ele tentava transformar o invisível em
signos visíveis, aquilo que faz um verdadeiro poeta. E foi assim, navegando no mundo invisível
que ele estreitou laços com seu avô. Desenvolveu a habilidade de comungar direto com o
próprio Makunaimî e assim definitivamente aprendeu a ser gigante, atemporal, indescritível,
amoral, aprendeu a ser Imî.
Jaider vive!

34
CAUSA E EFEITO

Jaime Brasil

Jaider Esbell foi, como os elementos naturais que nos cercam, causa e efeito. O próprio
movimento. Pedras, capim, caimbés, buritizeiros, Jaider era a descendência humana e social das
forças vivas do Lavrado, da ancestralidade telúrica. Conheci Jaider, ele ainda muito jovem, em
reuniões sociais despretensiosas que em nada indicavam o que estava por vir.
Talvez, apenas Parmênio, seu grande amor, sabia à época do poder revolucionário
represado naquele jovem rapaz. Em um dado momento de sua vida, deu-se o arrebatamento,
como um vendaval incontrolável na Serra do Maruai. A criação fez-se criatura, a criatura fez-se
criador. Carregava em si a aura daqueles que chegam à revelação ao se revelarem, o
convencimento daqueles que se encontram totalmente convencidos de seu caminho e objetivos
e que a todos convencem.
Desde o início de sua ação como transformador da cena cultural roraimense e brasileira,
agiu como poucos artistas agem: pôs a arte como prioridade real, material e espiritual de sua
vida. Mas a arte de Jaider Esbell não era pessoal, intimista, como costumamos ver. Era o
alçamento dos povos indígenas, do povo Macuxi, sobre a ignorância e desprezo de séculos da
chamada arte civilizada, dos cânones mumificados e dos vanguardismos esnobes e vazios.
Jaider se pôs e contrapôs, atrás e adiante de toda a invisibilidade que parecia determinada
a condenar eternamente a arte dos povos indígenas a um segundo plano. Sobre as sombras,
Jaider lançou luz e cores! Artes plásticas, escrita, teatro, em tudo ele foi expressão. Sua mais
importante obra foi revelar ao mundo os espíritos guerreiros e criadores dos povos nascidos
das entranhas da nossa natureza.
A partida de Jaider não nos traz apenas um vazio subjetivo, de sentimentos interiores, de
saudade. A lacuna deixada por Jaider é também, e principalmente, objetiva, política, visual e
tátil. Sua ausência traz alívio aos conservadores de plantão e nos incomoda a todos que
pensamos, sentimos e vivemos as revoluções necessárias de cada segundo neste mundo em
decadência.
A trilha aberta por suas ações deve ser usada pelos que ficaram e dele tiveram o exemplo,
essa sim é a melhor homenagem que se pode oferecer. À sua transcendência presente a nossa
imanência cotidiana! Que Jaider permaneça vivo em nossas insurgências sensoriais, nas nossas
emergências criativas, nas nossas revoluções existenciais. Viva Jaider Esbell!

35
ESBELLISMO, JAIDER, CAETANO, JOÃO, UFBA,
SALVADOR

Jeane Xaud ∗

Para Jaider,

Seria um meio de tarde qualquer, mas era Salvador, Praia do Porto da Barra, e isso,
definitivamente, não é qualquer lugar. Peço uma água de coco e, enquanto me delicio no seu
docinho, escuto a dona da barraca dizer eufórica: “Gente, é Caetano Veloso, olha lá”. Virei-
me, ainda sem acreditar, e lá estava ele, cabelos brancos, corpo esguio, movimentos leves,
shortinho curto, camiseta de malha, todo leãozinho caminhando sob o sol.
Puxei o fôlego, me apressei - não poderia perder um segundo daquela cena. Ele seguia
à minha frente, escada abaixo, e eu logo me encho de uma Alegria Alegria sem precedentes,
pego rapidamente o celular na bolsa e começo a filmar sua chegada real na praia, que, sei bem,
é sua preferida em Salvador.
Me acomodo próxima e, ao meu lado, senta-se uma moça e dois rapazes, que deviam
ter entre 20 e 25 anos. Começamos a compartilhar impressões e dizer do nosso amor e
admiração por Caetano. A garota me incentiva a ir falar com ele, me diz “Oxeeee, mulher, e
será que haverá outra oportunidade de cruzar com ele novamente?”
Isso ecoou forte, nesse momento de vida, depois da morte não anunciada de Jaider,
agora existe em mim a urgência e até a insurgência do hoje, em detrimento do ontem e do
amanhã, e isso me fez levantar. Tirei logo a pulseira feita pelas indígenas Waimiri Atroari, e,
com ela em mãos, abaxei para me dirigir a Caetano, sentado logo ao meu lado, tomando uma
Coca Cola, enquanto eu pensava em casamento rsrs...SQN!!
Me aproximo como a querer tocar um beija-flor, inicio minha fala de amor e reconhecimento,
agradecimentos, digo que estou na Bahia para participar de um evento antiracista da Defensoria
e faço um pedido de atenção para a situação dos indígenas de Roraima, agora atingidos pelo
garimpo clandestino/institucionalizado/transnacional e pela COVID 19. Caetano recebe meu
presente, diz “Nossa, que linda”, sorri e a coloca imediatamente em seu braço, enquanto presta
atenção em minha fala, que apresso para finalizar e me despeço.


Amiga, defensora pública e apoiadora da carreira de Jaider.

36
Quando volto, os amigos e a amiga nova estão com um largo sorriso e me parabenizam
pela coragem e, subitamente, começo a chorar, emocionada.
Rompendo silêncios, João me pergunta o que eu tinha dado de presente para Caetano,
eu respondi “Uma pulseira, um artesanato indígena, artesanato dos Waimiri Atroari e que era
um patuá, uma lembrança constante para mim, sobre a vunerabilidade dos direitos dos povos
indígenas, em especial das meninas e mulheres indígenas”.
João, então, alarga o sorriso e me pergunta sobre a outra pulseira indígena que uso e lhe
respondo que essa muito especial, porque havia ganhado de presente de Jaider Esbell, artista
indígena contemporâneo Macuxi. João, agora com fala intensa, solta um “Oxeeee”, bem da
Bahia, e me conta, animado, que: “Depois de uma palestra na UFBA, me interessei
especialmente pelo Jaider Esbell, pesquisei tudo sobre sua obra, cada uma mais incrível que a
outra! Estudo hoje o ESBELLISMO e não consigo entender por que se suicidou no ápice da
carreira, estando com exposições na Bienal, na Europa, enfim, não entendo”.
Parei no tempo-espaço de um instante e percebi que, diferente de mim, João, estudante
negro de uma universidade federal brasileira, conheceu a obra e vida de Jaider através da
Academia e das redes sociais. Assim como acompanhou sua chegada na Bienal, viu sobre sua
morte, sem qualquer outro conhecimento, contato com uma realidade mais próxima e, mesmo
como expectador distanciado, também ama a obra de Jaider e me pergunta “Vc acredita que
Jaider tenha, de fato, se suicidado?”.
Eu já segurava as lágrimas, comecei a dizer do meu amor, admiração e parceria com
Jaider. Que, durante 12 longos anos, consumi e incentivei sua obra e que tenho hoje 11
exemplares de sua arte. Acompanhei seus sonhos sendo postos em prática, ao tempo que
também se deixava levar pelos movimentos outros, que acreditava em somar, em somas, em
redes...que era amiga próxima e, igualmente, não conseguia entender sua morte.
Eu o amava para além dos mundos. Desde que o conheci, o sabia diferenciado, um
grande homem com enormes talentos, generosidade diante de tudo na vida e detentor de uma
grande missão. Falo isso da forma mais energética possível, a forma menos concreta possível,
mas de extrema potência. Eu era amiga, fã e apoiadora da carreira e planos de Jaider. Assim
éramos! Verdade entre nós era oxigênio. Sempre desaguando no amor, respeito e admiração
retroalimentadas!
Não pude responder à pergunta principal de João, assim como nada pude fazer em
relação ao fato consumado da morte, da partida de Jaider. Mas consegui dizer que Jaider era
antes de qualquer coisa um unidor de mundos e sabia disso. E que costumava me dizer,
orgulhoso, “Tem que colocar todos, todas para conversar, comer damurida, sentir a vibração
do Maruai, do Genipapo, senão não vão estar em sintonia com minhas gentes”.
Como dizer, em tão pouco tempo, o que Jaider representava para mim e para tantas
pessoas e para o mundo. Como dizer da minha felicidade em ouvir aquele estudante pesquisar
a vida e obra de Jaider e pronunciar a palavra ESBELLISMO, que define, cirurgicamente, o
que representa a arte de Jaider Esbell, que não andava sozinho, trazia suas parentas e parentes,
colegas artistas, artesãs e artesãos e deixava bem claro que fazia da arte um movimento para
fissurar o sistema, o status quo branco, patriarcal, racista, hegemônico, misógino, capitalista.
37
Jaider fissurava através da arte e fazia isto levando o protagonismo às mulheres,
dignificando suas gentes, visibilizando-as, empoderando-as com seu próprio caminhar pelos
mundos.
Como dizer do gigante Jaider, que recebi em minha casa em meados de outubro, em
sua última visita vivo à sua terra. Como poderia explicar que Jaider não se acovardara, que Jaider
tinha muitos planos e estava trabalhando neles. Mas entendi que não precisava. João, como eu,
o tem vivo, através de sua obra e vida, através dos frutos que deixou para todas as presentes e
futuras gerações de artistas indígenas, ativistas ou não! Jaider vive e viverá em cada criança
indígena que conseguir desde cedo se expressar, não se deixar oprimir, sentir que pode ser
grande como é o neto de Makunaimî, como é Carmezia Emiliano, sentir que também pode
estar onde quiser estar.
Jaider, João, Caetano, Salvador. Eu que não acredito em coincidências, imaginei
rupturas e encontros - Makunaimî, Oxum, Ogum, Yemanjá, muito acolhimento nessa chegada
a Salvador, esse presente de vida à beira mar, nessa forma de Jaider, através de João e Caetano
dizerem para não desistirmos de esperançar, ele está mais vivo que nunca, e sempre estará! Añu!
Saravá!
#jaidervive #esbellismojá

