m um serviço público essencial. Entrevista especial com Sérgio Amadeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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23/04/2022 19:22 A banda larga precisa ser convertida em um serviço público essencial. Entrevista especial com Sérgio Amadeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
Foto: Obviousmag.org
Apesar de o home office e o estudo on-line estarem em evidência neste período de quarentena e de várias empresas
cogitarem a expansão desta modalidade de trabalho daqui para frente, o acesso assimétrico ao mundo virtual é
outra faceta das desigualdades sociais e econômicas abissais que marcam a sociedade brasileira. A disparidade no
acesso à internet é marcada pela qualidade da banda larga, que varia entre as periferias e as zonas nobres das cidades,
e pela disponibilidade a dispositivos de acesso. De acordo com Sérgio Amadeu, que há anos participa de debates sobre
a inclusão digital no Brasil, mais da metade dos brasileiros conectados, 58% deles, acessam a internet somente pelo
celular. “Nas camadas mais pobres, 79% dos que ganham até um salário mínimo chegam à internet utilizando
exclusivamente o telefone celular. Destes, mais da metade possui planos pré-pagos. Mesmo nos segmentos da classe
média baixa que ganham entre dois e três salários mínimos, 60% acessam só pelo celular, e, daqueles que estão na
faixa de três a cinco salários, 45% chegam à rede do mesmo modo”, informa. Esses dados, analisa, indicam que “é uma
ilusão considerar que as pessoas têm condições adequadas de estudo em todas as residências”.
Nesta entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, Amadeu reflete sobre o desenvolvimento da internet no
Brasil nos últimos anos, as crenças que animavam os entusiastas das redes colaborativas, os desafios para superar
inequidades sociais geradas pela digitalização, e os problemas relacionados ao acesso dos dados dos usuários,
especialmente em decorrência da ampliação da educação a distância. Todas essas questões estão diretamente
conectadas com as três crises da internet hoje: a da rede distribuída, a da participação e a do livre fluxo de dados.
“Consideramos que uma rede distribuída era necessariamente uma rede democrática. Percebemos que isso não é
verdadeiro. A arquitetura distribuída da internet pode distribuir a vigilância de todos os pontos da rede. Pode ser
excludente na sua infraestrutura. Enfim, o acesso distribuído pode não ser universal, justo e democrático”, avalia.
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Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente
é professor da Universidade Federal do ABC - UFABC, no estado de São Paulo. Foi um dos pioneiros do debate da
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inclusão digital no Brasil e pesquisou as práticas colaborativas e o software livre. Foi, ainda, presidente do Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Entre suas publicações,
destacamos o livro Exclusão Digital: A Miséria na Era da Informação (São Paulo: Perseu Abramo, 1996).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A pandemia de covid-19 demonstrou, entre outras, a carência do Brasil em relação às
tecnologias digitais. Quais são as principais limitações e desafios do país nesta área?
Sérgio Amadeu - O Brasil é um país com grandes assimetrias e carências. A internet não tem a mesma
infraestrutura de acesso em todas as regiões. Pessoas negras e pobres não têm o mesmo acesso à internet que brancos
e ricos. O mundo virtual pode ser tão assimétrico e segregador como nossos espaços urbanos. A banda larga nas
periferias das grandes cidades não é a mesma que nas regiões nobres. Cidades-dormitórios ao redor das grandes
cidades, com a pandemia e com o isolamento social, viram crescer os acessos à internet levando à queda na
qualidade da banda larga. A infraestrutura instalada e vendida nessas regiões não conseguiu atender a demanda,
pois já era ruim e ficou pior.
