em Comunicação e Cultura
v. 10, n. 2, julho-dezembro de 2007
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Revista ECO-PÓS é uma publicação semestral da Pós-Graduação em
Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da UFRJ, dedicada à análise
do papel da comunicação e da cultura no mundo contemporâneo.
Conselho Científico:
Angela Prysthon, Brasil - Anibal Ford, Argentina - Antônio Albino Rubim, Brasil -
Antônio Fatorelli, Brasil - Antônio Fausto Neto, Brasil - Antonio Gutiérrez, Espanha -
Arlindo Machado, Brasil - Carlos Alberto M. Pereira, Brasil - Denilson Lopes, Brasil -
Denis de Moraes, Brasil - Enrique Bustamante, Espanha - Fernando Andacht, Uruguai -
Fernando Contreras, Espanha - George Yúdice, EUA - Henri-Pierre Jeudy, França - José
Rabello, Portugal - Lorraine Leu, Inglaterra - Luciano Arcella, Itália - Nízia Villaça,
Brasil - Sergio Dayrell Porto, Brasil - Stuart Hall, Inglaterra
Publicação semestral
ISSN 0104-6160
326 p.
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v. 10, n. 2, jul-dez 2007
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editorial .................................................................................................... 09
nota de conjuntura
. Gaelle Rony – Turquia: um teste para a Europa. Identidades européias
e identificações nos discursos midiáticos turcos, belgas e franceses.................. 13
portfólio
. Projeto Obitel e ficção televisiva no espaço ibero-americano ............................. 280
resenhas
. Igor Sacramento – O telejornal de Bart e Lisa Simpson
(TRAVANCAS, Isabel. Juventude e televisão.) .......................................................... 293
. Alzira Alves de Abreu – O jornalismo carioca em debate (RIBEIRO, Ana Paula
Goulart. Imprensa e historia no Rio de Janeiro dos anos 50.) ............................................. 299
. Ecio P. Salles – Reinventando a cidade
(HERSCHMANN, Micael. Lapa, cidade da música.) ................................................. 301
. Tatiana Galvão – Efervescência cultural na Espanha pós-franquista
(FOURCE, Héctor. El futuro ya está aqui.) ................................................................... 305
resumos / abstracts ................................................................................... 310
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O melodrama, nos últimos anos, tem sido objeto de muitos estudos na
área da comunicação. Com diferentes significados, o conceito é aplicado a gêneros e
formas artísticas diversas, como literatura clássica, romance policial, folhetim, cinema,
telenovela e mesmo jornalismo e documentário. Desde o trabalho fundador de Peter
Brooks, The Melodramatic Imagination (1974), têm se multiplicado os estudos que
buscam entender o melodrama para além de sua aplicação canônica, como uma espécie
de regime de expressividade que atravessa inúmeras manifestações culturais. Esta
edição da revista ECO-Pós procurou agrupar uma amostra representativa deste
horizonte analítico através de um leque diversificado de autores, instituições e
perspectivas.
O dossiê Comunicação e Melodrama é composto por oito artigos. O
primeiro deles, de Maurício de Bragança, busca refletir sobre as tradições do melodrama
a partir de uma revisão da literatura que trata do conceito. Em seguida, o texto de
Paula Guimarães e Vera França analisa a representação do amor em telenovelas da
Rede Globo. A teledramaturgia é também objeto de mais três trabalhos desta edição.
Claudia Mogadouro contextualiza as análises sobre ficção televisiva no Brasil e na
América Latina para se referir a este objeto como crucial na construção cultural da
nacionalidade. Marina Caminha trabalha a expansão das fronteiras do formato das
telenovelas através da análise dos elementos compositivos do quadro Retrato Falado,
exibido no Fantástico. E, por fim, Clara Fernandes Meirelles investiga o modo como
o melodrama atualizou-se em diferentes formatos narrativos e contextos socioculturais,
mantendo-se vivo como matriz da produção televisiva.
Os textos seguintes centram-se no ambiente jornalístico. O ensaio de
Ana Lúcia Enne busca delimitar o sensacionalismo frente às matrizes culturais
fundamentais que o corporificam. Já a análise de Márcia Franz Amaral busca resgatar
o conceito de melodrama para verificar sua presença como recurso de popularização
dos veículos jornalísticos impressos. Por fim, coube à Mariana Baltar abordar o
universo cinematográfico através do filme Um Passaporte Húngaro. A autora reflete
sobre um tipo de vínculo afetivo que se estabelece a partir das performances da
memória, sobretudo através dos testemunhos, presentes no documentário.
Um volume específico sobre melodrama seria incompleto se deixasse
de mencionar o trabalho do Núcleo de Pesquisa de Telenovela, da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Além do Dossiê, que traz o artigo
de Cláudia Mogadouro, membro da equipe do NPT, o Núcleo aparece em duas outras
seções desta ECO-Pós: na entrevista com a figura fundamental deste universo, a
professora Maria Immacolata Vassalo de Lopes, e no Portfólio, seção em que é
Editorial
10
ECO-PÓS- v.10, n.2, julho-dezembro 2007, pp.9-11 11
12
Turquia: um teste para a Europa.
Identidades européias e identificações
nos discursos midiáticos turcos,
belgas e franceses
Gaelle Rony
INTERAÇÕES U.E.-TURQUIA
Um tal ângulo de aproximação pode surpreender. O pedido de
adesão da Turquia à U.E. é geralmente abordado como uma longa seqüência
de cálculos de poder, de interesses econômicos e geoestratégicos. As rela-
ções diplomáticas são então reconstruídas em uma visão linear da história,
na qual a Turquia caminharia para a Europa como quem avança para o pro-
gresso. Além disso, elas são estudadas a partir das motivações da Turquia de
se ancorar na Europa, mas pouco a partir daquelas da U.E. Nessa perspecti-
va, a entrada da Turquia na U.E. dependeria somente da sua boa vontade em
resolver o conflito com o Chipre, da sua capacidade em atender às condi-
ções de Copenhague 5 e, mais amplamente, em satisfazer um desenvolvimento
político e econômico elevado. Ora, se esses últimos fatores parecem ser
necessários para compreender por que a Turquia não aderiu ainda efetiva-
mente à U.E.; eles não são suficientes. De fato, esse tipo de explicação tira
a força dos discursos que agem em filigrana nas relações turco-européias, e
a reduz, na melhor das hipóteses, a uma função de representação. Entretan-
to, não são tanto as percepções mutuais da Turquia e da Europa que podem
explicar a história turco-européia, mas as relações que elas induzem. A esse
respeito, os discursos, como dizia Todorov, “são também os motores da
história” (Todorov, 1989:14). No nosso enfoque de estudo, os discursos
estatais e institucionais são sintomáticos do seguinte princípio de interação: 6
1) boas relações entre os dois agentes: pedido por parte da Turquia de se
aproximar da U.E. e sinais de encorajamento ou de aprovação da parte desta
última; 2) fase de esperança por parte da Turquia de se ancorar definitiva-
mente à Europa; 3) recuo da U.E. em relação às expectativas da Turquia
INSTRUMENTOS TEÓRICOS
Como somente a análise das representações não dá exatamente
conta da luta por reconhecimento observada nos discursos midiáticos, o
nosso quadro teórico se apóia também sobre o uso, em interação, dessas
representações. Ele se formou assim em torno de duas noções que nós de-
signamos de critérios de pertencimento e critérios de reconhecimento.
PODER DE IDENTIFICAÇÃO
Primeiramente, os agentes sociais belgas, franceses e turcos não
dispõem todos das mesmas possibilidades na luta pelo reconhecimento. A
sua margem de ação depende do seu “poder de identificação”, da sua “auto-
ridade para nomear e para se nomear” (Cuched, 1996:86). De fato, para
Bourdieu, um grupo em posição de dominação controla, impõe os valores e
LÓGICA EMOTIVA
Além das relações de força simbólicas e os riscos que nascem
da discussão, a luta pelo reconhecimento reage a uma força emotiva intensa,
e isso de várias maneiras. Primeiramente, observamos a emoção dos entre-
vistados turcos quando eles respondiam à questão “vocês se sentem
europeus?” (e não à questão “vocês são europeus?”), ou quando eles lem-
bravam os valores que eles atribuem à Europa (a cultura, os Direitos
Humanos, por exemplo). Essa emoção pode ser compreendida como o sinal
do poder de atração dessas referências, simplesmente do seu poder, e como
o desejo, da parte dos entrevistados, de fazer parte disso. Aliás, não é um
acaso se, na Turquia, dizer “isso é europeu” significa dizer “isso é excelen-
te”. Em segundo lugar, é pela pertinência emocional da sua argumentação
que vários enunciadores procuram convencer os outros da sua opinião so-
bre a entrada da Turquia na U.E. Um jornalista concluirá a sua descrição dos
candidatos à adesão pela frase: tudo isso é básico, mas é mesmo assim verda-
deiro, hein; como se o seu discurso se justificasse antes de tudo pela emoção
que ele provocava. Além do mais, o critério cultural e religioso de
pertencimento à Europa, retomado sobretudo a partir da cúpula de Bruxelas
em 2004, parece ter aumentado de poder graças a um contexto internacional
que lhe é propício, e porque, desde então, ele permitia, talvez mais do que
28
Melodrama: notas sobre a tradição/tradução
de uma linguagem revisitada
Maurício de Bragança
12 “Ao fim de cada ato, deve-se cuidar para manter todas as personagens
juntas num grupo, e localizar cada uma delas no gesto que corresponda à situação de
seu espírito. Por exemplo: o sofrimento se localizará na sua mão sobre a testa, o
desespero a fará puxar seu cabelo, e a felicidade a fará lançar a perna no ar. Esta
perspectiva geral é designada como Tableau. Pode-se perceber o quão confortador é
para o espectador pegar de imediato a condição psicológica e moral de cada
personagem.”
telespectadora, uma mulher com auto-estima, decência e inteligência não deseja nem
merece se envolver com um homem garanhão como César, a não ser que goste de
sofrer — o que é o caso de muitas mulheres que gostam de estar sempre na posição
de vítima: “apesar de não gostar muito da Helena, torço para que ela seja feliz, mas
nem mesmo ela merece o César [...]. quero também que o Téo seja muito feliz com
ou sem a Helena. Um amor como o que ele sente por ela é muito difícil de encontrar”.24
Ao criticar o comportamento de César e tematizar o amor que Téo sente por Helena
como uma busca difícil de ser realizada, a telespectadora Ruth contesta a escolha da
protagonista por um homem que “não presta”. Emerge com a fala dela o desejo de
construir uma relação amorosa com um homem bom — como Téo — colocando fim
à difícil busca de realização plena do amor.
Essa valorização do amor de Téo é compartilhada por outra
telespectadora. Na visão de Ana, é “o amor que todas nós mulheres procuramos”.25
Com a fala dela, Téo emerge como o “bom moço” da história: ele “tem inúmeras
virtudes que nós mulheres procuramos e dificilmente encontramos nos homens” e
deve “encontrar uma mulher que mereça o seu amor”. Mais uma vez, o amor que o
músico sente configura um sentimento “bom” e desejável pelas pessoas. A forma de
realizar o amor manifestada por Ana e Ruth contraria o modo como Helena deseja
vivenciá-lo. Afinal, a protagonista de Mulheres apaixonadas decidiu abandonar todas
as “virtudes” de Téo para se casar com o “canalha” do César.
A telespectadora Rita critica as atitudes e o papel adotado tanto por
César como por Téo nos relacionamentos. Para ela, o destino do músico é ficar com
os restos do garanhão César, em uma novela em que “todo mundo dorme com todo
mundo, é um troca-troca a toda hora”.26 Em outra manifestação,27 além da crítica a
César por ser um garanhão, aparece também uma crítica a Téo. Diferentemente do
REFLEXÕES FINAIS
Apresentamos, de maneira breve conforme as regras de composição
deste artigo, algumas das matrizes que consideramos fundamentais para o surgimento
do sensacionalismo na imprensa contemporânea. Em outro momento, cabe-nos
demonstrar como tais matrizes irão reaparecer nas práticas sensacionalistas do século
XX, bem como ampliar as reflexões sobre o fluxo cultural que alimentará o imaginário
ocidental para além da Modernidade já consolidada dos Novecentos, buscando seus
vestígios e questões nos primórdios do processo moderno do Ocidente, ainda na
Idade Média. Acreditamos ter aqui um importante caminho para pensarmos o
surgimento da moderna mídia de massa, voltada para a ampliação de seu público e
que, neste processo, incorpora atributos culturais dos mais diversos segmentos sociais.
Mapearmos este processo é um de principais objetivos da pesquisa que desenvolvemos.
No entanto, não nos basta o como. Queremos, sim, mapear tal processo
de imbricações e mediações e entender como este se deu na modernidade ocidental.
Mas queremos também, evidentemente em outro espaço mais apropriado, pensarmos
alguns porquês: por que tal configuração, nitidamente processual e dialógica, passou
a ser compreendida, a partir de meados do século XX, como algo que irrompe,
negando assim o seu fluxo? Por que o sensacionalismo, ambivalente e polifônico,
percebido em constante jogo de interação com a razão, foi estigmatizado como sendo
unicamente instrumento de alienação, manipulação política e econômica, resquício
cultural do atraso e marca indelével da falta de gosto e distinção das camadas subalternas?
São perguntas que nos movem e nos levam a algumas reflexões
preliminares, que acabam apontando para outras perguntas. Parece-nos claro que
estamos diante de um processo histórico de memória, envolvendo jogos de lembrança
e esquecimento, relacionados de forma intrínseca com a construção de identidades
sociais (em especial de classe), e com a constituição de projetos de futuro, marcados
pela distinção e pela atribuição significativa de valor a determinadas dimensões de
gosto e consumo. Sem esquecer as marcas evidentes da indústria cultural e das
estratégias políticas que envolvem o uso do sensacionalismo na mídia contemporânea,
achamos cabível perguntar a quem interessa esquecer o caráter processual de sua
constituição, que remete a jogos intensos de negociação e circularidade entre camadas
sociais. Qual seria, nesta construção de memória/identidade/projeto envolvendo o
sensacionalismo, o papel dos agentes da imprensa, da mídia de uma forma geral e
UM PASSAPORTE HÚNGARO –
AFETIVIDADE QUE REITERA INTERSEÇÃO
PRIVADO E PÚBLICO
Partindo de um projeto pessoal de conseguir um passaporte húngaro,
Sandra Kogut acaba por trazer questões muito contemporâneas em torno da
desestabilização da identidade, dos trânsitos simbólicos e efetivos no processo de
globalização, dos traumas familiares e sociais a partir do evento da Segunda Guer-
ra Mundial.
Um passaporte húngaro inicia-se com a empreitada que a diretora se
coloca em conseguir o passaporte, pois seus avós, que migraram para o Brasil em
plena Segunda Guerra, eram húngaros. A partir desse momento, o filme acompanha
esse processo junto ao consulado da Hungria na França (onde então Sandra morava),
junto ao arquivo nacional brasileiro, recuperando os arquivos e dados da migração, e
junto aos familiares de Sandra no Brasil e na Hungria. Entre esses familiares, que
darão a Sandra as comprovações de sua ascendência húngara, está a avó Mathilde e
seus tios na Hungria, Eva e Gyuri. Estes personagens atestam a ascendência húngara
da diretora/narradora, sobretudo através das lembranças que recontam a deportação
durante a Segunda Guerra Mundial, a chegada no Brasil, a própria guerra e a vida
daqueles que ficaram na Hungria. É sobre estes atos de memória, aos quais o filme
constantemente retorna ao longo de seus 71 minutos, que irei tecer minhas análises.3
Mathilde aparece logo na segunda seqüência do filme, após uma série
de imagens de aparelhos de telefone que transmitem conversas em francês sobre a
possibilidade e os procedimentos de se tirar um passaporte húngaro. Mathilde aparece,
2 As considerações que vou traçar aqui fazem um corte pontual nesse filme,
a questão da memória, e deixam, propositalmente, de lado outros aspectos
fundamentais, tais como a dimensão do documentário em primeira pessoa ou a questão
dos processos de negociação de identidades que se estabelece tanto no fluxo temático
quanto estético de Um passaporte húngaro.
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
114
Marcondes Filho em seu clássico Capital da notícia, “vende-se nas manchetes aquilo
que a informação interna não irá desenvolver melhor” (Marcondes, 1995). Mesmo
que a matéria ainda contenha um pouco da informação contextualizada, a função da
manchete é fragmentar exageradamente para atrair a atenção do leitor. As notícias da
imprensa sensacionalista sentimentalizam as questões sociais, criam penalização no
lugar de descontentamento e se constituem num mecanismo reducionista que
particulariza os fenômenos sociais.
Recursos melodramáticos no jornalismo podem ser apontados como
estratégias de comunicação que privilegiam um universo cultural popular heterogêneo,
formado por pessoas que vivem longe das esferas de poder. Caracterizada pelo poder
dos sentimentos, pela fusão do público e do privado e pelo entretenimento, a matriz
melodramática no jornalismo apresenta os fatos a partir das individualidades e a da
esperança de final feliz.
Normalmente, no jornalismo, o melodrama se revela quando as notícias
restringem-se a apresentar a singularidade dos fatos ao seu máximo. Assim ocorre
nos fait divers, assim ocorre nas notícias sem contexto. Num fato relatado por
intermédio do habitus jornalístico, a singularidade presente nas manchetes e no lide
está atada ao que há de singular no fato, mas trata-se de uma singularidade que guarda
relação com o interesse público. Em muitas notícias que se pretendem “populares”, o
singular normalmente se apresenta como uma redução do fato a um indivíduo ou
sentimento.
É de conhecimento que, na imprensa de referência ou em notícias de
interesse público, um acontecimento terá mais chance de ser notícia se os indivíduos
envolvidos forem importantes, se tiver impacto sobre a nação, se envolver muitas
pessoas, se gerar importantes desdobramentos, se for relacionado a políticas públicas
e se puder ser divulgado com exclusividade. Já na imprensa popular ou numa notícia
para ter maior alcance, um fato terá mais probabilidade de ser noticiado se possuir
capacidade de entretenimento, se for próximo geográfica ou culturalmente do leitor,
se puder ser simplificado, se puder ser narrado dramaticamente, se for útil e se tiver
identificação dos personagens com os leitores (personalização).
