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UNIDADE Primeira República ou “A República do Café com Leite”:

As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

Contextualização
Refletindo o passado através de ações do presente!

Em matéria publicada no portal de notícias Fórum, Glauco Faria e Vinicius Go-


mes expõem a insatisfação de grande parte da população brasileira, que está bus-
cando uma via alternativa, como também estão buscando uma saída alguns novos
movimentos sociais europeus para a política que está altamente desacreditada e
até mesmo banalizada pelas alianças partidárias nada etéreas que presenciamos
nas últimas décadas. Essa matéria vem ao encontro da unidade estudada, Primeira
República ou “A República do Café com Leite”: as oligarquias e a organiza-
ção política (1889-1930), em que a política para poucos, que não agradava no
passado, nos agrada ainda menos hoje.

Reflitam!

“A formação de um “Podemos brasileiro”? Ex-integrantes da Rede Sustentabilidade, PT,


Explor

PSOL e PCdoB discutem o processo de composição de um novo partido. O Avante (nome pro-
visório) teria como pilares principais o bem comum, o bem viver, o ecossocialismo e o cida-
danismo, inspirado em experiências de outros países.” Disponível em: https://goo.gl/3tyPca

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Introdução
O Brasil foi lento em abolir a escravatura. Foi a última nação a tomar essa deci-
são, depois dos Estados Unidos (1865) e de Cuba (1886). Apenas um ano e meio
depois veio a proclamação da República, e com ela utopias e projeções de um fu-
turo, talvez brilhante, para o país, que estava se livrando de um regime em que as
decisões eram por demais centralizadas na capital e personificadas em D. Pedro II.

A razão de ser de tanta euforia, em boa parte, pode ser creditada à propaganda
dos republicanos históricos, positivistas e às lojas maçônicas, que colaboraram em
grau elevado para alardear a “ordem e progresso” que poderia advir com o regime
republicano. Segundo Schwarcz, “o grande modelo civilizatório seria a França,
com seus circuitos literários, cafés, teatros e uma sociabilidade urbana almejada em
outras sociedades”. Mas de certa forma a França já vinha sendo o modelo “cultu-
ral” a ser seguido pela elite brasileira (SCHWARCZ, 2012); o modelo econômico,
ou melhor, quem continuaria dominando economicamente o país, emprestando a
altos juros e investindo capital, fora os banqueiros e empresas inglesas. A Repúbli-
ca prometia mais, os republicanos prometiam a igualdade e a liberdade para todos
os cidadãos, prometiam a cidadania.

Ao findar a forma de trabalho escravo, parecia que a porta para a cidadania atra-
vés da educação traria possibilidades de acessos ao menos favorecidos economica-
mente, traria inclusive a possibilidade de ascensão social, mas a imigração em massa
e os preconceitos enraizados no país não possibilitaram essa mobilidade social aos
escravos e pobres, enfiados nos rincões mais afastados do centro de poder. “Essa
parecia ser uma nova era [...] as possibilidades de acesso à cidadania e a novas for-
mas de inclusão, imaginou-se um novo mundo, não mais cerceado por modelos de
hierarquia social estrita, ou vinculados a critérios de origem” (SCHWARCZ, 2012).

A República não foi para todos, ainda é o projeto hierárquico e restritivo das
elites. Inicialmente, com o “Governo Provisório” sob o governo de Marechal De-
odoro, e depois, após a promulgação da primeira Constituição republicana, outro
militar assumiu o posto de presidente, Floriano Peixoto. Com os dois militares, o
cenário que se desenhava era de uma República linha dura, ao estilo do jacobi-
nismo francês, mas o que prevaleceu foi o velho clientelismo dos tempos da mo-
narquia. O primeiro presidente civil, Prudente de Moraes, continuou favorecendo
a elite; o projeto republicano, desenhado nos tempos de monarquia não saiu do
papel. Agora a disputa estava restrita às elites para saber que tipo de República
seria conveniente para continuarem sendo donas do Brasil. Essa será a tônica desta
nossa unidade, estudar os projetos de República para o Brasil a partir da elite.

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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

Situação Econômica e Social


do Brasil no início da República
Ao iniciar-se o período republicano, a situação econômica e social do país estava
mais ou menos da seguinte maneira, segundo o censo até 1890 – foram realizados
dois censos mais confiáveis, nos anos de 1872 e 1890. A população estimada no
ano de 1890: 14,333 milhões. Os primeiros dados gerais sobre instrução de 1872
mostram um altíssimo índice de analfabetismo: entre os escravos, algo em torno
de 99,9%; entre a população livre - incluem-se aqui os negros livres e brancos, o
índice gira em torno de 80% de analfabetos; entre as mulheres, o censo indica algo
em torno de 86%. A frequência escolar nesse período girava em torno de 16,85%.
A instrução pública estava concentrada somente nas maiores províncias do país,
ficando, como sempre, os lugares mais afastados do centro de poder relegados à
própria sorte. No secundário, o número chegava a 12.000 matriculados e no ensi-
no superior, contávamos com aproximadamente 8 mil pessoas (FAUSTO, 2000).
Figura 1 Áudio descrição: Sala de aula com um pro-
fessor em pé e vários alunos e alunas sentados. Uns
estão olhando atentamente para o professor e outros
estão em conversas paralelas.

Figura 1
Fonte: Wikimedia Commons

Um abismo separava, pois, a elite letrada da grande massa de analfa-


betos e gente com instrução rudimentar. Escolas de cirurgia e outros
ramos surgiram na Bahia e no Rio de Janeiro por ocasião da vinda de
Dom João VI. Essas Escolas, assim como a de Engenharia, estavam
vinculadas em sua origem a instituições militares [...] a formação da elite
o passo mais importante foi a fundação da Faculdade de direito de São
Paulo (1827) e de Olinda (1828). Delas saíram bacharéis que, como
magistrados e advogados, formaram o núcleo dos quadros de políticos
do Império. (FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 237)

A sociedade, no final dos oitocentos, caminhava a passos largos em direção ao de-


senvolvimento e ao progresso. O Rio de Janeiro na última década do século XIX era
o maior centro urbano do país. Lá acontecia toda movimentação política importante,
as transações econômicas e os maiores investimentos, capitaneados pelo Barão de
Mauá, que até o ano de sua falência, em 1875, foi um dos maiores empreendedores
que o Brasil já teve.