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Muitos governos iniciaram processos de educação a distância ignorando essa realidade. A pesquisa do Comitê
Gestor da Internet no Brasil, realizada em 2019, apontava que 74% dos brasileiros acima de 10 anos haviam
acessado a internet nos últimos de três meses. Todavia, enquanto mais de 90% de quem ganha acima de dez salários
mínimos está conectado, somente 61% dos que ganham até um salário mínimo acessaram a rede. Uma das principais
diferenças além da infraestrutura de banda larga diz respeito ao dispositivo de acesso. No país das assimetrias, 58%
dos brasileiros conectados acessam a internet apenas pelo celular e somente 41% acessam pelo celular e pelo
computador. Nas camadas mais pobres, 79% dos que ganham até um salário mínimo chegam à internet utilizando
exclusivamente o telefone celular. Destes, mais da metade possui planos pré-pagos. Mesmo nos segmentos da classe
média baixa que ganham entre dois e três salários mínimos, 60% acessam só pelo celular, e, daqueles que estão na
faixa de três a cinco salários, 45% chegam à rede do mesmo modo. O celular é limitador para uma série de tarefas e de
ações. A banda larga, infraestrutura básica das redes digitais, precisa ser convertida em um serviço público
essencial, com metas de qualidade e universalização, tal como os serviços de luz e água. Por fim, afirmo que é uma
ilusão considerar que as pessoas têm condições adequadas de estudo em todas as residências.
Nas camadas mais pobres, 79% dos que ganham até um salário
mínimo chegam à internet utilizando exclusivamente o telefone
celular - Sérgio Amadeu
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IHU On-Line - Em uma entrevista que nos concedeu em 2007, o senhor chamou a atenção para o fato
de que as novas tecnologias também geram exclusões. De lá para cá, quais são as exclusões mais
recorrentes por conta do avanço tecnológico e como superá-las ou enfrentá-las, considerando a
revolução tecnológica?
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Sérgio Amadeu - O avanço do acesso às tecnologias no capitalismo gera inserções desiguais e baseadas no poder
aquisitivo dos diversos segmentos sociais. Mas também estamos assistindo aos processos de transformação digital dos
governos servindo apenas para a unificação de bancos de dados que visam eliminar pessoas dos programas sociais. A
pesquisadora Virginia Eubanks analisou o processo de digitalização em alguns estados norte-americanos e mostrou
como o argumento de combate às fraudes era utilizado para reduzir o número de atendimentos sociais. Isso está
ocorrendo no Brasil. O governo Bolsonaro e sua doutrina neoliberal quer utilizar as tecnologias e sistemas
algorítmicos para reduzir o gasto público e não para melhorar a qualidade do atendimento, nunca para aumentar a
base de atendimento. Basta ver que o número-chave para o governo é o CPF. Querem ligar tudo à ideia de contribuinte
e não à lógica do direito e da cidadania.
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Se uma pessoa está em dívida com algum órgão do governo, ela logo terá bloqueado um direito ou recebimento de um
benefício. O neoliberalismo está utilizando as tecnologias para restringir o acesso aos direitos sociais e não para
assegurá-los. As tecnologias precisam e podem ser utilizadas para melhorar a vida dos segmentos mais pauperizados e
para reduzir as iniquidades sociais. O problema é que em governos com a orientação neofascista e neoliberal, teremos
o uso de tecnologias para beneficiar “os grandes”, as elites econômicas, o capital financeiro. Veja o que está ocorrendo
com as câmeras de vigilância e seus sistemas de identificação automatizados em tempo real. Elas são utilizadas
contra as classes perigosas, para a detecção de jovens negros. Elas possuem algoritmos de machine learning e
estrutura de dados que reproduzem o racismo, ao considerar a cor da pele um elemento importante para se detectar
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um criminoso. As tecnologias de informação sob o ordenamento neoliberal estão ampliando o vigilantismo e a coleta
de dados para fins comerciais. Elas precisam ser assumidas pelos movimentos sociais, pelas comunidades tradicionais,
pelas universidades, que podem reconfigurá-las e reformatá-las para outros propósitos. Mas isso exigirá que boa parte
da sociedade supere sua alienação tecnológica. Isso exigirá uma tecnopolítica que nos retire da ilusão de que
tecnologias e corporações possuem uma neutralidade social.
