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Poder Judiciário

JUSTIÇA ESTADUAL
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Juizado Especial Cível do Norte da Ilha
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PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5004745-18.2020.8.24.0090/SC


AUTOR: ALEXANDRE MARCOS PRESTES
RÉU: IND SERVICOS PARA EVENTOS 01 EIRELI

SENTENÇA

Vistos etc.

Trata-se de ação proposta por  ALEXANDRE MARCOS PRESTES contra IND SERVICOS PARA EVENTOS 01
EIRELI.

Relatório dispensado por força do art. 38 da Lei 9099/95.

Decido.

Do julgamento antecipado da lide

Julga-se o feito no estado em que se encontra, pois ressalta-se estar evidenciada a hipótese prevista no artigo 355, I, do
CPC, que permite o conhecimento antecipado da questão posta em discussão, vez que a matéria de mérito, estando sujeita a prova
documental acostada aos autos, suficiente para análise da demanda, torna desnecessária a produção de provas em audiência,
conforme se aferirá a seguir.

5004745-18.2020.8.24.0090 310007194209
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Além disso, "não há cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, quando os elementos
constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado e a matéria a ser apreciada dispensa a produção
da prova exclusivamente testemunhal". (Apelação cível n. 2008.037028-6, de Balneário Camboriú, Relator: Jânio Machado, j.
5.5.2011).

Não há preliminares a serem enfrentadas, razão pela qual passo à análise do mérito.

Da aplicabilidade do CDC

Primeiramente, convém ressaltar que, in casu, se aplica o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, eis que a parte
autora e demandada se enquadram na definição de consumidora e fornecedoras, consoante artigos 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.

Assim, resta evidente que a presente demanda deve ser julgada sob os escopos da legislação consumerista.

Da inversão do ônus da prova

Em relação ao ônus da prova, entendo que se aplica, in casu, a regra da inversão do ônus da prova prevista no art. 6º,
inc. VIII da Lei n. 8.078 de 11.09.90, em favor da parte autora, eis que se enquadra na figura de consumidora definida no art. 2º,
caput, do CDC, bem como se apresenta numa condição de hipossuficiência em relação à parte contrária.

Por essa razão, entendo pelo cabimento da inversão do ônus da prova.

Mérito

O autor alegou, em síntese, que firmou com a parte ré, em 25/04/2020, contrato de prestação de serviços de casamento,
no valor de R$19.000,00, incluído serviços de buffet, decoração e outros.
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Disse, no entanto, que em razão da pandemia causada pelo novo Coronavírus, ele e sua futura esposa perderam seus
empregos, tendo optado por postergar o evento.

Noticiou que após 7 dias da assinatura do contrato, informou a empresa ré a respeito do cancelamento do evento e da
sua intenção em rescindir o contrato, porém a ré insistiu na cobrança de multa rescisória no valor de R$1.900,00.

Em razão do  fato imprevisível (perda do emprego em razão do novo Coronavírus), pugnou pela isenção da multa
contratual, além da condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais em R$2.000,00.

Citada, a ré apresentou contestação no ev. 12 sustentando, em suma, que "as partes pactuaram, de livre e espontânea
vontade, em 25/04/2020, o contrato de fornecimento de serviços, para o evento de casamento, para 80 pessoas, no valor total de R$
19.000,00, com data a ser definida conforme pactuado pelas partes, consoante consta no campo forma de pagamento, em especial
nas observações. A dívida decorrente do pacto é certa, líquida e exigível. A anuência ao contrato é nítida e sem ressalvas, exceto
quanto a data a ser escolhida conforme o calendário que seria decidido em comum".

Disse que o contrato foi assinado durante a pandemia, haja vista que o estado de calamidade foi reconhecido em
20/03/2020 pelo Decreto Legislativo 06/20.

Informou que o contrato prevê multa no caso de rescisão no percentual de 35%, formulando pedido contraposta de
cobrança dessa quantia.

Discorreu a respeito da inexistência de ato ilícito praticado, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados.

Pois bem.

