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Antropologia Cultural.................................................................................................................................5
1. Apresentação...................................................................................................................................5
2. Introdução.......................................................................................................................................5
3. Objectivos Gerais...........................................................................................................................6
4. Objectivos cognitivos e educacionais............................................................................................6
5. Plano temático................................................................................................................................6
Unidade 1 A Antropologia Cultural: Introdução e definições preliminares...........................................9
1.1 Introdução..................................................................................................................................9
1.2 Objectivos...................................................................................................................................9
1.3 O que é a Antropologia?............................................................................................................9
A antropologia hoje..............................................................................................................................9
O objecto de estudo da antropologia..................................................................................................10
A crise do objecto de estudo da antropologia.....................................................................................10
O que fazem os antropólogos?............................................................................................................11
A antropologia: ciência ou arte?........................................................................................................12
A antropologia como espelho para a humanidade..............................................................................13
1.4 A Antropologia e os seus campos de conhecimento...............................................................13
1. 5 Etnografia, Etnologia, Antropologia......................................................................................15
1.6. Os enfoques sectoriais.............................................................................................................15
1.7 Relação entre a Antropologia e a Educação...........................................................................16
1.8 Relação da Entropologia Cultural com as outras ciências humanas e sociais.....................17
A Antropologia e a Psicologia............................................................................................................19
A Antropologia e a Sociologia............................................................................................................20
A Antropologia e o Direito.................................................................................................................21
A Antropologia e a História................................................................................................................21
A Antropologia e a Filosofia...............................................................................................................22
Actividades............................................................................................................................................23
Unidade 2 Métodos e princípios do método de Antropologia Cultural.................................................24
2.1 Introdução................................................................................................................................24
2.2 Objectivos.................................................................................................................................24
2.3 O processo de uma investigação antropológica.....................................................................24
2.4 O método etnográfico: o trabalho de campo..........................................................................26
A invenção do trabalho de campo.......................................................................................................26
O trabalho de campo como método....................................................................................................28
Traços do trabalho de campo antropológico......................................................................................29
A etnografia e o método comparativo.................................................................................................30
A trabalho de campo e a entrada no terreno......................................................................................30
2.5 Técnicas de investigação antropológica..................................................................................31
2.6 A observação participante.......................................................................................................35
2.7 Os discursos emic-etic.............................................................................................................36
2.8 O antropólogo em contextos urbanos....................................................................................37
2.9 A ética do trabalho de campo..................................................................................................37
Exercício de descrição etnográfica.....................................................................................................38
Actividades............................................................................................................................................38
3.1 Introdução................................................................................................................................39
3.2 Objectivos.................................................................................................................................39
3.3 Os primórdios da antropologia..............................................................................................39
3.4 Evolucionismo..........................................................................................................................41
Antropólogos evolucionistas:..............................................................................................................41
Visão crítica do evolucionismo...........................................................................................................44
3.5 O Difusionismo.........................................................................................................................45
1
3.6 O particularismo histórico.......................................................................................................46
3.7 Escola de Cultura e Personalidade.........................................................................................47
3.8 O Funcionalismo.....................................................................................................................47
A introdução dos estudos de campo....................................................................................................48
O conceito de função..........................................................................................................................48
3.9 O neoevolucionismo, a ecologia cultural e o materialismo histórico...................................49
O Neoevolucionismo...........................................................................................................................49
A Ecologia Cultural............................................................................................................................50
O materialismo cultural......................................................................................................................50
3.10 O estruturalismo francês.........................................................................................................51
Outros antropólogos estruturalistas franceses...................................................................................52
3.11 Antropologia em África e em Moçamique.............................................................................57
A Antropologia colonial......................................................................................................................57
A Antropologia no pós-independência, em Moçambique....................................................................59
Antropologia em África e no chamado Terceiro Mundo.....................................................................67
Actividades............................................................................................................................................69
Unidade 4 A cultura e as Culturas...........................................................................................................70
4.1 Introdução................................................................................................................................70
4.2 Objectivos.................................................................................................................................70
4.3 Cultura e Sociedade................................................................................................................70
Sociedade............................................................................................................................................70
Relações sociais..................................................................................................................................71
Cultura................................................................................................................................................71
Holismo..............................................................................................................................................71
4.4 A noção antropológica da Cultura.........................................................................................72
4.5 Características da noção antropológica de cultura................................................................73
A Cultura é aprendida........................................................................................................................73
A Cultura é simbólica.........................................................................................................................75
A Cultura submete a natureza.............................................................................................................75
A Cultura é geral e específica (Cultura –Culturas)...........................................................................76
A cultura inclui tudo...........................................................................................................................76
A cultura é partilhada.........................................................................................................................76
A cultura está pautada........................................................................................................................77
A gente utiliza criativamente a cultura...............................................................................................77
A cultura está em todas as partes.......................................................................................................77
4.6 A Cultura material e imaterial...............................................................................................79
4.7 A noção sociológica e a noção estética do conceito de cultura..............................................80
4.8 O conteúdo do conceito antropológico de cultura..................................................................82
As crenças e as ideias.........................................................................................................................82
Os valores...........................................................................................................................................83
As normas culturais............................................................................................................................83
Os símbolos........................................................................................................................................83
4.9 Os universais da cultura.........................................................................................................85
4.10 A mudança cultural.................................................................................................................87
4.11 A mudança social....................................................................................................................89
Qual o peso da estrutura e qual o da acção social na mudança?.......................................................89
Actividades............................................................................................................................................92
Unidade 5 Identidade Cultural.................................................................................................................93
5.1 Introdução................................................................................................................................93
5.2 Objectivos.................................................................................................................................93
5.3 identidade e alteridade: paradigmas.......................................................................................93
Resposta essencialista, substantivista, psicologicista ou primordialista.............................................93
Resposta Cognitivista.........................................................................................................................94
Resposta Interaccionista, processual, situacionista e sociohistórica:................................................95
5.4 A identidade como constructo relacional................................................................................95
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5.5 . A noção de raça e a ideologia racial......................................................................................97
5.6 Grupos étnicos e etnicidade..................................................................................................100
5.7 A percepção cultural dos grupos étnicos.............................................................................102
Como se formam os estereótipos no interior das pessoas?...............................................................103
De onde nascem os estereótipos?.....................................................................................................104
Como se mantêm um estereótipo?.....................................................................................................104
Como funcionam os estereótipos?....................................................................................................104
5.8 Modelos de convivência intercultural...................................................................................104
Modelo de integração impossível: Alemanha...................................................................................104
Modelo da assimilação: França.......................................................................................................104
Tolerância pluriétnica ou pluricultural: U.K....................................................................................105
5.9 O conflito identitário.............................................................................................................106
Actividades..........................................................................................................................................107
Unidade 6 O Parentesco: organização sócio-política a célula e produção...........................................108
6.1 Introdução..............................................................................................................................108
6.2 Objectivos...............................................................................................................................108
6.3 Definição do parentesco........................................................................................................108
6.4 Grupos de parentesco............................................................................................................109
6.5 Tipos de família.....................................................................................................................109
6.6 O Casamento.........................................................................................................................110
Tipos de casamento...........................................................................................................................111
Padrões de residência pós-casamento..............................................................................................113
6.7 Os sistemas de descendência e herança................................................................................113
Actividades..........................................................................................................................................114
Unidade 7 A Antropologia Económica..................................................................................................115
7.1 Introdução..............................................................................................................................115
7.2 Objectivos...............................................................................................................................115
7.3 Antropologia económica.......................................................................................................115
7.4 A reciprocidade.....................................................................................................................116
7.5 A redistribuição......................................................................................................................117
7.6 Intercâmbio de mercado.......................................................................................................118
7.7 Modos de produção................................................................................................................119
7.8 Caça, pesca e recoleção.........................................................................................................119
7.9 Pastorícia...............................................................................................................................120
7.10 Cultivo agrícola: horticultura e agricultura........................................................................121
Horticultura......................................................................................................................................121
Agricultura.......................................................................................................................................121
7.11 A produção industrial...........................................................................................................122
7.12 A sociedade pós-industrial....................................................................................................122
Actividades..........................................................................................................................................123
Unidade 8 Antropologia Política............................................................................................................124
8.1 Introdução..............................................................................................................................124
8.2 Objectivos...............................................................................................................................124
8.3 Introdução: política, poder e autoridade.............................................................................124
8.4 Os sistemas políticos nos bandos de caçadores e recolectores............................................127
8.5 Os sistemas políticos nos sistemas tribais............................................................................127
8.6 Os sistemas políticos nas chefaturas....................................................................................128
8.7 Os sistemas políticos nos estados..........................................................................................128
8.8 Rituais e ordem......................................................................................................................130
Actividades..........................................................................................................................................130
Unidade 9 Antropologia da Religião......................................................................................................131
9.1 Introdução..............................................................................................................................131
9.1 Objectivos...............................................................................................................................131
9.3 A Religião................................................................................................................................131
9.4 Expressões da religião...........................................................................................................131
3
Animismo..........................................................................................................................................131
Maná e tabu......................................................................................................................................132
Magia e religião...............................................................................................................................132
O Totemismo.....................................................................................................................................134
Os mitos............................................................................................................................................134
9.5 Religião e cultura....................................................................................................................135
9.6 Religião e mudança...............................................................................................................136
9.7 A religião e o tempo do calendário........................................................................................136
Actividades..........................................................................................................................................138
Bibliografia básica...................................................................................................................................139
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Antropologia Cultural
1. Apresentação
Nos encontros presenciais, os docentes privilegiarão aulas teóricas expositivas: (conferências),
nas quais serão apresentados temas específicos com conceitos teóricos e exemplos etnográficos
relacionados com os temas em questão. No decurso destas sessões, os estudantes adquirirão os
textos básicos de estudo, que compreendem um caderno de apontamenos e um outro com textos
de apoio.
O caderno de apontamentos é este que o caro estudante tem nas suas mãos. Nele encontram-se:
O programa/plano de estudos, no qual constam os objectivos de aprendizagem da
disciplina, as unidades temáticas e respectivos conteúdos, a calendarização do estudo dos
estudantes e a indicação da bibliografia.
Os apontamentos contendo os conteúdos detalhados, organizados por unidades temáticas.
O caderno de apontamentos contém também indicação de actividades, em forma de
questionário, que o estudante deverá resolver durante o tempo destinado ao estudo
individual.
O texto de apoio é uma colectânia de textos de diferentes autores que tratam de temas específicos
em estudo na disciplina. Tais textos complementam o caderno de apontamentos. O estudante
deverá utilizar estes dois instrumentos em simultâneo.
É importante que o estudante leia os materiais, de acordo com a calendarização que lhe é proposta
no caderno de apontamentos, porque se deixar que a matéria se acumule pode não vir a ter tempo
suficiente para estudá-la na altura das provas escritas.
2. Introdução
Esta disciplina é leccionada em todos os cursos em vigor na Universidade Pedagógica. Sendo uma
disciplina de tronco comum, visa permitir a todos estudantes a aquisição de conhecimentos
etnográficos e sócio-culturais do seu país e, em especial, do continente africano. No fim do curso,
o estudante terá a ferramenta necessária para conhecer o papel desempenhado pela Antropologia
em África, numa perspectiva sócio-cultural. Estará também munido de conhecimentos para fazer
a reflexão sobre os processos, fenómenos culturais, para a acção pedagógica efectiva e será capaz
de usar alguns elementos da educação tradicional na transmissão dos conteúdos científicos e
provocar uma revolução epistemológica.
O estudante dominará os diferentes sistemas de filiação das sociedades moçambicanas, as
diferentes terminologias de parentesco e seu valor sociológico; saberá diferenciar as noções de
etnicidade, grupo étnico, categoria étnica, para além de resolver os problemas de ordem social. É
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ainda interesse deste programa munir os estudantes de conhecimentos sobre a importância da
ideologia na sociedade, a articulação entre a ideologia, reprodução da sociedade e o status quo
social e, por fim, reconhecer o impacto da religião tradicional em África e, em particular,
Moçambique.
3. Objectivos Gerais
6. Avaliação
Aos estudantes serão aplicadas três avaliações: a primeira e a segunda serão exercícios escritos e
a terceiraa será um trabalho individual, de investigação independente. Em Dezembro de 2007
haverá um exame final.
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Unidade 1
A Antropologia Cultural: Introdução e definições preliminares
1.1 Introdução
Esta é a unidade temática introdutória da disciplina de Antropologia Cultural. Nela são abordados
conteúdos relacionados com conceitos de Antropologia, Etnografia, Etnologia, relação entre a
Antropologia e Educação.
1.2 Objectivos
No final desta unidade o estudante deverá:
A antropologia hoje
Podemos afirmar que a antropologia é hoje:
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3. Uma profissão na qual se aplicam conhecimentos, métodos, técnicas, sensibilidades e
olhares para melhor compreender e lidar com o mundo.