38
CADÊ MEU JENIPAPO?

Jefferson Dias de Araújo ∗


(Contramestre Biriba)

Fim do dia, bem noitinha,


Os traços guiavam no tecido cru, um Ser, Luz?
Tantas cores, vibravam em tintura simples da alma, o lugar.
Eram seres, muitos seres, uma cosmologia de mundo bem particular, transcendente.
Do lado de dentro da casinha, muitas inquietações do Ser, Luz! Revelação.
Linhas tracejadas no tempo e espaço, tão distante! De tudo? Todos?
Formas, disformes, que vagueiam no imaginário. De quem? Para onde?
Eram seres, muitos seres, uma cosmologia de mundo bem particular, transcendente.
Oh! Jenipapo! Que traz cura! Pinta a alma! Do Ser que a carrega. Cadê?
Se esconde? Se transformou em outro Ser? Pode até ser, em Luz!
Os traços guiavam no tecido cru, um Ser de Luz.
Para a floresta, ressignificava sentidos, suas vontades no mundo.
Luta, resistência do menino que um dia se pintou de jenipapo como seus antepassados.
Suas obras alcançam sentidos inimagináveis.
Seu espírito permanece vivo nos traços que o guiavam no tecido cru.
Fim do dia, bem noitinha,
Lá estava eu, experimentando curiosamente no ateliê do nobre artista Jaider Esbell, suas
inquietações.
Não esqueço dos traços tortuosos, linhas curiosas que marcavam um tempo, espaço.
Enquanto pintava, respondia as minhas indagações calmamente sobre a transcendência de sua
arte.
Não tinha como, imaginar dimensões, que apenas aquele Ser, de Luz, nascido na floresta,
estava tentando me dizer, revelar.
Enquanto houver jenipapo na floresta, será pintado o mundo, seu mundo já foi pintado.
Sua arte ecoa no tempo e no espaço, o verdadeiro espírito de luta da floresta.
Segue vivo meu artista.


O autor é presidente da Federação Roraimense de Capoeira, membro do Comitê Gestor da Salvaguarda da
Capoeira de Roraima e do Instituto Biriba – Capoeira & Arte.

39
JAIDER ESBELL,
O NETO DE MAKUNAIMA

Vanessa Augusta do Nascimento Brandão e Costa 3

Breve contexto
Este texto tem como base a minha dissertação de mestrado defendida em 13 de
dezembro de 2019, na presença de Jaider Esbell e Vó Bernaldina, nas dependências da
Universidade Federal de Roraima. Foi uma manhã memorável na presença de minha família,
amigos e dessas duas grandes lideranças indígenas de Roraima e do país, cada um de maneira
muito singular. Eis que me encontro em 2022. Vó Bernaldina e Jaider Esbell partiram desse
plano, como estrelas chamadas pelo grande cosmo para iluminar outra galáxia, e processar essas
perdas ainda é dolorido, quase impossível. Transformar todo o tempo verbal do texto e passar
a falar de Jaider Esbell no passado não me parece justo. Sinto-o ainda aqui em sua grande obra,
em sua presença a tecer redes de afeto que entrelaçam indígenas e não-indígenas de Norte a Sul
do Brasil e alcançam outros continentes.
O texto que segue traz coletânea dos dados e análises da atuação de Esbell e sua escalada
artística até 2019, quando, estrategicamente, já se posicionava enquanto artista, ativista, escritor
e curador de arte indígena contemporânea.

Jaider Esbell: Arte e vida numa espiral decolonial


No ano de 1979, nos lavrados do Estado de Roraima, às margens do rio Maú 4, extremo
norte do Brasil, onde hoje se localiza a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, nascia Jaider Esbell,
indígena Makuxi, hoje artista plástico, escritor de prosa e poesia, curador de arte indígena e
militante das causas dos povos ancestrais do chamado “circum-Roraima” 5, região da tríplice
fronteira Brasil, Guiana e Venezuela, localização apelidada carinhosamente de terras de
Makunaima 6, personagem mítico de quem Jaider afirma ser neto.
No ano de 2010, Jaider Esbell é premiado com a Bolsa Funarte de Criação Literária,
dando início à sua carreira artística. A primeira publicação tem como título “Terreiro de
Makunaima” (2012), com 10 contos indígenas envolvendo lendas e tradições de comunidades

3 A autora é Doutoranda em Estudos Literários pela UNESP. Email: Vanessa.brandao@unesp.br


4 O rio Maú, que forma a fronteira oeste do Brasil com a Guiana, nasce na serra de Pacaraima e corre para o sul
em direção ao rio Amazonas, de cuja bacia faz parte.
5 Fábio Carvalho (2015, p. 25) informa que localizada no extremo norte da América do Sul, na tríplice fronteira

entre Brasil, Guiana e Venezuela, está a região etnograficamente designada como circum-Roraima.
6 Neste trabalho abordaremos o mito Makunaima, grafado com K, conforme é conhecido na cultura do povo

Makuxi, etnia predominante na região da tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana. O personagem Macunaima,