Genro Filho (1987) afirma ser o jornalismo a cristalização de uma nova
modalidade de percepção e conhecimento social da realidade através da sua reprodução
pelo ângulo da singularidade. Mas este singular varia no contexto histórico e nas
diversas comunidades. O que é singular para cientistas, por exemplo, pode ser uma
abstração aborrecida para os leigos. O autor faz analogia entre o processo de percepção
e a estrutura da notícia. O lide funciona como a percepção imediata, que capta o
concreto para depois chegar à essência. Nas notícias populares, o contexto
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
116
Baseado em Gramsci, Martín-Barbero aborda a força comunicativa dos
gêneros populares. Gramsci localiza Matrizes Culturais, relaciona-as com as tradições
populares e confirma a existência de um gosto popular ligado ao gênero melodramático.
(Borelli, 1996). Referindo-se à Itália, Gramsci (1986:75) afirma que os gêneros
populares, como o melodrama, estão relacionados com o fato de que o gosto popular
não se formou com a leitura nem com a meditação íntima da poesia e da arte, mas
com as manifestações coletivas, oratórias e teatrais.
Na América Latina, as maiorias incorporam-se à Modernidade não por
meio da cultura letrada, mas, sem abandonar sua cultura oral, apropriam-se a partir
dos gêneros e das narrativas. O gênero melodramático é a estética popular dominante
desde o século XIX (Grisprud, 1992:86) e a Matriz Cultural fundamental da produção
simbólica latino-americana. Nele, está em jogo o drama do reconhecimento, uma luta
por se fazer reconhecer. Lembra Martín-Barbero (1997) que os enredos são movidos
pelo desconhecimento de uma identidade, pela luta contras as injustiças, e talvez
esteja aí a conexão entre o melodrama e a história da América Latina.
No início do melodrama, quando a proteção dos mecenas dava lugar
para as iniciativas empresariais, ele se impôs como uma arte viável economicamente.
O melodrama deve monitorar a reação do público para oferecer-lhe a dosagem adequada
e proporcionar o retorno ao espetáculo. Se é evidente que o melodrama precisa fazer
várias concessões para deleitar as platéias pouco ilustradas, ele também tem o desafio
de capturar o interesse de um público heterogêneo, submetendo-se aos ditames da
rentabilidade (Huppes, 2000:13).
O gênero melodramático muitas vezes inclui o excesso de clichês,
destinados a provocar emoções fáceis, a que se costuma chamar de “breguice”,
“cafonice”, “mau gosto”, “kitsch” etc (Sodré e Paiva, 2002). Trata-se de um desnível
entre o gosto momentaneamente valorizado pelas elites sociais e o gosto das classes
populares. (idem: 60).
No melodrama podem conviver a temporalidade racionalista da produção
capitalista e as temporalidades seculares transmitidas pela família (comunidade, grupo,
classe) e há a possibilidade de um entendimento familiar da realidade. O melodrama é
o gênero que reúne público e privado, trabalha com um sentido de comunidade e não
busca controlar os sentimentos, ao contrário, tem forte sabor emocional. Se o
melodrama na Europa foi uma criação de um segmento popular, na América Latina é
transclassista. É mais do que um gênero; resulta numa Matriz Cultural e alimenta o
reconhecimento popular na cultura de massas (Martín-Barbero e Rey, 2001:152).
Para Martín-Barbero e Muñoz (1992), o melodrama está no mesmo
vértice do processo que leva do popular ao massivo: lugar de chegada de uma
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
118
destinava ao entretenimento. Oferecia chamarizes aos leitores afugentados pela censura
napoleônica (piadas, receitas de cozinha ou de beleza, histórias sobre crimes e monstros,
crítica teatral ou literária). Em 1836, dois jornais parisienses transformam-se em
empresa comercial. O folhetim ganha o lugar destacado nos jornais Le Presse e Le
Siècle. O folhetim vai se definir em sua especificidade com Alexandre Dumas e Eugène
Sue. Destacam-se o folhetim histórico e o realista, inspirado em eventos do cotidiano.
A receita do folhetim vai se elaborando aos poucos, no final de 1836, a fórmula do
“continua amanhã” torna-se habitual e, na década de 1840, é a grande isca para atrair
os anunciantes. Todos os jornais aderem à novidade.
Entre os atributos gerais do folhetim, estão: caracterização maniqueísta
dos personagens, simplificação, suspense, superexposição e saga autobiográfica. O
folhetim reúne fórmulas como a luta entre o bem e o mal. Sodré (1978) lembra que
a estrutura folhetinesca abriga elementos como o herói, os arquétipos, a atualidade
informativo-jornalística (necessidade de informação de maneira acessível), o
pedagogismo (intenção clara de dar resposta a questões reais) e as oposições míticas
(o bem e o mal, a felicidade e a amargura, o perseguidor e o perseguido, a generosidade
e a mesquinhez). A retórica é subsidiária da literatura culta (do Romantismo e do
Realismo), mas, de maneira geral, é pobre e esquemática. Vários folhetins têm crítica
direta ou indireta aos problemas sociais da época como a miséria urbana, os erros
judiciários e os dramas da infância, e se caracterizam pelo suspense (para reforçar o
contato com o leitor) e pela redundância (pois tudo deve ser explicado).
O folhetim representa a conquista de novos públicos para os jornais. É
popular, mas já nasce massivo. Não é simplesmente conseqüência da ganância dos
proprietários de jornais, mas está ligado a ela pela necessidade de fazer as pessoas
lerem. Entre as suas características estão, também, a linguagem acessível e os diálogos
breves. Quando Martín-Barbero e Muñoz abordam o folhetim, dizem que ele mesclava
os escritos literários e noticiosos, produzindo uma osmose da atualidade com a ficção.
Entre el lenguaje del periodismo y el del folletín hay una fuerte corriente
subterránea que saldrá a la superficie cuando, avanzado el siglo XIX,
se configure esa otra prensa que, para diferenciarla de la ‘séria’,
llamarán sensacionalista o ‘popular’. (idem, 1992:53).
Assim, a farta utilização de registros populares nos jornais é parte da
reconfiguração deste discurso jornalístico que se hibridiza por pressão mercadológica
e obtém sucesso por se apropriar de características de uma determinada cultura
popular. Os jornais adotam uma
estética melodramática que se atreve a violar a separação racionalista
entre os assuntos sérios e os temas destituídos de valor, a tratar os
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
120
Nos jornais de hoje, raramente encontramos o folhetim propriamente
dito, mas heranças de seu estilo, forma e valores são perceptíveis na mídia como um
todo, traduzindo um gosto que se fez popular historicamente no movimento dialético
da imprensa em direção aos modos de narrar populares e pelo acolhimento desses
produtos entre os setores populares.
Para Meyer (1996), o fait divers é irmão xifópago do romance de jornal.
Ela cita o especialista em fait divers Michel Gillet para explicar a “folhetinização da
informação” que anuncia a tônica da informação de hoje, que já não separa o público
do privado e tornou tênues as fronteiras entre imprensa marrom e imprensa séria.
Trata-se de uma informação que apazigua e suscita a curiosidade de um público para
quem “o excesso” visceral do melodrama sempre foi natural e se insere como uma
luva na “rocambolização”5 das sociedades (idem:225). Ela lembra que as características
da moderna manipulação jornalística remetem à técnica do folhetim criada por Girardin.
A narrativa apoiada no fragmento é uma delas. Para Meyer (ibidem), o fait divers é
subproduto imediato da Matriz folhetinesca, é um relato romanceado do real.
Congênere do folhetim, o fait divers faz uma relação inversa com este.
Conforme Guimarães (2003), enquanto o folhetim é uma ficção que busca inspiração
na realidade, o fait divers é a realidade contada com recursos do melodrama. Muitas
pessoas acham no fait divers algo de familiar, que lhes lembra as mesmas histórias
contadas por gerações. Segundo a autora, as marcas da cultura oral estão na escolha
dos temas como o amor, a morte, a paixão, o desespero, o sangue, o extraordinário,
o prodígio, o grotesco e o cômico. Aparece na construção do discurso como a
presença do tom agonístico, das repetições, dos clichês, do ritmo que permite a
leitura em voz alta recuperando um pouco do calor que tinha esta palavra antes de
ser escrita, quando só vivia no campo do efêmero da palavra falada, que se esvai
antes mesmo de acabarmos de pronunciá-las. Para Guimarães (2003), todos esses
recursos, que penetram o impresso, visam a recuperar um pouco da força da palavra
falada. Para o homem pertencente à cultura oral, a palavra é uma substância, uma
força material.
O folhetim passa do popular ao massivo sem passar pelos lugares
“cultos”, porém o processo não resulta unicamente dos interesses comerciais, mas
também da incorporação do imaginário popular. A incorporação do mundo do leitor se
dá, para Martín-Barbero (1997), por intermédio de dispositivos de reconhecimento
de um leitor imerso na cultura oral, da fragmentação da leitura, da organização em
episódios, do suspense, do relato, da experiência da violência e da luta pela
sobrevivência e, por último, um que nos interessa particularmente: da identificação do
leitor com os personagens. Uma das principais características do folhetim é o
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
122
mundo (bem e mal, ricos e pobres etc.). A linguagem é baseada em imagens e pobre
em conceitos e os conflitos histórico-sociais são apresentados como interpessoais. A
estética é sensacionalista e melodramática. Para o autor, o sensacionalismo pode ser
definido a partir de uma operação de hierarquização de temáticas distintas daquelas
que operam na tradição racionalista: a escolha de temáticas não sérias ou relevantes,
apresentação de recursos tipográficos desproporcionais, a exploração do lado humano
das situações e a apelação para a subjetividade dos leitores.
É importante destacar que a imprensa comercial absorve Matrizes
populares até porque historicamente a imprensa alternativa, de esquerda, foi incapaz
de incorporar em seu discurso esses elementos, fruto da dificuldade do marxismo em
lidar com o popular, o cotidiano, a subjetividade e as práticas culturais como afirma
Sunkel. Para Sunkel (2002), o contrato de leitura da imprensa denominada
sensacionalista supõe a construção de relações com o mundo cultural dos leitores.
Num primeiro âmbito, conecta-se como a oralidade da cultura dos setores populares;
em um segundo, com certas experiências de vida do mundo popular, e, num terceiro,
com um modo de narrar. No jornalismo popular, diz Sunkel (idem:123), encontramos
situações arquetípicas e respostas a demandas de reconhecimento.
Nenhum jornal é a expressão pura de uma determinada Matriz, pois o
massivo é um lugar de articulação delas. O melodrama retorna em produtos culturais
cultivados em meios de comunicação que se mostram totalmente sintonizados com a
lógica da sociedade de consumo. Assim, mais uma vez “revela eficiência para atrair a
camada emergente de consumidores, como já o fizera ao incorporar o público que
recentemente ganhava acesso ao teatro, no final do século XVIII e no seguinte”.
(Huppes, 2000:153). Do melodrama e do folhetim, o jornalismo popular herda esse
envolvimento com o público, a pressão dos leitores e o enraizamento na vida cotidiana.
Como lembra Martín-Barbero (1997:186) sobre o folhetim, nele, o que ganhou
visibilidade foi uma “voz afetada, sentimental, moralista e muitas vezes reacionária,
mas, por fim, uma voz por meio da qual se expressa o rouco submundo que nem à
direita cultura nem à esquerda política pareceu interessar”.
Os jornais, para destinarem-se às classes populares, têm um discurso
marcado pelo alto grau de mercantilização. Mas essa afirmação diz respeito apenas ao
circuito do capital e não ao circuito da produção de formas subjetivas. (Martín-Barbero,
1997). Assim, o sensacionalismo
delineia então a questão dos rastros, das marcas deixadas no discurso
da imprensa por uma outra Matriz Cultural, simbólico-dramática, a
partir da qual são modeladas várias das práticas e formas da cultura
popular. Uma Matriz que não opera por conceitos e generalizações,
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
124
NOTAS
1 Dados sobre o jornal mostram que 47% dos seus leitores cursaram a
faculdade e 13% fizeram cursos de pós-graduação. Cinqüenta e três por cento têm
renda individual até 15 salários mínimos e 35% têm renda acima de trinta salários
mínimos. (Fonte: Perfil do leitor 2000/Datafolha).
4 Autor consagrado que, como Eugéne Sue, Victor Hugo, Walter Scott,
Emile Zola e Dickens, aderiu ao folhetim com obras como O Conde de Montecristo,
Capitão Paulo e Os três mosqueteiros.
Márcia Franz Amaral – Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística melodramática
126
______ e PAIVA, Raquel. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad,
2002.
O MUNDO COTIDIANO
Para o autor, o cotidiano é o mundo diário através do qual materializamos
nossas ações e, portanto, parece ser o lugar em que a “realidade” se constitui como
princípio legitimador e regularizador. Essa “realidade” se concretiza por meio de práticas,
mas também, a partir do contexto no qual nos inserimos. Ou seja, estamos imersos
em um “real existente” no qual nossas atuações se corporificam, como uma espécie
de jogo relacional em que o fazer diário depende e legitima uma configuração de
mundo real.
Nesse sentido, Berger e Luckmann (2002) vão dizer que a realidade
cotidiana se autoriza como a mais real por sua “posição privilegiada”. Assim, a
experiência da vida cotidiana existe em nós sob forma irrefletida e se configura como
uma organização de modos de ação, um saber que surge por meios de práticas
preexistentes e que são continuamente reatualizadas.
É a partir dessa organização de ações em um dado momento e lugar que
Certeau (2005) constrói seu argumento. Entender esse mundo para ele significa pôr
em questão um feixe de relações que se materializa nas práticas diárias. O autor,
então, elabora um primeiro pressuposto: o cotidiano é um lugar de saber. Certeau
(idem), dessa forma, parte da premissa que o cotidiano é regido por duas operações
simbólicas: uma situada em um espaço estratégico que institui as “leis maiores”, capazes
de dar sentido e organizar o nosso dia-a-dia. Operações essas que são marcadas por
uma racionalidade que explica. É um tipo de processo que se articula no deslocamento
efetuado pela relação entre fazer parte desse mundo e sair dele (olhar de cima), para
tentar compreendê-lo melhor.
Com isso, ele qualifica o discurso do perito e do filósofo, sujeitos que
“saem” da realidade cotidiana para falar sobre ela. À medida que se distanciam, ganham
autoridade sobre o seu lugar de fala. É desse deslocamento que esses olhares ganham
“ares” de universalidade, entendidos como significantes verdades sobre o mundo.
O primeiro questionamento do autor diz respeito ao próprio lugar de fala
em que estão situados os discursos das ciências. Certeau se cerca teoricamente dos
estudos sobre a linguagem, precisamente a análise efetuada por Wittgenstein, para
O pé de Zeferina Baldaia
Considerado o último episódio da primeira fase (2003) de Retrato falado,
narra a história de uma cortadora de cana que se tornou campeã da corrida de São
Silvestre:20
Meu nome é Maria Zeferina Rodrigues Baldaia, eu tenho 29 anos. Eu
sou mineira, nasci em Minas Gerais, mas hoje eu moro em Sertãozinho,
então eu me considero uma mineira sertanezina.
Esse testemunho inicial indica o processo pelo qual devemos olhar para
a narrativa. Quando somos convidados pela própria Zeferina a conhecer sua história,
somos levados a crer que essa trama é, antes de tudo, um fato do mundo cotidiano.
Nesse sentido, a imagem da “mineira sertanezina” confere essa expectativa ao quadro.
A partir desse momento, entendemos que é fundamental que Zeferina
represente a imagem do cotidiano na tela, posto que é essa expectativa que passa a
legitimar a história que vai ser contada, indicando uma representação do comum.
Em seguida, Denise Fraga apresenta, diz que essa história começou
quando a personagem tinha 12 anos de idade. Ela era bóia-fria e tinha o sonho de se
tornar uma corredora igual a Rosa Mota (maratonista portuguesa). A dramatização,
dessa maneira, se inicia com a personagem ainda criança:
Zeferina/criança: Mãe quando eu crescer eu quero ser que nem a
Rosa.
146 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
filosófica no pensamento de Bakhtin, que faz com que as questões ontológicas que
norteiam seu trabalho estejam sempre presentes. Elas vão e voltam de maneira espiral,
e expressam-se de diferentes formas nas principais categorias criadas pelo autor, de
modo que todos os conceitos-chave de Bakhtin – carnaval, heteroglossia, polifonia,
dialogismo, entre outros – englobam simultaneamente o textual, o intertextual e o
contextual. É com essa essência bakhtiniana que pretendo trabalhar, ainda que opte
por destacar e definir três conceitos em minha análise.
A alteridade se situa no âmago da obra de Bakhtin. Como muitos artistas e
pensadores da época, Bakhtin estava preocupado com a relação entre sujeito e sociedade,
arte e vida social. Entre 1918 e 1924, o filósofo faz diversas tentativas de enfrentar essas
questões, escrevendo ensaios sobre o tema. A essência de seus escritos é a essência da
relação entre eu e o outro, ou a construção da subjetividade a partir da alteridade, proble-
ma ao qual o escritor dá uma ressonância bastante pessoal (Stam, 2000).
Bakhtin observa que cada um de nós ocupa um espaço e um tempo
específicos no mundo, e cada um de nós é responsável, ou respondível por nossas
atividades. Essas atividades ocorrem nas fronteiras entre eu e o outro, e portanto a
comunicação entre as pessoas tem uma importância capital. O eu, para Bakhtin, existe
somente em diálogo com outros eus. O eu necessita da colaboração de outros para
poder definir-se e ser autor de si mesmo. Essa necessária e produtiva
complementaridade de visões, compreensões e sensibilidades forma o cerne da noção
bakhtiniana de diálogo “ processo que supõe a autocompreensão através da alteridade.
O eu humano não tem existência independente; depende do outro e do ambiente social
(Bakhtin, 2006; Stam, 2000).