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O Barão de Mauá: Irineu Evangelista de Souza: industrial, banqueiro, político e diplomata.
• 1846: Edificou os estaleiros da Companhia Ponta da Areia, a indústria náutica brasileira,
Niterói - RJ. Dividiu-se entre a profissão de industrial e a de banqueiro.
Possuía a maior indústria do país, fabricando caldeiras para máquinas a vapor, investindo
em engenhos de açúcar, guindastes, prensas, armas e tubos para encanamento de água.
Foi precursor na área dos serviços públicos. Entre várias de suas atuações, podemos citar:
• 1851: Construiu uma companhia de gás voltada para a iluminação pública do Rio de Janeiro.
• 1852: Corporações de navegação a vapor no Rio Grande do Sul e no Amazonas.
• 1854: Primeira estrada ferroviária: de Petrópolis - Rio de Janeiro.
• 1854: Primeira estrada ladrilhada do país, a União e Indústria: Petrópolis - Juiz de Fora.
• 1874: Ajustou o assentamento do cabo submarino, entre tantas outras realizações.
• Com capitalistas da Inglaterra e cafeicultores de São Paulo, tomou parte na construção
da Recife and São Francisco Railway Company, da estrada de ferro Dom Pedro II – hoje
a Central do Brasil, e da São Paulo Railway – atual Santos-Jundiaí.
• Deu início à edificação do canal do mangue, no Rio de Janeiro, e respondeu pela
implantação dos primeiros cabos telegráficos e submarinos, conectando o Brasil
à Europa.
• Em 1850 inaugurou o Banco Mauá, MaCGregor & Cia, com filiais nas capitais brasilei-
ras e no exterior: Londres, Nova Iorque, Buenos Aires e Montevidéu.
• 1875: Sofreu um duro golpe, amargou a falência do Banco Mauá. Em vista disso, foi obri-
gado a vender a maior parte de suas empresas a capitalistas do exterior.
Encontrava-se então doente, era portador de diabetes, porém só sossegou quando final-
mente conseguiu liquidar todas as suas contas..
Fonte: Info Escola. Disponível em: https://goo.gl/pY8bJQ. Acesso em: 19 fev. 2015

São Paulo apresentava grande evolução, se comparado ao que era no início do


século XIX; agora estava se tornando um centro de negócios cafeeiros e atraía cada
vez mais imigrantes para suas lavouras e para a capital da província. Eram maiores
que São Paulo algumas capitais do norte e nordeste: Salvador, Recife e Belém.

A economia brasileira ainda estava concentrada quase que predominantemente


na agricultura. O censo de 1872 indicava que 80% dessa atividade movia a eco-
nomia do país, ficando os serviços, em que os serviços domésticos representavam
mais da metade desta categoria, com 13% e a indústria com apenas 7% das ativi-
dades econômicas, isso porque a mineração era enquadrada nesta categoria.

O desenvolvimento econômico só se consolidaria no Centro-Sul a partir de


1870, deixando o nordeste definitivamente para trás. Essa inversão deu-se com o
aumento do consumo de café em países como os Estados Unidos, onde o costume
de tomar café ampliou-se muito com o rápido crescimento da população norte-
-americana. O mesmo não ocorreu com o principal produto de exportação do
nordeste, o açúcar, que sofria concorrência principalmente de Cuba e do açúcar
extraído da beterraba na Alemanha. Outro fator que impulsionou a produção do
açúcar cubano foi que em 1860 70% da produção da ilha estavam automatizados,
utilizando máquinas a vapor, enquanto que nos engenhos pernambucanos a auto-
matização chegava a apenas 2% da produção.

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Outro produto que alavancava a economia do norte/nordeste era o algodão,


isso desde os tempos da colônia, mas já no início do século XIX o algodão dos
Estados Unidos começou a desbancar as exportações brasileiras desse produto que
era fornecido pelas províncias de Pernambuco, Maranhão, Paraíba e Alagoas. O
algodão teve uma sobrevida na “entressafra” da Guerra Civil americana entre os
anos de 1861 a 1865 e voltou a ter importância com o impulso posterior dado
pela indústria têxtil nacional.

Outro produto que se tornou o eldorado da produção brasileira de gêneros primá-


rios para a exportação foi a borracha amazônica. Nas últimas décadas do século XIX,
a partir da década de 1880 até a primeira década do século XX, a borracha chegou a
desenvolver um polo econômico regional muito importante. O negócio sobrevivia das
difíceis condições de trabalho, quase que artesanal, e o comércio se concentrava nas
mãos de pequenos atravessadores, formado principalmente por grupos de portugue-
ses. Com o aumento da demanda, surgiu uma rede bancária, casas importadoras de
bens de consumo, que alimentava um comércio crescente com os extrativistas. Isso
fez também com que o fluxo de pessoas aumentasse muito para Porto Velho, Belém e
Manaus, desenvolvendo essas cidades e algumas outras no interior dessas províncias.
Mas, o pequeno trabalhador e o seringueiro continuaram a ser explorados.

Nem toda atividade agrícola produzida no país se destinava à exportação. Des-


de a colônia, algumas regiões se dedicaram ao abastecimento interno de gêneros
de primeira necessidade, como arroz, feijão, milho, mandioca, bovinos e porcos.
Destacaram-se nessa produção interna as províncias de Minas Gerais e o sul do
país, com destaque para o Rio Grande do Sul. Essa produção era distribuída pra-
ticamente para quase todo o país. Minas, com sua vasta extensão de terras e com
regiões muito distintas, tanto poderia abastecer o Rio de Janeiro, São Paulo, como
províncias do nordeste, como Bahia e Pernambuco.

