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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


METODOLOGIA IV

Pré-projeto de pesquisa apresentado


à professora Yumi e classe da
disciplina de Metodologia IV, 8°
período da graduação em Ciências
Sociais.

Kássio Santiago Pires de Souza

2009006490

kassiopires@ufmg.br

Belo Horizonte
14 de maio de 2013

Introdução
Viso nesta pesquisa compreender e analisar por um viés antropológico o
costume do Tiborna, costume este atualmente extinto que, segundo informantes de uma
fase anterior a este projeto, era bastante praticado em comunidades rurais da região do
Alto Paraopeba em Minas Gerais. O Tiborna é um boneco muitas vezes assemelhado a
um espantalho feito com tecido e/ou palha de tamanho humano. Por questões práticas
utilizarei em meu trabalho tal categoria nativa para me referir ao boneco e também ao
costume. A prática deste costume consiste em colocar, sem que ninguém perceba, um
Tiborna (o boneco) em lavouras alheias que não estivessem bem cuidadas no dia 24 de
dezembro, véspera de natal. Era de praxe que a lavoura estivesse muito bem cuidada
nesse dia, devidamente capinada, não somente por uma questão religiosa como pelo
calendário de chuvas e secas. O boneco colocado nessa lavora mal cuidada era uma
grande provocação ao dono dela, sendo que o boneco representaria simbolicamente um
ajudante para o trato dessa lavoura.

Tal temática me instigou para um trabalho ao me recordar de um episódio


quando escutando um relato de um senhor sobre Tibornas em uma conversa informal,
até então eu cria que o costume de colocar um Tiborna se tratava de uma jocosidade
inocente, algo como uma brincadeira entre amigos, nesta ocasião fui alertado por este
senhor que eu não deveria revelar a ninguém o nome de um amigo seu, que havia
colocado um Tiborna na plantação de um terceiro, já que o indivíduo alvo deste Tiborna
poderia vir para a briga caso descobrisse quem o havia colocado. O Tiborna em questão
fora colocado nesta plantação cerca de vinte anos antes deste relato e segundo o senhor
com quem eu conversava ainda era motivo para briga.

Em conversas posteriores ficou claro como um Tiborna em sua lavoura consistia


numa das mais graves ofensas que se poderia fazer a um agricultor, era um modo de
chamá-lo de incompetente em seu trabalho. Aqui tenho um dos elementos que planejo
enfocar na pesquisa, o porquê de um Tiborna irritar o quanto irrita, ser tão agressivo ao
que o recebeu (a contragosto) em sua plantação. Sustento a hipótese de que isso se
relaciona à agricultura de subsistência, caso que observei nas entrevistas prévias à este
projeto nas quais testei sua viabilidade. Em dois destes casos os entrevistados afirmaram
orgulhosamente que “só compravam querosene e sal” e todos os outxadrexros insumos
necessários à reprodução da vida cotidiana eram produzidos em suas próprias fazendas.
Nesta situação, de afirmação orgulhosa de seus modos de produção, também enxerga-se
claramente uma autoafirmação. Dá-se então uma situação em que um bom e competente
agricultor ostentaria certo prestígio social, ora, um tiborna na lavoura seria a mais
explícita afirmação de desprestígio.

Como ilustração do impacto que um Tiborna pode causar destaco um relato um


deles, trata de um agricultor “vítima” que teve o Tiborna colocado na sua lavoura e
começou uma busca insistente para encontrar o “tiborneiro”, esta busca foi o tornando
cada vez mais motivo de chacota. A “vítima” não aguentando mais a situação, acabou se
mudando para uma cidade vizinha.

Interessante também entre os casos que observei nas entrevistas foi a alegação de
que seria mais simbolicamente agressivo para quem tivesse um Tiborna colocado em
sua lavoura era se tal Tiborna tivesse fisionomia feminina, o que revela também
aspectos machistas da sociedade. Também ouvi relatos quanto a se colocar tibornas em
lavouras de amigos próximos, porém nesse caso se colocava o Tiborna à luz do dia e
quem colocou o Tiborna se mostrava ou deixava pistas claras de que era ele para apenas
provocar um pouco de raiva no dono da lavoura, de forma totalmente diferente da
situação anteriormente mostrada e com caráter puramente jocoso.

Tal costume já se extinguiu, porém considero-o relevante para estudo pois se


configura como ótimo exemplo do impacto do simbólico sobre a vida social e como
coisas que se mostram simples e insignificantes ao primeiro olhar podem se revelar
elementos simbólicos de grande relevância.

A pesquisa se dará por uma metodologia de história oral, meu recorte será a
cidade de São Brás do Suaçuí - MG, terei como informantes pessoas mais velhas que
praticaram, foram “vítimas”, conhecem ou conheceram alguém num desses casos.
Coletarei os dados de tais pessoas por meio de entrevistas em profundidade. Uma das
limitações desta pesquisa é um viés criado pela minha metodologia em obter novos
informantes que é perguntando aos que já possuo. Tal viés ficará claro em meu trabalho.
Revisão bibliográfica

De antemão peço desculpas a professora e colegas que leem este pré-projeto por
esta área na qual ainda estou muito atrasado, isso se deve em parte pela especificidade
do tema que escolhi. Não encontrei na literatura antropológica, sociológica ou histórica
qualquer menção ao termo Tiborna, existe a possibilidade de haver algo com relação ao
sinônimo (pelo menos na região de meus informantes, ainda assim pouco utilizado)
João-do-mato. Vi alguns textos que tratam de bonecos chamados Mané Tibiriçá os quais
tem mínimas semelhanças aos Tibornas os quais poderão ser utilizados a caráter
comparativo.