Em primeiro lugar, a antropologia é uma ciência indutiva que formula conclusões e abstrações
sobre a natureza humana, tendo como base um conhecimento derivado da observação sistemática
da diversidade cultural humana. Este conhecimento serve, assim, para a construção de teorias que
interpretam os fenómenos socioculturais. Estes conhecimentos, tal como os métodos e as teorias
da antropologia, servem para ser aplicados na melhoria das condições de vida das populações
estudadas.
SUJEITO: OBJECTO:
HUMANO HUMANOS
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A crise do objecto de estudo da antropologia
Anteriormente, a antropologia era pensada como o estudo das sociedades sem escrita, etiquetadas,
sob uma perspectiva evolucionista, como “sociedades primitivas”. Nesta perspectiva, essas
sociedades coincidiam basicamente com as sociedades não ocidentais. O termo de “primitivo” foi,
no entanto, abandonado devido à sua notação pejorativa e ao falso binómio selvagem / civilizado.
A partir de então, a antropologia foi pensada como o estudo de pequenas comunidades
camponesas, nas quais as relações interpessoais e a falta de especialização económica eram muito
importantes, assim como a sua homogeneidade e o seu equilíbrio internos. A antropologia virou-
se assim para Ocidente. Posteriormente, a antropologia dos “primitivos” e dos camponeses passou
a ser uma antropologia “no” e “do” espaço urbano e do urbanismo. Desta forma, a antropologia
passou a ser uma ciência que estuda qualquer problema sociocultural, em qualquer parte do
mundo.
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Interpretam as culturas: Interpretam a realidade humana, descobrem os seus sentidos e
significados e criam teorias socioculturais. Exemplos: a garrafa está meio cheia ou meio
vazia?; o movimento do olho, é um tic ou um piscar de olhos a alguma pessoa?. Severo
Ochoa distinguiu-se como um médico, chegando a ser “Prémio Nobel de Medicina”.
Durante a sua vida académica, reprovou a algumas disciplinas. O que é que isto pode
significar? a) que um mau aluno chegou a ser prémio Nobel; b) que um bom aluno pode
reprovar...
E se, para alguns, a antropologia é uma ciência social, para outros a antropologia é uma das
Humanidades. Nesta perspectiva, a antropologia enfatiza a subjectividade, o relativismo cultural,
a compreensão dos participantes e o significado que as acções socioculturais têm para as pessoas.
O antropológo faz parte da etnografia que observa: é uma pessoa que estuda outras pessoas, é um
sujeito que estuda outros sujeitos humanos (objecto de estudo), o que implica uma inter-
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subjectividade na forma de produzir o conhecimento. Sob este ponto de vista, a antropologia pode
ser considerada uma forma de arte. As leis da antropologia são diferentes das Ciências Naturais,
aproximam-se mais do “certum” do que do “verum”. A antropologia pode atingir a objectividade?
Podemos ser objectivos quando o sujeito de investigação é a humanidade e o que esta tem de
humano?
No caso das ciências sociais, estas não podem chegar a ser puramente e absolutamente objectivas.
Todas elas podem utilizar ferramentas, mecanismos e instrumentos que objectivam a
intersubjectividade e a produção de conhecimento sobre a realidade humana. Portanto, podemos
afirmar que a antropologia é uma ciência social que, às vezes, actua metodologicamente como se
fosse uma arte.
A. Antropologia Filosófica. O seu objecto de estudo é a pessoa humana como ser genérico;
aquilo que as pessoas têm em comum. Estuda generalidades e utiliza conceitos muito abstractos.
O seu método é geralmente introspectivo: dedica-se ao interior da pessoa humana e trabalha sobre
“o conceito do conceito”.
B. Antropologia Física. Estuda a evolução biológica humana, isto é, a relação entre a evolução
biológica e a cultural; utiliza métodos como a paleoantropologia (estudo dos antepassados
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humanos; é uma tentativa de desvelar a evolução biológica dos humanos, desde o primeiro
momento do aparecimento dos primatas até aos nossos dias), a antropometria (medições
anatómicas), a anatomia comparativa (estudo comparativo de fósseis humanos) ou a raciologia
(classificação das raças humanas). Actualmente, utilizam métodos próprios da genética molecular
para distinguir aos primates dos humanos. Nos E.U.A., e relativamente a este uso da genética
molecular, os antropólogos físicos preferem ser chamados “antropólogos biológicos”.
C.1. Antropologia Cultural. É uma terminologia norte-americana. O seu fundador Franz Boas,
um alemão emigrado aos E.U.A. que converteu a museística (etapa prévia à antropologia cultural)
norte-americana em ciência. Boas formou-se numa escola neokantista e o seu esquema teórico de
referência é o da Ilustração. A Ilustração da Alemanha reage, teoricamente, ao mundo medieval
(teocentrismo: Deus centro de todo), e propõe como alternativa o antropocentrismo (o humano
como centro do mundo). O objectivo era ultrapassar os esquemas das crenças para chegar aos
esquemas da razão. É preciso converter o ser humano num ser científico. Para a Ilustração alemã
o ser humano é duplo:
a) Por um lado, comparte características biológicas com o resto dos seres vivos. É
necessário, portanto, uma ciência que estude os humanos como um animal, a
antropologia física.
b) Por outro lado, os humanos são capazes de elaborar coisas que os animais não podem
criar: a linguagem, a tecnologia, símbolos, etc. Este conjunto de coisas que os
humanos produzem e aprendem, enquanto membros de uma sociedade, é aquilo que os
alemães chamam “KULTUR” (cultivar: algo que só podem fazer os humanos). O
estudo da “kultur” é a antropologia cultural.
Quando Franz Boas chegou aos E.U.A., empenhou-se em divulgar estas ideias, definindo a
antropologia cultural, no sentido de obras materiais e espirituais especificamente humanas.
C.2. Antropologia Social. É um termo que nasce no Reino Unido, depois de superar, igualmente,
uma fase museológica. Para os britânicos, a referencia não foi a Ilustração, mas o francês Emile
DURKHEIM que elaborou um modelo de pensamento de reacção á Ilustração. Segundo
Durkheim, se queremos estudar os seres humanos, não podemos basearmos, exclusivamente, nos
seus produtos, porque os produtos são determinados pela sociedade em que esses produtos são
criados. Nada garante que os produtos culturais continuam a ter a mesma significação que tinham
aquando da sua elaboração e utilização. Portanto, não é possível estudar os produtos humanos sem
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estudar a sociedade que os gera. Caso contrário, não teríamos garantias de conhecer o sentido e
significado desses objectos ou produtos culturais. A antropologia social britânica defendeu que
era necessário estudar, primeiramente, a sociedade, para depois fazer uma análise dos produtos
humanos (“kultur”). Esta perspectiva sublinha mais alguns conceitos como os de: estrutura social,
instituição familiar, formas de organização política e económica, controlo social, etc.
Na actualidade, a diferença não existe na prática, pois os antropólogos estudam tanto as relações
sociais, como os produtos culturais. A única diferença que pode surgir relaciona-se com uma
questão de ordem. Estamos perante o que denominamos por antropologia sociocultural.
D. Antropologia Aplicada. A contribuição da antropologia, para as culturas que estuda, tem sido
muito importante. O reconhecimento do seu serviço público motivou a origem de uma outra
subdisciplina, a antropologia aplicada que trata da aplicação de dados, teorias, perspectivas e
métodos antropológicos para identificar, avaliar e resolver problemas sociais contemporâneos.
Algumas das suas áreas são: a saúde e a enfermagem; a planificação familiar; o desenvolvimento
económico; a animação sociocultural. Neste sentido, a antropologia aplicada estuda a cultura, para
depois elaborar projectos de acção, intervenção e mudança cultural, dentro de um sistema de
referência concreto.
Etno: Costumes...
Logia: razão, tratado de...
Classifica povos, de acordo com as suas características culturais, e explica a
distribuição de traços culturais.
3º. Antropologia: Nível de interpretação global e holística (a totalidade da experiência humana:
biologia, cultura, história, economia...) dos fenómenos culturais.
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Estuda o comportamento sociocultural (ex.: através de instituições como a família, os
sistemas de parentesco, a organização política, os rituais religiosos, etc.) de grupos
humanos passados e presentes.
Na realidade, estes três níveis convergem e interagem. Mas, no que concerne ao processo de
investigação, ensina-se os alunos que este se deve iniciar com a etnografia, seguindo-se a
etnologia e, depois, a antropologia. Na França, o termo “Etnologia” e o termo “Antropologia” são
sinónimos, embora esta acepção não esteja isenta de controvérsia: o antropólogo Claude Lévi-
Strauss defendeu que estes conceitos não eram sinónimos, afirmando que a etnologia procurava
estudar os sentidos de uma cultura de uma área particular e que a antropologia procurava os
sentidos dos comportamentos culturais comuns a toda a humanidade.
Além disso, os humanos necessitam produzir uma série de bens para a sua subsistência e
consumo: esta é a perspectiva da “Antropologia Económica”.
Educação em Antropologia é a que se desenvolve pela maioria das disciplinas científicas que
consiste na difusão em distintos níveis e modadlidades dos saberes produzidos pela Antropologia.
Antropologia da Educação é a que se relaciona com as abordagens que a Antropologia pode
realizar aos efeitos de conhecer melhor a realidade de âmbito da educação, mediante a utilização
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de marcos teóricos, metodologias e técnicas características, e a posterior reflexão sobre a
informação obtida. Antropologia Educativa surge com vista a gerar um tipo de educação que
incorpore não só conhecimentos provenientes da antropologia, senão também esse olhar
antropológico que permita aos educadores e educandos desenvolver saberes e práticas que
superem as perspectivas habitualmented etnocéntricas e/ou discriminatórias presentes em cada
cultura.
As três áreas actuam como marco quando se procura implementar acções que buscam alcançar
alguns dos seguintes:
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cultura. Assim, a antropologia da educação constitui-se a partir da preocupação do antropólogo
pela cultura (objecto de estudo da antropologia) e, consequentemente, pela forma em que esta se
transmite e se adquire de geração. Poder-se-ia, então, definir a Antropologia da Educação como o
estudo dos processos de ensino e aprendizagem da cultura.
No estudo da Antropologia da Educação, uma das questões que se coloca tem a ver com o para
quê conhecer a escola. A perspectiva de responder a esta questão indica a necessidade da criação
da capacidade para precisar os limites razoáveis das transformações, bem como o trabalho activo
na direcção do reconhecimento das contradições.
As Ciências Sociais e Humanas têm em comum a relação entre sujeito (humano) e objecto
(humanos) de estudo, o que implica falar de um estatuto epistemológico próprio, diferente do das
ciências naturais. Esta postura não se encontra, porém, isenta de um forte debate científico que
remonta à origem das ciências humanas e sociais. Durkheim considerava que as ciências humanas
e sociais deveriam imitar as ciências naturais e considerar os fenómenos sociais como naturais.
Esta perspectiva resume-se na expressão durkheimiana: “os factos sociais como coisas”
(Durkheim: 1995). Autores como Dilthey (1839-1911), Max Weber (1864-1920) e Peter Winch
defenderam, contrariamente, que as ciências sociais deveriam ter um estatuto epistemológico
próprio, porque a acção humana é radicalmente subjectiva. Para estes autores, situados numa linha
“compreensiva”, as ciências sociais devem compreender os fenómenos sociais, a partir das
atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas acções. Daí que devamos utilizar
métodos diferentes das ciências naturais, basicamente qualitativos e indutivos. Portanto, o auto-
conhecimento e o conhecimento intersubjectivos caracterizariam as ciências humanas e sociais,
desde o ponto de vista epistemológico. Dilthey chegou a afirmar que as ciências sociais devem
centrar-se não nas causas dos fenómenos sociais, mas nas representações, sentimentos e
interpretações dos mesmos.
Karl Popper foi um participante importante neste debate: afirmou a inexistência de oposição entre
as ciências humanas e sociais. Para ele, a verdadeira oposição existe entre ciências empírica e os
sistemas metafísicos. Ao contrário da metafísica, a ciência caracterizar-se-ia por submeter as suas
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proposições e teorias à falsidade (refutação). Embora esteja consciente de que a ciência é sempre
provisória, Popper reconhece o direito da mesma a procurar leis gerais. Esta validade limitada
significaria pensar o conhecimento científico não como uma verdade irrefutável e absoluta, mas
como um conhecimento –“certum” - validade limitada.
1. Temos que reconhecer que existem outras formas de conhecimento – arte, poesia,
literatura, fotografia. – com legitimidades diferentes.
3. Os humanos são seres significantes, que dotam de sentido tudo o que fazem, pensam e
dizem. Os objectos são conhecidos, através da meditação do sujeito e da sua linguagem.
4. A verdade absoluta não existe, apenas existem algumas certezas – certum. Isto não
significa que se pode controlar, cientificamente, a subjectividade característica das
ciências humanas.
6. É impossível publicar um livro de ciências sociais que não influa, dalguma maneira, na
sociedade.
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7. Qualquer realidade social não pode ser entendida apenas através da quantificação
matemática. Questões como a felicidade, a tristeza, a dor, os sentimentos, os afectos não
podem ser reduzidos a uma quantificação.