IHU On-Line - Desde o surgimento da internet, havia uma expectativa de que a rede pudesse ser um
ambiente colaborativo, que possibilitasse o desenvolvimento de novas atividades, inclusive, em
relação ao trabalho. Apesar das inúmeras vantagens e facilidades que a internet possibilitou aos
usuários, alguns teóricos chamam a atenção para o fato de que grandes corporações lucram muito
com suas empresas, e inúmeros trabalhos que dependem de aplicativos continuam precarizados.
Como o senhor vê esse quadro, considerando as expectativas iniciais e a atual realidade?
Sérgio Amadeu - De fato a internet trouxe uma grande inversão dos fluxos informacionais. Falar não é mais o
problema. O difícil é ser ouvido. A economia da difusão foi superada pela economia da atenção. A internet permitiu
emergir uma explosão de criatividade. Além disso, diversos movimentos passaram a se articular pelas redes digitais.
Mas a internet, hoje, vive três crises principais, não exclusivas: a crise da rede distribuída, a crise da participação e a
crise do livre fluxo de dados.
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Primeira crise
A primeira delas se dá com a crença que muitos de nós tivemos com a arquitetura das redes distribuídas.
Consideramos que uma rede distribuída era necessariamente uma rede democrática. Percebemos que isso não é
verdadeiro. A arquitetura distribuída da internet pode distribuir a vigilância de todos os pontos da rede. Pode ser
excludente na sua infraestrutura. Enfim, o acesso distribuído pode não ser universal, justo e democrático.
Segunda crise
A segunda crise é a do ideal de participação. Alguns acreditavam que a interatividade e as articulações que a internet
assegurava seriam utilizadas para fomentar as forças que defendem uma sociedade participativa e autônoma. Logo
ficou nítido que muitos grupos que atuam na rede são neofascistas, racistas e misóginos. Eles buscam suprimir a
diversidade e a participação dos outros. Pense nas redes bolsonaristas que defendem a tal liberdade de explorar e
massacrar o diferente, o pobre, o homossexual, que defendem um fundamentalismo religioso interessado e cínico. Isso
levou muitas pessoas a desconfiarem da participação. Tal sentimento pode ser legítimo, mas é desastroso. A
participação e a autonomia das trabalhadoras, dos precarizados, das mulheres, dos negros, das comunidades
indígenas é o caminho para superarmos as pulsões de morte do neoliberalismo e de sua vertente fascista.
Terceira crise
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A terceira crise que destaco é denominada de conflito do livre fluxo de dados. Sem dúvida, para a internet existir,ela
deve continuar transnacional. Alguns dados e metadados são indispensáveis à sua existência. Entretanto, nem todos
os dados são necessários, essenciais e pertinentes ao funcionamento de uma internet livre e planetária. Por isso, o livre
fluxo de dados é a política das grandes plataformas que querem extrair os dados de todas as populações do mundo e
concentrá-los em seus data centers que irão processá-los e analisá-los com o objetivo de gerar lucros descomunais
para as corporações do mundo rico e do seu novo concorrente chinês. Não tem sentido defender que os dados das
crianças brasileiras sejam entregues ao Google e à Microsoft. Não é nada seguro para a nossa sociedade que as
corporações de biotecnologia e de inteligência artificial coletem dados de DNA da população brasileira. Enfim, a
internet está sendo utilizada pelas grandes corporações para obterem um excedente de dados que permitam extrair
padrões de segmentos, microssegmentos e de todos os indivíduos conectados.
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Essas crises precisam ser enfrentadas. Acredito que chegou a hora de regular as plataformas digitais. Precisamos mais
do que nunca exigir a abertura do conhecimento e dos códigos que estruturam as redes digitais. Também precisamos
fomentar que associações e movimentos criem data centers comunitários e que organizem o valor dos dados para o
enriquecimento das localidades e das comunidades. Teremos que enfrentar a nova fase do capitalismo neoliberal,
a fase do neocolonialismo digital.
