Você está na página 1de 8

ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES DO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

INQUÉRITO 4.831 DISTRITO FEDERAL


AGRAVANTE: JAIR MESSIAS BOLSONARO

JAIR MESSIAS BOLSONARO, Presidente da República, domiciliado no


Palácio do Planalto, Brasília/DF, neste ato representado pela Advocacia-Geral da União, nos
termos do artigo 22 da Lei n° 9.028/1995, ciente do despacho de 28/06/22, por meio do qual se
abriu vista à Procuradoria-Geral da República, para manifestação, em face de petição atravessada
pelo Senhor Senador da República Randolfe Rodrigues, vem interpor AGRAVO, com fulcro no
art. 317, caput, do RISTF, e no art. 39 da Lei nº 8.038, de 1990, fazendo-o amparado nos
fundamentos jurídicos consubstanciados nas razões anexas, recurso que se vindica o recebimento
e regular processamento ao Plenário da Egrégia Suprema Corte, a fim de que possa ser julgado.

Nesses termos, aguarda deferimento.

Brasília-DF, 5 de julho de 2022.

BRUNO BIANCO LEAL

Advogado-Geral da União

BERNARDO BATISTA DE ASSUMPÇÃO

Adjunto do Advogado-Geral da União


ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

RAZÕES DO AGRAVO

Excelso Pretório,

Eminentes Ministros,

I - DO CABIMENTO

Os arts. 39 da Lei nº 8.038/90 e 317, caput, do RISTF autorizam,


expressamente, o manejo de agravo em face da decisão monocrática que “causar gravame à parte”,
para o órgão colegiado competente, no prazo de 05 dias.1

Dessa forma, em face da decisão monocrática de 28/06/2022, em que se abriu


vista para que a Procuradoria-Geral da República lançasse manifestação sobre a petição ofertada
pelo Senhor Senador da República Randolfe Rodrigues, verifica-se inequívoco prejuízo ao ora
agravante consubstanciado no reconhecimento tácito de que a suposta e inexistente
interferência do Sr. Presidente da República na Polícia Federal quanto aos fatos narrados
guardaria pertinência objetiva capaz de atrair a apuração no bojo deste INQ 4.831/DF,
sob a relatoria do Sr. Ministro Alexandre de Moraes.

Em outras palavras, o gravame repousaria na circunstância de que, com a oitiva


da PGR, o despacho em tela teria autorizado de maneira implícita que os fatos levantados pelo
Sr. Senador da República possam ser escrutinados diretamente no presente INQ 4.831/DF, a
despeito não somente da manifesta ausência de justa causa para a manutenção do inquérito,
como também da ausência de conexão entre as matérias, sendo certo que o cenário
trazido pelo peticionante já é objeto do INQ 4.896/DF, relatado pela Sra. Ministra
Carmen Lúcia, juíza natural para o tema no âmbito do STF.

II - DA TEMPESTIVIDADE

1 “Art. 39 - Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à parte, caberá agravo para o
órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de cinco dias.”

2
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Quanto à tempestividade, o decisum foi divulgado no DJE n° 129, de


29/06/2022, edição publicada no dia 30/06/2022. Considerando o prazo de 05 dias para
manifestação recursal, o prazo final para a interposição de agravo recai no dia 05/07/2022, ante a
regra da exclusão do dia de início e inclusão da data do vencimento do prazo, postergando-se
para o dia útil seguinte acaso o termo recaia em dia sem expediente forense, ex vi do art. 798, §§
1º e 3º, do CPP:

“Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se
interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.

§ 1o Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.

(...)

§ 3o O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia
útil imediato.

Portanto, inequívoca tempestividade do agravo interposto em 05/07/2022.

