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Excelentíssimo Senhor Doutor Promotor de Justiça da ___

Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Campo


Grande, Estado de Mato Grosso do Sul

Silvio Iran da Costa Melo, brasileiro, casado, Delegado de


Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, na inatividade, portador do
Título de Eleitor n.º 004372461937, Zona 36, Seção 5, e da cédula
de identidade RG n.º 350.305, expedida pelo II-MS, inscrito no CPF
do MF sob o n.º 726.004.208-78 (doc. 01), residente e domiciliado
na Rua Antônio Maria Coelho, n.º 4.706, bairro Vivendas do Bosque,
nesta Capital, CEP 79.021-170, vem, respeitosamente, para:

oferecer a presente representação (Lei n.º 8.429, de 29 de


janeiro de 1992, art. 14) visando à instauração de procedimento
administrativo destinado a apurar a prática de ato de improbidade;

indicar como Representada a Dra. Rosely Aparecida Molina,


Delegada de Polícia, matrícula n.º 111501022, do Quadro da
Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública/MS, lotada no
Departamento de Recursos e Apoio Policial/MS, com endereço
profissional na Academia da Polícia Civil/MS, sito a Rua Delegado
Osmar de Camargo, s/n, Parque dos Poderes, CEP: 79.037-108 (doc.
02);

manejar a presente em desfavor da Representada, que, em


atitude deliberada e consciente retardou e deixou de praticar,
indevidamente, ato de ofício, ao se opor a apuração imediata de
denúncia de irregularidades administrativas, cuja instauração era
obrigatória e cogente, já que preenchidos os requisitos formais; e
anotar que as condutas expostas dão a entender que tais atos
são de improbidade, em tese, por colidir com a LC n.º 114, de 29 de
dezembro de 2005, no art. 182, caputi; a Lei n.º 1.102, de 10 de
outubro de 1990, nos arts. 242ii e 243iii, e com a Lei n.º 9.784, de 29
de janeiro de 1999, nos arts. 48iv e 49v.
* * *

Busca, assim, não só a (a) elucidação de tais fatos e verificação


de eventual responsabilidade da Representada, mas também, (b) a
expedição de recomendação dirigida à Polícia Civil/MS, com vista à
prevenção de condutas semelhantes as descritas no subtópico I.1,
nos termos e pelos fundamentos a seguir expostos.

NOTA PRÉVIA

O Corregedor-Geral da Justiça do Rio de Janeiro,


Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto diz: “Normalmente,
quando se ocupa cargo de administração, visa-se ocupar outros
cargos. Isso tem um custo, ele (o agente público) fica cauteloso.” A
frase é forte. No entender do subscritor, que com ela concorda, está
a merecer profunda reflexão no contexto de uma discussão que se
pôs na Corregedoria Geral da Polícia Civil deste Estado. É o que se
passa a explicar.
I. DOS FATOS QUE SE AJUSTAM À HIPÓTESE NORMATIVA
I.1. Breve resumo dos fatos antecedentes.

Em 26 de junho de 2018, por meio de petição protocolizada


sob o nº 1991/2018, o Representante denunciou à Corregedoria
Geral da Polícia Civil, irregularidades administrativas praticadas por
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autoridades submetidas à competência daquele órgão correcional
(doc. 3).

Alegou por fundamento, que, no período compreendido entre


22 de maio de 2013 e 01 de agosto de 2013, o Delegado Geral da
Polícia Civil promoveu de ofício — com desvio de finalidade,
inobservância de formalidade essencial, e sem a prévia existência
de procedimento administrativo — a movimentação de diversos
Delegados de Polícia que contra a chapa de sua preferência
sobrepuseram esforços nas eleições da Associação dos Delegados de
Polícia/MS (Adepol) naquele ano.

Enfatizou que o desvio de finalidade se deu pelo fato de as


movimentações terem tido dupla natureza persecutória, a saber,
perseguição político-associativa de natureza proselitista e
intimidatória — Portarias de n.º 241 a 296, e perseguição político-
associativa de natureza punitiva — Portarias n.º 327 a 340.