grafado com C, da obra de mesmo nome de Mário de Andrade (1928) também será abordado em dado momento,
por isso, explicamos aqui esta diferença entre as grafias.
40
indígenas. Em 2013, lança, de forma independente, a obra “Tardes de Agosto, manhãs de
setembro e noites de outubro” (2013), com narrativas pessoais de experiências na capital do
estado de Roraima, Boa Vista, quando sai do interior do Estado e precisa conseguir emprego
na capital para sobreviver, estudar e financiar sua carreira artística, que se inicia na literatura e
nas artes plásticas, paralelamente. Apresentando-se como neto de Makunaima, personagem
mítico da região, o qual inspirou Mário de Andrade a escrever a rapsódia modernista
Macunaíma, Jaider Esbell realiza exposições individuais em estados diversos do país, escreve e
publica ensaios acadêmicos e agita seu perfil nas redes sociais afirmando ser neto de um mito,
trazendo uma nova abordagem sobre o personagem mítico do extremo Norte do país,
despertando o olhar curioso do público acadêmico e demais apreciadores de sua performance.
Este artigo é um resumo da minha dissertação elaborada durante o mestrado em Letras,
da Universidade Federal de Roraima, com o título “O neto de Makunaima: Jaider Esbell e a
literatura indígena de Roraima”, que teve como problema de pesquisa, entender se o mito
Makunaima inspirava Jaider Esbell desde a mais tenra infância ou se ele buscava no mito a
atenção necessária para difundir a cultura dos povos indígenas no extremo Norte do país. O
objetivo geral foi mostrar o sujeito psicoliterário criado por Jaider Esbell a partir da relação
com o mito indígena Makunaima, tendo como objetivos específicos conhecer o artista Jaider
Esbell; identificar nas obras artístico-literárias criadas por ele a presença do mito indígena
Makunaima; e analisar a relação entre Jaider Esbell e o mito indígena Makunaima a partir das
obras criadas pelo sujeito de pesquisa, de modo a compreender as bases dessa relação neto e
avô.
Utilizando a teoria Sociointeracionista (VYGOTSKY, 2010) e o conceito de dialogismo
(BAKHTIN, 2002), buscamos entender a relação de Jaider Esbell com o mito Makunaima,
expressa pelo artista por meio de sua obra, conforme as influências socioculturais que recebeu
da comunidade. Vygotsky afirma que a relação do homem com o mundo não é direta, pois está
sempre sendo mediada por ferramentas exclusivas da espécie humana. Tais ferramentas são os
signos, explicados por meio da linguagem. Por isso, o papel da comunicação e interação entre
um ser humano e outro é tão fundamental no desenvolvimento da espécie. A teoria
Sociointeracionista de Vygotsky se aproxima do conceito de dialogismo do pensador russo
Mikhail Mikháilovitch Bakhtin (1895-1975). Bakhtin “considerava a relação sócio-histórica e
dialógica entre sujeitos o cerne do processo de constituição do discurso, priorizando a
intersubjetividade em detrimento à representação objetiva da realidade” (PIRES, 2002, p. 36).
A mistura de diversas vozes que dão sentido a cada palavra, agregando a ela uma
experiência, um sentido, é o processo dialógico vivo, dentro do qual todo sujeito está inserido,
conforme sua vivência. Ou seja, todo enunciador sempre estará influenciado pelo discurso de
outra pessoa. “Todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado pelo discurso alheio. O
dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados” (FIORIN,
2006, p. 22). Bakhtin usa o termo plurilinguismo quando se refere às inúmeras vozes
influenciadoras de um trabalho literário. Para ele, o plurilinguismo adentra no romance e se
materializa nas pessoas que falam dentro do texto. Essa coletividade de vozes se apresenta
claramente nos dois primeiros livros de Jaider Esbell, “Terreiro de Makunaima” e “Tardes de
agosto manhãs de setembro noites de outubro”, como mostraremos mais adiante, e nos lançam
as primeiras luzes para a resposta do problema de pesquisa deste trabalho.
41
Produtor de literatura indígena contemporânea, Jaider Esbell se assume fruto do
hibridismo cultural, no caldeirão comum a todo indígena do circum-Roraima. Por hibridismo
cultural entendemos como um tipo de conhecimento alimentado pelo ir e vir de diferentes
grupos, dotados de costumes, crenças, mitos; enfim, distintas culturas que se aglomeram em
um mesmo espaço territorial e temporal, se fundindo, adaptando e ou se somando (BHABHA,
1998). Não necessariamente este hibridismo denota a perda dos hábitos culturais adquiridos no
processo sociointeracionista que mencionamos no início deste capítulo, processo este que se
inicia na infância. Aliás, o hibridismo deixa claro que o jogo de influências transcorre livremente
durante toda a vida do sujeito humano.
Para contextualizar o ambiente literário em que Jaider Esbell lança seus livros e inicia
sua carreira artística, foi necessário fazer um breve levantamento sobre a literatura indígena em
Roraima, primeiramente trazendo à tona a distinção entre literatura indígena e literatura
indianista, sendo a primeira elaborada pelo próprio indígena, sujeito que deixa de ser objeto
para transformar-se em autor, o artista contador de suas próprias histórias. A segunda, literatura
indianista, é a desenvolvida por nomes consagrados na literatura brasileira, tais como Gonçalves
Dias (1846, 1851, 1883), José de Alencar (1857,1865, 1874) e Mário de Andrade (1928), os quais
se apossam do indígena como fonte inspiradora e o transformam conforme sua licença poética
(BRITO, 2018). Brito (2018) afirma que sim, a literatura indígena existe e tem ganhado cada
vez mais robustez.
Em Roraima, estado com a maior população indígena do país, foi possível observar um
movimento literário indígena, mesmo que ainda embrionário. Além de Jaider Esbell (Makuxi),
podemos mencionar Cristino Wapichana (etnia Wapichana), Edgar Borges (etnia Wapichana)
e Kamuu Dan (etnia Wapichana) como escritores indígenas nascidos ou criados em Roraima.
Jaider e Cristino atuam dentro do contexto indígena, escrevendo principalmente contos e
crônicas. Edgar Borges escreve poesias, contos e crônicas, mas não aborda diretamente a
cultura indígena. Kamuu Dan escreve contos explorando a mitologia indígena e lançou seu
primeiro livro voltado para o público infantil.
Ao abordarmos o tema literatura indígena no contexto roraimense, não poderíamos
deixar de adentrar no universo da oralidade; afinal, é nela que o gênero literário indígena tem
sua gênese. Ou seja, é a partir da contação de estórias no seio das comunidades, com suas
narrativas mitológicas, que nasce a literatura indígena (GOLDENBERG, 2010). A existência
de mitos e lendas repassados de geração em geração nas comunidades indígenas Makuxi
demonstra a força dessas histórias 7 ao longo dos anos. Levá-las ao papel, tornando-as públicas
para além da comunidade, sob o fazer atento dos próprios indígenas é, por si só, um caminho
poético que requer atenção sensível do estudioso de literatura.

Metodologia
Para adentrar no universo da arte e literatura indígena contemporânea por meio do
trabalho de Jaider Esbell, utilizou-se a abordagem qualitativa, que segundo Creswell (2010) é
um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem

7 Utilizamos aqui histórias com h, com o entendimento de que a informação mítica é ficcional (estória).
42
a um problema social ou humano. A reunião de atividades materiais e interpretativas com o
intuito de compreender o mundo. (DENSIN; LINCOLN, 2006). Para estes autores, a pesquisa
qualitativa vislumbra, na contemporaneidade, ou pós-modernidade, “às esperanças, às
necessidades, aos objetivos e às promessas de uma sociedade democrática livre”, enxergando o
pesquisador como sujeito confeccionador ou bricoleur de uma colcha de retalhos, que reúne,
edita, costura pedaços de realidade por meio de entrevistas, observação, fotografias, entre
outros, gerando uma unidade psicológica e emocional para uma experiência interpretativa da
realidade.
A estratégia de pesquisa que melhor atendeu aos propósitos desta pesquisa exploratória
e descritiva foi o estudo de caso. Segundo Yin (2005), trata-se de investigação empírica na qual
se procede à combinação de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo, com métodos de coleta
de dados feita por meio de entrevista semiestruturada e análise de conteúdo. A pesquisa é
exploratória tendo em vista ser a produção artística do sujeito de pesquisa ainda pouco
explorada na academia local. Segundo Gil (1987), o estudo é exploratório quando o tema
abordado ainda carece de trabalhos. Também se trata de pesquisa descritiva, visto que se
objetiva descrever um determinado fenômeno (GIL, 1987). Isto é, a relação de neto e avô entre
Jaider Esbell e o mito indígena Makunaima.
Utilizou-se também a entrevista semiestruturada, que se caracteriza como aquela com
poucas perguntas pré-definidas, as quais são lançadas ao entrevistado e no decorrer da conversa
surgem outros questionamentos, deixando fluir um diálogo mais próximo a uma conversa
informal, na qual se pode obter impressões e revelações mais profundas e espontâneas
(MANZINI, 1990, 1991).
Além da entrevista, selecionamos múltiplas fontes de evidência, o que nos permitiu
reunir contextos históricos do objeto de pesquisa e aspectos comportamentais que
contribuíram para um melhor desenvolvimento de “linhas convergentes de investigação” (YIN,
2015, p. 124). A triangulação de dados possibilita dar forma mais segura e convincente a
qualquer achado ou conclusão de estudo de caso (YIN, 2015). Por isso, optamos por costurar
esta colcha de retalhos a partir dos seguintes materiais: 1) trechos do primeiro livro de Jaider
Esbell, intitulado “Terreiro de Makunaima”; 2) trechos do segundo livro lançado por Jaider
Esbell, intitulado “Tardes de agosto manhãs de setembro e noites de outubro”; 3) três
entrevistas semiestruturadas; 4) textos coletados do perfil do sujeito de pesquisa na rede social
Facebook; 5) observação direta; e 6) o artigo “Makunaima: meu avô em mim”, publicado no
final de 2018, na Revista Iluminuras, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A aproximação com Jaider Esbell teve início antes da aprovação na seleção de mestrado.
Durante a confecção do projeto, no final de 2017, agendamos conversa informal com Jaider
Esbell na Galeria de Arte do Sesc Boa Vista, onde havia uma exposição coletiva organizada por
ele, juntamente com outros artistas indígenas de Roraima. Sempre com fala muito apressada,
expressando ideias sequencialmente, mostrou-se simpático e satisfeito com a possibilidade de
ser sujeito de pesquisa acadêmica, apesar de, naquele momento, revelar-se pouco satisfeito com
a academia local pelo silêncio referente aos seus quase sete anos de atuação artística. A partir
desse primeiro contato, muitos outros foram feitos, via e-mail, rede social e aplicativo de celular,
visando finalizar o projeto.