O conceito da relação dialógica entre eu e outro está presente em diversas
outras dicotomias conceituais desenvolvidas pelo autor: épica/romance; oficial/carnaval;
monologismo/dialogismo.
Alguns dos princípios elucidados por Bakhtin em Marxismo e filosofia
da linguagem (2006) também serão úteis à análise do melodrama que pretendo
empreender. Contrariando a lingüística saussuriana, nessa obra o filósofo afirma que
a realidade da língua não é o sistema abstrato das formas, não é o enunciado monológico
isolado, mas o evento social da interação verbal. A palavra orienta-se para um
destinatário, e esse destinatário existe em relação clara com o sujeito falante – ele
pertence a uma geração, a um gênero, a uma classe, é próximo ou afastado daquele
que fala, conjunto de códigos que constituem o tato. O enunciado individual é moldado
pelas relações de força existentes no tato (Bakhtin, 2006; Stam, 2000).
Assim, qualquer texto constitui uma forma de ação verbal calculada
para leitura ativa e respostas internas, e para reação por parte de críticos, pastiche ou
148 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
no interior da cabeça de uma pessoa. Idéias são, na verdade, eventos intersubjetivos
elaborados no ponto de encontro dialógico entre as consciências.
A visão de Bakhtin, portanto, tal como a de Dostoievski, é democrática
– senão anarquizante – por prezar a revolta dos pequenos contra as definições
finalizantes às quais geralmente estão submetidos.
Para Bakhtin, o embate ideológico localiza-se no centro vivo do discurso,
seja na forma de um texto artístico ou no intercâmbio cotidiano da linguagem. Na
vida social do enunciado – seja ele uma frase proferida verbalmente, um texto literário,
um filme, uma propaganda ou um desfile de escola de samba –, cada palavra é dirigida
a um interlocutor específico numa situação específica. A palavra está sujeita a
pronúncias, entonações e alusões distintas. Nesse ponto, entra em cena um outro
conceito muito relevante na obra de Bakhtin: o de contexto (Stam, 2000).
Existem, para o filósofo, tantos gêneros do discurso quanto situações
sociais possíveis. Tantas são as possibilidades de uso da língua com determinadas
especificidades, o que determinaria a formação de um gênero, quanto são as
possibilidades de interação social. Bakhtin denomina “tato” ao conjunto de códigos
que regem a interação discursiva. Como vimos, isso tem a ver com as relações entre
interlocutores e é determinado pelo conjunto de relações sociais dos sujeitos falantes,
por seus horizontes ideológicos e pelas situações concretas da conversa. Assim, o
uso de uma palavra não é invariável; este significado depende de um contexto
extraverbal, que é ilimitado. É nas situações concretas que a língua faz-se viva e
presente, e não no abstracionismo e na propagação de regras.
Se Stam (2000) nota que essa noção é extremamente rica para a semiótica
e análise do cinema, é possível dizer que o conceito é útil à análise de múltiplos textos
culturais, inclusive o melodrama, objeto de pesquisa aqui retratado.
150 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
reapropriação do melodrama pop uma visível paródia, em que valores da sociedade de
consumo são criticados e deslocados, e dão lugar a uma desestabilização do uso da
linguagem e do código operante. Nota-se, entretanto, que, ainda que esta visão esteja
impregnada de crítica, ela integra o universo da mídia auto-referenciada; ou seja,
ainda que o objetivo seja fugir da esfera monopolista da televisão, a arte do melodrama
pop refere-se à televisão o tempo todo.
Cabe, aqui, fazer uma ressalva em relação a tais usos do melodrama,
conforme assinala Xavier (2003), para não cair no engano de celebrá-las acriticamente,
simplesmente pelo fato de simbolizarem um contraponto ao formato até então
conhecido. Se um dia tais formas foram a revisão crítica, tempos depois tornaram-se
rotina da indústria e marcaram a permanência de estruturas mais convencionais, como
a própria televisão, tema de nossa próxima seção.
Outra oposição bastante comum é a melodrama versus realismo, que
abarcaria algumas subdivisões, como telenovelas brasileiras e telenovelas mexicanas,
e outros debates intrincados no cinema. Tal dicotomia parece estar baseada em um
equívoco. Atualmente, as telenovelas, em especial as brasileiras, bem como diversas
produções cinematográficas, possuem um grau de realismo bastante expressivo, o
que não anula a presença da matriz melodramática em sua essência, apenas demonstra
como certas composições conseguem reunir diferentes vozes estéticas, que
comparecem formando um todo harmônico. Um exemplo simples são as novelas de
Manoel Carlos, autor que zela por retratar o cotidiano e o banal em suas elaborações
ficcionais. Ali, realismo e melodrama não estão em disputa: ao contrário, beneficiam-
se mutuamente, em uma composição que é atualmente um dos maiores sucessos de
audiência da televisão brasileira.
A maleabilidade é sem dúvida o fator que permitiu a permanência da
matriz melodramática no século XX, com todas as mudanças sociais e culturais que
aconteceram. Como poucos, o melodrama consegue trabalhar na ficção imaginários
completamente diferentes. Por isso, conseguiu absorver o discurso psicologizante do
imaginário moderno, em que a admissão do prazer substitui a moral religiosa. Os
padrões morais do melodrama ajustaram-se à sociedade de consumo. Embora ainda
afeito às encarnações do bem e do mal, são incorporadas as variações que tais noções
têm sofrido. É um intercâmbio entre discursos, tal como propunha Bakhtin (Xavier,
2003; Bakhtin, 2006).
152 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
de Martín-Barbero (Martín-Barbero e Rey, 2004) que vê uma profunda contradição
na hegemonia audiovisual: para o autor, ao mesmo tempo em que a revolução
tecnológica se desenvolve com uma expansão e diversificação sem limites dos formatos,
vive-se um profundo desgaste dos gêneros.3
Essa diferenciação entre as nomenclaturas de formato e gênero,
empregadas por Martín-Barbero e que também surgem com freqüência no senso
comum, parecem bastante elucidativas acerca das transformações da linguagem
audiovisual e da manutenção da matriz melodramática. Usando o arsenal teórico
bakhtiniano, pode-se dizer que as mudanças de formato induzem o melodrama a
dialogar com o contexto atual, adquirir a maleabilidade necessária à operação social,
e continuar vivo e interessante, dialogando com outras formas, outros gêneros.
De fato, atualmente assiste-se a uma explosão de novos formatos
em ficção seriada: além da clássica telenovela, há os sitcoms, os seriados, as
séries, minisséries e microsséries, os seriados que se originam de filmes, os
quadros ficcionais em programas de auditório, as novelas infantis, os desenhos
animados. O advento da televisão digital e a conseqüente possibilidade de interação
direta do espectador com o desenrolar da trama certamente trará uma enxurrada
de novos formatos ficcionais. O que se questiona é: através de que mecanismos
consegue o melodrama manter-se como matriz? Com que forças dialoga o gênero,
para manter-se hegemônico?
Como disse Martín-Barbero, a televisão constitui um âmbito decisivo
do reconhecimento sociocultural, do desfazer-se e refazer-se das identidades
coletivas, tanto as dos povos como as dos grupos. Segundo esse autor, a telenovela
é a narrativa que melhor demonstra os cruzamentos entre memória e formato, entre
lógicas da globalização e dinâmicas culturais.
Essa narrativa televisiva é o que catalisa o desenvolvimento da indústria
audiovisual latino-americana, justamente ao misturar os avanços tecnológicos da mídia
com as velhas narrativas que fazem parte da vida cultural desses povos. O que não
pode nos ocultar que o relato novelesco remete também à longa experiência do mercado
para captar, na estrutura repetitiva da série, as dimensões ritualizadas da vida cotidiana.
E, assim, conectar com as novas sensibilidades populares para revitalizar narrativas
midiáticas gastas.
De acordo com Martín-Barbero e Rey (2004), entendemos por tradicional
aquele tipo de telenovela que dá forma a um gênero sério, no qual predomina a inclinação
trágica. Gênero moldado por um formato que põe em imagens unicamente paixões e
sentimentos primordiais, elementares, excluindo do espaço dramático toda ambigüidade ou
complexidade histórica e neutralizando, com freqüência, as referências de lugar e tempo.
154 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
e o encontro do gênero com a história e alguns matizes culturais do Brasil. O primeiro
modelo constitui o segredo do sucesso de novelas mexicanas, já o segundo foi o que
ganhou reconhecimento para as novelas brasileiras.
O modelo brasileiro caracterizou-se por desenvolver capacidades
expressivas abertas pelo cinema, publicidade e videoclipe. Os personagens se libertam
do peso do destino e se aproximam das rotinas cotidianas e das ambigüidades da
história, da diversidade das falas e do costume. Martín-Barbero ressalta o que acaba
sendo bastante positivo, enquanto a grande e densa experiência cinematográfica
brasileira possibilitou uma especificidade de atuação que a televisão soube aproveitar,
isso é, o cinema marcou forte e positivamente a produção televisiva (Martín-Barbero
e Rey, 2004).
Partindo da linguagem do teleteatro até a forma final da telenovela, o
melodrama atravessou muitas transformações. A telenovela se insere nas lógicas
comerciais, com uma acolhida crescente e repercussões econômicas e de publicidade
evidentes, enquanto o teleteatro não tinha o mesmo potencial de massas. A telenovela
trabalha com a continuidade temporal, primeiro estendendo seus capítulos por vários
dias na semana e, depois, por todos os dias. A duração e a estrutura narrativa
melodramática fazem dessa uma realização televisiva por excelência (Martín-Barbero
e Rey, 2004). O teleteatro mostrou-se menos adaptado ao progresso da linguagem
audiovisual própria da televisão. Ele sucumbiu diante de um gênero que se adaptou
velozmente, tanto nas rotinas produtivas como em seu consumo, às mudanças
tecnológicas, comerciais e às flutuações dos gostos. A telenovela consegue superar
com facilidade as dificuldades econômicas vividas pelo teleteatro.
A LITERATURA DE FOLHETIM:
MAIS UM DISCURSO NO MOSAICO DO MELODRAMA
Para compreender melhor o caminho realizado pela dramaturgia
melodramática, é preciso retornar às origens da confecção dos textos. Inicialmente,
os textos de telenovela eram elaborados por escritores que haviam ganhado notoriedade
em outras áreas que não a escrita audiovisual. Gabriel García Márquez na Colômbia,
Nelson Rodrigues no Brasil. Mas, como explica Martín-Barbero (Martín-Barbero e
Rey, 2004), a televisão inicialmente se ofereceu aos escritores como um modo de
expansão de suas obras. A televisão tinha uma tarefa difusiva: ilustrar obras com
imagens sujeitas à lógica da narrativa escrita. A experiência audiovisual era temida
como elemento deformador, então a qualidade era tanto maior quanto mais fiel ao
texto literário original.
156 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
É possível concluir, portanto, que esse tipo de melodrama ainda não
tinha dado o salto maior para as transformações do audiovisual. A luta de poder
expressava-se na linguagem: o monopólio do assim denominado bom gosto impedia a
consolidação de um tipo de melodrama que sucumbisse por completo ao gosto das
massas, ou seja, a apropriação de um tipo de prazer no maior meio de comunicação já
existente.
Em meados dos anos 1970, entretanto, literatura e televisão passaram a
influenciar-se mutuamente: do lado da literatura, pela folhetinização do relato, que
aproximou o roteiro de televisão à modalidade serial das produções norte-americanas
de longa duração. Na televisão, passou-se a desenvolver uma linguagem específica da
narração televisiva. A partir daí, esse tipo específico de linguagem ganha espaço.
Note-se que nesse embate é possível fazer uma análise à luz de Bakhtin
e ver que não é somente a consolidação de um meio de comunicação que está em
jogo, mas o domínio sobre a linguagem e os códigos de relato. A consolidação da
figura do autor de telenovela, tão popular no Brasil, é o resultado do amadurecimento
e legitimação cultural desse novo tipo de linguagem.
É o início de uma prática que vincula a experiência estética com as
exigências das condições comerciais e industriais de produção. Assumindo a mistura
dos formatos industriais com as formas culturais, das ideologias profissionais com as
rotinas produtivas, das flexões criativas com as necessidades estratégicas das
telenovelas, autor e diretor conseguem para a narração da telenovela um estatuto
profissional e uma expressividade própria (Martín-Barbero e Rey, 2004).
É a mídia em busca de seu próprio idioma. Os novos textos de telenovela
buscam construir relatos próprios de televisão. A telenovela possibilitará a
profissionalização do ofício de autor de telenovelas, introduzindo as bases de sua
legitimação estética e de seu reconhecimento profissional.
A partir do amadurecimento da linguagem, surge um outro fenômeno
muito interessante, o entrecruzamento de gêneros com a permanência do melodrama
como matriz. Os autores começam a utilizar o melodrama com a comédia, a farsa, o
terror, a aventura, e muitos outros gêneros. Martín-Barbero (Martín-Barbero e Rey,
2004:156) dá especial destaque à comédia, que, para ele, “começa a minar o
melodrama”, desvertebrando-a, o que garantiu a conservação do fervor popular por
um tipo de telenovela que deslocou seu peso dramático das grandes paixões para os
costumes cotidianos identificadores de uma região e uma época.
A palavra encanta, conecta o dito popular com a metáfora, num encontro
da televisão com a oralidade cultural do país e com a escrita que rompeu a gramática
para liberar as sensibilidades e os ritmos do oral.
158 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
indubitavelmente ao pensamento bakhtiniano, uma vez que, para o pensador, é a
partir das relações concretas e das experiências no mundo real que se estabelecem
as relações discursivas. O estudo mostra como as fronteiras entre os pólos de
produção e recepção não são rígidas, mas se interpenetram na produção social do
sentido. Nas palavras da autora:
A familiaridade existe porque os gêneros acionam mecanismos de
recomposição da memória e do imaginário coletivos de diferentes grupos
sociais e porque a narrativa de gênero supõe a existência de um repertório
compartilhado que permite o diálogo (Lopes et alii, 2002:página).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível definir a telenovela como um texto dialógico, que con-
tém não só as relações aqui discutidas, mas em que também é fundamental o
vínculo que o espectador estabelece com a trama, alimentando-a com a própria
vida. É uma confusão entre relato e vida, em que se cruzam diversas lógicas: a
padronização, repetição e serialidade (lógica do sistema produtivo), a do conto
popular, a do romance. A telenovela ativa também um modo de leitura muito
particular, uma vez que a maioria desfruta não só do prazer de vê-la, mas de
contá-la, e é nesse relato que se encontra a sobreposição entre narração e expe-
riência. Em que a experiência se incorpora ao relato.
A telenovela é um texto cultural dialógico não só porque funde diferentes
gêneros, lógicas e funções literárias, mas também porque o modo de ver novela
institui uma relação dialógica, em que cada parte daquele conjunto encontra-se em
harmonia com as outras, compondo um todo polifônico.
160 Clara Fernandes Meirelles – Melodrama, gênero dramatúrgico e linguagem televisiva: uma análise à luz de Bakhtin
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente, a pirataria de produtos musicais, já presente no ambiente
off-line e multiplicada a uma escala extraordinária no ambiente on-line, transgride o
direito dos autores e criadores de administrar a distribuição e reprodução de suas
TABELAS E GRÁFICOS
18,56%
Sony/BMG
28,42% Sony/BMG
Universal
EMI
Warner
Warner
19,26%
Universal Indies
EMI 17,46%
16,3%
2 Entre os anos 2000 e 2001, tanto nos Estados Unidos quanto na União
Européia, os tribunais de competência correspondentes investigaram e concluíram
que as grandes companhias fonográficas chegaram a um acordo para impor preços
mínimos de venda às lojas varejistas.
PEW INTERNET. Music and Video downloading moves beyond P2P. Pew
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_March05.pdf, acessado em março de 2006.
QUÉAU, Philippe. La Planète des esprits. Paris: Editions Odile Jacob, 2000.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditar em uma ação de modelagem das mentes, ou acreditar na
possibilidade de uma influência direta dos meios de comunicação sobre o homem, é
reduzi-lo. É negar que ele dispõe de recursos e instrumentos para filtrar as relações de
recepção de um produto qualquer da mídia.
Acreditar que o que ele ouve/lê ficará marcado como uma impressão
digital é acreditar também que a aquisição de conhecimentos e as operações mentais
acontecem por meio de simples esquemas de estímulo, aos quais são dadas respostas
previsíveis e automáticas. Isso não acontece:
A resistência, em termos discursivos, é a possibilidade de, ao se
dizer outras palavras no lugar daquelas prováveis ou previsíveis,
deslocar sentidos já esperados. É re-significar rituais enunciativos,
deslocando processos interpretativos já existentes, seja dizendo uma
palavra por outra (na forma de um lapso, um equívoco), seja
incorporando o non sense, ou simplesmente não dizendo nada
(Mariani, 1998:26, grifos meus).
BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras,
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Forense-Universitária, 2005.
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discurso; uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da
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Janeiro: Objetiva, 2001.
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Folha de S. Paulo, 19 de junho de 2005.
REVISTAS:
Época, ed. 339 de 15 de novembro de 2004; ed. 375 de 25 de julho de
2005; ed. 395 de 12 de dezembro de 2005.
Megazine, 25 de outubro de 2005; 7 de fevereiro de 2006.
AS TRANSFORMAÇÕES DO CONSUMIDOR
As mudanças no capitalismo geraram um consumidor bem diferente
daquele que figurava na economia fordista, entre os anos 1920 e 1930. Longe de ser
passivo e alienado, o consumidor ganhou importância e, em contrapartida, precisa
CONSUMIDOR PRODUTIVO
Vivemos em uma economia estética, que valoriza a espetacularização
dos serviços, a customização de produtos e outras formas de sedução do consumidor.
Para seduzi-lo, faz-se necessário conhecê-lo. E as NTICs têm se apresentado como
um meio eficiente de se estabelecer essa relação. Mais do que isso: são capazes de
levar o consumidor à produção, criando meios viáveis para colaboração.
Se antes as empresas usavam as pesquisas de mercado para conhecer
seus consumidores, atualmente podem recorrer a processos mais dinâmicos e
constantes, seja por meio de blogs, fóruns ou redes virtuais de relacionamento. A
interação trazida pela internet permite que a relação entre empresa e cliente seja mais
freqüente e direta.