Figura 2 Áudio descrição: Desenho


de um trem “maria fumaça” de
cor marrom em um fundo de cor
amarelada

Figura 2
Fonte: iStock/Getty Images

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Apesar da importância e praticidade do transporte sobre trilhos, o Brasil, que chegou a ter
uma extensa malha ferroviária, não deu prosseguimento a esse meio de transporte, que foi
“encolhendo” ao longo de nossa história republicana...
“Esta estrada de ferro que se abre hoje ao trânsito público é apenas o primeiro passo na
realização de um pensamento grandioso”. Esta declaração foi feita por Irineu Evangelista de
Souza perante o Imperador D. Pedro II ao inaugurar, no dia 30 de abril de 1854, o primeiro
trecho de linha férrea no país. Chamada inicialmente de Estrada de Ferro Petrópolis, ligando
Porto Mauá a Fragoso, no Rio de Janeiro, contava com uma extensão de 14 Km e sua che-
gada a Petrópolis, transpondo a Serra do Mar, ocorreu somente em 1886. As dificuldades e
desafios para implantar estradas de ferro no Brasil eram muitos. Procurando atrair inves-
tidores, o governo implantou um sistema de concessões, que se tornou característico da
política de infraestrutura do então Império. Entre o final do século XIX e início do século XX
foram efetuados investimentos significativos para a construção de linhas férreas, oriundos,
entre outros, de investidores britânicos. A expansão ferroviária atendeu a dois objetivos:
propiciar a entrada de capital estrangeiro no país e o crescimento da economia exportadora.
As primeiras linhas, nesse sentido, visavam interligar os centros de produção agrícola e de
mineração aos portos, através da ligação direta ou vencendo obstáculos à navegação fluvial.
Com o objetivo de ordenar a implantação das linhas, foram feitos vários planos de viação. No
entanto, a política de concessões estabelecida pelo governo brasileiro inviabilizou a constru-
ção de uma rede integrada da malha ferroviária..
Fonte: IPHAN – http://portal.iphan.gov.br/

Histórias sobre o Governo


Provisório da República
Fato importante durante a proclamação da República foi que estava em curso
nos Estados Unidos a I Conferência Internacional Americana, convocada pelos
americanos. Os republicanos viam com bons olhos a aproximação do Brasil com os
Estados Unidos. Com isso, substituíram o representante brasileiro na conferência
por um republicano histórico, Salvador de Mendonça, que aproximou mais o Brasil
dos pontos de vista políticos dos Estados Unidos, haja vista a anterior preferência
dada à Inglaterra pelos monarquistas. “O nítido deslocamento do eixo da diploma-
cia brasileira de Londres para Washington se deu com a entrada do Barão do Rio
Branco para o Ministério das Relações Exteriores, onde permaneceu por longos
anos, entre 1902 e 1912” (FAUSTO, 2000). Com Joaquim Nabuco na embaixada
brasileira em Washington, o alinhamento com os Estados Unidos não foi automá-
tico, mas garantiu ao Brasil o status de potência sul-americana.

O governo provisório, instituído na noite do dia 15 de novembro de 1889,


teve como primeira e mais importante missão elaborar a primeira Constituição
republicana da história do Brasil, como vimos acima. Mas, nesse interim, outra me-
dida importante seria colocar em prática uma política econômica, a cargo de Rui
Barbosa, que pudesse alavancar o desenvolvimento do país, pois as regiões mais
distantes do centro de poder permaneciam estagnadas economicamente. O país,
agora uma república federativa, dava autonomia aos estados, mas devia zelar pelo

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desenvolvimento integral da nação. Na monarquia, “tal como sucedera na Colônia,


a administração imperial centralizada estava muito presente nas regiões próximas à
Corte e em algumas capitais de província, esfarelando-se nas áreas mais distantes”
(FAUSTO, 2000).

Voltando-nos para o início da política republicana, vejamos alguns decretos im-


portantes, segundo a Câmara dos Deputados. Durante o Governo Provisório, algu-
mas medidas importantes foram tomadas. Em um regime de exceção, não faltaram
medidas “antidemocráticas”, como o decreto 85-A, que “cria uma comissão militar
para julgamento dos crimes de conspiração contra a República e seu Governo,
aplicando-lhes as penas militares de sedição”, ou o Decreto nº 7, que “dissolve e
extingue as assembleias provinciais e fixa provisoriamente as atribuições dos go-
vernadores de estados”, e ainda o decreto que bania a família real do país, o De-
creto nº 78-A, que “trata do banimento do território brasileiro do Sr. D. Pedro de
Alcântara, e com ele sua família, e ainda fica-lhe vedado possuir imóveis no Brasil”.

Nem todas as notícias foram antidemocráticas, afinal os republicanos precisa-


vam mostrar ao país algumas mudanças positivas, como a que definiu os eleitores
para escolha da Assembleia Constituinte de 1890; e o Decreto nº 6, que “declara
que se consideram eleitores para as câmaras gerais, provinciais e municipais todos
os cidadãos brasileiros, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler
e escrever”. Outra medida importante, que na realidade era um benefício concedi-
do pelo imperador, foi o decreto n. 5, que “assegura a continuação do subsídio com
que o ex-imperador pensionava do seu bolso a necessitados e enfermos, viúvas e
órfãos”1 (FAUSTO, 2000).

O Brasil não poderia ser governado eternamente por decretos de um governo


provisório. Por isso, os partidários da república liberal pressionaram para que a As-
sembleia Constituinte fosse instalada o mais rápido possível, pois do outro lado, o dos
militares, não haveria oposição se acaso viesse a prevalecer um regime de ditadura
republicana, possibilidade já aventada durante a campanha republicana; era melhor
não correr esse risco. Para o ministro da fazenda do governo provisório – Rui Barbo-
sa – “era necessário dar uma forma constitucional ao país para garantir o reconheci-
mento da república e a obtenção de crédito no exterior”. (FAUSTO, 2000)

Figura 3 Áudio descrição: Imagem


da capa da Constituição da República
dos Estados Unidos do brasil,
proclamada em 15 de novembro de
1889 em exposição numa vitrine.

Figura 3
Fonte: Wikimedia Commons

1 Os dados dos decretos foram retirados do site da Câmara dos Deputados: <https://goo.gl/3NVnDU>. Acesso em:
19 fev. 2015. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: Edusp, 2000, p. 249.

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Logo após a proclamação da República, o Governo Provisório nomeia comissão de juristas,
sob a presidência de Saldanha Marinho, para elaborar projeto de Constituição. Esse projeto
deveria ser submetido à discussão e aprovação da Assembleia Constituinte, escolhida por
meio de eleições, a ser instalada em 15 de novembro de 1890. O projeto apresentado pela
Comissão não foi aprovado pelo Governo Provisório, que encarregou Rui Barbosa de revê-lo.
Por quinze dias, Rui reuniu-se em sua residência, na praia do Flamengo, para discutir com
todos os ministros os artigos com suas emendas. Ao longo do processo, Rui levava todas as
modificações a Deodoro. Por fim, deu forma definitiva ao projeto, aprovado em junho de
1890, que contemplava o presidencialismo, a federação e a divisão dos poderes em Legisla-
tivo, Executivo e Judiciário2.