Destacou ainda, que a inobservância de formalidade


essencial, ocorreu sob o manto da discricionariedade e
desconsideração da necessidade de efetivamente motivar os atos
administrativos; e sem a indicação das circunstâncias fáticas e
jurídicas que efetivamente motivaram e levaram a execução das
remoções.

Realçou mais, que não foi instaurado o procedimento


administrativo próprio, destinado a apurar o real motivo daquelas
movimentações.

Por derradeiro, acostou a petição um conjunto de documentos


comprobatório do alegado.

I.2. Da atitude deliberada e consciente da Representada no sentido


de retardar, indevidamente, ato de ofício. Da arbitrária oposição a
apuração dos fatos denunciados, e os motivos que levaram o autor
a realizar o presente pedido.

Sucede, que a Representada, de forma livre e consciente de


sua conduta antijurídica, na qualidade de Corregedor Geral,
retardou irrazoável e injustificadamente ato de ofício, consistente
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em promover a apuração imediata das irregularidades que lhe
chegaram ao conhecimento.

O retardo deliberado e consciente sugere que o objetivo da


Representada era o de garantir que as condutas descritas na petição
inicial fossem alcançadas pelo fenômeno da prescrição que se
avizinhava. Fato que veio a se concretizar

Cumpre destacar, que, somente em 16 de agosto de 2018, ou


seja, cinquenta e um dias após a apresentação da denúncia naquele
órgão, e vinte e um dias após o prazo máximo tolerado para emitir
decisão, a Representada cessou o retardamento indevido, quando
determinou o arquivamento da denúncia de irregularidades em
arbitrária decisão (doc. 4 - fls. 6 e 7/7]), in verbis:
“Assim sendo, ante todo o expendido, não vislumbro evidências que
possam autorizar a abertura de ação disciplinar em desfavor do
representado, motivos por que deixo de acolher a presente
representação em face dos Delegados de Polícia JORGE RAZANAUSKAS
NETO, PAULO CESAR BRAUS, MARCOS BETONI, IVAN BARREIRA e
BENJAMIN JOSÉ MACHADO e determinar seu arquivamento, após
notificação do patrono da presente peça vestibular”. (sem grifo no
original)

Bem por isso, entende o peticionário ser necessária uma


reprimenda com severidade, como forma de repressão à prática de
fatos análogos.

II. DA INCIDÊNCIA DA HIPÓTESE NORMATIVA


II.1. Da exigência Estatutária de instauração de processo
administrativo disciplinar pela Corregedoria Geral da Polícia Civil
de Mato Grosso do Sul. Viabilidade de instauração de processo
administrativo disciplinar imediata.

Inicialmente, cumpre consignar que, a denúncia de


irregularidade administrativa, solicitando a instauração de processo
administrativo disciplinar, foi originalmente apresentada naquele
órgão correcional por dois motivos:

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(i) haver elementos suficientes para se concluir pela existência da
falta e de sua autoria; conforme dicção do art. 181, Parágrafo
único1;

(ii) ser competente para determinar a instauração de processo


administrativo, o Corregedor Geral, a teor da dicção do art. 1962,
ambos da LC n.º 114/2005.

Logo, uma vez atendidos os requisitos de admissibilidade


previstos no art. 243, da Lei n.º 1.102/19903, e art. 6º, incisos I a V,
da Lei n.º 9.784/19994, deveria ter sido determinada a instauração
de processo administrativo disciplinar, por absoluto imperativo
legal, consoante Lei n.º 1.102/1990, no art. 242, caput5, e LC n.º
114/2005, no art. 1826.
Diferentemente da notícia de fato, cuja instauração pode ser
indeferida, à vista da Lei n.º 1.102/1990, no art. 243, Parágrafo
único7; o Processo administrativo disciplinar, uma vez preenchidos
os requisitos formais, é de instauração obrigatória e cogente,
segundo a Lei n.º 1.1102, de 1990, e a LC n.º 114/2005. Vale dizer:
a Lei n.º 1.102/1990 e a LC n.º 114/2005 não oferecem a
possibilidade do indeferimento da instauração de Processo
Administrativo disciplinar devidamente formalizado.