Conforme apontam os consultores Don Peppers e Martha Rogers,
algumas empresas já estão recorrendo às redes sociais para gerar inovação. Segundo
a dupla, cerca de metade das inovações da Procter & Gamble é gerada fora da
empresa. Buscando facilitar a conexão e o desenvolvimento de novas idéias vindas
O CÍRCULO VIRTUOSO
Segundo a diretora geral do e-bay na Espanha, Maria Calvo, a
passagem do usuário de uma postura consumidora para produtora é estimulada
estrategicamente pela empresa. Para o e-bay, o cenário ideal é aquele em que o
usuário passa a produzir ofertas em vez de apenas consumi-las. Neste caso, a
evolução comportamental se dá da seguinte forma: primeiro, o visitante navega
pelo site; em seguida, se registra; depois, consome ofertas da rede; até que produz
ofertas; e, por último, recomenda o e-bay.
2 http://www.innocentive.com
3 http://www-306.ibm.com/software/lotus/products/connections/
4 http://blogs.forrester.com/charleneli/2007/04/forresters_new_.html
8 www.portaldovoluntario.org.br
9 www.portaldovoluntario.org.br/press/uploadArquivos/109692420921.pdf
11 www.hacesfalta.es
12 www.omidyar.net
SITES:
Internet World Stats - http://www.internetworldstats.com
Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação
(CETIC.br) - http://www.cetic.br/
212 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
A Espanha sempre ganhou a representação de país quente, misterioso,
sensual; lugar onde se cruzam diversas culturas e etnias.4 A noção de desejo sempre
permeou a cultura hispânica, manifestando-se, na ficção, por meio de personagens
como Don Juan5 e Carmen,6 por exemplo. A narrativa picaresca,7 com seus anti-
heróis, sua falta de intenção moralizadora e seu estilo esperpêntico8 ganha lugar de
destaque na literatura espanhola. Nas artes plásticas, sublinhamos a pintura subversiva
e obscena de Goya9 e a excentricidade das obras de Dalí. No canto e na dança, temos
o flamenco, com seu toque sentimental, intenso e choroso e seus movimentos que
simulam uma conquista amorosa. Finalmente, nas artes cênicas, aparecem nomes
como o de García Lorca, com seu teatro poético e obsessional, 10 e no cinema,
destacamos o audacioso Luis Buñuel, o metafórico Carlos Saura e o próprio Almodóvar,
entre tantos outros artistas que utilizam o desejo e a sedução como fonte de inspiração
em suas artes.
O objetivo maior deste artigo é o de mostrar que as definições de desejo
e de imagem guardam diversas semelhanças semânticas e discursivas e que tanto um
como outro são representações de uma ausência e utilizam a noção de alteridade e de
olhar como fundamentação. É claro que essa analogia não é novidade, como tentamos
provar na primeira parte de nosso trabalho, mas propomos que ela seja utilizada como
ferramenta teórico-metodológica na intenção de analisar um “gênero”11 de cinema
que apresenta o desejo tanto em sua forma como em seu conteúdo, desejo que se
exprime como sujeito e que se deixa expressar como objeto, seduzindo seu espectador.
214 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
forma de apreensão do mundo na fenomenologia de Merleau-Ponty (1976), a imagem
pode ter um valor estético ou epistemológico, de representação ou de simulacro.16
Como afirma Tortajada (1999), a partir da função enganadora da imagem, ligada à sua
qualidade de “parecer ser”, ela seduz; e o ato de seduzir implica sempre em aceitar a
existência do papel fundamental do espectador.
A experiência estética requer um receptor que a vivencie, que com-
plete sua significação, que a interprete, que lhe construa um sentido. Na verdade,
o termo “espectador” deve ser aqui compreendido como plural, pois não existe
uma única maneira de compreendê-lo ou de delimitá-lo e talvez as maneiras de
observá-lo sejam tantas quanto às formas de observar o cinema. Ele designa uma
determinada população,17 é claro, mas propomos que ele seja entendido aqui como
um lector in fabula (Eco, 1979), sujeito ideal que mantém com o filme uma expe-
riência individual – e portanto subjetiva – compreendida em seus níveis afetivo,
psicológico e estético.
O sujeito-espectador serve como fator modificador da ordem dual da
imagem, como explica Tortajada (1999) em sua análise sobre o cinema de Rohmer.
Ele traz um terceiro olhar, termo que explicaremos melhor posteriormente, compondo
uma tríade no jogo estabelecido pelo eixo-de-ação18 fílmico e assumindo a posição de
“sujeito desejante”, onipresença imperceptível que condiciona o ato mesmo de seduzir.
Como exemplo dessa apreciação, Barthes (1980), ao refletir sobre a
fotografia, faz oposição a duas maneiras de apreender uma (mesma) imagem,
construindo um modelo de análise. A primeira, que ele chama de studium, refere-se
à atividade de questionar a informação contida na foto por meio de seus signos
objetivos e seus códigos intencionais. A segunda, por sua vez chamada ponctum,
inquire sobre as associações subjetivas que compõem a imagem, traduzindo-a em
objeto do desejo. Essa segunda forma de apreensão assume códigos distintos e nem
sempre intencionais, e introduz a noção de alteridade no processo, pois ao transformar
a imagem em objeto de desejo, impõe-se um elemento novo: a presença de um mediador.
É justamente essa mediação que vem a compor um dos argumentos que nos interessará
neste artigo.
O DESEJO
Desejar – desiderare, em latim – tem sua origem etimológica na palavra
sidus (estrela), siderare, que significa conjunto de astros ou estrelas; uma constelação.
Di Giorgi (1990:133) explica que o termo considerare referia-se, na Roma antiga, à
atividade de contemplar os astros e buscar nessa contemplação uma solução para
eventos futuros. Uma vez que os astros respondiam negativamente aos anseios daquele
216 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
intervenção do outro, da alteridade. O inconsciente, palco das pulsões da personalidade
e reservatório da libido e da energia psíquica, é então ativado e passa a representar
esse desejo por meio de um sistema narrativo, por vezes desconexo, mas que apresenta
uma estrutura própria, construindo assim uma forma de linguagem.25
Ainda segundo o pensamento psicanalítico freudiano, o sujeito humano,
em seus primeiros meses de vida, encontra-se num estado de relativa indiferença, no
qual a separação entre sujeito e objeto – ou o “eu” e “o outro” – ainda não é efetivo
(Aumont et alii, 1983:174). Uma vez iniciada essa separação, ocorre o que Freud
chama de identificação primária; primeira relação do sujeito com o objeto, composição
do laço afetivo estabelecido com o outro,26 também conhecida como fase oral primitiva
da evolução. Nos primeiros anos de vida, a alteridade ideal é composta pela imagem
da mãe e do pai; daí a origem do complexo de Édipo.27
Já na teoria psicanalítica lacaniana, forjada a partir de uma releitura do
pensamento freudiano feita por Lacan, a relação entre sujeito e objeto estabelece-se
de forma dual, modelo próprio ao registro imaginário, e recebe o nome de “Teoria do
Espelho”. Nessa teoria, o sujeito utiliza o olhar ou a identificação à imagem para
ganhar acesso ao registro simbólico. Segundo Lacan (1988), a realidade divide-se em
três registros diferentes: o simbólico, campo da linguagem; o real, que escapa a
qualquer tipo de representação e, finalmente, o imaginário, registro da identificação
espacial, lugar onde o Ego depara-se com sua própria imagem,28 seu duplo; onde a
noção de sujeito, efeito do simbólico,29 descobre sua alteridade.
Lacan busca explicar sua teoria por meio do mito de Narciso, que explicita
o desejo de fusão do sujeito com sua própria imagem, a fim de constituir um objeto
total e único. Segundo o psicanalista, a criança, que na primeira infância30 tem uma
visão desfragmentada de seu corpo,31 ainda não reconhece a alteridade da imagem e
confunde seu reflexo com seu próprio “eu” (Ego), conquistando assim uma impressão
de unidade que será superada apenas com a transição da ordem do imaginário à
ordem do simbólico.
Como podemos perceber, tanto para Lacan quanto para Freud, o desejo
se apresenta como uma vontade inconsciente de fundir-se com o outro – representado
por sua própria imagem ou pelo corpo materno – de voltar à fase anterior ao consciente.
Mas essa fusão, por consequência, resultaria na dissolução do sujeito, por isso a
necessidade de reprimir tal gozo e deixá-lo sob o domínio do inconsciente.
A literatura e a crítica literária também encontram no desejo uma
importante fonte de inspiração. O movimento chamado de romântico, que invadiu o
Ocidente nos séculos XVIII e XIX, tem como uma de suas principais características
a vontade de expressar, por meio da utilização da primeira pessoa, as experiências
218 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
Nessas breves e obviamente incompletas descrições do desejo, tentamos
mostrar ao nosso leitor que, mesmo que bastante diferentes entre si, essas acepções
apresentam semelhanças em seus discursos. Podemos perceber que alguns elementos
semânticos como “alteridade”, “ausência”, “tempo”, “espaço”, “memória”,
“representação” e “olhar” são recorrentes e servem de referência, seja explícita ou
implicitamente, para explicar o ato de desejar. Tais elementos estão também presentes
na compreensão do termo “imagem”, o que nos faz acreditar que uma aproximação
teórica entre os dois significantes é primordial no desenvolvimento de uma possível
análise fílmica.
220 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
absorbe las 24,42 Enrique se deixa seduzir por Ángel (que é na verdade Juan, irmão
de Ignácio [Francisco Boira], verdadeiro amor de Enrique) com o intuito de recuperar
seu passado, de visitar novamente as mesmas sensações de outrora, de (re)viver
finalmente sua grande paixão de infância. Percebemos que as duas relações têm como
motor a memória e o souvenir. Mesmo que seus movimentos sejam opostos –
lembrança versus esquecimento –, são complementares, pois para esquecer é necessário
primeiramente lembrar. Se tomarmos a memória como um discurso que ocupa o
lugar da coisa acontecida, encontramos no termo seu sentido representacional,
ancorando sua significação nas noções de imagem e de desejo. De fato, é o desejo de
Enrique e de Pablo que se manifesta por meio de suas lembranças.
Tanto um como o outro se deixam seduzir espontâneamente por seus
amantes no intuito de recuperar algo que lhes é ausente no tempo presente, inaugurando
um processo de substituição e de transferência, no qual a busca pela realização do
desejo não tem limites e passa a ser a única forma possível de sobrevivência. Enrique,
a princípio, é enganado por Juan, que se faz passar por Ignácio, mas como o ciumento
de Proust (1980), que busca a verdade sob a pressão das mentiras do amado, o
diretor parte para a Galícia em busca de uma explicação para suas desconfianças, e
acaba descobrindo toda a farsa. No diálogo final entre as duas personagens, Enrique
diz a Ángel/Juan que, antes mesmo de iniciar seu filme, já conhecia sua verdadeira
identidade.
No caso de Pablo, tal jogo acaba levando seus dois amantes à morte.
António, utilizando as declarações conseguidas por meio de uma entrevista televisiva
dada por Pablo sobre o que esperar de um amante ideal, tenta transformar-se nesse
222 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
para Tina, tal referência simbólica masculina confunde-se com a de director espiritual,
o que produz na personagem sentimentos contraditórios de culpa e de vingança.
A memória é aqui de novo protagonista. É por meio de suas lembranças
que tanto Tina quanto Zahara alimentam seus desejos e é dessas mesmas lembranças
que as duas personagens encontram sentido para suas vidas. Mis recuerdos están
aqui,47 diz Tina a seu “guia espiritual”, referindo-se à igreja onde os dois se encontram.
Huye de ellos como yo hé huído,48 aconselha Constantino. Zahara, por sua vez, vai
procurar o Padre Manolo para fazê-lo relembrar de seu passado, que é também o
passado de Ignácio. Finalmente, as ações presentes são condicionadas pelas lembranças,
pois elas sempre restam, mesmo quando nada mais sobrou. Como o desejo, elas
também têm de “não ser” para existir.
O desejo metafísico de mutação, de transformação, é representado pelos
diversos elementos estéticos e narrativos ligados ao discurso religioso presentes nos
dois filmes, e frequentemente conectados à infância.. Ada (Manuela Velasco)
representa essa possibilidade de mudança – desejo manifesto pela fé – em A lei do
desejo. Na casa de Tina, Almodóvar constrói um altar, onde cohabitam imagens de
santos, ícones pós-modernos, flores, velas e conchas. É diante dele que a menina
faz voto de silêncio para que Tina consiga trabalho, que manifesta sua intenção de
fazer sua primeira comunhão e que reza pela “ressurreição” de Pablo, acreditando
que o diretor – por quem, aliás, a menina se crê apaixonada – esteja morto. Ao
encontrar sua mãe, interpretada pela transexual Bibi Andersen, a menina lhe diz: Tina
y yo somos creyentes. Y mucho. Tenemos una cruz de mayo en casa.... Hemos
encuentrado una Vírgen que hace milagros.49 É diante deste mesmo altar que António
se suicida, numa espécie de auto-sacrifício, metáfora de sua impossibilidade de
transformar o desejo de Pablo. A cena final do filme mostra o diretor abraçado ao
corpo imóvel do jovem, representação pós-moderna da Pietá, enquanto o altar é
destruído pelas chamas das velas.
Em Má educação, é o garoto Ignácio (Nancho Perez) que serve de
representação para tal desejo metafísico. Entretanto, contrariamente à Ada, aqui tal
transformação acontece inversamente. Não há mais cruzes de maio ou virgens
milagrosas: o menino Ignácio perde sua fé, dessacraliza o mundo, deixa de crer em
Deus como consequência da expulsão de Enrique (Raul García Forneiro) do internato
e dos abusos frequentes que sofre por parte de Padre Manolo. Da mediação possível
do santo, afirma Girard (2006:76) ao falar da metamorfose do desejo — uma vez que
o divino passa a ser humano —, é a mediação negativa da angústia e do ódio que
ganha terreno. É o homem que, entregue a si mesmo, adquire a consciência de ser
responsável pelo próprio destino.
Pablo Enrique
Gráfico 1 Gráfico 2
Girard (idem, ibidem) afirma que essa mediação também pode manifestar-
se por intermédio de um objeto qualquer.50 Se Juan e Ignácio servem como mediadores
na triangularidade do desejo, como explicitado nos gráficos, no caso do Senhor
Berenguer (Lluis Homar), ex-padre Manolo, e de Juan, é o dinheiro que vem a servir
de elemento mediador. A Juan, le deseava cada día más, confessa Berenguer a Goded.
O velho paga as mensalidades do curso de artes cênicas de Juan, lhe dá de presente
uma câmera Super 8 e uma echarpe de seda, passa a realizar suas vontades, o que faz
com que o jovem se torne seu amante, seduzindo-o a ponto de convencê-lo a matar
Ignácio. Mas tal como em Stendhal ou em Proust, a possessão do objeto vem trazer
decepção e frustração, pois o sujeito percebe que a grande metamorfose esperada não
acontece, justamente porque tal esperança se nutre da ausência e da impossibilidade
do gozo, da distância que mantém o sujeito desejante do objeto desejado (Girard,
2006:106).
224 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
O desejo se manifesta ainda em cenas como a do banho de Tina, numa
espécie de paródia ao banho de Anita Ekberg na Fontana di Trevi em A doce vida, de
Fellini (La dolce vita, 1960). É clara a alusão que faz aqui Almodóvar ao gozo, à
juissance. Vamos, riegáme51 pede Tina ao funcionário, enquanto Pablo e Ada assistem
à cena, estupefatos. Ou, ainda, quando Padre Manolo escuta a adaptação da canção
italiana Torna a Sorrento, que ganha o título de Jardinero, cantada por Enrique, à
ocasião de seu aniversário. Cuando la estás cantando, mirale siempre a él, como si no
hubiera nadie más en el refectório,52 ordena o padre assistente. Enquanto Enrique
canta, o olhar de Padre Manolo manifesta medo, paixão, admiração e, claro, desejo. É
pelo olhar que o sacerdote sucumbe à tentação, assim como é também pelo olhar que
o espectador se deixa seduzir.
CONCLUSÃO
O jogo de sedução não é apenas característica da narrativa fílmica. Ele
extrapola a diegese e encontra como objeto de desejo o olhar do espectador, esse
“terceiro sujeito”, esse voyeur imóvel que, sentado a uma distância fixa da tela de
projeção, hesita entre dois lugares incompatíveis face à representação.53 Tortajada
(1999) afirma que essa condição de imobilidade favorece seu investimento imaginário
no movimento que lhe é proposto pelo filme, pois o espectador se identifica ao olhar
da câmera, deixando-se guiar por ela e pelas qualidades ilusionistas inerentes ao próprio
cinema.
Como já exposto anteriormente, a alteridade é a condição para que o
desejo se manifeste, pois é no outro que se ancora e que se espelha o meu próprio
desejo, num jogo em que sujeito e objeto se confundem no desejo de se fundirem.
Analogicamente, a imagem cinematográfica pode ser entendida como a expressão do
desejo do outro, pois ela é a apreensão do olhar alheio. Melhor dizendo, ela é a
representação de seu desejo, que, uma vez reproduzida na tela de uma sala escura, se
tansorma em objeto que se pode simbolicamente possuir. É na relação de alteridade
entre espectador e narrativa que se fundamenta a relação que estabelecem o desejo e
a imagem cinematográfica. Assim, a principal função da imagem é seduzir o olhar a
fim de buscar na memória e nas lembranças, sentido e significação. E quando a
influência do mediador se faz sentir, o sentido do real se perde, dando lugar ao
imaginário.
Estou no cinema. Assisto à projeção do filme. Assisto. Como a parteira
que assiste a um parto e daí também à parturiente, eu estou para o filme segundo a
modalidade da dupla (e todavia única) do ser-testemunha e do ser-ajudante: olho e
ajudo. Olhando o filme, ajudo-o a nascer, ajudo-o a viver, posto que é em mim que ele
226 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
NOTAS
228 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
28 O termo é aqui apresentado em itálico pois refere-se à “Teoria do Espelho”
de Lacan (1988).