A nossa primeira Constituição republicana teve como inspiração o modelo cons-


titucional dos Estados Unidos, consagrando a República Federativa Liberal. A au-
tonomia dos estados foi garantida pelo Art. 65, paragrafo 2º da Constituição; nele
os estados, antigas províncias, através do modelo federativo, passaram a ter auto-
nomia em várias matérias administrativas, como, por exemplo, contrair emprés-
timos no exterior, organizar suas forças militares, decretar impostos, entre outras
atribuições, antes vedadas pela centralização de poderes nas mãos do monarca.2

Mas, segundo Boris Fausto, a ideia de ultrafederalismo, defendida pelos positi-


vistas gaúchos, foi rechaçada pelos militares apoiados pelo estado de São Paulo.
À união coube criar os impostos de importação, criar bancos, emitir moeda e or-
ganizar as forças armadas nacionais, e caso necessário fosse, a União poderia in-
tervir nos Estados para restabelecer a ordem e, ainda, manter a forma republicana
federativa, assim como em outras situações que achasse necessária sua intervenção
(FAUSTO, 2000).

Figura 4 Áudio descrição: Ilustração


denominada como “A pátrica recebe das mãos do
governo republicano a sua Constituição política. A
figura é composta pela representação da Pátria por
uma uma mulher que ergue uma girlanda acima
da cabeça de Rui barbosa, enquanto o Marechal
Deodoro entrega a constituição para a Pátria.
Ao final consta os dizeres: “A pátria recebe das mãos
do governo republicano a sua Constituição Política”

Figura 4
Fonte: bndigital.bn.br

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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

Trocando ideias...Importante!
Quando foi afinal promulgada, a 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição repu-
blicana, pouco alterada ao longo dos debates legislativos, trazia a marca indelével das
contribuições de Rui Barbosa. Deve-se a ele o figurino federativo e presidencial que a
República assumiu. Uma das mais significativas contribuições de Rui Barbosa à Consti-
tuição de 1891 foi atribuir ao recém-criado Supremo Tribunal Federal o controle sobre a
constitucionalidade das leis e atos do Legislativo e Executivo. E, como o projeto constitu-
cional não contemplava a garantia da liberdade do indivíduo em situações de violência
ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder, Rui acrescentou-lhe o direito ao habeas-
-corpus. Assim, foi Rui Barbosa quem transformou o STF no guardião da Constituição e,
em especial, dos direitos e liberdades individuais.
Fonte: Projeto memória. Disponível em: https://goo.gl/TsRxQH. Acesso em: 19 fev. 2015.

A Constituição estabeleceu os três poderes: Executivo, Legislativo e Judici-


ário, que deveriam ser independentes e harmônicos entre si. O poder que antes
era desempenhado pelo monarca seria desempenhado por um presidente da Re-
pública, eleito periodicamente num espaço de quatro em quatro anos. A forma de
governo escolhida na Constituição de 1891 foi a presidencialista. Os ministros,
pessoas de confiança do presidente, poderiam ser nomeados ou demitidos a qual-
quer momento. O primeiro presidente e vice-presidente, excepcionalmente, seriam
eleitos de forma indireta pela Assembleia Constituinte.
O Legislativo, assim como na monarquia, foi divido em Câmara de Deputados
e Senado; a diferença estava no fato de que na República os senadores não teriam
mais o cargo de forma vitalícia. No entanto, seus mandatos eram longos, nove
anos, e cada estado e mais o distrito federal elegeriam três representantes para o
Senado. Os deputados seriam eleitos proporcionalmente ao número de habitantes
de seus estados, com mandatos de apenas três anos.
A Constituição decidiu pelo voto direto e universal, suprimindo o antigo sistema
de censo econômico, em vigor durante a monarquia. Poderiam votar todos os cida-
dãos brasileiros acima de 21 anos, exceto mendigos, analfabetos e praças militares.
As mulheres, apesar de não serem citadas na Constituição, ficaram implicitamente
impedidas de votar.
Explor

Caricatura do “voto de cabresto” acesse: https://goo.gl/42SvyW

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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
TÍTULO I - Da Organização Federal - DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime repre-
sentativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e
constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em
Estados Unidos do Brasil.

Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município
Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, en-
quanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte.

Art 3º - Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona


de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela
estabeIecer-se a futura Capital federal.

Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará


a constituir um Estado.

Art 4º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-


-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados, mediante aquiescência das
respectivas Assembleias Legislativas, em duas sessões anuais sucessivas, e apro-
vação do Congresso Nacional.

Art 5º - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de


seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que,
em caso de calamidade pública, os solicitar.

Art.6º - O Governo federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados
[...]

Fonte: Planalto. Disponível em: https://goo.gl/tLgFBx. Acesso em: 19 fev. 2015

Apesar do Decreto n. 6, o voto durante a Primeira República, ou mesmo depois, não foi livre
Explor

como se supõe e a lei não garantiu a liberdade de escolha do cidadão, pois o sistema eleito-
ral estava subordinado, em cada região, à vontade de um “coronel”, homem rico, geralmente
fazendeiro, que impunha aos seus subordinados sua vontade política, através do abuso de
sua autoridade, uso da violência, ou mesmo pela compra de votos, elegendo seus apadri-
nhados para os diversos cargos políticos e judiciários. Esse sistema de imposição é conhecido
na historiografia como “voto de cabresto”.