43
Durante o ano de 2018, primeiro ano da pesquisa, Jaider Esbell participou conosco da
apresentação do trabalho final da disciplina de Cultura Regional, Memória e História, no qual
atuou como personagem central e narrador de um vídeo-documentário sobre a história da
grande árvore Wazacá. O trabalho foi produzido em sua propriedade rural, situada no Programa
de Assentamento Nova Amazônia, região Norte de Roraima. Neste local, fizemos também a
primeira entrevista semiestruturada. Para complementar o material coletado, realizamos mais
duas entrevistas semiestruturadas, ambas na Galeria de Arte Indígena Contemporânea Jaider
Esbell, localizada no bairro Paraviana, na capital de Roraima, Boa Vista.
Esse material foi analisado à luz do conceito de dialogismo de Mikhail Bakhtin e da
teoria Sociointeracionista de Vigotsky, visto acreditarmos compreender Jaider Esbell como
sujeito influenciado dialogicamente pelo discurso de seus ancestrais, pelo discurso do não
indígena e ainda por seu conhecimento empírico e vivências permeadas de Makunaima nos
mais diversos conceitos.
Realizamos uma análise descritiva do sujeito de pesquisa, com base nos objetivos
específicos já mencionados. Utilizou-se, para responder a cada objetivo, as categorias da análise
do discurso de Bardin (1977), que se caracteriza como sendo “um conjunto de técnicas de
análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens” (BARDIN, 1977, p. 38) por meio de inferências, ou dedução de
maneira lógica, que se obtém através de conhecimentos relativos aos meios de produção, os
documentos, as entrevistas, como um “arqueólogo que trabalha com vestígios” (BARDIN,
1977, p. 39), sendo esses vestígios as manifestações de estados e de fenômenos.
O objetivo desta pesquisa, ou seja, mostrar o sujeito psicoliterário criado por Jaider
Esbell a partir da relação com o mito indígena Makunaima, foi transformado em uma categoria
de análise, denominada “Jaider Esbell: vida e arte de resistência”. Temos também três
subcategorias, com base nos objetivos específicos, sendo elas: “Makunaima e outras vozes
influenciadoras”; “Sujeito indígena digital: sujeito psico-literário” e “Legitimidade para ser neto
de um mito”. Cada categoria contou com fontes distintas de dados (trechos dos livros,
entrevista semiestruturada, observação direta, publicação acadêmica, textos retirados das redes
sociais). Após a triangulação destes dados, chegamos a inferências diversas, as quais foram
compiladas nas considerações finais.

Resultados
Após análise dos dados coletados, foi possível dizer que o trabalho cumpriu seus
objetivos e respondeu ao problema de pesquisa proposto. Ou seja, o mito Makunaima inspira
Jaider Esbell desde a mais tenra infância e ele busca no mito a atenção necessária para difundir
a cultura dos povos indígenas no extremo Norte do país.
Pôde-se afirmar que Roraima tem um artista determinado a levar em seu discurso, em
sua performance artística, a cultura do povo Makuxi, ao qual pertence, ao restante do país e do
mundo. Este discurso tem como uma de suas principais influências o mito Makunaima,
entidade presente nas memórias de Jaider Esbell desde a infância, personagem perfeito para

44
movimentar seu fazer artístico na literatura, nos palcos, nas telas, tendo em vista a grande
popularidade alçada a partir do clássico Macunaíma (1928), de Mário de Andrade.
Chegou-se a estas inferências a partir de declarações do próprio Jaider Esbell nas
entrevistas e depoimento gravado em vídeo, assim como em ensaio acadêmico publicado na
revista Iluminuras, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a partir do primeiro livro
publicado por Esbell, “Terreiro de Makunaíma” (2012). A pesquisa tentou compreender se este
elo com Makunaíma estava nas memórias afetivas do artista ou se foi um discurso criado,
vislumbrando um destaque para seu trabalho artístico. Ao longo do trabalho, observou-se tratar
das duas hipóteses: sim, faz parte das memórias afetivas e sim, faz parte de uma estratégia de
performance artística. Jaider Esbell assume sua autonomia para utilizar o mito como seu avô
de maneira consciente e autônoma.
O objetivo geral do trabalho, mostrar o sujeito psicoliterário criado por Jaider Esbell a
partir da relação com o mito indígena Makunaima, também foi atendido, visto ter-se
encontrado este eu literário ou eu artístico nos dados coletados. Entendemos o sujeito “Jaider
Esbell: neto de Makunaima” como o referido sujeito psicoliterário. Ou seja, a personagem
formada na psique de Esbell, transposto para sua obra literária, a partir do seu primeiro livro
lançado, o “Terreiro de Makunaima” e posteriormente apresentado em diversos momentos de
sua trajetória artística.
Nessa direção, foi possível atender também aos objetivos específicos do trabalho, sendo
o primeiro deles conhecer o artista indígena Jaider Esbell, reunindo dados sobre a trajetória do
artista roraimense desde a infância, adentrando em seu universo multicultural e esmiuçando o
seu fazer artístico.
O segundo objetivo específico, identificar nas obras artísticas literárias criadas por Jaider
Esbell a presença do mito indígena Makunaima, também foi alcançado, pois conseguiu-se
reunir uma série de menções à Makunaima em momentos diferentes da carreira artística do
sujeito de pesquisa. Por fim, o terceiro objetivo específico, analisar a relação das obras artísticas
literárias criadas por Jaider Esbell com o mito indígena Makunaima, também foi atendido, pois
a partir desta análise, diversas reflexões foram possíveis. As resumimos a seguir.
Jaider Esbell, ao se apresentar ao público como artista indígena contemporâneo, não
busca exaltar um discurso de pureza ancestral, de fechar-se na cultura indígena. Ao contrário,
ele se assume sujeito fruto do hibridismo cultural, multifacetado, transpassado por vozes
dialógicas diversas desde os conflitos por terra, que marcaram sua infância, até a experiência
dentro da empresa na qual exerceu a função de técnico eletricista de alta tensão por mais de
uma década.
O sujeito de pesquisa deixa claro em sua obra o rizoma de citações herdadas da
experiência, das histórias contadas pelos velhos sábios Makuxi, pajés e a atividade garimpeira,
que chega no extremo Norte misturando nordestinos, indígenas, sulistas no caldeirão
roraimense já impactado pelas fronteiras com Venezuela e Guiana. A escola também é voz ativa
no discurso de Jaider Esbell, assim como a universidade, que lhe conferiu a formação em
Geografia.

