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2020 / 2021

RELATÓRIO SOBRE
DIREITOS HUMANOS
MOÇAMBIQUE

2020 / 2021
FICHA TÉCNICA

Título
Relatório Sobre Direitos Humanos em Moçambique 2020 / 2021

Propriedade
Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM)
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM)
Cidade de Maputo, Av. Vladimir Lenine, n.º 1935 | R/C
Tel. +258 21 414743 | Fax: +258 21 414744
Mobile: (+258) 82 3038218

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Ciedima, Lda

Tiragem
300 exemplares

Consultora
ReStart Consulting and Business, Lda
Cidade de Maputo, Av. Paulo Samuel Kankhomba, 1063
restart@restart.co.mz | www.restart.co.mz
Mobile: (+258) 829 332 862 | 849 3328 62 | 876 220 783

Revisão Linguística
Sónia Pinho (4Ever Lda.)

Maputo
2022
iii

ÍNDICE
ÍNDICE DE TABELAS.......................................................................................................... vi
ÍNDICE DE GRÁFICOS........................................................................................................ vi
LISTA DE ACRÓNIMOS...................................................................................................... vii
SUMÁRIO EXECUTIVO...................................................................................................... xi
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 1
1. AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO................................................................. 3
1.1 Actos Políticos e Aspectos Político-legais............................................................. 3
1.2 Ambiente Político Nacional.................................................................................. 4
1.3 Início da Implementação do Pacote de Descentralização................................... 6
2. INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO................................. 8
2.1 Convenções Internacionais.................................................................................. 8
2.2 Quadro Institucional de Protecção e Promoção dos Direitos Humanos................. 10

3. DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS...................................................................................... 11


3.1 Direito de Acesso à Justiça....................................................................................... 11
3.1.1 Jurisprudência e Desenvolvimentos Legislativos.................................................. 11
3.1.2 Quadro de Infra-estruturas e Acesso à Justiça..................................................... 12
3.1.3 Efectivo de Pessoal e Quadros Envolvidos no Acesso à Justiça............................ 15
3.1.4 Acesso à Justiça Versus Defesa e Assistência Jurídica......................................... 16
3.2 Morosidade Processual............................................................................................ 19
3.2.1 Desenvolvimentos Legislativos Relacionados com a Morosidade Processual..... 19
3.2.2 Dados Relativos ao Movimento Processual.......................................................... 20
3.2.3 Considerações sobre o Movimento Processual..................................................... 22
3.3 Prisão Preventiva e Direito à Liberdade.................................................................. 24
3.3.1 Desenvolvimentos Legislativos............................................................................. 24
3.3.2 Prisão Preventiva, Direito à Liberdade e Organização e
Capacidade Institucional no Sector da Justiça..................................................... 26
3.3.3 Estatísticas da População em Prisão Preventiva.................................................. 26
3.3.4 Algumas Observações Sobre a Situação da Prisão Preventiva no País................ 27
3.4 Superlotação dos Estabelecimentos Penitenciários................................................ 28
3.4.1.Desenvolvimentos Legislativos Relevantes para Conter a Superlotação nos EPs 29
3.4.2 Capacidade Institucional Versus Superlotação nos EPs...................................... 29
3.4.3 Alguns Aspectos Essenciais Sobre a Superlotação nos EPs................................. 31
3.5 Violência Policial...................................................................................................... 32
3.5.1 Desenvolvimentos Legislativos.............................................................................. 33
3.5.2 Capacidade da Polícia para Lidar com Violência.................................................. 33
3.5.3 Algumas Práticas Comuns no Quadro da Violência Praticada pela Polícia......... 34
3.6 Execuções Sumárias................................................................................................. 35
3.7 Raptos e Sequestros.................................................................................................. 36
3.7.1 Desenvolvimentos Legislativos em Torno dos Crimes de Rapto e Sequestro...... 37
iv

3.7.2 Organização e Capacidade Institucional............................................................... 37


3.7.3 Resposta das Autoridades aos Crimes de Rapto e Sequestro............................... 39
3.8 Direito de Acesso à Informação e Liberdade de Imprensa..................................... 41
3.8.1 Desenvolvimentos Legislativos............................................................................. 42
3.8.2 Direitos de Acesso à Informação, Liberdade de Imprensa e de Opinião............. 43
3.9 A Lei das Associações e a Situação da Associação LAMBDA.................................. 46

4. DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS..................................................... 49


4.1 Direito à Saúde.......................................................................................................... 49
4.1.1 Rede Sanitária........................................................................................................ 49
4.1.2 A Crise da Pandemia da Covid-19......................................................................... 50
4.1.3 Resposta Governamental à Crise da Covid-19...................................................... 51
4.1.4 Vacinação Contra a Covid-19................................................................................. 54
4.1.5 Fiscalização e Monitoria das Medidas de Contenção da Covid-19....................... 56
4.1.6 Consultas Externas e de Saúde Materno-infantil no Contexto da Covid-19........ 59
4.1.7 Mortalidade Materna Intra-Hospitalar................................................................. 60
4.1.8 Dados sobre a Imunização de Crianças................................................................. 62
4.1.9 Acesso ao TARV para Pessoas que Vivem com HIV............................................. 63
4.2 Direito à Educação................................................................................................... 64
4.3 Igualdade de Género e Situação da Criança............................................................ 66
4.4 Violência Doméstica e Violência Baseada no Género.............................................. 67
Violência Contra a Criança............................................................................................. 67
4.4.1 A Problemática das Uniões Prematuras................................................................ 68
4.4.2 Violência Contra Adultos e Idosos........................................................................ 69
4.5 Direitos Laborais...................................................................................................... 70
4.5.1 Impacto da Covid-19 nas Empresas...................................................................... 71
4.5.1.1 Medidas Adoptadas pelas Empresas Face à Crise.............................................. 72
4.5.2 Impacto da Pandemia nas Relações Laborais...................................................... 72
4.5.3 Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas Durante a
Pandemia da Covid-19........................................................................................... 73
4.5.4 Transferências para as Famílias e Apoio aos Micro-negócios.............................. 75

5. DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA ............................................. 77


5.1 Violação dos Direitos das Comunidades no Contexto da Indústria Extractiva....... 80
5.2 Gestão das Receitas Geradas pela Indústria Extractiva (A Parte que
Cabe às Comunidades)............................................................................................. 84
6. VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS............................................ 86
6.1 Ataques da Junta Militar da RENAMO nas Províncias de Manica e Sofala............ 87
6.2 Violência Extremista em Cabo Delgado................................................................... 88
6.3 Direitos Humanos e os Ataque Militares em Cabo Delgado................................... 88
6.4 Responsabilização Pelos Ataques na Zona Centro e Norte do País........................ 88
v

7. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES................................................... 91


7.1 Conclusões................................................................................................................. 91
7.2 Recomendações........................................................................................................ 91

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 99
Documentos Importantes.............................................................................................. 99
Sítios da Internet............................................................................................................ 101
vi

ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1. Evolução da composição do Parlamento moçambicano entre
2015/2019 e 2020/2014........................................................................................ 5
Tabela 2. Composição do Governo, Legislaturas 2015/19 e 2020/24................................ 6
Tabela 3. Lista de tratados internacionais e regionais ratificados por Moçambique......... 8
Tabela 4. Sumário dos principais instrumentos do sistema universal e regional de
promoção dos direitos humanos.......................................................................... 9
Tabela 5. Tribunais Judiciais de Distrito criados e que ainda não entraram em
funcionamento...................................................................................................... 13
Tabela 6. Efectivo de pessoal e quadros envolvidos no acesso à justiça em 2020.............. 15
Tabela 7. Distribuição dos Magistrados do Ministério Público pelo país, 2020 – 2021.... 16
Tabela 8. Distribuição de Assistentes Jurídicos do IPAJ por província, 2020 - 2021........ 17
Tabela 9. Dados relativos ao movimento processual........................................................... 21
Tabela 10. Dados relativos aos Tribunais Judiciais, 2019 - 2021........................................ 22
Tabela 11. Alterações pontuais ao CCP no que respeita à prisão preventiva....................... 25
Tabela 12. Dados estatísticos relativos à população em prisão preventiva em 2020-2021 27
Tabela 13. Comparação entre 2020 e 2021 em relação aos prazos de prisão
preventiva expirados.......................................................................................... 28
Tabela 14. Comparação da situação reclusória 2020-2021................................................. 30
Tabela 15. Dados sobre a Covid-19 em Moçambique, 2020 e 2021.................................... 51
Tabela 16. Número de pessoas vacinadas contra a Covid-19 em Moçambique em 2021... 55
Tabela 17. Evolução das consultas externas e de SMI, 2019-2020..................................... 60
Tabela 18. Rácio de mortalidade materna intra-hospitalar por província, 2019-2020...... 61
Tabela 19. População vacinada segundo o tipo de vacina (2019-2020).............................. 62
Tabela 20. Adultos, mulheres grávidas e crianças (0-14 anos)
activos em TARV, 2019-2020............................................................................. 63
Tabela 21. Dados sobre violência doméstica contra a criança, 2019-2021......................... 67
Tabela 22. Uniões prematuras, 2020-2021......................................................................... 68
Tabela 23. Violência contra a pessoa adulta, 2019-2021..................................................... 69
Tabela 24. Casos de violência contra idosos........................................................................ 70
Tabela 25. Empresas afectadas pela pandemia da Covid-19, entre Abril e Junho 2020.... 71
Tabela 26. Empresas e pessoal afectado pela Covid-19, segundo as medidas adoptadas.. 72
Tabela 27. Apoio à tesouraria das MPMEs.......................................................................... 74
Tabela 28. Transferências para as famílias e apoio aos micro-negócios (MGCAS)........... 76
Tabela 29. Quadro jurídico-legal da indústria extractiva em Moçambique....................... 77
Tabela 30. Lista de empresas de exploração mineira e respectivos incumprimentos........ 83
Tabela 31. Total de receitas transferidas para as comunidades no âmbito dos
projectos de exploração mineira (2,75%), 2014-2020........................................ 85

ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Meios de ensino durante o estado de emergência, 2020.................................... 65
vii

LISTA DE ACRÓNIMOS

CADEGA Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação em África


CADHP Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
CIP Centro de Integridade Pública
CRM Constituição da República de Moçambique
DIH Direito Internacional Humanitário
DIDH Direito Internacional dos Direitos Humanos
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
CDHOAM Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique
CDH Comissão dos Direitos Humanos
Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Dis-
CEDAW
criminação Contra Mulheres
CC Conselho Constitucional
CDD Centro para Democracia e Desenvolvimento
DDR Desarmamento, Desmobilização e Reintegração
CNDH Comissão Nacional dos Direitos Humanos
CPP Código do Processo Penal
EPs Estabelecimentos Penitenciários
FADM Forças Armadas de Defesa de Moçambique
FMO Fórum de Monitoria do Orçamento
FONGA Fórum das Organizações Não-Governamentais de Gaza
ETP Ensino Técnico-Profissional
FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
GOE Grupo de Operações Especiais
IAJ Instituto de Assistência Jurídica da Ordem dos Advogados
IMD Instituto de Democracia Multipartidária
INAE Instituto Nacional das Actividades Económicas
IPAJ Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica
ISIS Estado Islâmico
MDM Movimento Democrático de Moçambique
MP Ministério Público
MISAU Ministério da Saúde
OAM Ordem dos Advogados de Moçambique
ODS Objectivos de Desenvolvimento Sustentável
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
PIDCP Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
PGR Procuradoria-Geral da República
PAV Programa Alargado de Vacinação
PTV Prevenção da Transmissão Vertical
PRM Polícia da República de Moçambique
RENAMO Resistência Nacional Moçambicana
SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
Missão Militar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em
SAMIM
Moçambique
SEIJE Sistema de Expediente e Informação Judicial Electrónico
SERNAP Serviço Nacional Penitenciário
viii

SERNIC Serviço Nacional de Investigação Criminal


SNE Sistema Nacional de Educação
TARV Tratamento Anti-retroviral
TICs Tecnologias de Informação e Comunicação
UE União Europeia
UNODC Agência das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
ix

Prefácio

Ao longo dos últimos anos o cenário dos direitos humanos mudou consideravelmen-
te, com um número cada vez crescente de organizações da sociedade civil na defesa
dos Direitos Humanos, que não retiram, antes reforçam as atribuições da Ordem dos
Advogados de Moçambique como defensor do Estado de Direito Democrático em Mo-
çambique, que o faz também através da sua publicação periódica do Relatório de Direi-
tos Humanos, que ora apresentamos e constitui um orgulho.
Esta 5a edição, refente ao relato dos factos mais relevantes no que aos Direitos Huma-
nos diz respeito, durante o período de 2020 a 2021, é marcada pelo facto de ser um
produto financiado por fundos exclusivos da Ordem dos Advogados de Moçambique,
produzido pela ReStart Consulting and Business, Lda, sob a égide da Comissão dos
Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique (CDHOAM), o que de-
monstra o seu alto compromisso para com a Comunidade.
Com este Relatório, a OAM pretende ajudar a criar uma cultura de mensuração do im-
pacto, que através das conclusões e recomendações que nele constam, visa permitir às
organizações e demais instituições criarem um processo de mudança cultural, nas suas
diversas actuações, como por exemplo o acesso à informação, além de tantas outras
que nem sempre são fáceis de rastreiar.
Tal como na última edição, o período em referência foi mantido para 2 anos, de modo
a permitir uma melhor análise dos resultados dos fenómenos, que ocorreram, como,
por exemplo, os desfechos de processos judiciais, e o tempo necessário para obter as
respostas aos pedidos de informação do último período, bem assim ter acesso à com-
paração estatística e qualitativa.
Esperamos que o conteúdo do presente relatório seja um valor acrescentado para aca-
dêmicos, consultores, estudantes, defensores de direitos humanos, as instituições pú-
blicas, privadas, e os cidadãos para que através das conclusões e recomendações possa
servir de bússola para uma mudança na cultura da defesa dos direitos humanos em
Moçambique, porque não, no Mundo!
Uma palavra final de apreço às entidades que nos ajudaram no processo de partilha
com os consultores de informações essenciais para a elaboração desta edição.

Maputo, aos 30 de Junho de 2022


Por uma Ordem Inclusiva, ao Serviço do Advogado e do Estado de Direito
Democrático

O BASTONÁRIO

Duarte Casimiro
SUMÁRIO EXECUTIVO xi

SUMÁRIO EXECUTIVO

A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) é pessoa colectiva de direito públi-


co representativa dos licenciados em Direito que, em conformidade com os preceitos
deste estatuto e demais disposições legais aplicáveis, exercem advocacia em Moçam-
bique. Desde 2016, a OAM tem vindo a publicar relatórios sobre direitos humanos no
país, como parte do seu mandato na defesa do Estado de Direito Democrático e dos
Direitos e Liberdades Fundamentais, que constituem bases de fundação do Estado mo-
çambicano, conforme o artigo 3 da Constituição da República (CRM). Esses relatórios
oferecem-se como instrumentos de avaliação periódica e de monitoria da evolução da
situação dos direitos humanos no país, tendo sempre como referência as recomenda-
ções dos relatórios dos anos anteriores publicados pela OAM e por diversas organiza-
ções nacionais e internacionais que abordam a temática dos direitos humanos no país.
O relatório sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique 2020-2021, na sua
quinta edição, foi elaborado num contexto social, económico, político-militar e sani-
tário particular, marcado pela ocorrência de eventos climáticos extremos nas regiões
centro e norte; pelo recrudescimento da violência armada nas províncias centrais de
Manica e Sofala, protagonizada pela autoproclamada pela Junta Militar da Resistência
Nacional Moçambicana (RENAMO) em 2020 e pelos insurgentes na província norte-
nha de Cabo Delgado a partir de 2019; bem como pela emergência da pandemia global
da Covid-19 em 2020, que agravou a já precária situação socioeconómica do país e
cujas consequências se fazem sentir no presente momento. O relatório aborda áreas
temáticas que se acredita terem sido as que mais impactaram na governação, no exer-
cício do Estado de Direito Democrático e, de forma mais específica, no exercício dos
direitos humanos e liberdades individuais.
O objectivo geral do relatório é analisar o ponto de situação e a evolução da implemen-
tação dos direitos humanos em Moçambique nos anos 2020 e 2021. Especificamente,
o relatório visa (i) identificar as questões candentes de direitos humanos que clamam
pela atenção das autoridades; (ii) identificar os elementos negativos e positivos na im-
plementação dos direitos humanos em Moçambique; (ii) analisar as medidas norma-
tivas, políticas e institucionais, que se traduzem em avanços ou retrocessos na promo-
ção, protecção e defesa dos direitos em causa; (iv) tecer recomendações para melhorar
o quadro actual de promoção e protecção dos direitos em alusão.
A sua elaboração observou um conjunto de etapas seleccionadas, tendo como ponto de
partida a recolha, análise de documentos primários e estudo de documentos secundá-
rios sobre direitos humanos em Moçambique. Foram também recolhidos e analisados
instrumentos normativos, regulamentares e políticas nacionais sobre os direitos hu-
manos, tendo-se procedido ao estudo e análise de informações em documentos pro-
duzidos por organizações não-governamentais (ONGs) e da sociedade civil (OSCs) vo-
cacionadas para a temática dos direitos humanos. Foram feitos esforços no sentido de
confirmar as constatações através do envolvimento de instituições públicas relevantes,
que trabalham na área dos direitos humanos ou em matérias relacionadas. Por último,
xii SUMÁRIO EXECUTIVO

foram realizadas entrevistas e visitados os centros de reassentamento das vítimas dos


ataques da autoproclamada Junta Militar em Gondola na província de Manica, ten-
do sido estabelecidos contactos para aferir a situação das vítimas de ataques armados
noutros pontos do país (Pemba e Metuge na província de Cabo Delgado).
As seis áreas temáticas abordadas neste relatório são: (i) ambiente político e de gover-
nação; (ii) instituições de defesa dos direitos do cidadão; (iii) direitos civis e políticos;
(iv) direitos económicos, culturais e sociais; (v) direitos humanos na indústria extracti-
va, (vi) violência militar no Centro e Norte do país. Com base na informação recolhida
e na análise feita, a OAM constatou que:

No que se refere ao ambiente político e de governação:

A OAM constatou que a revisão constitucional na matéria de descentralização e


formação dos Governos locais, bem como a instituição da figura dos Secretários
de Estado a nível das províncias começou a surtir efeitos durante o período de
elaboração do relatório. A presença de Governadores Provinciais, Secretário de
Estado e Presidentes dos Municípios foi, em determinado momento contesta-
da, tendo sido notórios, durante o período em análise, alguns conflitos entre
estas figuras aliados ao novo quadro de descentralização implementado.

No que se refere aos direitos civis e políticos:


Durante o período em análise, as instituições do sector da justiça expandiram
as suas actividades, através do recrutamento de novos quadros, instalação de
novas tecnologias e implantação de novos edifícios, ampliando o direito fun-
damental de acesso à justiça para o cidadão. Neste sentido, foi notório o cres-
cimento do número de advogados e técnicos do Instituto de Patrocínio e Assis-
tência Jurídica (IPAJ), bem como a expansão da rede de tribunais, a formação
de magistrados e o estabelecimento do Sistema de Expediente e Informação
Judicial Electrónico (SEIJE) nos tribunais.

Apesar dos avanços, a questão dos raptos e dos sequestros, bem como o gozo
do direito de acesso à informação e de liberdade de imprensa regrediram nos
últimos anos. O relatório apresenta exemplos de casos de hostilização de pro-
fissionais de comunicação social, preocupações sobre a ocorrência de raptos e
dados sobre o envolvimento de elementos das autoridades na prática de alguns
desses crimes. A situação real consubstancia uma afronta ao direito dos cida-
dãos de serem livremente informados.

No que se refere aos direitos económicos, culturais e sociais:

O surgimento da pandemia de Covid-19 e os problemas estruturais em várias


entidades de prestação de serviços públicos, em particular na área da saúde,
afectaram o exercício dos direitos económico, culturais e sociais. Por exemplo,
o direito à saúde sofreu restrições face às medidas sanitárias de contenção da
SUMÁRIO EXECUTIVO 1
xiii

propagação da Covid-19. O mesmo se pode afirmar sobre o gozo de outros di-


reitos transversais, tais como a situação da igualdade de género, à luz do cres-
cente índice de violência doméstica apurado.

O sector privado não escapou aos efeitos da crise, num contexto em que muitas
empresas foram forçadas a tomar medidas que afectaram a renda familiar, o
que teve impacto no gozo de alguns direitos básicos por parte das famílias.

No que se refere aos direitos humanos na indústria extractiva:

Existem desafios no cumprimento de obrigações relacionadas com os direitos


humanos. Particularmente, na questão do reassentamento, transparência na
atribuição de licenças e gestão da receita colectada das actividades de extracção
mineira, entre outros aspectos relacionados.

O quadro normativo da indústria extractiva precisa de continuar a ser aprimo-


rado.

No que se refere à violência militar na região centro e norte do país:

Volvidos momentos de muita turbulência, a situação político-militar no país


melhorou bastante. O envolvimento das Forças Conjuntas da Comunidade de De-
senvolvimento da África Austral (SADC), das Forças de Defesa e Segurança de Mo-
çambique (FDS) e dos militares do Ruanda traçaram um marco decisivo nos
avanços registados. Todavia, persistem inquietações sobre a violação de direi-
tos humanos no que diz respeito ao envolvimento das autoridades de defesa e
segurança na prática de actos contra os direitos em alusão.

Nas conclusões finais, a OAM apresenta recomendações exaustivas sobre cada um dos
aspectos discutidos. O objectivo é melhorar o quadro de defesa e protecção dos direitos
humanos no país.
INTRODUÇÃO 1

INTRODUÇÃO
O presente relatório aborda a situação de direitos humanos em Moçambique nos anos
2020 e 2021. O mesmo enquadra-se no mandato da Ordem dos Advogados de Moçam-
bique (OAM), enquanto entidade incumbida da defesa do Estado de Direito Demo-
crático e dos direitos e liberdades fundamentais que constituem bases de fundação do
Estado moçambicano, conforme o artigo 3 da Constituição da República (CRM).
O relatório analisa a situação dos direitos humanos no país atendendo às obrigações
do Estado de promover, proteger, respeitar e garantir a sua observância. Embora o
relatório abarque acontecimentos dos anos 2020 e 2021, o mesmo desenvolve temáti-
cas sobre os direitos humanos abordadas nos relatórios da OAM publicados em anos
anteriores. Desta forma, este relatório constitui-se como um instrumento de avaliação
periódica e de monitoria da evolução da situação dos direitos humanos, tendo em con-
ta as constatações dos relatórios anteriores publicados e a situação actual.

Objectivos
Como objectivo geral, o presente relatório visa analisar o ponto de situação e a evolu-
ção da implementação dos direitos humanos em Moçambique em 2020 e 2021. Espe-
cificamente, o relatório visa (i) identificar as questões candentes de direitos humanos
que clamam pela atenção das autoridades; (ii) identificar os elementos negativos e po-
sitivos na implementação dos direitos humanos em Moçambique; (ii) analisar as me-
didas normativas, políticas e institucionais que se traduzem em avanços ou retrocessos
na promoção, protecção e defesa dos direitos em causa; (iv) tecer recomendações para
melhorar o quadro actual de promoção e protecção dos Direitos em alusão.

Contexto da Elaboração do Relatório


A elaboração do relatório sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique, na
sua quinta edição, ocorreu num contexto social, económico, político-militar e sanitário
particular, marcado pela ocorrência de eventos climáticos extremos nas regiões centro
e norte; pelo recrudescimento da violência armada nas províncias centrais de Manica e
Sofala, protagonizada pela autoproclamada pela Junta Militar da RENAMO em 2020 e
pelos insurgentes na província nortenha de Cabo Delgado a partir de 2019; bem como
pela emergência da pandemia global de Covid-19 em 2020, que agravou a já precária
situação socioeconómica do país e cujas consequências se fazem sentir no presente
momento. Esta edição aborda seis áreas temáticas (ver estrutura do relatório) por se
acreditar terem sido as que mais impactaram na governação, no exercício do Estado
de Direito Democrático e, de forma mais específica, o exercício dos direitos humanos
e das liberdades individuais.
2 INTRODUÇÃO

Metodologia
A elaboração do relatório observou um conjunto de etapas previamente seleccionadas,
tendo como ponto de partida a recolha e análise de documentos primários e o estudo
de documentos secundários sobre direitos humanos em Moçambique. Foram também
recolhidos e analisados instrumentos normativos, regulamentares e políticas nacionais
sobre os direitos humanos, tendo-se procedido ao estudo e análise de informações em
documentos produzidos por organizações não-governamentais (ONGs) e da sociedade
civil (OSCs) vocacionadas para a temática dos direitos humanos. Por último, foram fei-
tos esforços no sentido de confirmar as constatações através do envolvimento de insti-
tuições públicas relevantes, que trabalham na área dos direitos humanos ou em maté-
rias relacionadas. Adicionalmente, foram realizadas entrevistas e visitados os centros
de reassentamento das vítimas dos ataques da autoproclamada da Junta Militar em
Gondola, tendo sido estabelecido contactos para aferir a situação de vítimas de ataques
armados noutros pontos do país (Pemba e Metuge, na Província de Cabo Delgado).
Os indicadores aplicados na medição dos avanços e desafios no quadro da implemen-
tação dos direitos humanos em Moçambique incluem informação relativa à existên-
cia de instrumentos normativos, políticas e programas que cobrem os direitos ora em
causa, as mudanças institucionais e atitudes ou prática de agentes públicos em prol da
concretização efectiva da promoção, protecção e gozo dos direitos humanos pelo cida-
dão. Em termos concretos, o relatório documenta aspectos que reflectem avanços ou
retrocessos no grau de cumprimento das obrigações internacionais e constitucionais
do Estado moçambicano na promoção, protecção, respeito e concretização dos direitos
humanos.

Estrutura do relatório
O presente relatório contempla algumas diferenças estruturais comparativamente aos
relatórios anteriores. Houve um esforço no sentido de sistematizar a informação tor-
nando o relatório mais acessível ao leitor através de uma abordagem objectiva, clara
e sucinta. A sistematização impôs a necessidade de redefinir alguns temas abordados,
tendo em conta a relevância dos mesmos, o que abriu espaço para um melhor enqua-
dramento das matérias discutidas comparativamente aos relatórios anteriores. Com
efeito, na sua nova roupagem, para além da introdução, que apresenta os objectivos e
a metodologia, o relatório apresenta a seguinte estrutura:
Secção 1: Ambiente político e de governação
Secção 2: Instituições de defesa dos direitos do cidadão
Secção 3: Direitos civis e políticos
Secção 4: Direitos económicos, culturais e sociais
Secção 5: Direitos humanos na indústria extractiva
Secção 6: Violência militar no Centro e Norte do país
Secção 7: Resumo das principais constatações e recomendações/ matriz de se
guimento
AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO 3

1. AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO


No que se refere ao ambiente político e de governação, o relatório analisa os aspectos
políticos (em 2020 e 2021), tendo como referência as reformas legislativas de 2018 e
2019, que se traduziram na revisão constitucional e na aprovação da Lei dos Órgãos de
Governação Descentralizada. Com efeito, são descritos os actos políticos mais relevan-
tes que tiveram lugar em 2020 e 2021. Entre estes destaca-se a investidura do Chefe
de Estado, dos Deputados da Assembleia da República e das Assembleias Provinciais,
incluindo os Governadores de Província, bem como dos Órgãos de Governação Des-
centralizada. É também descrito o contexto do surgimento e impacto da pandemia da
Covid-19 no país.

1.1 Actos Políticos e Aspectos Político-legais


Em 2018 foram realizadas as quintas eleições autárquicas, em 2019 as sextas eleições
gerais (presidenciais e legislativas) e as primeiras eleições para as Assembleias Provin-
ciais. Esses processos foram antecedidos pela revisão pontual da Constituição (2018),
como parte do acordo político para o processo de paz e reconciliação nacional negocia-
do entre o Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi e o então líder da RENAMO,
Afonso Dhlakama, materializado através da lei n.º 1/2018, de 12 de Junho.1 A referida
revisão constitucional abriu espaço para a eleição directa dos Órgãos Autárquicos em
2018, dos Governadores Provinciais em 2019 e dos Administradores de Distrito nas
eleições a realizar em 2024. Esse objectivo foi concretizado através da aprovação da
Lei n.º 6/2018, de 3 de Agosto, que revogou a Lei n.º 2/97, de 18 de Fevereiro, a Lei n.º
7/2018, de 3 de Agosto, que definiu o quadro jurídico para a eleição dos membros das
Assembleias Autárquicas e do Presidente do Conselho Autárquico.
Através do acórdão n.º 27/CC/2019, de 13 de Novembro, o Conselho Constitucional
(CC) qualificou o novo quadro jurídico como um retrocesso legislativo por ter intro-
duzido um regime eleitoral que resultou no “indeferimento de determinadas candi-
daturas por pretensas irregularidades, que no regime eleitoral anterior, constante
da lei n.º 7/2013, de 22 de Fevereiro, alterada e publicada pela lei n.º 10/2014, de 23
de Abril, seriam sanáveis”.2 A referida revisão constitucional foi igualmente criticada
pelos partidos políticos extraparlamentares e pelas OSCs, por um lado, por ter sido
desencadeada na véspera das eleições, o que impossibilitou a realização de um amplo
debate, e, por outro, por ter sido motivada pela necessidade de acomodar as exigências
de um único partido político, designadamente a RENAMO, considerando, por isso, que
o mesmo não respondia às aspirações e expectativas dos moçambicanos.
A OAM3 tinha-se mostrado favorável à referida revisão constitucional, enquanto esfor-
ço para a reconciliação nacional, consolidação da paz e fundamento para concretização
e materialização do objectivo fundamental da República, plasmado nas alíneas b) e

1 OAM, 2019. Relatório de Direitos Humanos 2018/19.


2 OAM, 2019, p.93.
3 OAM, 2019, p.95.
4 AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO

g), ambas do artigo 11 da CRM, que preconizam a consolidação da unidade nacional


e a promoção de uma sociedade alicerçada no pluralismo, tolerância e cultura de paz.
Porém, a OAM mostrou-se preocupada com a profundidade das alterações introduzi-
das na CRM, defendendo que teria sido mais prudente anteceder todo o processo de
revisão constitucional de um amplo debate público, o que no seu entender teria con-
tribuído para a adopção de outro tipo de soluções, que estariam mais alinhadas com as
expectativas dos diversos grupos de interesse no país.

Constatação

A revisão constitucional, nos termos em que ocorreu, sem a participação dos


cidadãos, violou o artigo 73 da CRM, que estabelece o princípio do Estado de
Direito Democrático. A referida revisão constitucional violou igualmente o n.º
2 do artigo 10 da Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação em
África (CADEGA), o qual dispõe que os “Estados devem garantir que o pro-
cesso de emenda ou revisão das suas Constituições se baseiam em consenso
nacional comportando, no caso em questão, o recurso ao referendo.”

Recomendação

O Estado de Direito Democrático materializa-se através de uma participa-


ção ampla e activa dos cidadãos nos “grandes assuntos” da nação e a alteração
ou revisão constitucional enquadra-se nessa lógica, em conformidade com o
disposto no artigo 73 da CRM e no artigo 10, n.º 2, da CADEGA. À Assembleia
da República e aos demais Órgãos de Soberania recomenda-se a fiscalização
e o cumprimento dessas disposições legais sob pena de flagrante violação das
mesmas.

1.2 Ambiente Político Nacional


Em 2020 foram investidos os órgãos eleitos através do sufrágio universal de Outubro
de 2019. Trata-se do Presidente da República; dos membros das Assembleias Provin-
ciais e dos respectivos Governadores eleitos nas 10 províncias, com excepção da cidade
de Maputo, onde foi nomeado o Secretário de Estado embora esta seja equiparada a
uma província. Foram igualmente investidos os Deputados da Assembleia da Repúbli-
ca num total de 250, sendo 184 da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO);
60 da RENAMO e os restantes 6 do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).
As eleições de 2019 foram marcadas por uma redução de 16% da presença da oposição
na Assembleia da República, comparativamente à anterior legislatura.
AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO 5

Tabela 1. Evolução da composição do Parlamento moçambicano entre 2015/2019 e


2020/2014
Representatividade durante a legislatura
Variação do n.º de
Partido político mandatos de 2015/19
2015-2019 2020-2024
para 2020/24
FRELIMO 144 57,6% 184 73,6% +40 +16,0%
RENAMO 89 35,6% 60 24,0% -29 -11,6%
MDM 17 6,8% 6 2,4% -11 -4,4%
Total de mandatos 250

Fonte: https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Imprensa/Noticias/Quem-sao-os-deputados-da-AR

A actual composição do Parlamento, dominada pela FRELIMO, gerou bastante preo-


cupação na sociedade civil, partidos políticos extraparlamentares e em diversas forças
vivas da sociedade moçambicana, entre outros, que consideraram que a despropor-
cionalidade não só enfraquecerá o debate político naquele órgão, como também re-
presenta um grande retrocesso no processo da consolidação da democracia no país.
Além disso, existe o receio de que a FRELIMO abuse da “ditadura do voto” para impor
a sua vontade e decidir sobre matérias estruturantes do país, inclusivamente para de-
sencadear reformas legislativas, como a revisão constitucional sem a participação da
oposição.4 Visando minimizar o impacto da “ditadura do voto”, organizações como o
Instituto de Democracia Multipartidária (IMD) recomendaram a participação activa
da sociedade civil e de todas as forças vivas da sociedade na monitoria ao Executivo e
assistência às bancadas da Assembleia da República e Assembleias Provinciais para o
fortalecimento da democracia interna.
O ano 2020 foi igualmente marcado pela constituição e início de funções do novo Go-
verno, constituído por vinte e um Ministérios e duas Secretarias de Estado, uma ino-
vação na estrutura do Governo. Na actual legislatura foram extintos os Ministérios da
Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural e de Agricultura e Segurança Alimentar,
tendo sido substituídos pelos Ministérios da Terra e Ambiente e da Agricultura e De-
senvolvimento Rural, respectivamente.5 Na sua composição, o actual Governo conta
com dez ministras, mais três comparativamente à última legislatura.