Outras medidas importantes do Governo Provisório, tomadas por Decretos, fo-


ram promulgadas na primeira Constituição republicana. Já separados pelo decreto
119-A de 7 de janeiro de 1890,

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Estado e Igreja passaram a ser instituições separadas. Deixou assim de exis-


tir uma religião oficial no Brasil. Importantes funções, até então monopo-
lizadas pela Igreja Católica, foram atribuídas ao Estado. A República só
reconheceria o casamento civil, e os cemitérios passaram às mãos da admi-
nistração municipal. Neles seria livre o culto de todas as crenças religiosas.
Uma lei veio completar, em 1893, esses preceitos constitucionais, criando
o registro para o nascimento e o falecimento de pessoas [...] os imigrantes
alemães não eram em sua maioria católicos, e sim protestantes luteranos.
Outra medida destinada a integrar os imigrantes foi a chamada grande natu-
ralização [...] tornaram-se cidadãos brasileiros os estrangeiros [...] não decla-
rassem, dentro de seis meses após entrar em vigor a constituição, o desejo
de conservar a nacionalidade de origem. (FAUSTO, 2000)

Portanto, a Constituição resolveu de forma prática alguns empecilhos para inte-


grar cidadãos de origem e crenças diferentes ao cotidiano da nação. O que não se
resolveu foi a situação econômica do país, grande pretensão de Rui Barbosa.

Durante o Governo Provisório, o Ministério da Fazenda esteve sob a batuta do


republicano de última hora, Rui Barbosa, político competente e influente nas últi-
mas décadas da monarquia. Rui conviveu durante muito tempo com a submissão
do país à politica econômica inglesa e a estagnação da indústria nacional, sempre
atada às amarras das decisões do monarca. Agora, como ministro da fazenda, Rui
Barbosa pretendia melhorar as condições de investimento no país e alavancar a
industrialização, que no Segundo Reinado representava apenas 7% da economia
brasileira. Entre seus planos estava favorecer a classe média emergente. A monar-
quia deixou de herança um país que se equilibrava na balança comercial agrícola, e
que não mudou muito durante a Primeira República.

O primeiro ano da República foi marcado por forte entusiasmo nos negócios;
foi uma verdadeira febre de negócios e, consequentemente, de grande especulação
financeira. No final do Império, a quantidade de papel moeda que circulava no país
era incompatível com as novas demandas do mercado financeiro, em grande parte
por causa da entrada de imigrantes, a abolição da escravatura e a nova realidade
do mercado de trabalho com mão de obra assalariada.

Rui Barbosa, desde o início de sua gestão no Ministério da Fazenda, tentou solu-
cionar o problema do “meio circulante” com vasta oferta de crédito, e isso foi reali-
zado por decreto; foram vários decretos na tentativa de aumentar a oferta de moeda
e facilitar a formação de sociedades anônimas. Entre seus decretos estava o que
dava aos bancos autonomia para emitir papel moeda. O banco emissor do Rio de
Janeiro, administrado por um dos maiores empresários da época, Francisco de Paula
Mayrink, teve o papel fundamental de emissor do Rio de Janeiro. “As iniciativas de
Rui Barbosa concorreram para expandir o crédito e gerar a ideia de que a República
seria o reino dos negócios” (FAUSTO, 2000).

Mas, nem tudo que reluz é ouro. A oferta de crédito fácil colaborou para a
criação de muitas empresas, entre elas empresas que estavam fora do mundo real,
gerando especulação na bolsa de valores e elevando fortemente o custo de vida,

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criando assim uma alta inflação, que corroeu muitos negócios. “No início de 1891
veio a crise, com a derrubada do preço das ações, a falência de estabelecimentos
bancários e empresas. O valor da moeda brasileira, cotado em relação à lira ingle-
sa, começou a despencar” (FAUSTO, 2000). Contribui para essa situação de crise
no Brasil uma forte crise ocorrida na Argentina no ano de 1890 e que tinha como
sustentáculo os mesmos investidores estrangeiros, ou seja, os ingleses, que segura-
ram suas aplicações na América do Sul.

Figura 5 Áudio descrição:


ilustração simplificada de
Rui Barbosa erguendo um
lápis.

Figura 5
Fonte: Fundação Rui Barbosa

O Encilhamento, nome pelo qual ficou conhecida a política econômica de Rui Barbosa, teve
Explor

consequências desastrosas para o futuro do país. Houve um extraordinário aumento infla-


cionário, que alçou os preços às alturas, provocando uma crise muito séria. Este momento
crucial para a economia do país ficou conhecido como encilhamento – termo utilizado no
esporte com o objetivo de designar os preparativos para a entrada dos cavalos na pista de
corrida – e durou de 1889 a 1892. A intenção de Rui Barbosa foi boa, porém colocar em
circulação tanto papel-moeda para financiar novas indústrias, sem nenhuma garantia,
atraiu aqueles que, abusando da boa fé ou da credulidade de outrem, fizeram uso de atos
contrários à moral ou às leis. Os especuladores conceberam planos grandiosos demais para
se concretizarem, e logo após ofereceram suas ações na Bolsa de Valores, vendendo-as a
um preço considerável. A elevada inflação, conjuntamente com o encilhamento, criou uma
desabalada aquisição de mercadorias, com o objetivo de revendê-las mais tarde com o lucro
resultante da variação do seu preço na Bolsa de Valores.
O que aconteceu depois foi uma disputa acirrada entre as empresas que possuíam ações na
Bolsa, conturbando ainda mais o cenário econômico. Em janeiro de 1891, muito frustrado, o
ministro deixou o governo, à beira de um colapso.

Fonte: Info Escola. Disponível em: https://goo.gl/hoZoS8. Acesso em: 19 fev. 2015.

Rui Barbosa não conseguiu alavancar o progresso do Brasil em sua gestão


como ministro da fazenda. A grave situação vinha dos tempos da Monarquia e
não poderia ser resolvida apenas aumentando-se o meio circulante – quantidade
de papel moeda disponível no mercado. A dívida externa consumia anualmente
grande parte do saldo da balança comercial. Em 1890, o déficit público se
agravou, e com isso as perspectivas de melhoras no campo econômico se esvaíam;

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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

aumentavam a desproporção entre o que o governo arrecadava e o que era preciso


gastar, principalmente para as operações militares em curso com algumas revoltas
regionais, como, por exemplo, Canudos2.A situação só se agravou até o fim do
século XIX. As disputas políticas também não ajudaram a equacionar os problemas
econômicos, que durariam ainda algumas décadas.