45
Outra reflexão deu-se a partir da observação da liberdade artística de Jaider Esbell para
utilizar elementos da cultura Makuxi e se anunciar como neto de Makunaima. Ele criou, nesse
contexto, o que chamamos de sujeito psico-literário, um eu artístico ou eu literário, misturando
elementos míticos adquiridos na infância à percepção do mito já difundido entre o não indígena.
O sujeito Jaider Esbell não pode, efetivamente, ser neto de um mito, mas o sujeito psico-
literário Jaider Esbell pode chamar para si esse parentesco. E quem dirá o contrário? O artista
deixou claro, no entanto, que este parentesco não é discurso inventado por ele e sim fruto do
discurso de entidades indígenas organizadas, como o próprio Conselho Indígena de Roraima
(CIR), que difunde em seu material gráfico de divulgação o termo “netos de Makunaima”.
Jaider Esbell declarou ainda que nem todo indígena se reconhece como neto de
Makunaima e que isso deve ser respeitado, não sendo, portanto, um discurso impositivo e sim
um jargão comum aos povos indígenas que veem em Makunaima um símbolo de força, luta e
transformação de realidade. Seria, portanto, o movimento indígena politicamente organizado
mais uma voz dialógica a influenciar ou inspirar o artista ao longo de sua vivência, contribuindo
para o discurso do sujeito psico-literário Jaider Esbell, o neto de Makunaima.
Tantas vozes, instituições, pessoas, culturas e discursos condensados a inspirar o artista
nos fazem perceber que não à toa ele chega na contemporaneidade sendo sujeito multifacetado,
com identidades múltiplas, variantes (HALL, 1999). Se no primeiro livro, “Terreiro de
Makunaima” (2012), Jaider Esbell faz uma ode à cultura indígena do circum-Roraima, em
“Tardes de agosto manhãs de setembro noites de outubro” (2013), mescla temas regionais com
temas diversos, percepções, sentimentos e situações comuns no cotidiano de qualquer pessoa
da cidade. Espaço, aliás, no qual já estava morando à época da escrita do segundo livro.
Em “Terreiro de Makunaima” (2012) o artista utiliza toda sua subjetividade influenciada
pela cultura Makuxi, apresentando uma relação simbiótica com a referida cultura e seus mitos,
em especial com o mito Makunaima, o qual dá nome ao livro e consta no prefácio da obra,
quando Esbell anuncia todos os povos indígenas do circum-Roraima como netos de
Makunaima.
Em “Tardes de agosto manhãs de setembro noites de outubro” (2013), Esbell esmiúça
as experiências vividas com seu jeito muito próprio de escrever, passeando entre memórias de
infância, presente e futuro, realidade e sonhos.
Em entrevista concedida para a dissertação, Jaider Esbell falou dos pesos e virtudes da
escola, que o afastou do convívio nas comunidades indígenas, mas contribuiu para uma visão
geral do que era sua própria cultura e como utilizá-la, levando-a ao público através da arte.
Desse modo, observamos que o discurso de Jaider, em seus livros, em suas falas em locais
diversos, é dialogicamente perpassado por culturas híbridas, fruto de um plurilinguismo
mencionado na obra de Bakhtin. Um rizoma de citações, como destaca Barthes (1988) ser
possível e reforçado pelo conceito de intertextualidade de Kristeva (1974). Porém, esse
hibridismo, este sujeito multifacetado, que contém nele vozes diversas, não deixa de ser o que
o próprio diz ser: escritor indígena Makuxi e um dos netos de Makunaima.
Entre junho de 2018 e início de 2019, Makunaima assumiu espaço cada vez maior na
produção artística de Jaider Esbell, que levou às pessoas o discurso de ser neto de um mito e
deu voz a ele, propondo ao seu público virtual (por meio de seu perfil em uma rede social) e
46
também o público real, uma nova visão do mito Makunaima, como um ser estrategista,
visionário que se lança como personagem central de um livro para chamar a atenção do país
para os povos indígenas, mesmo que tenha sido retratado como o “herói sem nenhum caráter”
(ANDRADE, 1928).
Esse discurso foi levado por Jaider Esbell para eventos comemorativos alusivos aos 90
anos do lançamento da obra Macunaíma, de Mário de Andrade no Rio de Janeiro, São Paulo e
Brasília, bem como para o cinema, o teatro e a academia, que publica um ensaio dando voz a
Jaider e ao mito, ousadamente, em primeira pessoa. Esse falar de Makunaima, e não de
Macunaíma apenas, é para Jaider Esbell um resgate do “seu avô”, uma nova versão que busca
se afastar do “herói sem nenhum caráter” da literatura brasileira e apresentar ao não indígena o
Makunaima transformador, protetor da grande aldeia, que toma a decisão de cortar a grande
árvore Wazacá para acabar com a fome que se alastrava pelos campos do circum-Roraima, o
Makunaima grande guerreiro que representa a luta do indígena pela terra.
Esse parentesco, essa relação neto/avô, é física e espiritual, como assinala Jaider Esbell
no ensaio científico publicado na Revista Illuminuras. Observamos que esta declaração de
Jaider está na base sociocultural do artista, tendo em vista ter conhecido Makunaima quando
ainda era criança, conforme a teoria Sociointeracionista, de Vygotsky (2010), na qual se entende
o sujeito sendo influenciado pelo meio onde vive.
A relação com a natureza também ficou marcada em sua obra pelo modo autônomo
como a enxerga, vendo além do que a matéria apresenta, narrando o sentimento das entidades
protetoras da floresta diante do violento contato do não indígena garimpeiro com o ambiente
sagrado para os indígenas. Ficou evidente também o sentimento de impotência diante dessa
realidade que se repete cotidianamente em Roraima, estado que enfrenta garimpagem ilegal em
terras indígenas há décadas, sendo um problema que tem se intensificado nos últimos anos, em
especial a partir de 2019.
Durante a pesquisa, ficou nítida a presença marcante de Makunaima na obra de Jaider
Esbell, mas também se pode observar a transformação do sujeito Jaider a partir das experiências
no mundo do não indígena, no qual ele fez questão de adentrar e participar formalmente, como
parte de uma estratégia para sustentar seu fazer artístico.
Ao sair do município de Normandia, onde nasceu, cresceu e estudou até o segundo
grau. Para vir para a capital Boa Vista, ele precisava encontrar maneiras de subsistência. Nesse
intento, estudou intensamente, sendo aprovado em processo seletivo para a empresa
Eletrobrás, distribuidora de energia elétrica para todo o Estado de Roraima. A função, que nada
tinha a ver com o fazer artístico, possibilitou a Jaider Esbell investir recursos próprios nos
projetos literários e artísticos e por algum tempo ele conciliou as duas atividades. Tal como o
herói Makunaíma, capturado e transformado em Macunaíma e difundido para todo o país por
meio da obra de Mário de Andrade, Jaider Esbell se lançou no mundo do não indígena
buscando aporte para se lançar no mundo da arte, passando a viver intensamente esse ofício.
Seria então o discurso do ensaio uma projeção de Jaider Esbell? Sua estratégia poderia
ser usada como exemplo para outros potenciais artistas indígenas que sonham em sair da
comunidade e ganhar o mundo, expandido e transformando a cultura indígena em arte?
Acredita-se que sim, mas as perguntas ficam em aberto para pesquisas futuras.
47
A presença de Jaider Esbell no mundo digital é marcante e planejada, possuindo o artista
um site completo com histórico, fotografias, artigos informativos sobre trabalhos, viagens,
exposições e fotos de divulgação, entre outros materiais. Além do site, o perfil público no
Facebook recebe atenção especial do artista. É nele que são lançados os eventos promovidos
na Galeria de Arte Contemporânea, bem como é feita toda a articulação artística, com textos
reflexivos, críticas, provocações, sempre em consonância com pesquisadores, curadores de arte,
antropólogos e simpatizantes, que formam a rede afetiva de Jaider Esbell, apoiando,
republicando as suas postagens, elogiando, indagando e até comprando as obras que ele
também coloca virtualmente a disposição do público.
Considera-se, portanto, que esta atuação virtual de Jaider Esbell, juntamente com sua
presença em espaços como a academia, casas de arte, teatro, cinema, os três livros publicados,
sendo dois físicos e um virtual, todo esse trabalho corrobora o reforço de uma identidade
indígena Makuxi, que vai além dos estereótipos pré-concebidos e repassados inclusive na
contemporaneidade em escolas, universidades e na mídia. Uma identidade indígena
multifacetada, entrelaçada com a tecnologia e com os ritos ancestrais, também utilizados por
Jaider Esbell durante suas performances artísticas. Um misto vivo de passado, presente e vista
para o futuro, ocupando espaços, distribuindo interrogações, criando rusgas de estranhamento
nos que esperam do indígena querer viver apenas dentro de seus costumes.
O trabalho trouxe ainda algumas contribuições práticas no sentido de ser o relato de
uma trajetória do menino indígena que nasce no médio Maú e se transforma, através da arte,
sendo hoje um dos nomes mais citados no que tange ao pensamento e arte indígena
contemporânea. Refletir sobre esta trajetória pode ser um exercício importante para outros
indígenas que abrigam em si o talento artístico e buscam inspiração, bem como para todo
roraimense que busca elementos que corroborem sua formação identitária. A construção de
uma carreira como artista, com apoio da tecnologia, da internet e das mídias sociais é também
um elemento que merece atenção por parte dos que buscam formas de apresentar ao público
seu trabalho artístico literário e construir uma rede de contatos que proporcione a expansão de
seu discurso.
É preciso identificar, no entanto, as limitações desta pesquisa, por questões de recorte
temporal e metodologia. Jaider Esbell é um artista produtivo. Isso implica em dizer que as
atividades e projetos por ele desenvolvidos não cessaram no início de 2019, período em que se
precisou parar a coleta de dados e iniciar a análise da dissertação. Enquanto escrevíamos, o
sujeito de pesquisa embarcou em turnê pela Europa, visitou a Suíça, França, Alemanha,
Holanda, Itália, esteve com o Papa Francisco, juntamente com a mestra Makuxi Bernaldina
José Pedro, dialogou com curadores de arte de diversos países, participando de exposições,
intervenções, instalações, tudo devidamente transmitido ao vivo pelo Facebook.
Esteve ainda em São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, realizou eventos e vivências em
sua Galeria de Arte Indígena Contemporânea com outros líderes indígenas no Brasil, atuou
junto com pesquisadores, realizou mais uma exposição solo no Sesc Roraima e seguiu
produzindo.
Como sugestão de estudos futuros, fica em aberto o mapeamento sobre as implicações
do trabalho do artista para as comunidades Macuxi e quais bandeiras ideológicas estão sendo
48
levantadas por ele mundo afora. Outra proposta seria realizar estudos comparativos com outros
artistas indígenas roraimenses, traçando as distintas estratégias do fazer e distribuir arte e
literatura indígena contemporânea no Estado e como a população recebe este trabalho. De que
modo a mídia local colabora para o sucesso ou insucesso da expansão da arte e literatura
indígena contemporânea? Como é o consumo de arte e literatura indígena em Roraima?
Recordamos ter ouvido do próprio Jaider Esbell a afirmação de que ele vendia muito mais para
outros estados brasileiros e outros países, do que dentro de Roraima. Por que a validação do
trabalho vem de fora para dentro e não de dentro para fora?
Podemos mencionar, como contribuição para a área de pesquisa, o registro do trabalho
de Jaider Esbell, que até então não constava no banco de dissertações do Programa de Pós-
graduação em Letras da UFRR, além da aplicabilidade das teorias bakhtinianas e vigotskiana
em um sujeito de pesquisa local, entrelaçadas com pensadores ainda mais contemporâneos,
como Kristeva (1974), Barthes (1988) e Hall (1999), os quais, mesmo advindos de escolas
filosóficas distintas e em tempos diferentes, desenvolveram teorias que se complementam e que
reverberaram na trajetória artística de Jaider Esbell, roraimense de múltiplas identidades,
dialogicamente transpassado por culturas hibridas, sujeito psico-literário de si mesmo, neto de
um mito criador, transformador, o grande guerreiro Makunaima.