29 Segundo o pensamento psicanalítico freudiano, o indivíduo torna-se
sujeito por meio da linguagem que, como propõe Lacan, se encontra-se no campo do
simbólico.
30 Tal manifestação acontece, segundo Lacan, entre os primeiros 6 a 18
meses de vida.
31 Daí as fases assinaladas por Freud como anal e oral.
32 Termo utilizado por Aristóteles em sua Poética para referir-se ao ato da
imitação ou da representação.
33 Girard (2006:52) afirma que o tempo serve para que o sujeito ganhe a
consciência e reconheça que esse processo de mediação nada mais é do que pura
imitação, de que sempre se copiou o outro – a alteridade – a fim de parecer original.
34 À medida que o mediador se aproxima (do sujeito desejante) , seu papel
se amplifica e o do objeto diminui. (Tradução minha).
35 Em suas críticas e análises, Bazin emprega freqüentemente termos vindos
de outras artes, tais como regard (olhar), originário da pintura; mise-en-scène (encenação),
vinda do teatro; e style (estilo) e auteur (autor), emprestados da crítica literária.
36 O prefixo melo-, originário do grego, significa canto ou música.
37 Conceito artistotélico que defende que, por meio do melodrama, a alma
do espectador será purificada de suas paixões excessivas.
38 Aconselhamos a leitura do artigo de Román Gubern sobre o tema. In
Zurían e Varela, op.cit., p. 45-56.
39 Movimento cultural com viés underground que chacoalhou Madri após
a morte de Franco (1975). Para saber mais sobre o tema, aconselhamos o artigo de
Pilar Martínez-Vasseur presente no livro Almodóvar: el cine como pasión (apud Zurían
e Varela, 2005:107-131).
40 Alusão à sinestesia. Jogo de palavras que sugere o êxtase amoroso por
meio do prazer visual.
41 Goded, uma homenagem a Godard? Zurián (2005) afirma que as duas
personagens funcionam como alter-ego do próprio Pedro Almodóvar.
42 “O absorve as 24 horas do dia”. Referência às palavras de Pablo em sua
entrevista televisiva, falando do que mais o fascina e do que mais o amedronta no
amor.
230 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
232 Henrique Codato – O desejo como lei: uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
Poder e Comunicação:
um breve debate sobre a questão do
poder nos meios de comunicação de massa
Carolina Dantas de Figueiredo
234 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
O que queremos dizer aqui é que, embora a comunicação tenha
efetivamente se democratizado nas últimas décadas — em uma perspectiva neoliberal
de democracia — e que realmente esteja contribuindo para observar criticamente os
governos instituídos, trocar saberes e entreter-se fora do mainstream, existe nas
mídias contemporâneas possibilidades de controle que, se radicalizadas, aniquilariam
sua proposta democrática. Não é nossa intenção sugerir que esta possibilidade esteja
na iminência de acontecer. Muito pelo contrário, tratar das possibilidades totalitárias
que subsistem nas mídias, e em especial nas mídias de massa nas quais a interatividade
é notadamente menor, é reforçar a importância da democracia e viabilizar que ela
se amplie, por meio da identificação e análise das possibilidades que lhe são
contrárias. Por fim, resta-nos fazer uma pequena provocação. Se as teorias
contemporâneas mostram os limites de uma noção hipodérmica de comunicação,
ou seja, mostraram que o público não é amorfo nem indiscriminadamente receptivo,
faltou-lhes explicar por que este mesmo público não resiste a determinados conteúdos
mídiáticos ou por que as pessoas buscam se enquadrar em determinados padrões
pautados pelos meios de comunicação de massa. Ainda que democrática, a mídia
transmite continuamente conteúdos ideológicos relevantes para os que os controlam
e que o público acaba incorporando, não por ser manipulável, mas por necessitar
deles para “caber” nas relações sociais que o circundam e exercer seu papel duplo de
produtor-consumidor. Assim, embora não sejam impositivos, os meios de
comunicação oferecem aos indivíduos uma possibilidade fantástica, a de se inserirem
socialmente, serem socialmente aceitos e produzirem sem conflitos. Como tudo no
capitalismo trata-se de uma troca, e para Simmel (1990) a troca depende de elementos
e motivações bastante sutis e que transcendem o próprio ato da troca em si, envolvendo
necessidades subjetivas e fé em certa medida. Neste caso, o público entrega às
mídias sua confiança e audiência em troca da promessa de consumo e ajustamento
social que estas apresentam.
OS APARELHOS IDEOLÓGICOS
E A INSERÇÃO NAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO
Segundo Marx, no livro II do Capital, as formações sociais, para
existirem, devem, ao mesmo que produzem — e para poderem produzir —, reproduzir
as condições da sua produção. O filósofo francês Louis Althusser lembra que as
condições de produção englobam tanto as forças produtivas, quanto as relações de
produção existentes (Althusser, 1985:11). Ou seja, a produção depende diretamente
da reprodução de suas condições.
236 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
da “prática” desta. Todos os agentes da produção, da exploração e da
repressão devem estar de uma maneira ou de outra “penetrados” desta
ideologia, para desempenharem “conscienciosatemente” a sua tarefa
— quer de explorados (os proletários), quer de exploradores (os
capitalistas), quer de auxiliares da exploração (os quadros), quer de
papas da ideologia dominante (os seus “funcionários”), etc. (idem:22).
238 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
disseminação contínua da ideologia dominante. Estas, embora sigam a ideologia do
Estado — que é a ideologia da classe dominante — se apresentam como instituições
autônomas, distintas e especializadas. Assim, enquanto o Aparelho (repressivo) do
Estado pertence ao domínio público, a maior parte dos Aparelhos Ideológicos do
Estado remete ao domínio privado. Para o autor:
Enumeramos, nas formações sociais capitalistas contemporâneas um
número relativamente elevado de aparelhos ideológicos de Estado: o
aparelho escolar, o aparelho religioso, o aparelho familiar, o aparelho
político, o aparelho sindical, o aparelho de informação, o aparelho
cultural etc... (idem:75).
Assim, ainda nas palavras de Althusser, “nenhuma classe pode
duravelmente deter o poder de Estado sem exercer simultaneamente a sua hegemonia
sobre e nos Aparelhos Ideológicos de Estado” (idem:49), o que torna também os AIEs
local da luta de classes.
Para Gramsci (1989:29), o Estado não tem uma “concepção unitária,
coerente e homogênea” expressa em um projeto político igualmente homogêneo, o
que corrobora a visão althusseriana de AIE como local de luta de idéias. Além disso,
na sua teorização de hegemonia, Gramsci teria adiantado a visão de Althusser ao
afirmar que o Estado não se reduzia ao aparelho (repressivo) de Estado, mas
compreendia certo número de instituições da “sociedade civil” como as igrejas, as
escolas, os sindicatos e a comunicação, instituições denominadas pelo autor de
Aparelhos Privados de Hegemonia.3 Para Gramsci, a sociedade civil é parte do Estado,
sendo este composto de dois planos superestruturais, a sociedade civil, como
organismos ou aparelhos privados de hegemonia; e a sociedade política, como aparelho
burocrático, militar e jurídico e respondendo pelo poder, legal ou de fato, de coerção.
Para ele:
Por enquanto, podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais:
o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto dos
organismos chamados comumente de “privados”) e o da “sociedade
política ou Estado”, que corresponde à função de hegemonia que o
grupo dominante exerce sobre toda a sociedade e àquela de “domínio
direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo
jurídicos4 (Gramsci, 2000:32).
Sociedade civil e política operariam organizando a vida diária e
reproduzindo relações de poder. Ambas constituem o Estado de forma mais abrangente.
Segundo Gramsci, estas se distinguem por agirem de formas distintas. Enquanto na
primeira operam os aparelhos privados de hegemonia que buscam obter o consenso
como condição indispensável à dominação, por isso, prescindem da força, da violência
240 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
Além de funcionarem massivamente pela ideologia, os AIEs atuam ainda
por meio de formas de repressão simbólica. Ou seja, exclusões, seleções e censura de
elementos informativos realizados no processo comunicacional são formas dissimuladas
de repressão, que o são muitas vezes sem percebê-lo. Os meios de comunicação de
massa permitem que os conteúdos ideológicos tenham o maior alcance possível,
atingindo os sujeitos em situações distintas e características heterogêneas.
A mídia de massas se configura assim como transmissora em larga
escala das ideologias dominantes. Nas entrelinhas das notícias de jornal e TV, e mesmo
nos mais inofensivos programas de entretenimento estão expressas, às vezes em
doses homeopáticas, outras vezes quase escandalosamente, as formas de pensamento
hegemônico. Olhando mais atentamente o caso da imprensa, o próprio Marx nota, em
1842, que, mesmo onde não havia censura institucionalizada, o “jornalismo como
negócio” representava uma ameaça à liberdade de imprensa (Marx, 1980:44), devido
às imposições e restrições dos proprietários dos grandes meios. Ou seja, mesmo não
havendo o controle dos meios de comunicação por governos totalitários, a ditadura
do capital prevaleceria, reproduzindo conteúdos simbólicos da classe dominante sob
a carapuça mítica da liberdade. Sendo assim, os meios de comunicação acabam por
disseminar os interesses daquela classe que, num período histórico particular, é a
classe dominante.
Para Bourdieu, o poder é exercido por meio de sistemas simbólicos
ideológicos. Estes sistemas simbólicos constituem “estruturas estruturantes” (Bourdieu,
2000:9), ao moldarem sentidos e ao serem deliberadamente moldados por aqueles que
os controlam. Ao tratar de tais estruturas, o autor se refere ao seu conceito de habitus,
que corresponde a:
Sistemas de posições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípio
de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem
ser objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem que, por isso, sejam
o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu objetivo
sem supor a visada consciente dos fins e o domínio expresso das
operações necessárias para atingi-las e, por serem tudo isso,
coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação combinada
de um maestro (Bourdieu apud Miceli, 1987:45).
O poder simbólico6 exercido por tais sistemas é um poder de construção
da realidade que tende a estabelecer sentido imediato do mundo (em particular do
mundo social), através dos habitus que dissemina. A possibilidade de construção da
realidade inerente a tais sistemas depende da existência de um grupo de produtores
especializados, capazes de gerarem símbolos e ideologias que são instrumentos por
242 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
Por definirem “certo” e “errado”, as idéias propagadas pela classe
dominante estruturam os padrões de comportamento, limitando o espaço dos desejos
e ambições pessoais e definindo “possível” e “impossível” dentro de limites
socialmente aceitáveis. Temos, em resumo, a partir da disseminação e assimilação
das ideologias da classe dominante, um verdadeiro processo de condicionamento,
sendo este apenas possível por meio da introjeção dos sistemas simbólicos. Nesse
sentido, a comunicação de massas se destaca como “ferramenta” de transmissão de
tais sistemas. Trata-se de moldar o habitus dos sujeitos por meio daquilo que ele
apreende como realidade e como padrão de comportamento através da mídia. Antes
de prosseguirmos, lembramos, contudo, que partimos de uma premissa generalista
de que uma parcela significativa dos sujeitos submetidos a determinado estímulo
midiático assimila os conteúdos informacionais que recebe sem grandes
questionamentos. Nesta saturação consiste a manutenção do poder, uma vez que as
ideologias de uma classe passam a ser incorporadas pelas demais, assumindo um
caráter de “normalidade” e “normatividade”.
244 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, não há conhecimento neutro, pois todo saber está
subordinado aos interesses de uma classe. Embora haja, numa formação social, tantas
visões de mundo quantas sejam as classes sociais, a ideologia dominante é sempre a
ideologia da classe dominante disseminada através dos meios de comunicação social
(Fiorin, 1993:31).
Buscamos, no decorrer deste artigo, refletir sobre as condições que a
classe dominante cria para manter e exercer seu poder por meio da comunicação.
Sabemos que tal opção de análise pode ser considerada um tanto radical, especialmente
num momento em que a comunicação de massa parece perder força diante da
possibilidade dos sujeitos saírem, especialmente por meio da internet, da sua posição
de receptores para emissores de conteúdos simbólicos, interagindo diretamente com
outros sujeitos, apreendendo parcelas do real sem a intermediação de terceiros. Todavia,
julgamos ser necessário tratar da relação poder e meios de comunicação de massa
para compreendermos como Estados e classes sociais dominantes utilizaram estas
mídias para sustentarem suas posições no decorrer do século passado. O poder destes
é concretizado por meio dos princípios ideológicos apreendidos pelos sujeitos que se
tornam núcleo duro de suas ações e que indicam seu posicionamento na estrutura
social e produtiva. Nesse sentido, transmitir conteúdos simbólicos específicos ou
cercear a contato que os sujeitos têm com a realidade é essencial para compreendermos
as formas através das quais a comunicação age como AIE.
246 Carolina Dantas de Figueiredo – Poder e Comunicação: um breve debate sobre a questão do poder
nos meios de comunicação de massa
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OS X-MEN
X-men representam um marco de transformação da idéia do super-herói
como alguém glorioso, imbatível e superior. A partir deles, o valor conferido ao poder
e à força muda de direção. O próprio nome do grupo ilustra essa mudança. Em X-
men, o “X” significa extra ou extraordinary. Mas, nesse caso, extraordinário não tem
a ver com maravilhoso, mas sim com anormal. Os X-men são, em sua maioria,
jovens que herdaram dos pais genes mutantes devido à influência de fatores como a
radiação, a presença de conservantes nos alimentos industrializados e a poluição.
Estas mutações são responsáveis pelos poderes das personagens. Tais alterações podem
ficar incubadas, vindo a se manifestar na adolescência. Nesta narrativa, criada em
1963 por Stan Lee e Jack Kirby, percebe-se que o poder, antes tratado como dom,
passa a ser comparado a uma doença, levando os mutantes a serem estigmatizados
socialmente.
Ser encarado como alguém extraordinário passa a significar a
marginalização e a perseguição por parte dos seres humanos ditos normais. Existem
inclusive mutantes que, devido a sua aparência estranha, foram obrigados a viver em
ambientes como os esgotos. O resultado dessas mutações é o aparecimento de
habilidades fora do comum como pirocinese (poder de incendiar as coisas com a
força da mente), teletransporte e o poder de atravessar paredes. Essas habilidades são
tratadas, na narrativa, não como poderes mágicos, mas sim como funções corporais,
que, como tais, são, em parte, autônomas, agindo independentemente da vontade do
248 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
indivíduo, e, em parte, controláveis. Mas o equilíbrio entre essas duas faces do poder
é difícil de ser alcançado e responde por um grande sofrimento para os mutantes.
A personagem Vampira é, talvez, um dos maiores emblemas da saga
mutante. Seu nome, em inglês, é Rogue, que significa ladra ou trapaceira. O produto
do roubo é a essência dos outros. Ao tocar as pessoas, a personagem absorve
memórias, habilidades e energia vital. Isso responde, em casos extremos, pela morte
da vítima de seu toque e por crises devido a conflitos gerados pela confusão entre a
personalidade de Vampira e a das pessoas cujas essências ela absorve. Em português,
o nome dado à “super-heróina” alude ao mito dos mortos vivos que sugam o sangue,
símbolo da vida, para se alimentarem. Os vampiros, assim como os mutantes,
representam o poder dos que estão à margem da sociedade, encarados como
amaldiçoados.
SOBRE O INDIVIDUALISMO
Um dos produtos mais consumidos, atualmente, são os discos laser,
onde música e imagem não têm de dividir espaço com ruídos ou chuviscos, ou seja,
possuem um caráter puro ou individualizado. A busca tecnológica por esta pureza tem
gerado uma febre pela remasterização (tratamento de sons e imagens para adquirirem
um caráter digital).
Esta compulsão pela pureza digital tem origem em um passado distante,
mais precisamente no período de transição entre Feudalismo e Idade Moderna, época
marcada pela tentativa de a própria sociedade “remasterizar-se”. No entanto, a
contemporaneidade também tem sede pela poluição informacional, pela ambigüidade,
pelo conhecimento labiríntico (Machado, 1997).
Este artigo pretende demonstrar como, ao fazermos uma leitura alegórica
de personagens da revista em quadrinhos X-Men, a exemplo de Vampira, Mística e
Wolverine, deparamo-nos com as sutilezas envolvidas no conflito de identidade
marcado pela opção entre o caráter analógico e o digital. Esta disputa revela uma
dupla face do que chamamos de individualismo e nos conduz à seguinte questão: a
fragmentação ou o caráter multifacetado das identidades contemporâneas é realmente
o oposto da identidade centrada – almejada pelos iluministas do século XVIII – ou
um desenrolar desta?
O processo de “digitalização” do homem moderno teve como alvos
obsessivos a preservação da individualidade e a ausência de conflito, entendidos como
elementos característicos de uma vida perfeita. O termômetro utilizado para medir a
eficiência dos modernos em se aproximar destas metas foi denominado civilidade. A
civilização tem sido encarada como algo que existe de forma pronta e acabada
250 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
de que as que a separavam dos estratos mais baixos pudessem ceder
ao ataque (Elias, 1990:37).
O impulso de fixar limites com relação à posição social própria e alheia
dá origem a um individualismo extremado, manifestado até mesmo por gestos
inconscientes como o repúdio ao contato com secreções de outras pessoas (suor, por
exemplo). De acordo com Elias, as pessoas que costumavam, na Idade Média, comer
juntas num mesmo prato e beber do mesmo cálice tinham entre si relações diferentes
das que hoje vivemos:
O que faltava nesse mundo courtois, ou no mínimo não havia sido
desenvolvido no mesmo grau, era a parede invisível de emoções que
parece hoje se erguer entre um corpo humano e outro, repelindo e
separando, a parede que é freqüentemente perceptível à mera
aproximação de alguma coisa que esteve em contato com a boca ou as
mãos de outra pessoa, e que se manifesta como embaraço à mera vista
de muitas funções corporais de outrem, e não raro à sua mera menção,
ou como um sentimento de vergonha quando nossas próprias funções
são expostas à vista de outros, e em absoluto apenas nessas ocasiões
(idem:82).