1
Art. 181. Parágrafo único. O processo administrativo disciplinar será precedido de sindicância,
somente quando não houver elementos suficientes para se concluir pela existência da falta ou
de sua autoria.
2
Art. 196. É competente para determinar a instauração de processo administrativo, o
Governador, o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, o Delegado-Geral, o
Corregedor-Geral, podendo ser proposto pelo Coordenador-Geral de Perícias e Diretores de
Departamentos, com a redação dada pela Lei Complementar nº 229, de 10 de novembro de
2016. (sem grifo no original)
3
Art. 243. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração desde que contenham
a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a
autenticidade.
4
Art. 6.º O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação
oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados:
I - órgão ou autoridade administrativa a que se dirige;
II - identificação do interessado ou de quem o represente;
III - domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações;
IV - formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos;
V - data e assinatura do requerente ou de seu representante.
5
Art. 242. A autoridade que tiver conhecimento de irregularidades no serviço público é obrigada
a promover a sua apuração imediata, através de sindicância ou de processo disciplinar,
assegurado ao acusado ampla defesa.
6
Art. 182. Ao tomar conhecimento da irregularidade a autoridade ou funcionário adotará as
providências legais promovendo sua apuração ou comunicando a autoridade competente.
7
Art. 243. [...] Parágrafo único. Quando o fato narrado não configurar evidente infração
disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada por falta de objeto. (sem grifo no
original)
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O cerne da denúncia dizia respeito à matérias jornalísticas que
reportam supostas remoções “por retaliação, revanchismo e
motivação distanciada do interesse público“ e mais, que foi
efetivada cinco dias após eleições, além de fazer referência a fato
mencionado no Mandado de Segurança distribuído à 3ª Vara da
Fazenda Pública e Registros Públicos de Campo Grande, onde se
alegou que “outras pessoas que ingressaram a chapa também
foram afastadas das funções”.

É importante destacar que o Processo administrativo


disciplinar não formula juízo definitivo sobre ilícitos funcionais. É o
meio pelo qual se avaliam a justa causa e os elementos indiciários
mínimos, e no qual ocorre a discussão meritória, propriamente dita.

Assim, carece de fundamento o argumento, contido no


decisum da Representada, de que os fatos narrados eram
insuficientes para o exercício da atividade correcional e estavam
prescritos, tanto é verdade que não conseguiu definir as datas de
início e término do alegado prazo prescricional.

A formalização da denúncia indicando suposta relação


irregular entre o Delegado Geral e os Diretores de Departamento
materializava situação fática que, em tese, poderia caracterizar
falta disciplinar, constituindo descrição suficiente para uma
avalição preliminar e demandando, cogentemente, pela Lei n.º
1.102/1990, e a LC n.º 114/2005, a instauração de Processo
administrativo disciplinar como requerido.

II.2. Análise dos elementos de informação apresentados.

A denúncia de irregularidades administrativas foi formulada e


instruída com base em conjunto de documentos coletados a partir
do noticiado em sítio eletrônico (docs. 5 e 6)8. E calha deixar claro:
inexiste informações de que tenha havido sentença pela

8
Disponível em:
https://www.campograndenews.com.br/impressao/?_=%2Fcidades%2Fcapital%2Fdelegado-
afastado-do-cargo-apos-participar-de-eleicoes-ganha-liminar-na-justicaee
https://www.campograndenews.com.br/cidades/capital/delegado-consegue-liminar-na-
justica-para-nao-ser-transferido, acesso em 13/11/2019, as 20h24min.
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improcedência e suspensão das liminares concedidas nos mandados
de segurança veiculadas pelo sítio campograndenews.

Conclui-se assim pela viabilidade da instauração do processo


administrativo disciplinar como requerido.

