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————————— CAPITULO V. TEORIAS, HIPOTESES E A REVISAO DE LITERATURA 81 a? Seri todo o sistema de justiga que fun= judicial ¢ prisional) ou s6 uma parte? questdes € a questées como estas? interdependéncia dos subsistemas de justig: ciona mal (no conjunto dos subsistemas policial, Como é que podemos saber responder a estas Onde vamos encontrar as respostas a estas questées? A resposta directa ¢ simples: nas teorias. Precisamos de teorias para explicar 0 mundo. Este problema da sobre- otagao das prisdes «mexe» com as reas de criminologia ¢ de economia do crime. Contudo, podiamos dar intimeros exemplos de outros problemas nas mais variadas freas do saber. Todas as areas do saber existem porque langam perguntas ¢ procuram respostas para estas. Se num trabalho de investigacio pretendemos responder a uma pergunta de partida que visa compreender algo sobre a natureza de um fenémeno, precisamos de teorias para o fazer. © enquadramento te6rico num trabalho de inves- tigagdo tem o objectivo de orientar 0 proceso de resposta. Também tern mais dois objectivos nao menos importantes: orientar as leituras a rever garantir a consis- téncia, relevancia e originalidade do trabalho. Serve de farol para que o investigador nfo se «perca» no resto do trabalho. Um trabalho sem enquadramento tedrico nao chega a porto algum; pode navegar algum tempo, mas 0 naufragio é certo. Nao basta recolher dados sobre o ntimero de reclusos e ofensas. O que irfamos fazer com esses dados? Descrevé-los, certamente. E depois? © que fariam com essa descri¢ao? Nao passariamos dos ntimeros. Um estudo empirico despido de teoria nao passa de dados e da sua descrigio estatistica. Precisamos de um corpo de pensamento para compreender o que esses dados podem significar. Precisamos dele para saber o que fazer como fazer. ‘ , 2. Teorias e o Enquadramento Tedrico Os manuais de introdugao 4 metodologia de investigacao definem teoria como sendo um conjunto coerente e légico de argumentos que pensamos que podem explicar um fenémeno da natureza (Manheim ef a/., 2008; Asher, 1984; White ¢ Adams, 1994, para citar alguns de entre muitos). Teorias sio «afirmag6es sobre a dois ou mais eventos relacionados» (Williams e McShane, 1988: 2). Trata-se po de pressupostos expressos como relacées entre conceitos. Estes pres- tém de ser possiveis de contesta¢ao directa através da observagio de factos pes empirico. Teorizar sobre algo é construir um corpo de assungdes que permite prever padrdes de comportamento. Sio lentes através os padrdes de comportamento e os seus mecanismos CAPITULO V. TEORIAS, HIPOTESES & A REVISAO DE UTERATURA 83 podem ser observados ¢ relatados de forma neutral pelo analista porque abordamos sempre as observagbes empiricas através de alguma forma de entendimento te6rico, ...) no mundo real, no podemos evitar interagir com este mundo quer gostemos, quer nio (e muitos no gostam muito)» (Bottoms, 2008: 76-77; tradusto propria). E com certeza possivel fazer um trabalho empirico sem recurso a literatura ou a qualquer teoria. Sem um enquadramento tedrico, chegamos a resultados, mas que sentido fazem os nimeros na auséncia de explicacao desses nameros? Sem uma teoria que una as conclusées, os nimeros podem, em ultima instancia constituir coincidéncias. Neste sentido, as teorias sao titeis porque fazem sentido dos factos. Ha uma relagio inevitavel entre a teoria ¢ a natureza que temos de saber dominar. Claro ¢, isto é mais facil dizer do que conseguir. 3. Formas de Teorizar Como dissemos, as teorias sio afirmagées sobre o que realmente acontece no mundo € niio sobre o que deveria acontecer no mundo. Nao sio crengas ou palpites sobre © que acontece, nem juizos de valor. Como as afirmagées tedricas reportam-se a aspectos do mundo empirico, elas podem ser ou nao suportadas por observaces desse mundo (Nachmias e Nachmias, 1992). As opinides e juizos de valor, pelo contrario, podem manter-se inalteradas independentemente de qualquer evidéncia empiric. Neste sentido seorizar significa formular uma explicacao. A literatura Nos que as teorias formulam-se através de duas possiveis formas: a dedugio e a (Bottoms, 2008; Layder, 1998; Asher, 1984). deduzimos uma teoria, empregamos um modelo de confirmagio, ou de falsificagio. Deduzimos a priori um argumento a partir de ideias ou x tis € abstractas sobre 0 comportamento de um fenémeno, argumento ente diferente do seu teste. Partimos de um enquadramento ja existente e amplo o suficiente para dar lugar a explicagdes mais ue os manuais de introducio 4 metodologia de investigasao *§ a expresso «vai-se do geral ¢ abstracto para o concreto € académicos, mas na verdade é possivel entender 0 recorrendo ao nosso quotidiano. Cada vez que deslocarmos as aulas, assumimos que o com- res obedecera As normas legais de conduta na 1 multa (para usar uma possivel teoria — a da a METODOLOGIA PARA A INVESTIGAGAO SOCIAL “ Teoria ae i Implicagdes Teoria Nova para hipéteses ou Ajustada Hipéteses Coleccao de dados Figura 5.3. Inducdo e Deducao na Construgao e Teste de Teorias 4. Hipsteses, Inferéncias e Causalidade A revisao de literatura, além de nos obrigar a descrever as teorias com as quais vamos trabalhar, serve para desenvolver um ou mais argumentos. As teorias nao existem para os iluminados descobrirem; elas séo