Organizando a República...
Os diversos grupos que disputavam o poder tinham concepções e interesses
diferentes de como organizar a República. As classes dominantes das ex-províncias
de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul defendiam a ideia de república
federativa com considerável grau de autonomia em relação ao poder central. Em
relação à organização do poder, tanto os paulistas do PRP quanto os políticos
mineiros defendiam o modelo liberal. “A base da República seria constituída de
cidadãos, representados na direção do Estado por um presidente eleito e pelo Con-
gresso” (FAUSTO, 2000). Os maiores adversários dessa concepção de república,
positivistas ou não, estavam aninhados no Exército.
Entre os gaúchos republicanos, predominava o positivismo, tanto no Exército
como na vida pública, sob a influência de Júlio de Castilhos. Os militares do Exér-
cito, alinhados a marechal Deodoro, antigo monarquista, não tinham uma visão
elaborada de república, mas sabiam de antemão que deveriam ter mais participa-
ção no poder do que tiveram com a monarquia. Os militares do Exército defendiam
um Poder Executivo forte, com um curto período de ditadura republicana, ou até
o regime se consolidar. A autonomia das ex-províncias era vista com certa descon-
fiança, o principal motivo era a possibilidade de fragmentação do país. A Marinha,
capitaneada por Floriano Peixoto, era vista como monarquista, mas os jovens sol-
dados da escola militar, ligados a Floriano, propunham uma inserção maior na
sociedade como “soldados-cidadãos”, desejavam uma sociedade com “Ordem” e
“Progresso” e por eles influenciada. Os militares governaram o país até 1894,
quando assumiu o primeiro presidente civil de nossa história, o paulista Prudente
de Morais, colocando um fim nas pretensões de uma República fardada linha dura.

A Instalação da República Liberal


O que prevaleceu depois de dois governos militares, Deodoro e Floriano, foi
a República Liberal, iniciada no governo de Prudente de Morais, eleito em 1º de
março de 1894. Também a partir desse governo, declinou o jacobinismo republi-
cano concentrado no Rio de Janeiro. “Tornou-se aguda a oposição, já existente
na época de Floriano, entre a elite política dos grandes Estados e o republicanismo
jacobino, concentrado no Rio de Janeiro” (FAUSTO, 2000).Os jacobinos cariocas
eram antilusitanos e adversários do Liberalismo, e se assumiam como patriotas.

2 Para saber mais sobre Canudos, leia o livro: MACEDO, José Rivair; MAESTRI, Mário. Belo Monte: uma história da
guerra de Canudos. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

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Boa parte do comércio carioca estava nas mãos dos portugueses, que eram cons-
tantemente atacados pelos jacobinos.

No governo de Campos Sales, a República Liberal se consolidou; o jacobinismo


foi totalmente debelado, após uma tentativa de assassinato de Prudente de Morais.
Os militares, por ora, se recolheram aos quartéis. Capitaneados pelo Estado de São
Paulo, teríamos daí por diante um longo período de dominação de “poucos” na po-
lítica, ou seja, uma República Oligárquica; estavam sendo criados os mecanismos
para que essa política de “poucos” ganhasse estabilidade.

Oligarquia: é uma forma de governo na qual o poder político se encontra concentrado nas
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mãos de um pequeno número de pessoas privilegiado por algum motivo [...] O governo de
poucos sugerido pela expressão Oligarquia pode ser consequência de variados privilégios na
sociedade, ou seja, distinções provenientes da nobreza, de laços familiares, de poder militar,
de partidos políticos ou da própria riqueza. Como consequência da concentração do poder
nas mãos de grupos pequenos, ocorre o impedimento que amplas parcelas da população
participem do processo político e de seus debates [...] O Brasil tem sua história republica-
na muito marcada pela Oligarquia. O período designado como Primeira República, entre
1889 e 1930, é o mais emblemático nessa questão, pois os grandes proprietários de terras se
beneficiavam de seus poderes econômicos para promover apropriação dos meios políticos,
influenciando diretamente o futuro do país.

Houve em alguns Estados, devido à autonomia que conquistaram com o fede-


ralismo, vários atritos entre as elites rivais. O governo federal, aproveitando-se de
dispositivos constitucionais, passou a intervir nessas questões particulares, sempre
em apoio ao seu grupo aliado, pois caso um grupo rival ao governo federal saísse
vencedor nas disputas por poder, os arranjos políticos entre Estados e União pode-
riam sofrer sérios abalos.

Devido a esses problemas entre elites rivais nos Estados, o presidente Campos
Sales concebeu um arranjo que ficou conhecido na historiografia brasileira como
“política dos governadores”, cujos principais objetivos foram:
reduzir ao máximo as disputas políticas no âmbito de cada estado, presti-
giando os grupos mais fortes; chegar a um acordo básico entre a União e
os Estados; pôr fim à hostilidade existente entre Executivo e Legislativo,
domesticando a escolha dos deputados. O governo central sustentaria
assim os grupos dominantes nos estados, enquanto que estes, em troca,
apoiariam a política do presidente da república. Para ajustar a Câmara
dos Deputados [...] processou uma pequena, mas importante modificação
em seu regimento [...] um exemplo vivo de como se manipulava a repre-
sentação popular [...] os candidatos eleitos recebiam um diploma [...] ele
era muitas vezes contestado [...] a validade do diploma dependia de exame
por parte de uma comissão de verificação de poderes, constituída de de-
putados escolhidos pelo plenário da Câmara [...]. Este era em regra uma
figura afinada com o presidente da república. (FAUSTO, 2000)

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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

Pode-se deduzir daí como as escolhas das prioridades político-sociais do país


foram manipuladas pelos grupos detentores de maior poder econômico e, conse-
quentemente, estabelecidos nos Estados mais ricos do país, vindo com isso afetar
toda a estrutura educacional e de distribuição de renda nos estados mais pobres,
consequências estas que nos afetam até os dias atuais. Desses arranjos políticos,
surgiu outra nomenclatura clássica de nossa historiografia, a política do “café com
leite”, relacionando a alternância no poder dos dois Estados que mais cresciam
política e economicamente no final do século XIX. Mas a lógica não é tão simples
assim. Segundo Joseph Love, a “Política dos Governadores” foi apoiada pelos es-
tados de São Paulo e Minas Gerais, ou seja, apoiando a política dos governadores,
esses estados estariam mais fortes para dominar o poder da União.
O sistema politico instaurado pela constituição de 1891 parecia anômalo
na América Latina, até mesmo anacrônico à luz das tendências centraliza-
doras do México, da Colômbia, da Argentina. E, todavia, uma república
descentralizada servia melhor aos interesses de poderosos grupos orienta-
dos para a exportação na chamada “política dos governadores”, de 1900.
Esse sistema, dirigido pelo presidente da república e pelos presidentes
de São Paulo e de Minas Gerais, era um arranjo segundo o qual as elites
dirigentes de todos os níveis apoiavam-se reciprocamente. (LOVE, 1992)