II.3. Dos cinco momentos do iter para a configuração da


improbidade administrativa.

Nesse cenário, é oportuno relembrar do iter de


individualização dos atos de improbidade administrativa, dividido
em cinco momentos por EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO
ALVES9:

Primeiro é preciso a individualização do ato de improbidade.


É essencial "a comprovação da incompatibilidade da
conduta com os princípios regentes da atividade
estatal, vale dizer, com a inobservância do princípio
da juridicidade, no qual avultam em importância os
princípios da legalidade e da moralidade." (ob cit, p.
448).

Segundo, deve ser analisado "o elemento volitivo do agente.


Todos os atos emanados dos agentes públicos e que
estejam em dissonância dos princípios norteadores da
atividade estatal serão informados por um elemento
subjetivo, o qual veiculará a vontade do agente com a
prática do ato. Havendo vontade livre e consciente de
praticar o ato que viole os princípios regentes da
atividade estatal, dir-se-á que o ato é doloso; o
mesmo ocorrendo quando o agente, prevendo a
possibilidade de violá-los, assuma tal risco com a
prática do ato." (p. 449).

9
Improbidade Administrativa. SP: Saraiva, 8ª ed.
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Terceiro, "deve ser aferido se a sua conduta gerou efeitos
outros, o que importará em modificação da tipologia
legal que alcançará o ato." (p. 449).

Por quarto, "devem ser analisadas as características dos


sujeitos passivo e ativo do ato, os quais devem
encontrar plena adequação ao disposto nos arts. 1º e
2º da Lei de Improbidade (...)." (p. 450).

Por derradeiro, será necessária a valoração da conduta:


"Ultrapassados os quatro momentos anteriormente
referidos, ter-se-á o que se pode denominar de
'improbidade formal'. (...) Constatada a dissonância,
passou-se a uma operação mecânica de subsunção da
conduta à tipologia legal, sendo que esta etapa deve
ser complementada com a utilização do critério da
proporcionalidade, o que permitirá que coexistam,
lado a lado, a improbidade formal' e a 'improbidade
material'. (...) este quinto momento do iter de
identificação da improbidade afastará a aplicação
desarrazoada da Lei n. 8.429/92, não permitindo o
enfraquecimento de sua credibilidade." (pp.
450/451).

Então, tendo em vista o ora explanado, tornemos ao caso


concreto.

II.3.1 - Da individualização da conduta da Representada.

No primeiro momento, houve a individualização da conduta da


Representada que teria deixado de praticar ato de ofício,
indevidamente.

O ato consistia, na imediata requisição da instauração de


sindicância administrativa disciplinar (Dec. n.º 12.218, de 28 de
dezembro de 2006, art. 120, II), ou na imediata determinação da
instauração de processo administrativo disciplinar (LC n.º 114/2005,
art. 196), uma vez que tomou conhecimento das irregularidades (LC

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n.º 114/2005, art. 182) por intermédio de petição que continha a
identificação e o endereço do denunciante.

Ademais, foram formuladas por escrito e fundamentadamente


(Lei n.º 1.102/1990, arts. 242 e 243; LC n.º 114/2005, art. 182; e lei
n.º 9.784/1999, no art. 48 e 49), cujos fatos eram verídicos, tanto é
que foram noticiados na mídia e postos perante o Poder Judiciário
por meio de mandado de segurança que, como sabemos, destina-se
a proteger direito líquido e certo, que é aquele evidente de
imediato, que resulta de fatos que podem ser provados de maneira
incontestável.

Em verdade, a Representada analisou a denúncia e lhe deu


outro destino: ao invés de determinar a comprovação da existência
ou inexistência das irregularidades em sede de sindicância ou
processo administrativo, houve por bem entende-las atípicas,
deixando assim de enquadrá-las na Legislação aplicável à espécie.

Pode-se até mesmo dizer que promoveu a defesa dos aludidos


delegados, como se lhe fosse assegurada a independência funcional
pela livre convicção em ato de análise de admissibilidade.

