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Curso de Direito

Disciplina: Direito Penal II


Professor: Dr. Luiz Fernando Kazmierczak
Aula: Lesão Corporal (art. 129)
CAPÍTULO II
DAS LESÕES CORPORAIS
Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:


Pena - detenção, de três meses a um ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem
assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Diminuição de pena

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob
o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode
reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa,
de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.

Lesão corporal culposa

§ 6º Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.

Aumento de pena

§ 7º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do
art. 121 deste Código.

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.


Violência Doméstica

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro,


ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no §
9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for
cometido contra pessoa portadora de deficiência.

§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança
Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro
ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de
um a dois terços.
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos
termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).


1) Introdução

Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal – item 42:

“O crime de lesão corporal é definido como ofensa à integridade corporal ou saúde,


isto é, como todo e qualquer dano ocasionado à normalidade funcional do corpo
humano, quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou
mental. [...]”.

Mirabete conceitua o crime de lesão corporal da seguinte forma:

O delito de lesão corporal pode ser conceituado como a ofensa à integridade corporal
ou à saúde, ou seja, o dano ocasionado à normalidade funcional do corpo humano,
quer do ponto de vista anatômico, quer do ponto de vista fisiológico ou mental
(MIRABETE, 2011, p. 103).
2) Objeto Jurídico

O bem jurídico tutelado pelo crime de lesões corporais é a integridade física e psíquica
do ser humano. É a incolumidade pessoal do indivíduo.

A integridade física e psíquica é bem jurídico disponível?

Em regra, a integridade física é bem jurídico indisponível. No entanto, entende-se que


a lesão leve é bem jurídico disponível, em especial, após a edição da Lei nº 9.099/95
que tornou a ação penal pública condicionada à representação do ofendido.

E a colocação de um piercing? Fazer uma tatuagem?


3) Sujeitos do Crime

3.1. Sujeito Ativo

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa.

Em regra, a “autolesão” não constitui crime! No entanto, cuidado com as seguintes


situações:

Ex. 1: O indivíduo corta um dedo da própria mão, simulando um acidente para receber
indenização de seguro. Caracteriza-se o crime do art. 171, § 2º, V, CP (Fraude para
recebimento de indenização ou valor de seguro).

Ex. 2: Indivíduo que se automutila para esquivar-se do serviço militar (art. 184 do
Código Penal Militar).
3.2. Sujeito Passivo

Qualquer pessoa, portanto, crime comum.

No entanto, há exceções. Elas estão previstas no inciso IV do § 1º e no inciso V do § 2º,


do art. 129, do CP, que prescrevem, respectivamente, as formas qualificadas de
“aceleração de parto” e “aborto”. Nessas figuras, a vítima é a gestante.

Algumas considerações especiais quanto a vítima:

Art. 129. [...]


§ 7º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º
e 6º do art. 121 deste Código.

Quando o crime é cometido contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos de idade.


Art. 129. [...]
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o
agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Trata-se dos casos de violência doméstica.

Art. 129. [...]


§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144
da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu
cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa
condição, a pena é aumentada de um a dois terços.

Quando a vítima pertencer as forças de segurança nos termos do §12 ou possuir


alguma relação de parentesco.
Incluída pela Lei nº 14.188, de 2021, temos uma qualificadora quando a vítima é
mulher e a violência ocorre nos termos do § 2º-A do art. 121:

Art. 129. [...]


§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo
feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).
4) Conduta

O verbo núcleo é “ofender”. Tal ofensa pode ser perpetrada por qualquer meio idôneo,
pois que se trata de crime de forma livre.

O Código Penal de 1890 previa a necessidade de ocorrência de dor para a


caracterização do crime de lesões corporais. Hoje não existe tal exigência no tipo penal,
de modo que basta que haja a lesão corporal, independente de manifestação de dor.

Assim, basta que a conduta cause dano: a) ao corpo; ou b) à saúde.

Corte de cabelo, barba e unhas? Qual o crime?