4 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/instituto-mo%C3%A7ambicano-alerta-para-poss%-


C3%ADvel-ditadura-da-maioria-ap%C3%B3s-elei%C3%A7%C3%B5es/a-51559860 (acedido em
15.10.2021).
5 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/presidente-mo%C3%A7ambicano-nomeia-novo-go-
verno/a-52047001 (acedido em 19.11.2021).
6 AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO

Tabela 2. Composição do Governo, Legislaturas 2015/19 e 2020/24


Ministé- Ministros Vice-ministros
Legisla- rios e Se- Mulheres Homens Mulheres Homens
To- To-
tura cretarias
tal n % n % tal n % n %
de Estado
Ministérios 21 10 47,6% 11 52,4% 13 5 38,5% 8 61,5%
2020/24 Secretarias
2 0 0,o% 2 100,0% - - - - -
de Estado
2015/19 Ministérios 22 7 31,8% 15 68,2% 18 10 55,6% 8 44,4%
Fonte: https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Imprensa/Noticias/Quem-sao-os-deputados-da-AR

O incremento do número de mulheres na gestão ministerial representa um salto qua-


litativo na integração destas em posições de tomada de decisão, estando em confor-
midade com o disposto nos artigos 35 e 36 da CRM e com diversos instrumentos in-
ternacionais atinentes à promoção da igualdade de género de que o país é signatário.
Desses instrumentos destacam-se: (i) os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS); (ii) a Agenda 2030 das Nações Unidas e o Protocolo da SADC sobre Género e
Desenvolvimento; (iii) a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas
as formas de Discriminação contra Mulheres (CEDAW6); (iv) a Plataforma de Beijing;
(v) a Declaração para Igualdade de Género em África; (vi) a Declaração de Género da
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral; e (vii) a Carta Africana de Direitos
Humanos e das Pessoas.

1.3Início da Implementação do Pacote de Descentralização


O ano 2020 foi, igualmente, marcado pelo início da implementação do novo modelo
de Governação Descentralizada Provincial, criado através da Lei n.º 7/2019 de 31 de
Maio, que estabelece o quadro legal sobre a organização e funcionamento dos órgãos
de representação do Estado na província e revoga a Lei n.º 8/2003, de 19 de Maio, que
estabelece os princípios e normas de organização, competências e funcionamento dos
órgãos locais do Estado de nível provincial, distrital, posto administrativo e localidade.
Os Órgãos de Governação Descentralizada iniciaram as suas funções em 2020, com a
investidura das Assembleias Provinciais, tomada de posse dos Governadores de Pro-
víncia eleitos e empossamento dos Secretários de Estado das Províncias e da cidade de
Maputo, um acto considerado como marco importante na consolidação do Estado de
Direito Democrático.7 A criação deste órgão reacendeu o receio anteriormente mani-
festado de “sobreposição de funções com outros órgãos locais e de ofuscação da figura
do Governador eleito ao nível da província”.8 Além disso, inicialmente, este acto gerou

6 Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra Mu-
lheres.
7 Idem.
8 https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-secret%C3%A1rios-de-estado-provinciais-
-v%C3%A3o-ofuscar-governadores/a-52141123 (acedido em 19.11.2021).
AMBIENTE POLÍTICO E DE GOVERNAÇÃO 7

embaraços protocolares e mal-estar entre os titulares desses cargos, especialmente nos


eventos do Estado. Aliás, tal havia sido antecipado pelo próprio Chefe de Estado no
acto de tomada de posse dos Secretários de Estado, tendo este, na ocasião, apelado a
maior responsabilidade na articulação entre os dois órgãos (Governadores e Secretá-
rios de Estado), o que primeiramente não foi fácil9. Em 2020 e 2021 não se registou
qualquer progresso na reforma legislativa atinente aos Órgãos de Governação Descen-
tralizada Provincial, órgãos que emergiram das eleições de 2019, cuja implementação se
iniciou em 2020.

9 Há quem diga que, grosso modo, houve concertação interna para diminuir conflitos e litígios entre
Governadores e Secretários de Estado. A esse respeito é de salientar que na sua maioria, tanto os
Secretários de Estado como os Governadores, são membros do partido no poder o que facilitou a
tal concertação.
8 INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO

2. INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO


As questões de direitos humanos que este relatório apresenta têm por base a Cons-
tituição da República, a legislação infraconstitucional relevante sobre essa temática,
bem como as políticas públicas que promovem o seu respeito. Os instrumentos inter-
nacionais de protecção dos direitos humanos de que Moçambique é parte também são
referenciados neste relatório.

2.1 Convenções Internacionais


Moçambique é signatário de quase todos os documentos internacionais sobre direitos
humanos relevantes, muitos dos quais vigentes no território nacional. Num quadro
transversal, o país assinou vários tratados internacionais e regionais de direitos hu-
manos nas áreas de HIV e questões de género, entre outros que protegem os grupos
vulneráveis. A assinatura e ratificação de um tratado obriga o país a respeitar o objecto
do tratado e a garantir a sua efectivação no território nacional. Abaixo seguem alguns
tratados de que o país é signatário.

Tabela 3. Lista de tratados internacionais e regionais ratificados por Moçambique


Tratados internacionais e regionais Ratificação
Protocolo facultativo da Convenção contra a tortura e outro tratamento ou punição
01.07.2014
cruel, desumano ou degradante
Convenção Internacional sobre a protecção dos direitos de todos os trabalhadores
19.06.2013
migrantes e membros de suas famílias
Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência 30.01.2012
Convenção Internacional para a protecção de todas as pessoas contra o desapareci-
24.12:2008
mento forçado
Protocolo Facultativo à Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discri-
04.11.2008
minação contra as mulheres
Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos povos sobre os direitos das
09.12.2005
mulheres em África
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os direitos da Criança sobre o envolvimento
19.10.2004
das crianças em conflito armado
Protocolo Facultativo à Convenção sobre os direitos da criança sobre a venda de
06.03.2003
crianças, prostituição infantil e pornografia infantil
Convenção contra a tortura e outro tratamento ou punição cruel, desumano ou de-
14.09.1999
gradante
Carta Africana dos direitos e do bem-estar da criança 15.07.1998
Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulhe-
21.04.1997
res
Convenção sobre os direitos da criança 26.04.1994
Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os direitos civis e polí-
21.07.1993
ticos
Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos 21.07.1993
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos 22.02.1989
Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
18.04.1983
racial
Convenção da organização da unidade africana (OUA) sobre os problemas específicos
dos refugiados em África

Ao nível sub-regional, Moçambique é membro da Comunidade de Desenvolvimento da


INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO 9

África Austral (SADC). O Artigo 4, alínea c), do Tratado da SADC estabelece que “os di-
reitos humanos, a Democracia e o Estado de Direito” são princípios orientadores dos
actos dos seus membros. No quadro desse desiderato existem vários instrumentos de
direitos humanos adoptados pela SADC que visam a protecção dos direitos humanos
nos países membros.10

Tabela 4. Sumário dos principais instrumentos do sistema universal e regional de


promoção dos direitos humanos
Sistema regional de protecção
Sistema universal de protecção dos direitos humanos
dos direitos humanos

• 2006 - Convenção sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de


Deficiências
• 2007 - Carta Africana sobre De-
• 2006 - Convenção Internacional para a Protecção de todas as Pes- mocracia, Eleições e Governação
soas contra Desaparecimento Forçado (Enforced Disappearance) (2007)
• 1989 - Convenção sobre os Direitos da Criança.
• 1990 - Carta Africana do Bem-es-
 2000 - Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos tar e dos Direitos da Criança.
da Criança sobre o Envolvimento de Crianças em Confli-
tos Armados. • 1986 - Carta Africana dos Direitos
do Homem e dos Povos.
 2000 - Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direi-
tos da Criança sobre a Venda de Crianças, Prostituição e  2003 - Protocolo à Carta
Pornografia Infantis. africana dos Direitos do
• 1990 - Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Homem e dos Povos so-
todos Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias. bre os Direitos da Mulher
em África.
• 1995 - Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discri-
minação contra a Mulher.
1999 - Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
• 1984 - Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Puni-
ções Degradantes, Cruéis ou Desumanas.
2002 - Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e
outros Tratamentos e Punições Degradantes, Cruéis ou
Desumanas.
• 1966 - Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Cul-
turais (PIDESC).
• 1966 - Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Dis-
criminação Racial
• 1966 - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP).
 1966 - Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacio-
nal dos Direitos Civis e Políticos.
 1990 - Segundo Protocolo Facultativo referente ao Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos com vista à
Abolição da Pena de Morte.
• 1948 - Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Adaptado pela ReStart, 20201

10 Lei Modelo da SADC para HIV-SIDA; Lei Modelo da SADC para a Erradicação das Casamentos
Prematuros e Protecção da Criança já Casada; entre outros.
10 INSTITUIÇÕES DE DEFESA DOS DIREITOS DO CIDADÃO

2.2 Quadro Institucional de Protecção e Promoção dos Direitos Humanos


O quadro institucional para a promoção e protecção dos direitos humanos em
Moçambique integra os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicial,
nomeadamente:
1. Provedor de Justiça.
2. Tribunais
3. Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ).
4. Procuradoria-Geral da República (PGR)/ Ministério Público.
5. Polícia da República de Moçambique (PRM).
{ Departamento de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Vio-
lência.

Fazem parte deste quadro as instituições vocacionadas para a defesa dos direitos dos
cidadãos tais como:

1. Ordem dos Advogados de Moçambique.


{ Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados (CDHOAM).
{ Instituto de Assistência Jurídica da Ordem dos Advogados (IAJ).
2. Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 11

3. DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

3.1 Direito de Acesso à Justiça


O acesso à justiça é um dos princípios básicos de um Estado de Direito Democrático,
podendo ser definido como a capacidade e oportunidade para realização de um direi-
to.11 O direito de acesso à justiça implica não apenas o acesso aos tribunais, mas tam-
bém à materialização da tutela jurisdicional efectiva, visto que a sua limitação põe em
causa o exercício pleno da cidadania inerente ao Estado de Direito. A concretização do
direito ao acesso à justiça tem como requisito a existência de um verdadeiro Estado de
Direito Democrático, com instituições dotadas de independência que apliquem a justi-
ça de forma imparcial e independente.
No contexto moçambicano, o acesso à justiça é um direito consagrado na Constituição
e inclui o direito de acesso aos tribunais, assistência jurídica, julgamento justo e outros
tantos direitos que assistem aos cidadãos no domínio da prestação dos serviços de ad-
ministração da justiça pelo Estado. Entretanto, há vários desafios para a sua materia-
lização. Com efeito, o informe anual da PGR de 2021 apontou que a falta de tribunais
judiciais e a ausência de delegações do IPAJ e de advogados em alguns distritos do
país têm constituído um dos constrangimentos na materialização do direito de acesso
à justiça para os cidadãos.12 Um outro obstáculo prende-se com o custo do processo, no
qual se incluem os valores dos preparos e das custas judiciais, sendo, por isso, urgente
a conclusão do processo de revisão do Código das Custas Judiciais e a adopção de ou-
tras medidas neste contexto.

3.1.1 Jurisprudência e Desenvolvimentos Legislativos


Em 2017, a PGR requereu ao CC a apreciação e declaração da inconstitucionalidade
das normas constantes do artigo 561 e do parágrafo único do artigo 651, ambos do
Código do Processo Penal (CPP) (aprovado pelo Decreto n.º 16489, de 15 de Fevereiro
de 1929), alegadamente, por violarem as disposições combinadas do n.º 2 do artigo
62, n.º 1 do artigo 65 e do artigo 70, todos da CRM e por limitarem o direito de defesa
do arguido, devido ao facto de exigirem ao advogado ou defensor a necessidade de se
expressar no sentido de não prescindir do recurso, pelo que condicionavam o recurso.
No pensamento da PGR, tais exigências condicionavam a efectivação do recurso em
processos sumários (crime).13

11 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2008-out-11/acesso_justica_nao_confunde_aces-


so_judiciario (acedido em 16.10.2021).
12 Informação Anual da Procuradoria-Geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. P. 28.
13 Vide Acórdão n° 4/CC/2020 de 26 de Março. Disponível em: http://www.ts.gov.mz/images/
pdf_files/--_Ac%C3%B3rd%C3%A3o_n_4-CC-2020_-_Processo_Sumario.pdf (acedido em
27.10.2021).
12 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Em 2020, através do Acórdão n.º 4/CC/2020, de 26 de Março, o CC declarou a incons-


titucionalidade das aludidas normas, bem como do n.º 4 do artigo 428 do CPP, aprova-
do pela Lei n.º 25/2019, de 26 de Dezembro tendo também declarado inconstitucional
a parte final do n.º 1 do artigo 6 do Decreto-lei n.º 28/75, de 01 de Março. A posição
do CC alicerçou-se no princípio do Estado de Direito, tendo decidido sobre a matéria
de recurso no sentido de evitar, na esfera jurídica dos cidadãos, danos sociais futuros e
previsíveis, bem como a necessidade de evitar a insegurança jurídica e a influência que
as disposições declaradas inconstitucionais poderiam ter nas decisões jurisdicionais
a partir de 23 de Junho de 2020, data da entrada em vigor14 do novo CPP aprovado
pela Lei n.º 25/2019, de 26 de Dezembro. Ainda em 2020, entraram em vigor o novo
Código Penal (CP), aprovado pela Lei n.º 24/2019, de 24 de Dezembro, o novo Código
de Processo Penal (CPP), aprovado pela Lei n.º 25/2019, de 26 de Dezembro e o Có-
digo de Execução de Penas (CEP), aprovado pela Lei n.º 26/2019, de 27 de Dezembro.
Com a aprovação do novo pacote da legislação penal, o legislador pretendeu reforçar a
protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos ajustando o
novo quadro normativo às novas tendências sociais.

3.1.2 Quadro de Infra-estruturas e Acesso à Justiça


No quadro da organização e capacidade institucional, em Novembro de 2020, 480 ope-
radores da justiça, entre Juízes e Procuradores de Distritos, de todo o país, afectos às
secções Criminais e da Instrução Criminal dos Tribunais Judiciais de Província, bene-
ficiaram de capacitação no domínio do novo pacote legal na área da legislação penal.15
A formação destes quadros é, sem dúvida, algo positivo a registar no domínio da me-
lhoria do acesso à justiça para o cidadão, tendo em conta que estes quadros, em última
instância, trabalham no sector da justiça resolvendo os litígios que ocorrem no dia-a-
-dia. Em 2020, foi notório o esforço do Governo no sentido de aumentar o número de
tribunais. Com efeito, o Chefe de Estado inaugurou os edifícios do Tribunal Judicial da
Província de Sofala e dos Tribunais Judiciais dos Distritos de Inharrime (Inhambane),
Chifunde (Tete), Massingir (Gaza) e Metarica (Niassa).16 Além da inauguração destas
instalações judiciais, o Chefe de Estado lançou a iniciativa presidencial “um Distrito,
um Edifício Condigno para o Tribunal”17, cuja implementação decorre até 2023.
No mesmo diapasão, em 2021, entraram em funcionamento os Tribunais Judiciais dos
Distrito de Namarrói e Inhassunge, na Província da Zambézia. Entraram igualmente
em funcionamento, os Tribunais Judiciais dos Distritos de Vanduzi, na Província de
Manica, e de Limpopo, na Província de Gaza.18 Segundo o Tribunal Supremo (TS), fo-

14 A data da entrada em vigor dos códigos foi alterada para Dezembro de 2020.
15 Relatório anual dos tribunais judiciais de 2020. Disponível em: http://www.ts.gov.mz/images/
pdf_files/relatorios/Relatorio%20Anual%20dos%20Tribunais%20Judiciais%202020%20.pdf
(acedido em 26.10.2021).
16 Inaugurados nos dias 24 e 31 de Julho, e 5, 7 e 13 de Agosto de 2020, respectivamente, por Filipe
Jacinto Nyusi, Sua Excelência o Presidente da República de Moçambique.
17 Discurso do Presidente do Tribunal Supremo na Abertura do Ano Judicial de 2021.
18 Cerimónia de Abertura do Ano Judicial de 2022 – Tribunal Supremo.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 13

ram criados Tribunais Judiciais de Distrito que, por diversas razões, incluindo a falta
de instalações e recursos humanos, ainda não se encontram em funcionamento (Cfr.
tabela 7).

Tabela 5. Tribunais Judiciais de Distrito criados e que ainda não entraram em fun-
cionamento
Cidade
Cabo Del- Mani-
Nampula Zambézia Tete Sofala Gaza de Ma-
gado ca
puto
1. Luabo
1. Metuge
1. Nacarôa 2. Mulevala 1. Zumbo
2. Ibo Maca- Marín-
2. Liúpo 3. Mocubela 2. Marrara Mapai KaNyaka
3. Quissanga te gue
3. Larde 4. Derre 3. Doa
4. Muidumbe
5. Molumbo
Fonte: Tribunal Supremo

Este compromisso também se reflectiu através da criação de condições materiais que


permitiram a entrada em funcionamento do Tribunal Judicial do Distrito de Lugela,
na Província da Zambézia, e criação pelo Decreto n.º 77/2020, de 02 de Setembro, dos
Tribunais Judiciais dos Distritos de Larde, na Província de Nampula, Luabo na Zam-
bézia; Macate e Vanduzi em Manica e Limpopo e Mapai em Gaza.19
A criação de novos tribunais permitiu o alcance da cobertura territorial de todos os
distritos; no entanto, até 2021 do total dos Tribunais Judiciais de Distrito criados, 19
ainda não haviam entrado em funcionamento, pelo que muito ainda deve ser feito. A
respeito da distância entre os tribunais e as populações nas zonas recônditas, a Mi-
nistra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, defendeu que,
apesar de passos importantes, o Estado não tem conseguido, na totalidade, garantir o
acesso à justiça para os cidadãos, com especial destaque para aqueles que vivem nas
zonas rurais ou mais remotas. A Ministra Helena Kida acrescentou que esses fracassos
podem resultar em danos estruturais relacionados com a organização da administra-
ção da justiça, o que pressiona as instâncias formais, já em si, insuficientes em número
e qualidade.
O Conselho Judicial, reunido em Sessão Ordinária20, aprovou instrumentos importan-
tes21 de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais, com destaque para o
Plano Estratégico dos Tribunais Judiciais 2021–2025 e o Regimento Interno dos Tri-
bunais Judiciais. Aprovou ainda o relatório de desempenho dos Tribunais Judiciais
referente ao 1º semestre de 2021 e o plano de actividades para 2022. De forma geral,
esses esforços ajudam a melhorar o quadro de protecção dos direitos humanos no país.

19 Discurso do Presidente do Tribunal Supremo, na Abertura do Ano Judicial de 2021.


20 De 29 de Novembro de 2021 a 02 de Dezembro de 2021 em Bilene, província de Gaza.
21 Aprovou também a Revista dos Tribunais Judiciais (O Imbondeiro).
14 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

No ano de 2021 foram nomeados 58 Juízes de Direito D22 pelo Conselho Superior da
Magistratura Judicial, dos quais, 22 mulheres e 36 homens, contra 4 nomeações de
Juízes de Direito D em 2020.23 Portanto, os números revelam que houve um aumen-
to de Juízes nomeados em 2021, ressalvando, no entanto, que o rácio de Juízes e a
população ainda se encontra muito aquém do desejado. Em 2020 foram igualmente
construídos 3 edifícios para a PGR na Província de Nampula, sendo um para funciona-
mento da Sub-procuradoria da República, um para o Gabinete Provincial de Combate
à Corrupção e outro para a Procuradoria Provincial da República.24
Em 2021, foram nomeados 30 magistrados25 do Ministério Público contra 35 magis-
trados nomeados em 202026. Em termos comparativos, houve menos 5 nomeações de
magistrados do Ministério Público em 2021, comparativamente ao ano anterior. Se-
gundo o informe do Procurador Geral à Assembleia da República, estes procurado-
res foram colocados nas seguintes Procuradorias Distritais: Chimbonila; Mecanhelas;
Majune; Muembe; Lago; Mecula; Metarica; Mavugo; e Sanga na Província de Niassa;
Mongincual, e Moma e Nampula; Namarrói, Inhassunge, Gilé e Pebane, em Zambézia;
Chifunde, Cabora Bassa, Marara, Dôa, Zumbo e Chiúta, em Tete; Macate, e Machaze,
em Manica; Búzi, Macanga, Chibabava e Muanza, em Sofala; e Jangamo, Govuro e Fu-
nhalouro, em Inhambane. Alguns dos Procuradores nomeados em 2020 foram coloca-
dos nos tribunais, outros nas Procuradorias Provinciais, ao passo que alguns exercem
funções de assessoria e de direcção na PGR.
Apesar da nomeação dos referidos magistrados, o Informe Anual da PGR relativo ao
ano de 2020, destacou que a maioria das Procuradorias Distritais funcionaram com
um único magistrado e que nesse período não foi possível a nomeação e colocação de
Oficiais e Assistentes de Oficiais de Justiça nos diversos órgãos do Ministério Público,
os quais têm a função de prestar auxílio aos Magistrados.27 Assim, pode-se dizer que,
em 2020, se registaram pequenos avanços no que tange ao problema da distância física
entre as populações que vivem nas zonas rurais e os tribunais, comparativamente aos
anos anteriores. Porém, o informe de 2021 da PGR destacou que, apesar dos avanços
em relação ao preenchimento de todos os distritos com serviços do Ministério Púbico,
com a nomeação de 252 assistentes de oficiais de justiça28, existem outros desafios, que
se traduzem na colocação de mais de um magistrado por distrito, o que implica tam-
bém a admissão e colocação de mais oficiais e assistentes de oficiais de justiça.

22 Cerimónia de Abertura do ano judicial 2022 – Tribunal Supremo.


23 Cerimónia de Abertura do ano judicial 2021 – Tribunal Supremo.
24 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril
de2021. p.5.
25 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril
de2022. p.4.
26 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril
de2021. p.4.
27 Idem.
28 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2022. P. 5
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 15

3.1.3 Efectivo de Pessoal e Quadros Envolvidos no Acesso à Justiça


Em 2020 e 2021, o país contou com um universo de 181 Tribunais Judiciais29, dos
quais 1 Tribunal Supremo; 3 Tribunais Superiores de Recurso; 11 Tribunais Judiciais
de Província, 143 Tribunais de Distrito e 4 Tribunais de Competência Especializada.
Destes, em 2021, estavam em pleno funcionamento 162 contra 158 em 2020.30 Dados
do Tribunal Supremo apontam que no ano de 2021, o país contava com um universo de
436 magistrados judiciais contra 389 em 2020, distribuídos da seguinte forma:

Tabela 6. Efectivo de pessoal e quadros envolvidos no acesso à justiça em 2020


Tribunal Número de Juízes
Supremo 11
Superior de Recurso Maputo 22
Superior de Recurso Beira 10
Superior de Recurso Nampula 9
Niassa 20
Cabo Delgado 16
Nampula 33
Tete 23
Zambézia 25
Sofala 30
Manica 23
Inhambane 22
Gaza 22
Maputo Província 43
Maputo Cidade 52
Tribunal de Menores da Cidade de Maputo 5
Tribunal de Polícia da Cidade de Maputo 5
Total 371

Juízes em Comissão de Serviços 16


Juízes em Comissão de Serviços não Judiciais 2
Fonte: Tribunal Supremo, 2021

O Instituto Nacional de Estatística (INE) projectava para 2021 uma população de cer-
ca de 30 832 244 habitantes31, o que significa que, em 2021, estimava 1 juiz por cada
100 mil habitantes. Este rácio fica aquém da média aceitável, de 1 magistrado judicial
por cada 10 mil habitantes.32 Em 2021, a par com os Tribunais, o MP contava com um

29 Relatório da Ordem dos Advogados de Moçambique sobre Direitos Humanos em Moçambique


entre 2018 e 2019. Disponível em: http://oam.org.mz/relatorios/Relatório-sobre-Direitos-Huma-
nos-em-Mocambique-2018-2019.pdf (acedido em 29.10.2021).
30 Cerimónia de Abertura do Ano Judicial 2022 – Tribunal Supremo.
31 nformação disponível em http://www.ine.gov.mz/.
32 Disponível em: https://e-global.pt/Notícias/lusofonia/mocambique/mocambique-existe-um-jui-
z-por-cada-100-mil-habitantes-no-pais/ (acedido em 26.10.2021).
16 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

total de 2 517 funcionários33 contra 2 187 funcionários em 2020, o que representa um


crescimento em 15,1% do pessoal. Teoricamente, este crescimento significa o aumento
da capacidade do MP para responder às necessidades dos cidadãos, em particular para
resolver casos de violação dos direitos humanos.
Do total de quadros do MP, 552 eram magistrados34, contra 499 de igual período do
anterior. Estatisticamente, este número representava um rácio de 1 Magistrado para
cada 60 253,80 habitantes. Apesar do ligeiro aumento de magistrados do MP, é nítida
a necessidade de reforço das capacidades desta instituição, particularmente nas Procu-
radorias Distritais da República que, na maioria, funcionam com um único magistra-
do.35 A distribuição dos magistrados do MP por província entre 2020 e 2021 é ilustrada
na tabela 9.

Tabela 7. Distribuição dos Magistrados do Ministério Público pelo país, 2020 – 2021
Província 2020 2021
Procuradoria-Geral da República 42 42
Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público 1 1
Inspecção do Ministério Público 6 7
Gabinete Central de Combate à Corrupção 9 10
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Nampula 4 4
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção da Zambézia 0 3
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Tete 0 3
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Sofala 4 4
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Inhambane 3 3
Gabinete Provincial de Combate à Corrupção de Maputo 4 4
Sub-Procuradoria-Geral de Nampula 4 6
Sub-Procuradoria-Geral da Beira 3 6
Sub-Procuradoria-Geral de Maputo 9 9
Procuradorias Provinciais 193 207
Procuradorias Distritais 217 215
Centro de Formação Jurídica e Judiciária 0 1
Total 499 525
Fonte: Procuradoria-Geral, 2022

3.1.4 Acesso à Justiça Versus Defesa e Assistência Jurídica


A OAM, representada em todo o país através da implantação dos Conselhos Provin-
ciais em todas as capitais provinciais, incluindo a Cidade de Maputo, e o IPAJ, são as
instituições que prestam defesa e assistência jurídica no ordenamento jurídico mo-
çambicano. Em 2020, a OAM contava com um universo de 2 267 advogados e 667 ad-
vogados estagiários devidamente inscritos.36 Em 2020, num universo de 2 934 advoga-

33 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril


de2022. p.3.
34 Idem.
35 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p.3.
36 Dados fornecidos pela OAM em 26 de Novembro de 2021.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 17

dos (incluindo os advogados estagiários), para uma população de cerca de 30 milhões


de habitantes, o rácio era de 1 advogado por cada 8 975 habitantes. O rácio advogado/
população é baixo comparativamente aos países da região, como a África do Sul onde o
rácio é de 1 advogado para 2 119 habitantes37, mas melhor comparativamente a alguns
países africanos falantes da língua portuguesa, como é o caso de Angola, cujo rácio é
de 1 Advogado para 9 733 habitantes38. Essa é situação agravada pela concentração da
maior parte dos advogados na capital do país (Cidade de Maputo) e, em número re-
duzido, nas capitais provinciais, o que reduz a possibilidade de a população residente
nas zonas rurais beneficiar dos serviços prestados por estes. Por outro lado, devido
à pandemia e consequentemente, à não realização dos habituais exames semestrais
nacionais de acesso à OAM, não foi possível o ingresso de um número desejável de ad-
vogados atendendo à demanda nacional por estes serviços. Infelizmente, este cenário
também se verificou em 2021, quando havia 2 446 Advogados e 756 advogados esta-
giários inscritos na OAM.
A mesma discrepância na oferta de serviços de assistência e patrocínio jurídico ocorreu
a nível do IPAJ, que em 2021, funcionou com um efectivo de 603 funcionários39, contra
533 funcionários 40 em 2020. Desse universo, 257 funcionários respondiam pela área
de assistência jurídica41, entre defensores públicos e técnicos jurídicos. Nos anos de
2021 e 2020, os funcionários do IPAJ encontravam-se distribuídos da seguinte forma:

Tabela 8. Distribuição de Assistentes Jurídicos do IPAJ por província, 2020 - 2021


Ano
Província 2020 2021
Homens Mulheres Homens Mulheres
Cabo Delgado 36 18 34 19
Niassa 29 21 41 22
Nampula 36 31 42 32
Tete 27 23 28 15
Zambézia 25 17 18 25
Manica 20 8 26 15
Sofala 20 8 20 6
Inhambane 15 15 19 24
Gaza 22 17 28 17
Província de Maputo 19 36 22 40
Cidade de Maputo 18 32 21 39
Sede 19 21 20 20
Total 286 247 319 284
Fonte: Relatório anual do IPAJ, 2020 e 2021

37 Ordem dos Advogados de Moçambique. 2020. Plano Estratégico da Ordem dos Advogados de Mo-
çambique 2021-2025.
38 Idem.
39 Relatório Anual de Actividades do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica 2021. p.9.
40 Relatório Anual de Actividades do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica 2020. p.12.
41 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p.30.
18 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Estes dados, para além de testemunharem os desafios no que se refere à necessidade


de aumentar os quadros do IPAJ, tornam notória a problemática de género ao nível da
instituição, que se reflecte no baixo número de mulheres representadas no quadro do
pessoal técnico do IPAJ. Apesar dos constrangimentos, em 2021 o IPAJ assistiu 181
673 cidadãos42 contra 161 640 em 2020 e 222 664 em 2019. Estes números revelam um
decréscimo na ordem dos 27,4% entre o número de cidadãos assistidos pelo IPAJ43 em
2021 e 2019. Tanto em 2021 como em 2020, constata-se que houve maior incidência
de casos criminais, 84 669 e 71 605, respectivamente.44 Em 2021, o IPAJ45 realizou 1
812 palestras, 24 feiras jurídicas 247 programas radiofónicos, 55 programas televisi-
vos, 2 caminhadas da justiça e 17 campanhas jurídicas, contra 899 palestras, 15 feiras
de assistência jurídica, 8 campanhas de educação cívica, promoção e de incremento da
cultura jurídica, 174 programas radiofónicos, e 39 programas televisivos46 em 2020.
Numa vertente comparativa, estes dados são animadores, na medida em que reflectem
o esforço do IPAJ em aproximar cada vez mais a justiça dos cidadãos e contribuir para
a expansão da cultura jurídica entre as populações mais carenciadas.

Constatações

A inscrição de novos advogados e nomeação de novos defensores e técnicos


jurídicos no IPAJ contribuiu para melhorar o acesso à justiça no país, particu-
larmente nas zonas urbanas onde há maior concentração destes quadros.

É de louvar o memorando de entendimento, assinado entre a PGR e a CNDH,


no sentido de empreender esforços conjuntos para a responsabilização dos in-
fractores das violações dos direitos humanos no país.

Apesar de significativas melhorias no sector da justiça com a expansão da rede


de tribunais para as zonas rurais (distritos), o país depara-se com desafios no
que tange à necessidade garantir a operacionalização de 19 tribunais ao nível
dos distritos.

Recomendações

Sem descurar os avanços no quadro do acesso à justiça, a OAM recomenda:

• A formação contínua dos agentes do sector da justiça (magistrados, advoga-


dos e técnicos do IAPJ).

• Continuação e expansão da rede do IPAJ e aumento dos quadros desta ins-

42 Relatório Anual de Actividades do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica 2021. P. 19.


43 Idem.
44 Relatório Anual de Actividades do Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica 2021. p.19.
45 Idem, p.17.
46 Idem.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 19

tituição nos locais onde a população dificilmente consegue aceder aos servi-
ços do IPAJ para a defesa dos seus direitos e interesses.

• Continuação e alargamento das campanhas de educação cívica, que visam


a divulgação de leis sobre os direitos humanos, para munir as populações
de conhecimento sobre os seus direitos, instituições e meios de defesa exis-
tentes.

• Operacionalização dos 19 tribunais dos distritos que não entraram em fun-


cionamento em 2021.

3.2 Morosidade Processual


A morosidade processual abarca vários aspectos da administração da justiça entre eles,
a morosidade compreendida dentro dos prazos em que um processo deve ser decidido,
também conhecido como morosidade legal, que compreende excessos de formalismos
ou formalismos desnecessários, efeitos perversos e não previstos na administração da
justiça. A morosidade processual também se define no quadro da morosidade organi-
zacional do sistema, que pode resultar do volume de serviço ou rotinas adquiridas, as
condições e organização do trabalho dos tribunais; morosidade causada ou provocada
pelos actores judiciais (tais como juízes, Ministério Público, advogados, as partes, a
polícia, peritos, funcionários judiciais entre outros).47
Fundamentalmente, importa salientar a morosidade organizacional, que é resultante
do volume de serviços, condições de trabalho, irracionalidade na distribuição de fun-
cionários judiciais, distribuição de magistrados e negligência dos funcionários judiciais
na tramitação dos processos. A este respeito, vale a pena recordar que, no relatório so-
bre a situação dos direitos humanos em Moçambique48 2018/2019, a OAM fez alusão
ao facto de o reduzido número de magistrados judiciais no país ter efeitos negativos
na garantia do direito a julgamento em tempo razoável. Também é de lembrar o apelo
do Presidente da República em 2020, quando inaugurou vários tribunais49, em que sa-
lientou que os novos edifícios inaugurados deveriam contribuir para a celeridade dos
processos e frisou a necessidade de prestar serviços de qualidade e credíveis.50

3.2.1 Desenvolvimentos Legislativos Relacionados com a Morosidade Pro-


cessual

47 Ver lições do Prof. Doutor João Pedroso, disponível em: https://www.cfjj.gov.mz/wp-content/


uploads/2019/07/Conversas-com-Prof-Dr-Joao-Pedroso-Morosidade-e-tempos-de-justi%-
C3%A7a.pdf (acedido em 21.10.2021).
48 Relatório da Ordem dos Advogados de Moçambique sobre a Situação dos Direitos Humanos em
Moçambique entre 2018 e 2019. P. 24. Disponível em: http://oam.org.mz/relatorios/Relatorio-
-sobre-Direitos-Humanos-em-Mocambique-2018-2019.pdf (acedido em 29.10.2021).
49 Nas províncias de Sofala, Tete, Inhambane, Gaza, Nampula e Zambézia.
50 Disponível em: http://www.ts.gov.mz/index.php/fr/imprensa/Notícias/492-distritos-deinharri-
me-chifunde-massingire-metarica-com-novos-tribunais-judiciais (acedido em 19.10.2020).
20 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Em Dezembro de 2020, com a entrada em vigor do novo Código do Processo Penal


(CPP), foi impulsionada a dinâmica no sentido de melhorar o movimento processual
nos processos-crimes, atacando-se as possíveis demoras na finalização dos delitos de
natureza criminal. Com efeito, o novo CPP estatui no n.º 1 do artigo 2 que “todo o ar-
guido tem o direito de ser julgado no mais curto prazo, compatível com as garantias
de defesa”. Este é um marco legislativo importante no contexto da remoção de barrei-
ras que causam morosidade processual, na medida em que reflecte o esforço e preo-
cupação do legislador moçambicano em garantir a materialização da justiça em tempo
útil. Lamentavelmente, em 2020 e 2021, à semelhança dos anos anteriores, o número
de procuradores, juízes, advogados e técnicos jurídicos situou-se abaixo51 do desejado
para satisfazer a demanda do n.º 1 do artigo 2 do novo CPP.