Referências

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49
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YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005,
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50
KURUMIM-TUXAWA-PAJÉ: UU KAYMEN UNGARY
PAUNARY MAKUSII’IMÎ JAIDER ESBELL

Arawak

Chegou um Kurumim na Kuwei Kiiri Teso do Buritizal, Maloca Grande BV. Veio do
lavrado, da beira do rio Maú, fronteira da Guiana, dos territórios xamãnicos, milenares, do
Estado de Kanaime. Vinha encantado, saiu de dentro das Serras dos Cristais (Kanoku
Mountain), era Arimei, Epuremei um Arian. O grandioso e gigantesco mar verde o Lavrado e
as Serras eram o seu quintal. Assim como Makuna’imî, era muito rápido e inteligente, cheio de
muita “Cabocagem” como estratégia no mundo dos Karalhuá (corruptela de Karaiwa, ou seja,
os não indígenas), os “brancos”. Se Makuna’imî escreveu nas rochas, marcando a sua presença
e passagem através da arte rupestre, pictografias e petróglifos que datam entre 4 e 6 mil anos,
Jaider usou a letra dos brancos para materializar o seu mundo, para mostrar as suas ideias
através dos livros. Coloriu com jenipapo preto brabo e urucum as suas letras, desenhos e
pinturas, que imprimiram no mundo e nas pessoas mensagens e os conhecimentos milenares.
Iniciou-se no Tuxawanato, como liderança, colocou todos nós no seu grande jamaxim
e levou todos nós e as nossas malocas para o mundo todo, com muita generosidade e
genialidade. Como um exercício de poder territorial diante das praxeologias vigentes da política
do mundo, apresentou a sua cosmogênese e cosmopolítica Makuxi como estratégia para
divulgar, denunciar, enfrentar, dialogar, mediar as relações assimétricas com os poderes do
mundo. Denunciou todas as formas de violência exercidas através dos poderes político-
econômicos privados e nas esferas do poder estatal contra os povos indígenas no Brasil e de
outros parentes das malocas do mundo por onde andou como um Makuna’imî.
Dinamizou e potencializou as ideias acerca da produção intelectual da arte e da cultura
indígena por onde passou, imprimiu uma ruptura com os cânones e epistemologias vigentes
das artes ocidentais, senão colonizadoras. Criou uma escola de pensar, agir e criar a arte indígena
no “Pata Imî” a partir das nossas culturas indígenas, do nosso ethos, da nossa rica cultura milenar
Arawak e Karib. Floresceu os nossos Lavrados e Serras com a fina flor das nossas culturas
indígenas, enchendo de orgulho e muito amor as nossas raízes tradicionais e milenares,
enfatizando o capital intelectual indígena, com os seus saberes, tecnologias, técnicas e os
domínios dos conhecimentos indígenas.
As tramas das luzes cósmicas nos desenhos de Jaider marcam a fase das cosmogonias e
a materialização das cosmovisões entre os mundos no seu trabalho, na sua pintura,
promovendo as nossas metafisicas Arawak e Karib. As suas linhas dos desenhos e das pinturas
através dos rios e igarapés que descem e denunciam a violência do Estado contra os povos
indígenas na forma da lei desse governo, ou mesmo dos rios de sangue dos índios derramado
por causa do ouro febril do garimpo ilegal na terra dos Ye’kuana, Ianomami e na Terra Indígena

51
Raposa Serra do Sol TIRSS. Rios da morte dos Ianomami, morte dos rios, dos peixes, da vida,
rios contaminados de mercúrio, florestas queimadas, terras invadidas, direitos destruídos,
desmatamentos tudo presente e denunciado nas suas linhas, nas palavras e nas ações de Jaider
Esbell.
O Lavrado se incendiou com o insulamento na produção das artes indígenas como uma
intifada no lavrado, promovendo e criando uma escola, linhagem intelectual tendo como
essência as sinergias das culturas indígenas. As rupturas com os cânones, praxeologias e as
epistemologias das artes ocidentais vigentes coloca a arte de Jaider e de tantos outros Artivistas
na vanguarda da luta e de toda a forma de resistência dos povos indígenas contra as formas de
política e as violências que as estruturas político-econômicas nos impõe. Seguimos na escola de
Jaider nas linhas xamãnicas das cores de luz dos entre mundos, desse Makuna’imî que ampliou
a nossa luta para um “Ou vai ou racha” nas artes, culturas indígenas, identidades, territórios e
da nossa produção intelectual e artística ou Artivista.
Deixou-nos de presente na constelação maior das artes mundiais no Tami’kan, universo
dos humanos, não humanos, material e não material, onde tudo está contido e todos os tempos
se encontram. As canoas deslizam nesses rios de luz cósmica e de muito conhecimento que
Jaider materializou nas suas telas mais recentes. Mas quem tem os instrumentais, propriedade,
conhecimento para ler e compreender o conteúdo das mensagens? Um jamaru imenso cheio
de conhecimento que nós detemos com a nossa cultura e vivência, com o nosso poderoso ethos,
com a densidade que cria e explica o conjunto da nossa produção intelectual e artística indígena.
Canoas afundam e nem arranham a superfície da nossa realidade, qualquer tentativa de aventar
sobre o tema é rede puída, puba, é canoa furada. Por isso, as superestruturas não conseguem
nos entender e muito menos a produção de Jaider e a nossa, flutuam na superfície jamais na
densidade.
Por isso, o conjunto da obra de Jaider é um convite para o público uma oportunidade
ímpar. Deve ser sentido e experienciado em toda a sua intensidade, como um delicioso pajuaru,
embalo de rede, banho de igarapé, caminhada no lavrado, chuva na mata, maloca de buriti,
damurida com pimenta kanaime, subida do Monte Roraima, pintura de jenipapo brabo e
urucum na pele, ajuri na roça, chibé com peixe, roda de parixara, buriti com mel, defumação
do maruai, encontro com tamanduá, voo de passarinho na boca da mata, roça de mandioca,
trança de buriti e arumã, cocar na cabeça, miçanga no punho, cantos makuxi, beiju derretendo
na boca, cuia de caxiri, fogo de caimbé.
Com um grande jamaxim cheio de muita luz e muito amor, Jaider Esbell colocou nas
costas, andou nas serras, nos lavrados e nas grandes malocas do mundo, do universo, do
cosmos, como o verdadeiro, como a personificação e materialização do próprio “Makuna’imî
entre nós”.

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MEU AMIGO JAIDER ESBELL

Bartolomeu da Silva Tomaz - Bartô

Ao estabelecer uma amizade com artistas indígenas, fez de sua presença uma missão
sem volta, onde a cada dia se fez presente como conselheiro, professor, pajé, irmão, um
agregador, acumulador de admiradores, que pairava nas comunidades indígenas em Roraima,
no Brasil e no Mundo.
Seus tentáculos culturais estavam muito além do nosso alcance, tornando-se assim um
artista indígena Macuxi intergaláctico, onde nenhum deputado ou governador de Roraima
jamais chegará com tamanho reconhecimento como artista e artivista
Me envergonha a Secretaria de Cultura com os seus conselheiros do Estado de Roraima.
Aí entra também a vergonha dupla quando falo do IPHAN, que faz de suas cadeiras as
estratégias dos descasos.
Amigo Jaider Esbell, foste tu o protagonista da esperança, seu legado é grandioso, sua
obra maravilhosa e seus alunos orgulhosos.
Enquanto nós existirmos, estaremos fortalecidos com vosso espírito e não passará em
branco vosso grito de clamor. Salve a Amazônia, salve o povo Yanomami, Macuxi, Yecuana,
Wapichana, Taurepang, Ingarikó, Wai-wai, Waimiri-Atroari, Sapará e Patamona.
Sua mensagem para nós, amigo intergaláctico, será um instrumento de amor e paz, mas
será acima de tudo um instrumento como você mesmo disse: um instrumento político.
“Salve a Amazônia e fora Bolsonaro Genocida’’
.