III - DA BREVE EXPOSIÇÃO FÁTICA

Em apertada síntese, o Sr. Senador da República Randolfe Rodrigues protocolizou


petição avulsa em 24/06/2022 na qual, após trazer a lume notícia de veículo imprensa
envolvendo o ex-Ministro da Educação Sr. Milton Ribeiro, solicita ao Ministro Relator deste
INQ 4.831/DF que “tome as medidas cabíveis a fim de evitar interferências indevidas da cúpula do Poder
Executivo nas atividades-fim da Polícia Federal, determinando, se for o caso, a abertura de inquérito para apurar
a conduta de violação de sigilo e de obstrução da justiça do Presidente Jair Bolsonaro”.

Passo seguinte, o Sr. Ministro Alexandre de Moraes abriu vista à Procuradoria-


Geral da República sem levar em consideração que os mesmos fatos narrados pelo peticionante já
são objeto do INQ 4.896/DF, sob a relatoria da Sra. Ministra Carmen Lúcia.

IV – DOS FUNDAMENTOS

3
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

IV.1 – DA INEXISTÊNCIA DE PREVENÇÃO NOS AUTOS DO INQ 4.831, PARA


COGNIÇÃO DA MATÉRIA VERSADA NA PETIÇÃO DE 24/06/2022

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos LIII e XXVII, consagra o
princípio do juiz natural, ao asseverar que: “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Referido postulado goza de duas facetas,
uma positiva, a que obsta o processamento e julgamento por autoridade incompetente e, quanto
à negativa, a que proíbe a constituição de tribunais de exceção ou post factum.

Na mesma direção é o Pacto de San Jose da Costa Rica que, em seu art. 8º, item 1,
assevera que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza
civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

Consoante a doutrina de Gustavo Henrique Badaró, “o escopo ou finalidade da


garantia do juiz natural é assegurar a imparcialidade do julgador, ou melhor, o direito de todo e qualquer acusado
ser julgado por um juiz imparcial. A garantia do juiz natural é teleologicamente voltada para assegurar a
imparcialidade do julgador” (In Processo Penal, RT, 9ª ed., 2021: p. 56).

In casu, é fato notório que, nos autos do Processo 1029402-60.2022.4.01.3400, o


Juízo da 15ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Distrito Federal proferiu decisão (em
anexo) datada de 23/06/2022 na qual, ao vislumbrar “possível interferência nas investigações por parte de
detentor de foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal”, determinou “a remessa da
integralidade dos autos ao Supremo Tribunal Federal, por prevenção à Exma. Ministra Cármen Lúcia, Relatora
do INQ 4896 para devida deliberação quanto ao prosseguimento da investigação perante esta 15ª Vara ou sua
cisão/desmembramento”.

Igualmente, é sabido que esse processo judicial diz respeito a “possíveis crimes de
corrupção passiva (art. 317-CP), prevaricação (art. 319-CP), advocacia administrativa (art. 321-CP) e tráfico de
influência (art. 332-CP), por parte do ex-Ministro da Educação Milton Ribeiro, com possíveis envolvimentos dos
Pastores Gilmar Santos e Arilton Moura Correa, além de Luciano Freitas Musse”, conforme relatório da
decisão do magistrado singular.

Ora, em um silogismo simples, infere-se que a pretensão deduzida pelo Senhor


Senador Randolfe Rodrigues gravita em torno exatamente dos mesmos fatos que estão sendo

4
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

objeto de apuração no INQ 4.896/DF, o que torna inarredável o reconhecimento de que, em


obséquio ao princípio do juiz natural, a petição em tela não deveria ter sido processada, com a
subsequente oitiva da PGR, por impulso do Ministro Alexandre de Moraes.

Com efeito, admitir-se a apuração simultânea desses fatos em inquéritos paralelos


sob diferentes relatorias não somente atenta contra os princípios elementares do juiz natural, da
vedação ao bis in idem e da proibição à litispendência, como também denota a intenção do
peticionante de criar uma espécie de juízo universal no INQ 4.831/DF, que, frise-se, cuida de
infundadas acusações formuladas há mais de 02 (dois) anos pelo Senhor Sérgio Moro, ex-
Ministro da Justiça e Segurança Pública, sobre pretensa interferência na Polícia Federal.