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IHU On-Line - Como o senhor interpreta o crescimento e a expansão de empresas de tecnologia neste
momento de pandemia e por que, na sua avaliação, elas atuam como “novos colonizadores”?
Sérgio Amadeu - Na pandemia, as grandes plataformas digitais cresceram muito. Os dados são assustadores. Nos
três primeiros meses de 2020, o Google cresceu 13%, a Microsoft 15%, o Facebook 18% e a Amazon 26% em relação ao
mesmo período do ano anterior. Muitas escolas aderiram acriticamente a essas plataformas cujo principal modelo de
negócios é a venda de dados e amostras dos seus usuários para o marketing. Dados das relações e do desempenho
didático-pedagógico das nossas crianças e adolescentes foram entregues sem que isso fosse considerado um problema.
Imagine se o Congresso dos Estados Unidos permitiria que uma empresa brasileira coletasse dados dos
estudantes norte-americanos e que os hospedasse no Brasil, tendo qualquer controvérsia jurídica decidida na Vara de
Pinheiros do Poder Judiciário paulista. Pense se a Rússia ou a China permitiria que os dados da vida escolar de seus
adolescentes fossem hospedados em outro país. Lamentavelmente, a mente colonizada enaltece o colonizador. Os
pesquisadores do site Educação Vigiada observaram que aproximadamente 60% das universidades brasileiras
entregaram para Google e Amazon a gestão das caixas postais de seus professores, técnicos e estudantes. Durante a
pandemia, o Google Meet obteve três milhões de novos usuários por dia. Antes de fugir para os Estados Unidos, o
ex-ministro da Educação, Weintraub, mandou publicar no site do MEC um release da Microsoft louvando a
entrega dos dados do Sisu para a nuvem da empresa norte-americana. Na colônia digital, o MEC diz que é mais
barato e mais seguro entregar os dados do desempenho escolar de nossos jovens para a empresa estadunidense. A
colônia dataficada não consegue nem mesmo processar os seus dados, ela deve enviá-los ao colonizador.
Nos segmentos da classe média baixa que ganham entre dois e três
salários mínimos, 60% acessam só pelo celular - Sérgio Amadeu
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IHU On-Line - Que diferenças e semelhanças há na atuação e expansão das empresas de tecnologia
americanas GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft) e chinesas BATX (Baidu,
Alibaba, Tencent e Xiaomi)? O que a disputa internacional entre esses grupos representa?
Sérgio Amadeu - A China é um país autoritário e de economia neoliberal. Os Estados Unidos são um país
neoliberal que ainda consegue manter eleições restritas em que somente dois partidos conseguem disputar
efetivamente o poder de Estado, uma duarquia se alterna no poder. Os EUA são uma democracia fragilizada e
carcomida pelo dinheiro que se baseia em uma guerra permanente contra a estruturação de um poder mais equitativo
e democrático em escala global. As empresas de ponta dos dois países disputam os dados do mundo para alimentar
suas vendas de amostras ao marketing.
Na geopolítica tecnológica, a China está na frente na disputa pelo 5G e emparelhou com os EUA na chamada
inteligência artificial e na computação quântica. Os EUA não têm o menor prurido de abandonar os princípios liberais
da competição econômica e substituí-los pelo argumento de segurança e de combate à espionagem para proibir a
venda de produtos da Huawei. Estamos caminhando para a queda do império norte-americano. Essa guerra está
apenas no seu início. Temo que ela não fique restrita apenas às batalhas comerciais. A supremacia tecnológica dos
EUA foi quebrada. Viveremos tensões, escaramuças e inúmeras batalhas de guerras híbridas. A militarização da
internet como área vigiada por forças de segurança e agências estatais se ampliará.