Mas, ainda que a independência funcional pela livre convicção


seja uma atividade correlata às funções de Delegado de Polícia, é
preciso considerar que nenhum direito é absoluto, ainda que no
exercício de função de Corregedor Geral.

Isso significa dizer que, ressalvados os casos de autocracia


totalitária, no moderno Estado de Direito as autoridades respondem
por seus atos, em caso de agir culposo e doloso.

Assim, ainda que assegurada a liberdade de convicção da


Representada, na qualidade de Corregedora Geral da Polícia Civil,
ela não se torna uma autoridade irresponsável pelos atos que
pratica. A liberdade de convicção serve como garantia para que

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decida conforme o Direito10, sem temores suscitados por pressões
de ordem política.

Mesmo em se tratando de uma decisão que não vincula o


Ministério Público ou mesmo o Poder Judiciário, sua decisão teve o
condão de gerar efeitos jurídicos, no caso em comento ao decidir
por não apurar os fatos descritos naquela denúncia.

Acabou assim, por desconstituir a responsabilidade


administrativa resultante da inobservância dos deveres e da prática
das transgressões ou proibições elencadas na LC n.º 144, de 2005,
por parte dos delegados apontados na época.

Em casos tais, em que se faz uso de ato de decisão, também


responde o agente administrativo se sua opinião, seu parecer, ou
mesmo sua decisão transborda o lógico, o razoável, aquilo que já
está assentado na jurisprudência, nas práticas de sua carreira, por
exemplo.

Sobre esse ponto, ensina FÁBIO MEDINA OSÓRIO:

"Com relação aos atos de opinião, cabe dizer que não só os atos
de decisão podem produzir improbidade administrativa, mas
também os atos que, transbordando os limites razoáveis do
engano funcional possível, penetram no campo da ilegalidade com
o presumível propósito ilícito de dar base indevida a uma decisão
desonesta, distorcida ou intoleravelmente incompetente."11
(Sem grifo no original)

Ora, uma Delegada de Polícia, de Classe Especial, ocupante da


nobre função de Corregedor Geral, com larga experiência na

10
Esclarece RAFAEL CARVALHO REZENDE OLIVEIRA, verbis: "Ressalte-se que restará
configurada a improbidade administrativa na hipótese de violação a todo e qualquer princípio,
expresso ou implícito, aplicável à Administração Pública. Trata-se do reconhecimento do
princípio da juridicidade, que impõe a obediência, por parte do administrador público, não
apenas das regras formais (legalidade), mas, também, de todos os princípios reconhecidos pela
comunidade jurídica. A ideia de juridicidade encontra-se positivada, por exemplo, no art. 2º,
parágrafo único, I, da Lei 9.784/1999, que exige a 'atuação conforme a lei e o Direito'." (Manual
de Improbidade Administrativa. SP: Método, 5ª ed., p. 93).
11
Teoria da Improbidade Administrativa. SP: RT, 2007, p. 302.
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profissão, sabe bem que a realização de remoções de policiais civis
desprovidas de motivação fática e jurídica e sem a prévia
existência de procedimento administrativo são ações exercidas
através do uso da tirania e da opressão.

Sabe mais, que a motivação deve ser explícita, clara e


congruente, como está a exigir o art. 50 da Lei n.º 9.784/1999,
verbis:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação


dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo
consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores
pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão
parte integrante do ato. (sem grifo no original)

Ademais, seria impossível promover as remoções nessas


condições, sem chamar a atenção de autoridade minimamente
imparcial, tanto é verdade que, repise-se uma vez mais, não se
tem notícia que tenham sido denegadas as Ordens nos Mandados de
Segurança veiculados na mídia.

Necessário se faz ressaltar, que, pelos elementos informadores


contidos nesta representação, é fácil constatar que a Delegada
representada assim agiu sem qualquer amparo nas circunstâncias
fáticas que lhe foram apresentadas. Dizer que agiu apenas para
garantir que as condutas protagonizadas pelos delegados ali
denunciados fossem alcançadas pelo fenômeno da prescrição é,
aqui, a hipótese menos grave.