São Paulo tratou logo de garantir sua autonomia. Com a economia em expansão
e uma Força Pública poderosa, os políticos paulistas se articularam para apoiar o
governo federal e com isso ter dele o apoio para as políticas de valorização do café.
A economia paulista se diversificava bastante durante os primeiros anos da Repúbli-
ca, mas a força política do estado ainda era substancialmente alimentada pela elite
cafeeira, que é quem investia boa parte de seus lucros na industrialização do estado.
A habilidade política dos paulistas estava centrada no fato de que na década de
1890 a produção das fazendas paulistas cresceu demais, causando problemas para os
lucros dos barões do café. A grande oferta do produto fazia o preço baixar no mercado
internacional. Para evitar as perdas geradas pelo aumento da oferta do produto, ou da
oscilação da moeda nacional em relação à libra esterlina, o governo federal foi pres-
sionado pelos políticos paulistas, na sua maioria pertencentes à elite dos cafeicultores,
para que se criassem mecanismos legais para evitar a falência dos barões do café.
Campos Sales fez vários planos de intervenção governamental no mercado ca-
feeiro; o mais conhecido, de 1906, foi o “Convênio de Taubaté”. Esse acordo foi
assinado pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O governo
federal fez um empréstimo de 15 milhões de libras para comprar o café “exce-
dente” dos cafeicultores; com isso, evitou que os barões tivessem prejuízo. O café
comprado era estocado e vendido no mercado internacional. A compra do café

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pelo governo fazia diminuir a oferta do produto, com isso equilibrava a dinâmica
produção-consumo, fazendo o preço do café se elevar novamente.
No ano de 1907, São Paulo, por oposição dos outros estados do convênio, se
associou a um grupo de exportadores americanos, cujo líder era Hermann Sielcken,
o que possibilitou a São Paulo retirar até o final de 1907 8,2 milhões de sacas de
café, armazenadas em cidades da Europa e Estados Unidos, mas também era uma
situação provisória, pois o volume de negócios era muito grande para se manter
sem um empréstimo de grande vulto e a longo prazo.
O presidente Afonso Pena, no final de 1908, encaminhou um pedido de ga-
rantia federal para um empréstimo de 15 milhões de libras para São Paulo levar
adiante seu projeto de estocagem do excedente da produção cafeeira. O pedido foi
aprovado sem emendas, mas não sem contar com alguns votos contrários. A maior
crítica era sobre o favorecimento de São Paulo em detrimento dos demais estados
da federação. O deputado mineiro Pandiá Calógeras achava que os paulistas es-
tavam cometendo desatinos na lavoura, e que a nação não deveria arcar com as
irresponsabilidades de São Paulo. Em julho de 1913, o empréstimo dos paulistas
foi pago aos banqueiros estrangeiros.
Outras valorizações forçadas da produção cafeeira se deram durante a Primeira
Guerra Mundial (1914-1919), com o presidente Venceslau Brás, e mais outra no
governo do paraibano Epitácio Pessoa, que contou com o apoio dos políticos mi-
neiros (1921). A economia de São Paulo estava se diversificando cada vez mais,
mas os políticos paulistas não abandonaram a defesa dos barões do café na esfera
federal, de onde ainda se abastecia boa parte dos políticos paulistas. Em 1924, o
mineiro Arthur Bernardes, preocupado com as contas da União, quebrou a tradi-
ção de proteção aos cafeicultores paulistas, que a partir daí assumiram a defesa
permanente do “ouro negro”, que ajudou a alavancar a riqueza dos paulistas.
Diferentemente dos políticos paulistas, que defendiam em bloco a elite cafeicul-
tora do estado, os mineiros representavam um estado com uma economia diversifi-
cada em produtos, como leite, café, gado e indústria. Minas Gerais, diferentemente
de São Paulo, dependia muito mais dos recursos da União. Com isso, os políticos
mineiros se “profissionalizaram”, sem defender interesses específicos, acumulando
assim bastante poder. O poder e a influência dos mineiros na Câmara dos Deputa-
dos, onde contavam com 37 membros, era muito maior que o poder e a influência
dos paulistas, que contavam com 15 representantes a menos nesta Casa.
Os mineiros capitalizaram sua força política para indicação de seus correligioná-
rios a vários cargos federais. Essas indicações lhes valeram também oportunidades
de expansão econômica. Na década de 1920, quase 40% das novas construções

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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

de ferrovias federais se concentravam em território mineiro. Mas, como bons polí-


