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Justiça Federal da 1ª Região

PJe - Processo Judicial Eletrônico

08/07/2022

Número: 0004558-51.2018.4.01.3902
Classe: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
Órgão julgador: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Santarém-PA
Última distribuição : 05/12/2018
Valor da causa: R$ 0,00
Processo referência: 0003989-50.2018.4.01.3902
Assuntos: Crimes de Responsabilidade
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
Ministério Público Federal (Procuradoria) (AUTOR)
ANTONIA ELIENE DE OLIVEIRA SANTOS (REU) VALDIR FONTES DE OLIVEIRA (ADVOGADO)
RAIMUNDO SERGIO DE SOUZA MONTEIRO (REU) VALDIR FONTES DE OLIVEIRA (ADVOGADO)
Ministério Público Federal (Procuradoria) (FISCAL DA LEI)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
10360 30/06/2022 11:10 Sentença Tipo D Sentença Tipo D
46769
PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL
Subseção Judiciária de Santarém-PA
1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Santarém-PA

SENTENÇA TIPO "D"


PROCESSO: 0004558-51.2018.4.01.3902
CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283)
POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria)
POLO PASSIVO:ANTONIA ELIENE DE OLIVEIRA SANTOS e outros
REPRESENTANTES POLO PASSIVO: VALDIR FONTES DE OLIVEIRA - PA8564

SENTENÇA

(Vistos em inspeção)

1. RELATÓRIO

Trata-se de ação penal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em


face de RAIMUNDO SERGIO DE SOUZA MONTEIRO e ANTONIA ELIENE DE
OLIVEIRA SANTOS, qualificados nos autos, imputando-lhes a prática do crime de
responsabilidade previsto no art. 1º, inciso III, do Decreto-Lei 201/1967, de maneira
continuada (art. 71, do CP).

Narra a denúncia que, no ano de 2014, período em que RAIMUNDO SÉRGIO


exercia o cargo de Prefeito do Município Monte Alegre e, ANTONIA ELIENE, o cargo de
Secretária Municipal de Saúde, foi constatado, após relatório do Tribunal de Contas da
União, o desvio de verbas dos recursos repassados pela União destinados a diferentes
programas de saúde, no valor total de R$ 1.229.000,00 (um milhão, duzentos e vinte e
nove mil reais), resumidamente da seguinte forma: i) Recursos do Bloco de Investimento:
R$ 844.000,00 (oitocentos e quarenta e quatro mil reais); ii) Recursos da Assistência
Farmacêutica Básica: R$ 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil reais); iii) Recursos de
atenção básica à saúde: R$ 198.000,00 (cento e noventa e oito mil reais); iv) Recursos
próprios da saúde: R$ 12.000,00 (doze mil reais).

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A denúncia foi recebida em 12/11/2018. Citados, os acusados responderam à
acusação. Na decisão de Id 414241386 – pág. 273-275, afastou-se a hipótese de
absolvição sumária, determinando o prosseguimento do feito.

Audiência de instrução realizada em 10/03/2020, com interrogatório dos réus.


Não houve testemunhas pelas partes.

Em alegações finais, o MPF pugnou pela condenação dos réus nos termos da
denúncia [Id 555473367].

A Defesa alegou a prescrição e, no mérito, pediu a absolvição pela ausência


de provas. Em síntese, afirmou que o Secretário de Finanças era quem tinha autonomia
para gerenciar o tesouro, utilizando o token do gestor municipal, ao passo que, na
Secretaria de Saúde, tal atribuição ficava sob a incumbência do tesoureiro. Defendeu que,
a despeito da transferência de valores das contas informadas, os recursos eram
destinados para cobrir despesas emergenciais da saúde [Id 760289468].

É o relatório.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Prescrição (crime previsto no art. 1º, III, do DL 201/67)

O reconhecimento da prescrição, entre a data do fato e o recebimento da


denúncia, somente é possível quanto a fatos ocorridos antes de 5/5/2010, pois a nova
redação dada, pela Lei n. 12.234/2010 ao § 1º do art. 110 do CP, veda expressamente o
reconhecimento da prescrição que tem por marco inicial a data anterior à da denúncia ou
queixa.

Ademais, o reconhecimento do instituto propriamente dito ou em abstrato


encontra-se positivado no art. 109 do CP, que dispõe que a prescrição antes de transitar
em julgado a sentença final, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade
cominada ao crime.

No caso, os réus foram denunciados pela suposta prática do crime previsto


no art. 1º, III, do Decreto-Lei n. 201/67, com pena máxima possível de 03 (três) anos.
Nesse sentido, a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença, restará em 08
anos, nos termos do art. 109, IV, do Código Penal.