O que distingue as ciências humanas e sociais é, portanto, o seu estatuto epistemológico próprio.
No entanto, a relação intersubjectiva com o objecto de estudo também pode determinar algumas
diferenças. Braudel (1976) afirma: “O que muda é o observatório, a paisagem é sempre a mesma”.
A Antropologia e a Psicologia
No seguinte quadro, podemos observar, detalhadamente, a relação entre a antropologia e a
psicologia:
Antropologia Psicologia
A realidade social assenta numa realidade Identifica os traços psicológicos do indivíduo
psicológica e biológica –bioquímica-. e explica os processos e mecanismos
O humano não se reduz só ao psicológico psíquicos intraorgânicos.
(ex.: atracção sexual entre duas pessoas). Conceitos: impulso, repressão, reflexos,
Experiencialismo. condicionamentos, ego, personalidade,
Estuda como o cultural e o social modelam o motivação...
psicológico e vice-versa. Método: experiências de laboratório, testes
“Facto social total” (Marcel Mauss). A psicométricos, ...
antropologia pratica uma integridade na A psicologia experimental tenta determinar
análise sociocultural. O biológico é um as bases psicológicas da conduta individual.
aspecto humano com sentido, que actua, Tenta descobrir um humano abstracto
através da cultura na sociedade. existente em todas as culturas.
“Choque cultural”. PSICOLOGIA SOCIAL: estuda como o
psicológico modela o social.
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A Antropologia e a Sociologia
Anedota: Um antropólogo é capturado por uma tribo de canibais que o colocam numa panela
gigante juntamente com batatas, sal, legumes... Pouco depois, o antropólogo grita: “Mais batatas,
mais legumes...” (O antropólogo tinha começado a comer tudo)
Antropologia » « Sociologia
Nasceu como uma espécie de -Sociologia de “nós” e do nosso.
“sociologia dos outros” e dos
“primitivos”. -Os factos sociais explicam-se em função de
Inicialmente pensada como uma outros factos sociais (Durkheim).
microsociologia e uma sociologia
comparada (Radcliffe-Brown). -Objecto de estudo:
Tem uma epistemologia própria. 1. O comportamento social de um grupo
Os “outros” foram incorporados no humano, de acordo com as variáveis:
“nós” e o objecto de estudo entrou em idade, sexo, profissão, classe,
crise, diversificando-se. prestígio, papel, mudança,...
A antropologia não é uma parte da 2. A sociedade em si mesma.
sociologia: pensar desta forma seria 3. A sociedade em geral e as suas leis
uma ingenuidade. Os factos, estudados gerais.
pelos antropólogos, não podem ser 4. A sua própria sociedade.
exclusivamente considerados sob uma
perspectiva social. Ex.: a religião não -Conceitos: estrutura social, relações sociais...
cumpre, apenas, funções sociais: o
problema não se esgota aí. -Métodos: inquéritos, entrevistas… (recorre
Objecto de estudo: mais aos métodos quantitativos do que a
1. Estuda a cultura humana e a forma antropologia) (utiliza com maior frequência a
como esta é vivenciada, em sociedade. observação exterior e os estudos macro).
2. Estuda culturas e etnias, dentro da
sociedade. -Mais ahistórica e presentista.
3. Estuda culturas diferentes.
-Muitos empréstimos conceptuais e teóricos à
Métodos: observação participante;
antropologia e vice-versa.
entrevistas em profundidade;
comparação – histórica e diversidade
cultural; compreensão holística, para Fala das pessoas em seu nome.
desvendar aspectos essenciais da vida
humana muitas vezes inconscientes.
Estudos mais micro.
Teorias e conceitos diferentes. Ex.:
relativismo cultural, etnocentrismo,...
Conhecimento dos outros e de nós
mesmos. Finalidade: descobrir a
natureza humana.
Mais histórica.
Deixa falar as pessoas, escuta-as e dá-
lhes voz.
Implica um modo de estar com as
pessoas.
Tem em conta as teorias nativas.
Antropologia Sociologia
21
Interesse pelo qualitativo Mais interesse pela medição quantitativa.
A Antropologia e o Direito
Antropologia e Direito
Os primeiros antropólogos eram advogados.
B. Malinowski: Crime e Costume na Sociedade Selvagem. Esta obra é dedicada à lei.
Paul Bohanan: Tiv (Nigéria). É outra obra sobre a criação de leis na cultura tivs.
A Antropologia e a Geografia
Antropologia e Geografia
As semelhanças entre estas duas disciplinas foram evidentes, desde Franz Boas,
nomeadamente desde a publicação da sua teoria do “determinismo geográfico”
(inspirada em Ratzel) e do determinismo geográfico-climático. Boas aplicou esta teoria
nos seus estudos sobre os esquimós do Canadá.
As semelhanças destas duas ciências passam também pelo uso e criação de mapas,
como representação do espaço e do território. Os mapas e os relatórios geográficos são
apoios logísticos fundamentais na investigação antropológica.
Conceptualmente, são importantes os paralelismos entre “área cultural” (Cf. Brown:
2001) e o conceito geográfico de “região”, mas também o de “fronteira”. Este último
conceito foi utilizado, pela primeira vez em antropologia, por Clark Wissler, em 1918,
no seu estudo sobre a fronteira entre os colonos e os indígenas dos EUA.
Em termos teóricos, as influências entre estas disciplinas foram mútuas, desde há muito
tempo. Por exemplo, a teoria do lugar central do geógrafo Walter Christaller
influenciou a antropologia. Em antropologia, a preocupação por uma análise do espaço
está bem representada pelo antropólogo E.T. Hall que estudou a forma como as pessoas
utilizam culturalmente o espaço. As geografias pós-modernas, como por exemplo os
trabalhos de Eduardo Soja, incidem muito na antropologia urbana.
Apesar das semelhanças, também existem diferenças conceptuais, teóricas e
metodológicas. O trabalho de campo antropológico é específico da antropologia. A
geografia tende a realizar, sobre o terreno, uma observação mais exterior dos
fenómenos sociais.
A Antropologia e a História
Antropologia e História
Os antropólogos evolucionistas e difusionistas (século XIX) fizeram uma história
especulativa e conjectural.
Os antropólogos funcionalistas tenderam a excluir a história e aproximaram-se da
sociologia.
A antropologia marxista recuperou a história.
Metodologicamente, há muitas aproximações: trabalho de campo antropológico e
história oral. Actualmente, os antropólogos também trabalham com documentação
escrita.
A Antropologia histórica trabalha com documentos e memórias orais. A História tende
a dar maior importância aos documentos escritos.
A antropologia tenta compreender as relações entre passado, presente e futuro, que
podem convergir metaforicamente no presente. A história tende a reconstruir,
eventualmente, o passado.
A antropologia interpreta as representações do passado, as amnésias e os
esquecimentos.
22
Antropologia (Sec. XVI-XIX) História (Sec. XVI-XIX)
Nasce do encontro do Ocidente com Sociedades “civilizadas”
sociedades não ocidentais, “selvagens”,
“bárbaras”.
Sociedades sem escrita, dominadas pela
oralidade.
Segundo o antropólogo Maurice Godelier (1996: 13), as pontes entre antropólogos e historiadores
foram feitas em trabalhos de “etnohistória” e “antropologia histórica”. Qual o trabalho do
antropólogo, relativamente à história? Godelier (1996: 22) responde a esta questão:
... de vuelta a la práctica del antropólogo, cuya tarea consiste en reconstruir las genealogías, y a
través de las genealogías las historias de clanes y familias, y las historias de vida, ya sea de
individuos ilustres o de hombres y mujeres ordinarios de los que há permanecido la memoria.
Recordemos que, en función de cual sea la sociedad de la que tratemos, la memoria genealógica
puede variar entre un mínimo de tres generaciones más allá de nuestro informante (es decir la
generación de sus abuelos y la de sus bisabuelos) hasta un máximo de quince. Pues bien, tres
generaciones corresponden a cien años, lo que significa que cuando un antropólogo desarrolla
una investigación no solamente se enfrenta a los acontecimientos contemporáneos, sino que se
sumerge en una duración de más de un siglo...
Há que considerar que, hoje, existe uma certa convergência metodológica, mas também uma
necessária interdisciplinariedade. Segundo o antropólogo Ulf Hannerz (1979: 3-4), “as fronteiras
disciplinares não se devem tornar vacas sagradas”.
Persistem, no entanto, algumas diferenças, muitas vezes mais ligadas a identidades corporativas
de organização académica e profissional do saber, utilizadas para uma conquista dos mercados de
emprego.
A Antropologia e a Filosofia
Para alguns autores, a origem da antropologia encontra-se na filosofia grega. Os contributos da
filosofia foram e são muito importantes para a antropologia. A filosofia contribuiu para a reflexão
sobre as condições de produção do conhecimento antropológico, enquanto problema
epistemológico. A filosofia deu azo à análise antropológica (por exemplo, a filosofia
23
hermeneútica de Gadamer - 1992). A filosofia também chamou a atenção da antropologia para a
forma como os seres humanos pensam e apreendem. A filosofia deu um grande contributo para o
pós-modernismo. Sobre esta questão, recomendamos a magnífica obra do antropólogo Adolfo
Yañez Casal (1996).
Actividades
24
Unidade 2
Métodos e princípios do método de Antropologia Cultural
2.1 Introdução
Esta unidade temática apresenta conteúdos relacionados com a investigação antropológica. Aqui,
você irá familiar-se com a maneira como os antropológos trabalham e para isso focaremos os
seguintes conteúdos: O processo de uma investigação antropológica; O método etnográfico ( o
trabalho de campo); Técnicas de investigação antropológica; A observação participante; Os
discursos “emic” e “etic”; O antropólogo em contextos urbanos; A ética do trabalho de campo e
A escrita antropológica.
2.2 Objectivos
Com esta unidade pretende-se que você seja capaz de:
Ser capaz de reflectir e discutir sobre o trabalho de campo antropológico como experiência
distintiva da antropologia.
3. Estudo da fala local, autorizações, vacinas (ex.: contra a malária ou paludismo, febre
amarela, ...), material necessário, etc.
25
4. Traslado, contacto, convivência, entrada no terreno.
Projecto de investigação:
1 Perguntas de partida
2. Exploração:
a) Revisão bibliográfica.
b) Entrevistas e reuniões exploratórias.
Nesta fase o objectivo é encontrar pistas de reflexão, ideias e hipóteses de trabalho, mas não
verificar hipóteses a priori, pois ainda não tem havido observações sistemáticas da problemática de
estudo.
3 Problemática:
Perspectiva teórica: (i.e.: antropologia simbólica e interpretativa)
Quadros conceituais da investigação: (ex.: tempo linear, tempo cíclico, actor, cenário,
bastidores, espaço publico, espaço privado, festa, catarse, estrutura social, ritual,
performance,... )
4 Construção do modelo de análise:
Articular conceitos e hipóteses: indicadores Þ componentes Þ dimensões Þ conceitosÞ
hipóteses Þ refutabilidade
5 Observação:
a) Que observar?
b) Em donde observar?: o campo de análise (unidades de observação), a amostra
c) Como observar? : instrumentos de observação (inquéritos, ...)
Desenhos brandos (mais indutivos):
Baseados na etnografia (observação participante, trabalho com informantes chave) e em
métodos qualitativos.
Melhor para contextos com obstrução, programas com metas menos definidas ou
especialmente complexas e diversas, re- orientações dos programas e circunstâncias de
rápida mudança.
Desenhos duros (mais dedutivos):
Com grupos controlados.
Com programas de objectivos claros e medíveis facilmente.
Para produzir uma avaliação final.
Investigação rápida para a tomada de decisões (Uma investigação tardia é uma mau
investigação).
6 Análise das informações: interpretar os dados.
7 Conclusões.
b) Um processo de conhecimento com base numa estadia no terreno, através da qual estuda
os significados socioculturais no seu contexto.
27
monográfico-, foi B. Malinowski (1973) quem sistematizou nos anos 1920 o método etnográfico
de trabalho de campo, na sua obra sobre “Os argonautas do Pacífico Ocidental”.
Malinowski (1973) converteu-se em uma espécie de herói para a antropologia e a sua obra “Os
Argonautas do Pacífico Ocidental” num mito. Nesta obra, este traduz parte do trabalho de campo
feito na Nova Guiné, concretamente nas Ilhas Trobriand, donde viveu com os nativos durante dois
anos, aprendendo a conviver com eles, a sua língua e os seus costumes. As recomendações que ele
dá sobre o trabalho de campo, foram muito importantes para a antropologia, convertendo o
trabalho de campo num ritual de passagem da tribo antropológica (Velasco e Díaz de Rada, 1997:
19). Desta obra de Malinowski, o mito fundador do trabalho de campo, podemos destacar algumas
ideias chave para reflectirmos sobre o trabalho de campo:
Apesar de que Haddon introduz o termo de “trabalho de campo”, derivado do discurso naturalista,
na antropologia britânica, Malinowski descobriu uma nova forma de fazer trabalho de campo
através do seu novo comportamento no campo. O seu primeiro trabalho de campo tinha sido
também nas Trobriand, mas em Mailu. Neste terreno tinha seguindo o método de recolha total da
cultura do “Notes and Queries”, realizando um informe etnográfico hsitorcista e evolucionista,
uma etnografia de varanda com intérprete e entrevistas e uma estadia curta (2 meses) e superficial
(Alvarez Roldán, 1994).