3.2.2 Dados Relativos ao Movimento Processual


Segundo dados do Tribunal Supremo52, em 2021 foram findos 196 173 processos, con-
tra 146 051 em 2020, registando uma variação positiva de 34%. Paralelamente, os nú-
meros representam um progresso em relação ao ano de 2019, que contou com 143 137
processos findos. A tabela 11 infra mostra avanços ao nível dos outros tribunais em
todo país.

51 Vide secção 3.1.4 referente ao tema Acesso à Justiça Versus Defesa e Assistência Jurídica.
52 Relatório anual dos tribunais judiciais de 2020. Disponível em: http://www.ts.gov.mz/images/
pdf_files/relatorios/Relatorio%20Anual%20dos%20Tribunais%20Judiciais%202020%20.pdf
(acedido em 26.10.2021).
Tabela 9. Dados relativos ao movimento processual
Pendentes Entrados Findos Transitados
Tribunais
2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021 2019 2020 2021

Tribunal Supremo 300 381 307 338 396 172 257 470 129 381 307 350

Tribunais Superiores de
5063 4901 4816 1040 1558 2548 1202 1643 2852 4901 4816 4512
Recurso

Tribunais Judiciais de
55 180 62 964 73282 63 020 57 199 60417 55 236 46 881 83470 62 964 73 282 50229
Província

Tribunais Judiciais de
96 026 100 797 97176 91 213 93 436 91978 86 442 97 057 109 722 100 797 97 176 79432
Distrito

Total 156 569 169 043 175 581 155 611 152 589 155 115 143 137 146 051 196173 169 043 175 581 134 523

Fonte: Tribunal Supremo


DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
21
22 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

A análise comparativa dos anos 2020 e 2021 mostra que em 2021 houve uma redução do nú-
mero de processos que entraram nos tribunais, na ordem de 2 313, correspondente a 1,5%. Re-
gistou-se, ainda, uma redução na ordem de 23,2% do número de processos pendentes no início
de 2021, transitados de 2020, quando comparados com o número de processos pendentes em
2020, transitados de 2019.53 Em 2021, os Tribunais de Distrito melhoraram o seu desempenho
em 13% em relação ao ano de 2020, a nível dos processos findos. Efectivamente findaram 109
722 processos em 2021, contra 97 057 em 2020. Os dados relativos aos tribunais judiciais são
apresentados na tabela 12.

Tabela 10. Dados relativos aos Tribunais Judiciais, 2019 - 2021


Indicadores 2019 2020 2021
Rácio de juiz por 100.000 habitantes 1,3 1,2 1,3
Rácio de processos findos em relação aos
92% 94% 126%
entrados
Media dos processos distribuídos por juiz 839 886 801
Média dos processos findos por juiz 385 402 475
Média dos processos pendentes por juiz 454 484 326
Tempo médio de resolução de litígios 1 Ano 1 Ano e 1 Mês 8 Meses
Taxa de resolução 46,0% 45,4% 59,3%
Taxa de congestionamento 2 Anos e 2 Meses 2 Anos e 2 Meses 1 Ano e 3 Meses
Aumento de 5,0%54 de processos findos
- 11,4% 2,0% 34,0%
em relação ao ano anterior
Fonte: Tribunal Supremo

3.2.3 Considerações sobre o Movimento Processual

Há que reconhecer avanços positivos no âmbito do movimento processual que possi-


bilitaram melhorias no campo da morosidade processual. Em particular, a reabilitação
dos tribunais a que nos referimos nas secções anteriores, contemplou uma componen-
te de modernização dos Tribunais Judiciais em 2020 através da implementação do Sis-
tema de Expediente e Informação Judicial Electrónico (SEIJE). Com efeito, o Tribunal
Supremo e 19 Tribunais Judiciais da Cidade e Província de Maputo55 beneficiaram da
introdução do SEIJE.56 No âmbito deste sistema, o processo é digitalizado, permitindo

53 Cerimónia de abertura do ano judicial 2022 – Tribunal Supremo.


54 Percentagem da meta de aumento de processos findos por ano.
55 Designadamente, o Tribunal Superior de Recurso de Maputo, o Tribunal de Polícia da Cidade de
Maputo, o Tribunal de Menores da Cidade de Maputo, o Tribunal de Trabalho da Cidade de Ma-
puto, o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo e os Tribunais Judiciais dos Distrito Municipais
de KaMpfumo, KaMaxakeni e KaMubukwana, Nhlamankulu e Tribunal Judicial da província de
Maputo e os Tribunais Judiciais dos Distritos de Matutuíne, Matola 700, Machava, Marracuene e
Manhiça
56 Relatório anual dos tribunais judiciais de 2020. Disponível em: http://www.ts.gov.mz/images/
pdf_files/relatorios/Relatorio%20Anual%20dos%20Tribunais%20Judiciais%202020%20.pdf
(acedido em 26.10.2021).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 23

maior celeridade na tramitação processual e rápida consulta do processo e obtenção de


informação ao utente sobre o estágio em que este se encontra.57
Apesar dos avanços registados, a morosidade processual foi a principal causa das quei-
xas feitas ao Provedor de Justiça no primeiro semestre de 2020. Neste contexto, o nú-
mero de queixas feitas ao Provedor no tocante à morosidade processual corresponde a
37% das queixas recebidas pelo Gabinete do Provedor entre Abril de 2019 e Março de
2020.58 Entre os exemplos concretos de morosidade na tramitação processual, cons-
tam queixas de reclusos do Estabelecimento Penitenciário de Inhambane, que tendo
cumprindo metade das respectivas penas, e apesar de preencherem outros requisitos
necessários, não beneficiaram de liberdade condicional.59 A este respeito, num arti-
go publicado pelo jornal A Carta, o advogado e defensor de direitos humanos, João
Nhampossa60 refere-se ao facto de não haver clareza na lei no que concerne à questão
da responsabilização dos magistrados que contribuem para a morosidade processual
em prejuízo do acesso à justiça. Aquele causídico avançou ainda que a lei não indica de
forma expressa e inequívoca a sanção a aplicar aos magistrados judiciais por violação
das normas sobre os prazos judiciais para a prática de certos actos pelos mesmos.

Constatação

A implementação do Sistema de Expediente e Informação Judicial Electróni-


co (SEIJE) nos tribunais assegurou a continuidade dos serviços durante a Co-
vid-19 não tendo per se resolvido o problema da morosidade processual.

Os ditames do n.º 1 do artigo 2 do novo CPC servem como alavanca para resol-
ver a problemática da morosidade processual.

Recomendações

A OAM, de forma a reduzir a morosidade processual, recomenda:

• Sensibilização dos magistrados, oficiais de justiça, advogados, técnicos ju-


rídicos do IPAJ, polícia e demais profissionais que trabalham no sector da
justiça sobre a natureza urgente das tarefas que desempenham.

• Aceleração da implementação de programas de informatização judiciária e


modernização dos serviços das secretarias judiciais.

• Investigação e aplicação de medidas administrativas necessárias e outras


que couberem para os agentes do sector da justiça que causem morosidade

57 Idem.
58 Disponível em: https://cartamz.com/index.php/economia-e-negocios/item/6391-morosidade-
-processual-lidera-queixas-ao-provedor-de-justica-em-mocambique (acedido em 22.10.2021).
59 Vide Jornal Notícias, edição de 08.07.2020.
60 Disponível em: https://cartamz.com/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/8265-institucio-
nalizacao-e-legalizacao-da-morosidade-processual-no-contexto-do-acesso-a-justica (acedido em
29.12.2021).
24 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

processual (intensificação da inspecção e controlo das actividades dos Tri-


bunais e do Ministério Público).

3.3 Prisão Preventiva e Direito à Liberdade


A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) estabelece que “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A liberdade é um direito
reconhecido na CRM, vinculando as entidades públicas e privadas e garantido pelo
Estado. Nos termos da Lei-mãe, o direito à liberdade deve ser exercido no quadro da
Constituição e das leis.61 Já o n.º 1 do artigo 64 da CRM prevê a figura da prisão preven-
tiva, uma medida excepcionalmente permitida nos casos estritamente previstos na lei
e dentro dos prazos por ela fixados.

3.3.1 Desenvolvimentos Legislativos


O Código de Execução das Penas, aprovado em finais de 2019, entrou em vigor em
Dezembro de 2020, aplicando-se a matérias sobre a execução da detenção e da pri-
são preventiva.62 Importante a reter, o Código de Execução das Penas introduz regras
claras sobre o tratamento das pessoas privadas de liberdade, incluindo aquelas que
se encontram em situação de prisão preventiva, algo que não mereceu tratamento no
quadro legislativo anterior caracterizado pela falta do Código de Execução das Penas. À
semelhança do antigo CPP, o novo CPP (2020) estabelece, no n.º 2 do artigo 234, que a
prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem manifesta e fundadamente
inadequadas ou insuficientes outras medidas de coacção. Estabelece ainda o artigo 243
do CPP que, se o juiz considerar inadequadas ou insuficientes outras medidas menos
gravosas, pode impor ao arguido a prisão preventiva.63
Entretanto, o novo CPP teve em vista alargar os prazos de prisão preventiva, um fac-
to largamente contestado pelas organizações da sociedade civil moçambicana64, que
argumentaram que a extensão de prazos de prisão preventiva gera incertezas para o
sistema de administração da justiça penal. A OAM também entendeu que o alargamen-
to dos prazos de prisão preventiva constitui um atentado ao Estado de Direito, tendo
interposto recurso ao CC para apreciar a matéria.65 Em 2020, no quadro de tamanha
pressão popular, o CPP sofreu alterações pontuais no que concerne aos prazos de pri-
são preventiva. Foi assim que o artigo 256 do CPP, na redacção introduzida pela lei

61 Vide n.º 1 do artigo 56 da CRM.


62 Vide n.º 2 do artigo 1 do Código de Execução das Penas.
63 Vide n.º 1 do artigo 243 do Código do Processo Penal.
64 Adriano Nuvunga, Director Executivo do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), afir-
mou que os prazos introduzidos pelo CPP abrem espaço para abusos. Disponível em: https://
www.dw.com/pt-002/altera%C3%A7%C3%B5es-ao-c%C3%B3digo-penal-protegem-elites-
-pol%C3%ADticas-do-pa%C3%ADs-dizem-ativistas/a-55988379 (Acedido em 21.10.2021).
65 Disponível em: https://www.opais.co.mz/oam-diz-que-ha-retrocessos-na-defesa-do-estado-de-
-direito/ (Acedido em 19.10.2021).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 25

n.º 18/2020, de 23 de Dezembro, diminuiu os prazos de duração máxima da prisão


preventiva, conforme se ilustra na tabela abaixo.66

Tabela 11. Alterações pontuais ao CCP no que respeita à prisão preventiva


Lei 18/2020, de 23 de Dezembro (introduz
Artigo 256 do CPP de 2019 (antes das alte-
alterações aos prazos de prisão preventiva
rações)
previstos no CPP aprovado em 2019)
A prisão preventiva extinguir-se-á quando,
desde o seu início, tiverem decorrido:
A prisão preventiva extinguir-se-á quando,
a) 8 meses, sem que, havendo lugar audiência
desde o seu início, tiverem decorrido:
preliminar, tenha sido proferido despacho
a) 4 meses, sem que, havendo lugar audiência
de pronúncia;
preliminar, tenha sido proferido despacho
b) 14 meses, sem que tenha havido condenação
de pronúncia;
em 1ª instância;
b) alíneas c) e d) eliminados
c) 18 meses, sem que tenha havido condenação
com trânsito em julgado.
Os prazos referidos no número 1 poderão ser Os prazos referidos no número 1 poderão ser
elevados, respectivamente, até 6, 10, 18 e 24 elevados, respectivamente, até 6 e 10 meses, em
meses, em caso de terrorismo, criminalidade caso de terrorismo, criminalidade violenta ou
violenta ou altamente organizada, ou quando se altamente organizada, ou quando se proceder
proceder por crime punível com pena de prisão por crime punível com pena de prisão de
de máximo superior a 8 anos. máximo superior a 8 anos.
Os prazos referidos no número 1 são elevados, Os prazos referidos no número 1 são elevados,
respectivamente, para 12, 16, 30 e 36 meses respectivamente, para 12 e 16 meses quando
quando o procedimento for pelas infracções o procedimento for pelas infracções descritas
descritas no número 1 e se revelar de excepcional no número 2 e se revelar de excepcional
complexidade, nomeadamente no número complexidade, nomeadamente no número
de arguidos ou de ofendidos ou pelo carácter de arguidos ou de ofendidos ou pelo carácter
altamente organizado do crime. altamente organizado do crime.
- Manteve a redacção.
No caso de o arguido ter sido condenado a
pena de prisão em 1ª instância e a sentença No caso de o arguido ter sido condenado a pena
condenatória ter sido confirmada em sede de de prisão, estando o processo em recurso, a
recurso ordinário, o prazo máximo da prisão prisão preventiva extinguir-se-á se ela tiver a
preventiva eleva-se para metade da pena que duração da pena fixada em primeira instância.
tiver sido fixada.
A prisão preventiva pode ser extinta por decisão
do juiz relator, quando, estando o processo
em recurso, a prisão preventiva tiver durado
-
por tempo correspondente à metade da pena
fixada, desde que verificados os pressupostos da
liberdade condicional.
Fonte: CPP

Em Junho de 2021, a OAM, pediu, junto do Conselho Constitucional, a declaração de


inconstitucionalidade de algumas normas constantes do actual CP, com o fundamento
na violação da CRM.67 Segundo a OAM as disposições que regulam os prazos de prisão

66 Preâmbulo da Lei 18/2020, de 23 de Dezembro.


67 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-advogados-pedem-inconsti-
tucionalidade-do-novo-c%C3%B3digo-penal/a-57114474 (acedido em 27.01.2022).
26 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

preventiva, violam princípios fundamentais do Direito Penal ao excluir/extinguir pra-


zos, em alguns casos, e não definir critérios claros de alargamento dos prazos de prisão
preventiva, noutros casos. A OAM também contestou o poder atribuído ao Serviço Na-
cional de Investigação Criminal (SERNIC) de realizar buscas e apreensões sem ordem
judicial.68

3.3.2 Prisão Preventiva, Direito à Liberdade e Organização e Capacidade


Institucional no Sector da Justiça
O internamento dos cidadãos em prisão é feito nos estabelecimentos penitenciários
(EPs), ao cargo do Serviço Nacional Penitenciário (SERNAP). Esta entidade não dispõe
de capacidade suficiente em termos de espaço para albergar a população em prisão
preventiva. Mais adiante, será abordada a problemática da superlotação nos estabele-
cimentos penitenciários e será apreciada a insuficiência de instalações penitenciárias,
recursos humanos, serviços e programas de reabilitação e reinserção social para todos
reclusos, de forma a sustentar o facto de que o recurso ao uso constante da prisão pre-
ventiva é penoso para o Estado e, fundamentalmente, para as pessoas encarceradas
preventivamente. Para já, importa destacar que, até Dezembro de 2021, o país contava
com 157 EPs, com uma capacidade instalada para internar 8 566 reclusos contra os 20
517 que estavam presos, incluindo aqueles detidos em prisão preventiva.

3.3.3 Estatísticas da População em Prisão Preventiva


Até Dezembro de 2021, o país contava com 6 272 indivíduos em prisão preventiva,
correspondente a 30,5% do total de internados69, contra 5 987 em 2020, número que
correspondia a 31,9% do total dos internados em todos EPs. Os números distribuem-se
conforme ilustrado na tabela abaixo (14).70:

68 Idem.
69 Esta percentagem foi calculada tendo em conta o total de reclusos internados em 2021.
70 Esta percentagem foi calculada tendo em conta o total de reclusos internados em 2020.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 27

Tabela 12. Dados estatísticos relativos à população em prisão preventiva em 2020-


2021
Número de preventivos
EP 2020 2021  % Variação

Provincial de Maputo 820 922 12,4%


Preventivo da Província de Maputo – Língamo 8 6 -25,0%
Especial de Máxima Segurança – Machava 68 57 -16,2%
Maputo
Especial para Mulheres – Ndlavela 12 8 -33,3%
Especial de Recuperação Juvenil – Boane 0 0 -
Preventivo da Cidade de Maputo 158 165 4,4%
Regional Sul – Mabalane 7 11 57,1%
Gaza
Provincial de Gaza 376 385 2,4%
Inhambane Provincial de Inhambane 383 312 -18,5%
Sofala Provincial de Sofala 706 751 6,4%
Regional Centro – Manica 785 629 -19,9%
Manica
Especial para Mulheres – Chissui - 14 -
Tete Provincial de Tete 617 664 7,6%
Zambézia Provincial da Zambézia 660 667 1,1%
Regional Norte – Nampula 0 0 -
Nampula
Provincial de Nampula 661 791 19,7%
Cabo Delgado Provincial de Cabo Delgado 335 501 49,6%
Niassa Provincial de Niassa 391 379 -3,1%
6
Total 5 987 4,8%
272
Fonte: SERNAP (2022)

3.3.4 Algumas Observações Sobre a Situação da Prisão Preventiva no País


O trabalho realizado pelo MP a nível do controlo penal71 permitiu constatar que, em
2020, persistiam casos de arguidos que aguardavam julgamento em processos sumá-
rios de crimes, com os prazos de prisão preventiva largamente excedidos, particular-
mente nos casos de processos que aguardam decisões de recurso. O trabalho do MP
também mostrou a morosidade na tramitação de pedidos de liberdade condicional.
Segundo a informação anual da PGR relativa ao ano de 2020, foi imposto maior rigor
no controlo dos prazos de prisão preventiva e garantia da celeridade na tramitação
dos processos em instrução preparatória, particularmente nos processos com réus em
prisão preventiva e processos relativos à liberdade condicional. A situação manteve-se
em 2021 conforme atesta a tabela 11 concernente aos prazos de prisão preventiva ex-
pirados:

71 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de


2021. p.19.
28 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Tabela 13. Comparação entre 2020 e 2021 em relação aos prazos de prisão preven-
tiva expirados
Preventivos com Instrução
Preparatória aguardando Preventivos aguardando Julgamento
Perío- Julgamento
SERNIC PGR Dentro do prazo Fora do Prazo Total
dos
Dentro Em Proc. Aguar- Em Proc. Aguar-
Fora do Dentro Fora do
do de Julga- dando de Julga- dando
Prazo do Prazo Prazo
Prazo mento Sentença mento Sentença

2021 492 162 1 358 263 2 701 478 502 316 6 272

2020 568 214 1 275 193 2 331 322 801 342 6 046

Fonte: SERNAP (2022)

Recomendações

No capo das medidas necessárias para melhorar o actual quadro de exercício


do direito à liberdade e garantir e observância dos direitos dos cidadãos presos
preventivamente, a OAM recomenda.

• Revisão do quadro normativo penal aplicável às medidas de prisão preven-


tiva no sentido de reduzir tais prazos.

• Maior celeridade na tramitação dos processos, dando prioridade aos pro-


cessos de prisão preventiva com prazos expirados.

• Uso de outras medidas alternativas à prisão preventiva nos casos de peque-


nos delitos, incluindo possibilidade de caução de liberdade condicional ou
liberdade mediante termo de identidade e residência (TIR).

3.4 Superlotação dos Estabelecimentos Penitenciários


A questão da superlotação dos estabelecimentos penitenciários é algo que já se vem re-
gistando há muito tempo, sendo um verdadeiro dilema para o Estado em geral e para o
SERNAP em particular. O problema é ainda penoso em períodos de crise sanitária e de
saúde pública, como é o caso da actual crise que se vive provocada pela Covid-19, que
impõe o distanciamento físico como uma das medidas de prevenção de transmissão
entre seres vivos. Em 2020 e 2021, dada a superlotação dos EPs foi quase impossível
atingir o distanciamento almejado.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 29

3.4.1 Desenvolvimentos Legislativos Relevantes para Conter a Superlota-


ção nos EPs
O Código de Execução das Penas e o Código Penal que entraram em vigor em Dezem-
bro de 2020, introduziram mudanças em vários aspectos da justiça penal, com impli-
cações também para os Eps, sobretudo no que concerne às penas não privativas da
liberdade72. A este respeito, algumas alterações importantes foram introduzidas pelo
novo CP aprovado em 2019 em comparação com o anterior CP (Lei n.º 35/2014, de 31
de Dezembro) de 2014. Por exemplo, no CP de 2014, o trabalho socialmente útil era
de aplicação obrigatória nos casos em que o condenado tivesse cometido um crime pu-
nível com pena superior a 2 anos até ao limite de 8 anos.73 Em contrapartida, no novo
cenário caracterizado pelo novo CP de 2019, o trabalho socialmente útil, é apenas apli-
cável se ao agente do crime for aplicada pena de prisão não superior a 3 anos.74
No novo quadro penal verificou-se uma redução da moldura penal aplicável ao agente
do crime, que pode beneficiar da pena não privativa da liberdade. Até certo ponto, esta
alteração da lei parece contrariar o princípio da liberdade como regra e prisão como ex-
cepção, visto que, no actual cenário, o agente que comete um crime punível com a pena
de 5 anos de prisão, por exemplo, deixará de poder beneficiar do trabalho socialmente
útil. No mesmo diapasão e no intuito de resolver a problemática de superlotação nos
EPs diante dos desafios impostos pela Covid-19 em 2020, o Presidente da República
prontamente, através da Lei de Amnistia e Perdão de Penas (Lei n.º 2/2020, de 6 de
Abril), autorizou a liberdade a cerca de 5 600 reclusos. Estes avanços tiveram algum
mérito na redução do efectivo de pessoas que se encontravam internadas em EPs, re-
duzindo dessa forma, o universo da população encarcerada no país.

3.4.2 Capacidade Institucional Versus Superlotação nos EPs


Conforme referido no ponto 3.3.2, até Dezembro de 2021, o país contava com 157 EPs
com uma capacidade para internar 8 998 reclusos. De acordo com os dados do SER-
NAP, no primeiro semestre de 2020 o país tinha 21 187 reclusos, número que reduziu
para 16 902 em Julho do mesmo ano face à aplicação das medidas da Lei de Amnistia
e Perdão de Penas, no âmbito de esforços para prevenção da propagação da Covid-19.75
O número da população reclusória voltou a subir para 18 752 em finais de Dezembro
de 2020. Até 31 de Dezembro de 2021 o país registou 20 517 indivíduos encarcerados.
Comparando com o ano 2020, a população reclusória aumentou em 1 765.
Do total dos indivíduos internados nos EPs em 2020, 12 765 (68,1%) estavam em cum-
primento de pena e 5 987 (31,9%) em prisão preventiva, enquanto em 2021, do total
de indivíduos internados 14 245 (69,4%) estavam em cumprimento de pena e 6 272
(30,6%) em prisão preventiva. A tabela abaixo apresenta a comparação da situação
reclusória em vários estabelecimentos penitenciários nos anos 2020 e 2021.

72 Anteriormente designadas de penas alternativas à pena de prisão no CP revogado.


73 Vide n.º 2 do artigo 89 do CP de 2014.
74 Vide n.º 1 do artigo 75 do CP de 2019.
75 Ofício do SERNAP de 30.07.2020. Ref. GDG/SERNAP/110/2020.
30 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Tabela 14. Comparação da situação reclusória 2020-2021


Província EP 2020 Total 2021 Total
Cond. Prev. Cond. Prev.
3 3
Provincial de Maputo 2 319 820 2 556 922
139 478
Preventivo da Província de Maputo
3 8 11 7 6 13
– Lingamo
Especial de Máxima Segurança –
Maputo 572 68 640 554 57 611
Machava
Especial para Mulheres – Ndlavela 87 12 99 83 8 91
Especial de Recuperação Juvenil –
103 0 103 94 0 94
Boane
Preventivo da Cidade de Maputo 53 158 211 71 165 236
Regional Sul – Mabalane 777 7 784 728 11 739
Gaza
Provincial de Gaza 614 3 76l 990 745 385 1 130
1
Inhambane Provincial de Inhambane 792 383 1 175 787 312
099
1 2
Sofala Provincial de Sofala 1 142 706 1 347 751
848 098
2 2
Regional Centro – Manica 1 775 785 2 025 629
Manica 560 654
Especial para Mulheres – Chissui - - - 42 14 56
1
Tete Provincial de Tete 419 617 486 664 1 150
036
1 1
Zambézia Provincial de Zambézia 1 082 660 1 109 677
742 786
1
Regional Norte – Nampula 1 430 0 1 741 0 1 741
430
Nampula
1 1
Provincial de Nampula 811 661 917 791
472 708
Cabo
Provincial de Cabo Delgado 362 335 815 569 501 885
Delgado
Niassa Provincial de Niassa 424 391 815 569 379 948
12 5 18 14 6 20
Total Geral
765 987 752 245 272 517
Fonte: SERNAP

Visando reforçar o quadro de pessoal existente, de uma forma que contribua para o
exercício efectivo das competências dos serviços penitenciários, iniciou-se em, 2020, a
formação a 1 032 guardas penitenciários.76 Uma vez formados, a OAM espera que estes
guardas contribuam para resolver o problema da superlotação nos EPs, cumprindo na
íntegra os ditames da lei no que tange à verificação do cumprimento de penas pelos
reclusos e encaminhamento às autoridades de processos relativos aos indivíduos que
tenham excedido os prazos de execução da pena e de prisão preventiva.

76 Idem.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 31

3.4.3 Alguns Aspectos Essenciais Sobre a Superlotação nos EPs


Apesar de ter havido, em 2020, uma tendência no sentido de reduzir a população en-
carcerada nos EPs, relativamente a igual período de 2019, quando o efectivo era de
19 784, resulta da análise dos dados expostos acima, que, no ano de 2021, houve um
aumento da população reclusória, o que atesta a existência de muitos desafios no que
respeita à capacidade dos EPs e ao efectivo de indivíduos que se encontravam encar-
cerados naqueles estabelecimentos. Desta realidade, derivaram outros desafios, como
é o caso da incapacidade do SERNAP de cuidar dos reclusos com a devida dignidade e
respeito pelos seus direitos humanos. A este propósito, a Ministra da Justiça, Assuntos
Constitucionais e Religiosos manifestou preocupação depois de ter visitado os EPs da
cidade de Nampula, onde constatou um elevado nível de superlotação, mesmo depois
do indulto que restituíra a liberdade a mais de 500 reclusos.77
O Informe Anual da PGR78 destacou que há reclusos que acabam por cumprir as suas
penas nas celas dos Comandos da Polícia por falta de transporte para a sua transferên-
cia para os EPs, com grave repercussão nos direitos dos condenados. O Informe indica
ainda que as condições de reclusão e tratamento prisional nestes locais não permitem
a devida reabilitação e reinserção das pessoas condenadas, comprometendo, assim,
os fins das penas. Entre os direitos humanos dos reclusos que foram postos em causa
devido à superlotação dos EPs no período de 2020 e 2021, apontam-se a falta de as-
sistência jurídica e judiciária depois da condenação, bem como a violação de deveres
deontológicos pelos agentes penitenciários.79 No trabalho de monitoria realizado pelo
MP aos EPs em 2020, constataram-se, ainda, desafios no que concerne à alimentação,
à assistência médica e medicamentosa, bem como às condições de higiene, o que afec-
tou sobremaneira as medidas de prevenção da pandemia e a salvaguarda dos direitos
dos indivíduos encarcerados.
Salienta-se ainda que, no âmbito da prevenção da Covid-19, houve desafios ligados
à falta de espaços para a quarentena obrigatória para novas entradas nos EPs e um
elevado número de novas entradas, colocando em risco de contaminação a popula-
ção penitenciária; dificuldades na operacionalização das penas alternativas à prisão no
tempo da Covid-19; insuficiência de recursos para desenvolver actividades que visem
a reabilitação dos reclusos; dificuldades em garantir a assistência social aos reclusos,
sobretudo num período em que as ONGs não prestaram muito apoio aos EPs devido
às restrições; entre outros.80 Segundo dados dos SERNAP, todos os EPs provinciais e

77 Vide Jornal Notícias, edição de 17.07.2020.


78 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p.20.
79 A Procuradora-geral da República, Beatriz Buchili, falou sobre esta questão no Informe Anual da
PGR à Assembleia da República (AR). Ver mais informação disponível em: https://cddmoz.org/
wp-content/uploads/2021/05/Um-olhar-critico-ao-informe-anual-da-PGR-sobre-a-situacao-da-
-legalidade-1.pdf (acedido em 27.10.2021).
80 Apresentação feita pelo então Director Geral do SERNAP, Jeremias Cumbe, no âmbito de uma
intervenção no Webinar subordinado ao tema “Um ano com a Covid-19. Lições e Desafios para a
Justiça Criminal”. Organizado pelo REFORMAR – Research for Mozambique, Março de 2021.
32 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

regionais têm um posto de saúde, com funcionários formados pelo SERNAP. No entan-
to, o desafio encontra-se a nível dos distritos, onde muitos EPs não dispõem de postos
médicos. Nestes casos, os reclusos que padeçam de alguma doença são encaminhados
para as unidades sanitárias mais próximas para receberem cuidados médicos, o que
também é difícil num contexto em que faltam ambulâncias ou viaturas apropriadas
para o seu transporte. Os referidos EPs também beneficiam de visitas de rotina feitas
por profissionais de saúde duas vezes por semana. De reter que num universo de 157
EPs, somente 31 (19,7%) têm unidades sanitárias.

Recomendações

De modo a reduzir a superlotação dos EPs, a OAM recomenda:


• Sensibilização aos juízes no sentido de aplicarem penas não privativas da
liberdade sempre que seja possível a sua aplicação.

• Fiscalização escrupulosa do cumprimento do dever de priorizar, sempre


que possível e quando a lei o permita, o uso das penas não privativas de
liberdade, incluindo revisão de processos findos.

• Implementação de programas que previnam o crime e mantenham a popu-


lação activa em actividades produtivas, reduzindo as oportunidades para
prática de actos de natureza criminal.
• Implantação de serviços de saúde nos EPs que não tenham esses serviços,
de modo a permitir a assistência regular e atempada à população carcerária
e não só.

3.5 Violência Policial


Segundo as normas constitucionais, a PRM tem o dever de garantir a lei e a ordem,
salvaguardar pessoas e bens, a tranquilidade pública, o respeito pelo Estado de Direito
Democrático e garantir a observância estrita dos direitos e liberdades fundamentais
dos cidadãos.81 À margem dos ditames constitucionais e legislação ordinária aplicável à
sua organização e funções, tem havido casos de excesso de zelo praticados pela polícia,
que se traduzem em violência contra os cidadãos. Tais situações colocam em causa os
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e violam a missão da polícia. Durante
o período em análise, registaram-se diferentes ocasiões em que a polícia demonstrou
dificuldades na sua interacção com a sociedade. O cenário foi alarmante diante da cri-
se causada pela pandemia da Covid-19, num contexto em que alguns agentes da lei e
ordem excederam no uso da força quando tentavam fazer cumprir as medidas para a
contenção da propagação do corona vírus, tendo agido de forma repressiva, resultando
em violência e violação de direitos humanos (vide secção 1.5.2 sobre fiscalização e mo-
nitoria das medidas de contenção da Covid-19).

81 Vide artigo 253 da CRM.


DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 33

3.5.1 Desenvolvimentos Legislativos


Um grande marco legislativo, no reforço da observância dos direitos dos indivíduos
que se encontrem em custódia policial, foi a entrada em vigor do, já há muito esperado,
Código de Execução das Penas (CEP), cuja aplicação se estende à fase da execução da
detenção.82 Significa dizer que, o tratamento que deve ser oferecido às pessoas que se
encontram em custódia policial, deve ser feito atendendo às disposições do CEP.

3.5.2 Capacidade da Polícia para Lidar com Violência


Entre outros aspectos, a capacidade da polícia para lidar com a violência na sua inte-
racção com o cidadão depende da formação dos agentes da lei e ordem, das medidas de
prevenção adoptadas pela polícia, bem como de um conjunto de medidas disciplinares
implementadas pela corporação, sempre que o agente da lei e ordem se envolva em
actos de violência contra o cidadão.
Com efeito, em 2020 graduaram-se mais de 3 500 agentes da lei e ordem do 40º curso
básico da PRM83, contra mais de 4 000 graduados84 em 2021 no 41o curso, ministrado
pela Escola Prática da Polícia de Matalane, localizada na província de Maputo. Estes
dados mostram que, de 2020 para 2021, houve um aumento do número de graduados,
o que poderá significar mais protecção e segurança para o cidadão indefeso e garantia
da ordem e tranquilidade pública. No âmbito da formação destes agentes, foram mi-
nistradas diversas matérias, incluindo técnicas de prevenção da violência durante as
operações dos agentes da lei e ordem. Falando por ocasião da graduação dos aludidos
agentes85, o então Ministro do Interior, Amade Miquidade, defendeu a necessidade de a
PRM ser uma corporação que prima pela idoneidade, integridade e valores patrióticos
na execução das suas tarefas. No entendimento da OAM, a idoneidade, a integridade e
os valores patrióticos que devem nortear as actividades da PRM, incluem a observância
da lei, o respeito e a salvaguarda dos direitos fundamentais do cidadão, evitando-se
atropelos, tais como acções de violência que se distanciam dos elementos que definem
um Estado de Direito Democrático.
No campo das medidas disciplinares, em 2020, um total de 326 agentes da PRM foram
expulsos da corporação por se terem envolvido em crimes, incluindo acções de uso de
força excessiva e actos de violência contra o cidadão.86 Ainda no mesmo ano, alguns
agentes que cometeram atrocidades foram punidos. Um exemplo emblemático é o caso
de quatro elementos da polícia condenados em 2020 à pena máxima de 23 e 24 anos
de prisão e dois a três anos de prisão pelo seu envolvimento, a 7 de Outubro de 2019,

82 Vide n.º 2 do artigo 1 do Código de Execução das Penas.


83 Vide Jornal Notícias, edição de 27.08.2020.
84 Disponível em: https://www.jornalnoticias.co.mz/destaque/em-matalane-pr-exige-accoes-fir-
mes-contra-raptos/l (acedido em 03.01.2022).
85 Vide Jornal Notícias, edição de 27.08.2020.
86 Dados avançados pelo comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael. Disponível em: https://
www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-mais-de-300-agentes-da-prm-foram-expulsos-em-
-2020/a-56128763 (acedido em 26.10.2021).
34 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

na cidade de Xai-Xai, província de Gaza, no assassinato de Anastácio Matavel, então


Director Executivo do Fórum das Organizações Não-governamentais de Gaza (FON-
GA).87 Lamentavelmente, não foi possível colher dados estatísticos desagregados refe-
rentes à situação da violência praticada pela polícia, bem como o número de agentes
envolvidos e as medidas (administrativas ou outras) aplicadas pela corporação, sendo
este um assunto relevante para fazer seguimento em futuros exercícios.