Considerando que a denúncia foi recebida em 12/11/2018, não se verifica a


ocorrência da prescrição.

2.2 MÉRITO

Trata-se de acusação de crime de responsabilidade, na modalidade desvio ou


aplicação indevida de rendas ou verbas públicas, imputada ao ex-prefeito do Município de
Monte Alegre/PA, RAIMUNDO SERGIO DE SOUZA MONTEIRO e a então Secretária
Municipal de Saúde, ANTONIA ELIENE DE OLIVEIRA SANTOS.

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Para a ocorrência da hipótese – desvio ou aplicação indevida de verbas
públicas – não se exige benefício direto por parte do gestor municipal, bastando, em sede
de dolo, que não se confira a destinação correta do recurso inicial e satisfaça outro item
de despesa.

2.2.1 Prova da materialidade

A materialidade está provada através dos extratos bancários de Id 414241386


– pág. 33-48, que comprovam o resgate de valores das contas criadas para receber os
recursos federais destinados ao Fundo Municipal de Saúde (Banco do Brasil – Agência
949-0; Conta 23045-6; Conta 21192-3 e Conta 21191-5), com resgates e transferências
diversas, inclusive para outra conta municipal.

Consta, ainda, no Id 414241386 – pág. 127-164, relatório e acórdão do TCU,


que apreciou representação promovida em desfavor do ex-prefeito, a respeito de
irregularidades ocorridas na aplicação dos recursos federais repassados pela União ao
Município de Monte Alegre, para aplicação no âmbito do SUS, para a construção de
Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e Academia de Saúde, bem como para aquisição
de insulina, equipamentos e materiais permanentes para o hospital municipal. A Corte
julgou procedente a representação e determinou ao Município de Monte Alegre a
devolução do valor de R$ 1.229.000,00 (um milhão, duzentos e vinte e nove mil reais) aos
cofres do fundo municipal de saúde.

2.2.2 Provas da autoria

No exercício da gestão, à vista das provas de resgate e transferência dos


valores, incumbia ao réu RAIMUNDO SERGIO, na qualidade de Gestor Municipal, e
ANTONIA ELIENE, enquanto Secretária de Saúde, aplicar os recursos nas obras e
aquisições para a qual foram destinados.

O réu RAIMUNDO afirmou que os recursos eram gerenciados pela Secretaria


de Saúde, então descentralizada, sendo dessa pasta a incumbência pela movimentação
financeira, além do que cabia à Secretaria de Finanças a responsabilidade pelos débitos
da Prefeitura. A acusada ANTONIA ELIENE, acerca das autorizações eletrônicas de
resgate e transferência, alegou que entregou seu token a outro servidor para realização
de procedimentos no âmbito da Secretaria de Saúde.

No caso do ex-Prefeito, a responsabilidade não ficou mesmo configurada.


Explico.

A tese trabalhada pelo MPF em alegações finais é de que “RAIMUNDO


MONTEIRO exerceu o cargo de Prefeito de Monte Alegre no período objeto desta ação,
cujas atribuições estão, sem dúvida, voltadas aos atos de gestão, notadamente pela
fiscalização e acompanhamento de sua equipe técnica, entre os quais secretários e
assessores (...). Portanto, não merece guarida o argumento de desconhecimento dos
desvios de verbas (...).”

Com efeito, nos termos do art. 80, do DL 200/67, ordenador de despesas é


toda e qualquer autoridade de cujos atos resultarem emissão de empenho, autorização de
pagamento, suprimento ou dispêndio de recursos ou pela qual esta responda, não sendo

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responsável, de regra, por prejuízos causados à Fazenda decorrentes de atos praticados
por agente subordinado que exorbitar das ordens recebidas.

A Defesa juntou, no Id 760327483, cópia de decreto municipal, editado em


11/01/2013, por meio do qual foi delegada competência ao Secretário Municipal de
Finanças para assinar conjuntamente com o delegante diversos documentos bancários,
efetuar saques e transferências. Além disso, não há nos autos nenhuma indicação de
como o réu teria agido, isto é, como efetivamente liberou os recursos. Nem mesmo cópia
do convênio assinado veio os autos.

Em suma, não há nenhum documento que demonstre ter havido, por parte de
RAIMUNDO ou seu Secretário de Finanças, autorização para liberação ou movimentação
financeira direta, seja como ordenador de despesa, seja como partícipe das tratativas
administrativas que levaram à liberação de recursos.