Não foi por acaso que Malinowski faz trabalho de campo nas ilhas Trobriand, pois ali tinha
trabalhado o seu mestre, o antropólogo Seligman. No seu segundo trabalho de campo, o que
depois o convertiria num antropólogo de prestígio, ele permanece em Kiriwina, onde muda a sua
28
atitude no terreno, criando assim o que conhecementos como trabalho de campo malinowskiano
(Álvarez Roldán, 1994):
Parece ser que ficou nas ilhas Trobriand muito tempo pelo tipo de comunidade que encotrou, isto
é, materlinear e com chefaturas. Será em Kiriwina onde elabore informes etnográficos sincrónicos
e funcionalistas (Malinowski, 1973). Em Kiriwina vai permanecer uma longa estadia e aprende a
língua nativa para entender o significado nativo, sem conformar-se com chegar a encontrar uma
equivalência verbal em outras línguas. É assim que Malinowski inventa o método etnográfico
(Álvarez Roldán, 1994) quebrando assim a anterior separação entre a recolha de dados e a teoria
elaborada por outros, e convertendo o antropólogo num autoinstrumento de investigação (Velasco
e Díaz de Rada, 1997: 21).
O método dos antropólogos é o trabalho de campo etnográfico, através do qual se faz etnografia.
De acordo com este método, o antropólogo converte-se no principal instrumento de recolha de
dados, é por tanto uma inter-subjectividade entre observador e observado. A etnografia é a
descrição do comportamento, das ideias, das crenças, dos valores, dos elementos materiais, etc.
quotidianos e espontâneos de um grupo humano. A etnografia tem em conta 3 aspectos:
Como definimos mais acima, o trabalho de campo pode ser considerado como: a) uma situação
metodológica de encontro intercultural; b) um processo; c) uma experiência que diferença à
antropologia. Dai que possa haver diferentes formas de fazer trabalho de campo (Velasco e Díaz
de Rada, 1997: 18) e de aí a necessidade de explicar as condições em que é realizado o trabalho
de campo e a produção de conhecimento.
30
também pode provocar angústias, ansiedades e cansaços fortemente humanos, como assim o
reflecte o diário de campo de Malinowski (1989).
Além mais o trabalho de campo pode ser pensado como um ritual de passagem da tribo
antropológica, uma experiência auto-tranformadora, um ritual de iniciação e um dobre choque
cultural: nativizar-se e re-nativizar-se (Peacock, 1989: 95).
O trabalho de campo está condicionado pela posição que o antropólogo ocupa nos sistemas
políticos, sociais e económicos (i.e.: centro, semiperiferia, periferia). Estas agendas, muitas vezes
ocultas, devem ser estudadas e feitas conscientes para entender melhor a experiência de trabalho
de campo. Esto ajudar-nos-á a entender melhor o “efeito rashomon” (Heider, 1988; Cardín, 1988)
em antropologia, isto é, durante o nosso trabalho de campo não seleccionamos as vozes dos
nativos e escolhemos algumas dentro da complexidade com a qual nos debruçamos. Reflectir
sobre as causas de por quê escoitamos mais umas do que outras obriga-nos a adoptar uma posição
de reflexão e autoconsciência.
31
metodologia ou em relação com ela. Devemos ganhar-nos gradualmente a confiança dos
estudados e ultrapassar a inibição com o tempo. Devemos também pensar no equilíbrio da
amostra de informantes; uma técnica pode ser a da “bola de neve”, isto é, um informante vai-nos
levando a outro; mas noutros casos a amostra de pessoas com as quais trabalhamos devem ser
pensadas em função da sua representação face ao problema em estudo. Estes são alguns dos itens
a considerar numa reflexão sobre a entrada num terreno:
ENTREVISTAS
OBSERVAÇÃO DOCUMENTOS
32
A triangulação anterior permite também chamar a atenção sobre a necessidade de fazer uma
antropologia histórica que permita compreender melhor os problemas estudados através da
perspectiva histórica.
Actividades do investigador.
Acontecimentos.
Conversas.
Observações.
-Hipóteses.
-Interpretações.
É importante colocar a data, a pessoa, o local, a idade, os sentidos e os contextos ou cenários, para
dar riqueza contextual e de significado.
33
4. Genealogias. Informam sobre a distribuição familiar, as relações de parentesco, os
vínculos familiares e comunitários, etc. No ano 1910 o antropólogo W. H. Rivers
perguntava aos informantes: nome dos pais, nome dos filhos por ordem de idade,
matrimónios e filhos deles, nomes dos pais da mãe e filhos dela. Há pessoas entre os mais
idosos que são verdadeiros especialistas nesta problemática. Podem servir para prospectar
os direitos de propriedade, as obrigas mútuas, as regras de residência e matrimónio, a
herança de ofícios, etc.
5. Histórias de vida. São relatos sobre a vida de uma pessoa. Esse relato informa não só
sobre a vida dela, porém também sobre a vida da comunidade e os seus valores, o passado
e o presente.
6. Histórias de família.
7. Inquéritos por questionário. Com o objectivo de obter dados de grupos amplos e analisar
logo estatisticamente as respostas. Pode ser de perguntas abertas ou fechadas.
11. Grupos de discussão. Trata-se de reunir a um pequeno grupo de pessoas para debater
entre eles um assunto de interesse.
13. Os orçamentos-tempo. Trata-se de pedir a uma ou várias pessoas que anotem ou nos
contem as actividades, as horas e os espaços dessas actividades. É uma etnografia
34
cronotemporal que permite estudar os movimentos no espaço e no tempo de uma pessoa,
com o fim de compreender o seu modo de vida.
A ENTREVISTA EM ANTROPOLOGIA:
É uma técnica de investigação, é um procedimento operativo para obter uma informação através do
diálogo intersubjectivo com uma pessoa. Baixo a forma de uma conversa informal, orientamos ao nosso
entrevistado face aos aspectos a conhecer. Portanto é dirigida ou semidirigida. Esta técnica deve ser
complementada por outras como a observação participante e o estudo de documentação histórica, pois as
pessoas dizem coisas, ocultam dados, pensam e também fazem coisas. A entrevista não é um inquérito de
perguntas fechadas, senão de perguntas abertas, é portanto um diálogo no qual a iniciativa é do
pesquisador.
Passos:
1. Elaboração de um questionário-guia:
As perguntas dependerão dos objectivos da entrevista, do nível de informação do entrevistado (o
35
que interessa é a sua visão dos fenómenos estudados, não só a quantidade de informação), e do
grau de conhecimento e confiança gerado entre entrevistador e entrevistado.
As perguntas não devem condicionar uma resposta a priori predeterminada pelo investigador. As
perguntas devem ser abertas (não fechadas: sim ou não), provocando respostas livres, opiniões,
matizados..., claras e não confusas.
A arrumação das perguntas seguirá a ordem seguinte: perguntas gerais (idade, género, breve
história de vida...), até as específicas e especiais. A representação gráfica será a de um funil.
As primeiras perguntas devem interessar-se pela pessoa, mostrando o nosso aprecio por ela e o
nosso agradecimento pelo seu tempo –estou a pensar em que não vamos a pagar essa entrevista-.
As perguntas de tom político podem implicar um certo medo ou desconfiança por parte do
informante.
Devemos adaptar a realidade ao questionário e não ao contrário.
2. Combinação da entrevista.
Factores do investigador: formação, experiência, personalidade, habilidade, motivações,
percepções, simpatia, empatia, língua, maneira de vestir...
Factores do entrevistado: preconceitos face ao investigador, comportamento, valores, crenças,
informação (quantidade, qualidade), o seu tempo livre...
É importante valorar a vida da gente à qual entrevistamos, e mostrar expressões de aprecio.
O objectivo final é criar um clima de confiança, para isso teremos que explicar os motivos da
nossa presença e da realização da entrevista.
Pode ser bom combinar a entrevista uns dias antes da sua realização, para que a memória traga
as lembranças ao presente, para que a mente organize melhor a informação. Outras vezes é
melhor a realização imediata, sempre tentando respeitar à pessoa.
Em toda apresentação adoptamos um papel: estudante (risco de paternalismo), professor,
vizinho, amigo, turista,...
É interessante apresentar-se através de um conhecido do informante, pois isso garante a nossa
boa intenção.
Garantir o anonimato é um princípio ético fundamental, se assim nos é pedido, ou se não somos
autorizados a desvelar a identidade do entrevistado.
3. Realização da entrevista:
Tentar utilizar os mesmo idioma que o entrevistado, ou utilizar intérprete.
Personalizar as questões (ex.: o que é que você pensa sobre...? )
Criar um ambiente descontraído.
Respeitar as pautas culturais do outro (ex.: comensalidade como ritual social de interacção,...).
Colocar as perguntas em positivo, pois motiva uma resposta mais ampla e extensa.
Os silêncios também são informação, os esquecimentos e as negativas de reposta. Todo tem um
sentido e um significado a interpretar.
Trabalhar em equipa pode ser positivo. Um homem e uma mulher representam um ideal nalguns
contextos culturais (equilíbrio entre os géneros). Além disso a cumplicidade inter-género e a
construção de um espaço de género pode gerar maior confiança e sinceridade no discurso.
Realizar uma 2ª e uma 3ª entrevista ao mesmo informante, ao longo do tempo, permite
comprovar a fiabilidade e validação dos seus discursos, mas também aprofundar questões que
ficaram na superfície.
O objectivo fundamental é conhecer o ponto de vista do outro, não exibir as nossas opiniões
sobre os assuntos tratados.
A gravação em cassete ou em vídeo da entrevista pode inibir ou não ao informante. É um risco a
considerar. Também pode acontecer se tiramos notas entretanto ele fala. Cada pessoa e situação
tem a sua especificidade.
Tirar notas durante a realização tem a vantagem de poder voltar a elas, de voltar a perguntar com
maior profundidade.
Se a entrevista é gravada, no início do cassete virgem devemos deixar um espaço para inserir e
registar os dados pessoais do entrevistado e do entrevistador, junto com a data e o local da
entrevista.
Sem esses meios técnicos terá que ser a nossa memória a que grave os resultados da entrevista.
Transcrição da entrevista:
Se a entrevista foi gravada exige muito tempo e capacidade para escutar. Pode ser parcial ou
total. Uma boa transcrição deve ter em conta:
N.º de registo
Tipo de contacto
Dados pessoais, lugar, data
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Descrição do contorno, da conduta e da linguagem não verbal
Estrutura temática da conversa
Palavras-chave.
A transcrição deve respeitar a língua do informante, os seus dialectalismos... que também
dão informação cultural.
Convêm assinalar os “passos” que sinala o marca-passos do gravador (ex.: cada 20), pois assim
podermos voltar a localizar na fita gravada qualquer frase, palavra, ou parágrafo.
A transcrição literal e total implica uma grande quantidade de informação etnográfica que pode
ser consultado em um futuro por nos mesmos ou por outras pessoas que acedam ao nosso
arquivo. A transcrição literal significa anotar as risas, os silêncios, as lágrimas, os gestos,
dialectalismos, etc.
Simbologia: P (pergunta), R (resposta), “....” (transcrição literal), `.... ´ (transcrição aproximada)
<Manoel: ...........> (intervenção de uma terceira pessoa).
Se a entrevista não for gravada, e só anotada, devemos arrumar o discurso em um quaderno de
campo, no qual anotemos também as observações complementares do contexto de interacção,
que podem ser importantes para compreender melhor o sentido do falado.
A observação participante implica participar na vida quotidiana do grupo humano a estudar, para
compreender as lógicas locais e o significado sociocultural das suas práticas. Em antropologia
observamos com teorias, categorias, ideias e hipóteses sobre o problema estudado.
O antropólogo deve ser aceite para poder interpretar a visão desde dentro do grupo, deve também
conseguir um trato normal e quotidiano, algo que muitas vezes só se consegue com muito tempo,
confiança e redes sociais de informantes fiáveis. O antropólogo é catalogado geralmente como um
estranho ou intruso (i.e. maneiras de vestir diferentes), pelo qual o receio dos locais pode ser
grande no início. Outras vezes, devido à nossa juventude podemos experimentar proteccionismo e
paternalismo por parte das pessoas que estudamos.
37
A grande vantagem da observação participante é que criamos um texto no seu contexto, na sua
espontaneidade. Outras vezes a nossa presença corre o risco de vulnerar a espontaneidade, de que
digam aquilo que queremos ouvir. A observação participante permite não forçar os dados, permite
entender melhor a cultura através da convivência consciente, facilita portanto o aceso a
informação restringida. O investigador é o principal instrumento de recolha, ele mira e observa
com categorias prévias (teorias académicas, conceitos, preconceitos, etc.) mas também com
imaginação e criatividade. É também um exercício de empatia, de pôr-se no lugar do outro para
perceber melhor o que se diz (e o que não se diz), o que se faz e o que se pensa.