3.5.3 Algumas Práticas Comuns no Quadro da Violência Praticada pela Po-


lícia
Entre várias práticas que se enquadram na violência praticada pela polícia, tem sido
comum a agressão física, a detenção arbitrária e, algumas vezes, assassinatos. Embo-
ra não se tenha podido apurar a dimensão do problema incluindo dados estatísticos
sobre esta temática, vale a pena registar alguns factos relativos aos anos 2020 e 2021.
Algumas OSCs que trabalham pela promoção do Estado de Direito Democrático ma-
nifestaram inquietação pelo facto de, em 2020, terem persistido muitas denúncias de
detenções arbitrárias, incluindo detenções de pessoas por mais de 48 horas nas celas
da PRM, condução de detidos aos EPs sem terem sido ouvidos por um juiz de Instrução
Criminal, entre outros aspectos.
As vozes da sociedade civil manifestaram desagrado por, nos julgamentos, alguns
arguidos não terem sequer um defensor, tendo-se lançado um apelo ao MP para ser
mais actuante no controlo da legalidade.88 Essas constatações também foram feitas
pela PGR, que manifestou preocupação com detenções fora de flagrante delito, sem
observância dos procedimentos legais, bem como casos da inobservância do prazo de
apresentação de indivíduos presos ao juiz para o primeiro interrogatório, sobretudo
nas detenções efectuadas nas localidades e postos administrativos.89 Do exposto, é de
questionar a formação dos agentes da PRM em matérias sobre os direitos humanos e
as medidas tomadas perante essas atrocidades.

Recomendações

A materialização da missão constitucional e legal conferida à PRM urge a toma-


da dos seguintes passos:

• Reforço das medidas de prevenção da violência incluindo a implementação


de cursos de formação para os agentes da lei e ordem com matérias sobre

87 Vide Jornal Notícias, edição de 19.06 de 2020.


88 Comentário de Adriano Nuvunga, Director do Centro para Desenvolvimento e Democracia (CDD),
no contexto do informe anual da PGR, relativo ao ano de 2020, à Assembleia da República. Infor-
mação disponível em: https://cddmoz.org/wp-content/uploads/2021/05/Um-olhar-critico-ao-
-informe-anual-da-PGR-sobre-a-situacao-da-legalidade-1.pdf (acedido em 27.10.2021).
89 Informação Anual da Procuradora-Geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p.12.
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 35

direitos humanos, fundamentalmente matérias sobre a dignidade do ser


humano.
• Responsabilização disciplinar, administrativa e penal, exemplar dos agen-
tes que pratiquem actos de violência contra o cidadão.
• Refinamento dos requisitos de admissão de candidatos a agentes da PRM,
garantindo que sejam admitidas apenas pessoas, que mostrem estar com-
prometidas com a causa da defesa da lei, ordem e segurança pública, respei-
tando a dignidade do ser humano na actuação dos agentes da lei e ordem.
• Melhoria das condições materiais e financeiras dos agentes da lei e ordem.
• Provisão e disseminação, para o conhecimento público, da informação sobre
crimes de violência praticados pela polícia, incluindo os nomes dos agentes
envolvidos e medidas disciplinares aplicadas.

3.6 Execuções Sumárias


As execuções sumárias têm sido uma das maiores preocupações dos mecanismos de
defesa e protecção dos direitos humanos. Em tempos anteriores, a OAM, enquanto
entidade vocacionada para a defesa do Estado de Direito Democrático, pronunciou-se
sobre esta matéria, condenando situações de manifesta violação dos direitos humanos
no país. Para além de serem ilegais, as execuções sumárias geram medo na população
em relação aos agentes da lei e ordem.
À semelhança dos acontecimentos de anos atrás, quando organizações da sociedade ci-
vil, usaram os meios de comunicação para denunciar casos de envolvimento das auto-
ridades policiais em assassinatos de cidadãos indefesos, em Abril de 2020, um agente
da polícia afecto ao posto policial de Nanhupo (Namanhumbir), distrito de Montepuez,
disparou contra um cidadão, que em consequência perdeu a vida.90 Em 27 de Maio do
mesmo ano, duas pessoas perderam a vida às mãos da polícia, na cidade de Lichinga,
quando a polícia tentava dispersar centenas de cidadãos, que supostamente profes-
sam a religião muçulmana, quando estavam a comemorar o fim do Ramadão. A razão
apontada para o acto foi que as vítimas estavam a agir contra as medidas decretadas
no âmbito do estado de emergência, que proibiam a realização de eventos (reuniões)
com mais de 20 pessoas.91
Um outro caso, que deixou o país em choque, foi a divulgação, nas redes sociais, de
vídeos com imagens de uma mulher a ser executada por supostos agentes das Forças
Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). A este respeito, as FADM divulgaram
um comunicado qualificando o vídeo como “chocante e horripilante”.92 Inicialmente,
os militares não confirmaram, nem refutaram que os homens no vídeo eram soldados

90 Vide Jornal Notícias, edição de 11.04.2020.


91 Disponível em: https://e-global.pt/Notícias/lusofonia/mocambique/mocambique-policia-mata-
-cidadaos-por-violarem-estado-de-emergencia/ (acedido em 04.10.2021).
92 Comunicado das FADM publicado no dia 14 de Setembro de 2020.
36 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

do Governo. Mais tarde, o então Ministro do Interior, Amade Miquidade, afirmou que


o vídeo era uma tentativa deliberada de denegrir a imagem das Forças de Defesa e Se-
gurança (FDS).
A OAM também teve conhecimento da mensagem do porta-voz do Ministério da Defe-
sa de Moçambique, que se pronunciou relativamente ao assunto, dizendo que os “ter-
roristas” que operam em Cabo Delgado “fazem-se passar por membros das forças
de defesa e segurança para confundir a opinião pública nacional e internacional”.93
Apesar de várias tentativas para esclarecer o assunto, não foi possível colher a informa-
ção devido à dificuldade em obter dados relativos às execuções sumárias perpetradas
por oficiais e agentes da lei e ordem, à semelhança de tantas outras temáticas onde não
é disponibilizada informação fidedigna ao público.

Constatações

Houve dificuldades em obter informação fidedigna sobre os assuntos aqui


abordados.

Recomendações

• Maior transparência na abordagem deste assunto, incluindo informação


sobre as medidas aplicadas quando se constatam violações de direitos hu-
manos no âmbito de execuções sumárias perpetradas por agentes ao serviço
dos órgãos de defesa e segurança do país.
• Reforço da capacidade de investigação dos autores das execuções sumárias
e investigação das denúncias de prática ou suspeita de prática deste crime.
• Responsabilização exemplar e de forma transparente dos agentes dos cri-
mes de execuções sumárias e de outros males que afectam negativamente o
gozo dos direitos humanos.
• Melhoria do manuseamento de informação e disponibilização de estatísti-
cas e dados relevantes sobre os casos de execução sumária no país.

3.7 Raptos e Sequestros


Os raptos e sequestros constituem tipos legais de crimes contra a liberdade das pes-
soas, caracterizados pela intenção específica de cometer tal acção (dolo). No caso es-
pecífico do crime de rapto, segundo o CP, a vítima é privada da sua liberdade por meio
de violência, ameaça ou qualquer outra fraude, com o fim de submetê-la à extorsão,
violação, obter resgaste, recompensa, constranger o Estado, uma organização interna-
cional, uma pessoa colectiva, um agrupamento de pessoas ou uma pessoa singular.94

93 Disponível em: https://www.hrw.org/pt/news/2020/09/17/376419 (acedido em 18.10.2021).


94 Vide artigo 197 do CP de 2019 (Lei n.º 24/2019, de 24 de Dezembro).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 37

3.7.1 Desenvolvimentos Legislativos em Torno dos Crimes de Rapto e Se-


questro
O novo quadro legislativo penal aprovado em 2019, e que entrou em vigor em Dezem-
bro de 2020, introduziu alterações no que respeita à punição dos agentes do crime
de rapto e de sequestro. Com efeito, o novo CP reduziu a moldura penal aplicável aos
agentes deste crime para 16 a 20 anos de prisão95, comparando com o anterior código
(Lei n.º 35/2014, de 31 de Dezembro), que previa uma moldura de 20 a 24 anos de
prisão.96 Por seu turno, o crime de sequestro, previsto no anterior código na secção de
Crimes Contra a Organização do Estado era punido com pena de 2 a 8 anos de prisão
e multa até 1 ano.97 Entretanto, no novo código, o sequestro encontra-se previsto no
capítulo dos Crimes Contra a Liberdade das Pessoas, com uma moldura penal de 1 a 2
anos98 ou de 2 a 10 anos, verificadas as situações previstas nas alíneas do n.º 2 do artigo
198 do CP. Em suma, constatou-se uma redução no que respeita à punição dos agentes
destes tipos legais de crimes.

3.7.2 Organização e Capacidade Institucional


Em 2020, numa reunião entre o SERNIC e o MP, discutiu-se a necessidade de actuação
articulada, célere e desburocratizada das duas instituições do Estado, tendo esse aspec-
to sido levantado como uma das questões prioritárias para melhor prevenir e combater
o crime e para identificação, desarticulação, neutralização e condução dos agentes do
crime à barra do tribunal.99 Em Novembro de 2021, o Presidente da República (PR),
Filipe Nyusi, exonerou Jaime Neto do cargo de Ministro da Defesa sem adiantar deta-
lhes sobre as causas do afastamento. A decisão foi anunciada um dia após a exoneração
do Ministro do Interior, Amade Miquidade.100 Na sequência, o PR nomeou, Cristóvão
Artur Chume, para o cargo de Ministro da Defesa Nacional e Arsénia Felicidade Félix
Massingue, para o cargo de Ministro do Interior e Constantino Alberto Bacela, para o
cargo de Ministro na Presidência para Assuntos da Casa Civil.101 Analistas consideram
que a exoneração de Amade Miquidade poderá estar relacionada com a inacção no
combate aos raptos.102

95 Vide artigo 197 do CP de 2019 (Lei n.º 24/2019, de 24 de Dezembro).


96 Vide artigo 199 do CP de 2014 (Lei 35/2014, de 31 de Dezembro).
97 Vide artigo 394 do CP de 2014 (Lei n.º 35/2014, de 31 de Dezembro).
98 Vide número 1 do artigo 198 do CP de 2019 (Lei n.º 24/2019, de 24 de Dezembro).
99 VI Reunião PGR-SERNIC sob o lema “Ministério Público e SERNIC na Resposta aos Desafios
da Actualidade”. Informação disponível em: https://www.opais.co.mz/combate-ao-crime-nao-se-
-compadece-com-uma-policia-apatica-e-sem-meios/ (acedido em 26.10.2021).
100 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/presidentemo%C3%A7ambicano-exonera-minis-
tro-da-defesa/a-59782402 (acedido em 29.12.2021).
101 Disponível em: https://defesamoz.info/ordem-e-seguran%C3%A7a/f/filipe-nyusi-nomeia-novos-
-ministros (acedido em 13.01.2022).
102 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-o-que-ter%C3%A1-origina-
do-a-exonera%C3%A7%C3%A3o-do-ministro-do-interior/a-59776798 (acedido em 29.12.2021)
38 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Reconhecendo a falta de recursos materiais e humanos qualificados a nível do SERNIC


para a investigação dos vários crimes que têm assolado o país nos últimos anos, com
destaque para os sequestros, o Director-geral do SERNIC, Domingos Jofana, destacou
a necessidade de maior capacitação institucional em recursos humanos e meios ma-
teriais, técnicos e tácticos auxiliares à investigação do crime, determinação dos seus
agentes e respectiva responsabilização.103 Por seu turno, a PGR destacou um dos cons-
trangimentos na investigação dos crimes de rapto em 2020, tendo salientado que o
problema se prende com a sofisticação dos modus operandi dos criminosos, recor-
rendo ao uso de plataformas electrónicas para comunicação durante o planeamento e
execução do rapto, bem como para a cobrança de valores de resgate.
Segundo a PGR, esta tendência contrapõe-se aos procedimentos clássicos usados pelos
órgãos de investigação criminal que são pouco eficazes e extremamente demorados
para a urgência que a investigação deste tipo de crime requer.104 A PGR apontou ainda
como preocupação o facto de haver esforços por parte dos agentes do crime organiza-
do, que tudo fazem para se infiltrar nas instituições que devem combatê-los e prevenir
as suas acções, tendo reiterado a necessidade de haver um exercício interno profundo
para “identificar e expurgar os que colaboram com o crime”.105 Ainda na mesma reu-
nião, a Procuradora-Geral da República destacou a necessidade de “melhorar os crité-
rios de selecção dos candidatos a integrarem os quadros das instituições judiciárias”,
salientando que não pode prevalecer a falta de colaboração dos cidadãos na investiga-
ção de raptos, homicídios e corrupção, por falta de credibilidade das instituições que
devem repelir esses actos”.106
O PR, Filipe Nyusi, afirmou que o Governo está empenhado no “desmantelamento”
de grupos de raptores que actuam no país, para que não se fique “refém” deste tipo
de criminalidade,  tendo anunciado a possibilidade de criação de uma unidade poli-
cial anti-raptos para combater a onda de crimes que se regista nas principais cidades
moçambicanas.107 Esta unidade anti-raptos e anti-terrorismo enquadra-se no proces-
so de reestruturação das FDS, que levou à substituição dos Ministros da Defesa e do
Interior.108 Em 2021, falando na cerimónia de encerramento do 41º Curso básico de
formação de membros da PRM, o PR e Comandante e Chefe das FDS exigiu da polícia,
acções firmes e sem tréguas contra os raptos e as suas variadas formas de actuação.109

103 Idem.
104 Informação Anual da Procuradora-Geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p.41.
105 Intervenção da Digníssima Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, em 2020, no decurso
da VI Reunião PGR-SERNIC. Informação disponível em: https://www.opais.co.mz/combate-ao-
-crime-nao-se-compadece-com-uma-policia-apatica-e-sem-meios/ (acedido em 26.10.2021).
106 Disponível em: https://www.opais.co.mz/combate-ao-crime-nao-se-compadece-com-uma-poli-
cia-apatica-e-sem-meios/ (acedido em 26.10.2021).
107 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/nyusi-quer-desmantelamento-de-grupos-de-rapto-
res/a-59586896 (acedido em 29.12.2021).
108 Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/mo%C3%A7ambique-pol%C3%ADcia-cria-u-
nidade-anti-raptos-e-anti-terrorismo-ap%C3%B3s-queda-de-ministros/6310615.html (acedido
em 29.12.2021)
109 Disponível em: https://www.jornalnoticias.co.mz/destaque/em-matalane-pr-
exige-accoes-firmes-contra-raptos/ (acedido em 03.01.2022).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 39

3.7.3 Resposta das Autoridades aos Crimes de Rapto e Sequestro


Em 2018, a PGR abriu 14 processos relacionados com os raptos e sequestros, tendo
sido abertos 15 processos110 da mesma natureza em 2019. Até ao fim do primeiro se-
mestre de 2020, a polícia registou sete casos de sequestros, tendo a PGR registado
18 processos até Dezembro de 2020, contra 15 casos registados em 2019. Portanto,
o aumento foi de três processos em 2020, comparando com os números de raptos e
sequestros em 2019, o que corresponde a um aumento de 20% no número de casos. 111
Em 2021 a PGR registou 14 processos de rapto contra os já citados 18 processos em
2020. As principais vítimas do rapto e sequestro em 2020 e 2021 foram agentes econó-
micos e seus familiares. Segundo a PGR, a finalidade deste crime foi maioritariamente
extorsão de dinheiro. Em 2020, a actuação dos criminosos incidiu sobre a Cidade de
Maputo, com 7 casos, Províncias de Sofala, 5, Manica, 3, Maputo, 2, e Gaza, com 1,
sendo o perfil das vítimas o mesmo, nomeadamente empresários e seus familiares,
geralmente moradores das zonas de mais alta densidade demográfica.112 Mais recente-
mente, a PGR enfatizou haver ligação entre os grupos que praticam os crimes de raptos
em Moçambique e na vizinha República da África do Sul.113 O PR destacou ainda, em
2021, no encerramento do 41.º curso básico de formação de membros da PRM, que
os raptos concorrem para um clima de desespero, incerteza e insegurança, afectando
negativamente o ambiente de negócios e o investimento privado no país114. Segundo o
PR, este tipo de crime, acarreta, inclusive, prejuízos para o sector económico do país,
visto que, por vezes, culmina com a deslocação de investidores para outros horizontes
e a transferência de capitais para o exterior.115
Alguns casos de sequestros aconteceram de forma seguida, um depois do outro. Por
exemplo, numa publicação do Jornal O País, no dia 14 de Novembro de 2020, o Porta-
-voz do Comando da PRM confirmou o rapto de um empresário moçambicano.116 Tra-
tava-se do décimo caso do género desde o início de 2020.117 Entretanto, o caso ocorreu
em menos de uma semana após o rapto, na cidade da Matola, da portuguesa Jéssica
Pequeno, de 27 anos, filha do casal proprietário do restaurante Burako da Velha, na
Cidade da Matola. Em Outubro de 2020, a OAM teve conhecimento de uma manifesta-
ção contra a onda de raptos protagonizada por um grupo de empresários na cidade da

110 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/sequestros-tornam-se-mais-sofisticados-em-mo%-


C3%A7ambique/a-54255591 (acedido em 26.10.2021).
111 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p. 39.
112 Idem.
113 Informação Anual da Procuradora-geral da República à Assembleia da República 2020. Abril de
2021. p. 39.
114 Disponível em: https://www.jornalnoticias.co.mz/destaque/em-matalane-pr-exige-accoes-fir-
mes-contra-raptos/ (acedido em 03.01.2021).
115 Idem.
116 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/empres%C3%A1rio-mo%C3%A7ambicano-seques-
trado-em-maputo/a-55602499 (acedido em 26.10.2021).
117 Idem.
40 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Beira, província de Sofala.118 Os acontecimentos indicavam que a questão estava fora do


controle das autoridades, o que é deveras preocupante.
A situação de raptos em 2021 não foi diferente, tendo o SERNIC informado em confe-
rência de imprensa que deteve um agente da Polícia e outros dois indivíduos indiciados
de envolvimento no rapto de um motorista de transporte de longo curso, que viajava de
Maputo para a cidade da Beira.119 Em Agosto de 2021, o SERNIC anunciou igualmente
a expulsão de 11 agentes que cometeram várias irregularidades e delitos criminais, com
destaque para raptos, roubo e associação para delinquir. O CDD entende que o envol-
vimento de agentes do SERNIC em crimes de rapto é um problema que vem sendo de-
nunciado há anos pela imprensa. Por isso, a sociedade esperava mais do que a simples
expulsão dos agentes envolvidos. Deixar em liberdade e impune quem durante anos
praticou crimes hediondos, prejudicando não só a economia das vítimas como de todo
um país não resolve o problema.120
Em 2021, a PGR notou com grande preocupação o envolvimento de agentes do SER-
NIC, PRM, advogados e outros actores do judiciário em casos de raptos.121 O envolvi-
mento dos agentes da PRM e do SERNIC já tinha sido reportado pelo então Ministro
do Interior, Amade Miquidade, que reiterou, na altura, que a PRM continuaria intole-
rante ao envolvimento dos seus em actividades ilícitas e criminosas.122 Passam pouco
mais de 10 anos desde que o fenómeno dos raptos de empresários começou, em 2012.
A polícia tem vindo a encorajar as vítimas para denunciarem os criminosos. No entan-
to, para a CNDH, o medo dos empresários de denunciarem os raptores, resulta da falta
de confiança nas instituições que deviam zelar pela sua segurança.123

Constatações

Os raptos e sequestros continuam a ser um desafio para as autoridades e para


os cidadãos, num contexto em que estes crimes assumem contornos de difícil
investigação.

118 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/empres%C3%A1rio-mo%C3%A7ambicano-seques-


trado-em-maputo/a-55602499 (acedido em 26.10.2021).
119 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-agentes-de-autoridade-en-
volvidos-em-raptos-e-extors%C3%A3o/a-59126188 (acedido em 29.12.2021).
120 Disponível em: https://cddmoz.org/wp-content/uploads/2021/08/Agentes-expulsos-do-SER-
NIC-por-envolvimento-em-raptos-devem-ser-responsabilizados-criminalmente.pdf (acedido em
29.12.2021).
121 PGR. Informação Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República, 2021, p.
37.
122 Disponível em: https://defesamoz.info/ordem-e-seguran%C3%A7a/f/amade-miquidade-reitera-
-m%C3%A3o-dura-aos-agentes-envolvidos-em-crimes (acedido em 13.01.2022).
123 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-comiss%C3%A3o-nacional-
-dos-direitos-humanos-quer-evitar-coniv%C3%AAncia-das-fds-com-raptos/a-54637314 (acedido
em 27.10.2021).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 41

É preocupante o envolvimento dos agentes do SERNIC e da PRM, que pela


natureza das suas funções, deviam estar envolvidos no combate a esses crimes.

É igualmente preocupante a ligação transfronteiriça deste tipo legal de crime.

Recomendações

Para uma maior actuação e combate aos raptos e sequestros, recomenda-se:

• Responsabilização criminalmente exemplar dos agentes que se envolvam


em práticas de crimes de sequestro e rapto.
• Maior articulação entre PGR, SERNIC, Tribunais e OAM no combate aos
raptos e sequestros.
• Envolvimento de outras instituições relacionadas (bancos, operadoras de
telefonia móvel e serviços migratórios), que podem servir como alavancas
do crime.
• Alocação de recursos materiais adequados para a realização de determina-
das perícias, relativas à investigação, em particular investir em tecnologias
de informação para as instituições que trabalham no sistema da justiça.
• Refinamento e aprimoramento dos critérios de selecção de candidatos aos
serviços de investigação criminal.
• Capacitação dos agentes (recursos humanos) na área de investigação crimi-
nal.
• Desenvolvimento de acções e programas de sensibilização da comunidade
sobre os raptos e sequestro, contemplando informações sobre os mecanis-
mos de denúncia e os meios de defesa das pessoas que denunciarem crimes
desta natureza.
• Reforço da colaboração internacional, entre Moçambique e outros países,
em matéria de prevenção e combate aos raptos.

3.8 Direito de Acesso à Informação e Liberdade de Imprensa


O acesso à informação, à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa são direitos
que constituem a base de sociedades democráticas. Enquanto o acesso à informação
permite ao cidadão actualizar-se sobre o sistema de governação e das políticas públi-
cas, a liberdade de expressão possibilita a participação do cidadão, manifestando as
suas opiniões para a construção da nação, e a liberdade de imprensa constitui o veículo
através do qual o cidadão se informa sobre os acontecimentos do quotidiano. É, por-
tanto, notório, que estes direitos são de extrema importância. Tal como é o caso dos
outros direitos abordados neste relatório, o direito de acesso à informação é protegido
42 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

pela Constituição.124 A Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro (Lei do Direito à Informa-


ção) e o seu Regulamento (Decreto no. 35/2015, de 31 de Dezembro) regulam os termos
de gozo e efectivação deste direito. Entretanto, existem várias outras leis que, de forma
directa ou indirecta, tratam de questões relacionadas com o direito de acesso à infor-
mação, à liberdade de imprensa e de opinião.

3.8.1 Desenvolvimentos Legislativos


A entrada em vigor do CP em Dezembro de 2020 teve impacto no quadro legislativo
regulador de alguns direitos abordados neste relatório. Com efeito, a liberdade de im-
prensa foi abrangida na nova roupagem legislativa introduzida pelo novo CP. O novo
quadro regulamentar introduzido pelo novo Código Penal, suscitou diversas reacções
no público em geral, que considera que o novo quadro legal afectará negativamente
a liberdade de imprensa.125 Em meios jornalísticos, chegou a afirmar-se que, não ha-
vendo atenção, poder-se-á usar estes dispositivos do CP para prejudicar a actividade
dos profissionais da comunicação social.126 A este respeito, o que foi posto em causa é
a norma do artigo 252 do CP, que prevê e pune a devassa da vida privada. Para alguns
profissionais dos meios de comunicação, a interpretação deste dispositivo pode gerar
situações de abuso e excessos das autoridades, ferindo o trabalho dos profissionais
abrangidos.

Num marco importante, o Provedor da Justiça, requereu ao CC a declaração de incons-


titucionalidade do n.º 1 do artigo 4 da Lei 12/79, de 12 de Dezembro (Lei do Segredo
Estatal), por contrariar as normas contidas nos números 1 e 6 do artigo 48 e n.º 3 do
artigo 56, ambos da CRM. Entre os fundamentos, o Provedor da Justiça alegou que
as restrições ao direito à informação não devem estar consagradas em conceitos inde-
terminados e ininteligíveis, conforme faz a norma contida no n.º 1 do artigo 4 da Lei
sobre o Segredo Estatal. O Provedor da Justiça alegou, ainda, que a norma em causa
também está em contradição com o artigo 11 da Lei do Direito à Informação que esta-
belece o princípio da proibição de excepções ilimitadas. Em resposta ao requerimento
do Provedor da Justiça. O CC deliberou, a 30 de Março de 2020, através do Acórdão
5/CC/2020, de 30 de Março, não declarar inconstitucional o n.º 1 do artigo 4 da Lei
12/79, de 12 de Dezembro, argumentando que “na ordem jurídica moçambicana, o se-
gredo do Estado constitui uma autorização de restrição legal ao direito à informação e
é um dos meios de garantir a contenção de acesso ou divulgação de matérias que não

124 Vide Capítulo II do Título III da Constituição da República de Moçambique.


125 O novo Código Penal criminaliza a gravação, registo, utilização, divulgação de conversa, comunica-
ção telefónica, imagem, fotografia, vídeo, áudio e mensagens de correio electrónico, de rede social
ou de outra plataforma de transmissão de dados de terceiros, sem autorização
126 Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/novo-c%C3%B3digo-penal-mo%C3%A7am-
bicano-pode-condicionar-liberdade-de-imprensa-avisam-analistas/5222554.html (acedido em
22.10.2021).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 43

devem ser de domínio público”.127 Pese embora o CC não ter dado provimento ao pedi-
do do Provedor no que toca à declaração de inconstitucionalidade daquela norma, o CC
reconhece que a Lei sobre o Segredo do Estado deve ser revista de modo a adequá-la ao
espírito e valor do Estado de Direito Democrático que Moçambique abraçou.
De referir que já passam 30 anos desde a aprovação da Lei da Imprensa em 1991 e a
mesma ainda continua em vigor. De salientar também que o processo de revisão da
norma em causa apenas teve o seu início em 2006. Entretanto, até 2020, o processo
ainda estava em curso e longe de terminar.128 Na mesma linha, o debate da Lei da Rádio
e Televisão129 teve o seu início em 2008, tendo sido aprovada pelo Governo e submetida
à apreciação da AR apenas em Dezembro de 2020, deixando um vazio em certas maté-
rias que precisam de adequação à nova realidade, as quais continuam a ser reguladas
com a antiga Lei da Rádio e Televisão.130
Em Março de 2021, as propostas de novas leis da comunicação social e de radiodifu-
são foram debatidas pela primeira vez na AR. Organizações da sociedade civil como o
MISA (Instituto para a Comunicação Social da África Austral) Moçambique e o EISA
(Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável em África) expressaram grande
preocupação durante a audiência pública de que estas leis pudessem criminalizar os
jornalistas, por um lado, mas também restringir a liberdade de expressão e de impren-
sa, por outro lado.131 Essas organizações defendem que, com a proibição da retransmis-
são de conteúdos políticos, os moçambicanos ficariam privados de muitas fontes de
informação sobre acontecimentos no país, em África e no mundo.132

3.8.2 Direitos de Acesso à Informação, Liberdade de Imprensa e de Opi-


nião
Durante os anos 2020 e 2021, e em diversas ocasiões, os meios de comunicação
e relatórios da sociedade civil revelaram que o direito à informação e à liberdade

127 Vide Acórdão n.º 5/CC/2020, de 30 de Março.


128 Segundo o Misa Moçambique, a revisão da Lei de Imprensa torna-se pertinen-
te devido à necessidade de adequá-la aos novos desafios do sector da comunicação so-
cial, particularmente face às novas plataformas tecnológicas, incluindo a informação digital.
Disponível em: https://www.misa.org.mz/index.php/destaques/Notícias/118-posicionamento-
-do-misa-por-ocasiao-dos-30-anos-da-lei-de-imprensa (acedido em 20.10.2021).
129 Disponível em: https://cartamz.com/index.php/sociedade/item/6421-leis-da-comunicacao-so-
cial-e-radiodifusao-vao-ao-parlamento (acedido em 23.11.2021).
130 A 7 de Dezembro de 2020, num encontro com o Presidente da República, os membros do Conselho
Superior de Comunicação (CSCS), pediram a adequação da proposta de Lei da Rádio e Televisão,
no sentido de garantir que esta respeite as idades e outras formas de conveniência, com enfoque
para um código de conduta que possa aumentar a confiança pública na Televisão e Rádio. Dispo-
nível em: https://www.presidencia.gov.mz/por/Actualidade/PR-recebe-em-audiencia-membros-
-do-CSCS (Acedido em 20.10.2021).
131 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/comunicado-de-imprensa-da-dw-liberdade-de-im-
prensa-sob-press%C3%A3o-em-mo%C3%A7ambique/a-56963444 (acedido em 13.01.2022).
132 Idem.
44 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

de imprensa em Moçambique, enfrentaram barreiras para a sua efectivação. Por


exemplo, num dos seus relatórios publicados em 2020, o Centro para Democracia e
Desenvolvimento (CDD), apontou como barreira, a falta de abertura das autoridades
para discutir o exercício da democracia e o acesso à informação de forma isenta. Segundo
o mesmo relatório, as autoridades públicas mantiveram a tendência de perpetuar a
cultura do secretismo e de denegação infundada de informação de interesse público.133
Segundo o Centro de Estudos Sociais de Coimbra, Moçambique é um dos países da
África Austral onde a repressão e intimidação de figuras críticas ao regime governativo
mais se notabiliza, apesar da CRM e a legislação específica garantirem a liberdade de
associação, de manifestação, de expressão, de imprensa e o direito à informação.134

Em termos comparativos, de 2019 para 2020, segundo o MISA, houve um aumento


significativo de casos de violação do direito à liberdade de imprensa e de expressão
em todo país, tendo-se registado cerca de 20 casos em 2019, contra 32 reportados em
2020.135 Por outro lado, no ano 2021, o MISA registou um total de 23 casos de violações
da liberdade de imprensa, menos 10 casos comparativamente ao ano 2020.136 Entre
os casos de violação do direito de acesso à informação e liberdade de opinião e de
imprensa, aponta-se o desaparecimento, no dia 7 de Abril de 2020, de Ibraimo Abu
Mbaruco, jornalista e locutor da Rádio Comunitária de Palma. Consta que Mbaruco
desapareceu em circunstâncias estranhas. Entretanto, segundo alguns relatos, antes do
seu desaparecimento, Ibraimo Mbaruco enviou uma mensagem (SMS) do seu telefone
a um colega de trabalho informando que estava cercado por militares.137 Até à presente
data nada se sabe sobre o seu paradeiro físico e as autoridades nunca se pronunciaram
a respeito.