construidas, desenvolvidas e nutridas (ou nao) pela observacio ou, por outras palavras, pelo teste empirico. Os argumentos que deduzimos ou induzimos, e que mencionamos na sec¢io anterior, constituem 0 que se chamam hipéteses. Uma hipotese é uma afirmag3o ou proposicio que visa colocar uma teoria 4 prova e, desta forma, serve para suportar empiricamente (ou nao) uma teoria. E uma possivel resposta a dar A nossa pergunta de investigacio. sta resposta pode assumir uma forma de relacdo nula ou nio (alternativa). Neste pode ser direccional ou nio, sendo que a primeira ¢ mais consonante de falsificagio de uma teoria. Estas duas formas de hipéteses podem ser inte forma: 2 aS CAPITULO V. TEORIAS, HIPOTESES E A REVISAO DE LITERATURA 89 As teorias nio sio verdadeiras, nem falsas; elas siio corroboradas ou rejeitadas através do teste de hipsteses. A investigacao funciona numa arena de probabilidades ¢ nao numa de certeza. Trabalhamos com margens de erro e intervalos de confianga que variam de uma situagio para outra, de um design para outro. Porque trabalhamos com a estatistica ¢ no com a matemitica, apenas podemos confiar mais ou menos numa teoria. Por esta razo se fala em «graus de corroboragio» de uma teoria (Popper, 1996; Echeverria, 2003). «Rejeitamos ou nio rejeitamos» uma hipétese; nao «confirmamos» ou «verificamos» uma hipétese. Exemplo 2 — Desenvolvimento de uma Hipotese a partir da Teoria da Dissuasdo Sera possivel que, admitindo que um potencial criminoso procede ao célculo prévio dos custos ¢ beneficios associados a pratica de um crime, ele pondere a possibilidade de ser detectado, detido, condenado e punido de forma separada, como se cada um destes «eventos» constituisse uma ameaca individual, indepen- dente das outras? A componente correspondente a certeza da puni¢io tem sido favorecida na literatura empirica da teoria da dissuasio em relagdo 4 componente associada a severidade da punicao. Na verdade, comparativamente, a componente da severidade de punisao muitas vezes nao apresenta um efeito estatisticamente significativo, 0 que equivale a dizer que nao tem relevancia para o criminoso racional. Isto sugere uma resposta positiva a esta questo. Argumenta-se, contudo, que a dissuasao, para funcionar tem de implicar a detengao, a condi¢ao e uma punigéo, sob pena de nao produzir um efeito. Se o mesmo poten- cial criminoso pensar que no ser castigado, ele pode preferir correr o risco de ser apanhado. Se a ameaca de castigo nao incluir um castigo efectivo, como € possivel na falarmos de dissuasio? Haveria a percepcao de que o comportamento criminoso nao ___| éstaria a ser castigado e isto diminuiria o custo de cometer o crime. Dai que é errado 2 a possibilidade da severidade da punicao nao produzir um efeito dissuasivo. .que a teoria pode funcionar parcialmente, mas a sua légica é que ela tem 1a sua totalidade. A dissuasio tem de funcionar como um «pacote». nao com a teoria, mas na forma como ela € traduzida nos um todo, os elementos da teoria esto interrelacionados, sto 86 se traduz através de uma 1 relacio lee METODOLOGIA PARA A INVESTIGAGKO SOCIAL © objectivo de um teate de hipétese ¢ a possbilidade de nos pronunciarmos tobe um fendmeno no seu todo, b: ‘ando-nos numa amostra de observagées desse fond meno. A isto chamamos inferéncia. A inferéncia pode set des ritiva ou explicativa (King, Keohane ¢ Verba, 1994). A inferéncia descritiva pronuncia-se sobre um a determinado fendmeno ou sobre uma caracteristica de ura fenémeno. Nao ha qual- uer intengao de generalizar ou extrapolar da amostra de observacées do fendreno . Para a populacao desse fenémeno, Exemplos de perguntas que requerem uma inferéncia descrtiva podem ser: 1. Qual € 0 nivel de conhecimento das forgas policiais sobre modelos de desempenho? 2. Qual € o nivel de ineficiéncia no sistema de justiga? 3. Existe uma cultura de mensuragao de desempenho? A inferéncia causal tem por objectivo explicar uma relagio causal entre dois fené- Menos, ¢ neste sentido é mais exigente do ponto de vista explicativo (Rosenberg, 2000). Para que seja possivel inferir causalidade, é necessério reunir um conjunto de condicées. A literatura aponta para cinco requisitos: associagao e diferenciacgao, Prioridade, independéncia e contingéncia, Em primeiro lugar, temos os requisitos de associagdo ¢ diferenciagao. O critério de associagio (Nachmias e Nachmias, 1992; King, Keohane e Verba, 1994; Rosenberg, 2000; Gerring, 2001) obriga a que «A» covarie com «B» mas seja suficientemente diferente de «B». «A» nao pode ser igual a «By, pois nio faz sentido associar dois fendmenos iguais entre si. Isto parece ébvio, sobretudo no caso mais evidente: o de argumentos tautolégicos. Mas existem outras situagSes em que faz sentido invocar este requisito. Por exemplo, podemos imaginar © emprego de dois indicadores que medem essencialmente 0 mesmo fenémeno, 3 a que o coeficiente de correlacao seja muito alto ou perto 1. Para que mentar que um fenémeno «A» provoca um efeito noutro fendmeno mas é uma relacio. Sem esta associacio, nao podemos mbiciosa entre essas duas variaveis. PAS Ss Tequerem uma inferéncia causal podem ser: Pn CAPITULO V. TEORIAS, HIPOTESES E A REVISAO DE LITERATURA 1 requisito da prioridade € uma condigéo temporal e dita que «A» tem que ocorrer antes de «

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