Destaca-se do contrato firmado entre as partes a seguintes cláusula a respeito da rescisão:


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"8) DO DESCUMPRIMENTO: 

a) O cancelamento do evento por uma das partes, a partir da assinatura do presente contrato, autorizará a retenção
e/ou cobrança do valor de 35% do valor total do contrato. Com 150 dias antes do evento, a cobrança será integral".

Tendo em vista que o contrato foi firmado em 25/04/2020, pugna o autor  pela rescisão contratual, com isenção
da multa alegando a teoria da impressão, ante a perda do seu emprego causada pela pandemia do novo Coronavírus. 

Entretanto, ao assinar o contrato o  autor  expressamente anuiu com a Cláusula 8ª, acima transcrita, que estabelece a
obrigatoriedade do pagamento de multa contratual de 35% do valor do contrato. Diga-se de passagem, o contrato foi firmado em
plena pandemia, em 25/04/2020, onde já estavam em vigor as medidas restritivas de confinamento.

De fato, o artigo 51, IV do CDC define que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento
de produtos ou serviços que estabeleçam obrigações abusivas colocando o consumidor em desvantagem exagerada.

Entretanto,  no caso presente o autor requer a exclusão de toda e qualquer penalidade, e pauta suas teses na teoria da
imprevisão, a qual encontra amparo no art. 478, do Código Civil, in verbis:

"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá
o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação".

Dessa forma, a teoria da imprevisão invoca a aplicação de uma cláusula implícita aos contratos, sobretudo os de
prestação de serviços prolongada, permanecendo as obrigações contraídas apenas diante da inalteração da situação presente quando
da estipulação contratual. Nesse ponto, invoca-se a  expressão  rebus sic stantibus,  a qual preceitua que  o contrato será cumprido

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enquanto permanecer o estado de fato vigente quando da entabulação contratual, de modo que ocorrendo imprevisões, o contrato
poderá ser rescindido/revisto. 

In casu, sustenta o autor que o acontecimento "extraordinário e imprevisível" seria a pandemia ocasionada pela Covid-
19 (Coronavírus), a qual afetou o atual cenário econômico, o qual teria ocasionada a perda do seu emprego e da sua futura esposa. 

Porém, não restou comprovado pelo autor a alegada perda do emprego. As carteiras de trabalho acostadas no ev. 08
encontram-se parciais, não sendo possível identificar se o autor e sua esposa encontram-se, de fato, desempregados, após a assinatura
do contrato. 

Ademais, não poderia se concluir, na hipótese, que o desemprego teria ocorrido  exclusivamente em decorrência da
atual pandemia.  Em suma, não existe presunção absoluta de que todo desligamento de emprego durante o período da pandemia seja
decorrente absolutamente em função do coronavírus. O que deve ocorrer, em cada caso, é a análise do caso concreto. E, no presente,
não houve a juntada de documentos que comprovassem o alegado.

Nessa toada, colhe-se de entendimento recentemente emanado pela jurisprudência em caso análogo, em que sopesou-se
os efeitos da pandemia da Covid-19:

PROCESSUAL CIVIL - TUTELA DE URGÊNCIA - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - LOCAÇÃO DE ESPAÇO


EM SHOPPING CENTER - TEORIA DA IMPREVISÃO E ONEROSIDADE EXCESSIVA - EFEITOS DA PANDEMIA COVID-
19 - REQUISITOS NÃO SATISFEITOS. 1  A redução unilateral do valor do aluguel em contrato de  locação de espaço
em  shopping center, caso não demonstrada situação excepcional que diferencie o cenário e justifique a  medida, pode ocasionar
desequilíbrio econômico entre as partes, cujo prejuízo, se arcado pelo Condomínio, acabará partilhado entre os condôminos. Nesse
contexto, é imprescindível que as razões apresentadas pela parte que pretende a diminuição do montante pago, em detrimento de
possível dano patrimonial à coletividade de condôminos, seja suficientemente especial para justificar o deferimento do pedido,