O corte de cabelo, barba ou unhas com ausência do consentimento da vítima tem
provocado dissidência doutrinária.

Alguns autores (v.g. Aníbal Bruno e Heleno Fragoso) defendem tratar-se de crime de
lesões corporais. Para tanto, é indispensável que a ação provoque alteração
desfavorável no aspecto exterior do indivíduo.

No entanto, a posição predominante e mais acertada seria aquela que reconhece


nestes casos a ocorrência de injúria real (art. 140, § 2º, CP), contravenção de vias de
fato (art. 21, LCP) ou crime de constrangimento ilegal (art. 146, CP). Nessas hipóteses,
o dolo do agente determinará o enquadramento típico.

Se for realizado em criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância


com a intenção de causar vexame ou constrangimento responderá pelo art. 232 do
ECA.
Pluralidade de lesões?
No caso de agressão a uma mesma pessoa frequentemente ocorrem diversas lesões
corporais. Nestes casos não haverá vários crimes de lesões corporais, mas apenas um,
ou seja, a pluralidade de lesões num mesmo contexto e contra uma mesma vítima não
ocasiona pluralidade de crimes. No entanto, a pluralidade de lesões deve ser
considerada na fixação da pena (art. 59 do CP – consequências do crime para a vítima).

Pluralidade de vítimas?
Se há pluralidade de vítimas (ex.: indivíduo que agride e lesiona as vítimas A, B e C),
ocorre, obviamente, pluralidade de crimes. O mesmo se pode dizer se uma mesma
pessoa é agredida várias vezes, sofrendo lesões diversas em ocasiões distintas (ex.: o
autor agride a vítima hoje e depois novamente a agride no outro dia ou no mesmo dia,
mas em outro contexto).
Atenção!

Não somente a provocação de uma lesão corporal em um indivíduo íntegro configura o


crime, mas também o agravamento de uma lesão já existente. Por exemplo: um
indivíduo que quebra o braço da vítima que já estava anteriormente lesionado por uma
luxação.

Contravenção Penal (Decreto-Lei nº 3.688/41)

Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém:


Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o
fato não constitui crime.

Exemplos: mero empurrão, puxão de cabelos, um tapa e etc.


5) Elemento Subjetivo

O crime de lesão corporal é punido a título de:

a) Dolo - caput e §§ 1º e 2º;


b) Culpa - §6º;
c) Preterdolo - §§ 1º, 2º e 3º.

Em alguns casos, embora presentes o elemento subjetivo e a conduta objetiva, o crime


de lesões corporais não se configura. São exemplos:

a) Lesões nos esportes;


b) Intervenções cirúrgicas.
a) Lesões nos esportes

Se as lesões fazem parte do contato físico normal da prática esportiva (ex.: futebol,
basquete, boxe etc.), são atípicas, pois são consideradas socialmente adequadas
(Teoria da Adequação Social – Hans Welzel), configurando um risco permitido na vida
social (Teoria da Imputação Objetiva – Claus Roxin). Nas palavras de Guilherme de
Souza Nucci:

“(...) lesões praticadas no esporte: trata-se, via de regra, de exercício regular de direito, quando
respeitadas as regras do esporte praticado. Exemplo disso é a luta de boxe, cujo objetivo é
justamente nocautear o adversário. Fugindo das normas esportivas, deve o agente responder pelo
abuso ou valer-se de outra modalidade de excludente, tal como o consentimento do ofendido;”

Se as lesões extrapolam as regras existentes para a prática esportiva, configura-se


normalmente o crime. Por exemplo, uma briga entre jogadores de futebol em campo.
b) Intervenções Cirúrgicas

1º) É hipótese de atipicidade (Bento de Faria) não existe ajuste do comportamento dele ao tipo
penal;
2º) Ausência de dolo (Francisco de Assis Toledo) quando o médico intervém ele tem o dolo de
curar e não dolo de ofender;
3º) Descriminante supralegal do consentimento do ofendido;
4º) Exercício Regular de um Direito;
5º) Tipicidade conglobante (Zaffaroni);
6º) Teoria da Imputação Objetiva: são isentas as condutas que são dirigidas à diminuição de um
risco ou a evitar um dano maior ao bem jurídico, o que certamente ocorre nos casos de
intervenções cirúrgicas.
7º) Teoria da Adequação Social: medicina é uma atividade não somente socialmente adequada
e admitida, mas também indispensável para a sociedade.