Mutatis mutandis, o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE


PREFEITO MUNICIPAL (ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967).
PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA
CAUSA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INICIAL ACUSATÓRIA QUE ATRIBUI O TIPO
PENAL, SEM DESCREVER QUE CONDUTA PRATICADA PELO RECORRENTE
TERIA CONCORRIDO PARA O ÊXITO DA EMPREITADA CRIMINOSA.
ACUSADO QUE APARECE COMO GESTOR DO MUNICÍPIO, MAS NÃO COMO
O ORDENADOR DAS DESPESAS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO INDISPENSÁVEL NEXO CAUSAL.
MÁCULA QUE IMPEDE O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. É cediço, neste Superior Tribunal, o entendimento de que somente é cabível o


trancamento da ação penal por meio da via eleita quando houver comprovação,
de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta
supostamente praticada pelo acusado, seja pela ausência de indícios de autoria e
da materialidade delitiva, ou, ainda, pela incidência de causa de extinção da
punibilidade.

2. A inicial atribui ao recorrente a conduta de, na condição de Prefeito Municipal,


concorrer para a apropriação de valores referentes à verba federal destinada à
implantação de Sistema de Coleta e de Bombeamento de Esgoto Sanitário da
área do Pantanal, localizada no distrito de Mosqueiro, de modo que, repassado o
valor acordado, apenas 30,99% do projeto havia sido executado, estando a obra
paralisada e não aprovada a prestação de contas apresentada, pelo recorrente,
ao ente federal.

3. Caso em que não há nenhuma indicação de como o recorrente agiu,


considerando que ele não assinou nem o convênio nem o contrato nem
sequer liberou os recursos (o diretor da estatal é quem era o ordenador de
despesas), que, no entender do Parquet Federal, foram indevidamente
liberados.

4. Em outras palavras, falta o indispensável nexo causal entre a conduta do


acusado e o crime imputado, tendo o Ministério Público Federal apenas relatado
que, instado pela FUNASA, no Procedimento Administrativo nº [...], a encaminhar
a primeira prestação de contas relativa à aplicação dos recursos supracitados, o
fez de forma incompleta, deixando de enviar a totalidade dos documentos

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exigidos para análise do ente federal, notadamente aqueles relacionados ao
cronograma de cumprimento do objeto avençado e ao processo licitatório levado a
efeito com vistas à execução do convênio.

5. Embora o réu defenda-se dos fatos, e não da capitulação legal a ele atribuída
pelo Ministério Público, mister a adequada compreensão da imputação, com a
descrição de todos os elementos do tipo penal, sob pena de a defesa ter que se
defender de conduta que nem ao menos preenche adequadamente a tipicidade
penal. Anoto que não se está a afirmar que as condutas imputadas são atípicas,
mas, sim, que o Ministério Público não se desincumbiu de narrar todos as
elementares do tipos penais, o que dificulta, sobremaneira, a ampla defesa (HC
485.791/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe
20/5/2019).

6. Recurso provido para trancar a Ação Penal n. 0004401-55.2016.4.01.3900, da


3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará, em relação ao recorrente, sem
prejuízo de que outra denúncia seja oferecida, desde que sanados os vícios
apontados.

(RHC n. 123.414/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de
22/3/2021.)

Em relação à ex-Secretária de Saúde, ANTONIA ELIENE, em que pese seja


admissível a coautoria e participação nos crimes de responsabilidade de prefeitos,
previstos no DL 201/67, diante da absolvição do agente principal, não subsiste a
acusação isolada da ré pelo crime em questão, pena de afronta ao princípio da
legalidade.

Todavia, verifico que os fatos narrados se amoldam ao delito descrito no art.


315, do Código Penal, pelo que, sem modificar a descrição contida na denúncia, atribuo-
lhe a nova definição jurídica, conforme autoriza o art. 383, CPP.

E, nesse caso, passa inexistir condição de procedibilidade da ação.

Sendo de 03 (três) meses a pena máxima cominada ao crime previsto no art.


315, do Código Penal, constata-se que já decorreram mais de 3 (três) anos da data de
recebimento da denúncia, em 12/11/2018, último marco interruptivo, dando azo à
ocorrência da prescrição, na forma do art. 109, VI, c/c art. 117, I, CP.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, REJEITO os pedidos formulados na denúncia e:

a) ABSOLVO o réu RAIMUNDO SERGIO DE SOUZA MONTEIRO, nos


termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal;

b) DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE de ANTONIA ELIENE DE


OLIVEIRA SANTOS, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal, em relação ao crime
tipificado no artigo 315, do mesmo diploma legal.

Cópia desta servirá para eventuais comunicações.

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Intimem-se e arquivem-se.

SANTARÉM, data da assinatura eletrônica.

FELIPE GONTIJO LOPES

Juiz Federal Substituto

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