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principalmente quando requerido na forma inaudita altera pars. 2 Consoante o disposto no art. 478 do Código Civil, "nos contratos
de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem
para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os
efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação". 3 A intervenção judicial em contrato privado é medida
excepcional, admitida em situações específicas e devidamente comprovadas. A teoria da imprevisão constitui-se em
fundamento  que autoriza a relativização do  pacta sunt servanda  e, pois, a mitigação da vontade contratual, mas exige  a
demonstração clara de que um fato absolutamente imprevisível tenha sido suficiente para deixar um dos contratantes em
situação de onerosidade excessiva, enquanto a parte contrária passa a se beneficiar de extrema vantagem. 4 Mesmo no contexto
atual da pandemia COVID-19, em que toda a sociedade sofre os impactos na área da saúde, bem como no setor social e
econômico, é necessária a demonstração não apenas de que quem pretende a revisão do contrato esteja sofrendo sérios prejuízos
financeiros, mas também de que a parte contrária esteja beneficiando-se da situação. Os efeitos adversos da pandemia atingem a
todos, isto é, numa relação locatícia afetam tanto o locatário, quanto o locador, e não se deve revisar as obrigações de uma parte
em detrimento da outra, ainda mais em sede liminar, sem prova efetiva de que apenas um dos envolvidos esteja enfrentando
prejuízos  decorrentes da crise. A melhor solução, também  em casos assim, é a composição extrajudicial.  PROCESSUAL CIVIL
- AGRAVO INTERNO - DECISÃO QUE DEFERIU O PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO - JULGAMENTO DO
CORRESPONDENTE  AGRAVO DE INSTRUMENTO - PERDA DO OBJETO. O julgamento do agravo de instrumento, no qual se
pretendia cassar a decisão que deferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo pela via do agravo interno, implica a extinção
deste último reclamo pela  perda do objeto. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5011978-45.2020.8.24.0000, de TJSC, rel. LUIZ
CÉZAR MEDEIROS, 5ª Câmara de Direito Civil, j. 01-09-2020). - Grifei. 

Aplicando o entendimento supra, tem-se que o autor não comprovou cabalmente - tampouco postulou pela produção de
outras provas  - o prejuízo financeiro acarretado pela pandemia aqui discutida, tampouco eventual enriquecimento ilícito pela
contratada nessa situação. 

Assim, tenho que o pleito autoral para rescisão do contrato sem aplicação de multa não merece subsistir. 

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Destarte, afastada a teoria da imprevisão no caso sub judice, e porque a ré não nega a rescisão da avença, cingindo-se a
discussão sobre a cobrança de valores de multa, entendo que o pleito inicial não merece subsistir, tampouco indenização por danos
morais.

Do pedido contraposto:

Pugnou a parte ré pela condenação do autor ao pagamento da cláusula penal prevista na cláusula 8º do contrato -
correspondente a 35% do valor do contrato -, no valor de R$6.650,00.

Sem maiores delongas, o pedido contraposto formulado merece acolhimento, ante a existência de cláusula contratual
pactuada entre as partes, conforme dito alhures.

Por isso, deverá a parte autora efetuar o pagamento do valor de R$6.650,00 à parte ré, nos termos da cláusula 8º do
contrato acostado no anexo 05 do ev. 01, corrigidos monetariamente desde a data da rescisão e acrescido de juros de mora de 1% ao
mês a contar da intimação/citação do pedido contraposto. 

II. DISPOSITIVO

Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil,  JULGO IMPROCEDENTES  os
pedidos formulados na inicial. 

JULGO PROCEDENTE o pedido contraposto formulado a fim de condenar o autor ao pagamento do valor
correspondente a multa contratual, em R$6.650,00, nos termos da cláusula 8º do contrato acostado no anexo 05 do ev. 01, corrigidos
monetariamente desde a data da rescisão e acrescido de juros de mora de 1% ao mês contados da citação/intimação do pedido
contraposto. 

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Sem condenação em custas processuais e honorários de sucumbência em primeira instância, nos termos dos arts. 54 e
55 da Lei nº 9.099 de 1995.

Defiro ao autor a gratuidade, porquanto cumpridos os requisitos legais.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se.

Documento eletrônico assinado por JANINE STIEHLER MARTINS, Juíza de Direito, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A
conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc1g.tjsc.jus.br/eproc/externo_controlador.php?
acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 310007194209v4 e do código CRC 53752b5e.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): JANINE STIEHLER MARTINS

Data e Hora: 1/10/2020, às 15:46:3

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