No primeiro semestre de 2020, a PGR instaurou um processo-crime contra os jorna-


listas Fernando Veloso e Matias Guente, respectivamente Director e Editor Executivo
do jornal Canal de Moçambique, alegadamente por prática do crime de violação do
segredo de Estado. O Canal de Moçambique foi processado pelo facto de ter publicado,
na edição de 11 de Março de 2020, uma reportagem sobre a existência de um acordo/
contrato confidencial assinado no dia 28 de Fevereiro de 2019, entre os Ministérios da

133 Relatório do Centro para Democracia e Desenvolvimento, sobre os Direitos Humanos e dos Defen-
sores dos Direitos Humanos, referente ao primeiro semestre de 2020. Disponível em: https://Cdd-
moz.Org/Wp-Content/Uploads/2020/09/relat%c3%93rio-de-direitos-humanos-e-dos-defenso-
res-dos-direitos-humanos-referente-ao-primeiro-semestre-de-2020-em-MO%C3%87AMBIQUE.
pdf (acedido em 17.102021).
134 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/liberdade-de-express%C3%A3o-em-mo%-
C3%A7ambique/t-55318437 (acedido em 06.01.2022).
135 Disponível em: http://misa.org.mz/documentos/relatorio-sobre-o-estado-das-liberdades-de-im-
prensa-e-de-expressao-em-2019-2020.pdf (acedido em 26.10.2021).
136 “MISA (2022). Relatório sobre o estado da liberdade de imprensa e de expressão em Moçambi-
que - 2021. Maputo: MISA-Moçambique”.
137 Disponível em: https://www.misa.org.mz/index.php/destaques/Notícias/77-relatorio-sobre-
-o-desaparecimento-do-jornalista-ibraimo-abu-mbaruco-em-palma-cabo-delgado (acedido em
20.20.2021).
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 45

Defesa Nacional e do Interior e as empresas petrolíferas Anadarko (agora Total) e Eni


(agora Mozambique Rovuma Venture – MRV), envolvidas na exploração de gás natu-
ral na bacia do Rovuma, em Cabo Delgado.138 No dia 14 de Abril de 2020, Hizdine Achá,
jornalista da Soico TV (Stv), baseado em Pemba, foi detido e levado à esquadra por
membros da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) e do Grupo de Operações Especiais
(GOE), onde foi mantido por algumas horas, ameaçado e obrigado a apagar do seu te-
lemóvel as imagens que tinha registado sobre violência policial contra civis no bairro
Paquitequete, na cidade Pemba, capital da Província de Cabo Delgado, no âmbito do
seu trabalho jornalístico e de cidadania democrática.139
O jornalista Omardine Omar, do jornal digital Carta de Moçambique, foi detido no dia
25 de Junho de 2020, por agentes da PRM, alegadamente por desobediência às medi-
das impostas pelo estado de emergência, tendo ficado três dias em detenção. Omardine
Omar, da Carta de Moçambique, relatou à Deutsche Welle (DW) a detenção “ilegal” e
violenta a que foi submetido quando estava a exercer funções de jornalista. No dia 23
de Agosto de 2020, houve um ataque às instalações do jornal Canal de Moçambique.
Indivíduos desconhecidos invadiram e atearam fogo às instalações onde funciona o
jornal.
O relatório semestral de actividades do MISA de 2020 faz referência a 14 casos de vio-
lação de liberdade de imprensa e de expressão durante o período em análise. Segundo
o MISA, a maioria dessas violações foram perpetradas por agentes da PRM através de
ameaças, agressão física e detenções arbitrárias. O cenário não foi muito diferente em
2021, tal como ilustraram alguns exemplos reportados pelos meios de comunicação.
No dia 09 de Setembro de 2021, uma notícia da DW, deu conta de 7 jornalistas que
foram vítimas de agressões e detenção policial em Nampula durante uma manifestação
em pleno exercício profissional.140
Em Junho de 2021, o MISA-Moçambique emitiu um comunicado141, denunciando que
têm sido emitidas declarações (escritas e verbais) por parte de entidades públicas, so-
bretudo ligadas ao sector da Defesa e Segurança, que assumem um carácter de amea-
ças veladas contra jornalistas. O MISA argumentou que tais declarações surgiram num

138 Relatório do Centro para Democracia e Desenvolvimento, sobre os Direitos Humanos e dos Defen-
sores dos Direitos Humanos, referente ao primeiro semestre de 2020. Disponível em: https://cdd-
moz.org/wp-content/uploads/2020/09/Relat%C3%93rio-de-Direitos-Humanos-e-dos-Defenso-
res-dos-Direitos-Humanos-Referente-ao-Primeiro-Semestre-De-2020-em-Mo%C3%87ambique.
Pdf (acedido em 18.20.2021).
139 Relatório do Centro para Democracia e Desenvolvimento, sobre os Direitos Humanos e dos De-
fensores dos Direitos Humanos, referente ao primeiro semestre de 2020. Disponível em: https://
cddmoz.org/wp-content/uploads/2020/09/RELAT%C3%93RIO-DE-DIREITOS-HUMANOS-E-
-DOS-DEFENSORES-DOS-DIREITOS-HUMANOS-REFERENTE-AO-PRIMEIRO-SEMESTRE-
-DE-2020-EM-MO%C3%87AMBIQUE.pdf (acedido em 18.20.2021).
140 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/nampula-jornalistas-v%C3%ADtimas-de-viol%-
C3%AAncia-policial-durante-manifesta%C3%A7%C3%A3o/a-59134786 (acedido em 06.01.2022).
141 https://www.dw.com/pt-002/amea%C3%A7as-veladas-das-autoridades-contra-imprensa-preo-
cupam-o-misa/a-57888319 (acedido em 06.01.2022).
46 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

contexto em que foram registadas acções visando limitar o trabalho dos jornalistas em
Cabo Delgado, numa manifesta violação a todos os princípios da liberdade de impren-
sa. Estes são apenas alguns dos vários exemplos de violações de direitos humanos em
2020 e 2021. É importante destacar que, ainda que tivesse sido registado apenas um
único caso, na óptica da OAM, esta situação consubstancia violação grave da Constitui-
ção, das normas internas e internacionais reconhecidas pelo país.

Constatações

Do acima exposto constatou-se que o país tende a regredir, nos últimos anos,
no que se refere ao acesso à informação, devido ao incremento evidente de ca-
sos de hostilização dos profissionais de comunicação social, o que limita o livre
exercício da liberdade de imprensa e de opinião.
A hostilização dos profissionais da comunicação social é uma afronta ao direito
dos cidadãos de serem livremente informados.

Recomendações

• Adopção de medidas legislativas que ofereçam maior protecção aos jorna-


listas no exercício de suas actividades.

• Maior compromisso com a transparência por parte do Governo através de


um maior engajamento e colaboração com a sociedade civil, assim como
com profissionais de comunicação social, o que implica melhorar o relacio-
namento e respeitar o papel da imprensa na sociedade.

• Incentivo ao jornalismo local e independente, de modo a facilitar o acesso à


informação por parte da população que não tem acesso aos vários meios de
informação digital.

• Combate à perseguição aos profissionais de comunicação social, investigan-


do a aplicação de sanções aos prevaricadores, que põem em causa o com-
promisso do Estado em relação ao direito de liberdade de imprensa, liber-
dade de opinião e acesso à informação.

3.9 A Lei das Associações e a Situação da Associação LAMBDA


A liberdade de associação é um direito constitucional (artigo 52). Este direito é regu-
lado pela Lei 8/91, de 18 de Julho que estabelece um conjunto de normas relativas
ao direito de livre associação. Apesar de existir um quadro regulador, o cidadão nem
sempre goza da livre associação. Com efeito, em Janeiro de 2008, um grupo de cida-
dãos, de nacionalidade moçambicana, em pleno gozo dos seus direitos, submeteu à
Conservatória de Registo de Entidades Legais, a documentação exigida por lei para a
constituição de uma associação, a que designaram LAMBDA, associação moçambicana
de defesa das minorias sexuais, nomeadamente, lésbicas, gays, bissexuais e transe-
DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS 47

xuais. O pedido de registo da associação não surtiu efeito. De seguida, o aludido grupo
de cidadãos submeteu várias exposições e requerimentos ao Ministério da Justiça, As-
suntos Constitucionais e Religiosos solicitando a apreciação da situação sem ter obtido
qualquer resposta.
A questão do registo da LAMBDA continua a ser um ponto para reflexão. É de lembrar
que, em 2016, a OAM interpôs (a favor da LAMBDA) junto do Tribunal Administrati-
vo da Cidade de Maputo uma acção para o reconhecimento de um direito e interesse
legalmente protegido contra o Estado moçambicano, através do Ministério da Justiça,
Assuntos Constitucionais e Religiosos. A reposta foi dada em Agosto de 2021, no sen-
tido de indeferir o pedido feito pela OAM por falta de preenchimento de pressupostos
legais, absorvendo o réu da instância.142 No cômputo geral, ainda há espaço para explo-
rar a matéria recorrendo ao Conselho Constitucional para se pronunciar sobre ques-
tões com dignidade constitucional, em particular, a violação do direito a liberdade de
associação causada pela recusa do registo da LAMBDA.
Pensamos que a questão do registo da LAMBDA é associada ao quadro regulador do
direito de livre associação em Moçambique. No relatório de 2019, a OAM143 deu conta
de que a Lei n.º 8/91, de 18 de Junho, Lei das Associações, estava desajustada, por
considerar o associativismo como única forma de organização colectiva dos cidadãos, o
que, no seu entender, restringe o âmbito de aplicação do conceito de organização social
previsto no artigo 78 da CRM.
Sobre o assunto, é de recordar que o CC, através do Acórdão n.º 7/CC/2017 declarou
inconstitucional a cláusula na Lei das Associações evocada pelo Ministério da Justiça,
Assuntos Constitucionais e Religiosos para inviabilizar o registo dessa associação. Em
2018, o Relator Especial associou-se a esses apelos, considerando injustificada a recusa
das autoridades de legalizar a LAMBDA e instou à implementação das observações e
recomendações do Comité de Direitos Humanos em 2013 atinentes à sua legalização.
A Lei do Trabalho144 é um dos poucos instrumentos normativos que aborda de forma
explicita a questão da orientação sexual. Já a CRM não é explícita sobre essa matéria,
embora preveja a igualdade independentemente da “cor, raça, sexo, origem étnica,
lugar de nascimento, religião” (artigo 35). De salientar ainda que as especificidades
da população LGBT são tratadas de forma implícita e por vezes explícita nas políticas
e estratégicas públicas sobre a educação, saúde, família e assistência social. Se no pla-
no legal a situação a situação da LAMBDA não tem conhecido progressos, no plano
prático ela desenvolve as suas actividades participando em vários fóruns nacionais e
internacionais.

142 Ofício n.º 729/TACM-560/2021. Em 2021, através do acórdão n.º 61/TACM/ 2021, o Tribunal Ad-
ministrativo da Cidade de Maputo (TACM) indeferiu o pedido formulado pela OAM, no âmbito do
Processo n.º 133/2016 - CA, Acção para o reconhecimento de Direitos legalmente protegidos que
a Ordem dos Advogados de Moçambique, em representação da Lambda, intentou contra o Estado
Moçambicano, através do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos.
143 OAM, 2020
144 Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto.
48 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

Recomendações

• Respeitar os ditames da Constituição relativos ao direito de livre associação


sem discriminação de orientação sexual.
• Reforma e actualização da Lei das Associações visando a protecção de todas
as formas de associativismo, de uma forma que não ponha em causa dos
direitos fundamentais.
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 49

4. DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS


A CRM reconhece, no seu capítulo V, os direitos económicos, sociais e culturais que,
entre outros, incluem o direito à saúde, à educação e ao trabalho. Apesar do vasto leque
de direitos económicos, sociais e culturais reconhecidos na Constituição, são apenas
abordados apenas os direitos mencionados anteriormente no presente documento,
dada a sua importância no contexto moçambicano.

4.1 Direito à Saúde


O acesso à saúde é um direito fundamental, consagrado no artigo 89 da CRM, o qual
determina que “todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e sanitária, nos
termos da lei, bem como o dever de promover e defender a saúde pública”.145 Um
dos objectivos do Governo da República de Moçambique na área da saúde, para além
da expansão dos serviços é a provisão de serviços de qualidade visando a melhoria
da qualidade de vida e bem-estar da população. Apesar dos progressos registados, os
anos 2020 e 2021 foram excepcionalmente desafiadores para as autoridades sanitárias
nacionais, que se viram na contingência de reorganizar os serviços com o objectivo de
reduzir ao mínimo possível o risco de disseminação da Covid-2019 no país, o impacto
negativo da pandemia na saúde da população, bem assim na economia. A nível sani-
tário foi desencadeada a reorganização dos serviços de saúde, que consistiu na altera-
ção do fluxo de atendimento, mas garantindo sempre a assistência regular a todos os
pacientes e utentes dos serviços com observância das medidas de prevenção do novo
coronavírus, nomeadamente, o uso obrigatório e correcto da máscara pelos doente e
acompanhantes; observância da etiqueta da tosse; cumprimento do distanciamento
físico mínimo de 1,5 metros e desinfecção das mãos.
As medidas sanitárias incluíram ainda a suspensão de todas as cirurgias electivas; a
continuidade das consultas e o acesso aos medicamentos por parte de doentes cróni-
cos; a continuidade rotineira das consultas pré-natais e de mulheres para orientações
de planeamento familiar; consultas pediátricas e vacinação de crianças. Foi igualmente
assegurado o fluxo normal de pacientes e acompanhantes por terem sido estabelecidos
fluxos separados para os doentes com Covid-19 e os restantes, pelo que ficou reduzido
o risco de disseminação da Covid-19 nas unidades sanitárias.

4.1.1 Rede Sanitária


A pandemia da Covid-19 associada aos eventos climáticos extremos e aos ataques ar-
mados violentos no norte do país, especialmente na província de Cabo Delgado, com-
prometeram a realização de alguns objectivos do Governo para o sector da saúde em
2020 e 2021, como a vacinação de grupos prioritários, um aspecto que será retomado
ao longo do relatório. Mesmo diante desse contexto de crise, a rede sanitária cresceu
em 4,5% entre 2019 e 2021, passando de 1 674 unidades sanitárias em 2019 para 1

145 Moçambique. Constituição, 2004. Constituição da República de Moçambique. Maputo: Assem-


bleia da República, 2004.
50 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

750 em 2021. A maior parte dessas novas unidades sanitárias foram construídas nas
províncias de Zambézia (11), Nampula (11), Sofala (11) e Tete (10). Contrariando essa
tendência, a Província de Cabo Delgado viu reduzida a sua capacidade de oferta dos
serviços de saúde em 55,4%, devido ao efeito do ciclone Keneth, situação agravada pe-
los ataques dos insurgentes, que num universo de 131 unidades sanitárias, destruíram
de 77, das quais 10 ficaram totalmente destruídas; 29 parcialmente destruídas e as
restantes 39 vandalizadas. A destruição destas infra-estruturas de saúde em Cabo Del-
gado também teve impacto nos distritos não afectados pelos ataques que viram crescer
bruscamente a demanda pelos serviços devido à chegada massiva de deslocados pro-
venientes de Mocímboa da Praia, Palma, Muidumbe, Nangade, Macomia, Quissanga,
Meluco, Ibo e Mueda, distritos alvos de ataques pelos insurgentes.146
A já mencionada expansão da rede sanitária do país não teve grande impacto no rácio
habitantes/ unidade sanitária, que continua elevado, estando neste momento estimado
em 17 290 habitantes/ unidade sanitária, ainda acima do rácio recomendado pela OMS
(10 000 habitantes/ unidade sanitária). Por conseguinte, o Governo deverá continuar
a apostar na expansão da rede sanitária para que mais moçambicanos tenham acesso
aos serviços de saúde.147

4.1.2 A Crise da Pandemia da Covid-19


Os anos 2020 e 2021 foram marcados pela emergência e disseminação da pandemia
global da Covid-19, cujos efeitos ainda se fazem sentir. Com o primeiro caso da doença
a ser notificado em Dezembro de 2019, em Wuhan, Província de Hubei, na República
Popular da China, o vírus espalhou-se, rapidamente para diversas cidades chinesas e
no final do primeiro semestre de 2020 mais de 190 países em todos os continentes ha-
viam sido atingidos pela doença. A rápida disseminação do vírus levou a Organização
Mundial da Saúde (OMS) a declarar, a 11 de Março do mesmo ano, a Covid-19 como
pandemia, apelando a esforços e colaboração global para travar a sua disseminação.148
O número cumulativo de infectados por Covid-19 no mundo triplicou entre Dezembro
2020 e Dezembro de 2021; passando de 83,1 milhões para 286,9 milhões. Igual com-
portamento registou o número de óbitos por Covid-19, que passou de 1,8 milhões em
2020 para 5,4 milhões em 2021. Os dados mostram que no mesmo período o número
de pessoas recuperadas quadruplicou, passando de 58,9 milhões em 2020 para 253,3
milhões em 2021.149 Moçambique notificou o seu primeiro caso de Covid-19 a 22 de

146 ADIN – Agência de Desenvolvimento do Norte. 2021. Plano de Reconstrução de Cabo Delgado Das
Zonas Afectadas pelo Terrorismo (2021-2024). Disponível em: https://adin.gov.mz/wp-content/
uploads/2021/11/PRCD-Plano-de-Reconstrucao-de-Cabo-Delgado.pdf (acedido em 22.03.22).
147 MISAU. Boletim Estatístico Mensal de Saúde Dezembro 2020/21. Disponível em: https://www.
misau.gov.mz/index.php/anuarios-estatistico (acedido em 30.01.2022)
148 Idem.
149 MISAU. 2020 (a). Coronavírus (Covid-19). Boletim diário n.º 289. Actualizado a 31 de Dezembro
de 2020. & MISAU (b). 2021. Coronavírus (Covid-19). Boletim diário n.º 656. Actualizado a 31 de
Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.misau.gov.mz/index.php/covid-19-boletins-dia-
rios. (acedido em 07.03.2021).
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 51

Março de 2020. Os primeiros meses da pandemia foram marcados por níveis muito
baixos de infecção por Covid-19 comparativamente aos países vizinhos, mas a situação
alterou-se a partir de Janeiro de 2021, altura em que o país registou um aumento ex-
ponencial de contaminações e de óbitos por Covid-19 (vide tabela 3).150

Tabela 15. Dados sobre a Covid-19 em Moçambique, 2020 e 2021


31 de Dezembro de
Descrição 31 de Dezembro de 2021 Variação (%)
2020
Casos positivos 18 642 189 080 914,3%
Óbitos 166 2 006 1 108,4%
Recuperados 16 663 156 570 839,6%
Fonte: MISAU. 2020. Coronavírus (Covid-19). Boletim diário n.º 289. Actualizado a 31 de Dezembro de 2020. &
MISAU. 2021. Coronavírus (Covid-19). Boletim diário n.º 656. Actualizado a 31 de Dezembro de 2021.

O surgimento de novas variantes mais transmissíveis do vírus, nomeadamente a va-


riante Delta em 2020, associado à alta mobilidade de pessoas, aglomerações de pes-
soas e ao incumprimento das medidas sanitárias de prevenção da Covid-19 pela po-
pulação durante a quadra festiva, nomeadamente o Natal e o Final do Ano, pode ter
contribuído para o aumento exponencial do número de infecções pela doença em tão
pouco tempo.151

4.1.3 Resposta Governamental à Crise da Covid-19


A grave situação gerada pela pandemia da Covid-19 no mundo e na região, especial-
mente na África do Sul, que fazia antever um futuro sombrio levou o Chefe de Estado
a declarar o estado de emergência, embora o país tivesse apenas 8 casos oficialmente
conhecidos de infecção pela Covid-19. O referido estado de emergência foi declarado
através do Decreto Presidencial n.º 11/2020, de 30 de Março, ratificado pela Assem-
bleia da República através da lei n.º 1/2020, de 31 de Março. O mesmo foi depois pror-
rogado por três ocasiões, segundo o limite máximo fixado por lei (artigo 292 da CRM).
Os pressupostos que justificaram a declaração do estado de emergência em Março de
2020 e as sucessivas prorrogações mantiveram-se inalterados até Agosto do mesmo
ano, com sinais claros de agravamento nos meses subsequentes. Naquela altura o país
já contava com mais de 2 000 infectados e 15 óbitos, pelo que se impunha a manuten-
ção das medidas restritivas. Contudo, segundo alguns especialistas, esse desiderato
esbarrava nos limites impostos pela Constituição (artigo 292 da CRM). Apesar disso,
o Chefe de Estado declarou o estado de emergência pela quarta ocasião (Decreto Pre-
sidencial n.º 23/2020, de 5 de Agosto), situação essa que foi posteriormente ratificada
pela Lei n.º 9/2020, de 7 de Agosto. Essa declaração ocorreu sete dias após o término

150 Idem.
151 Idem.
52 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

da última prorrogação, após aval da Assembleia da República, através da Resolução n.º


72/2020, de 5 de Agosto.
A declaração do estado de emergência pela quarta vez gerou debates entre especialistas
que questionavam a sua legalidade. Se para uns não estavam em causa os pressupostos
que ditaram a declaração do estado de emergência pela quarta ocasião, mas a
observância da lei, mormente, o artigo 292 da CRM que estabelece que “o tempo
de duração do estado de sítio ou de emergência não pode ultrapassar os trinta
dias, sendo prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que
determinaram a sua declaração”, para outros, a referida declaração era justificada
em razão da situação de calamidade pública. A aprovação do Decreto n.º 79/2020, de
4 de Setembro do Conselho de Ministros, pôs fim ao estado de emergência, passando
a vigorar o estado de calamidade pública aprovado através da Lei n.º 10/2020, de 24
de Agosto, que estabelece o regime jurídico de gestão e redução do risco de desastres,
que também prevê a declaração da situação de calamidade pública. Devido à gravidade
da situação da pandemia da Covid-19, o estado de calamidade pública (artigo 290, n.º
1 e n.º 2 da CRM) foi sucessivamente renovado, com os necessários ajustamentos das
medidas para responder à dinâmica da pandemia. À data de conclusão da elaboração
do presente relatório o estado de calamidade ainda se encontrava em vigor.

A CRM estabelece, no artigo 298, que “no termo do estado de sítio ou de emergên-
cia, o Presidente da República faz uma comunicação à Assembleia da República com
a informação detalhada sobre as medidas tomadas e a relação nominal dos cida-
dãos atingidos”. Com efeito, o Chefe de Estado indicou a Ministra da Justiça, Assuntos
Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, para proceder à apresentação do relatório
dos 120 dias da implementação do estado emergência à Assembleia da República. Este
acto ocorreu no dia 3 de Agosto de 2020. O referido relatório foi “chumbado” pelos
partidos da oposição, nomeadamente a RENAMO e o MDM, com o argumento de que
o mesmo era omisso sobre a aplicação dos cerca de 68,2 mil milhões de meticais an-
gariados pelo Governo junto dos parceiros de cooperação para fazer face à crise da
pandemia. Contestou-se ainda a não apresentação da lista de empresas contratadas
para a provisão de bens e serviços emergenciais no contexto da pandemia, bem como
a ausência de uma lista nominal dos cidadãos atingidos pelo estado de emergência.152
A sociedade civil, por sua vez, criticou o relatório por omissões em matérias relaciona-
das com a gestão dos mesmo fundos, bem como sobre a omissão de informação sobre
os montantes canalizados para o apoio às empresas e às famílias para fazerem face à
crise.153 Já a bancada da FRELIMO no Parlamento aprovou o relatório do PR alegando
que o mesmo era preciso a nível do seu conteúdo e que as medidas tomadas, segundo

152 https://cddmoz.org/wp-content/uploads/2020/08/Oposi%C3%A7%C3%A3o-lan%C3%A7a-du-
ras-cr%C3%ADticas-ao-relat%C3%B3rio-de-Filipe-Nyusi-e-Frelimo-fala-de-%E2%80%9Cde-
cis%C3%B5es-s%C3%A1bias%E2%80%9D-.pdf (acedido em 07.03.2021).
153 https://www.rfi.fr/pt/mo%C3%A7ambique/20200805-mo%C3%A7ambique-oposi%C3%A7%-
C3%A3o-critica-relat%C3%B3rio-sobre-fim-estado-de-emerg%C3%AAncia (acedido em
07.03.2021).
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 53

o relatório, eram “equilibradas e proporcionais”, considerando, por isso, que os ob-


jectivos do estado da emergência teriam sido cumpridos, pese embora a limitação dos
direitos fundamentais dos cidadãos.154
Durante o estado de emergência, o Governo decidiu aplicar o regime excepcional (ajus-
te directo) na aquisição de bens e contratação de serviços essenciais para responder à
crise da pandemia da Covid-19, tendo essa decisão sido criticada por diversos sectores
da sociedade. Neste contexto, para o Centro de Integridade Pública (CIP), o ajuste di-
recto é uma modalidade problemática, não apenas por não garantir a transparência no
processo de contratação, mas também por propiciar esquemas de corrupção e tráfico
de influência nos processos de adjudicação. Acresce ainda, segundo a mesma organi-
zação, a vulnerabilidade a riscos de sobrefacturação dos preços na aquisição de bens e
serviços por falta de uma base de comparação.155 Por sua vez, o Fórum de Monitoria do
Orçamento (FMO) alertou para o risco do uso abusivo dessa modalidade na aquisição
de bens e serviços e contratação de serviços adversos/estranhos às necessidades de
combate à pandemia. Segundo o FMO, esta modalidade acarreta também altos riscos
de corrupção no processo de aquisições públicas, para além de ser bastante onero-
so aos cofres do Estado devido à sobrefacturação dos preços. Para além das questões
levantadas pela sociedade civil, a PGR detectou a falta de apresentação de garantias
bancárias, como uma das condições de aceitabilidade das propostas apresentadas pe-
las empresas contratadas. A PGR constatou ainda uma tendência de fraccionamento
dos valores dos contratos por parte dos gestores públicos, com vista a furtarem-se à
fiscalização do Ministério Público (MP) e outros órgãos fiscalizadores da Administra-
ção Pública, nomeadamente, o Tribunal Administrativo (TA) e a Inspecção Geral das
Finanças (IGF).156

Constatações

As medidas administrativas e sanitárias para contenção da disseminação da


pandemia da Covid-19 materializadas, em parte, através do recolher obrigató-
rio, determinaram a limitação e restrição de alguns direitos, liberdades e ga-
rantias fundamentais dos cidadãos. Entretanto, enquanto excepcionais, essas
medidas visavam proteger a vida e a saúde pública, tendo, igualmente, como
base a protecção dos interesses económicos do país, pelo que a sua aplicação se
mostrou necessária enquanto durou a calamidade pública.
As situações excepcionais, decorrentes do cumprimento das medidas de estado
de emergência ou de calamidade pública, exigiram uma resposta rápida do Es-
tado na provisão de bens e serviços de emergência para proteger e salvar vidas
em perigo. Tal resposta rápida exigiu uma maior flexibilização na aquisição de

154 Idem.
155 https://cipmoz.org/wp-content/uploads/2020/08/Regime-excepcional-1.pdf (acedido em
07.03.2021).
156 Procuradoria-Geral da República. 2021. Informação Anual do Procurador-Geral da República à
Assembleia da República.
54 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

bens e contratação de serviços, tendo o Governo optado pelo ajuste directo,


dentre as demais opções previstas no Decreto n.º 5/2016, de 8 de Março. Os
perigos desta prática foram apontados e incluem a corrupção nas adjudicações,
a falta de transparência nos processos de contratação, a sobrefacturação dos
preços, o tráfico de influências, entre outros.

Recomendações

• Contando que o estado de calamidade pública e os desafios a ele associados


prevalecem para além do período de elaboração deste relatório há necessi-
dade de maior envolvimento do Tribunal Administrativo, Ministério Públi-
co e outros órgãos do Sistema de Administração da Justiça na fiscalização
do cumprimento da legalidade pelos órgãos de poder público que lançam
mão ao ajuste directo como modalidade de contratação de bens e serviços
durante a vigência do estado de calamidade pública.

Recomenda-se ainda:

• Avaliação do grau de cumprimento da legalidade dos processos de aquisi-


ção de bens e contratação de serviços pelos Estado, em particular processos
ligados ao estado de emergência e de calamidade causado pela Covid-19.
• Responsabilização criminal dos agentes e funcionários do Estado envolvi-
dos em actos de corrupção (tráfico de influências), sobrefacturação e outras
formas de violação das leis de contratações públicas, incluindo actos de uso
indevido/ abusivo de fundos públicos para finalidades alheias à emergência
ou calamidade pública.
• Realização de auditorias periódicas e frequentes às instituições públicas
que adquirirem bens e contratarem serviços com fundos de emergência da
Covid-19.
• Identificação e responsabilização criminal dos possíveis desvios de conduta,
pelos agentes envolvidos nos processos de contratações públicas no âmbito
da Covid-19.

4.1.4 Vacinação Contra a Covid-19


Várias vacinas foram desenvolvidas para fazer face à Covid-19. Num quadro geral mui-
tas delas se candidataram para os ensaios clínicos. Num processo iniciado em meados
de 2020, e que decorreu até Novembro, pelo menos 15 vacinas foram aprovadas pelas
autoridades reguladoras nacionais dos países produtores (China, Reino Unido157, Esta-

157 O Reino Unido foi o primeiro país ocidental a administrar a vacina contra a Covid-19, a 8 de De-
zembro de 2020, após o qual se seguiram outros países.
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 55

dos Unidos, Índia e Rússia).158 Com efeito, os países ocidentais iniciaram o processo de
vacinação nas primeiras semanas do mês de Dezembro de 2020. Moçambique lançou o
seu Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19 a 5 de Agosto159 de 2021, dias após a
recepção das primeiras doses de vacina. O plano previa a imunização de 17 milhões de
moçambicanos. Os profissionais de saúde, os idosos, as FDS, os doentes crónicos com
comorbidades e os professores primários foram definidos como os grupos prioritários
para a primeira fase de imunização. Outros grupos prioritários foram integrados à me-
dida que novos lotes da vacina chegaram ao país.160
A administração da vacina começou no dia 8 de Março de 2021. Até finais de 2021 um
total de 8 991 420 pessoas foram imunizadas. Deste número, 6 488 993 foram comple-
tamente imunizadas contra a Covid-19, com 1 ou 2 doses, conforme o tipo de vacina. As
províncias de Nampula (2 278 855) e Zambézia (1 216 230) destacaram-se por regista-
rem o maior número de pessoas imunizadas, enquanto Niassa (503 585), Inhambane
(507 943) e Gaza (501 540) registaram o menor número de imunizados.161 No âmbito
dos acordos bilaterais, Moçambique recebeu 1 704 400 doses de vacinas contra a Co-
vid-19 da Índia, China, Portugal, França e dos Estados Unidos da América. Um total
de 315 empresas adquiriu 500 000 doses vacinas contra a Covid-19, das quais 361 000
foram usadas para vacinar os seus colaboradores e 139 mil foram doadas ao Ministério
da Saúde (MISAU).162

Tabela 16. Número de pessoas vacinadas contra a Covid-19 em Moçambique em 2021


Imunização contra a Covid-19 no país em 2021
N.º total N.º de pessoas
Província de pessoas Peso (%)  completamente Peso (%) 
imunizadas imunizadas
Niassa 503 585 5,6% 428 196 6,6%
Cabo Delgado 763 426 8,5% 611 918 9,4%
Nampula 2 278 855 25,3% 1 628 571 25,1%
Zambézia 1 216 230 13,5% 923 677 14,2%
Tete 581 421 6,5% 488 044 7,7%
Manica 769 557 8,6% 497 091 7,7%
Sofala 527 444 5,9% 307 023 4,7%

158 Shrotri, Swinnen, Kampmann, Parker (2021). An interactive website tracking COVID-19 vaccine
development. Lancet Global Health; 9(5): e590-e592. Actualizado em 07 Março de 2022. (acedido
em 25.03.2022).
159 As primeiras 384 000 doses da vacina AstraZeneca, parte de um total de 2 064 000 doses que o
país receberia no âmbito da COVAX, uma iniciativa cujo objectivo é garantir que todas as pessoas
tenham acesso à vacina contra a Covid-19, independentemente da sua condição social chegaram no
dia 5 de Agosto.
160 Disponível em: https://www.afro.who.int/pt/news/chefe-de-estado-lanca-campanha-nacional-
-de-vacinacao-em-massa-contra-covid-19-no-ambito-dos (acedido em 25.03.2022).
161 MISAU. 2021. Boletim Estatístico Mensal de Saúde Dezembro 2021. Disponível em: https://www.
misau.gov.mz/ (acedido em 16.05.2022).
162 Disponível em: https://www.rfi.fr/pt/mo%C3%A7ambique/20210630-setor-privado-mo%-
C3%A7ambicano-compra-500-mil-vacinas-contra-covid-19 (acedido em 25.03.2022).
56 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

Imunização contra a Covid-19 no país em 2021


N.º total N.º de pessoas
Província de pessoas Peso (%)  completamente Peso (%) 
imunizadas imunizadas
Inhambane 507 943 5,6% 411 204 6,3%
Gaza 501 540 5,6% 375 036 5,8%
M a p u t o
754 686 8,4% 474 075 7,3%
Província
Maputo Cidade 586 733 6,5% 344 158 5,3%
Total 8 991 420   6 488 993  
Fonte: MISAU, 2021

Constatação

No contexto moçambicano, ao nível do sistema da saúde pública não foi pos-


sível constatar um plano de vacinação e respectiva estratégica logística com-
plementar, que permitisse definir novos grupos prioritários e/ou alvo para a
vacinação à medida que novos lotes da vacina cheguem ao país. Preocupa ainda
o facto de não haver informação concreta sobre os planos do Governo a médio
e longo prazo sobre os caminhos a seguir na obtenção de vacinas contra a Co-
vid-19 e a sua distribuição pelo país, não obstante a existência de dados estatís-
ticos que indicam a redução do número de infecções.

Recomendações
• Definição de planos para a aquisição de novos lotes de vacinas a médio e
longo prazo, o que inclui o investimento, bem como o uso e exploração de
recursos locais (universidades, centros de pesquisa e laboratórios médicos)
na investigação e desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19.

4.1.5 Fiscalização e Monitoria das Medidas de Contenção da Covid-19


O surgimento das variantes Delta e Ómicron, esta última altamente transmissível, ele-
vou os níveis alerta sobre a gravidade da situação da pandemia. Em resposta, o Go-
verno reforçou as medidas, visando conter a disseminação do vírus e, com isso, evitar
uma crise sanitária e económica, tendo adoptado o isolamento social como a principal
medida de combate à pandemia, embora nalguns contextos tenha havido desacato das
medidas. O desacato traduziu-se na realização de festas e outros eventos clandestinos,
realização de eventos sociais com número de participantes acima do estabelecido nas
normas regulamentares sobre a Covid-19, falta de uso ou uso incorrecto de máscaras
em locais com aglomeração de pessoas. Segundo alguns registos houve inobservân-
cia do distanciamento social, venda de bebidas alcoólicas em estabelecidos comerciais
sem permissão para o efeito (barracas e mercearias), incumprimento dos horários de
encerramento dos estabelecimentos comerciais, venda de produtos nas bermas de es-
tradas sem a observância das medidas de prevenção, transformação de residências em
locais de venda e consumo clandestino de bebidas alcoólicas, bem como a abertura
clandestina de bares e discotecas para efeitos de diversão.
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 57

Com efeito, o Instituto Nacional das Actividades Económicas (INAE), a PGR, a PRM e
a Polícia Municipal nas cidades e vilas autárquicas estiveram de alerta para fiscalizar o
cumprimento dos decretos presidenciais de estado de emergência. De um modo geral,
as acções de fiscalização culminaram com a responsabilização administrativa e crimi-
nal dos infractores por desobediência, um crime previsto e punido pelo artigo 353 do
Código Penal.163 A responsabilização administrativa consistiu na cobrança de multas,
cancelamento de licenças de exercício da actividade e, nos casos mais graves, no encer-
ramento de estabelecimentos. Já a responsabilização criminal consistiu na investiga-
ção, instauração e julgamento de processos-crime. Em 2020, foram instaurados 2 896
processos por desobediência em todo o país, destacando-se Nampula (856), Maputo
(784) e Gaza (302), como as províncias que registaram o maior número de processos
instaurados.164 Do total de processos instaurados foram jugados 2 845, tendo resultado
na condenação de 1 439 pessoas a pena de prisão efectiva; 844 viram as penas conver-
tidas em multa; 81 tiveram as penas substituídas por trabalhos comunitários; 46 penas
suspensas; 410 indivíduos foram absolvidos; e, ainda durante a elaboração do presen-
te, 37 aguardavam julgamento.
Em 2021 houve menos processos investigados e poucos casos instaurados e julgados
atendendo à redução do número de infecções e consequente relaxamento das medidas
de contenção das medidas de propagação da Covid-19. Outrossim, segundo a PGR,
em 2020, as acções de fiscalização do cumprimento dos decretos presidenciais, foram,
nalguns casos, marcadas por actuações abusivas e excessivas das autoridades, sobretu-
do dos agentes da PRM e Polícias Municipais cujas intervenções se traduziram no uso
excessivo da força, agressões físicas, execuções de cidadãos, apreensão de crianças e de
menores, apreensão ilegal de bens da população e detenções ilegais, em que os detidos
eram transportados de forma inapropriada nas viaturas policiais e aglomeradas nas
esquadras da polícia sem observância das medidas de distanciamento social, colocan-
do as mesmas em risco de serem infectadas pela Covid-19. Contra os referidos agentes
foram instaurados processos disciplinares e criminais.165 A imprensa e as organizações
da sociedade prestaram um grande serviço público ao denunciar a actuação dos refe-
ridos agentes. Das diversas acções desastrosas da polícia destacam-se a apreensão de
menores e acções que resultaram na morte de dois cidadãos entre os meses de Abril e
Junho de 2020, a saber:

1. No dia 18 de Junho de 2020 a polícia reteve, numa esquadra em Manica,


28 crianças com idades entre 8 e 16 anos, encontradas em lugares públicos,
por alegadamente terem violado o estado de emergência166 (artigo 48 do
Código Penal).