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PAINEL
JAIDER ESBELL: “UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS”

Produção Coletiva

Artista: Arawak Artista: Arawak

Artista: Makdones
Artista: Makdones
54
Artista: Luís Matheus

Artista: Bartô

Artistas:
Da esquerda para a direita: Luís Matheus, Makdones, Arawak e Bartô

55
Artista: Dayana Soares
Artista: Dayana Soares

Artistas: Dayana Soares e Bartô

56
Artista: Isaias Miliano
Artista: Isaias Miliano

Artista: Ávilo Esbell Artista: Ávilo Esbell

57
Artista: Charles Gabriel Artista: Geovan e Charles Gabriel

Artista: Charles Gabriel e Geovan

Artistas:
Ao fundo, da esquerda para a direita: Luís Matheus e Makdones
À frente: Bartô

58
PAINEL
VOVÓ BERNALDINA: TECENDO FIOS DE LUZ

Produção Coletiva

Artistas: Artistas da Comunidade Indígena Maturuca, Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Artista: Charles Gabriel

Artista: Charles Gabriel


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EXPOSIÇÃO
JAIDER ESBELL: “UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS”

Curadora: Priscilla Cardoso Rodrigues


Organizadores: Arawak, Bartô e Isaias Miliano

Painel Jaider Esbell: “Um Makuna’imî entre nós” 1.60x3.50


Produção coletiva dos Artivistas que participaram da Exposição

A pintura coletiva feita especialmente para homenagear Jaider Esbell “Um Makuna’imî entre nós”, retrata
uma espécie de síntese do que este artivista trabalhou ao longo desses últimos dez anos. Artivistas locais
inseriram na tela elementos que abordam questões cosmológicas, culturais, ecologia, questões políticas,
natureza, o mundo invisível que vem à luz por meio de traços e cores. É possível acessar, conhecer elementos
do mundo sagrado das plantas, dos seres da floresta. A arte aqui faz um intermédio para se fazer apresentar
o pensamento e vida dos povos indígenas. Ao observarmos os detalhes da obra, perpassamos imagens
iconográficas de um universo considerado encantado de plantas, animais, seres do campo espiritual que
representam proteção, força, cura como a Vovó jenipapo, Vovó Barro, Urucum, defumação com Maruai,
grafismos trazidos por antepassados em forma de visões, etc., bem como questões políticas que envolvem a
luta contra tudo o que destrói a nossa fonte de vida. A imagem central retrata o rosto de Jaider Esbell como
maior referência de artivista dos últimos tempos, lembrando da força de um grande líder e guerreiro,
principalmente para o Estado de Roraima, que, com maestria, soube exaltar e mostrar o universo indígena
para o mundo. Como um legítimo neto de Makuna’imî, incorporou e nos fez compreender um pouco mais
sobre o universo xamânico, defendendo que a cura está na floresta e trazendo para a visualidade o lugar que
muitos não alcançam.
Dayana Soares
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Iniciando os preparativos para a exposição

Artivistas: Arawak e Mackdones

Artivista: Arawak

Artivista: Isaias Miliano

61
Artivista: Dayana Soares Da esquerda para a direita: Dayana Soares,
Nonato e Mackdones

Artivista: Arawak Artivista: Mackdones


62
Família Esbell:
Ao centro: Sra. Zenilda Esbell, matriarca da Família de Jaider

Artivistas:
Ao fundo, da esquerda para a direita: Makdones, Dayana Soares, Charles Gabriel, Priscilla Cardoso
Rodrigues, Arawak, Bartô, Darlan Pedro Lima. À frente, da esquerda para a direita: Eliésio da Silva, Geovan
Marcela de Souza, Marckson Pedro Leite

63
Artivistas: Isaias Miliano e Dayana Soares Da esquerda para a direita: Kelliane Wapichana,
Dayana Soares e Raquel Wapichana

Foto: Simone Mêne


Da esquerda para a direita: Bartô, Marinês Esbell, Priscilla Cardoso Rodrigues,
Emannuel Wapixana, Arawak, Enock Taurepang e seu filho

64
Foto: Simone Mêne Foto: Simone Mêne
Da esquerda para a direita: Daniel, Bartô, Da esquerda para a direita: Ise de Goreth,
Paula Berbet e Arawak Parmênio Citó e Lionésia Esbell

Foto: Simone Mêne Foto: Simone Mêne


Da esquerda para a direita: Kelliane Wapichana, Junior Hekurari Yanomami
Enock Taurepang e Raquel Wapichana

65
Foto: Simone Mêne Foto: Simone Mêne

Foto: Priscilla Cardoso Rodrigues


Foto: Priscilla Cardoso Rodrigues

66
Exposição de artes indígenas Foto: Priscilla Cardoso Rodrigues
Exposição de artes indígenas

Foto: Simone Mêne


Wendenmara Gomes e Juci Carneiro Da esquerda para a direita: Arawak, Priscilla Cardoso,
Wendenmara Gomes e Juci Carneiro

Foto: Simone Mêne


Anakok Taurepang e José Taurepang Anakok Taurepang

67
Foto: Simone Mêne Medicina indígena
Evelyn Cliffe

Mestras ceramistas Makuxi Sra. Joana e Sra. Margarete Panelas de barro das mestras ceramistas Makuxi
da Comunidade Raposa, TIRSS da Comunidade Raposa, TIRSS

68
Exposição de artes indígenas

A Artistas indígenas Sra. Delci e Sra. Selestina Wapixana


Ass da Associação Cultural Indígena Kapoi

Foto: Simone Mêne Damurida e Kaxiri


Damurida e Kaxiri

69
Foto: Simone Mêne
Foto: Simone Mêne Escultura do Artivista Bartô
Dança do Parixara da Associação Cultural Indígena Kapoi

Foto: Simone Mêne


Escultura do Artivista Bartô

Da esquerda para a direita: Wanderson Wapixana,


Shirley Rodrigues, Arawak, Priscilla Cardoso Rodrigues
e Bartô

Foto: Simone Mêne


Dança do Parixara da
Associação Cultural Indígena Kapoi
70
Artivista Makdones

Artivista Makdones
Pintura corporal- grafismo com jenipapo brabo

Foto: Arawak
Da esquerda para a direita: Valdelia Wapichana,
Priscilla Cardoso Rodrigues e Enock Taurepang
“De Tuxawa para Tuxawa, de parente para parente”:
Foto: Arawak homenagem pela luta em defesa dos direitos indígenas
Da esquerda para a direita: Valdelia Wapichana,
Priscilla Cardoso Rodrigues, Enock Taurepang e Juci Carneiro
71
Painel “Vovó Bernaldina: Tecendo fios de luz”,
pintado pelos artivistas da comunidade indígena Maturuca, TIRSS
Da esquerda para a direita: Anakok, Charles Gabriel, José Taurepang, Bartô, Arawak,
Clerkson e Dayana Soares

José Taurepang e Parmênio Citó

Da esquerda para a direita: Eliésio da Silva, Marckson Pedro Leite,


Charles Gabriel, Darlan Pedro Lima e Geovan Marcela de Souza

72
Mayra Wapichana, Bartô e Marizete
Isaias Miliano e Shigeaki

Shigeaki e convidadas
Foto: Simone Mêne
Artivista Isaias Miliano

Foto: Simone Mêne


Professora Ise de Goreth
73
Priscilla Cardoso Rodrigues e Arawak
em entrevista para a Rede Amazônica

Makdones e Shigeaki

Foto: Paula Fernanda S. de Sales


Banda Sociedade de Esquina
Da esquerda para a direita:
Emerson, Marcio, Milena,
Priscilla Cardoso Rodrigues,
Arawak e Alexandre Cavalcanti

74
ROÇA AJURI DE ARTE INDÍGENA RORAIMENSE,
MAKUNAIMIZAR MAKUNAIMAZANDO

Oficina de Arte Indígena com Jaider e Charles Gabriel


Comunidade Maturuca TIRSS

75
Exposição Piatai Datai Davi Kopenawa Yanomami e Jaider Esbell
Da esquerda para a direita: Arawak, Raquel,
Jaider Esbell e vó Bernaldina,

Vó Bernaldina, Jaider Esbell e Makdones


na Galeria Jaider Esbell
Exposição Piatai Datai
Jaider Esbell e Arawak

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Dayana Soares sendo pintada com jenipapo por Jaider Esbell

Dayana Soares pintando Jaider Esbell com jenipapo

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Da esquerda para a direita: Arawak, Charles Gabriel,
Isaias Miliano e Jaider Esbell
Foto: Simone Mêne
Encontro de Todos os Povos (2014)
Da esquerda para a direita: Isaias Miliano, Luis Matheus,
Jaider Esbell, Mario Flores Taurepang, Bartô e Arawak

1º Lugar - Melhor Stand de Cultura, Criatividade e Organização

78
Projeto de produção de ecopastas com fibras naturais

Jaider Esbell, Arawak, Avilo Esbell, Projeto de produção de ecopastas com fibras naturais