Deveras, os contextos retratados no INQ 4.831/DF e no INQ 4.836/DF são


absolutamente diversos, inclusive quanto ao aspecto temporal, daí porque não se pode
compreender como legítima a tentativa do peticionante de reunir no inquérito sob a relatoria do
Ministro Alexandre de Moraes toda e qualquer acusação infundada de interferência na Polícia
Federal, sob pena de desvirtuar o sistema processual penal e o princípio do juiz natural.

Dito de outra forma, pugna-se aqui pelo reconhecimento de que é inadmissível


que os fatos objeto do Processo 1029402-60.2022.4.01.3400 – JFDF e o INQ 4.896/DF do STF
sejam investigados em duplicidade no âmbito do INQ 4.891/DF, postulando-se, assim, pela
reforma da decisão que abriu vista à PGR, ordenando-se o desentranhamento da petição avulsa e
sua restituição ao proponente ou a remessa à Procuradoria-Geral da República, sem
processamento, em atenção ao art. 230-B do RISTF.

IV.2 – DA NÃO OBSERVÂNCIA DA NORMA CONTIDA NO ART. 230-B DO RISTF.


DA VULNERAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO

Sob outro ângulo, esta Advocacia-Geral da União tem acompanhado a adoção de


rotina, notadamente, por membros do Congresso Nacional e, com menos frequência, por
particulares, de encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal de “notícias-crime” em face de
agentes públicos detentores da prerrogativa de foro de que trata o art. 102 da CRFB/88, como se
a Corte fosse instância primária para cognição dos fatos alegados.
Ocorre que há dispositivo específico no Regimento Interno do STF acerca da
comunicação de crime. Referimo-nos ao art. 230-B, que disciplina no sentido de que o Tribunal

5
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

não processará ditas “notícias-crime”, encaminhando-as a quem de Direito, in casu, à


Procuradoria-Geral da República, órgão competente para o requerimento de instauração de
inquéritos2 em face de agentes políticos com prerrogativa de foro na Suprema Corte. Vejamos o
teor da norma:

“Art. 230-b. O Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à


Procuradoria-Geral da República. (Incluído pela Emenda Regimental n. 44, de 2 de junho de
2011)”

Não é razoável, data venia, que membros do Congresso Nacional – Senadores e


Deputados – instrumentalizem comunicações de crime via Poder Judiciário, locus que, aliás,
deveria permanecer apartada de procedimentos investigativos para a preservação dos princípios
da inércia e da imparcialidade, marcas do sistema acusatório, adotado pelo Constituinte de 1988,
consoante lições doutrinárias e precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, sequer é possível emprestar-lhes o benefício da dúvida quanto ao


desconhecimento da instituição constitucionalmente designada para recepcionar sinalizações de
supostos ilícitos penais, haja vista que, na qualidade de legisladores, não é razoável supor o
desconhecimento das leis, mormente diante da base jurídica que grande parte de seus membros
detém.
Nessa toada, a escorreita exegese do art. 230-B do RISTF não pode ser, em
absoluto, aquela que agasalha a tentativa de institucionalização de fluxo primário de remessa de
“notícias-crime” a qualquer foro do Poder Judiciário, seja este STF ou outros Tribunais e Juízos,
mas aquela que revela vetor de orientação aos Ministros para, em tomando conhecimento da
possível prática de ilícitos penais por ocasião do regular processamento de feitos sob sua
responsabilidade, procedam ao traslado ao órgão investido para a persecução penal e
investigações, ou seja, ao Ministério Público.

Nessa mesma direção é a norma constante do art. 40 do CPP, in verbis:

“Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a
existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos
necessários ao oferecimento da denúncia.”