163 Vide número 1 e 2 do artigo 353 do Código Penal.


164 PGR, 2021, p. 33.
165 PGR, 2021, p. 33.
166 https://www.voaportugues.com/a/covid-19-pol%C3%ADcia-ret%C3%A9m-28-crian%C3%A7as-
-por-violar-estado-de-emerg%C3%AAncia-em-manica/5468165.html.
58 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

2. No dia 27 de Maio de 2020, duas pessoas perderam a vida às mãos da polícia


em Lichinga, Província de Niassa, numa tentativa de dispersão de centenas
de muçulmanos que comemoravam o fim do Ramadão, o que configurava
uma violação flagrante das disposições do estado de emergência que proibia
reuniões ou aglomerações com mais de 20 pessoas167 (artigo 160 do Código
Penal).

3. No dia 22 de Abril de 2020, um homem de 44 anos perdeu a vida às mãos


da polícia, na Beira, Província de Sofala. Esse cidadão foi agredido quando
tentava filmar a actuação da polícia que, com recurso a força, tentava dis-
persar um grupo de menores que se encontrava a jogar à bola em tempo de
pandemia. Esse acto configurava uma violação das disposições do estado de
emergência, que proibia a realização de jogos recreativos. Depois das agres-
sões, o referido cidadão foi transportado numa viatura policial para uma
esquadra, onde permaneceu sem assistência médica durante quatro horas,
perdendo a vida a caminho do hospital, horas mais tarde168 (artigos 160 e
200 do Código Penal).

Em 2021, comparativamente ao ano 2020, registaram-se melhorias, com menos casos


e abusos ou excessos reportados. Se, por um lado, o progresso da situação se deveu ao
relaxamento das medidas devido à redução do número de casos de infecção, por outro
as várias acções de monitoria tiveram um papel preponderante. A esse respeito, é de
salientar o papel da OAM que atendeu a mais de 50 casos de detenções devido às me-
didas impostas no âmbito da Covid-19.169

Constatações

Primeiramente, a progressiva variação do vírus causador da Covid-19 (com as


variantes Delta e Ómicron) levou ao reforço das medidas visando a sua conten-
ção (limitação de liberdades e direitos fundamentais). Nalguns momentos tais
medidas foram desacatadas, dando azo à aplicação de medidas administrativas
e criminais visando conter a situação. Notou-se, em alguns casos, o uso abusivo
e excessivo da força (detenções ilegais, uso excessivo da força, agressões físicas,
entre outras) por parte das autoridades.

167 Disponível em. https://e-global.pt/Notícias/lusofonia/mocambique/mocambique-policia-mata-


-cidadaospor-violarem-estado-de-emergencia/.
168 Disponível em: http://opais.sapo.mz/policia-espanca-cidadao-ate-a-morte-na-beira.
169 Disponível em https://drive.google.com/file/d/1qEev3gFQv2gB8mKOr0K1WGqKeMH4KlRn/
view?usp=sharing (acedido em 11.05.2022).
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 59

Recomendações

• Num contexto de perigo à saúde pública, em vez de uso excessivo/abusivo


da força, recomenda-se campanhas de sensibilização e educação do cida-
dão no sentido de o fazer compreender os riscos associados à propagação
da Covid-19.
• As autoridades de inspecção (Inspectores do INAE, PRM, Polícia Munici-
pal) devem ser proactivas no sentido de evitar a actuação abusiva e despro-
porcional dos agentes que fiscalizam o cumprimento das normas.

4.1.6 Consultas Externas e de Saúde Materno-infantil no Contexto da Co-


vid-19
O sector da saúde foi, porventura, dos mais pressionados no período de pandemia, não
apenas pela necessidade de assegurar o normal funcionamento e oferta de serviços de
saúde, mas também pela necessidade de assegurar o tratamento dos doentes com Co-
vid-19, assim como evitar transformar as unidades sanitárias em focos de transmissão
da doença para o pessoal e os utentes dos serviços.170 Prevendo uma retracção na pro-
cura pelos serviços de saúde devido à Covid-19, o Ministério da Saúde (MISAU) infor-
mou a sociedade sobre a continuidade da prestação dos serviços em todas as unidades
sanitárias, assegurando não haver risco de contaminação por Covid-19, uma vez que
o atendimento dos pacientes de Covid-19 estaria separado do atendimento aos outros
pacientes.

Durante a pandemia, os partos institucionais, as consultas pré-natais e consultas pós-


-parto mantiveram a tendência de crescimento conforme registado nos últimos anos.
Porém, o mesmo não aconteceu com as consultas externas, que sofreram uma redução
na ordem dos 23,7% em 2020, e 11,7% em 2021. As consultas de saúde materno-infan-
til (SMI) também reduziram em 4,5% em 2020. Todavia, este indicador cresceu 14,4%
em 2021.171

170 Disponível em: https://covid19.ins.gov.mz/familias/servicos-de-saude/ (acedido em 15.02.2022)


171 Disponível em: https://cipmoz.org/wp-content/uploads/2020/08/si%CC%81ndrome-respira-
to%CC%81ria.pdf (acedido em 08.12.2020)
60 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

Tabela 17. Evolução das consultas externas e de SMI, 2019-2020


Variação Variação
Tipo de consulta 2019 2020 2021 (%) 2019- (%) 2020-
2020 2021
Partos institucionais 1 118 480 1 150 089 1 233 817 2,8% 7,3%

Consulta pré-natal 1 691 630 1 722 401 1 895 836 1,8% 10,1%

Consulta pós-parto 1 251 651 1 270 754 1 365 057 1,5% 7,4%

Consultas externas 45 848 396 34 978 873 30 896 678 -23,7% -11,7%

Saúde materno-infantil (SMI) 21 712 955 20 743 409 23 730 535 -4,5% 14,4%

Fonte: INE, 2020; MISAU, 2020

Foi notória a redução da procura em alguns serviços de saúde. Essa redução pode estar
relacionada com a restrição da circulação de pessoas em cumprimento das medidas
administrativas e sanitárias de contenção da Covid-19. A redução da procura dos serviços
também poderá estar relacionada com a percepção de que as unidades sanitárias eram
um foco de disseminação da Covid-19. Seria importante que as autoridades sanitárias
trabalhassem no sentido para reverter esse quadro de percepções, pois no curto ou
médio prazo havia risco de muitas pessoas com doença crónica interromperem o
tratamento, o que poderia dar origem a variantes mais resistentes ao tratamento e à
falência, dando azo a um outro problema de saúde pública.

4.1.7 Mortalidade Materna Intra-Hospitalar


A mortalidade materna intra-hospitalar é um dos indicadores cruciais para aferir o
nível de mortalidade materna. Ela é também usada como indicador para aferir o nível
de acesso ao direito da mulher e da criança aos cuidados primários de saúde. Por seu
turno, a taxa de mortalidade materna expressa o número de óbitos em mulheres por
causas maternas em cada 100 mil nados vivos durante a gravidez, durante o parto ou
dentro de 42 dias após o término da gravidez, independentemente da duração e do lo-
cal da gravidez, num ano. Apesar da pandemia, o rácio de mortalidade materna intra-
-hospitalar reduziu de 732 mortes/100 mil habitantes em 2020 para 673 mortes/100
mil habitantes em 2021.172 Os dados da tabela abaixo mostram a variação da mortalida-
de materna intra-hospitalar entre os anos 2019 e 2021.

172 MISAU. 2021. Anuário Estatístico de Saúde 2020.


DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 61

Tabela 18. Rácio de mortalidade materna intra-hospitalar por província, 2019-2020


2019 2020 2021
Província Mortes Nados Mortes Nados Mortes Nados
Rácio Rácio Rácio
maternas vivos maternas vivos maternas vivos
Niassa 119 91 778 132 81 93 041 111 67 99 483 60
Cabo
66 87 604 87 46 88 375 58 25 95 593 26
Delgado
Nampula 190 235 133 84 200 235 602 96 150 256 952 58
Zambézia 67 196 794 43 60 215 217 40 63 242 514 26
Tete 64 110 572 66 58 117 531 54 58 120 806 48
Manica 31 95 916 45 38 93 189 44 51 97 573 52
Sofala 134 89 394 151 98 91 983 110 81 100 707 80
Inham-
48 61 368 93 53 61 663 95 37 64 803 57
bane
Gaza 54 61 014 111 41 60 468 73 64 58 311 110
Província
de 22 45 134 55 15 48 989 45 24 51 455 47
Maputo
Cidade
66 36 331 204 42 36 451 151 53 36 401 146
de Maputo
1 224
Total 861 1 111 038 86 732 1 142 509 75 673 55
598
Fonte: SISMA- DIS/DPC/MISAU * Rácio por 100 000 Nados Vivos, 2020

Lamentavelmente, a pesquisa não conseguiu obter mais dados relativos ao atendimen-


to da mulher e criança nas unidades sanitárias, em particular, não foi possível obter
dados sobre reclamações de mau atendimento, formação e qualificação dos profissio-
nais da saúde ou outras questões que põem em causa o gozo do direito humano à saúde
da mulher e criança nas unidades sanitárias.

Constatações

Do exposto resulta que o Governo continuou a expandir a rede sanitária através


da construção de unidades sanitárias, alocação de recursos materiais e técnicos
necessários para o seu funcionamento. Porém, ainda persistem desafios nessa
área. No que tange ao gozo do direito da saúde pela mulher e criança, a mor-
talidade materna continua a ser um problema de saúde pública no país, onde
ainda se registam elevadas taxas de mortes maternas relacionadas com a baixa
cobertura de serviços de saúde primária.

Recomendações

• Continuar a expandir a rede sanitária, incluindo a alocação de recursos ma-


teriais, equipamentos e técnicos, como tem vindo a acontecer nos últimos
anos.
• Divulgação de informação relativa às reclamações dos pacientes e acompa-
nhantes.
62 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

4.1.8 Dados sobre a Imunização de Crianças


De um modo geral, a procura pelos serviços de vacinação para crianças registou uma
redução em 2020, facto que poderá estar relacionado com o período do pico da pan-
demia que resultou na redução da mobilidade de pessoas e, por conseguinte, da pro-
cura pelos serviços. Essa tendência de redução da procura pelos serviços alterou-se
em 2021, especialmente no que toca às vacinas contra o sarampo (VAS) (0-11 meses)
e BCG (0-11 meses). Essa redução representa um retrocesso nos esforços do Governo
na imunização de rotina das crianças, que, durante o período da pandemia, se torna-
ram-se mais vulneráveis a doenças, que poderiam ser prevenidas com a vacinação.
Cabo Delgado é dos casos mais preocupantes, na medida em que os ataques terroristas
não causaram somente o deslocamento de parte da população, como também contri-
buíram para a destruição parcial da rede sanitária, tendo comprometido a vacinação
das crianças. Com efeito, como consequência do terrorismo, a taxa de cobertura do
Programa Alargado de Vacinação (PAV) em Cabo Delgado reduziu de 100,0% em 2019
para 59,0% em 2020, situação que pode ter-se agravado no primeiro semestre de 2021
devido à intensificação dos ataques, que levaram à saída massiva das populações dos
distritos mais afectados.173

Tabela 19. População vacinada segundo o tipo de vacina (2019-2020)


Variação Variação
População segundo o tipo de vacina 2019 2020 2021 (%) 2019- (%) 2020-
2020 2021
1 166
Vacina do Sarampo (VAS), (0-11 meses) 1 160 134 1 114 118 -4,0% 4,5%
541
1 364
Vacina BCG (0-11 meses) 1 307 993 1 300 058 -0,6% 4,7%
237
1 001
Crianças completamente vacinadas (0-11 meses) 1 050 790 1 043 101 -0,7% -4,2%
471
1 080
Difteria, tosse convulsa e tétano (DPT 1+HB) 1 260 442 1 226 913 -2,7% -13,5%
823

Vacina DPT3 /Hep B (0-11 Meses) 3ª. Dose 1 179 936 1 133 859 961 487 -3,9% -17,9%

Fonte: INE, 2020; MISAU, 2020

Constatações

Os anos 2020 e 2021 foram marcados por uma tendente redução na presta-
ção de serviços de imunização de crianças devido à Covid-19 (sarampo, difte-
ria, tosse convulsa, tétano, entre outras). Diante de vários desafios, o Governo
preocupou-se em manter a prestação desses serviços em vários quadrantes do
país, tendo registado maiores dificuldades nas zonas afectadas pelos ataques
armados.

173 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-programa-alargado-de-vaci-


na%C3%A7%C3%A3o-recuou-41-em-cabo-delgado/a-57768087 (acedido em 28.03.2022)
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 63

4.1.9 Acesso ao TARV para Pessoas que Vivem com HIV


Segundo dados do MISAU, em Moçambique cerca de 2,1 milhões de pessoas vivem com
HIV.174 O país registou progressos na expansão do tratamento anti-retroviral (TARV)
nos últimos anos. O número de adultos em TARV passou de 1 243 020 em 2019 para
1 646 924 em 2021. Já em 2019 havia 112 282 mulheres em TARV contra 107 533
em 2020. Este número subiu para 113 787 em 2021. O número de crianças em TARV
também sofreu variações tendo reduzido de 95 080 em 2019 para 83 082 em 2020 e
aumentado para 101 831 em 2021.175

Tabela 20. Adultos, mulheres grávidas e crianças (0-14 anos) activos em TARV, 2019-
2020

Doentes activos em Variação (%) Variação (%)


2019 2020 2021
TARV 2019-2020 2020-2021

Adultos (H/M) 1 243 020 1 319 820 1 646 924 6,2% 24,8%
Mulheres grávidas em
112 282 107 533 113 787 -4,2% 5,8%
PTV
Crianças 95 080 83 082 101 831 -12,6% 22,6%
Fonte: SISMA- DIS/DPC/MISAU Programa Nacional de HIV/SIDA/PTV/MISAU

Conforme a tabela 19 acima, acredita-se a redução da adesão ao TARV em 2020 esteve


relacionada, entre outros, com (i) o cumprimento das medidas de isolamento social
que levaram à paralisação parcial ou total dos transportes públicos, o que afectou a
prestação de serviços de transportes públicos e condicionou a circulação de pessoas,
incluindo o circulação de pacientes em TARV; (ii) a percepção de que as unidades sa-
nitárias seriam locais com elevado potencial para a transmissão da Covid-19; e (iii)
as dificuldades na marcação de consultas e exames e/ ou diagnósticos médicos, como
consequência da redução do número de profissionais para atendimento ao público nos
serviços públicos de saúde.
Foram tomadas medidas para assegurar a continuidade da oferta de serviços de TARV.
Entre elas pautou-se pela (i) a adopção de comunicação remota (telefone, mensagens
de texto e redes sociais) para a solicitação de informações, agendamento de consultas
e procura de aconselhamento; (ii) uso de meios de comunicação de massas e outras
plataformas de comunicação digital para apoiar a criação de pedidos e a inclusão de
novos pacientes em TARV; (iii) promoção da distribuição descentralizada de TARV;
(iv) expansão do modelo de entrega ao domicílio e pontos de levantamento alternati-
vos, que garantiram o acesso aos anti-retrovirais (ARVs). As medidas incluíram tam-
bém a dispensa para múltiplos meses, de forma continuada, de ARVs e do tratamento

174 Disponível em: https://www.misau.gov.mz/index.php/441-mocambique-registou-cerca-de-


-98-000-novas-infecoes-do-hiv-em-2020 (acedido em 13.05.2022).
175 SISMA- DIS/DPC/MISAU Programa Nacional de HIV/SIDA/PTV/MISAU.
64 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

preventivo da tuberculose (TB), com o pressuposto de que esta estratégia exigiria uma
reavaliação contínua e, possivelmente, um ajustamento, com base nos fornecimentos
disponíveis.176

Constatações

Registou-se tendência a baixar a adesão ao TARV em 2020, a qual tendeu a


melhorar em 2021.

As autoridades tomaram medidas para garantir a continuidade da oferta dos


serviços de saúde, particularmente do TARV.

Recomendação

• As autoridades de saúde devem dar continuidade à implementação das me-


didas que visam assegurar a adesão ao tratamento por parte dos pacientes
com HIV e retenção dos pacientes em TARV.

4.2 Direito à Educação


Os esforços para a contenção da disseminação da Covid-19 levaram à suspensão de
todas as actividades escolares presenciais incluindo as aulas, afectando mais de 8,5 mi-
lhões de estudantes de todos os subsistemas de ensino.177 O sector da educação, como
outros, reinventou-se e introduziu as aulas remotas, visando assegurar a continuidade
do processo de ensino e aprendizagem. As aulas remotas foram materializadas através
da combinação da resolução de fichas de exercícios com as aulas radiofónicas, a te-
lescola e as plataformas digitais, através de aplicações como o WhatsApp, o Zoom e o
Google Classroom.178
Enquanto medida sanitária, as aulas remotas mostraram-se uma medida eficaz para
evitar a disseminação da Covid-19 no seio da comunidade escolar. No entanto, essa
medida revelou-se um factor de exclusão por não permitir a centenas de milhares de
alunos provenientes de famílias pobres e desfavorecidas179 o acesso às aulas devido à
falta de condições financeiras para a aquisição do material necessário naquele con-
texto. Estava em causa a aquisição de fichas de exercícios, dispositivos digitais (smar-
tphone ou tablet) e o pagamento de serviços de internet para as aulas virtuais. Essa
situação foi agravada pela ausência de apoio das autoridades. Um estudo realizado

176 Disponível em: https://www.fhi360.org/sites/default/files/media/documents/epic-ddd-covid-


-19-portuguese.pdf (acedido em 08.04.2022).
177 UNICEF Mozambique. 2020. Education Sector Policy Brief.
178 Movimento de Educação Para Todos. 2020. Estudo sobre Impacto das Medidas de Mitigação da
Covid-19 na Educação Básica em Moçambique.
179 A pandemia, infelizmente, expôs as desigualdades no acesso aos meios de ensino e à educação em
geral, uma realidade há muito conhecida, mas sempre disfarçada pelas aulas presenciais.
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 65

pelo Movimento de Educação para Todos (MEPT)180 mostrou que, durante o primeiro
semestre de 2020, 57% dos alunos do ensino básico acompanharam as aulas através
de fichas de leitura produzidas pelos seus professores181, 17% tiveram aulas através das
plataformas digitais, enquanto 11% assistiram através da televisão e os restantes 12%
não assistiram aulas por falta de condições de acesso aos meios de ensino adoptados
para a continuidade das aulas durante a pandemia. Esta situação manteve-se durante
todo o período em que as aulas presenciais estiveram suspensas em cumprimento das
medidas sanitárias.
Como se pode notar, uma parte dos alunos foram literalmente excluídos do processo
de ensino e aprendizagem durante o período em que todas as actividades escolares
presenciais estiveram suspensas o que representa uma negação do seu direito
constitucional de acesso à educação (artigo 88 da CRM). Um outro factor importante,
em geral, as aulas remotas não asseguraram a qualidade de ensino durante o período
em que a pandemia se fez sentir de forma acentuada.

Gráfico 1. Meios de ensino durante o estado de emergência, 2020

Fonte: MEPT, 2021

A interrupção das actividades escolares presenciais reforçou receios e preocupação


sobre o aumento do índice de evasão escolar devido ao limitado acesso aos disposi-
tivos digitais, tais como smartphone e tablets, necessários para o acompanhamento
das aulas remotas. Foi também notória a preocupação com a renda familiar, que ficou
comprometida devido à suspensão de actividades consideradas não essenciais e que
constituem principal fonte de renda da maior parte das famílias moçambicanas. Para
suprir esse défice, em algumas famílias, crianças viram-se obrigadas a dedicar-se a ac-
tividades de geração de renda em detrimento do acompanhamento das aulas.

180 MEPT, 2020.


181 É importante esclarecer que em algumas escolas as fichas eram impressas e distribuídas aos alu-
nos, enquanto em outras os pais eram obrigados a proceder à reprodução destas com recursos
próprios.
66 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

Constatação

As autoridades da educação tomaram medidas tendentes a responder aos de-


safios de continuidade do ensino durante o período da pandemia. Entre elas,
introduziram-se as aulas remotas, com recurso a meios digitais e fichas de exer-
cícios.
A introdução das aulas remotas durante a pandemia expôs desigualdades no
acesso aos meios de ensino e da educação no geral.
A pressão no sector da educação foi agravada pelos défices na renda de muitas
famílias, o que levou algumas crianças a envolverem-se em actividades de ge-
ração de renda, aumentado o potencial de evasão escolar.
As autoridades da educação viram-se desafiadas a providenciar recursos para
fazer face às necessidades das crianças pobres e desfavorecidas.

Recomendação

A pandemia deixou importantes lições não apenas para o sector da educação,


mas para o Governo, em geral, no que toca ao tipo de investimentos que devem
ser feitos com vista a melhorar o processo de ensino e aprendizagem. Assim, os
caminhos incluem:

• Provisão de serviços de internet e de equipamentos a custos razoáveis para


aumentar o acesso aos meios digitais por parte das famílias pobres e desfa-
vorecidas.
• Adoptar uma política que inclua o apoio ao ensino e educação de crianças
de famílias de baixa renda.

4.3 Igualdade de Género e Situação da Criança


A igualdade de género é um direito consagrado na CRM (artigo 36) e condição prévia
para o desenvolvimento pessoal da mulher e do homem e, por extensão, de toda a so-
ciedade. Assim, é dever constitucional do Estado criar condições para a sua materiali-
zação. É também um dever constitucional proteger as crianças contra todas as formas
de abuso que põem em causa o seu crescimento e gozo dos seus direitos (artigo 47 da
CRM). Os anos 2020 e 2021 não trouxeram progressos legislativos atinentes à protec-
ção da mulher e da criança.182 Assim, a maior preocupação nesse contexto é a aplicação
do quadro normativo e de políticas respeitantes aos direitos da mulher e da criança,
bem como a protecção deste segmento da população no contexto da Covid-19.

182 Os maiores progressos nessa matéria ocorreram em 2018 e 2019 o que inclui, entre outros, Es-
tratégia de Inclusão de Género no Sector da Saúde (2018 -2023), Plano Nacional de Acção para o
Avanço da Mulher (2018-2024) e Lei da Prevenção e Combate à Uniões Prematuras (2019).
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 67

4.4 Violência Doméstica e Violência Baseada no Género


Durante o período em análise, as OSCs, a imprensa e os cidadãos reportaram casos de
violência sexual contra as raparigas, agressões contra as mulheres e idosos, tendo al-
guns culminado em homicídio. Muitos casos foram reportados através de plataformas
digitais. Num universo de tamanha violação de direitos humanos, não restam dúvidas
que alguns atentados aos direitos e liberdades fundamentais não foram reportados. O
isolamento social para contenção da Covid-19 trouxe novos desafios para a segurança
e integridade das mulheres, raparigas e idosos. Nalguns contextos, os membros destes
grupos viram-se obrigados a permanecer dentro de casa com os agressores durante
longos períodos.

Violência Contra a Criança


Os dados do Departamento de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violên-
cia (DAFMVV)183 mostram que, depois de uma redução de casos de violência contra a
criança, de 416 em 2019 para 357 em 2020, o número de casos aumentou para 378 em
2021. Em termos mais específicos, registou-se um aumento de casos de violência física
grave de 37 em 2020 para 61 em 2021. Acontecendo o mesmo em relação à violência
psicológica, cujo número aumentou de 13 em 2020, e 19 em 2021. A tabela abaixo in-
dica a variação no número de casos de violência doméstica contra a criança entre 2019
e 2021.

Tabela 21. Dados sobre violência doméstica contra a criança, 2019-2021


Tipologia 2019 2020 2021 Variação (%)
criminal da 2019- 2020-
violência H M Total H M Total H M Total
2020 2021
Violência física
104 233 337 102 185 287 94 180 274 -45,1% -4,5%
simples
Violência física
16 21 37 16 21 37 25 36 61 -43,2% 64,9%
grave
Violência
5 11 16 1 12 13 9 10 19 -25,0% 46,2%
psicológica
Violência
6 13 19 7 8 15 3 10 13 -57,9% -13,3%
patrimonial
Cópula com
transmissão de 0 2 2   1 1 0 4 4 -50,0% 300,0%
doenças
Total 132 284 416 126 231 357 131 247 378 -44,5% 5,9%
Fonte: DAFMVV, 2019; 2020 & 2021

183 Departamento de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violência. 2020/ 2021. Relatório
das Actividades Realizadas de Janeiro a Dezembro de 2020 & 2021. Maputo.
68 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

Como se depreende da tabela 20, acima, o maior número de casos de violência domés-
tica contra a criança ocorreu nos anos 2020 e 2021, altura em que a pandemia estava o
seu pico. Assim, é de se pensar que o isolamento sanitário poderá ter contribuído para
o aumento de casos desta natureza.

4.4.1 A Problemática das Uniões Prematuras


Já há muitos anos que Moçambique é apontado como um país com elevados índices
de uniões prematuras. Mais especificamente, em 2019, a província de Niassa com
uma taxa de 24%; Nampula com 62%; Cabo Delgado 61% e Manica com 60% foram as
províncias que registaram as taxas mais elevadas.184 A pobreza e certas práticas costu-
meiras como os ritos de iniciação são apontadas como a principal causa do problema.
Apesar da aprovação da Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras185 (2019),
a problemática das uniões prematuras ainda requer atenção. Com efeito, no período
a que se refere este relatório o país continuava a registar altas taxas de uniões prema-
turas. Em 2020 foram denunciados 178 casos de uniões prematuras, e em 2021 foram
denunciados 397 casos.186

Tabela 22. Uniões prematuras, 2020-2021


Variação (%) 2020-
Tipologia 2020 2021
2021
Noivado com criança 56 82 46,4%
Violência contra criança 5 6 20,0%
Violação de criança 26 101 288,5%
Actos sexuais com crianças 28 79 182,1%
Auxílio a união com criança 9 15 66,7%
União com crianças 45 99 120,0%
Autorização e incentivo para união 6 10 66,7%
Coacção para união 3 5 66,7%
Total 178 397 123,0%
Fonte: Departamento de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violência, 2020-2021

O Governo e os seus parceiros têm implementado várias acções para estancar a proble-
mática das uniões prematuras. A título de exemplo, o Ministério do Género, Criança e
Acção Social coordena várias acções em parceria com o Ministério da Educação e De-

184 Selemane, Thomas. 2019. O impacto das uniões prematuras na educação, saúde e nutrição em
Moçambique. ROSC, Maputo, 45 p. Disponível em: https://bettercarenetwork.org/sites/default/
files/2021-04/O%20impacto%20das%20unio%CC%83es%20prematuras%20na%20educa-
c%CC%A7a%CC%83o%2C%20sau%CC%81de%20e%20nutric%CC%A7a%CC%83o%20-%20FI-
NAL_28Junho2019.pdf (acedido em 29.03.2022).
185 Lei n.º 19/2019, de 22 de Outubro, Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras.
186 Departamento de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violência. 2020/ 2021. Relatório
das Actividades Realizadas de Janeiro a Dezembro de 2020 & 2021. Maputo.
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 69

senvolvimento Humano; Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos;


Ministério do Interior; e o Ministério da Saúde. Dessas iniciativas destaca-se a Spotli-
ght, cujo objectivo é erradicar a violência sexual e baseada no género (VBG) e as uniões
prematuras, assim como a promover a saúde sexual e reprodutiva (SSR) das mulheres
e raparigas em três províncias, designadamente Gaza, Manica e Nampula até 2022. A
implementação dessas actividades tem beneficiado da participação de actores sociais,
tais como o Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC), que tem
estado envolvido em campanhas de sensibilização e no resgate de raparigas envolvidas
em uniões prematuras.

4.4.2 Violência Contra Adultos e Idosos


A tabela que se segue mostra que, depois de se ter registado uma redução dos casos
de violência física e patrimonial contra adultos entre 2019 e 2020, entre 2020 e 2021
registou-se uma tendência de aumento desses casos.

Tabela 23. Violência contra a pessoa adulta, 2019-2021


2019 2020 2021 Variação (%)
Tipologia
2019- 2020-
Criminal H M Total H M Total H M Total
220 2021
Violência
física sim- 1 249 6 971 8 220 760 6 018 6 778 632 5 472 6 104 -17,5% -9,9%
ples
Violência
física gra- 157 867 1 024 137 748 885 205 879 1 084 -13,6% 22,5%
ve
Violência
psicoló- 507 1 978 2 485 394 1 879 2 273 321 1 845 2 166 -8,5% -4,7%
gica
Violência
21 111 132 38 116 154 14 71 85 16,7% -44,8%
moral
Violência
patrimo- 448 1 281 1 729 424 1 066 1 490 412 1 143 1 555 -13,8% 4,4%
nial
Violência
12 69 81 2 15 17 1 16 17 -79,0% 0,0%
social
Cópula
não con-   24 24   39 39 0 21 21 62,5% -46,2%
sentida
Cópula
com trans-
10 79 89 3 47 50 5 27 32 -43,8% -36,0%
missão de
doenças
Total 2 404 11 380 13 784 1 758 9 928 11 686 1 590 9 474 11 064 -15,2% -5,3%
Fonte: INE, 2021; Fonte: DAFMVV, 2019; 2020 & 2021

O aumento da violência contra os adultos poderá estar relacionado com o confinamen-


to em cumprimento das medidas sanitárias de contenção da Covid-19. Essas medidas
aumentaram o tempo de contacto entre as vítimas e os agressores no mesmo ambien-
te, o que causou tensões familiares resultantes dos problemas domésticos de rotina,
70 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

situação agravada pelo stress resultante da perda parcial ou total da renda devido ao
encerramento de algumas actividades.

À semelhança do que aconteceu com os adultos e pelas mesmas razões, a taxa da


violência física grave contra os idosos aumentou de 2020 para 2021, conforme ilustrado
na tabela 23.

Tabela 24. Casos de violência contra idosos


2019 2020 2021 Variação (%)
Tipologia Criminal 2019- 2020-
H M Total H M Total H M Total
2020 2021
Violência física 67 117 184 62 100 162 48 93 141 -12,0% -13,0%
Violência física grave 8 21 29 2 30 32 18 29 47 10,3% 46,9%
Violência psicológica 30 81 111 60 112 172 46 99 145 55,0% -15,7%
Violência patrimonial 31 48 79 37 92 129 35 39 74 63,3% -42,6%
Total 139 268 407 161 335 496 147 265 412 21,9% -16,9%
Fonte: INE, 2021; DAFMVV, 2019; 2020 & 2021

Constatações

Apesar dos progressos legislativos na protecção dos direitos da mulher e crian-


ça alcançados nos anos anteriores, no período em análise os grupos-alvo con-
tinuaram a ver alguns dos seus direitos fundamentais violados (aumento do
índice de violência contra a criança, mulher e idoso).
Entre os vários esforços desencadeados pelas autoridades, alguns (nomeada-
mente a iniciativa Spotlight) limitam-se a determinadas províncias.

Recomendações

• Continuar a multiplicar os canais de disseminação (nas escolas, na comu-


nidade e em outros lugares) da legislação atinente à protecção dos direitos
da criança, da mulher e dos idosos. Assegurar a expansão desses serviços e
outras iniciativas (incluindo a Spotlight) a todo o país.
• Desencorajar a prática de ritos (por exemplo a mutilação genital), que põem
em causa o gozo dos direitos da rapariga, da mulher e da criança. A este res-
peito, devem ser envolvidas as lideranças locais, as confissões religiosas e as
organizações baseadas na fé.
• Promover e disseminar mecanismos locais de denúncia através de canais
e linhas de apoio de fácil acesso pelas crianças e pelos grupos com baixos
níveis de escolaridade.

4.5 Direitos Laborais


Segundo o artigo 84 da CRM “o trabalho constitui direito e dever de cada cidadão (…)
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 71

e que cada cidadão tem direito à livre escolha da profissão”. O gozo desse direito foi
afectado devido aos impactos da pandemia que determinaram a redução da actividade
em algumas empresas e encerramento total de outras. Em 2020 e 2021 não houve
progresso atinente ao desenvolvimento e reforma legislativa laboral. O único avanço
que vale a pena mencionar é a redução do horário normal de trabalho, constituição de
equipas de trabalho em turnos, entre outras medidas laborais tomadas administrativa-
mente de forma temporária e não regular.

4.5.1 Impacto da Covid-19 nas Empresas


No total, 80 765 empresas de diferentes sectores de actividades, que empregavam 3
316 361 pessoas foram directamente afectadas pelas medidas sanitárias de contenção
da pandemia. No primeiro semestre de 2020 a crise reduziu em 65% a actividade em-
presarial, causando perdas financeiras estimadas em 951 milhões de dólares america-
nos, equivalente a 7% do produto interno bruto (PIB).187 O sector de hotelaria, turismo
e restauração, com uma retracção de perto de 75% nas suas actividades, foi o mais afec-
tado pela crise.188 As empresas nas províncias de Inhambane (98,8%), Gaza (94,4%) e
Maputo (94,0%) foram as mais afectadas comparativamente às empresas nas Provín-
cias da Zambézia (77,0%) e Cabo Delgado (78,1%).189 A tabela abaixo ilustra o número
de empresas afectadas pela crise em todas as províncias do país em 2020.