O individualismo é a forma encontrada pelos modernos de mapear os
altos e baixos aos quais se está sujeito devido à imprevisibilidade e volatilidade do
capitalismo no qual, como dirá Marx, no Manifesto Comunista, “tudo o que é sólido
desmancha no ar” (Marx, 2001). Da mesma forma, a organização burocrática da
sociedade também é engendrada pela necessidade de controlar a efemeridade do capital.
No ideal iluminista da paz generalizada, revela-se o medo dos homens modernos da
perturbação da ordem social, pois a instabilidade impediria o progresso e,
conseqüentemente, o afastamento das “trevas” feudais.
A personagem Vampira alegoriza esta paranóia da modernidade. Como
vimos, ela tem o poder de absorver, por meio do toque, a energia vital de outras
pessoas, o que implica a absorção da identidade (memórias e traumas). Se ela tocar
duas vezes uma mesma pessoa, suga completamente a essência desta. Como
conseqüência deste poder, Vampira tem crises de identidade, uma espécie de
esquizofrenia.2
Assim como esta integrante dos X-men, os modernos acreditam que
não devem “tocar” outras pessoas, pois se misturar, significa perder as coordenadas,
estruturadas individualmente, que permitem elaborar o mapa de orientação no caminhar
rumo ao progresso. Em outras palavras, o individualismo moderno representa o esforço
para afugentar a temível perda da essência. “Tem sido aceita como natural a impressão
das pessoas de que seu próprio ‘ser’, sua ‘verdadeira identidade’ são como que
252 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
as fraquezas uns dos outros, os indivíduos poderiam controlar-se mutuamente.
Jameson dirá a respeito:
Porém é preciso acrescentar que o próprio problema da expressão
está intimamente ligado a uma concepção do sujeito como receptor
monádico, cujos sentimentos são expressos através de uma projeção
no exterior. O que temos de enfocar agora é em que medida a concepção
do alto modernismo de um estilo único assim como os ideais coletivos
de uma vanguarda, ou avant-gard artística ou política, desaparecem
com a noção (ou experiência) mais antiga do assim chamado sujeito
centrado (Jameson, 1997:43).
A esta fixação moderna pela individualidade está relacionada a ideologia
de que cada coisa possui uma essência única, uma razão de ser, a qual pode ser
perseguida pelos seres humanos. Os modernos acreditam que sua vida deve ser um
esforço para retirar de seu caminho todos os empecilhos que o impedem de alcançar
a razão ou verdade única dos valores, sentimentos e também do mundo natural. Em
sendo assim, os diferentes indivíduos representariam estágios diversos de realização
da razão, da mesma forma que, conforme Hegel, os diferentes períodos históricos
marcam “cada um deles um nível distinto de desenvolvimento, e cada um deles
representando um estágio definido de realização da razão” (apud Marcuse, 1978:23).
Esta concepção hegeliana aponta para a encruzilhada do individualismo moderno,
dividido entre a compreensão da história como caminhar de diferentes indivíduos
rumo a uma razão única e universal e o caminhar dos indivíduos rumo a diferentes
razões, isto é, o relativismo. A vertente relativista do individualismo também é
alegorizada por Vampira, como veremos mais adiante.
A crença de que cada coisa e cada ser humano possui uma essência
única, um caminho particular a seguir gera, como lembra Elias (1990), o lamento de
Virgínia Woolf sobre a incomunicabilidade da experiência como causa da solidão
humana. Jameson identifica uma reflexão sobre esta incomunicabilidade no quadro O
Grito, de Munch. Na pintura, o grito, representação da tentativa humana de se exprimir,
revela-se inútil, pois os seres humanos, conforme o mito moderno do individualismo,
só seriam capazes de ouvir e de conhecer, verdadeiramente, a si mesmos.
O desespero provocado pelo desejo e pela incapacidade de se exprimir –
de tocar4 o outro – aproximam alegoricamente a personagem Vampira do quadro de
Munch. Como não pode tocar os outros, Vampira também não pode se fazer sentir.
O conteúdo gestual de O Grito, como destaca Jameson (1997:43) “já assinala seu
fracasso, uma vez que o domínio do sonoro, o grito, a pura vibração da garganta
humana, é incompatível com seu meio (algo assinalado no interior da obra pelo fato
de o homúnculo não ter orelhas)”. O autor prossegue:
A “ESQUIZOFRENIA” OU
A NOVA FACE DO INDIVIDUALISMO
O individualismo ganha um novo modelo na pós-modernidade.5 Deixa
de estar ligado à crença de que é necessário resguardar-se a identidade individual.
O aspecto de autoquestionamento, presente à racionalidade
iluminista, fortalece-se em detrimento da noção de que existe uma razão única
todo-poderosa. A idéia que se ergue como dominante 6 é a de que a verdade é
relativa, ou seja, varia conforme o referencial, o qual, por sua vez, varia conforme
outros referenciais, num fluxo sem fim ou total, como o denomina Jameson
(1997). Esta acentuação do caráter contestador da razão abre espaço para uma
reconfiguração do individualismo. O indivíduo deixa de ser entendido como
essência unificada e passa a ser encarado como palco onde transitam múltiplas
identidades, correspondentes às múltiplas verdades ou ao labirinto que se oferece
no capitalismo tardio.
Em vez de se ancorar a um núcleo de personalidade, o individualismo
pós-moderno busca a possibilidade de ser diversas essências. Não se trata de se
mascarar, pois tal atitude pressupõe a existência de um núcleo de personalidade
por trás das máscaras. Os indivíduos pós-modernos se tornam verdadeiros rogues,
ou “ladrões de essência”, que buscam ser capazes de usurpar as memórias, a
vivência e os valores pertencentes a outras pessoas, quer sejam estas reais ou
fantasias de suas mentes. Talvez este seja um dos motivos do mal-estar existencial
contemporâneo: sentir que nossa identidade é, grande parte das vezes, algo
estranho a nós; produto de um roubo. E ladrões de essências pós-modernos, por
vezes, são ainda mais solitários que os individualistas modernos.
O que a leitura alegórica de personagens de X-men nos indica é que
o fenômeno contemporâneo da multiplicidade ou fragmentação de identidades
não significa, necessariamente, o fim do individualismo, podendo representar
um recrudescimento deste. O indivíduo deixa de ser representado pela idéia da
mônada e passa a ter na encruzilhada a imagem que melhor o identifica. A ilusão
é de que se nos apresentam múltiplos caminhos, porém o que melhor descreveria
254 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
nossa condição é a de seres encurralados no centro da encruzilhada ou presos
nos nós das redes de informação. Esta é uma imagem que acreditamos poder
expressar o individualismo em sua versão contemporânea. Tal imagem pode ser
encarada sob um ponto de vista otimista se, em vez da prisão na encruzilhada,
elegemos como metáfora a imagem do homem que se aventura pelos múltiplos
caminhos do labirinto no embalo da dança dos gêranos. 7 Contrariamente à
estratégia de atravessar o labirinto, seguindo o fio de Ariadne, o qual representa
o esforço por linearizar a complexidade, por manter-se uno em meio à fragmentação
da identidade, “a idéia de optar simultaneamente por todas as alternativas marca
a diferença da dança dos gêranos (...) A beleza e astúcia da estrutura do labirinto
estão na multiplicação das possibilidades e na vivência de tempos espaços
simultâneos” (Machado, 1997: 257).
Parece-nos, porém, que o individualismo contemporâneo reflete tanto
uma dificuldade de abrir mão do fio de Ariadne quanto um esforço de simular a
dança dos gêranos, tomando como acompanhantes não outras pessoas, mas nossos
próprios fantasmas. Mas o ponto de vista de Arlindo Machado é cativante
justamente por lembrar que o individualismo, seja ele moderno ou pós-moderno,
não é dimensão única da existência.
O otimismo não deve, no entanto, nos fazer perder de vista que o
apego à imagem do ser humano como fragmentado ou múltiplo indica também
um esforço para fugir do tempo histórico real. O “espetáculo paradoxal das infinitas
ocorrências” (idem, ibidem) eleito pelos contemporâneos como auto-imagem,
pode nos conduzir à vivência por vezes rica, por vezes agoniante da simultaneidade
ou do hibridismo. Por outro lado, pode nos fechar em verdadeiros universos
paralelos. Jameson exemplifica este fenômeno, analisando o filme de Lawrence
Kasdan, Body Beat, que “retrata” os anos 1930. Nesta obra, a ambientação foi
estrategicamente enquadrada de forma a evitar a maior parte dos signos que
transmitem a imagem dos Estados Unidos em sua era multinacional. A edição
contribui cuidadosamente neste seqüestro de essência. “Desse modo, tudo no
filme conspira para borrar sua contemporaneidade oficial e possibilitar ao
espectador uma recepção da narrativa como se ela fosse ambientada em uns
anos 1930 eternos, para além do tempo histórico real” (Jameson, 1997:48).
A PERDA DA COERÊNCIA
Enquanto o individualismo de cunho iluminista gerou o sentimento
de incomunicabilidade do ser, o descentramento 8 do sujeito atual faz com que se
desenvolva uma atmosfera de perda da capacidade de controlar de forma ativa
256 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
separadas do resto do mundo. Ao mesmo tempo, meus olhos se fixaram
em um campo de trigo cujos limites eu não conseguia ver. Uma vastidão
amarela, ofuscante à luz do sol, aliada ao canto das crianças presas na
escola-quartel, causou-me tal ansiedade que comecei a soluçar
convulsivamente.
Corri para casa, para nosso jardim, e comecei a brincar, “para fazer
com que as coisas parecessem normais”, isto é, para voltar à realidade. Essa foi a
primeira aparição daqueles elementos que estiveram para sempre presentes nas minhas
futuras sensações de irrealidade: uma vastidão sem limites, uma luz fulgurante e o
brilho e a suavidade das coisas materiais (idem:54).
Compare esta descrição com a seqüência escrita por Chris Claremont e
publicada no Brasil na revista X-Men, número 7, páginas 40 e 41. Nesta seqüência, a
identidade da personagem Miss Marvel, que teve sua essência absorvida, assume o
lugar da identidade de Vampira em uma de suas crises de personalidade:
258 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
WOLVERINE: A TEIMOSIA DA ESSÊNCIA
Vejo flores no deserto; homens buscando o certo. Labirintos; fontes
do pecado.
Mapas que me levam ao passado. Reações impensadas. Mentes
alienadas
Sentimentos presos sem saída. Momentos de eterna despedida.
Vega
260 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
NOTAS
6 Perceba-se que, como dominante, esta idéia não anula o efeito da ideologia
do Iluminismo, rivalizando com ela.
7 Trata-se de uma das estratégias criadas para lidar com a estrutura complexa
do labirinto. “Rapazes e moças alternados e com as mãos dadas em fila simulam o
percurso do labirinto por meio de uma dança típica. Há um guia em cada uma das
pontas da fila, o que significa que eles podem correr em qualquer um dos sentidos.
Diante de uma encruzilhada, o grupo pode percorrer simultaneamente as duas
alternativas, cada guia puxando o grupo para cada uma delas. Caso uma das alternativas
não tenha saída, o guia que se defronta com essa alternativa dá um grito e é logo
compreendido por seus companheiros: a fila passa a ser dirigida então pelo outro
guia até a próxima encruzilhada” (Machado, 1997:257). E assim por diante, até que
os dois condutores da dança se encontram.
262 Cláudio Clécio Vidal Eufrausino – O drama dos personagens de X-men como um novo caminho para
compreender a noção jamesoniana de identidade esquizofrênica
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REVISTAS:
X-Men, número 9. São Paulo, Abril Jovem, 1989.
COMPETIÇÕES E MELODRAMA
Com as luzes ainda apagadas, cinco dançarinas se encontram no
centro do palco e, ao som da música tema de Caldeirão do Huck, começam a
dançar. As luzes se acendem. Ao fundo, ouve-se a voz de Luciano Huck: “Quebra
tudo no Caldeirão”. O apresentador se dirige à platéia de jovens, com empolgação,
fazendo a abertura de seu programa. A platéia responde com gritos, assobios,
palmas. Todos dançam. As câmeras novamente se fecham nas dançarinas, que
sorriem animadamente. É assim que, nas tardes de sábado, na Rede Globo, tem
início o programa juvenil Caldeirão do Huck. No ar desde o ano 2000 nesta
emissora, o programa, com duas horas de duração, já passou por diversas
modificações; o histórico inclui atrações do tipo reality show (a exemplo do
“Acorrentados”), várias modalidades de jogos interativos, além dos quadros
vinculados aos personagens criados pelo programa. Apesar da remodelação
constante, uma modalidade específica de atração sempre esteve presente: os
jogos competitivos. Com ou sem a participação da platéia, os jogos já ofereceram
diversos tipos de prêmio: brindes com a logomarca do programa, dinheiro, papéis
em novela, reforma na casa, no carro, entre outras coisas.
Na terceira edição do programa no ano de 2007, exibida no dia 20
de janeiro, apesar de estarem incluídas alterações na programação em virtude da
passagem do ano, vários tipos de jogos e de competições estiveram presentes. A
partir da análise dessa edição do programa, escolhida em função de tais recentes
alterações, foi possível perceber nas atrações – mais especificamente, nos jogos
e/ou competições – uma mesma lógica norteadora (lógica que, aliás, está presente
na maioria das atrações que já fizeram parte do programa). Ou seja, a premissa
que orienta os jogos e/ou competições e que permite o seu pleno funcionamento
é uma só: a do esforço e recompensa. O prêmio a que os participantes dos jogos
concorrem tem que ser merecido. Mas não basta merecer; é preciso dar provas
visíveis – para a platéia e para o apresentador – de que se deseja o prêmio “mais
do que os outros” e de que se é capaz de tudo para alcançá-lo, inclusive um
desprendimento das convenções sociais. É preciso fazer “loucuras” para ter o
264 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
prêmio (“pagar micos” em rede nacional, desafiar fobias, superar limitações).
Essa é a contrapartida que o apresentador solicita dos participantes; a forma
através da qual se materializa simbolicamente o esforço dos participantes; a forma
com que se honra o prêmio. O esforço é medido, portanto, na quantidade de
energia que se investe no sentido de alcançar o prêmio. Quanto maior a vontade
do participante de ganhar, percebida na sua disponibilidade para cumprir as metas
da prova (se possível, superando-as), maior é a sua capacidade de honrar o
prêmio.
Na edição do dia 20 de janeiro, todas as atrações do programa eram
jogos e/ou dinâmicas competitivas. Em todas, era possível perceber a incorporação
de elementos da matriz popular do excesso ou do chamado “fluxo do
sensacional”, 1 a exemplo daqueles comumente associados aos universos do
estranho e/ou bizarro e do erótico (o sensual, o quase pornográfico). Mais
marcadamente, no entanto, o melodrama esteve presente, em maior ou menor
grau, em todas as atrações, conferindo o tom do apresentador, que simbolicamente
desempenha um estratégico papel dentro do universo melodramático. Todos os
jogos, portanto, são marcados pelo excesso – tanto dos participantes, que estão
dispostos a tudo para ganhar o prêmio, como da platéia, que responde diretamente
ao excesso dos participantes por meio do seu grau de animação. É como se o
desempenho dos participantes refletisse diretamente na platéia, que, nesse sentido,
funciona como uma espécie de termômetro; quanto mais o desempenho for
ousado, desprendido, excessivo, mais intensa e eufórica é a resposta da platéia.
De acordo com Martín-Barbero,
“tudo no melodrama tende ao esbanjamento. Desde uma encenação
que exagera os contrastes visuais e sonoros até uma estrutura dramática e uma
atuação que exibem descarada e efetivamente os sentimentos, exigindo o tempo
todo do público uma resposta em risadas, em lágrimas, suores e tremores” (idem,
1997:166).
266 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
que mais lhe agrada. Ou seja, a justiça, mais do que com o concorrente, se dá na
relação com a platéia.
“Agora ou Nunca”
Uma reviravolta nos destinos (ou o retorno à origem)
Em uma edição do programa do ano de 2005, em um quadro (“Agora
ou Nunca”), sob muitos aspectos, semelhante a esse, e cuja moral norteadora é
2
268 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
simples não foi cumprida, mas disse que, em nome da justiça não poderia premiar o
jogador.
Luciano Huck parecia não se deixar envolver emocionalmente com o
inusitado episódio, embora toda a composição do quadro convidasse o espectador a
um extremo envolvimento: foram exibidos closes do jogador, de seus familiares e da
platéia emocionados; a música acentuava o sentimento de tristeza; a história de
dificuldades do menino parecia ser invocada com a sua derrota e, simbolicamente,
perpetuava-se (o menino não foi capaz de romper com a sua história, dando a ela um
novo rumo; pelo contrário, foi engolido por ela, pelo seu destino). O menino parecia
não conseguir cruzar a fronteira entre o seu passado de dificuldade e o seu futuro
promissor, e, pela forma como Luciano Huck argumentava, isso se devia, em grande
parte, a uma escolha. Só o menino e mais ninguém, naquele momento, parecia ser
capaz de interferir naquele destino e mudar seu trajeto. Luciano Huck, simbolicamente,
lavou as mãos: deu a oportunidade e demonstrou vontade em ajudar, mas o participante
não correspondeu à confiança nele depositada, não conseguiu aproveitar a oportunidade;
enfim, escolheu não ganhar.
Embora o cenário em que o jogo se desenrolou em muitos aspectos
lembrasse o universo do melodrama, da comoção, do envolvimento, havia uma outra
força, contrária, que se movimentava subterraneamente na dinâmica dos diálogos e
das cenas, abrindo o terreno para que a moral emergisse, sem que qualquer espécie
de bloqueio sentimental a fizesse recuar. Ao mesmo tempo em que as histórias que
nos eram passadas através do programa nos faziam estar envolvidos e comovidos, a
neutralidade do apresentador, honrando o lugar de juiz que ocupava, despontava nos
clímax narrativos, freando a emoção e afirmando o lugar da razão. Os indivíduos,
espectadores, eram convocados a reassumirem seus lugares na cadeira, como meros
espectadores, e a deixar o desfecho da história nas mãos do apresentador, que,
ironicamente, ao dizer-se submisso às leis da justiça, pediu à platéia que “recobrasse
seu juízo”, seu estado “normal de consciência” (e de distanciamento) e se afastasse
do drama narrado, sem culpa ou peso (pois essas sensações só cabiam ao próprio
desafiante, personagem de uma cena em que o ideário do self made man era despertado
sob condições artificiais).