Uma vertente muito importante é o estudo do espaço público. O espaço tem umas pautas
estabelecidas (ex.: saúdo, tertúlia, casamento, funeral, etc.), nele insere-se uma sintaxe pessoal e
grupal que temos que descodificar para entender a identidade urbana. O objectivo do trabalho de
campo é a integração no grupo humano estudado, isso significa reduzir o anonimato e criar redes
sociais, participar em associações, grupos, etc.
Parte do nosso trabalho é o controlo da rede, se num primeiro momento as nossas interacções
seguem um princípio de naturalidade e espontaneidade, as carências na nossa rede devem ser
preenchidas com o trabalho com informantes de diversas zonas, classes sociais e minorias.
Portanto a rede tem que ser representativa do grupo humano que estamos a estudar.
38
Devemos prestar atenção aos dramas sociais, pois são momentos extraordinários para penetrar na
opaca vida quotidiana (ex.: festas, cerimónias públicas, religiosas, conferências, exposições,
feiras, desportos, greves, manifestações, etc.)
É importante também desenhar os mapas mentais e de uso da cidade, isso implica realizar uma
etnografia de rua. Alguns dos critérios que podemos utilizar para classificar os espaços públicos
são:
Actividades
1. O que entende por método científico?
2. Qual é o objecto específico da pesquisa antropológica?
3. Caracterize o trabalho de campo.
4. Explique como se processa o método de observação partipante em Antropologia.
5. Mencione os pressupostos para entrada no campo para a pesquisa antropológica.
a) Como se processa o trabalho de gabinete?
b) Qual deve ser a estrutura do relatório da pesquisa antropológica, tendo em conta que se
trata de um documento científico?
6. Qual deve ser a conduta do antropólogo, como pesquisador?
40
Unidade 3
O Pensamento antropológico
3.1 Introdução
Esta unidade aborda questões relativas ao surgimento e desenvolvimento da Antropologia, em
geral, e da Antropologia Cultural, em particular. Assim, em primeiro lugar apresentam-se as
origens históricas da disciplina. Nos pontos seguintes apresentam-se as principais linas de
pensamento antropológico que se foram sucedendo até à actualidade.
3.2 Objectivos
No final desta unidade pretende-se que o caro estudante seja capaz de:
Entre os romanos podemos também observar uma especulação antropológica. O poeta Lucrécio
tentou descobrir as origens da religião, das artes e do discurso. Tácito descreveu as tribos
germanas, baseando-se nos relatos dos soldados e viageiros; a sua visão é compreensiva,
salientando o vigor dos germanos em contraste com os romanos da sua época.
Com a chegada do cristianismo, é introduzida, na escrita sobre outras culturas, uma perspectiva
etnocêntrica. Santo Agostinho, um dos pilares teológicos da nova época, descreveu a Roma e a
Grécia clássicas como “pagãs” e moralmente inferiores ás sociedades cristianizadas. A sua obra
transparece uma intuição do “tabu do incesto” como norma social que garante a coesão da
sociedade. No entanto, procurou, constantemente, explicações sobrenaturais para a vida
sociocultural.
Na Idade Media, o domínio absoluto no mundo das ideias foi da Igreja Católica, ficando a
especulação antropológica reduzida a considerações teológicas. Até ao final do feudalismo o
renascimento antropológico não se verificou.
Outro exemplo foi o dos missionários jesuítas na América (ex.: Bartolomé de las Casas e o
Padre Acosta) que escreveram as “Relaciones Jesuíticas” e elaboraram a “teoria do bom
selvagem”, segundo a qual os índios tinham uma natureza moral pura que devia ser aprendida
pelos ocidentais. Esta teoria idealizava, com nostalgia, uma cultura mais próxima do
estado“natural”.
A expansão foi justificada por motivações económicas e religiosas, assim o confirma Vasco da
Gama na sua primeira viagem à Índia, afirmando aos locais que vinha para arranjar “cristãos e
especiarias”. A visão europeia era que estos povos não tinham lei, nem fé, nem senhor (Bestard e
Contreras, 1987; Lureiro, 1991).
42
No século XVI, o viageiro Marco Polo elaborou informações críticas sobre Oriente. Outro
pensador social importante foi Gianbattista Vico (1668-1744) que defendeu que os humanos
podiam reconhecer a sua própria história porque eram autores da mesma (compreender o passado,
recreando-o imaginativamente).
3.4 Evolucionismo
Na segunda metade do séc. XIX, nasce a antropologia como campo profissional. Esta foi uma
época de hegemonia mundial europeia, em que predominva um clima intelectual evolucionista e
uma influência das ciências naturais nas ciências sociais.
Uma das teorias dominantes foi o evolucionismo uni-linhar que defendia uma evolução paralela.
De acordo com esta teoria, as culturas foram criadas, independentemente, seguindo um percurso
por estádios fixos: barbárie, primitivismo, selvagismo e civilização. Esta posição era similar à da
Ilustração. Na Ilustração, a ideia de progresso foi central; e para o evolucionismo, as culturas
encontravam-se em movimento, através de diferentes etapas de desenvolvimento, até alcançarem
a etapa de desenvolvimento da cultura ocidental. Todas as culturas evoluiriam da mesma maneira
e passariam pelos mesmos estádios. Seria, pois, necessário pensar numa evoluçao unitária do
conjunto da humanidade.
43
A evolução das culturas era resultado da evolução biológica, que tinha como princípio
fundamental o princípio da sobrevivência dos mais aptos. Esta era uma ideia darwinista. Darwin
(1809-1882) tinha escrito, em 1859, a obra “A Origem das Espécies”.
Antropólogos evolucionistas:
J.J. Bachofen (1815-1887), um jurista suíço, foi o primeiro a chamar a atenção para sociedades
que seguem a linha de descendência através da mulher (culturas materlinhares). Imaginou que
nessas sociedades não se reconhecia a paternidade; "construiu" um mundo greco-latino matriarcal.
Henry Sumner Maine (1822-1888) foi um etnólogo jurídico, membro do conselho britânico do
vice-rei da Índia. Encontrou semelhanças entre as antigas leis de Roma, da Índia e da Irlanda
(sociedades patrilinhares). O seu livro mais famoso é “Ancient Law” (1861), no qual defendeu
que a mais antiga forma de família era a família patriarcal dos indo-europeus. Deixou-nos
conceitos como: “agnação” (reconhecimento da relação por descendência, através dos varões) e
“cognação” (reconhecimento da relação de descendência, através de um mesmo pai e uma mesma
mãe). Defendeu que, na infância da humanidade, não havia nenhum tipo de legislação. Outra
teoria que elaborou foi a do movimento de todas as sociedades do “status” para o “contrato”. O
“status” seria uma condição própria das sociedades primitivas, de acordo com a qual as relações
sociais se limitavam a relações de família (com supremacia do varão mais velho). Os indivíduos
não seriam livres: estariam determinados pelo nascimento e não era possível mudar essa
determinação com um acto de vontade pessoal. O “contrato” seria uma condição característica das
sociedades progressivas e complexas. Os indivíduos, independentemente e separados do próprio
grupo, formam parte de associações voluntárias, nas quais podem ocupar livremente a sua posição
e determinar as suas próprias relações.
Robertson-Smith (1846-1894) foi um erudito que interpretou o Antigo Testamento (um dos
primeiros, no seu contexto histórico). No seu livro "The Religion of the Semites" (1889), diz que,
nas religiões tradicionais não reveladas, o rito é mais importante que o dogma.
44
homeopática – (o simbolismo através do qual os ritos mágicos imitam o efeito que tentam
produzir) e da “magia por contacto” (por relação de contacto, ex.: Vudú, nas Caraíbas). Estas
teorias foram criticas por Frazer como sendo pensamentos erróneos e ciência bastarda.
45
Chegou a ser conservador de museu e catedrático de antropologia social, em Oxford.
Tylor, contrariamente de Morgan, não se preocupa com os mecanismos de mudança, mas
sim com a "sobrevivência” de costumes e ritos antigos que, de acordo com ele, não tinham
sentido comum. Defendeu uma reforma moral. Sublinhou que os aborígenes australianos
eram sobreviventes da pré-história. Os “survivals” deviam ser identificados, através de um
estudo histórico-cultural.
Interessou-se, particularmente, pela religião e pelo animismo. A evolução da religião
seguiria a linha: animismo►feiticísmo►idolatria►politeísmo►monoteísmo.
Criou uma das definições mais divulgadas de cultura como objecto da antropologia: “A
cultura ou civilização, em sentido etnográfico alargado, é aquele todo aquele complexo que
inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes, e quaisquer outros
hábitos e capacidades adquiridos pelo homem, enquanto membro de uma sociedade.”
Evans Pritchard (1987, or. 1980: Historia del pensamiento antropológico. Madrid: Cátedra),
disse que Tylor pretendia converter a antropologia numa ciência de estatísticas, tabulações e
classificações. Estudou 350 culturas, em fontes escritas, procurando as regras de
matrimónio e descendência. Correlacionou também sistemas de casamentos e sistemas de
residência (materlinhal, neolocal e paterlocal), para elaborar uma teoria da passagem de
culturas maternas a culturas paternas e outra da sobrevivência de costumes de etapas
anteriores.
Tylor foi filho da sua época e, por isso, defendeu a missão de civilização do imperialismo
britânico. Desconhecia o princípio do relativismo cultural e não pensou no direito de outros
a conservar a sua própria cultura.
Tylor influenciou o antropólogo Frazer que escreveu, em 1890, The Golden Bough. Neste
livro, Frazer elabora a teoria evolucionista, segundo a qual os humanos percorrem as
seguintes etapas: magiareligiãociência. A última etapa atribui um poder e validez
superior. Frazer é conhecido porque, certa vez, lhe perguntaram se já tinha conhecido algum
selvagem, ao que ele respondeu: “Livre-me Deus de semelhante atrocidade”.
Foram quase todos antropólogos de gabinete (só Morgan fez algo de trabalho de campo com
os iroqueses), sem sair para o terreno. Trabalharam, fundamentalmente, com fontes
documentais e com dados fornecidos por outros (misionários, agentes coloniais, viageiros,
comerciantes). Têm, contudo, o mérito de tentarem fazer da antropologia uma ciência de rigor.
Um dos seus eixos foi o das semelhanças e as diferenças culturais. Ainda que os
evolucionistas se tenham preocupado mais com as semelhanças do que com as diferenças
entre os grupos humanos. É complicado abarcar um objecto tão alargado: é começar a casa
pelo telhado.
46
Para eles, as sociedades eram organismos naturais que evoluíam.
O seu modelo de civilização era a sociedade vitoriana inglesa (Ocidente): o resto do mundo
tinha um desenvolvimento inferior.
Estudaram mais de 300 sociedades, através do método comparativo. Este trabalho foi
continuado, nos E.U.A., por Murdock no seu projecto “Humam Relations Area”.
Para os evolucionistas, para que aconteça uma mudança tem que haver um lugar, um espaço
concreto, a identidade de um grupo em concreto: não a humanidade, no seu conjunto.
A crença não é um erro, como afirmava Tylor. A crença dá sentido à experiência humana. A
mente não pode esperar que a ciência resolva todos os seus problemas, daí que se alimente a
crença (tal disse Durkheim).
3.5 O Difusionismo
Foi uma reacção contra o evolucionismo, mas coexistiu com ele. Foi uma escola antropológica
que tentou entender a natureza da cultura, em termos da origem da cultura e da sua extensão
de uma sociedade a outra. O empréstimo cultural seria um mecanismo básico de evolução
cultural.
Defendeu que as diferenças e semelhanças culturais eram causa da tendência humana para
imitar e a absorver traços culturais.
Outros autores: no Reino Unido, Grafton Elliot Smith (1871-1937, antropólogo físico),
William James Perry (1887-1949). W.H. Rivers (1864-1922) integrou a expedição que
estudou os nativos do Estreito de Torres. Na Alemanha, destacam-se: Fritz Graebner (1877-
1934) que publicou, em 1911, um manual de antropologia (“Methode del Ethnologie”); e o
padre católico Fr. Wilhelm Schmidt (1868-1959), fundador da revista Anthropos, que
inverteu as séries evolutivas dos evolucionistas, pois tentou demonstrar que a religião tinha
origem no monoteísmo –ex.: pigmeus caçadores e recolectores. Os alemães postularam a
formação de diversas culturas, a partir de poucos “círculos culturais”. Essas culturas estender-
se-iam a outras culturas sob forma de traços, através da migração de populações e da melhoria
dos meios de transporte.
FRANZ BOAS (1858-1942), alemão de origem judaica, emigrou para os E.U.A., onde
desenvolveu a sua carreira científica.
Formado na Alemanha, como geógrafo e psicofísico, estudou geografia com Friedrich
Ratzel (1844-1904) que afirmava que o meio ambiente era o factor determinante da cultura.
Viajou até ao Árctico e descobriu que diferentes grupos de esquimós controlavam e
exploravam meios semelhantes de maneiras diferentes.