Se a intervenção resultar no paciente um quadro desfavorável, fruto de inobservância das


regras técnicas da medicina, pode o médico ser responsabilizado por lesão culposa.
6) Consumação e Tentativa

O crime de lesões corporais se consuma com a efetiva lesão à integridade física ou


psíquica da vítima.

A tentativa é possível.
7) Lesão Corporal Dolosa de Natureza Leve

Previsão: art. 129, “caput”, CP

O conceito de lesão leve é formado por exclusão, ou seja, se não for o caso de lesões
graves, gravíssimas ou seguidas de morte, terão ocorrido lesões corporais leves (art.
129, caput, CP).

É aplicável o princípio da insignificância na lesão corporal de natureza leve?


A jurisprudência e a doutrina admitem a aplicação do princípio da insignificância na
lesão leve, excluindo a tipicidade.
Exemplos: pequenas arranhaduras, passageira dor de cabeça (Heleno Fragoso e
Pierangelli).
8) Lesão Corporal Dolosa de Natureza Grave

Quando o Código Penal menciona “lesão grave” está compreendido os parágrafos 1º e


2º do art. 129. No entanto, a doutrina passou atribuir ao § 2º a expressão “lesão
corporal de natureza gravíssima”, que foi aceita pela jurisprudência.

§1º: Pena - reclusão, de um a cinco anos.


§2º: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Os §§ 1º e 2º trazem lesões qualificadas pelo resultado, podendo o evento mais grave


ser aceito ou desejado pelo agente (dolo direto ou eventual) ou culposamente
provocado (culpa), configurando, nessa última hipótese, crime preterdoloso.

Cuidado! O 1º, II (perigo de vida) e o §2º, V (abortamento) são qualificadoras punidas


apenas a título de preterdolo.
Art. 129. [...] § 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

A incapacidade para ocupações habituais não se confunde com a incapacidade para o


trabalho. Essas atividades habituais podem referir-se a qualquer atividade corporal
costumeira, tradicional, não necessariamente ligada ao trabalho ou ocupação lucrativa,
devendo ser lícita, não importando se moral ou imoral, podendo ser intelectual,
econômica, esportiva e etc.

Pergunta: Um bebê de 2 meses de vida pode ser vítima de lesão grave na hipótese do
inciso I? Se ele ficar incapacitado para mamar diretamente na mãe sofreu lesão de
natureza grave.
Atenção! O prazo de 30 dias a ser ultrapassado para a caracterização da lesão grave
não se refere ao tempo de recuperação da lesão, mas sim à incapacitação da vítima.

CPP

Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-
á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a
requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.
[...]
§ 2º. Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal,
deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime.
Art. 129. [...] § 1º Se resulta:
II - perigo de vida;

A primeira observação importante neste caso é que essa modalidade de lesão grave só
pode ser admitida de forma preterdolosa. Na forma dolosa haveria tentativa de
homicídio.

O perigo exigido deve ser concreto.

Atenção! A região da lesão, por si só, não justifica a presunção do perigo.

Inclusive o Laudo do IML nestes casos deve ser bem fundamentado pelo perito, não
bastando apenas dizer que houve perigo de vida, mas apontar em que consistiu esse
perigo.
Art. 129. [...] § 1º Se resulta:
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

Serão lesões que causam uma “redução da capacidade funcional”.

Debilidade: significa enfraquecimento, diminuição da capacidade funcional.


Permanente: recuperação incerta e por tempo indeterminado, não é perpetua.