Outros textos a serem observados para a execução deste trabalho são etnografias
relacionadas à populações campesinas, comunidades tradicionais, agricultores de
subsistência, às práticas relacionadas a chamada Bandeira de Roça (como é chamada a
festividade pós capina) e ao Jongo. Tais leituras fornecerão bons insumos para este
trabalho.

Uma boa base teórica podem ser os estudos de Lévi-Strauss, principalmente os


mais voltados a área da Semiótica e ao Simbólico como o livro Antropologia Estrutural.
A aplicação dos conceitos de significado/significante, a análise do simbólico e o modo
pelo qual impacta a vida social é muito eficaz na análise de tais situações, em que
objetos tem papel crucial em relações sociais que, utilizando o termo de Latour, são
actantes.

Definição do problema

Tal pesquisa visa compreender melhor como se dava o costume do Tiborna, o


modo como ele impactava sobre as relações sociais e sobre vidas individuais. Levanto
também questionamentos do porquê de se colocar um tiborna, qual a importância social
de se frisar a não competência do outro. Instiga-me também o limiar que alterna alguém
que tem a lavoura mal-cuidada e não é alvo de “tiborneiros” de alguém que é elegível a
receber um tiborna sob a ótica de quem os faz; saber quais tipos de relações se têm com
um “alvo”. Por fim, testar a hipótese do quão relacionado está tal costume à modo de
produção de subsistência e da auto-afirmação como agricultor competente.
Utilizarei neste trabalho conceitos como Tiborna, quando me refiro ao costume
ou à categoria nativa que designa o boneco/espantalho. “Tiborneiro” como aquele
indivíduo que coloca o Tiborna na colheita alheia e “vítima” ou “alvo” para aquela
pessoa que teve um Tiborna colocado em sua lavoura.

Metodologia

Necessito para o êxito dessa pesquisa obter dados suficientes sobre o costume do
Tiborna para que possa descrevê-lo conforme pede um bom trabalho etnográfico.
Coletarei tais dados por meio de entrevistas parte delas a serem realizadas com pessoas
as quais já conheço e comentaram sobre terem feito ou colocado um Tiborna, terem sido
“vítimas” de um “tiborneiro” além de pessoas que estas possam me indicar. Através
deste método encontrarei facilmente fontes de dados confiáveis, outra vantagem é que
muitas dessas fontes são próximas. Pesquisarei temas relacionados também palas
entrevistas e através de pesquisa bibliográfica.

Não creio ser usual outro método de pesquisa devido ao fato de que há um
número relativamente baixo de pessoas que tem conhecimento de como se dava essa
prática. Outro aspecto é que ao analisar-se um costume como esse um trabalho de
survey não resultaria em dados válidos, já que se trata de uma pesquisa de cunho mais
qualitativo.

Um aspecto que será considerado na pesquisa é a possibilidade, já tratada na


metodologia de história oral, de o entrevistado mentir, omitir, exagerar ou exaltar-se em
seu relato. Essas possibilidades serão consideradas na minha interpretação dos dados
obtidos. Tais elementos porém que a primeira vista parecem um problema ao meu ver
são mais fontes de informação, uma mentira, uma omissão, uma distorção dos fatos
ocorridos é feita com um propósito por seu narrador, e tal propósito se embasa nos
elementos culturais que o rodeiam. Somente serão desconsiderados (ou apresentados
com ressalva) os casos muito discrepantes em comparação ao restante.

Cronograma
Serão seis meses de pesquisa sendo três para as entrevistas e seus trâmites
(adaptação de roteiros, eventuais transcrições, etc.) e outros três para compilar em texto
relacionando com temas que foram pesquisados na bibliografia e interpretações.

Instrumentos

Iniciarei minhas entrevistas com as pessoas das quais já ouvi relatos sobre a
prática do Tiborna, e depois com as pessoas que elas me indicarem. Apresentarei-me
como estudante do tema e conduzirei informalmente a entrevista como creio serem
feitas as boas etnografias. Perguntarei sobre casos que a pessoa conheça sobre práticas
ocorridas do Tiborna atento aos detalhes.

Referencias

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.


1985

MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e Costume na Sociedade Selvagem, Brasília,


Editora Universidade de Brasília, 2003

CARVALHO, Ícaro Trindade. “O Qilombo de Santo Antônio dos Pinheiros Altos: entre
o processo de reconhecimento e a construção Cultural”

http://www.acessa.com/turismo/arquivo/trilhas/2010/03/24-nascentes/ acesso em
02/12/10

http://www.piranga.com.br/livro/index.php?PageNo=3 acesso em 02/12/10

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