Deu aulas na Universidade de Columbia e foi director do American Museum of Natural
History (New York).
48
Chegou a formar antropólogos como Melville Herskovits, Alfred L. Kroeber (1876-1960),
Robert Lowie (1883-1957), Edward Sapir (1884-1931), Margaret Mead (1901-1978), Ruth
Benedict (1887-1948) e Clyde Kluckhohn (1905-1960).
Para Boas, a tarefa do antropólogo era investigar as tribos primitivas que careciam de
história escrita, descobrir restos pré-históricos, estudar tipos humanos e a linguagem. Cada
cultura teria a sua própria história. Para compreender a cultura teríamos que reconstruir a
história de cada cultura.
Defendeu que não há culturas superiores nem inferiores (relativismo cultural). Os sistemas
de valores devem compreender-se dentro do contexto de cada cultura e não de acordo com
os padrões da cultura do antropólogo.
Estudou as teorias da evolução, sobre as quais se mostrou céptico, e defendeu a difusão da
cultura.
Impulsionou a ideia de que os antropólogos deviam dominar as línguas dos povos
estudados, com o objectivo de conhecer o mapa da organização básica do intelecto humano.
Criticou o evolucionismo e defendeu que os mesmos efeitos poderiam dever-se a diferentes
causas. Também defendeu que muitas das semelhanças culturais eram originadas pela
difusão, mais que pela invenção independente, e que, em muitos casos, a evolução não
avança do simples para o complexo, antes o contrário (ex.: formas de arte, linguagem, etc.).
Esforçou-se por estudar as culturas índias dos EUA, porque estavam em risco de extinção.
Em vez da prática evolucionista de enquadrar dados etnográficos em categorias pré-
definidas, Boas salientou a necessidade de um cuidadoso e intensivo estudo em primeira
mão, livre de todo prejuízo ou preconceito. As generalizações e as leis surgiriam depois de
ter os dados apropriados.
Em contraste com os difusionistas alemães, Boas defendia que a difusão não se processava,
apenas, do centro para a periferia, mas em qualquer direcção, entre os diversos grupos
humanos.
Fundada por discípulas de Franz Boas: Ruth Benedict e Margaret Mead, inspiradas em
Sigmund Freud (psicanálise) e no filósofo Nietzsche.
49
ignoram os padrões dos adultos ou são-lhes indiferentes. Cultura da família nuclear. Os
velhos e os seus conhecimentos deixam de ser pensados como necessários.
c) Cultura pré-figurativas: os adultos aprendem com os seus filhos. Nesta nova sociedade,
só os jovens estão à vontade, pois dominam os progressos científicos. Em extremo, os
adultos não tem descendentes e os filhos não têm antepassados. O futuro é agora e produz-
se uma quebra entre uns e outros. O que interessava aos adultos já não interessa aos
jovens.
Ruth Benedict (1934), seguindo ao filósofo Nietszche, distinguiu dois tipos de culturas, entre os
índios norte-americanos:
3.8 O Funcionalismo
Os sociólogos franceses e a sua influência
Émile Durkheim (1858-1917) foi um grande inspirador dos estudos antropológicos. Na sua
revista "L´Année Sociologique"(1898-...), seguiu o sociólogo britânico Herbert Spencer,
afirmando a independência dos factos sociais (regras de comportamento, normas, critérios de
valor, expectativas dos membros) relativamente à consciência dos indivíduos que formam a
sociedade. Na expressão da individualidade, quebramos as normas, quer por impulso, quer de
forma calculada. As normas são diferentes das expressões da individualidade: podem ser sociais
(o que a gente acredita que deveria acontecer) ou estatísticas (o que normalmente acontece). O
comportamento social apropriado é uma reacção ante pressões complexas. Durkheim escreveu
"De la Division du Travail Social"(1893) e "Formes Elémentaires de la Vie Religieuse"(1912).
Nesta última obra, dedicada aos aborígenes australianos, afirma que o totemismo é a religião mais
antiga e que o ritual reflecte a ordem social e venera a sociedade.
50
A introdução dos estudos de campo
No final do séc. XIX, generalizou-se a ideia da procura de dados próprios, em vez da análise de
documentação elaborada por terceiros (ex.:viageiros). Entre 1883 e 1884, Franz Boas estudou os
esquimós, e, entre 1897 e 1902, Jesup North Pacific estudou a relação entre os aborígenes da Ásia
Norte-oriental e os ameríndios da América do Norte. Em 1898, efectua-se uma expedição
britânica ao Estreito de Torres e Nova Guiné, na qual participou W.H. Rivers que teorizará os
conceitos de “descendência” (pertença ao grupo social da mãe ou do pai), “sucessão” (transmissão
do estatuto ou do cargo) e “herança” (transmissão da propriedade). Segue-se a expedição de
Malinowski às Ilhas Trobiand (Pacífico). Malinowski introduziu a ideia do trabalho de campo,
com duração mínima de um ano como mínimo (preferivelmente 2, com um intervalo para ordenar
os resultados e ver que perguntas faltaram por fazer).
O conceito de função
Herbert Spencer (1820-1903) foi o primeiro sociólogo britânico a usar este conceito. Viu um
estreito paralelismo entre as sociedades humanas e os organismos biológicos (na forma de
evolução e conservação), porque ambos existem graças à dependência funcional das partes. As
funções seriam obrigações, nas relações sociais. Influenciou Marcel Proust.
Émile Durkheim (1858-1917) relaciona o facto social com as necessidades que cumpre e satisfaz
– função (exemplo: o castigo do delito, a divisão do trabalho). O social só poderia explicar-se pelo
social e não por constituição biológica ou por psicologia individual. Este autor estava preocupado
com o problema da ordem e da estabilidade social e pelo modo como se poderia evitar a
desintegração da sociedade, sob a pressão dos interesses egoístas dos seus componentes.
51
A R. Radcliffe-Brown (1881-1955) insistirá no facto de que a função não deve ser usada no
sentido de "intenção", "finalidade" ou "significado". A proposição "todo uso social tem uma
função" pode converter-se facilmente em "todo uso social é bom". Para Radcliffe-Brown, a
funçao é o que sustenta a estrutura social, ou seja, a coesão dentro de um sistema de relações
sociais. Por exemplo, a magia tem a funçao de actuar como um mecanismo de solidariedade
social.
O Neoevolucionismo
Leslie White (1900-1974)- Estudou Ciências Sociais, na Universidade de Columbia, e
Antropologia (Ph D), na Universidade de Chicago. Em contraste com Tylor e Morgan, White
mais estava interessado em estudar o desenvolvimento da cultura universal (a cultura humana em
geral) e não determinadas culturas, em particular. Entendia a cultura como algo progressivo e
numa única direcção.
“A cultura avança segundo um certo montante de energia per capita, incrementa-se e distribui-
se…”
-Os traços culturais mais adaptáveis são os que sobreviviam no seio da competência
cultural.
Metodologia: A cultura devia ser estudada desde o exterior, observando-a de uma forma
objectiva e sem adoptar o ponto de vista dos participantes. Esta acepção contradiz Boas e
Malinowski.
52
A Ecologia Cultural
-Julian Steward (1902-1972). Discípulo de Kroeber e Carl Sauer (geógrafo).
-Ecologia cultural: Estuda a forma através da qual os indivíduos e grupos humanos se adaptam às
suas condições naturais, por meio da sua cultura. O meio natural exerce uma pressão selectiva
sobre da cultura, eliminando os elementos culturais menos adaptados e que menos possibilidades
têm de vingar no controlo do meio.
-A mudança cultural estaria motivada por mudanças na tecnologia ou nos sistemas produtivos.
-Steward coloca a questão dos processos materiais que incidem nos seres humanos confrontados
com o seu meio envolvente.
O materialismo cultural
-Marvin Harris (1931-2001) aplica os princípios deterministas de Steward. A sua teoria é a do
determinismo tecno-ambiental, segundo a qual a aplicação de tecnologias semelhantes a meios
semelhantes tende a produzir semelhanças na produção, distribuição, grupo social, sistemas de
valores e de crenças.
-Entre as suas muitas polémicas teorias, sublinhamos a que se dedica às causas que guiam a
abstinência dos judeus e muçulmanos no consumo de carne de porco. De acordo com Harris, estes
53
não comem porco porque os porcos comem o mesmo que os humanos e isto torna a sua
manutenção muito dispendiosa. Comem ovelhas e cabras, porque a sua manutenção é mais barata,
para além de que dão leite, lã e força de trabalho.
O seu representante máximo foi o francês – mas, natural da Bélgica – Claude Lévi-Strauss
(1908- ), que defendeu uma ideia fundamental: as uniformidades culturais nasciam na cabeça
humana e também num processo de pensamento inconsciente. A característica fundamental da
mente humana é a tendência para criar dicotomias e para estabelecer opostos binários:
puro/impuro, limpo/sujo... Estas dicotomias explicariam as similitudes e as diferenças entre as
culturas. A antropologia seria para este autor uma semiologia da cultura.
Claude Lévi-Strauss (1908- ) clarificou o contributo de Mauss e deu uma interpretação mais
convincente: as três obrigações (dar, receber e retribuir) não podem ser explicadas, adjudicando
aos objectos trocados uma força intrínseca própria. A troca de prendas é mais importante que as
próprias prendas. Através das trocas contínuas, criam-se, entre os indivíduos e os grupos laços
54
sociais que estabelecem e organizam, entre eles, um sistema de relações complementares. A
reciprocidade é a regra máxima dos intercâmbios.
Em 1949, Lévi-Strauss publica a sua obra “As estruturas elementares de parentesco” – sobre os
aborígenes australianos-, na qual aplica os princípios de reciprocidade e de estrutura social ao
estudo dos sistemas de matrimónio e parentesco. Analisa o tabu do incesto, como origem da
exogamia, e as trocas matrimoniais.
Este autor defendeu e aplicou os métodos linguísticos à antropologia. Foi um grande estudioso
dos sistemas míticos e dos seus significados, a partir da organização de opostos binários.
Absorveu do linguista Saussure a diferença entre língua (sistema fixo de regras gramaticais e
sintácticas) e fala (uso da língua pelos falantes).
Marcel Griaule (1898-1959): Pesquisou, na Etiópia e no Mali (os dogon). Conduzir a pesquisa
de um grupo de estudantes, na África Ocidental, entre eles Jean Rouch que fez cinema
etnográfico. No seu livro “Dieu d´Euau”, relata como, só depois de 15 anos de convivência com
eles, conseguiu descobrir o seu sistema cosmológico. Essa descoberta ocorreu durante um
encontro com o velho sábio “Ogotemmeli”. Neste trabalho, Marcel Griaule demonstra a plena
humanidade dos dogon.
Contexto
Período Escolas e teorias Autores
histórico
55
Curiosidade pelos costumes
Antes do séc. XV
exóticos e pelas explicações sobre
Heródoto (484-425 a.C.)
Expansão do
império e do
esta diversidade
comércio
Santo Agostinho
“Bárbaros” (os não gregos): “um
Autores medievais europeus
olho na testa e os pés para atrás”
e árabes
(Heródoto)
Ibn Haldun (1332-1406)
Santo Agostinho interpretava como
pagãs a Grécia e a Roma clássicas.
Descobrimento do "mundo
selvagem" e constituição de um
mercantil e do comércio de escravos
Descobrimento ocidental do mundo.
Desenvolvimento do capitalismo
humana.
De um teocentrismo a um
humanocentrismo.
Aparece a dicotomia selvagem ou Montesquieu (1689-1755)
S. XVIII
SelvagismoBarbárieCivilizaçã
2ª metade do século XIX
o
Expansão colonial
56
Reacção contra o evolucionismo
Ratzel (1844-1904)
Difusionismo (Destaque para a Alemanha)
Graebner (1877-1934)
Particularismo histórico
Cada cultura tem uma história
particular.
Noção de área cultural.
F.Boas (1858-1942)
A difusão pode acontecer em
C. Wissler (1870-1947)
qualquer direcção.
A. Kroeber (1876-1960)
Relativismo cultural. R. Lowie (1883-1957)
Evolução também do complexo
para o simples.
Trabalho de campo no terreno
(Boas)
Funcionalismo (Reino Unido)
Noções de função, estrutura social,
interdependência, equilíbrio
funcional, necessidade, ordem. B. Malinowski (1884-1942)
Spencer: função = obrigação nas
Entre a 1ª e a 2ª Guerras mundiais
57
Neo-evolucionismo
Cultura como um sistema de
adaptação ao meio ambiente.
A tecnologia, o uso da energia e a
demografia como elementos chave
da evolução.
Os estádios de complexidade social
e avanços tecnológicos (bando,
tribo, perfeitura e estado). L. White (1900-1974)
Evolucionismo unilinear.
Os factores tecnológicos
determinam os traços ideológicos e
sociológicos de um grupo humano.
Confronto com Alfred Kroeber
(que sublinha os aspectos
Começa a descolonização
Ecologia Cultural
Cultura como sistema de adaptação
ao meio natural.