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IHU On-Line - Como fazer frente a essa situação, se o mundo está se tornando cada vez mais
Sérgio Amadeu - O problema não é a tecnologia móvel, nem a computação. A grande questão é o ordenamento
neoliberal que conduz as invenções tecnológicas para seus modelos de negócios baseados na busca de vencer a
qualquer custo a concorrência, mesmo onde ela nunca existiu. O modelo de negócios baseado na extração,
armazenamento, processamento e análise de dados de todas e todos fez com que o principal mercado da economia
informacional seja o mercado de dados pessoais. Os dados são necessários à extração do padrão de comportamento de
cada uma ou um de nós. Esses padrões de comportamento, sentimento e percepção, visam atingir as possibilidades
preditivas para os sistemas algorítmicos controlados pelas grandes corporações. Assim, o atual capitalismo vive
permanentemente do futuro.
Nada nos obriga a aceitar esse modelo. Podemos conviver com ele, mas deveríamos articular nossos movimentos e
nossa criatividade para montar outros caminhos que incorporem outras cosmologias. Podemos atuar com dados que
não sejam comercializados, nem busquem modular comportamentos de modo a ampliar a dependência das pessoas ao
capital. Por exemplo, nenhum grande problema tecnológico impede o desenvolvimento e lançamento de aplicações
que sejam de propriedade dos trabalhadores que querem prestar serviços de entrega urbana. A ideologia da
neutralidade técnica e a alienação tecnológica é nosso maior adversário. Obviamente não tenho nenhuma ilusão na
elite econômica brasileira que vê em nosso país um território de exploração, uma colônia. Acredito que está chegando
a hora de os movimentos sociais e as comunidades tradicionais perceberem que as tecnologias são elementos
fundamentais dessa guerra contra o neoliberalismo e contra o neofascismo.
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IHU On-Line - A internet e as redes sociais estão cada vez mais presentes na vida das pessoas, tanto
nos momentos de trabalho, quanto nos de lazer. A que razões o senhor atribui esse fenômeno para
além do momento atual?
Sérgio Amadeu - As redes sociais permitiram às pessoas obterem inúmeras vantagens das interações online. O
problema é que as grandes corporações utilizam técnicas de fidelização e de atração que são voltadas ao consumo em
escala jamais vista. Os perfis de cada pessoa são alimentados com novos dados que são tratados por sistemas
algorítmicos de aprendizagem de máquina com o objetivo de reconfigurar os indivíduos como sujeitos de consumo.
Por isso, a espetacularização não é uma tese superada. Ela é o cotidiano das redes sociais. As pessoas tornam
suas vidas um espetáculo. Afinal, somos cada um de nós uma empresa, um empreendimento. Assim, o
neoliberalismo vai se agigantando. Você é um espetáculo, você é um empreendedor de si. Basta ver como o
Facebook é limitado. Compare com a web, com o conteúdo dos sites e verá que a arquitetura oferecida por Zuckerberg
é restrita e chata, mas como todas e todos estão por lá, em fotos e fatos, temos que produzir ali o nosso sujeito para nos
apresentar vivos para os outros.
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IHU On-Line - Em artigo recente, o senhor chamou atenção para a disseminação de inúmeros dados
dos usuários para empresas de tecnologia, especialmente neste momento. Quais são os riscos que vê
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nesse processo?
Sérgio Amadeu - O capitalismo atual tornou os dados um ativo de grande valor. Assim, cada clique que damos, cada
site que visitamos, cada segundo que permanecemos em uma página ou observando um perfil em rede social, está
sendo computado, capturado, coletado. Eles permitirão que modelos estatísticos possam tentar prever nossos
próximos passos e nossas vontades. Assim, a rede social, o mecanismo de busca pode nos vender. Pode vender nossos
gostos e nossas vontades para quem pode nos oferecer esses produtos. O problema é que essas plataformas encurtam
demasiadamente a realidade, elas modulam nosso comportamento controlando nosso olhar. Isso nos empobrece.