E não poderia ser diferente. De acordo com a doutrina de Renato Brasileiro, a


CRFB/88, em seu art. 129, I, adotou o sistema acusatório, irradiado pela compreensão de que

2 RISTF: - “Art. 21. São atribuições do Relator: xv – determinar a instauração de inquérito a pedido do
Procurador-Geral da República, da autoridade policial ou do ofendido, bem como o seu arquivamento, quando o
requerer o Procurador-Geral da República, ou quando verificar:” (Redação dada pela Emenda Regimental n. 44, de 2 de
junho de 2011)

6
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

deve o magistrado manter-se apartado da fase investigativa, atribuição que deve repousar nas
autoridades policiais e no Ministério Público, ressalvada a análise de questões agasalhadas pela
cláusula de reserva de jurisdição, vg., adoção de medidas cautelares e quebras, de modo a
preservar sua imparcialidade para eventual julgamento do caso:

“a gestão das provas é função das partes, cabendo ao juiz um papel de garante das regras do
jogo, salvaguardando direitos e liberdades fundamentais (...) Pelo sistema acusatório, acolhido
de forma explícita pela Constituição Federal de 1988 (art. 129, inciso I), que tornou
privativa do Ministério Público a propositura da ação penal pública, a relação processual
somente tem início mediante a provocação de pessoa encarregada de deduzir a pretensão
punitiva (ne procedat judex ex officio) e, conquanto não retire do juiz o poder de gerenciar o
processo mediante o exercício do poder de impulso processual, impede que o magistrado tome
iniciativas que não se alinham com a equidistância que ele deve tomar (...) Deve o
magistrado, portanto, abster-se de promover atos de ofício na fase
investigatória, atribuição esta que deve ficar a cargo das autoridades
policiais e do Ministério Público.” (grifo nosso) (Op. cit.).

Nessa senda, ausente prevenção nos autos do Inquérito 4.831 para conhecer do tema
versado na petição incidental apresentada pelo membro do Congresso Nacional, em 24/06/2022,
falece autorizativo para sua aderência no bojo da investigação em estágio avançado/finalizado,
sendo medida de rigor, em cumprimento ao que determina o art. 230-B do RISTF, seja feito
simples traslado da manifestação do “noticiante” à PGR, para ciência e eventuais providências de
sua alçada, ou, subsidiariamente, remessa à Ministra Cármen Lúcia, em atenção ao procedimento
anterior, sob sua relatoria.

V – DOS PEDIDOS

Diante do exposto, o agravante postula seja este agravo regimental, interposto em


face da decisão disponibilizada em 30/06/2022, levado a julgamento colegiado, para:

i) juízo de admissibilidade do recurso e, em sede de tutela provisória, seja


determinado o sobrestamento do despacho de 30/06/2022, prolatado no
INQ 4.831/DF, assegurando-se ao agente político que nenhuma
representação seja processada antes do julgamento definitivo deste agravo
regimental;

7
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

ii) no mérito, a cassação do despacho de 30/06/2022 por error in procedendo,


promovendo-se o desentranhamento da petição avulsa 48332 e seu
subsequente encaminhamento à Procuradoria-Geral da República, nos termos
do art. 230-B do RISTF, que dispõe o não processamento, pela Suprema
Corte, de “Notícias-Crime”, exaurindo-se o procedimento com simples
remessa ao Ministério Público ou, subsidiariamente;

ii.1) o desentranhamento da petição avulsa 48332 e seu subsequente


encaminhamento à Ministra Cármen Lúcia, Relatora do Inquérito nº
4.896/DF, que versa sobre o tema contido na manifestação incidental de
24/06/2022, para que seja observado o art. 230-B do RISTF e fique obstado,
assim, o excesso investigativo (dúplice investigação) em face do agente público.

Nesses termos, aguarda deferimento.

Brasília-DF, 5 de julho de 2022.

BRUNO BIANCO Assinado de forma digital por


BRUNO BIANCO LEAL

LEAL Dados: 2022.07.05 19:59:28


-03'00'

BRUNO BIANCO LEAL

Advogado-Geral da União

BERNARDO BATISTA DE ASSUMPÇÃO

Adjunto do Advogado-Geral da União

Você também pode gostar