Assim, claramente, a conduta da Representada mostrou-se


incompatível com os princípios regentes da atividade estatal,
mormente a honestidade e a lealdade à instituição policial civil.

Sobre tais princípios, discorre EMERSON GARCIA:

"(...) o dever de honestidade absorveria o dever de observância


da lei. Esse dever, em sentido lato, seria reconduzido à concepção
mais ampla de retidão de conduta.

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(...)

O dever de lealdade em muito se aproxima da concepção de boa-


fé, indicando a obrigação de o agente: a) trilhar os caminhos
traçados pela norma para a consecução do interesse público e b)
permanecer ao lado da administração em todas as intempéries.
Além disso, deve ser transparente, repassando aos órgãos a que
esteja vinculado todas as informações necessárias à concreção dos
projetos que visem ao regular andamento do serviço."12

II.3.2 - Do elemento volitivo da agente

No segundo momento, analisando-se o elemento volitivo da


Representada, fica clara sua atuação dolosa. Ela teve a vontade
livre e consciente de se omitir em promover a imediata apuração
dos fatos, através de sindicância ou de processo disciplinar.

A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de exigir a


existência de dolo para caracterização do ato de improbidade.

O Superior Tribunal de Justiça diferencia, assim, ato ilegal de


ato ímprobo. Isto é, não basta que o ato seja ilícito, é necessário,
ainda, que a conduta praticada seja dolosa.

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92.


ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. IMPRESCINDIBILIDADE.
1. A ação de improbidade administrativa, de matriz constitucional
(art.37, § 4º e disciplinada na Lei 8.429/92), tem natureza
especialíssima, qualificada pelo singularidade do seu objeto, que é o de
aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas -
físicas ou jurídicas - que com eles se acumpliciam para atuar contra a
Administração ou que se beneficiam com o ato de improbidade.
Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação
penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a
Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na Lei 4.717/65), cujo
objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de
atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do
patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico
é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória.

12
Ob cit, pp. 426/427.
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2. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade
é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da
conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no
STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade,
que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas
descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa,
nas do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de
16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ
de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min.Eliana Calmon, DJ de
21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007;
REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp
626.034/RS, 2ª T., Min.João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; REsp
604.151/RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006).

3. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica


um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por
pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que
se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de
ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a
revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não
há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os
prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por
imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos
improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção
de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.

4. Recurso especial do Ministério Público parcialmente provido. Demais


recursos providos. (REsp 827445/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/
Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em
02/02/2010, DJe 08/03/2010)

Traçadas essas linhas, verifica-se que, in casu, todos os


elementos caracterizadores do ato ímprobo estão presentes, sendo
os fatos amoldáveis ao artigo 11 da Lei nº 8.429/92.

Com efeito, o elemento subjetivo do ato ímprobo resta


plenamente configurado, uma vez que a Representada permaneceu
inerte mesmo após terem sido escoados os prazos legais previstos na
Lei n.º 1.102/1990, na LC n.º 114/2005 e Lei n.º 9.784/1999.

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Não se trata, Excelência, de mera conduta ilegal da
Representada, mas de atitude dolosa no sentido de não observar as
leis a que estava sujeita naquele momento, mesmo ciente da
ilegalidade de não as cumprir.

II.3.3 – Da aferição da sua conduta quanto a efeitos outros

No antepenúltimo momento, tem-se a impressão que sua


conduta aparenta ser um caso típico de ato de improbidade
atentatório aos princípios da Administração Pública (artigo 11,
caput, e inciso II, da Lei nº 8.429/92) somente.

Anote-se, que inexiste prova e mesmo conjecturas de que a


Representada tenha, com isso, se enriquecido ilicitamente (art. 9º,
Lei nº 8.429/92) ou dado causa a prejuízo ao erário (art. 10).

II.3.4 - Das características dos sujeitos passivo e ativo do ato

No penúltimo momento, vê-se que a Representada se


enquadra no conceito de agente público, estabelecido pelo art. 2º
Lei nº 8.429/92.