Georg Simmel contextualiza a intensificação da “moral da neutralidade”
na modernidade. Segundo ele, na metrópole “a economia monetária e o domínio do
intelecto estão intrinsecamente vinculados. Eles partilham uma atitude que vê como
prosaico o lidar com o homem e coisas; e, nessa atitude, uma justiça formal
freqüentemente se combina com uma dureza desprovida de consideração” (Simmel,
1979:13). Mas para além dessa “justiça formal” e “falta de consideração” de que fala
270 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
Luciano parece ter o poder de revelar, como um bruxo, uma verdade oculta dos
participantes em razão de sua vitória ou fracasso (que é diretamente proporcional ao
merecimento do prêmio). Se o participante vence a prova, ele não só é capaz de
ganhar o prêmio, como merece ter seus traços de caráter exaltados; ele é exibido não
somente como ganhador de uma prova, mas como um ganhador genérico, ou seja,
um indivíduo que possui espírito de vencedor. Nesse sentido, o vencedor da prova se
configura como um exemplo de indivíduo através do qual se pode visualizar uma
trajetória ascendente rumo ao sucesso na vida em função de suas supostas qualidades
(p. ex., coragem, persistência, eficiência, capacidade de superação etc.). Se, pelo
contrário, o participante perde a prova, ele abre uma brecha para que o apresentador
dele deboche (é como se ele mesmo, simbolicamente, pedisse para ser repreendido
em sua ação). A mesma lógica que se imprime ao vencedor é aplicada ao participante
que perdeu a prova; ele passa a ser visto não só como aquele que não foi capaz de
vencer a prova, mas como alguém que possui determinados traços de caráter ou de
personalidade que o impedem de ser um vencedor. Luciano Huck não se opõe, portanto,
nem à natureza da vida, nem à natureza interna dos participantes: ele deixa que elas
aflorem, como se fossem únicas, coerentes e homogêneas.
“Lata Velha”
A posse simbólica dos destinos: o poder de dar e o de tirar
O terceiro quadro da edição do dia 20 de janeiro foi pinçado do arquivo
do programa. Intitulado “Lata Velha”, o quadro tinha como propósito selecionar um
candidato (via carta) que quisesse ter seu carro reformado pela equipe do programa.
Nesse dia, o selecionado foi o senhor Antônio Pinto. Antes do primeiro contato do
apresentador com o “sortudo”, armou-se um esquema, com o auxílio de policiais, em
que Antônio iria ser constrangido a parar de circular com seu carro, que se encontrava
em más condições de conservação. Esse artifício de antecipação de que Luciano
Huck faz uso encontra eco no universo melodramático, constituindo-se como elemento
que, a um só tempo, costura a narrativa e mobiliza o público no sentido de um
envolvimento mais intenso em relação a ela. Isso porque no momento em que Luciano
Huck arquiteta o esquema, elabora o plano, ele o torna visível ao espectador,
compartilhando o mapa de dramatização que irá ser seguido pelos personagens (e ao
qual eles não têm acesso no momento). Segundo Mariana Baltar, a antecipação constitui
uma das três principais categorias “para entender os procedimentos do excesso nas
narrativas, especialmente as audiovisuais, que se vinculam ao melodramático” (idem,
2006:5). As outras duas categorias, também presentes no programa são: “a obviedade
como estratégia, o que se apresenta como uma narrativa em superfície e uma
272 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
armadilha). Luciano Huck é recebido com lágrimas e surpresa; explica a situação para
Antônio e sua família e tenta deixá-los descontraídos: “Seu nome é Antônio Pinto. Cê
nasceu pra isso, vender pinto, né?!” O apresentador faz promessas de que vai deixar
a Piubinha (apelido do carro de Antônio) a Belina mais bonita do Brasil, mas sob a
condição de que Antônio e sua esposa dêem algo em troca para o programa: “Na vida
de vocês, nada veio fácil, né?! No Caldeirão, nada vem fácil também. Eu transformo
ela, mas vocês vão ter que se transformar também. Vocês vão ter que ir no palco do
Caldeirão e dançar tango. Se vocês dançarem bem e a galera gostar, eu devolvo a
Piubinha; se não, eu leilôo ela e dôo o dinheiro para o Criança Esperança”.
Por meio das falas de Luciano Huck pode-se perceber o papel que ele
parece se auto-atribuir na relação com aquele que é agraciado pelos seus feitos: ele
assume o papel de uma autoridade, de um gerenciador. Luciano Huck parece saber o
que é melhor para a vida de Antônio, mais do que o próprio Antônio e, por isso,
submete-o a algumas de suas visões e vontades, como se elas expressassem um
desejo e/ou um sonho de Antônio. O apresentador promete transformar a Piubinha na
Belina mais bonita do Brasil (embora em nenhum momento Antônio seja convidado a
opinar sobre o novo visual de seu carro) e, ao mesmo tempo, submete a família a uma
prova de superação. Luciano Huck parece ter o direito, em virtude de estar ajeitando
a vida de Antônio, de não só ser um representante legítimo de suas escolhas e vontades
como de dar ordens e fazer chantagens. O apresentador estabelece, portanto, algumas
condições para que o carro seja reformado (lembrando que essa reforma é de acordo
com o seu gosto pessoal e o de sua equipe): Antônio e sua esposa terão que: 1) fazer
aulas intensivas de tango; 2) aparecer no programa Caldeirão do Huck; 3) dançar
tango; 4) dançar bem o tango; 5) fazer com que “a galera” (a platéia) aprecie a dança.
Caso essas condições não sejam cumpridas, Luciano Huck terá o direito (de acordo
com suas próprias palavras) de se apossar do carro de Antônio (que, segundo Luciano
não passa de “ferro-velho”, sendo que é por meio desse ferro-velho que Antônio e sua
família se sustentam), leiloá-lo e doar o dinheiro para o Criança Esperança. Embora
essa frase esteja atravessada por um tom de ironia, ela reforça a situação desfavorecida
de Antônio, por um lado, e o poder de que o apresentador se reveste, por outro; ela
reforça, portanto, o novo status de Luciano Huck com relação à vida de Antônio (o
apresentador parece ter domínio sobre a sua posse e o seu destino; o poder de dar,
mas também de tirar). Tudo parece depender, apenas, do livre arbítrio de Antônio, da
vontade de ganhar o prêmio (avaliável, segundo o apresentador, pela performance de
dança); se a vontade for proporcional ao tamanho do prêmio, ele merecerá ganhar,
caso contrário, será roubado (sendo que esse roubo não irá se configurar como
roubo, mas como uma lição, uma repreensão, um castigo).
274 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
que reúne todas as condições materiais necessárias para que ele se realize; em última
instância, Luciano Huck se metamorfoseia no sonho. Ele o toma emprestado de Antônio,
o transforma e o devolve; além disso, o sonho carrega as marcas de Luciano Huck,
de suas próprias vontades e desejos. Já Antônio aparece como a vítima: “personagem
cuja debilidade reclama o tempo todo proteção – excitando o sentimento protetor no
público – mas cuja virtude é uma força que causa admiração e de certo modo tranqüiliza”
(Martín-Barbero, 1997:164). E apesar de sua força ser posta à prova o tempo inteiro,
de ser questionada, ela é, ao final de sua apresentação de tango no Caldeirão do
Huck, exaltada por Carlinhos de Jesus como aquilo que o permitiu ganhar o prêmio:
“Essa semana, eu aprendi muito com eles. Eles foram campeões na vontade de ganhar,
na superação, no esforço”.
A frase soa contraditória tendo em vista os comentários de Carlinhos de
Jesus durante os ensaios, mas as dificuldades enfrentadas no percurso constituem,
em última análise, mais um cenário de uma narrativa rocambolesca, elementos que
conferem dinamismo à história (para que ela não se revele apressadamente linear), do
que indicadores de um fracasso. Catarticamente (o que só seria possível em função
das dificuldades enfrentadas e superadas), Antônio se encontra com seu sonho vivo:
“Está melhor assim, dez mil vezes. Só Deus pra lhe pagar”. Luciano Huck retruca:
“Entra aí, fica à vontade cara”. Luciano Huck parece abrir a porta de sua casa à
Antônio, convidando-o para entrar num sonho que é tanto de Antônio como dele
mesmo. O sonho de Antônio parece estranho a ele (parece mais do que seu sonho);
ele não o reconhece. A catarse se completa, portanto, não só pela conquista de Antônio,
mas por seu encontro com algo que está além de seu sonho, com algo inimaginável
por ele até mesmo em sonho.
Na edição do dia 20 de janeiro, terminada a exibição do arquivo “Lata
Velha”, Luciano Huck convida ao palco Antônio Pinto, acompanhado da cantora de
funk Deise Tigrona. Ambos cantam o novo sucesso veiculado pelo “carro do ovo” de
Antônio, reformado pelo Caldeirão do Huck. Luciano se dirige a Antônio como MC
Pinto, e seu novo sucesso é chamado de “funk do ovo”. Luciano Huck mostra-se
contente com as novas conquistas de Antônio (que está fazendo sucesso com seu
carro e vendendo muito mais do que antes de ele ser reformado). O seu investimento
em Antônio e em seu carro parece ter dado certo: Antônio mostrou ter espírito de
vencedor ao se propor novos desafios e ir em busca de novas conquistas. Mas o
sucesso de Antônio – é preciso ressaltar – não se deve simplesmente ao seu espírito
empreendedor; ele é produto da ação direta de Luciano Huck. A apresentação de
Antônio nos palcos do Caldeirão não constitui somente uma celebração de suas
conquistas, mas uma exibição do poder de Luciano Huck (investido simbolicamente
CONSIDERAÇÕES FINAIS
276 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
de opinião porque é capaz de captar a verdade (seja porque ela é expressão de uma
maioria, seja porque ela parece traduzir a natureza da vida). E é justamente porque é
dotado dessa característica que se apresenta como alguém capaz de se expressar pelo
outro, em nome do outro, até mesmo quando estão envolvidos sonhos e desejos
desse outro.
Mas o que esse senso de justiça esconde não é simplesmente uma vocação
democrática, mas um forte autoritarismo: o centro do mundo parece girar em torno
de suas visões e percepções, que julga verdadeiras e neutras o bastante para serem
representativas de uma maioria. Na verdade, essas visões estão fortemente marcadas
por gostos e preconceitos de classe, por percepções de mundo singulares à sua trajetória
de vida e não são capazes de expressar uma natureza do mundo (a não ser a natureza
de uma cultura, que é uma construção e está sempre em movimento – embora seja
tomada aqui como única e universal). Luciano Huck é justo, portanto, tão e somente
no sentido de perpetuar o seu lugar de classe, as visões tradicionais que atravessam o
seu lugar social e que são compartilhadas, em grande parte, pela sua platéia (parte
integrante apenas de um universo social muito mais amplo e complexo).
278 Fernanda Cupolillo Miana de Faria – Que a justiça seja feita:a dinâmica do esforço X recompensa no Caldeirão do Huck
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
282 Maria Immacolata Vassallo de Lopes – Projeto Obitel e ficção televisiva no espaço ibero-americano
Novelas exportação
284 Maria Immacolata Vassallo de Lopes – Projeto Obitel e ficção televisiva no espaço ibero-americano
Convite para seminário, novembro 2006
286 Maria Immacolata Vassallo de Lopes – Projeto Obitel e ficção televisiva no espaço ibero-americano
Cartaz do curso Obitel em Guadalajara
288 Maria Immacolata Vassallo de Lopes – Projeto Obitel e ficção televisiva no espaço ibero-americano
Coração selvagem
290 Maria Immacolata Vassallo de Lopes – Projeto Obitel e ficção televisiva no espaço ibero-americano
O direito de nascer
○
Isabel.
○
○
Igor Sacramento
○
Juventude e
○
○
Toda mídia imagina seu público. O Jornal Nacional televisão:um
○
○
também imagina o seu: o Homer Simpson, um homem que já passou estudo de
○
dos 40, que está infeliz com o trabalho, que tem que sustentar a
○
recepção do
○
mulher e três filhos (dois adolescentes e uma criança), que tem
○
Jornal Nacional
○
como maior diversão a cerveja com os amigos no, de sempre, Bar do
○
Moe e que já está acomodado demais para mudar. Um homem médio entre jovens
○
○
da classe média; é preguiçoso e tem raciocínio lento. Como disse o universitários
○
editor-chefe do telejornal mais importante do país, William Bonner, cariocas.
○
○
numa polêmica reunião de pauta em que professores universitários
○
Rio de Janeiro:
○
estavam presentes, o programa é feito para que “o Homer possa
○
entender” (Leal Filho, 2005). Se ele não entende, não entra. FGV,
○
○
Todavia, Bart e Lisa também assistem ao programa; 2007
○
gostam e desgostam, aceitam e questionam assim como os Homers
○
○
do Brasil. Fazem isso por eles mesmos ou pela formação social que
○
○
os constitui? No fundo, há mesmo diferenças entre esses extremos?
○
Isabel Travancas, no recém-lançado Juventude e televisão
(2007), propõe um estudo da recepção daquele noticiário televisivo a
partir de um grupo de 16 jovens universitários cariocas de diferentes
classes sociais, estilos de vida, bairros de moradia, carreiras e religiões.
Cinco são alunos de Serviço Social; cinco, de Comunicação Social; três,
de Pedagogia; e três, de Medicina. Cinco moram na Zona Sul; dois, na
Tijuca; cinco na Zona Norte; uma, na Barra; dois, na Cidade de Deus; e
dois são de fora do Rio de Janeiro, residentes no alojamento estudantil
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os entrevistados
foram selecionados de uma amostra muito maior. A pesquisadora colheu
264 questionários respondidos por outros estudantes de universidades
públicas e particulares. Ao longo do trabalho, ela faz uma análise estática
minuciosa dos dados obtidos. A maioria dos jovens tem entre 20 e 22
anos, com a exceção de dois que têm mais de 30, mas que foram incluídos
“porque se mostraram interessados em participar e disponíveis para a
recepção” e, além disso, “seus depoimentos apresentaram aspectos
interessantes para analisar a questão do estudante universitário”
(Travancas, 2007:75). Como ela afirma, a situação de universitário tem
uma transitoriedade própria da juventude.
Travancas (2007:61) também faz questão de frisar que
está lidando com uma categoria privilegiada na cultura de massa das
sociedades capitalistas e que é mais ampla do que simplesmente
faixa etária. Todavia, a autora não define a amplitude que enxerga na
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
○
Paula Goulart.
○
○
Alzira Alves de Abreu
○
Imprensa e
○
○
As mudanças que ocorreram no jornalismo do Rio de Janeiro história no Rio
○
○
nos anos 1950 é um tema que tem muitos significados. Não há dúvida de de Janeiro nos
○
que a autora do livro enfrentou com grande competência o desafio de
○
anos 50.
○
analisá-los.
○
Rio de Janeiro:
○
Esse foi um período em que se assistiu a transformações
○
redacionais, editoriais e gráficas, ocorreram mudanças na gestão dos jornais E-Papers,
○
○
e na profissionalização dos jornalistas, e teve início a concentração 2007
○
empresarial. Os conceitos de objetividade e imparcialidade ganharam
○
○
relevância, tornando-se o objetivo e a marca do bom jornalismo.
○
○
Mas as perguntas que devem ser feitas sobre esses temas é
○
em que medida essas transformações significaram a continuidade de um
○
○
processo em andamento ou representaram uma ruptura com o modo de
○
fazer jornal predominante até então. Acompanhar passo a passo as
○
○
transformações que se operaram no jornalismo brasileiro desde o início
○
○
do século permite perceber a década de 1950 não como um momento de
○
ruptura radical, mas sim, como mostra a autora, como um período de
consolidação das transformações.
A modernização da imprensa brasileira respondia a interesses
econômicos, ligados ao mercado, e ao mesmo tempo a interesses políticos.
A renovação dos parques gráficos, a compra de novos equipamentos, a
construção de novos prédios, tudo isso dependia do financiamento dos
bancos estatais ou órgãos governamentais. As relações entre os
proprietários dos meios de comunicação e o poder político foram
fundamentais para que a modernização das empresas jornalísticas se
tornasse possível.
Para entender as mudanças no mercado jornalístico durante
os anos 1950, não podemos deixar de associá-las ao desenvolvimento
industrial do país, que foi acompanhado de um vigoroso crescimento do
mercado interno, o que provocou o estímulo à ampliação das empresas
de publicidade. Também o pleno funcionamento do regime democrático
foi fundamental para que essas mudanças ocorressem. Todo esse processo
é analisado por Ana Paula Goulart Ribeiro com profundidade e
criatividade.
Mas o estudo apresenta outras questões que permitem alargar
o conhecimento sobre os jornais e o jornalismo dos anos 1950. Ao analisar
o processo de profissionalização dos jornalistas, a autora traz uma
importante contribuição para entendermos a transição de um jornalismo
personalizado, então dominante para um jornalismo anônimo, com estilo
○
Micael.
○
○
Ecio P. de Salles
○
Lapa, cidade
○
○
Recentemente, um amigo paulista, com quem eu caminhava da música.
○
○
pela Lapa numa noite de quinta-feira, comentou que o bairro, que ele não
Rio de Janeiro:
○
visitava havia alguns anos, estava “a cara de Nova Orleans” – a animação
○
Mauad X,
○
das ruas, a música saindo das múltiplas casas de espetáculo, o movimento
○
2007
○
incessante das pessoas em meio à paisagem sonora da região.
○
Nesse momento, já estava empenhado na leitura do novo livro
○
○
de Micael Herschmann Lapa, cidade da música: desafios e perspectivas
○
para o crescimento do Rio de Janeiro e da indústria da música independente
○
○
nacional. O curioso é que um dos autores citados pelo autor, Henrique
○
○
Cazes, afirma a necessidade de investimentos nessa área, a fim de que o
○
choro e a Lapa possam se tornar referências da cultura carioca, “algo como
○
○
o que acontece com o jazz em Nova Orleans” (p. 38).