ticos, circunstancialmente, apoiavam a valorização do café.
Os políticos gaúchos, no plano federal, defenderam uma política de gastos
conservadores com a estabilização dos preços. Os políticos gaúchos estão bas-
tante ligados à instituição militar pelo viés ideológico comum, o positivismo, mas
tanto os militares quanto os integrantes do PRR estiveram “afastados” da admi-
nistração federal até 1910. O estado do Rio Grande do Sul passou por diversas
convulsões políticas. “Uma das regiões mais instáveis do país nos primeiros anos
da república era o Rio Grande do Sul [...] entre a Proclamação da República e a
eleição de Júlio de Castilhos (1893), dezessete governadores se sucederam no
comando do Estado” (FAUSTO, 2000).
O charque, principal produto rio-grandense, era consumido principalmente pe-
las camadas mais pobres da população, em especial as do nordeste e da capital
do país. Se não houvesse rígido controle dos preços das mercadorias, o poder
aquisitivo dos consumidores de seu principal produto de exportação deixaria de
comprá-lo, e com isso se instalaria uma crise no principal setor produtivo do es-
tado. Os militares apoiavam essa política de controle dos preços defendida pelos
políticos gaúchos. Era uma política financeira conservadora como a classe militar,
haja vista que “as rebeliões tenentistas da década de 1920, por exemplo, apontam
a inflação e o desequilíbrio orçamentário como males tão graves quanto a fraude e
as desigualdades regionais” (FAUSTO, 2000).
Os estados nordestinos não chegaram a formar nenhuma força política de ex-
pressão durante a Primeira República. Eles se perderam em intermináveis disputas
regionais, como, por exemplo, no direito de cobrar impostos interestaduais de
mercadorias que circulavam na região. O político nordestino que conseguiu alguma
projeção (1906-1911) foi Francisco Rosa e Silva, pernambucano, que chegou a
unir as forças regionais para defender interesses específicos da região, contra a
tentativa de impedir o governo federal de aprovar no ano de 1906 garantias para
a aprovação da lei de valorização do café.
As oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, no início da República, se uniram
para defender seus interesses. A política “café com leite” serviu para posicionar
os dois estados na dianteira das disputas políticas com outras regiões, mas nem
sempre os interesses convergiram com isso, e o acordo tácito entre os dois estados
sofreu alguns arranhões com o passar do tempo.
No início da República, a preponderância dos militares foi visível, mas São Paulo
tratou de articular e fazer valer seus interesses na Constituinte. A república liberal ga-
nhou força; com o apoio dos mineiros, prepararam a estrada para a tomada civil do
poder. Os três primeiros presidentes civis saíram das oligarquias cafeeiras de São Paulo:

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Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. As elites paulistas abandonaram
suas divergências e ocuparam em bloco o PRP, enquanto que os mineiros só conse-
guiram se acertar a partir do ano de 1897, com a chamada “segunda fundação” do
partido republicano mineiro, o PRM; com isso a força política dos mineiros só cresceu.
A partir do ano de 1909, abriu-se uma ferida na relação entre São Paulo e Mi-
nas Gerais. Foi a deixa para a volta dos militares ao campo de batalha político e,
na esteira, dos políticos gaúchos. Na campanha presidencial (1909-1910), com a
ruptura Minas-São Paulo, o candidato marechal Hermes da Fonseca, sobrinho de
Deodoro, obteve o apoio de gaúchos e mineiros, além, é claro, dos militares. Rui
Barbosa, candidato com o apoio de São Paulo e Bahia, saiu derrotado.
Nesse cenário, os políticos gaúchos ganhavam mais projeção. Conservadores se
uniram ao senador mineiro Pinheiro Machado, que fazia dupla com Borges de Me-
deiros, herdeiro político de Júlio de Castilhos, que controlava o partido republicano
rio-grandense, o PRR, onde se elegeu presidente de seu estado por diversas vezes
(1898-1908 e 1913-1928). Pinheiro Machado controlava seus aliados espalhados
pelo país, através de seu cargo na Comissão de Verificação de Poderes do Senado
e na Câmara dos Deputados. Esses cargos o aproximaram bastante de políticos do
nordeste, cujo conservadorismo também os aproximava dos gaúchos.
Em 1910, foi fundado o PRC – partido republicano conservador – mas a eli-
te política de São Paulo não aderiu a esse projeto, que foi passageiro. Pinheiro
Machado, político sagaz, evitou conflitos com os paulistas, chegando inclusive a
defender os projetos de valorização do café. Talvez essa proximidade se devesse
aos seus pais serem paulistas e a ele ter frequentado a faculdade de Direito de São
Paulo. A força de Pinheiro Machado e suas ligações com gaúchos e nordestinos
atrapalhavam os planos das oligarquias paulista e mineira. Esse fato colaborou
para que não houvesse mais dissenções entre mineiros e paulistas. “Um pacto
não escrito foi concluído na cidade mineira de Ouro Fino, pelo qual mineiros e
paulistas tratariam de se revezar na presidência da república”. Com isso, “o pres-
tígio de Pinheiro Machado declinou e ele terminou seus dias assassinado no Rio
de Janeiro (1915)” (FAUSTO, 2000).
São Paulo e Minas, a partir de 1910, assistiram à ascensão gaúcha no cenário
político nacional. Os paulistas se concentravam cada vez mais na política caseira,
os gaúchos passaram a ocupar diversos ministérios importantes: Fazenda, Viação,
Obras Públicas, Justiça. São Paulo e Minas esboçaram um novo atrito com a morte
de Rodrigues Alves, candidato paulista eleito novamente presidente em 1918 e que
morreu sem tomar posse. A solução foi indicar um candidato “neutro” – elegeu-se
o paraibano Epitácio Pessoa – que se curvou aos interesses dos dois estados.

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As Oligarquias e a Organização Política (1889-1930)

Presidentes da República do “Café com Leite”

Figura 6 – 3.º Prudente Figura 7 – 4.º Campos Sales Figura 8 – 5.º Rodrigues Figura 9 – 6.º Afonso Pena
de Morais 1894–1898 1898–1902 Alves 1902–1906 1906–1909
Piracicaba - SP Campinas - SP Guaratinguetá - SP Santa Barbara - MG
Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons

Figura 10 – 9.º Venceslau Figura 11 – 10.º Delfim Figura 12 – 12.º Artur Figura 13 – 13.º Washington
Brás 1914–1918 Moreira4 1918–1919 Bernardes 1922–1926 Luís 1926–1930
Brasópolis – MG Cristina - MG Viçosa - MG “Paulista” de Macaé- RJ
Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Wikimedia Commons

A República do “café com leite” se liquefez com a quebra do jogo por parte do
“paulista” Washington Luís, que indicou seu sucessor, o paulista Júlio Prestes, que
se elegeu, mas não tomou posse. Esse fato foi muito importante, pois dele surgiu
não apenas outro governo, mas um novo capítulo da história da República brasi-
leira, a “Revolução de 1930”. Os projetos de República estiveram todos ligados
às elites do país. A população pobre, durante toda a Primeira República, esteve
alienada da república, dominada que foi pelas oligarquias estaduais; os direitos dos
cidadãos se resumiram à defesa dos interesses de poucos cidadãos.3

3 Delfim Moreira foi candidato a vice-presidente de Rodrigues Alves, que faleceu antes de tomar posse de seu segundo
mandato. Como Presidente da República, assumiu provisoriamente a presidência durante as eleições vencidas por
Epitácio Pessoa, após um acordo entre Paulistas e Mineiros para substituir o presidente morto.

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