Podem atingir:
a) membros – braços e pernas;
b) sentidos – visão, audição, olfato, paladar e tato;
c) função – atividades que são desenvolvidas por um conjunto de órgãos (exs.:
respiratória, circulatória, digestiva, locomotora, reprodutora, mastigatória etc.).
São exemplos de lesões dessa espécie:

a) perda de órgão duplo (ex.: um olho);


b) perda de um dedo ou parte de um dedo; enrijecimento da mão ou dos dedos (obs.
Se a mão é amputada, a lesão é gravíssima – art. 129, § 2º, III, inutilização de
membro);
c) perda dentária (ataca a função mastigatória e/ou digestiva).

Nestes casos não importa que a debilidade possa ser atenuada por meio do uso de
próteses.
Art. 129. [...] § 1º Se resulta:
IV - aceleração de parto:

Ocorre quando a lesão leva à antecipação do parto. Neste caso ocorre um parto
prematuro e o nascido sobrevive; se ocorrer aborto, há lesão gravíssima (art. 129, § 2º,
V, CP).

Atenção! Acaso o sujeito ativo desconheça a gravidez da vítima, não pode ser
responsabilizado pela lesão grave, pois se exige ao menos conduta culposa para
possibilitar sua responsabilização (art. 19, CP).
Art. 129. [...] § 2º Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;

Permanente: duradoura no tempo e sem previsibilidade de cessação.

Pergunta: Qual trabalho? É para qualquer trabalho ou só para o trabalho que exercia
antes da lesão?
Prevalece que só incide essa qualificadora se ficar incapacidade para todo e qualquer
tipo de trabalho. Por outro lado, Mirabete entende que basta ficar incapacitado para o
exercício do trabalho que era anteriormente executado pela vítima (é corrente
minoritária)
Art. 129. [...] § 2º Se resulta:
II - enfermidade incurável;

Enfermidade é sinônimo de moléstia ou doença na lei penal, dizendo-se incurável


aquela doença que, de acordo com o atual estágio de desenvolvimento da medicina,
não tem cura integral, ainda que seja tratável e controlável.
Art. 129. [...] § 2º Se resulta:
III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

Na perda ocorre a mutilação (causada por violência) ou amputação (causada por


cirurgia).
Na inutilização, o membro ou órgão, embora permaneça ligado ao corpo, não tem mais
capacidade funcional, ou seja, de realizar a atividade normal a que é afeto.
A perda de um dedo da mão é apenas debilidade permanente, e não perda de membro
(lesão corporal grave, e não gravíssima). Já a amputação ou mutilação de um braço
configura perda de membro, assim como a amputação ou mutilação de toda a mão
configura inutilização de membro.
Lesão que cause impotência generandi (reprodutiva) ou coeundi (de manter coito) para
ambos os sexos é gravíssima por perda da função reprodutora e/ou sexual.
Art. 129. [...] § 2º Se resulta:
IV - deformidade permanente;

Deformidade será considerada toda lesão que acarrete um prejuízo estético à vítima.

A deformidade permanente é estabelecida por meio de exame pericial médico-legal,


no qual se verificará se ela não é reparável naturalmente ou pela aplicação ordinária da
arte médica ou curativa.

Ao contrário de outros países como a Itália e a Argentina, o nosso Código Penal não
considera a qualificadora apenas nos casos de lesão no rosto, mas sim abrangendo
todo o corpo, mesmo que tenha atingido região visível somente em momentos de
maior intimidade.
Atenção!

Não importa que a vítima possa disfarçar a deformidade com artifícios como perucas,
cremes, maquiagens, roupas com gola alta ou manga comprida etc.
Também não importa que a deformidade possa ser reparada por cirurgia plástica, não
estando a vítima obrigada a submeter-se a esse tipo de intervenção.
A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido que no caso da deformidade a vítima
não está obrigada a submeter-se a cirurgia plástica, de modo que a mera possibilidade
de reparação do dano estético não desconfigura a qualificadora.
Magalhães Noronha observa que na deformidade devem ser levados em conta
aspectos sociais, etários e sexuais, aduzindo que a deformidade de um gilvaz na face de
uma donzela não se pode comparar a uma cicatriz no peito de um estivador ou mesmo
no rosto de um ancião já marcado pelas rugas (NORONHA, 1990, p. 72).
Informativo nº 0562 (18 a 28 de maio de 2015)