II.3.5 – Da valoração da conduta

Por último, verifica-se não ser apenas um caso de improbidade


"formal", ou seja, de casos em que, conquanto haja subsunção da
conduta à lei, ela (a lei) não foi violada teleologicamente. Aqui,
houve clara ofensa à lei e ao espírito que a preserva: há, pois,
improbidade "material" também.

Percorrido o iter, vê-se que a Representada, com seu agir


doloso, violou os deveres de honestidade profissional e de lealdade
institucional, tendo deixado de praticar, indevidamente, ato de
ofício que era o de promover a imediata instauração de sindicância
ou processo administrativo disciplinar para apuração das
irregularidades.

Com estas considerações, tem-se, em tese, por configurado


seu ato como de improbidade administrativa.

Antes do pedido ser formulado, volta-se ao Corregedor-Geral


da Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Bernardo Moreira
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Garcez Neto, que o subscritor se permite reproduzir, sem a ele pedir
licença:

“Normalmente, quando se ocupa cargo de administração, visa-se ocupar


outros cargos. Isso tem um custo, ele fica cauteloso. Esse é o problema:
o corregedor que não age como tal, que quer ser bem quisto, que não
quer contrariar, que não quer tomar atitudes.” (doc. 7)

O Corregedor Geral da Justiça do Rio de Janeiro foi na pleura,


por isso nada mais a explicitar.

III. DO PEDIDO

Assim, em face do exposto, e valendo-se da iniciativa prevista


no art. 14 da Lei n. 8.429/92, requer o Representante se digne essa
Promotoria de Justiça de acolher a presente representação, para
determinar a instauração de procedimento administrativo visando a
apurar eventual conduta ímproba, (i) não apenas de retardar,
indevidamente, ato de ofício, (ii) como também a de deixar de
praticar, indevidamente, ato de ofício.

E ao final, concluído o procedimento, possa ser (iii) proposta


ação de improbidade em face da Representada, Dra. Rosely
Aparecida Molina, que não observou, dentre outros, os princípios
da moralidade e da impessoalidade e (iv) a expedição de
recomendação dirigida à Polícia Civil/MS, com vista à prevenção de
condutas semelhantes as descritas no subtópico I.1.

Termos em que, pede deferimento.

Campo Grande, MS., 14 de novembro de 2019.

SILVIO IRAN da Costa Melo

Documentos anexos a petição:

Documento n.º 01 – cópia cédula de identidade e Titulo de eleitor do Representante;

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Documento n.º 02 – Portaria de designação da Dra. Rosely Aparecida Molina;

Documento n.º 03 – cópia da denúncia de irregularidade protocolada na Corregedoria


Geral da Polícia civil em 26 de junho de 2018;

Documento n.º 04 – cópia da decisão da Dra. Dra. Rosely Aparecida Molina, Aparecida
Molina na denúncia de irregularidade;

Documento n.º 05 – cópia da reportagem de 02/8/2013 do sítio campograndenews:


Delegado afastado do cargo após participar de eleições ganha
liminar na justiça;

Documento n.º 06 – cópia da reportagem de 29/8/2013 do sítio campograndenews:


Delegado consegue liminar na Justiça para não ser transferido;

Documento n.º 07 – cópia da reportagem de 18/8/2019 do sítio Consultor Jurídico:


Corregedor do TJ-RJ revela seriedade no exercício do cargo.

i
Art. 182. Ao tomar conhecimento da irregularidade a autoridade ou funcionário adotará as
providências legais promovendo sua apuração ou comunicando a autoridade competente.
ii
Art. 242. A autoridade que tiver conhecimento de irregularidades no serviço público é obrigada
a promover a sua apuração imediata, através de sindicância ou de processo disciplinar,
assegurado ao acusado ampla defesa.
iii
Art. 243. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração desde que contenham
a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a
autenticidade.
iv
Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos
administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
v
Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até
trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

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