Tabela 25. Empresas afectadas pela pandemia da Covid-19, entre Abril e Junho 2020
Empresas afectadas pela crise
Província N.º total de empresas
n %
Niassa 2 450 2 116 86,4%
Cabo Delgado 4 634 3 619 78,1%
Nampula 7 862 7 004 89,1%
Zambézia 5 825 4 488 77,0%
Tete 5 324 4 813 90,4%
Manica 4 411 3 591 81,4%
Sofala 9 084 8 432 92,8%
Inhambane 5 382 5 317 98,8%
Gaza 5 414 5 131 94,8%
Maputo Província 13 672 12 857 94,0%
Maputo Cidade 25 327 23 397 92,4%
Total 89 385 80 765 90,4%
Fonte: INE, 2020

187 Disponível em: https://covid19.cta.org.mz/wp-content/uploads/2020/08/IMPACTO-DA-COVI-


D-19-NO-SECTOR-EMPRESARIAL-E-MEDIDAS-PARA-SUA-MITIGA%C3%87%C3%83O.pdf
(acedido em 12.04.2022).
188 Disponível em: https://covid19.cta.org.mz/wp-content/uploads/2020/08/IMPACTO-DA-COVI-
D-19-NO-SECTOR-EMPRESARIAL-E-MEDIDAS-PARA-SUA-MITIGA%C3%87%C3%83O.pdf
(acedido em 12.04.2022).
189 Disponível em: http://www.ine.gov.mz/estatisticas/estatisticas-sectoriais/resultados-do-inqueri-
to-sobre-impacto-da-covid-19-nas-empresas.pdf/view.
72 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

A crise no sector empresarial pode ter-se agravado no primeiro semestre de 2021, al-
tura em que o país atingiu o pico da pandemia. Foi nessa altura que o Governo se viu
obrigado a agravar as restrições tendo como foco a paralisação das actividades consi-
deradas não essenciais. As medidas impostas também tiveram impacto no sector in-
formal, onde não foi possível estimar o número de pessoas afectadas, mas sabe-se que
absorve a maior parte da população não integrada no sector formal.

4.5.1.1 Medidas Adoptadas pelas Empresas Face à Crise


As empresas tomaram uma série de medidas para fazer face à crise. Com efeito, mais
de metade das empresas (56%) introduziram o regime de rotatividade; 20,7% redu-
ziram a jornada de trabalho para conformá-la com as normas regulamentares da Co-
vid-19 e 14,3% introduziram o trabalho em casa. Outras empresas tomaram medidas
mais drásticas, tais como a suspensão temporária de contratos (7,6%) e rescisão de
contratos de trabalho (4,5%).190 A tabela abaixo apresenta os dados sobre as medidas
tomadas pelas empresas para fazerem face à crise.

Tabela 26. Empresas e pessoal afectado pela Covid-19, segundo as medidas adoptadas
Empresas Trabalhadores
Medida adoptada
N.º % global N.º % global
Encerramento da empresa 2 316 2,9 43 578 1,3
Suspensão de actividades 3 163 3,9 49 612 1,5
Suspensão de contratos 6 151 7,6 62 700 1,9
Férias colectivas 2 126 2,6 65 512 2,0
Rescisão de contratos 3 619 4,5 77 489 2,3
Regime de rotatividade 45 238 56,0 1 275 413 38,5
Home office 11 564 14,3 210 893 6,4
Redução de horas de trabalho 16 739 20,7 400 785 12,1
Solicitou autorização para trabalhar com
1 132 1,4 53 832 1,6
mais de 1/3
Mudança de actividade, produto ou
3 075 3,8 - -
serviço
Outra medida 16 392 20,3 412 926 12,5
Global 80 765 3 316 361
Fonte: INE, 2020

4.5.1 Impacto da Pandemia nas Relações Laborais


Algumas das medidas tomadas pelas empresas para fazerem face à crise tiveram im-
pacto adverso nas relações laborais e nos direitos dos trabalhadores. Embora muitas
empresas tenham feito de tudo para garantir a manutenção dos postos de trabalho, a

190 Disponível em: http://www.ine.gov.mz/estatisticas/publicacoes/monitoria-dos-impactos-do-co-


vid-19-nos-agregados-familiares-urbanos-em-mocambique_final.pdf/at_download/file. (acesso
em 27.03.2022).
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 73

gravidade da situação não permitiu a retenção de trabalhadores. Conforme ilustrado


na tabela 25 acima, 3 619 empresas rescindiram contratos de trabalho. Ainda no qua-
dro na relação laboral, 6 151 empresas suspenderam temporariamente os contratos.191
A situação continuou a agravar-se em 2021, altura em que a pandemia atingiu o pico.
De salientar que o regime de suspensão temporária do contrato de trabalho192 foi im-
plementado por muitas empresas. Este regime impôs múltiplos desafios face à neces-
sidade de cumprimento de várias formalidades junto da Inspecção Geral do Trabalho,
dos Sindicatos e perante os trabalhadores afectados. Durante a vigência do período de
suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a 75%, 50% e 25% da res-
pectiva remuneração no primeiro, segundo e terceiro mês, não devendo, em qualquer
caso, a prestação da remuneração ser inferior ao salário mínimo nacional. Segundo a
Lei, se a suspensão subsistir para além de três meses, as partes poderão concordar com
a extinção do contrato ou relação de trabalho, devendo a entidade empregadora pagar
ao trabalhador uma compensação calculada nos termos da Lei.193

Constatações
A crise afectou o exercício da actividade empresarial e da iniciativa privada,
com impacto nas relações laborais.
As entidades económicas viram-se obrigadas a ajustar-se à nova realidade
adoptando medidas de toda a índole para manter a produtividade até onde foi
possível.

Recomendações

• Monitoria constante da situação epidemiológica para ponderar as medidas


a aplicar de tempos em tempos.

4.5.3 Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas Durante a Pandemia


da Covid-19

Durante a pandemia, 47,8% das empresas depararam-se com problemas de tesouraria


e 75,5% com a baixa procura por bens e serviços. O Governo disponibilizou fundos
para apoiar as micro, pequenas e médias empresas (MPMEs). Numa das iniciativas, a
chamada “Linha de Crédito Gov. Covid-19” o Governo aprovou 15 milhões de dólares

191 Idem.
192 A suspensão temporária do contrato de trabalho está prevista no artigo 123 da Lei do Trabalho, Lei
n° 23/2007, de 1 de Agosto, que prevê que o empregador suspenda os contratos de trabalho por
razões económicas. No caso em apreço entende-se por razões económicas a crise gerada pela Co-
vid-19, que afectou a actividade normal da empresa em razão da redução da actividade que afectou
o seu nível de facturação.
193 Lei n° 23/2007, de 1 de Agosto.
74 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

americanos provenientes do Fundo Monetário Internacional (FMI). Noutra iniciativa,


designadamente “Linha de Crédito BNI Covid-19” as autoridades colocaram à disposi-
ção das MPMEs 9 milhões de dólares americanos provenientes dos fundos do Instituto
Nacional de Segurança Social (INSS)194. As autoridades criaram o Comité de Crédito
Especial encarregue de avaliar e aprovar as propostas de projectos para financiamento
das empresas afectadas pela pandemia.
Até Dezembro de 2020 foram aprovados 224 projectos dos 969 submetidos. O
comércio, com 39%, e pecuária, com 23%, foram os sectores com o maior número de
projectos aprovados. A zona sul teve 107 projectos aprovados num montante global
de 866 milhões de meticais; a zona centro teve 71 projectos aprovados num montante
global de 484 milhões meticais e a zona norte teve 46 num total de 250 milhões de
meticais.195 A informação sobre os projectos e o valor de financiamento são descritos na
tabela que segue.

Tabela 27. Apoio à tesouraria das MPMEs


Propostas de projectos
Região do % Aprov. /
Província Recebidas Aprovadas Valor financiado
país
Recebidas
Niassa 33 10 30,3% 45 000 000,00
Norte Cabo Delgado 50 16 32,0% 92 000 000,00
  Nampula 97 20 20,6% 113 000 000,00
Total 180 46 25,6% 250 000 000,00
Zambézia 110 22 20,0% 98 000 000,00
Tete 49 12 24,5% 128 000 000,00
Centro
Manica 72 20 27,8% 149 000 000,00
 
Sofala 62 17 27,4% 109 000 000,00
Total 293 71 24,9% 484 000 000,00
Inhambane 54 14 25,9% 79 000 000,00
Gaza 160 26 16,3% 160 000 000,00
Província de
Sul 131 21 16,0% 225 000 000,00
Maputo
 
Cidade de
240 46 19,2% 402 000 000,00
Maputo
Total 585 107 19,3% 866 000 000,00
Total 765 153 20,0% 1 600 000 000,00
Fonte: MEF, 2020

194 Lançadas pelo BNI a 1 de Julho de 2020.


195 Disponível em: https://cddmoz.org/wp-content/uploads/2021/04/16-MIL-MILHOES-DE-ME-
TICAIS-PARA-224-PROPOSTAS_Quais-sao-as-empresas-escolhidas-pelo-BNI-para-receber-cre-
ditos-financiados-com-fundos-publicos.pdf (acedido em 21.11.2021).
DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS 75

4.5.4 Transferências para as Famílias e Apoio aos Micro-negócios


Durante a pandemia o Governo usou os mecanismos de protecção social básica196
para apoiar as famílias e micro-negócios. Inicialmente, existiam um total de 592 179
beneficiários do subsídio social básico. Durante a pandemia, o número de pessoas
a necessitar de assistência social aumentou. Com efeito, o Governo, com apoio dos
parceiros de cooperação197 aumentou o número de pessoas abrangidas em 291 315 novos
beneficiários, que passaram a receber um subsídio mensal de 1 500,00 meticais durante
seis meses numa base bimensal. Segundo os dados da pesquisa, as contribuições foram
pagas por via de contas móveis. 198 De acordo com o Ministério de Economia e Finanças
(MEF), esses fundos foram canalizados para o Ministério do Género, Criança e Acção
Social (MGCAS). 199

196 O Programa Subsídio Social Básico (PSSB) consiste na transferência monetária regular, numa
base mensal e por tempo indeterminado, com objectivo de reforçar o nível de consumo, autono-
mia e resiliência das famílias que vivem no limiar da pobreza, bem como a melhoria da situa-
ção nutricional das crianças que vivem em situação de vulnerabilidade social, revisto através do
Decreto 47/2018 de 6 de Agosto, do Conselho de Ministros. Disponível em: http://alternactiva.
co.mz/2020/04/02/o-trabalho-e-a-proteccao-social-num-contexto-do-estado-de-emergencia/
(acedido em 21.11.2021).
197 O MEF esclarece que os parceiros desembolsaram 34 162 076,24 dólares americanos, com os quais
se iniciou o pagamento de subsídios aos beneficiários existentes nos programas de protecção social.
198 Visando assegurar maior celeridade no processo de pagamento dos subsídios aos beneficiários, os
mesmos foram efectuados com recurso a meios electrónicos, designadamente, através da carteira
móvel. Para o efeito, foi celebrado um contrato para o uso da plataforma digital Mpesa, com a
empresa de telefonia móvel Vodacom Moçambique. Foram desencadeadas negociações com outra
empresa de telefonia móvel, a Movitel para o uso da sua carteira móvel, a eMola. Foram desenca-
deadas também negociações com a banca comercial.
199 MEF, 2020.
76 DIREITOS ECONÓMICOS, CULTURAIS E SOCIAIS

Tabela 28. Transferências para as famílias e apoio aos micro-negócios (MGCAS)


Desembolso Execução
Parceiro
Outubro Novembro Outubro Novembro Actividade
Divulgação do plano de inter-
venção (resposta à Covid-19)
do sector a nível nacional.
Pré-selecção de 1 102 825 no-
vos agregados familiares, a
nível nacional para o subsídio
mensal de 1 500,00 Mt por 6
meses.
Aquisição e distribuição de
579 260 máscaras a 289 630
beneficiários dos programas
de protecção social nas de-
legações de Maputo cidade,
Matola, Beira, Caia, Machan-
ga, Chimoio, Tete, Angoche,
Mocuba, Gurué, Chicuala-
cuala, Pemba, Mocímboa da
Praia e Montepuez
Inscrição electrónica de 628
250 novos beneficiários para
a primeira fase de interven-
ção em Pemba, Montepuez,
Monapo, Ilha de Moçambi-
que, Nacala, Marrupa, Gurué,
Vilanculos, Maxixe, Cidade de
34 162 076,24 26 922 665,65 Inhambane, Zavala, Mocuba,
Chicualacuala, Manhiça, Ma-
Banco tola e Cidade de Maputo.
31 140 384,67 22 085 547,00
Mundial Variação em Variação em Pagamento de subsídios adi-
relação a relação a Nov. cionais, de 3 meses acumula-
Out. 9,7% 21,9% dos, a 425 728 beneficiários
existentes nos programas de
protecção social, em Pem-
ba e Montepuez, Manhiça,
Matola, Cidade de Maputo,
Chicualacuala, Tete, Moatize,
Marávia, Nampula, Angoche,
Nacala, Ribáuè, Quelimane,
Gurué, Mocuba e Mocímboa
da Praia, Xai-Xai, Chókwè e
Chibuto.
Em curso pagamentos de
subsídios adicionais, de 3
meses acumulados, a 77 416
beneficiários existentes nos
programas em Marrupa,
Cuamba, Lichinga, Inhamba-
ne, Vilanculos e Maxixe.
Produzidos cartões de novos
beneficiários inscritos nas
Delegações de Angoche, Pem-
ba, Montepuez, Mocímboa
da Praia, Tete, Gurué, Caia,
Machanga, Chicualacuala,
Manhiça, Matola e de Mapu-
to Cidade.
Fonte: MEF, 2020
DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA 77

5. DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA


A indústria extractiva em Moçambique é regulada por diversos instrumentos jurídico-
-legais que visam assegurar maior competitividade e a transparência do sector, bem
como a salvaguarda dos interesses nacionais. A tabela 28 abaixo apresenta alguns
exemplos de instrumentos que regulam o sector da indústria extractiva no país.

Tabela 29. Quadro jurídico-legal da indústria extractiva em Moçambique


Quadro Jurídico-legal da Indústria Extractiva em Moçambique
Designação Instrumento Legal
• Lei n.º 20/2014, de 18 de Agosto; Lei de Minas, revoga a Lei n.º 14/2002 de 26 de Ju-
nho.
Leis • Lei n.º 15/2017, de 28 de Dezembro; lei que altera o Regime Específico de Tributação
e de Benefícios Fiscais da Actividade Mineira, aprovado pela Lei n.º 28/2014 de 23 de
Setembro.
• Decreto n.º 26/2004, de 20 de Agosto; Regulamento Ambiental para Actividade Minei-
ra.
• Regulamento n.º 5/2008, de 9 de Abril; Regulamento dos Impostos Específicos da Acti-
vidade Mineira, alterado pelo Decreto n.º 28/2015 de 28 de Dezembro; Regulamento do
Regime Específico de Tributação e de Benefícios Fiscais da Actividade Mineira
• Regulamento n.º 20/2011, de 1 de Junho; Regulamento de Comercialização de Produtos
Minerais/ Decreto n.º 34/2019 e Decreto n.º 25/2015.
• Decreto n.º 63/2011, de 7 de Dezembro; Regulamento de Contratação de Cidadãos de
Nacionalidade Estrangeira no Sector de Petróleo e Mineração.
• Decreto n.º 22/2015 de 17 de Setembro define as atribuições, competências e orgânica
do Instituto Nacional de Minas.
• Decreto n.º 13/2015, de 3 de Julho; Regulamento do Trabalho Mineral e do Petróleo.
Decretos
• Decreto n.º 28/2015, de 28 de Dezembro; Regulamento do Regime Específico de Tribu-
Sector Mineiro

tação e de Benefícios Fiscais da Actividade Mineira.


• Decreto n.º 25/2015 de 22 de Novembro; Regulamento de Comercialização de Diaman-
tes, Metais Preciosos e Gemas.
• Decreto n.º 31/2015, de 31 de Dezembro; Regulamento da Lei de Minas/ Alterado pelo
Decreto n.º 34/2019 de 02 de Maio.
• Decreto n.º 15/2017, de 28 de Dezembro; Decreto que altera o Regime Específico de
Tributação e de Benefícios Fiscais da Actividade Mineira
• Decreto n.º 78/2017, de 28 de Dezembro; Regulamento do Reembolso do Imposto So-
bre o Valor Acrescentado (IVA).
• Decreto n.º 32/2019, de 29 de Abril; Regulamento do Sistema Nacional de Salvamento
e Resgate para a Indústria Extractiva de Recursos Minerais.
• Resolução n.º 89/2013, de 31 de Dezembro. Define os princípios e as principais acções
de gestão e exploração de recursos minerais para contribuir para o desenvolvimento
económico e social de Moçambique.
• Resolução n.º 21/2014, de 16 de Maio; Resolução que aprova a Política de Responsabili-
dade Social Corporativa para os Recursos Minerais da Indústria Mineira.
Resoluções
• Diploma Ministerial n.º 189/2006, de 14 de Dezembro; que estabelece as Normas Bási-
cas de Gestão Ambiental para Actividade Mineira.
• Diploma Ministerial n.º 92/2017, de 11 de Junho; que estabelece as Normas e Procedi-
mentos para Inscrição de Técnicos Elegíveis à Elaboração de Relatórios de prospecção e
Pesquisa e programas de trabalhos em Projectos Mineiros.

Designação Instrumento Legal


78 DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA

Quadro Jurídico-legal da Indústria Extractiva em Moçambique


• Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto Lei de Petróleo; Lei que revoga a Lei 3/2001 de 21 de
Fevereiro.
Leis
• Lei n.º 14/2017, de 28 de Dezembro; Lei que aprova o Regime Específico de Tributação
e de Benefícios Fiscais das operações petrolíferas.
• Decreto-lei n.º 2/2014, de 2 de Dezembro; Decreto que aprova o Regime Jurídico e Con-
Decreto-
tratual Especial Aplicável ao Projecto de Gás Natural Liquefeito nas Áreas 1 e 4 da Bacia
Lei
do Rovuma.
• Decreto n.º 24/2004, de 20 de Agosto; Decreto que aprova o Regulamento das opera-
ções petrolíferas (em vigor até à publicação do Decreto n.º 34/2015, de 31 de Dezembro).
• Decreto n.º 44/2005, de 29 de Novembro; Decreto que aprova o Regulamento de distri-
buição e comercialização de Gás Natural.
• Decreto n.º 4/2008, de 9 de Abril; Decreto que aprova o Regulamento do Imposto sobre
a produção do Petróleo (revogado pelo Decreto n.º 32/2015, de 31 de Dezembro).
• Decreto n.º 56/2010, de 22 de Novembro; Decreto que aprova o Regulamento Ambien-
tal para as Operações Petrolíferas.
• Decreto n.º 63/2011, de 7 de Dezembro; Decreto que aprova o Regulamento para em-
pregar cidadãos estrangeiros no sector do petróleo e mineração.
• Decreto n.º 45/2012, de 28 de Dezembro; Decreto que define o regime a que ficam sujei-
tas as actividades de produção, importação, recepção, armazenamento, manuseamento,
Decreto
distribuição, comercialização, transporte, exportação e reexportação de produtos petro-
líferos e revogado pelo Decreto n.º 89/2019, de 18 de Novembro.
• Decreto n.º 25/2014, de 23 de Setembro; Lei de autorizações legislativas referentes aos
projectos de Liquefacção do Gás Natural das Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma.
• Decreto n.º 13/2015, de 3 de Julho; Regulamento do trabalho Mineiro e do Petróleo.
• Decreto n.º 32/2015, de 31 de Dezembro; Regulamento que aprova o Regime Específico
de Tributação e de Benefícios Fiscais das Operações Petrolíferas.
• Decreto n.º 34/2015 de 31 de Dezembro; Regulamento das Operações Petrolíferas/ Al-
terado pelo Decreto n.º 34/2019 de 02 de Maio que aprova; Regulamento da Actividade
Inspectiva dos Recursos Minerais e Energia.
• Decreto n.º 84/2020 de 18 de Setembro; Regulamento de Licenciamento de Infra-estru-
turas e Operações Petrolíferas.
• Resolução n.º 40/2008, de 15 de Outubro; Resolução que ratifica o Acordo entre a Re-
pública de Moçambique e a República de Angola no Domínio de Petróleo e Gás Natural.
• Resolução n.º 27/2009, de 8 de Junho Estratégia de Concessão de Áreas Operações
Resoluções
Petrolíferas.
• Resolução n.º 64/2009, de 2 de Novembro; Estratégia para o Desenvolvimento do Mer-
cado de Gás Natural em Moçambique.
• Diploma Ministerial n.º 272/2009, de 30 de Dezembro; Regulamento de Licenciamento
de Instalações e Actividades Petrolíferas.
• Diploma Ministerial n.º 31/2014 de 19 de Março; Regulamento sobre o Licenciamento
de Pessoal Técnico de Petróleo.
• Diploma Ministerial n.º 210/2012, de 12 de Setembro; Regulamento sobre a Determina-
Área de Hidrocarbonetos

ção dos Preços máximos na venda de Gás Natural.


Diplomas • Diploma Ministerial n.º 142/2012, de 28 de Agosto; aprova o Modelo do Contrato para o
fornecimento do combustível entre o Distribuidor, incluindo os proprietários de postos
de abastecimento de combustível e os retalhistas.
• Diploma Ministerial n.º 176/2014, de 22 de Outubro; Diploma que aprova a construção,
a exploração e a segurança dos postos de abastecimento de combustível.
• Diploma Ministerial n.º 66/2008, de 23 de Julho; Diploma que aprova o Regulamento
específico para armazéns designados para produtos petrolíferos.
DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA 79

Durante o período em análise (2020 e 2021), o país não registou progressos na revisão
legislativa atinente à indústria extractiva. Lembramos que no seu relatório de 2018
e 2019, a OAM apreciou positivamente a iniciativa do Decreto n.º 31/2012, de 8 de
Agosto (Regulamento Sobre Reassentamento Decorrente da Actividade Económica),
tendo manifestado a preocupação de as alterações não serem abrangentes e pela forma
deficiente como a matéria foi tratada.200 Entre as preocupações da OAM continuam
relevantes os aspectos abaixo elencados:
1. No quadro do direito à justa compensação: é necessário que o regime do
artigo 30 da Lei de Minas201 e o artigo 7 da Lei de Petróleos202 adoptem
a filosofia estabelecida no regime do ordenamento territorial, constante da
Lei n.º 19/2007, de 18 de Julho (Lei do Ordenamento do Território) e do
Regulamento do Ordenamento do Território, aprovado pelo Decreto n.º
23/2008, de 1 de Novembro, segundo os quais o bem expropriado não é to-
mado enquanto a compensação não for paga, o que significa que enquanto
não terminar o processo de reassentamento, não deve haver concessão ou
emissão de licenças de exploração de recursos naturais.
2. No que respeita ao direito ao consentimento livre e informado das comu-
nidades: conforme a interpretação da Comissão Africana dos Direitos do
Homem e dos Povos (ComADHP), o direito à livre disposição dos recursos
naturais, consagrado no artigo 20 da Carta Africana dos direitos humanos e
dos Povos (CADHP), compreende o dever de o Estado informar as comuni-
dades e garantir-lhes o direito ao livre consentimento sobre a concessão dos
recursos naturais nas suas comunidades – Free, Prior and Informed Con-
sent (FPIC). Comparativamente, os artigos 32 da Lei de Minas e 11 da Lei de
Petróleos apenas consagram o direito à informação prévia às comunidades,
as quais não têm o direito de consentimento para a exploração dos recursos
situados nas suas áreas.
3. Segundo a ComADHP, o direito de participação das comunidades no pro-
cesso negocial previsto no artigo 21 da CADHP confere às comunidades lo-
cais o direito de participarem no processo de negociação para a concessão
das suas áreas para a implementação de projectos de prospecção e explo-
ração de recursos naturais. Este processo deverá incluir consultas e diálo-
go baseados no princípio da boa-fé. A Lei de Minas, a Lei de Petróleos e o
Regulamento de Reassentamentos resultantes de Actividades Económicas,
aprovado pelo Decreto n.º 31/ 2012, de 8 de Agosto, asseguram o direito de
participação das comunidades nos procedimentos concessionários, porém,
não estabelecem procedimentos sobre essa participação, nem esclarecem os
respectivos objectivos.

200 OAM, 2020.


201 Lei n.º 20/2014, de 18 de Agosto.
202 Lei n.º 21/2014, de 18 de Agosto.
80 DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA

Recomendação

• Continua necessária a aprovação de um quadro regulamentar que permita


a participação das comunidades no processo de negociação das concessões
mineiras e petrolíferas. O aludido quadro regulamentar deve respeitar as
normas internacionais, regionais e domésticas sobre o consentimento livre
informado e o direito à justa compensação.

5.1 Violação dos Direitos das Comunidades no Contexto da Indústria Ex-


tractiva
O relatório da OAM sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique (2018/19)
deu conta dos desafios referentes à protecção e ao respeito dos direitos humanos das
comunidades directamente afectadas pelos projectos da indústria extractiva. O rela-
tório esclarece que os abusos cometidos contra as comunidades não se prendem com
o quadro jurídico-legal em vigor no país, mas com a atitude de algumas empresas en-
volvidas na exploração dos recursos naturais no país.203 Com efeito, as empresas que
operam neste sector e a legislação aplicável devem respeitar o direito das comunidades
a um ambiente saudável, o direito de uso da terra, direito à saúde, acesso à água entre
outros direitos humanos204. Assim, não é surpreendente que as empresas que operam
nesse sector devem respeitar um conjunto de normas e procedimentos que visam pro-
teger os direitos em causa. Todavia, como vimos anteriormente, existem casos em que
as normas do sector da indústria extractiva apresentam vazios normativos, insuficiên-

203 Associado a isso está a questão do incumprimento das obrigações com a comunidade e a violação
sistemática de direitos humanos das comunidades afectadas pelos projectos de exploração minei-
ra, algumas vezes apadrinhadas pelas autoridades ou perante a inércia destas. Essa situação mo-
bilizou diversas organizações de defesa dos direitos humanos, incluindo a OAM, com o objectivo
de assistir as comunidades na busca da reposição dos direitos violados e reparação dos danos de-
correntes do incumprimento das obrigações, especialmente na componente de reassentamento. A
violação dos direitos humanos das comunidades e o incumprimento das obrigações para com as
comunidades é recorrente na maior parte dos empreendimentos do sector da indústria extractiva
no país.
204 A indústria extractiva, especificamente minérios e hidrocarbonetos, pode ter impactos económi-
cos através da arrecadação de impostos, geração de emprego e renda para as populações, mas o
seu impacto é degradante para o meio ambiente e para as comunidades na qual está implantada.
Do ponto de vista ambiental a extracção mineira resulta na poluição dos mananciais de água su-
perficiais e subterrâneos por produtos químicos usados na extracção de minérios; contaminação
dos solos; poluição atmosférica resultante da emissão do pó nas centrais de extracção de carvão;
poluição sonora resultante do uso de equipamento de perfuração e de processamento; evasão for-
çada de animais selvagens; destruição da vegetação em todas as áreas de extracção. A nível social,
a exploração dos recursos minerais tem resultado na deslocação compulsiva e reassentamento de
comunidades em áreas que nem sempre oferecem as mesmas condições das que foram “forçadas
a abandonar” e sem direito a compensações justas; destruição de locais de interesse histórico e ce-
mitérios familiares e comunitários, que muitas vezes resultam em conflitos entre as comunidades
locais e as empresas concessionadas, por estas últimas se furtarem de cumprir as suas obrigações
com as comunidades.
DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA 81

cias ou lacunas em matérias de protecção dos direitos humanos. O que segue é uma
análise da actuação de duas empresas do sector extractivo relativamente ao cumpri-
mento das normas dos direitos humanos. As empresas referenciadas neste relatório,
designadamente a Jindal e a Anadarko Moçambique foram escolhidas tendo em conta
a intervenção da OAM em processos de violação de direitos humanos envolvendo essas
empresas nos anos transactos. Grosso modo, a análise continua relevante face a algum
desenvolvimento registado em 2020 e 2021 ou por mera necessidade de retomar a dis-
cussão em relação a questões que ainda não foram ultrapassadas.

Jindal Mozambique Minerais Limitada

A Jindal Mozambique Minerais Limitada, subsidiária da indiana Jindal Steel and Power
(JSPL), é uma empresa de exploração mineira que opera no país desde 2013. Tem li-
cença para a exploração mineira na aldeia de Chirodzi, província de Tete. A Jindal foi
denunciada205 pelas comunidades e diversas OSCs de defesa dos direitos humanos por
faltar ao cumprimento da obrigação de reassentar das famílias em comunidades afec-
tadas pelas suas operações. Estava em causa a violação dos princípios estabelecidos no
Regulamento de Reassentamentos Resultantes de Actividades Económicas, aprovado
pelo Decreto n.º 31/2012, de 8 de Agosto.206 O litígio data de 2011. Em 2019 a OAM207
interpôs uma acção judicial junto do tribunal Administrativo.
Em 2020, o Tribunal Administrativo da província de Tete através do Acórdão n.º 02/
TAPT/2020 condenou a empresa a reassentar 70 novas famílias que foram “surgindo”
nas comunidades enquanto se aguardava pelo desfecho do processo de reassentamen-
to. Esse desenvolvimento vai ao encontro da protecção dos direitos humanos.

Anadarko Moçambique
A Anadarko Moçambique está envolvida na exploração do Gás Natural Liquefeito
(GNL) na zona de Palma. Em 2016, a OAM intentou uma acção judicial contestando o
processo do direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT) a essa empresa. O litígio
girou em torno da necessidade de se incluir no plano de reassentamento geral da Ana-
darko uma comunidade (Quitupo) não contemplada.208 Em 2019, o Tribunal Adminis-
trativo pronunciou-se dizendo que as comunidades estavam satisfeitas da indemniza-

205 Estava em causa o reassentamento de 289 famílias nas comunidades Cassaco, Luane, Cassica,
Dzinda e Gulo, localidade Chirodzi (distrito de Marrara, província de Tete).
206 Concessão Mineira n.º 3605C.
207 Através do seu projecto de “Monitoria Legal dos Direitos sobre a Terra e Segurança Alimentar das
Comunidades Afectadas pelos Grandes Investimentos”.
208 Salomão, A. Governação Participativa de Terras em Moçambique: Breve Revisão do Quadro Legal
e Desafios de Implementação. Ambiente & Sociedade, São Paulo. Vol. 24, 2022, Ideias em Debate.
2-21 P. Disponível em https://www.scielo.br/j/asoc/a/dmrBw6N499PXXXPrwCFWpch/?forma-
t=pdf&lang=pt (acedido em 17.03.2022).
82 DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA

ção paga pela Anadarko. Porém, no que é relevante, o processo de reassentamento das
comunidades não registou avanços em face dos ataques209 dos insurgentes ocorridos
nas imediações das zonas designadas para o reassentamento das comunidades em cau-
sa.
Relativamente ao que aconteceu nos anos transactos (2018/19), ainda subsistem preo-
cupações sobre a observância dos direitos humanos, relacionadas com processos de
reassentamento e exploração de recursos, que envolvem empresas da indústria extrac-
tiva. Entre essas questões, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos identificou al-
gumas fragilidades relacionadas com o gozo dos direitos humanos no quadro da indús-
tria extractiva, a saber:
1. Prevalência de níveis extremamente altos de pobreza e baixo desenvolvi-
mento, o que contrasta com a percepção geral de existência de abundantes
recursos naturais.
2. Fraca capacidade de intervenção comunitária no processo de negociação na
fase das consultas comunitárias.
3. Incumprimento generalizado dos prazos de implementação dos processos
de reassentamento, bem como das promessas acordadas no âmbito das
consultas comunitárias.
4. Deficiências da legislação em relação ao regime do modelo de critérios de
fixação de compensações.
5. Não divulgação das actas das consultas comunitárias para a implantação de
projectos da indústria extractiva.
6. Pouca transparência na gestão de receitas provenientes de fundos dos 2,75%
que devem ser canalizados para as comunidades.
7. Fraco envolvimento dos membros da comunidade nos processos de preser-
vação e protecção ambiental.
8. Incumprimento do princípio da contratação de mão-de-obra local.
9. Fraca capacidade do Governo em monitorar todas as fases de implementa-
ção de projectos da indústria extractiva.
10. Insuficiência de mecanismos de denúncia para que as comunidades possam
agir em caso de ocorrência de irregularidades.

Por sua vez, a OAM210 elencou uma lista de actos que qualifica como violações dos direi-
tos no âmbito da indústria extractiva. No tocante a alguns exemplos concretos, a OAM
pronunciou-se argumentando que:

209 Esses ataques levaram à suspensão das operações de construção da central de processamento de
GNL na Península de Afungi.
210 OAM, 2020.
DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA 83

1. Na concessão da Ruby Mining, embora se constate haver um esforço


das autoridades governamentais, locais e comunitárias, a comunidade
continuava até 2019 a reclamar a construção de um cemitério, a construção
da estrada para a vila sede e a emissão de títulos de DUAT nas zonas de
reassentamento.
2. No que se refere à KENMARE, as acções de responsabilidade social e
o envolvimento participativo da comunidade em algumas etapas do
desenvolvimento do projecto registavam falhas. Por exemplo, a comunidade
continuava a reclamar por mais furos de água, distribuição de sementes,
câmara frigorífica comunitária e atribuição de talhões às famílias afectadas
pela expansão do projecto. Os casos mais gritantes registam-se em Tete,
onde nenhuma concessionária cumpriu integralmente as obrigações
decorrentes do Regulamento de Reassentamentos, aprovado pelo Decreto
n.º 31/2012, de 8 de Agosto. Com efeito, existem várias anomalias que
vão desde a lentidão e consequente falta de conclusão dos processos de
reassentamento, à falta de qualidade das infra-estruturas comunitárias e
defeitos de construção das casas atribuídas às famílias reassentadas, falta
de pagamento de compensações devidas e pouca transparência na aplicação
da taxa de 2,75% do imposto de produção das concessionárias e imputação
dos custos de reassentamento às comunidades. Em algumas situações, não
existem serviços públicos nas vilas de reassentamento, não há alocação de
terras aráveis, para além de se registar a falta de condições básicas como a
arborização das vilas de reassentamento.