Jaider Esbell, Arawak e Avilo Esbell

Arawak e Jaider Esbell

79
ARTIVISMO

Da esquerda para a direita: Jaider Esbell, Ailton Krenak, Da esquerda para a direita: Priscilla Cardoso Rodrigues,
Priscilla Cardoso Rodrigues e Arawak Arawak, Jaider Esbell e vó Bernaldina

Foto: Fábio Almeida Foto: Fábio Almeida


Monumento ao Garimpeiro Bartô e Arawak
Praça do Centro Cívico, Boa Vista, Roraima
80
Foto: Fábio Almeida
Da esquerda para a direita: Caíque, Bartô, Ivo Cípio Makuxi
e Arawak Foto: Fábio Almeida
Arawak

Foto: Fábio Almeida


Bartô Foto: Fábio Almeida
Acima: Bartô. Abaixo, da esquerda para a direita:
Dario Yawarioma, Ivo Cípio Makuxi e Arawak

81
Arawak e Bartô

Arawak

Priscilla Cardoso Rodrigues e Arawak

Da esquerda para a direita: Denise,


Arawak e Priscilla Cardoso Rodrigues

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III Acampamento Terra Livre - Roraima

Da esquerda para a direita: Priscilla Cardoso


Rodrigues, Arawak e Bartô

83
Enock Taurepang

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AGRADECIMENTOS

Agradecimentos especiais a todos os que materializaram esse grande sonho coletivo,


essa grande roça de arte, o grande ajuri da Exposição Jaider Esbell “Um Makuna’imî entre nós”,
na maior maloca do meio do mundo (Pata’Imî) do cosmos: à família de Jaider Esbell, Zenilda
Esbell e Parmênio Citó; à Curadora Priscilla Cardoso Rodrigues; aos organizadores e artivistas
Arawak, Bartô Macuxi, Isaias Miliano; aos artivistas Valdélia Wapixana, Milena MKX, Sra.
Joana, Juci Carneiro & Wendenmara Gomes, Celestina F. da Silva, Delci F. Souza Martins,
Dayana Soares, Ávilo Esbell, Luís Matheus, Charles Gabriel, Makdones, Gustavo Caboco,
Geovan Gabriel de Souza, Emannuel Wapixana, José Taurepang e Anakok Taurepang, Nelson
Martins; aos amigos das mídias Shirley Rodrigues, Simone Mêne e Fabricio, Monica Silva, Emily
Costa, Angelica, Mayra Wapixana; ao Enock Taurepang, Tuxawas, lideranças indígenas e
Organizações Indígenas presentes; à Banda Sociedade de Esquina; ao apoio de Sr. Nonato do
Espaço Cultural Paricá, Galeria Jaider Esbell, Paula Berbet e Daniel, Evandro, Leda Martins,
Florany M, e Antônio O. F; aos professores Luiz Pessoni, Ise de Goreth, Maria Magalhaes e
Gustavo; ao público que se fez presente nesse grande ajuri, Parixara da arte, na maior maloca
do meio do mundo, muito obrigado. A todos os Artivistas, amigos, parceiros, apoiadores,
incentivadores da arte e da cultura indígena.
Viva, bravo Jaider Esbell!
A luta e resistência dos povos indígenas continuam: “Ou vai ou racha”!

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DADOS TÉCNICOS

Curadoria
Priscilla Cardoso Rodrigues

Organização
Arawak, Bartô, Isaias Miliano

Expografia
Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak,
Dayana Soares, Bartô, Isaias Miliano, Makdones

Fotografias
Família Esbell, Simone Mêne, Priscilla Cardoso Rodrigues, Dayana Soares, Arawak,
Shirley Rodrigues, Mayra Wapixana, Makdones, Bartô, Isaias Miliano, Shigeaki, Paula
Fernanda Sampaio de Sales

Comunicação e Mídia
Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak

Montagem
Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak, Dayana Soares, Bartô, Isaias Miliano,
Arawak, Charles Gabriel, Makdones

Cenário externo e interno


Arawak, Dayana Soares, Bartô, Makdones, Isaias Miliano

Expografia Indígena/Artes Indígenas/Mídia Visual


Priscilla Cardoso Rodrigues, Dayana Soares

Decoração
Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak, Dayana Soares, Bartô,
Isaias Miliano, Makdones, Gustavo

Captação de recursos, parcerias e doações


Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak, Dayana Soares, Bartô

Revisão
Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak

Logística
Priscilla Cardoso Rodrigues, Arawak,
Dayana Soares, Bartô, Evandro

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VÍDEOS PARA A EXPOSIÇÃO
JAIDER ESBELL “UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS”

01- Wazacá, a árvore da vida, por Jaider Esbell


https://www.youtube.com/watch?v=FsMblgKOzRA

02- O sistema da Arte Indígena em 10 minutos - Jaider Esbell


https://www.youtube.com/watch?v=XkwVtXyUH9A
03- "Apresentação: Ruku" - Jaider Esbell
https://www.youtube.com/watch?v=yLDirVLkTwU

04- Galeria Liz Medeiros recebe exposição “It Was Amazon” de Jaider Esbell
https://www.youtube.com/watch?v=dmZAHfe_Skg

05- A Bienal dos Indígenas


https://www.youtube.com/watch?v=B3q990dqHTM

06- Jaider Esbell - Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea


https://www.youtube.com/watch?v=arhgs0kJMzU

07- Brasil de Fato traz entrevista histórica com artista indígena Jaider Esbell, falecido terça
https://www.youtube.com/watch?v=xYTi6pSU6Zc

08- Jaider Esbell - Culturas indígenas (2018)


https://www.youtube.com/watch?v=DRS30rVoqIU

09- Exposição "Apresentação: Ruku" de Jaider Esbell com Camila Yunes Guarita
https://www.youtube.com/watch?v=H1gdpFvYjUM

10- Salve
https://www.youtube.com/watch?v=pjSb_11djic

11- Jaider Esbell em Pitzer College - Califórnia/USA, 2014


https://www.youtube.com/watch?v=cLuo97DMzH4

12- Arte e juventude


https://www.youtube.com/watch?v=PJg3n86ogCs

13- Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea


https://www.youtube.com/watch?v=luPlglBD7RE

14- Jaider Esbell - “Arte Indígena Contemporânea nas Práticas”


https://www.youtube.com/watch?v=9bOe3fKJQT8

15- A Bienal dos Índios - Semana da Arte Indígena Contemporânea


https://www.youtube.com/watch?v=I7m-_hnKMYU

16- Jaider entrevista Krenak Diálogos: Desafios para a decolonialidade


https://www.youtube.com/watch?v=qFZki_sr6ws

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LINKS RELACIONADOS À EXPOSIÇÃO
JAIDER ESBELL “UM MAKUNA’IMÎ ENTRE NÓS”

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2022/03/25/exposicao-relembra-vida-e-obra-do-
artista-indigena-jaider-esbell-em-boa-vista.ghtml

https://amazoniareal.com.br/exposicao-homenageia-jaider-esbell/

https://folhabv.com.br/coluna/7/social

https://portalspace.com.br/noticia/10957/exposicao-relembra-vida-e-obra-do-artista-
indigena-jaider-esbell-em-boa-vista.html

PARCERIAS COM GALERIAS, ATELIERS, STUDIOS

Atelier Arawak
Galeria Jaider esbell
Bartô Studio
Atelier Luiz Matheus
Atelier Dayana Soares
Galeria Isaias Miliano
Atelier Luiz Matheus
Atelier Gustavo Caboco
Atelier de Arte Makdones
Atelier Dimadeira
Atelier Peppe Artes

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CONTATO DOS ARTIVISTAS

Arawak: 55 95 99128-7926, @_arawak

Bartô: 55 95 99144-3397, @barto_macuxi

Isaias Miliano: @isaias.miliano.5

Makdones: 55 95 98403-8470, @artesdones

Delci F. Souza Martins: 55 95 99159-8834

Dayana Soares: @_daya_rr

Ávilo Esbell: 55 95 98411-6737

Charles Gabriel: 55 95 99165-1952

Gustavo Caboco: @gustavo.caboco

Valdélia Wapixana: @valdeliawapichana

Juci Carneiro & Wendenmara Gomes: 55 95 99111-6802, @dimadeiraatelie

Milena MKX: @peppeartes

PARCERIAS E APOIO
Espaço Cultural Paricá: 55 95 99156-0649, @parica_cultural

Associação Cultural Indígena Kapoi: 55 95 98105-3802

Banda Sociedade de Esquina: 55 95 99128-3462, @sociedade_de_esquina

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Realização:

Arawak Consultoria e Assessoria.

Apoio:

Espaço Cultural Paricá Galeria Jaider Esbell

Artes Makdones

CapivaNarte20

Valdélia Wapichana Di Madeira Ateliê (J&M)


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