SEXTA TURMA

DIREITO PENAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL QUALIFICADO PELA DEFORMIDADE


PERMANENTE.
A qualificadora "deformidade permanente" do crime de lesão corporal (art. 129, § 2º,
IV, do CP) não é afastada por posterior cirurgia estética reparadora que elimine ou
minimize a deformidade na vítima. Isso porque, o fato criminoso é valorado no
momento de sua consumação, não o afetando providências posteriores, notadamente
quando não usuais (pelo risco ou pelo custo, como cirurgia plástica ou de tratamentos
prolongados, dolorosos ou geradores do risco de vida) e promovidas a critério exclusivo
da vítima. HC 306.677-RJ, Rel. Min. Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ-
SP), Rel. para acórdão Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/5/2015, DJe 28/5/2015.
Art. 129. [...] § 2º Se resulta:
V - aborto:

Trata-se do denominado “Aborto Preterintencional”. O agente quer apenas causar


lesões corporais, mas faz com que a vítima aborte.
9) Lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, CP)

Art. 129. [...]


§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu
o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

As lesões corporais seguidas de morte têm recebido da doutrina o nome de “Homicídio


Preterdoloso” ou “Homicídio Preterintencional”.
Para sua configuração, o agente deve pretender somente lesionar a vítima, mas o
resultado morte ocorre independentemente de sua vontade. Se o sujeito lesiona
alguém para matar, responderá por homicídio consumado ou tentado, conforme o
caso.
Elementos:

a) Uma conduta dolosa, dirigida à ofensa da integridade corporal ou da saúde de


outrem;
b) Resultado culposo mais grave (morte);
c) Nexo entre a conduta e o resultado.

Atenção! O caso fortuito ou a imprevisibilidade do resultado elimina a configuração do


crime preterdoloso, respondendo agente apenas pelas lesões corporais.
São exemplos de lesão corporal seguida de morte na jurisprudência:

a) empurrão com queda da vítima e traumatismo crânio-encefálico;


b) soco com queda da vítima e traumatismo crânio-encefálico;
c) pauladas na cabeça;
d) facadas na perna que seccionam artéria etc.

O crime de lesões corporais seguidas de morte não existe na forma tentada, pois que
tal fato configuraria tentativa de homicídio.
10) Lesão Corporal Dolosa Privilegiada

Art. 129. [...]


Diminuição de pena
§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a
pena de um sexto a um terço.

Valem aqui os comentários já expostos com relação ao homicídio privilegiado, sendo a


redação dos dispositivos idêntica.
11) Substituição de Pena

Art. 129. [...]


Substituição da pena
§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de
duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.

Aplica-se apenas nos casos de lesão corporal de natureza leve.

I – Nas hipóteses em que o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima;
II – Quando as lesões forem mútuas.

Damásio E. de Jesus esquematiza as hipóteses:

1º) Ambos se ferem e um agiu em legítima defesa: absolve-se um e condena-se o


outro, com o privilégio;

2º) Ambos se ferem e dizem ter agido em legítima defesa, não havendo prova do início
da agressão: nesta hipótese, ambos devem ser absolvidos;

3º) Ambos são culpados e nenhum agiu em legítima defesa: devem os dois serem
condenados com o privilégio.
12) Lesão Corporal Culposa

Art. 129. [...]


Lesão corporal culposa
§ 6° Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de dois meses a um ano.

Trata-se dos casos em que a lesão corporal é causada por imprudência, negligência ou
imperícia.

Nestes casos não há distinção entre lesões leves, graves ou gravíssimas, sendo fato que
sempre a tipificação recairá no § 6º do art. 129, CP. No entanto, a gravidade das lesões
será considerada na dosimetria da pena nos moldes do art. 59, CP (“consequências do
crime”).
13) Lesão Corporal Culposa Majorada

Art. 129. [...]