Além disso, não é saudável para nenhum de nós que as corporações saibam tudo ou quase tudo sobre nós. Isso nos
fragiliza economicamente, socialmente e politicamente.
IHU On-Line - Nas últimas semanas, várias empresas suspenderam a publicidade em algumas redes
sociais, como o Facebook, o Twitter e o YouTube, por conta da propagação de conteúdos racistas nas
redes sociais, participando da campanha Stop Hate For Profit (Pare de lucrar com o ódio, em
tradução livre), exigindo que as empresas tomem medidas em relação às mensagens divulgadas nas
redes. Como o senhor avalia esse boicote? Que consequências práticas ele pode gerar?
Sérgio Amadeu - Acho que muitos movimentos interessantes estão surgindo nas redes depois do susto e da
suspensão da realidade que tivemos e ainda temos com as ondas de desinformação e de proliferação do discurso de
ódio. Acho que as resistências começam a brotar e a se transformar em máquinas de combate e de defesa da
diversidade e dos direitos democráticos. Quem iria imaginar que as câmeras de segurança que estão ocupando as
cidades seriam usadas para identificar os policiais militares que assassinam jovens negros? Quem poderia prever que
as milícias digitais seriam enfrentadas pelas torcidas organizadas que se articularam pelo mesmo cliente de
mensagens instantâneo que os bolsominions? Quem pensaria que os entregadores e motoboys que arriscavam suas
vidas para atender as camadas médias iriam se articular pelas redes digitais e enfrentar as plataformas? Os neoliberais
declararam que os direitos acabaram e que a luta dos trabalhadores morreu? Será? Tudo indica que não. Enquanto
Bolsonaro e seus generais entreguistas afundavam o país nas carreatas da morte, enquanto distribuíam cloroquina e
falavam que a covid-19 era uma ‘gripezinha’, os movimentos sociais se organizaram e criaram redes de
solidariedade para a população abandonada pelo governo. Só o Mapa Colaborativo já registrou mais de duas mil
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ações de apoio e de enfrentamento da pandemia realizada pelos coletivos, movimentos sociais e universidades. Acho
que coletivos de mobilização digital antifascistas irão surgir e começar a enfrentar e a derrotar o neofascismo que
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IHU On-Line - Como avalia, de outro lado, o crescente uso da rede social Parler, que permite a
publicação de opiniões e ideias com ampla liberdade de expressão?
Sérgio Amadeu - Essa rede é minúscula no Brasil. Trata-se de uma rede da extrema direita norte-americana que se
empolga com o racismo, com a discriminação, com a misoginia, com a homofobia, com a supremacia branca, com o
assassinato de pobres e negros. Ela mostra a falácia da chamada liberdade dos liberais. Rir de uma pessoa que tem
uma deficiência física não é liberdade de expressão; é agressivo, é criminoso, é humilhante. A rede Parler reúne
imbecis que gostam de humilhar, mentir e agredir. Isso não é liberdade de expressão; é liberdade de agressão. Esses
integrantes da extrema direita estadunidense cultuam a ignorância e querem substituir o debate racional baseados em
evidências factuais pela crença em valores reacionários. No Brasil, o gabinete do ódio, as hordas e milícias
bolsonaristas, se servem do negacionismo, da cultura da ignorância e se organizam como hordas protofascistas.
Eles seriam os únicos interessados em uma rede social de bestializados. Serão derrotados pela história. Ninguém
aguenta tanta ignorância, como dizia o velho Chico, “tanta mentira, tanta força bruta”.
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Rir de uma pessoa que tem uma deficiência física não é liberdade
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Fim da neutralidade da rede rompe com a democratização dos direitos digitais e favorece disputas econômicas e políticas.
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23/04/2022 19:22 A banda larga precisa ser convertida em um serviço público essencial. Entrevista especial com Sérgio Amadeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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