○
Coincidências à parte, Lapa, cidade da música se propõe a
○
○
repensar a crise da indústria da música e as suas alternativas a partir do
○
○
circuito cultural do samba e choro na Lapa. A começar daí, busca contribuir
○
para a formulação de políticas públicas consistentes e mais democráticas. O
texto inicial do livro já indica esse caminho de maneira decidida, ao criticar
a decisão do governo carioca de construir um centro de música erudita – a
Cidade da Música – na Barra da Tijuca, bairro nobre da cidade. Nada contra
a música clássica: o autor apenas destaca que “mais uma vez, não se levaram
em conta as tradições e hábitos culturais locais que nitidamente apontam o
bairro da Lapa, no Centro do Rio, como uma espécie de ‘cidade da música
do coração’ dos cariocas (e quiçá de alguns brasileiros)” (p. 11).
O primeiro ponto a notar é que o fenômeno de revitalização da
Lapa indica a centralidade do papel desempenhado pela cultura –
notadamente pela música – no desenvolvimento de determinadas localidades
no país. Mais que isso, ele marca a iniciativa de indivíduos ou grupos locais
que agem, pelo menos inicialmente, por conta própria, à margem tanto do
Estado quanto das grandes gravadoras, como aponta Hermano Vianna na
orelha do livro.
Herschmann desdobra e aprofunda neste livro a percepção que
tinha desde as pesquisas que realizou para sua tese de doutorado, a respeito
da conformação, nos anos 1990, no Rio de Janeiro e em São Paulo, de um
vigoroso circuito alternativo associado ao funk e ao hip-hop. Trata-se do
reconhecimento da vitalidade da indústria fonográfica independente do Rio
de Janeiro e, por outro lado, os “sérios obstáculos na articulação e integração
de significativos segmentos sociais (locais) com o mercado”. Ao mesmo
tempo em que há dificuldades para que esse setor gere sustentabilidade, os
A PRODUÇÃO DA CULTURA
E A CULTURA DA PRODUÇÃO
Quem é da antiga na Lapa – eu (que comecei a freqüentá-la no
início da década de 1980 por conta do Circo Voador e, mais tarde, dos blocos
afro e da Fundição) estou longe de integrar a “velha guarda” – sabe que do
popular pastelzinho no saudoso Seu Cláudio ao sofisticado cabrito no Capela,
as opções que o bairro oferece, sejam gastronômicas, culturais, arquitetônicas,
históricas..., são múltiplas e variadas. Ficando apenas no campo dos gêneros
musicais, pode-se dizer que a Lapa revela uma microcartografia da música
brasileira e global: do forró ao reggae, do samba ao hip-hop, passando pelo
rock, samba-reggae, son, salsa... Alguns deles em casas de espetáculo, outros
na rua, mas a maioria de muita vitalidade. E ainda tem o Teatro do Oprimido
e o Tá na Rua, a sinuca na rua do Riachuelo, práticas circenses, dança de
salão, um universo complexo de alternativas aparentemente inesgotáveis.
Com essa vocação para abrigar o diverso e o contraditório, a
Lapa gozou sempre de certa reputação (para alguns, má reputação) de
boemia e marginalidade. Lar de bêbados, malandros, prostitutas e travestis...
enfim, um lugar perigoso. Provavelmente por isso mesmo tenha sido, durante
um longo tempo, abandonada à própria sorte. Sua contrapartida, entretanto,
foi entregar-se de corpo e alma às inúmeras tribos que fizeram dali seu ponto
de encontro. O que talvez não se esperasse é que a velha Lapa enfrentasse a
própria decadência e, ainda uma vez, se reinventasse, curiosamente recorrendo
em parte à sonoridade de uma época antiga na memória.
Lapa, Cidade da música trata justamente deste universo
específico, aquele que percebeu no circuito do samba e do choro um recurso
capaz de fortalecer os laços culturais e afetivos do bairro da Lapa com a
cidade e, em certa medida, com o país; colaborar para o desenvolvimento
sustentável e a ampliação do acesso à cidadania; e, finalmente, incrementar a
dinâmica social, política e, em especial, econômica da região e seu entorno.
A motivação para dar a partida nesse processo viria das
condições oferecidas pelo próprio bairro. Afinal, “a Lapa estava toda lá.
Prontinha, mas ninguém aproveitava: os Arcos, os casarios, os antiquários
etc.”, declara Lefê de Almeida, produtor musical do Arco da Velha e do
Emporium 100, casas de espetáculo que são referência nesse contexto da
recente revitalização da Lapa.
○
Héctor.
○
na Espanha pós-franquista
○
○
El futuro ya
○
Tatiana Galvão
○
está aqui –
○
○
“Madri nunca duerme”, “Madrid por la noche”, “Esta noche música pop y
○
○
todo el mundo a la calle” ou “Madrid me mata”. Essas são algumas das cambio
○
○
expressões que nasceram daquela que se tornou a referência da chamada cultural.
○
Idade de Ouro do pop na Espanha. Se os Estados Unidos têm Elvis e a
○
Madri:
○
Inglaterra ainda hoje se desfaz em nostalgia com a British Invasion dos
○
Beatles, a Espanha tem a Movida Madrileña como fenômeno cultural que Velecio,
○
○
teve como protagonistas o cineasta Pedro Almodóvar e a cantora Alaska. 2006
○
○
El futuro ya está aqui – Música pop y câmbio cultural nasce da
○
tese de doutorado de Héctor Fouce e tem como objetivo analisar esse
○
○
fenômeno dentro de uma relação entre as mudanças que acontecem no
○
panorama musical do período de transição e o contexto político, econômico
○
○
e social da época. Para isso, Fouce recorre não só à experiência vivida por
○
○
protagonistas da Movida, mas também a várias publicações e a um
○
referencial teórico que busca nos estudos culturais o caminho para
○
compreender a Movida como reflexo de uma época de mudanças. O livro
é estruturado em quatro partes, além de um prólogo escrito pelo músico
Mario Vaquerizo, de um epílogo de Edi Clavo, ex-integrante do grupo
Gabinete Caligari, dissolvido em 1999 e de fotografias de Miguel Trillo.
Numa Espanha pós-franquista e vivendo uma época de
transição, o país se une no consenso em torno da adesão à Comunidade
Econômica Européia (CEE) como certificado de normalidade política rumo
à consolidação democrática. Com a vitória socialista nas urnas, em 1982,
iniciava-se a fase de concretizar as expectativas dos anos de oposição e o
desejo de prosperidade e riqueza que colocasse a Espanha no mesmo
patamar de seus vizinhos.
A Movida, inicialmente nascida no underground como cultura
minoritária, ganha projeção e é institucionalizada como representação da
renovação pela qual a própria Espanha buscava. Entretanto, a expectativa
política acabou em desencanto à medida que a esquerda abria mão de
muitas de suas reivindicações em prol de uma integração no rol seleto da
CEE que garantiria a homologação de seu regime democrático.
O desencanto e a percepção da prometida mudança como mera
construção retórica levou a Movida a estabelecer seus traços fundamentais
a partir do fim de qualquer tipo de compromisso político. Assim, ela
rompe com todo referencial histórico e estético de uma militância para se
deixar influenciar por múltiplos referenciais a partir do contexto cultural
Abstract: This article deals with the media debates about the possible adhesion
of Turkey to the European Union (E.U.), once they constitute a work of symbolic
confrontation, where the interactions of the social actors make and unmake the
identifications of the Europeans and non-Europeans. The imbrication between
the discursive processes and the identification procedures goes through the
negotiation of belonging criteria, as well as recognition criteria. In the last analysis,
it condenses into a necessity of self-identification, the European’s one. Under
the uncertainty as to the meaning and to the value of the European identity, the
reactivation, the re-composition of the Turkish-European border acts as an identity
resource, to the Turkish as well.
Keywords: media discourse, European identity, Turkey
Abstract: Since its modern origins were linked to the manifestations of the popular
classes at the end of eighteenth century in Europe, through the repertoire of theatrical
representation and that of pantomime, melodrama would come to be seen as a genre
of ill repute, viewed with suspicion by an erudite elite. In the construction of its
discourse, melodrama relied upon an aesthetic of exaggeration, whereby overstated
feeling was at the service of the configuration of a melodramatic pathos, forming a
narrow syntony with what Peter Brooks defined as a “melodramatic imagination”.
Ismail Xavier presented the discussions about melodrama by the construction of a
sight geometry that form a melodramatic scene, using Brooks’ concepts. Their issues
are based on an approach between melodramatic imagination and modern imagination,
also developed by Ben Singer studies. This article presents a discussion about
melodrama, introducing some traditions of this genre/language reviewed by recents
studies that point out new perspectives about the theme.
Keywords: melodrama, melodramatic imagination, modernity
Resumos/Abstracts
312
Telenovelas, telespectadores e representações do amor
Paula Guimarães Simões e Vera França
Resumo: A proposta deste artigo é investigar a atualização do amor em telenovelas
brasileiras contemporâneas, exibidas pela Rede Globo, e a forma como a sociedade
configura sentidos sobre essa temática, ao se posicionar em relação às histórias
de amor ficcionais. O objetivo é delinear um universo de representações acerca
desse valor, construído na interlocução entre ficção e realidade. Com isso, o
trabalho revela elementos configuradores da experiência amorosa na sociedade
contemporânea e a inscrição do amor no quadro de referências que orientam a
vida dos sujeitos, ou seja, no ethos. A análise revela que muitas tramas amorosas
construídas nas telenovelas procuram estabelecer uma tipologia do amor em pares
antitéticos: o amor bom e o amor ruim, o amor do herói e o amor do vilão.
Entretanto, há histórias em que ocorre um deslizamento das fronteiras entre esses
dois pólos, configurando uma representação mais móvel acerca do amor. A
pesquisa evidenciou, também, que, na interlocução que as telenovelas estabelecem
com o público, nem sempre há convergências de sentidos em relação ao amor.
Ao tematizar esse valor, os telespectadores participam de um processo de
negociação simbólica, que produz tanto legitimações como deslocamentos de
sentidos. Ao cruzar as representações que emergem a partir desses dois âmbitos
de produção simbólica — a telenovela e a vida social —, a pesquisa evidencia a
força do amor em nossa sociedade e a forma como esse valor se inscreve no
ethos contemporâneo.
Palavras-chave: telenovela, sociedade, amor, ethos
Resumos/Abstracts
314
A telenovela brasileira: uma nação imaginada
Cláudia de Almeida Mogadouro
Resumo: O presente artigo está contextualizado num trabalho que vimos
realizando junto ao Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NPTN-ECA-USP) e do
Observatório Iberoamericano de Ficção Televisiva (OBITEL), sob a orientação
da Profª Drª Maria Immacolata Vassallo de Lopes. As reflexões aqui contidas
advêm de estudos que desenvolvemos durante o mestrado, concluído em 2005,
e no doutorado em curso. Buscamos articular algumas reflexões sobre o ainda
existente preconceito no meio intelectual com os estudos sobre a ficção televisiva,
tentando demonstrar o quanto esse produto revela sobre a idéia de nacionalidade
como construção cultural, podendo se constituir como uma “narrativa da nação”.
Tentamos fazer um paralelo entre a idéia de “repertório compartilhado” a partir
da audiência massiva da telenovela, presente na obra de Martín-Barbero e Maria
Immacolata Vassallo de Lopes e o conceito de “comunidades imaginadas”,
proposto por Benedict Anderson e utilizado por Homi Bhabha. Procuramos ainda,
rever o percurso da telenovela brasileira, que traz muitas peculiaridades em relação
aos outros países da América Latina, potencializando ainda mais as discussões
polêmicas que atravessam o país.
Abstract: This article intends to analyze the sort of affective engagement establish
between the acts of memory (the testimonies) of the characters in some
documentaries. I would argue that such engagement legitimates the testimony, staging
the interconnection between private and public spheres. Such interconnection is
central to the very concept of memory, one that is staged by the testimonies. The
performances of such acts of memory are structured in the documentary in a way
that establishes a certain kind of dialogue with the melodramatic imagination,
reaffirming the empathic-based engagement that is proposed in such passages of the
filmic discourse. In order to develop my argument, I will analyze Um Passaporte
Húngaro, directed by Sandra Kogut in 2001.
Keywords: documentary, melodramatic imagination, memory
Resumos/Abstracts
316
Oh, meu Deus! Manchetes e singularidades na matriz jornalística
melodramática
Márcia Franz Amaral
Resumo: O artigo reflete sobre a presença das matrizes melodramáticas na imprensa
como um recurso de popularização. Utiliza-se de manchetes como exemplo para
uma discussão sobre o conceito de singularidade no jornalismo e suas relações com
o melodrama. Recupera o conceito de melodrama e mostra como eles originaram
características utilizadas permanentemente pela imprensa.
Palavras- chaves: melodrama, jornalismo, manchete
Abstract: The article reflects on the presence of the melodramatics matrices in the
press as a popularization resource. It is used of headlines as example for a discussion
on the concept of singularity in the journalism and its relations with melodrama. It
recoups the concept of melodrama and shows as they had originated characteristics
used permanently for the press.
Keywords: melodrama, journalism, headline
Abstract: This article describes the interactions between mediathic world and real
life world, analyzing the elements from soap-opera existing in “Retrato Falado”, a
broadcast from “Fantástico”. The testimonial brings to TV an expectation from reality
through a narrative structure that materializes common people life stories. This mise-
en-scène, in its turn, is built through an affective engagement that reveals aspects of
a melodramatic imagination.
Keywords: soap-opera, quotidian, melodrama
Abstract: This article analyzes the construction of the melodrama genre and the
transformations through which this cultural text has gone, from bourgeois theatre
drama, newspaper series (folhetins), radio soap operas, and finally television
soap operas. From the perspective of Bakhtinian thought, especially his three
philosophical categories (dialogue, polyphony and contextualization), the way
melodrama has updated itself in different narrative formats and socio-cultural
contexts is looked at, as well as how it is kept alive as the matrix of television
production. Brazilian soap operas (telenovelas) receive special attention because
of their relevance as melodramatic audiovisual production, and also because they
have woven and transformed the frontiers of the narrative genre in question.
Keywords: melodrama, Bakhtin, soap opera, television
Resumos/Abstracts
318
econômico, social e cultural, e conclui com a necessidade de estabelecer um
novo pacto social entre os criadores, a indústria e o público em geral.
Palavras-chaves: indústria da música, Espanha, “pirataria musical”
Abstract: This article treats the structure of the musical industry in Spain, the
constitution of the oligopolic market controlled by the four larger multinationals,
and the consequent appearance of the new social phenomenon called "musical
piracy", both in its modality off line and on line. The article problematizes the
concept and the phenomenon of the piracy from an economical, social and cultural
point of view, and ends with the need of establishing a new social pact in general
among creators, industry and the public.
Keywords: musical industry, Spain, "musical piracy"
Resumos/Abstracts
320
O desejo como lei: Uma análise do cinema de Pedro Almodóvar
Henrique Codato
Resumo: Este artigo tem como objetivo maior mostrar que as definições de
desejo e de imagem guardam diversas semelhanças semânticas e discursivas,
utilizando como fundamentação a alteridade e o olhar. Propomos que a noção de
desejo seja utilizada como ferramenta teórico-metodológica na intenção de analisar
um gênero de cinema, aqui representado por “A Lei do Desejo” (1986) e “Má
Educação” (2004), ambos de Pedro Almodóvar, que apresenta o desejo tanto em
sua forma como em seu conteúdo, desejo esse que se exprime como sujeito e
que se deixa expressar como objeto, seduzindo seu espectador.
Palavras-chaves: desejo, cinema, espectador, olhar, alteridade, Almodóvar
Abstract: This paper has as its major aim to prove that the words desire and
image present several semantic and discursive similarities and that both hold as
basis the ideas of the otherness and the eye. We suggest, using two films of
Pedro Almodóvar (“The law of Desire”, 1986 and “Bad Education”, 2004), that
the conception of desire could be used as a methodological tool to analyse a style
of cinema which presents the notion of desire in its form and in its contents,
permitting to affirm that the film seduces the spectator.
Keywords: desire, cinema, spectator, eye, otherness, Almodóvar
Resumos/Abstracts
322
“Que a justiça seja feita”: a dinâmica do esforço X recompensa no
Caldeirão do Huck
Fernanda Cupolillo Miana de Faria
Resumo: O presente artigo tem como propósito discutir, a partir da matriz popular
do excesso ou do chamado “fluxo do sensacional”, os papéis desempenhados
pelo apresentador Luciano Huck no programa Caldeirão do Huck. De que forma,
incorporando alguns discursos vinculados sobretudo ao universo do melodrama
e fazendo-os ressoar nos “personagens” que integram as atrações e/ou quadros,
Luciano Huck consegue imprimir uma determinada “moral” ao seu programa?
Pretende-se pensar também quais as lógicas norteadoras das relações que se
estabelecem entre apresentador e platéia e apresentador e telespectador, tomando-
se como base os quadros do programa e a “moral” norteadora dos mesmos.
Palavras-chave: moral, melodrama, programa de televisão
Abstract: The present article intends to discuss, from the popular matrix of
excess or from the one named as “sensational’s stream”, the roles performed by
the presenter Luciano Huck at the television show Caldeirão do Huck. How can
Luciano Huck print a kind of “moral” to his program, incorporating many
discourses especially tied to the melodrama’s universe and making them resound
on the characters that integrate the attractions? It also aims to think about what
are the ideas that guide the relations established between presenter and live audience
and between presenter and spectator, based on the attractions of this program
and the “moral” that guides those attractions.
Keywords: moral, melodrama, television show
Os Editores
324
encaminhamento de artigos
Colaborações para a revista podem ser enviadas em disquetes ou por e-
mail, em modo attached.
As colaborações deverão conter:
a) notas de rodapé de acordo com as normas de referência bibliográfica;
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As colaborações por e-mail devem ser enviadas para:
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325