Outros exemplos específicos de violação de direitos humanos apontados pela OAM


incluem:

Tabela 30. Lista de empresas de exploração mineira e respectivos incumprimentos


Nome da
Lista de incumprimentos
empresa
Na implementação do seu projecto de concessão mineira de carvão, no que
tange ao relacionamento com as comunidades, sobre a ICVL, a OAM constatou
os seguintes problemas:
1. Falta de pagamento de algumas indemnizações aos reassentados de
Mualadzi, por perda de culturas em conformidade com a lei.
2. Atribuição de terrenos agrícolas cheios de pedras às comunidades
reassentadas; falta de construção de cemitério local na comunidade de
International Coal
Mualadzi.
Ventures Private
3. Falta de actividades de responsabilidade social corporativa suficientes
Limited (ICVL)
para melhorar as condições de vida da comunidade de Mualadzi.
4. Insuficiência de abastecimento de água potável à comunidade de
Mualadzi;
5. Diferendo com a comunidade de Capanga por causa da alteração do
modelo de casa sem consulta prévia aos beneficiários.
6. Exposição da comunidade de Capanga às poeiras do processo de
mineração, com consequentes riscos de saúde pública.
84 DIREITOS HUMANOS NA INDÚSTRIA EXTRACTIVA

Nome da
Lista de incumprimentos
empresa
Em relação à empresa Vale de Moçambique, a OAM, constatou o seguinte:
1. Falta de auscultação dos líderes comunitários e membros das comunidades
para mapear as reclamações e inquietações.
2. Incapacidade das comunidades reassentadas no bairro 25 de Setembro
para suportar o pagamento mensal da rede pública de abastecimento de
água.
3. Falta de projectos de empoderamento financeiro das comunidades
reassentadas para mitigar a perda dos meios naturais de produção.
Vale Moçambique
4. Falta de planos anuais de responsabilidade social e empresarial das partes
interessadas;
5. Não apresentação anual de relatórios de implementação dos planos de
responsabilidade social.
6. Número de tractores agrícolas disponibilizados à comunidade de Cateme
é insuficiente para o incremento da produtividade agrícola.
7. Falta de apoio à comunidade de 25 de Setembro no plantio de árvores
fruteiras e sombreiras.
No que se refere ao relacionamento com as comunidades na execução da
concessão mineira da Jindal, a OAM constatou os seguintes problemas:
1. Fraca divulgação dos planos de reassentamento às partes afectadas e
Jindal interessadas.
2. Alegada cobrança de 40 000 (quarenta mil meticais) para o desbravamento
das matas na abertura de machambas.
3. Insuficiência de bebedouros para o pasto em Nhamatua.
Fonte: OAM, 2020

De salientar que em 2020 e 2021, estas questões mantiveram-se relevantes em virtude


da falta de acção dos actores envolvidos.

5.2 Gestão das Receitas Geradas pela Indústria Extractiva (A Parte que
Cabe às Comunidades)
As Leis de Minas e dos Petróleos alocam uma percentagem das receitas da actividade
de mineira para o desenvolvimento local. Trata-se de 2,75% do imposto da produção
mineira. Esse montante deve reverter a favor das comunidades. A reversão dessas re-
ceitas às comunidades ocorre através do orçamento do Estado, o que tem vindo a acon-
tecer desde 2013. Entre 2014 e 2020, o Governo transferiu um total de 290,3 milhões
de meticais referente aos 2,75% de impostos sobre a produção mineira. A tabela abaixo
mostra o volume de receitas dos impostos sobre a produção mineira em algumas co-
munidades.
VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS 85

Tabela 31. Total de receitas transferidas para as comunidades no âmbito dos projec-
tos de exploração mineira (2,75%), 2014-2020
 Montante em milhões
Província Distrito Localidade/ comunidade
(10^6) de meticais
Pande
Inhambane Govuro 42,5
Maimelane
Manica
Manica Manica 3,8
Penhalonga
Cabo Delgado Montepuez Namanhumbir 68,5
Nampula Larde Topuíto 26,5
Cateme
25 de Setembro
Tete Moatize Chipanga II 145,6
Benga
Marara
Zambézia Chinde Mitange 3,6
Total 290,5

A transferência de fundos, a sua utilização e impacto têm sido questionadas. Na verda-


de, o que se coloca em causa são os critérios que definem as regras de implementação
de projectos financiados por receitas de exploração mineira e petrolífera canalizadas
para as comunidades. Importa mencionar alguns exemplos dos desenvolvimentos nes-
ta matéria ocorridos nos anos 2020 e 2021.

Sobre a utilização das receitas


Em 2019, a OAM intentou uma acção junto do Tribunal Administrativo instando as
autoridades distritais de Marara a publicar relatórios detalhados sobre a utilização o
valor das receitas da exploração em benefício das comunidades daquela região. Esta-
vam em causa os relatórios referentes às receitas colectadas da Jindal nos exercícios
económicos de 2014 a 2018. Em 2020, através do Acórdão n.º 13/TAPT/20, o Tribunal
Administrativo da Província de Tete intimou o Governo do distrito de Marara a divul-
gar os relatórios detalhados sobre os fundos relativos a 2017 e 2018.211

Recomendações

• Garantir cada vez maior envolvimento da comunidade nos processos de de-


cisão sobre a exploração de recursos locais.
• Exigir que as empresas de exploração mineira cumpram com as suas obri-
gações para com as comunidades.
• Assegurar transparência na gestão e aplicação das receitas/impostos resul-
tantes da exploração dos recursos minerais.

211 Acórdão n.º 13/TAPT/20 do Tribunal Administrativo da província de Tete.


86 VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS

6. VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS


Já foi dito ao longo deste relatório que a situação dos direitos humanos se deteriorou
em 2020 e 2021 devido a ataques desencadeados por grupos armados nas regiões cen-
tro e norte do país. No Centro foram afectadas as províncias de Manica e Sofala e no
Norte a província de Cabo Delgado.
A situação na região centro do país verificou-se entre 2014 e 2019, altura em que foram
registados vários ataques armados naquela região do país perpetrados por supostos
combatentes da RENAMO. Existem relatos segundo os quais esses ataques ocorreram
porque a RENAMO reivindicava que o Governo não estava a cumprir com o Acordo
Geral de Paz. A contestação dos resultados das eleições de 2014 e a integração dos
combatentes da RENAMO nas Forças de Defesa e Segurança eram as principais
reivindicações. Após negociações com o Governo, os ataques da Renamo cessaram em
2019. Todavia, ainda em 2019 surgiu, a autoproclamada Junta Militar da RENAMO212,
um grupo de militares dissidentes que não estava de acordo com a designação de Ossufo
Momade para o cargo de líder da RENAMO em substituição de Afonso Dhlakama. A
Junta Militar exigia também a renegociação dos acordos assinados entre o Governo e
RENAMO, argumentando que estes violaram o que havia sido acordado com o então
líder da RENAMO, Afonso Dhlakama.213 Muitos ataques da Junta Militar decorreram
em 2020, com ligeiro abrandamento em 2021, altura em que a desmobilização,
desarmamento e reintegração (DDR)214 dos combatentes da RENAMO passou a ser o

212 A Junta Militar foi constituída em Agosto de 2019, em Piro, nas imediações da Serra da Gorongo-
sa, província de Sofala, num encontro que juntou mais de 80 guerrilheiros da RENAMO, no qual
Mariano Nhongo foi designado líder do grupo. Disponível em: https://www.dn.pt/mundo/braco-
-armado-da-renamo-reune-se-na-gorongosa-para-eleger-novo-presidente-11215639.html
213 Para além disso, acusava Ossufo Momade de ser o responsável pelo rapto e execução dos membros
da RENAMO com ligações a Afonso Dhlakama, antigo líder da RENAMO. Disponível em: https://
tvi24.iol.pt/internacional/renamo/lider-da-oposicao-em-mocambique-diz-se-aberto-para-rece-
ber-inquietacoes-de-grupo-dissidente
214 O Acordo de Paz Definitiva de Agosto de 2019, assinado pelo Governo e pela RENAMO, definiu
entre outros aspectos, as bases para a implementação do processo de desarmamento, desmobili-
zação e reintegração (DDR). Estabeleceu, ainda, o processo de integração dos quadros superiores
da RENAMO na estrutura de comando das FADM e da PRM. O processo de desmobilização e rein-
tegração teve início em Outubro de 2020, envolvendo perto de 300 combatentes. Este processo
foi retomado depois de meses de interregno devido, por um lado, à falta de recursos para o paga-
mento de subsídios aos combatentes desmobilizados e, por outro, ao cumprimento das medidas
restritivas de prevenção da disseminação da Covid-19. O evento teve lugar numa base localizada no
distrito de Mabote, província de Inhambane. Trata-se da primeira de um total de 16 bases a serem
desactivadas em todo o país, num processo que se espera que abranja um total de 5 221 ex-comba-
tentes da RENAMO. Ver mais informações em: Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/pa-
z-encerrada-primeira-base-militar-da-renamo-em-mo%C3%A7ambique/a-53801580. O processo
de DDR, conforme estipulado pelo Acordo de Paz Definitiva de Agosto de 2019, prosseguiu, tendo
sido desmobilizados e reintegrados, até finais de 2021, um total de 3 267 ex-combatentes da RENA-
MO, sendo 3 141 homens e 156 mulheres. Esse número representa 63% dos 5 221 ex-combatentes
previstos no referido acordo. Foram igualmente encerradas 11 das 16 bases da RENAMO. As refe-
ridas bases foram desmanteladas em cinco províncias. Trata-se das bases de Savane, Muxúnguè,
VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS 87

tema em foco.
Já os ataques na zona norte do país, particularmente em alguns distritos da província
de Cabo Delgado, foram perpetrados por supostos insurgentes, vulgo terroristas, até
aqui pessoas pouco conhecidas. Com excepção dos ataques perpetrados por combaten-
tes da RENAMO, que ocorreram até 2019, os temas aqui enunciados serão abordados
com mais detalhe abaixo.

6.1 Ataques da Junta Militar da RENAMO nas Províncias de Manica e


Sofala
Em 2020, quando os ataques da Junta Militar se intensificaram, os alvos eram viaturas
particulares que circulavam ao longo da estrada nacional entre o rio Save, no distrito
de Machanga, e a vila de Gorongosa. Também se registaram ataques ao longo da estra-
da nacional entre os distritos de Nhamatanda e Gondola. Não obstante terem havido
apelos nesse sentido, o líder da Junta Militar, Mariano Nhongo, nunca se dispôs a
negociar as revindicações do grupo diante de Ossufo Momade e mostrou-se inflexível
às tentativas aproximação do Presidente da República215 e do Enviado Pessoal do Secre-
tário-Geral das Nações Unidas para o Diálogo Político, Mirko Manzoni. 216 Até finais de
2021 os ataques da Junta Militar tinham causado pelo menos 30 mortes e mais de 77
800 deslocados internos nas províncias de Manica e Sofala217, situação alarmante para
os direitos humanos no país.

Inhaminga, Chemba e Marínguè em Sofala; Tambarra, Mossurize, Barué na província de Manica;


Mabote na província de Inhambane; Murrupula na província de Nampula e Zóbuè na província de
Tete. Entretanto, alguns membros da Junta Militar colocaram-se à margem do processo de DDR
desde o início. Porém, João Machava um proeminente membro da Junta Militar e considerado o
número dois de Mariano Nhongo desertou e juntou-se ao grupo desmobilizado no âmbito do pro-
cesso DDR no distrito de Mabote na província de Inhambane, passando a residir na sua terra natal,
no distrito de Chókwè, na província de Gaza. Para além de João Machava, Matsangaissa Júnior,
nome proeminente da Junta Militar, também aderiu ao processo de DDR. Outros membros da
Junta Militar abandonaram as matas e integraram o processo de DDR. Mais informação em: ht-
tps://cartamz.com/index.php/politica/item/10357-ultimas-bases-militares-da-renamo-vao-ser-
-encerradas-em-mocambique (acedido em 12.04.2022)
215 Numa tentativa de aproximação ao líder da Junta Militar para pôr termo aos ataques militares na
região centro do país, o Chefe de Estado decretou no dia 24 de Outubro de 2020 trégua militar uni-
lateral na perseguição aos homens da Junta Militar como forma de criar condições de aproximação
para o diálogo, mas Nhongo não deu passos concretos no sentido de dialogar com o Governo.
216 Disponível em: https://e-global.pt/Notícias/lusofonia/mocambique/mocambique-renamo-con-
vida-nhongo-a-juntar-se-ao-processo-de-ddr/.(acedido em 12.04.2022)
217 Disponível em: https://www.rfi.fr/pt/mo%C3%A7ambique/20211011-mo%C3%A7ambique-
-pol%C3%ADcia-anuncia-morte-de-mariano-nhongohttps://www.rfi.fr/pt/mo%C3%A7ambique/
20211011-mo%C3%A7ambique-pol%C3%ADcia-anuncia-morte-de-mariano-nhongo (acedido em
14.03.2022)
88 VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS

6.2 Violência Extremista em Cabo Delgado


Os primeiros ataques em Cabo Delgado ocorreram em Mocímboa da Praia em Outubro
de 2017. Inicialmente o grupo de insurgentes atacou de forma esporádica e isolada e,
mais tarde, a partir de meados de 2018, os ataques passaram a ser organizados e coor-
denados. Os alvos incluíam bases militares, esquadras da polícia e população civil. Em
2018, e de forma paulatina, os terroristas expandiram as suas investidas para os distri-
tos de Ibo, Macomia, Palma, Muidumbe, Nangade e Quissanga.218
Em 2020, o número de mortes causadas pelos insurgentes foi de 2 567. Em 2021 o
número de mortes aumentou para 3 627. 219 Apesar de um elevado número cumulativo
de mortes registadas em 2021, o número de mortes efectivas naquele ano foi inferior
ao número de mortes nos anos anteriores. A redução de mortes em 2021 está relacio-
nada com o sucesso das operações militares desencadeadas pelas FDS apoiadas pelas
forças do Ruanda220 e pelas forças da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da
África Austral em Moçambique (SAMIM)221. Além das mortes, os ataques dos terroris-
tas forçaram as populações dos distritos afectados a abandonarem as suas residências
e procurarem lugares seguros. A intervenção da Força Conjunta permitiu restabelecer
a segurança nas zonas afectadas, abrindo espaço para as populações retornarem às
zonas abandonadas.222 Foi também possível eliminar, em combate, mais de 200 terro-
ristas e capturar mais de 245 suspeitos de colaborarem com os terroristas. Os esforços
permitiram ainda recuperar diverso material bélico, viaturas, motorizadas e outros
bens saqueados da população.223

6.3 Direitos Humanos e os Ataque Militares em Cabo Delgado


Vários relatos apontam que os ataques militares abriram espaço para abuso e viola-
ção dos direitos humanos em Cabo Delgado. Entre eles, os insurgentes são acusados
de execuções sumárias, homicídios e mutilação de corpos. Contra estes pesam ainda
acusações de prática de sequestros, estupro de mulheres e crianças, bem como saque e
destruição de bens da população civil. Se, por um lado, os insurgentes são acusados de
cometerem atrocidades contra as populações, por outro, as FDS224 também são acusa-
das de excessos na execução das suas tarefas. Particularmente, as FDS foram acusadas
de detenções arbitrárias, execuções sumárias, rapto e tortura da população civil, ale-

218 Hanlon, Joseph (8 de Janeiro de 2018). «Alleged Islamist base shelled near Mocímboa da Praia».
Club of Mozambique (acedido em 26.01.2018)
219 Disponível em: https://acleddata.com/cabo-ligado-mozambique-conflict-observatory/ (acedido
em 14.03.2022).
220 No país desde Junho de 2021.
221 No país desde Setembro do mesmo ano.
222 Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/mo%C3%A7ambique-for%C3%A7a-militar-conjun-
ta-anuncia-morte-de-14-terroristas-em-macomia/a-60237221. (acedido em 11.03.2022).
223 Disponível em: https://www.karingana.co.mz/tag/terroristas/(acedido em 02.03.2022).
224 Disponível em: 00-mortos-em-tres-anos-de-conflito-em-cabo-delgado/(acedido em 02.03.2022).
VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS 89

gadamente por colaborarem com os terroristas.225 Passamos a apresentar alguns exem-


plos de alegado excesso de uso da força pelas FDS.
• Em 2019, dois jornalistas, nomeadamente, Amade Abubacar e Germano
Adriano, foram detidos e maltratados pelas FDS sob acusação de violação
do segredo de Estado e incitamento à desordem.226
• Em Abril de 2020, o jornalista e locutor da Rádio Comunitária de Palma,
Ibraimo Abu Mbaruco foi apreendido pelas FDS, não se sabendo do seu pa-
radeiro até ao presente momento.227
• Em Setembro de 2020, através de diversas plataformas digitais e televisões
nacionais e internacionais, foi posto a circular um vídeo com imagens de
uma mulher nua a ser espancada e de seguida executada com uma rajada
tiros de arma de fogo, em plena via pública, por um grupo homens trajados
de uniforme similar ao das FDS.228
• A Amnistia Internacional (AI) apresentou vídeos e fotos, que expunham
“tentativas de decapitação, tortura e outros maus-tratos a detidos, o des-
membramento de alegados combatentes da oposição, possíveis execuções
extrajudiciais e o transporte de um grande número de cadáveres até valas
comuns”, como actos praticados pelas FDS.229

As FDS distanciaram-se das acusações. A OAM não tem conhecimento de nenhuma


acção que as autoridades estejam a tomar para esclarecer estes assuntos melindrosos.

6.4 Responsabilização Pelos Ataques na Zona Centro e Norte do País


Conforme acima explanado, os ataques armados nas zonas centro e norte do país ge-
raram situações de violação dos direitos humanos. A responsabilização dos autores
dessas violações é um dos pontos fulcrais no debate sobre a protecção dos direitos
humanos naquelas regiões. Em 2020, em Cabo Delgado, foram instaurados 13 proces-
sos-crime envolvendo 58 arguidos. Entre os visados, 47 eram homens e 11 mulheres.
Entre os visados consta que havia cidadãos moçambicanos e estrangeiros. Até finais
de 2020 foram deduzidas 4 acusações e os restantes 9 processos permaneceram em

225 Disponível em: https://www.amnesty.org/en/wp-content/uploads/2021/08/amr190252005pt.


pdf (acedido em: 18.05.2022).
226 Disponível em: https://www.voaportugues.com/a/mais-um-jornalista-detido-no-norte-de-mo%-
C3%A7ambique/4798161.html (revisitado em 18.05.2022).
227 Disponível em: lista-mo%C3%A7ambicano-chega-a-onu-atrav%C3%A9s-dos-rsf/5487896.html
(acedido em 14.03.2022).
228 Disponível em: https://sicNotícias.pt/especiais/violencia-em-mocambique/2020-09-17-Hu-
man-Rights-Watch-pede-investigacao-a-execucao-de-uma-mulher-no-norte-de-Mocambique-
-387f2352 (acedido em 17.09.2020)
229 00-mortos-em-tres-anos-de-conflito-em-cabo-delgado/.
90 VIOLÊNCIA MILITAR NO CENTRO E NORTE DO PAÍS

instrução preparatória.230 Não foi possível obter informação sobre o desenvolvimento


destes processos em 2021. Sabe-se, porém, que os processos tratam de acusações sob a
prática de crimes de terrorismo.
Já na região centro do país, em 2020 foram movidos 36 processos contra indivíduos
supostamente envolvidos em ataques armados. Deste universo, 32 processos referem-
-se a actos de violência armada na província de Sofala e 4 na província de Manica. A
pesquisa não apurou a evolução da situação em 2021.231
A responsabilização dos agentes de actos contra os direitos humanos é deveras impor-
tante para o gozo e protecção desses direitos. A seguir, e apesar dos avanços no quadro
de responsabilização de autores de violação de direitos humanos ligados a grupos de
terroristas ou insurgentes e membros da Junta Militar da RENAMO, clama-se pela res-
ponsabilização dos agentes das autoridades supostamente envolvidos nessas práticas
nefastas.

Recomendações

• As autoridades, OCSs e populações devem continuar vigilantes sobre a


questão da segurança no país.
• Os órgãos de fiscalização da legalidade devem investigar as denúncias sobre
as atrocidades cometidas contra a população.
• Os órgãos de administração da justiça devem responsabilizar criminalmen-
te todos os indivíduos envolvidos em actos de terrorismo e outros actos re-
lacionados com ataques armados, independentemente do facto de os seus
agentes pertencerem a grupos de malfeitores ou às autoridades.
• Continuar a respeitar, proteger e assegurar o gozo do direito à vida em
situação de conflitos armados e proibir a tortura, tratamento desumano,
maus-tratos e tratamentos degradantes.
• Respeitar as regras do Direito Humanitário.

230 PGR, 2021, p.36


231 Idem.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 91

7. PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

7.1 Conclusões
O ambiente de protecção dos direitos humanos em Moçambique em 2020 e 2021 foi
marcado pela ocorrência de eventos atípicos, designadamente ciclones e o surto de
Covid-19. Os ciclones no Centro e Norte do país e um pouco pela região sul, aliados ao
surto da Covid-19 colocaram pressão nos esforços para garantir a protecção e gozo dos
direitos em alusão. Na região centro e norte, a situação agravou-se devido à ocorrência
de conflitos armados, que causaram a deslocação das populações e geraram oportuni-
dades para a violação dos direitos humanos.
Apesar dos desafios, o país continuou a alargar o quadro normativo de protecção dos
direitos humanos, embora de uma forma tímida, num contexto em que o foco era re-
solver a questão da pandemia e os efeitos dos desastres naturais. Perante vários de-
safios reais, deve dar-se seguimento aos esforços no sentido de melhorar o quadro de
protecção dos direitos humanos no país.

7.2 Recomendações

Ambiente político e de governação


O Estado de Direito Democrático materializa-se através de uma participação ampla e
activa dos cidadãos nos “grandes assuntos” da nação e a alteração ou revisão constitu-
cional enquadra-se nessa lógica, em conformidade com o disposto no artigo 73 da CRM
e no artigo 10, n.º 2, da CADEGA. À Assembleia da República e aos demais Órgãos de
Soberania recomenda-se a fiscalização e o cumprimento dessas disposições legais sob
pena de flagrante violação das mesmas.
Contando que o estado de calamidade pública e os desafios a ele associados prevalecem
para além do período de elaboração deste relatório há necessidade de maior envolvi-
mento do Tribunal Administrativo, Ministério Público e outros órgãos do Sistema de
Administração da Justiça na fiscalização do cumprimento da legalidade pelos órgãos
de poder público, que lançaram mão ao ajuste directo como modalidade de contrata-
ção de bens e serviços durante a vigência do estado de calamidade pública.

Recomenda-se ainda, em particular:

• Avaliação do grau de cumprimento da legalidade dos processos de aquisi-


ção de bens e contratação de serviços pelo Estado, em particular processos
ligados ao estado de emergência e de calamidade causado pela Covid-19.
• Responsabilização criminal dos agentes e funcionários do Estado envolvi-
dos em actos de corrupção (tráfico de influência), sobrefacturação e outras
formas de violação das leis de contratação pública, incluindo actos de uso
indevido/abusivo de fundos públicos para finalidades alheias à emergência
92 PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

ou calamidade pública.
• Realização de auditorias periódicas e frequentes às instituições públicas
que adquirirem bens e contratarem serviços com fundos de emergência da
Covid-19.
• Identificação e responsabilização criminal dos possíveis desvios de conduta
pelos agentes envolvidos nos processos de contratação pública no âmbito
da Covid-19.

Gestão da crise de saúde pública decorrente da pandemia

• Evitar o uso excessivo/abusivo da força e recorrer a campanhas de sensi-


bilização e educação do cidadão no sentido de fazer compreender os riscos
associados à propagação da Covid-19.
• As autoridades de inspecção (Inspectores do INAE, PRM, Polícia Munici-
pal) devem ser proactivas no sentido de evitar a actuação abusiva e despro-
porcional dos agentes que fiscalizam o cumprimento das normas.

Direitos civis e políticos

Sem descurar os avanços no quadro da temática do acesso à justiça, a OAM


recomenda:

• A formação contínua dos agentes do sector da justiça (magistrados, advo-


gados e técnicos do IAPJ).
• Continuação e expansão da rede do IPAJ e aumento dos quadros desta
instituição nos locais onde a população dificilmente consegue aceder aos
serviços do IPAJ para a defesa dos seus direitos e interesses.
• Continuação e alargamento das campanhas de educação cívica, que vi-
sam a divulgação de leis sobre os direitos humanos para munir as popu-
lações de conhecimento sobre os seus direitos, instituições e meios de
defesa existentes.
• Operacionalização dos 19 tribunais dos distritos que não entraram em
funcionamento em 2021.

Para reduzir a morosidade processual, a OAM recomenda

• Sensibilização dos magistrados, oficiais de justiça, advogados, técnicos


jurídicos do IPAJ, polícia e demais profissionais que trabalham no sector
da justiça sobre a natureza urgente das tarefas que desempenham.
• Acelerar a implementação de programas de informatização judiciária e
modernização dos serviços das secretarias judiciais.
• Investigar e aplicar as medidas administrativas necessárias e outras que
couberem para os agentes do sector da justiça que causem morosidade
PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 93

processual (intensificação da inspecção e controlo das actividades dos


Tribunais e do Ministério Público).

No campo das medidas de prisões preventivas, a OAM recomenda

• Revisão do quadro normativo penal aplicável às medidas de prisão pre-


ventiva no sentido de reduzir tais prazos.
• Maior celeridade na tramitação dos processos, dando prioridade aos pro-
cessos de prisão preventiva com prazos expirados.
• Uso de outras medidas alternativas à prisão preventiva nos casos de pe-
quenos delitos, incluindo a possibilidade de caução de liberdade condi-
cional ou liberdade mediante termo de identidade e residência (TIR).

Para reduzir a superlotação dos EPs, a OAM recomenda

• Sensibilização aos juízes no sentido de aplicarem penas não privativas da


liberdade, sempre que seja possível a sua aplicação.
• Fiscalização escrupulosa do cumprimento do dever de priorizar, sempre
que possível e quando a lei permita, o uso de penas não privativas de li-
berdade, incluindo a revisão de processos findos.
• Implementação de programas que previnam o crime e mantenham a po-
pulação activa em actividades produtivas, reduzindo as oportunidades
para a prática de actos de natureza criminal.
• Implantação de serviços de saúde nos EPs que não tenham esses serviços,
de modo a permitir a assistência regular e atempada à população carce-
rária e não só.

Para a materialização da missão constitucional e legal conferida à PRM, urge a


tomada dos seguintes passos
• Reforço das medidas de prevenção da violência incluindo a implementa-
ção de cursos de formação para os agentes da lei e ordem com matérias
sobre direitos humanos, fundamentalmente matérias sobre a dignidade
do ser humano.
• Responsabilização disciplinar administrativa e penal exemplar dos agen-
tes que pratiquem actos de violência contra o cidadão.
• Refinamento dos requisitos de admissão de candidatos a agentes da
PRM, garantindo que sejam admitidas apenas pessoas que mostrem es-
tar comprometidas com a causa da defesa da lei, ordem e segurança pú-
blica, respeitando a dignidade do ser humano na actuação dos agentes da
lei e ordem.
94 PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

• Melhoria das condições materiais e financeiras dos agentes da lei e or-


dem.
• Provisão e disseminação para o conhecimento público de informação so-
bre crimes de violência praticados pela polícia, incluindo os nomes dos
agentes envolvidos e medidas disciplinares aplicadas.

Sobre a questão das execuções sumárias recomenda-se

• Maior transparência na abordagem deste assunto, incluindo informação


sobre as medidas aplicadas quando se constatam violações de direitos
humanos no âmbito de execuções sumárias perpetradas por agentes ao
serviço dos órgãos da lei e ordem e de defesa da segurança do país.
• O reforço da capacidade de investigação dos autores das execuções su-
márias e a investigação das denúncias de prática ou suspeita de prática
deste crime.
• Responsabilização exemplar e de forma transparente dos agentes dos cri-
mes de execuções sumárias e de outros males que afectem negativamente
o gozo dos direitos humanos.
• Melhoria do manuseamento de informação e disponibilização de estatís-
ticas e dados relevantes sobre os casos de execução sumária no país.

Para uma maior actuação e combate aos raptos e sequestros, reco-


menda-se

• Responsabilização criminalmente exemplar dos agentes que se envol-


vam em práticas de crimes de sequestro e rapto.
• Maior articulação entre PGR, SERNIC, Tribunais e OAM no combate aos
raptos e sequestros.
• Envolvimento de outras instituições relacionadas (bancos, operadoras de
telefonia móvel e serviços migratórios), que possam servir como alavan-
cas do crime.
• Alocação de recursos materiais adequados para a realização de determi-
nadas perícias, relativas à investigação, nomeadamente investir em tec-
nologias de informação para as instituições que trabalham no sistema da
justiça.
• Refinamento e aprimoramento dos critérios de selecção de candidatos
para os serviços de investigação criminal.
• Capacitação dos agentes (recursos humanos) em investigação criminal.
• Desenvolvimento de acções e programas de sensibilização da comunida-
de sobre os raptos e sequestros contemplando informação sobre os me-
PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 95

canismos de denúncia e os meios de defesa das pessoas que denunciarem


crimes desta natureza.
• Reforço da colaboração internacional, entre Moçambique e outros paí-
ses, em matéria de prevenção e combate aos raptos.

Direitos de acesso à informação, liberdade de imprensa e de opinião

• Adopção de medidas legislativas que ofereçam maior protecção aos jor-


nalistas no exercício de suas actividades.
• Maior compromisso para com a transparência por parte do Governo,
através de um maior envolvimento e colaboração com a sociedade civil,
assim como com profissionais de comunicação social, o que implica me-
lhorar o relacionamento e respeitar o papel da imprensa na sociedade.
• Incentivo ao jornalismo local e independente, de modo a facilitar o aces-
so à informação por parte da população que não tem acesso aos vários
meios de informação digital.
• Combate à perseguição aos profissionais de comunicação social, inves-
tigando e aplicando sanções aos prevaricadores que põem em causa o
compromisso do Estado em relação ao direito de liberdade de imprensa,
liberdade de opinião e acesso à informação.

No que toca ao direito de livre associação, recomenda-se o respeito dos ditames


da Constituição relativos ao direito de livre associação sem discriminação de
orientação sexual, bem como a reforma e actualização da Lei das Associações
visando a protecção de todas as formas de associativismo que não ponham em
causa os direitos fundamentais.

Direitos económicos, culturais e sociais

Direito à saúde

• A expansão contínua da rede sanitária, incluindo a alocação de recursos


materiais, equipamentos e técnicos, como tem vindo a acontecer nos últi-
mos anos, bem como a divulgação de informação relativa às reclamações
dos pacientes e acompanhantes.
• Definição dos planos para a aquisição de novos lotes de vacinas a médio
e longo prazo, incluindo o investimento e o uso e exploração de recursos
locais (universidades e centros de pesquisa e laboratórios médicos) na
investigação e desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19.
96 PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Acesso ao tratamento do HIV e doenças associadas

• As autoridades de saúde devem continuar a implementar as medidas que


visem assegurar a adesão dos pacientes com HIV ao tratamento e a reten-
ção dos pacientes em TARV.

Quanto ao direito de acesso à educação

• Dar continuidade à provisão de serviços de internet e de equipamentos


a custos razoáveis, com vista a aumentar o acesso aos meios digitais por
parte das famílias pobres e desfavorecidas.
• Adopção de uma política que inclua o apoio ao ensino e educação de
crianças de famílias de baixa renda.

Violência doméstica e violência baseada no género

• Continuar a multiplicar os canais de disseminação (nas escolas, na co-


munidade e em outros lugares) da legislação atinente à protecção dos
direitos da criança, da mulher e dos idosos.
• Assegurar a expansão desses serviços e outras iniciativas (como por
exemplo, a iniciativa Spotlight) para todo o país.
• Desencorajar ritos (por exemplo mutilação genital), que põem em causa
o gozo dos direitos da rapariga, da mulher e da criança. A este respeito,
devem ser envolvidas as lideranças locais, as confissões religiosas e as
organizações baseadas na fé.
• Promover e disseminar mecanismos locais de denúncia através de canais
e linhas de apoio de fácil acesso pelas crianças e pelos grupos com baixos
níveis de escolaridade.

Impacto da pandemia nas relações laborais

• Monitoria constante da situação epidemiológica para ponderar as medidas a


aplicar de tempos em tempos.

Direitos humanos na indústria extractiva

• Continua necessária a aprovação de um quadro regulamentar que permita


a participação das comunidades no processo de negociação das concessões
mineiras e petrolíferas. O aludido quadro regulamentar deve respeitar as
normas internacionais, regionais e domésticas sobre o consentimento livre
informado e o direito à justa compensação.
• Garantir cada vez mais um maior envolvimento da comunidade nos proces-
sos de decisão sobre as explorações de recursos locais.
• Exigir que as empresas de exploração mineira cumpram as suas obrigações
PRINCIPAIS CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES 97

para com as comunidades.


• Assegurar a transparência na gestão e aplicação das receitas/impostos resul-
tantes da exploração dos recursos minerais.

Violência militar nas regiões centro e norte do país

• Assegurar a responsabilização pelos ataques na zona centro e norte.


• As autoridades e OSCs devem continuar vigilantes sobre a questão da segu-
rança no país.
• Os órgãos de fiscalização da legalidade devem investigar as denúncias sobre
as atrocidades cometidas contra a população.
• Os órgãos de administração da justiça devem responsabilizar criminalmente
todos os indivíduos envolvidos em actos de terrorismo e outros actos re-
lacionados com ataques armados, independentemente do facto de os seus
agentes pertencerem a grupos de malfeitores ou às autoridades.
• Continuar a respeitar, proteger e assegurar o gozo do direito à vida em si-
tuações de conflito armado e proibir a tortura, tratamento desumano, maus-
-tratos e tratamentos degradantes.
• Respeitar as regras do Direito Humanitário.
REFERÊNCIAS 99

REFERÊNCIAS

Documentos Importantes
Acórdão n.º 13/TAPT/20 do Tribunal Administrativo da província de Tete.
Acórdão n.º 5/CC/2020, de 30 de Março.
Código Civil.
Código de Execução das Penas.
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Departamento de Atendimento à Família e Menores Vítimas de Violência. Relatório das
Actividades Realizadas de Janeiro a Dezembro de 2021. Maputo. 2022.
____. Relatório das Actividades Realizadas de Janeiro a Dezembro de 2020. Maputo. 2021.
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MEPT. Estudo sobre Impacto das Medidas de Mitigação da Covid-19 na Educação Básica em
Moçambique. Maputo, 2020.
MISAU. Anuário Estatístico de Saúde, 2020.
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108 DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
Por Uma Ordem Inclusiva ao Serviço do Advogado e do Estado de Direito Democrático

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