Aumento de pena
§ 7º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4º e 6º do art.
121 deste Código.

Valem aqui os comentários já expostos com relação as causas de aumento de pena


previstas para o homicídio.
14) Perdão Judicial

Art. 129. [...]


§ 8º Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

Valem aqui os comentários já expostos com relação ao perdão judicial previsto para o
homicídio.
15) Violência Doméstica

Art. 129. [...]


§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou
com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas,
de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

O presente dispositivo teve redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006 – “Lei Maria da
Penha”.

Obs.: aplica-se EXCLUSIVAMENTE às lesões corporais dolosas de natureza leve.


A violência doméstica, como descrita no §9º, ocorre contra:

a) Ascendente, descendente ou irmão;


b) Cônjuge ou companheiro;
c) Com quem conviva ou tenha convivido;
d) Prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou
hospitalidade.

A vítima necessariamente tem que ser mulher? Não! A forma qualificada de lesão
corporal não restringe o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos.
Violência doméstica e princípio da insignificância

STF - RHC 133043


Órgão julgador: Segunda Turma Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 10/05/2016 Publicação: 23/05/2016

Ementa
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: IMPOSSIBILIDADE. ORDEM
DENEGADA. 1. Para incidência do princípio da insignificância devem ser relevados o valor do
objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, a mínima ofensividade da conduta do agente, a
ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 2. Na espécie vertente, não se
pode aplicar ao Recorrente o princípio pela prática de crime com violência contra a mulher. 3. O
princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar condutas
desvirtuadas, mas para impedir que desvios de conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados
pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. 4. Comportamentos contrários à lei
penal, notadamente quando exercidos com violência contra a mulher, devido à expressiva
ofensividade, periculosidade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica
causada, perdem a característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal. 5. Recurso
ao qual se nega provimento.
STJ

Súmula 589: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais


praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

Atenção! Bis in Idem

Não se aplica à violência doméstica e familiar as agravantes do art. 61, II, “e” e “f”, do CP:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
[...]
II - ter o agente cometido o crime:
[...]
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade,
ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;
16) Lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte majorada pela violência
doméstica familiar

Art. 129. [...]


§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º
deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

Se presentes as circunstâncias do parágrafo 9º aumenta-se de 1/3 a pena de lesão


corporal grave (§1º), gravíssima (§2º) ou seguida de morte (3º).

Ex.: marido lesiona a esposa com ácido (“vitriolagem”) provocando deformidade


permanente.
Temos lesão gravíssima – art. 129, §2º, IV – pena: reclusão, de dois a oito anos + 1/3
(§10).
17) Lesão corporal leve no ambiente doméstico e familiar contra pessoa portadora de
deficiência

Art. 129. [...]


§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido
contra pessoa portadora de deficiência.

Aplica-se na lesão corporal de natureza leve.

Qual o conceito de pessoa portadora de deficiência?


Lei nº 13.146/2015 – “Estatuto da Pessoa com Deficiência”

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe
multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III - a limitação no desempenho de atividades; e
IV - a restrição de participação.
§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.
18) Lesão corporal contra autoridade ou agente de segurança pública

Art. 129. [...]


§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no
exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços.

Aplica-se ao dispositivo as mesmas considerações realizadas na análise do homicídio


(art. 121, §2º, VII).
Atenção!

É a única forma de lesão corporal que configura crime hediondo:

Lei nº 8.072/90

Art. 1º. São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de
7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:
[...]
I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão corporal seguida de morte
(art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no
exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
19) Ação Penal

Regra: Ação Penal Pública Incondicionada

Exceções: Lesão corporal de natureza leve (“caput”) e culposa (§6º) – Ação Penal
Pública Condicionada à Representação da Vítima ou de seu Representante Legal.

Violência Doméstica e Familiar?


STJ – Súmula nº 542: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de
violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.”
STF – ADI nº 4424: Ação Penal Pública Incondicionada.

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