Motor da mudança: aspectos J.Steward (1902-1972)
tecnológicos, mas também a
organização da produção.
Evolucionista multilinear.
Materialismo cultural
Cultura como um mecanismo
de adaptação ao meio.
A aplicação de tecnologias
semelhantes tende a produzir
sistemas de produção e de Marvin Harris (1931-2001)
organização semelhantes. Rappaport, Vayda Harris, o
As condições materiais da 1º Marshall Sahlins
existência actuam,
determinantemente, sobre a
vida quotidiana.
Ecossistema, energia,
adaptação.
58
Estructuralismo
Existe uma cultura humana, não só
culturas. Existe uma unidade
psíquica da humanidade.
Há regras culturais universais que
são um apriori.
Movimentos de liberação nacional e processo de descolonização A cultura é entendida como um
sistema de signos partilhados
(influência da linguística).
Claude Lévi-Strauss (1908-
A estrutura é subjacente à cultura e
Guerra fria e liderança mundial dos EUA.
)
à sociedade.
Existe uma mente humana
universal que organiza o
Guerra do Vietname
conhecimento do
Anos 1960,1970
Antropologia Cognitiva
A Cultura é um sistema de
conhecimentos, percepções e
Berlin, Kay, Goodenough,
crenças partilhados.
Del Hymes, Tyler...
Estuda a forma como os
fenómenos são organizados na
mente das pessoas.
Antropologia simbólica
A cultura como um sistema de C. Geertz (1926), D.
símbolos, através dos quais os Schneider (1918), V.Turner
membros de uma sociedade (1920-1983), Mary
comunicam a sua visão do mundo. Douglas…
Cultura como veículo de
comunicação.
Antropologia marxista
Paradigma dos modos de produção.
Relação dialéctica entre a base
Anos 1970
Antropologia pós-moderna
A realidade é sempre interpretada.
A antropologia é uma interpretação J. Clifford
Anos 1980
de interpretações. G. Marcus
Crítica das retóricas de autoridade P. Rabinow
clássicas. D. Tedlock
Novo paradigma do trabalho de
campo: etnografia multisituada
59
3.11 Antropologia em África e em Moçamique
A Antropologia em África e em Moçambique, tal como vimos nas aulas anteriores, tem
as suas origens nas práticas do colonialismo. Para o caso de Moçambique, podemos
situar as origens da Antropologia no quadro da colonização portuguesa. Assim, para
entedrmos a evolução da Antropologia em Moçambique, teremos que revisitar parte da
história da antropologia colonial portuguesa.
A Antropologia colonial
Desde a subida ao poder da burguesia, na 1ª metade do s. XIX, o estudo dos "costumes
populares" foi considerado uma questão de interesse fundamental.
60
liberais)
Nesta época, apenas se escreveu uma monografia sobre as colónias. JUNOD, Henri
(1898): The Life of A South African Tribe. Sobre os Thonga de Moçambique, um dos
clássicos do africanismo. O seu autor foi um missionário metodista suíço.
A partir de 1935, o regime ditatorial instituiu o estudo das colónias, com o objectivo de
elaborar mapas etnológicos. Isto foi bem definido no Primeiro Congresso Nacional de
Antropologia Colonial (Porto, 1934). Um dos seus autores foi Mendes Correia que
utilizou um método antropométrico de campo. Foram enviadas missões para todas as
colónias portuguesas, nomeadamente para África. Entre os impulsores destas missões
destaca-se Joaquim do Santos Júnior (Pereira, 1988). Esta antropologia representava as
tendências mais conservadoras das ideologias coloniais do regime.
A partir de finais de 1950 produz-se uma nova antropologia colonial, protagonizada por
Jorge Dias, que se distancia, cada vez mais, do grupo de Mendes Correia (Porto).
61
relatórios confidenciais sobre as condições sociais e políticas das colónias.
A Escola de Administração Colonial passou a denominar-se Instituto Superior de
1961 Ciências Sociais e Política Ultramarina. Aqui leccionou Antropologia Cultural,
Etnologia Regional e Instituições Nativas
Jorge Dias estudou os chopes do Sul de Moçambique, os Bóeres e Bosquímanes do Sul
de Angola, mas o seu trabalho central foi dedicado aos macondes do Norte de
Moçambique, escolha influenciada pelo facto do seu professor, o alemão Richard
Thurnwald, ter estudado, nos anos 30, os macondes de Tanganica (Tanzânia tornou-se
independente em 1964). A tensão política era intensa e, em 1964, começa o movimento
pela independência de Moçambique.
Marvin Harris também trabalhou em Moçambique com os thongas (1959), mas foi
expulso, nesse ano. Em 1960, Charles Wagley (também da Columbia University) foi
convidado, pelo Ministério, para substituir Harris, como acto de relações públicas e de
reduzir a má impressão da expulsão de Harris. Jorge Dias acompanhou a Wagley por
Angola e Moçambique.
Segundo João de Pina Cabral (1991: 35-36), Jorge Dias nunca conseguiu ultrapassar as
limitações teóricas de base e não compreendia a teoria sociológica nem a antropológica.
62
ligadas numa primeira fase à «transição socialista» e mais tarde ao «liberalismo»
influenciaram o desenvolvimento das ciências sociais em geral e da Antropologia em
particular.
63
de transformação revolucionária da sociedade moçambitana que sempre foi o objectivo
central da luta de libertação.
Emerge uma visão da luta armada idealizada que a vê como uma experiência que
enfrentou e ultrapassou, sem grandes problemas, todos os conflitos. O estudo das
diversas formas de opressão far-se-ia através do processo de libertação com o objectivo
da eliminação das formas de «opressão do homem pelo homem».
Mas mais marcante é a teorização a partir da prática visando a mudança social onde o
mar xismo detém urn lugar de eleição. Assim se referia o Presidente Samora Machel a
urn jornalista em Março de 1980: «No nosso país, o marxismo é produto da luta de
libertação nacional. Nós não proclamamos o marxismo depois da independência. A
própria guerra transformou-se, no seu processo de desenvolvimento, numa guerra
revolucionária popular. Foi isto que permitiu à Frente de Libertação transformar-se num
partido marxista-leninista.»
64
Não vendo no colonialismo mais do que a aculturação ou a mudança social, a
Antropologia e acusada de justificar o colonialismo, vista que oculta o aspecto político
da realidade colonial - a suposta modernização baseada na dominação. A violência e
esquecida ou justificada em nome do processo de modernização. Em consequência disso
e por razões explicitamente politicas e ideológicas, a desconfiança estende-se também à
Sociologia.
Esta concepção revelou-se bastante atraente para os cientistas sociais que viram na
adopção desta abordagem uma maneira de aderirem à comunidade de investigadores e
cientistas do Ocidente.
65
A ênfase presente na maior parte dos estudos é posta sabre a quantidade e a
profundidade das mutações sofridas pelos Moçambicanos, concluindo que a população
rural, sobretudo a do Sul do país, no inicio da independência, se encontrava
proletarizada ou semiproletarizada e estruturada em classes.
Urn exemplo destes estudos é dado pela pesquisa realizada sabre a desenvolvimento do
habitat por uma equipa interdisciplinar (que incluia soció1ogos, antropó1ogos,
arquitectos, geógrafos e historiadores) da Direcção Nacional de Habitação (DNH). Estes
trabalhos eram encarados numa perspectiva histórico-antropológica, tomando como
sujeito desse processo o homem, as suas acções e as suas relações sociais concebidas
como urn produto do passado articulado com o presente. A pesquisa procurava
encontrar no saber e no comportamento herdado das populações, no que respeita à
habitação, tecnologia e uso do espaço, pontos de referência que permitissem uma
aproximação às soluções e respostas habitacionais e de ocupação do território
«tecnicamente apropriadas, sociológicamente coerentes, economicamente possíveis e
politicamente correctas».
66
No contexto das transformações político-económicas ocorridas no país com a
liberalização da economia em finais dos anos 80, numerosos estudos são igualmente
realizados sabre o impacto do programa de reajustamento estrutural nas camadas mais
desfavorecidas, particularmente as citadinas.
67
Moçambique é caraterizadoporurn mosaico cultural e linguístico e outras
especificidades que necessitam de urn novo enfoque e carecem de uma
reconceptualização e de uma contestação de certas ortodoxias e paradigmas cientificos.
O conceito de relações sociais de género tern estado a ganhar, na prática das reflexões
da Sociologia e da Antropologia, estatuto de paradigma, ao informar sabre as relações
sociais entre homens e mulheres. Neste sentido, esta postura teórica anuncia uma
profunda mudança na delimitação do objecto. Se, até há pouco, o objecto de estudo era
a construção social e subordinada do feminino, hoje, remodelado, é a construção das
relações sociais entre hornens e mulheres, isto é, as relações de género.
Este enfoque dinâmico significa uma alteração na era dos estudos sabre a mulher -
mulher e educação, mulher e politica, mulher e família -, descortinando novas
horizontes. Não basta indicar o lugar onde estão as mulheres, o que fazem, ou que não
fazem. É preciso apreender o cerne das relações sociais que sac também constitutivas
das relações de género e vice-versa.
68
Para uma conceptualização da família é forçoso levar-se em linha de conta, tanto os
modos que orientam a sua constituição e organização, como as representações
simbólicas que lhe dão significado.
Mas a ensino das disciplinas das ciências sociais, designadamente da Antropologia, não
se cinge apenas a UEM. Outras instituições de ensino tal como a Universidade
Pedagógica, o Instituto Superior de/Tecnologia de Moçambique (ISCTEM), o Instituto
69
Superior Politecnico e Universitario (ISPU) detém no seu curriculo cadeiras de
Antropologia.
Esta criação progressiva e que se insere num tempo longo pressupõe a inovação e a
criatividade, isto é, a emergênciua de novos conhecimentos. Pressupõe ainda
colaboração com diferentes instituições a nivel regional e internacional visando o
intercâmbio cientifico (trocas de informação bibliografica, desenvolvimento de redes de
investigadores, criação de banco de dados).
Estamos em crer que o sucesso das intervenções sociais, quer se trate de políticas
públicas ou de iniciativas privadas, depende em parte desse conhecimento. Trata-se de
fazer da ivestigação social alga de aceitavel e util na formulação e implementação das
políticas.
70
Antropologia em África e no chamado Terceiro Mundo
71
Apesar das independencias dos países de África Negra a máquina da transfiguração do
negro tem sido tão importante que as suas sequelas psicológicas têm deixado
permanentemente nos negros, como individuos e como colectividade. Continuamos
ignorando o que somos realmente, depreciando-nos pessoalmente e colectivamente,
querendo às vezes ser outra coisa que não somos, isto é, querendo branquear-nos.
Alguns se identificam com o sistema económico desenvolvido do país em que vivem,
para considerar-se superiores aos demais.
A missão das ciências sociais consiste em estabelecer a verdade científica que permita o
bem estar e a liberdade do ser humano na sociedade em que vive. A antropologia, que é
ciência do homem por excelência, é a que com maior obrigação deveria estabelecer a
verdade a partir dos seus resultados científicos.
72
A tarefa da antropologia consiste, ou consistirá, em chegar a uma compreensão
antropológica comprometida com a teoria da causalidade; uma teoria que afirme que a
sociedade é explicável, compreensível e teorizável.
Actividades
73
Unidade 4
A cultura e as Culturas
4.1 Introdução
Na unidade temática sobre a Cultura e as Culturas, iremos estudar o conceito da Cultura
as características desta. Também iremo-nos inteirar sobre o dinamismo cultural e os
processos que o caracterizam. Iremos igualmente estudar os processos da interacção
entre a cultura e a natureza, sociedade e a civilização, a cultura do simbólico e a ultura
material; a identidade cultural; a erosão e permanência da identidade cultural; a
totalidade cultural expressa nos conceitos da unidade, diversidade e etnicidade.
4.2 Objectivos
No final desta unidade pretende-se que você, caro estudante:
Sociedade
Há um consenso á hora de considerar a sociedade como “um grupo de pessoas”, “que
interligam entre si” e “que estão organizados e integrados numa totalidade” para atingir
algum objectivo comum. No interior de uma sociedade podem coexistir e existem varias
culturas e subculturas. A diversidade cultural é cada vez mais inerente a todas as
sociedades devido ao aumento dos contactos interculturais. Sócrates (in Carrithiers,
1995: 13) já se perguntava cómo devemos viver e a antropologia faz uma pergunta
semelhante: como viver juntos?. Daí que o conhecimento da diversidade cultural seja
um bem por ele próprio. A Sociedade está organizada através de um sistema.
74
Relações sociais
As relações sociais são tipos de acção pautada, e os antropólogos sociais estão
interessados nas pautas de interacção social que existem no interior dos grupos, pelos
papéis sociais (expectativas de conduta dos indivíduos que realizam alguma tarefa) e a
estrutura social (a ordenação dos componentes ou grupos de cada sociedade). As
pessoas fazem coisas com, para e em relação com outras pessoas.
Cultura
Modo de vida (Linton, 1945): pensar, dizer, fazer, fabricar
Mas estas qualidades não são inatas (biológicamente herdadas), porém são adquiridas
como parte do crescimento e desenvolvimento de uma determinada cultura.
Holismo
Na actualidade é próprio dos antropólogos tentar explicar cada elemento da cultura
concreta pela sua relação com os outros. É esta perspectiva denominada “holística”, pois
intenta ligar os aspectos culturais e os aspectos sociais, uns são incompletos sem os
outros e ao revés. Acontece que os antropólogos socioculturais podem salientar alguns
aspectos mais do que os outros, porém na realidade os valores e as crenças são
inseparáveis da estrutura social e a organização social.
Exemplo: Um operário de uma fábrica de Verim, no fim do seu trabalho saia dela em
bicicleta, caminho de Chaves era parado e inspeccionado por um guarda em Feces, mas
como não levava outra coisa nela, deixavam-no passar, assim durante várias semanas,
75
até que se descobriu que o que roubava eram bicicletas. O guarda só olhava uma parte,
não o todo.
↨ ANTROPOLOGIA ↨
76
costumbres, usanzas, tradiciones, conjuntos de hábitos—, como ha ocurrido en general hasta
ahora, sino como una serie de mecanismos de control —planes, recetas, fórmulas, reglas,
instrucciones (lo que los ingenieros de computación llaman "programas")— que gobiernan la
conducta" (Geertz, 1987:51).
L.R. BINFORD, L.R. (1968)
“Cultura é todo aquele (mitjà) modelo?, com formas que não estão sob o controlo genético
directo... que serve para ajustar aos indivíduos e os grupos nas suas comunidades ecológicas”,
(Binford, 1968:323; citada por Keesing, 1995:54).
R. CRESSWELL, R. (1975)
"[A cultura é] a configuração particular que adopta cada sociedade humana não só para regular
as relações entre os factos tecno –económicos, a organização social e as ideologias, porém
também para transmitir os seus conhecimentos de geração em geração (Cresswell, 1975:32).
D. PERROT, D.; R. PREISWERK, R. (1979)
"Definim la cultura com al conjunt dels valors, comportaments i institucions d'un grup humà
que és après, compartit i transmès socialment. Abasta totes les creacions de l'home: les
cosmogonies [visió del món], els modes de pensament, la imatge de l'home, els sistemes de
valors, la religió, els costums, els símbols, els mites; però també les seves obres materials: la
tecnologia, els modes de producció, el sistema monetari; a més, les institucions socials i les
regles morals i jurídiques" (Perrot e Preiswerk, 1979:39).
HARRIS, M. (1981)
"La cultura alude al cuerpo de tradiciones socialmente adquiridas que aparecen de forma
rudimentaria entre los mamíferos, especialmente entre los primates. Cuando los antropólogos
hablan de una cultura humana normalmente se refieren al estilo de vida total, socialmente
adquirido, de un grupo de personas, que incluye los modos pautados y recurrentes de pensar,
sentir y actuar" (Harris, 1982:123).
A. GIDDENS (1989)
"Cultura se refiere a los valores que comparten los miembros de un grupo dado, a las normas
que pactan y a los bienes materiales que producen. Los valores son ideales abstractos, mientras
que las normas son principios definidos o reglas que las personas deben cumplir" (Giddens,
1991:65).
77
também intelectualmente (esquemas mentais de percepção do mundo). Os agentes de
inculturação são a família, as amizades, a escola, os media, os grupos de associação,
etc., eles têm como missão introduzir o indivíduo na sua sociedade através da
aprendizagem da cultura.
78
Uma fonte ou programa extrasomático de informação.
Um mecanismo de controlo extragenético.
Um sistema de significados.
Um “ethos”.
Um conjunto de símbolos que veiculam a cultura.
Um conjunto de textos que dizem algo sobre algo (interpretações de
interpretações).
No sentido gertziano a cultura é um conjunto de “modelos de” representação do mundo
e da realidade, mas também um conjunto de “modelos para” actuar no mundo (padrões,
guias para a acção, o que está bem e o que está mau). Clifford Geertz é muito
ontológico e pouco fenomenológico, esquece que as formas culturais não são só pautas
de significado, senão que estão inseridas em relações de poder e conflitos.
Segundo o antropólogo Carmelo Lisón Tolosana (1974: 11), podemos entender o ethos
(Weltanschauung) como o sistemas de valores e normas morais, aquilo que a gente
pensa que deve ser, os estilos e modos de vida aprovados em um grupo humano, os
hábitos emotivos, as atitudes, tendências, preferências e fins que conferem unidade e
sentido à vida, os aspectos morais, religiosos e estéticos do grupo.
A Cultura é simbólica
O pensamento simbólico é exclusivamente humano. A capacidade para criar símbolos é
só humana. Que é um símbolo? Um símbolo é aquilo que representa uma coisa, está em
lugar de algo, e esta conexão pode ser simbolizada de maneira diferente segundo as
culturas:
A diferença do resto dos seres vivos, que se comunicam de forma diádica (estímulo-
resposta), os humanos comunicámo-nos de forma triádica por meio de signos e
símbolos que são abertos, arbitrários, convencionais e que requerem descodificação
(emisor-mensagem-receptor) e tradução.
79
A Cultura submete a natureza
Observemos um exemplo para compreender esta características:
“Quando eu cheguei a umas colónias de verão á beira do mar eram as 13:30 horas, e
tinha desejos de tomar um banho nele, mas o regulamento das colónias não permitia
tomar banho nessa hora; o mar é parte da natureza, mas estava submetido a uma
ordenação cultural, os mares naturais não fecham ás 13:30 horas, mas sim os mares
culturais”.
As pessoas têm que comer, sem embargo a cultura ensina-nos que, como e quando. A
gente tem que defecar, mas não todos o fazem da mesma maneira (i.e.: Bolívia
/Europa). A cultura, entendida como sistema de signos, é contraposta à natureza (Lévi-
Strauss, 1982), ao biológico e ao inato. O ser humano é um ser biológico, mas o que o
faz completamente humano é a cultura, especificamente humana e constitutiva do
humano. A biologia é uma condição absolutamente necessária para a Cultura, mas
insuficiente, incapaz de explicar as propriedades culturais do comportamento humano e
as suas variações de um grupo a outro (Sahlins, 1990), de aí que possamos falar em
autonomia e interdependência da Cultura.
Cultura Natureza
Andar de bicicleta. Respiração.
Fazer somas, ler, cultivar tomates, Circulação do sangue, etc.
fritar ovos, etc. Informação transmitida geneticamente.
Informação transmitida por
aprendizagem social.
A humanidade partilha a capacidade para a Cultura (todo o criado pelos seres humanos),
é este um carácter inclusivo; porém a gente vive em culturas particulares (modos de
vida específicos e diferentes) com certa homogeneidade, uniformidade e harmonia
internas, mas também com condicionantes ecológicos e socio-históricos particulares.
80
tem uma perspectiva holística que presta atenção a todas as manifestações e expressões
culturais.
A cultura é partilhada
A cultura é partilhada pelas pessoas enquanto membros de grupos. A cultura é
aprendida socialmente, une às pessoas, está expressada em normas e valores, e também
é intermediária no sistema da personalidade pelos actores sociais. Assim, a cultura
converte-se num sinal de identidade grupal. No interior duma cultura a distribuição dos
bens imateriais pode ser tão assimétrica e desigual como a dos bens materiais.
(Benedict, 1971).
Neste ponto podemos distinguir entre o nível ideal da cultura (o que a gente deveria
fazer e o que diz que faz) e o nível real da cultura (o que fazem realmente no seu
comportamento observável). Mas não por isso o nível ideal deixa de pertencer à
realidade.
Desde este ponto de vista podemos falar da cultura como produtora de mudança e
conflito, mas também como “caixote de ferramentas” (“tool kit”) de valor estratégico
para a acção social (Swidler, 1986). Portanto, a cultura podemos pensa-la como algo
81
externo que condiciona as nossas vidas ou como algo que como sujeitos (pessoas)
criamos em colectividades, isto é como um processo e um conjunto de estratégias.
Hoje, o local intensifica a sua inter - conexão com o global a partir do marco do
Mercado, do Estado, dos movimentos e das formas de vida (Hannerz, 1998). Robertson
(1995) chega a falar em glocal como a síntese relacional entre o local e o global,
ultrapassando assim esta dicotomia. Esta forma de caracterizar a noção de cultura leva a
alguns antropólogos a estudar as dinâmicas de viagem e não só as de residência, e de ai
que se sublinhem as “zonas de contacto” (Clifford, 1999). Outros falam em culturas
82
híbridas (García Canclini, 1989), interligando assim estrutura e processo, mas tamém
salientando o papel do agente social na dinâmica entre estrutura e acção. Assistimos
hoje a uma mudança da afirmação de identidades culturais diferenciadas para a
afirmação da interculturalidade. Hoje, corremos o risco de que o conceito de cultura seja
utilizado como uma forma de racismo (Benn Michaels, 1998), já que substituí muitas
vezes a biologia como argumento base da distinção entre os grupos humanos, mas não é
menos essencialista por isso. Podemos afirmar o seguinte:
“O indivíduo é um prisioneiro da sua cultura, mas não precisa de ser a sua vítima”
(Ferguson, 1987: 12)
O respeito às diferenças culturais deve ser a base para uma sociedade justa
(Kuper, 2001: 14).
1. Uma componente mental: produtos da actividade psíquica ora nos seus aspectos
cognitivos ora nos afectivos, significados, valores e normas.
Porém, esta divisão tem motivado alguns debates que se podem resumir na seguinte
questão: Devem os artefactos e a tecnologia ser considerados como parte da cultura?.
Alguns antropólogos como Robert Redfield, Ralph Linton, Murdock e outros têm
identificado a cultura só com os aspectos cognitivos e mentais: ideias, visão do mundo,
83
códigos culturais. Estes antropólogos consideram a cultura material como um produto
da cultura e não cultura em si mesma.
“As calças são produzidas para os homens e as saias para as mulheres em virtude das
suas correlações num sistema simbólico, antes que pela natureza do objecto per se, ou
pela sua capacidade de satisfazer uma necessidade material...” (Sahlins, M.,1988 )
a) Antropológica.
b) Sociológica.
c) Estética.
84
economia, política-, estando estratificados de acordo com determinados critérios. Se o
conceito antropológico de cultura entende a cultura como o açúcar diluído, o conceito
sociológico de cultura é o pacote de açúcar sem dissolver. O conceito sociológico de
cultura entende esta como um campo de conhecimento dos grupos humanos. A noção
sociológica de cultura fala da cultura como produção e consumo de actividades
culturais, de ai a sua ligação com as políticas da cultura. Desde este ponto de vista a
cultura passa a ser entendida como espectáculo, como política de cheque, como
produção e consumo. Para a noção antropológica a cultura é um processo resultado da
participação e da criação colectiva.
Se bem também é certo, que hoje quebram-se as distinções entre “alta cultura” e “baixa
cultura”, cultura de elite e cultura de massas, cultura culta e cultura popular, ficando os
limites muito ambíguos. Isto não significa que não devamos programar alternativas de
produção cultural críticas e moralmente defendíveis. Destacar que a cultura lixo (Bouza,
2001), muitas vezes promovida pelos media, já não é popular (do povo), porém para o
povo (de massas, mediática), o que é muito criticável pela sua queda ética e a falta de
um humanismo. Acontece hoje um processo de mercantilização e politização da cultura
que deve ser explorado e reflectivo na sua complexidade.
SOCIOLÓGICA
85
ANTROPOLÓGICA ESTÉTICA
NOÇÃO DE
CULTURA
As crenças e as ideias
Em primeiro lugar, qual é a diferença entre uma crença e uma ideia?.
As crenças são definições sociais sobre o mundo e a vida. Assim o afirmou o filósofo
Ortega y Gasset:
Portanto, as ideias têm-se, nas crenças estamos. As crenças não podem ser submetidas á
proba de verificação com os factos, pois é uma verdade indiscutível e sem dúvidas para
quem a defende. No momento em que uma crença se considera susceptível de
confrontar com os factos passa a converter-se em uma ideia.
86
benefício de outras. As ideias podem converter-se em crenças por repetição ou por
convencimento da ideia, cristalizando e internando-se na mente das pessoas. Por
exemplo, na auto-estrada não vai circular nenhum carro em sentido contrário pela nossa
via.
As ideias são cada vez mais reconhecidas como elemento fundamental da cultura, assim
temos como grupos humanos como os ianomami do Amazonas reivindicam direitos
culturais sobre as terras, as células e o seu ADN mas também sobre a propriedade
intelectual das ideias. Igualmente uma parte dos membros do Congresso Geral da
Cultura Kuna (Panamá) rejeita a ideia de que a sua cultura possa ser candidatada a
património da humanidade, pois pensa-se que a sua cultura é deles e não de toda a
humanidade.
Os valores
Para a antropologia, os valores são juízos de desejabilidade e aceitabilidade, isto é,
aquilo que as pessoas estimam como mais importante. Também os juízos de
rejeitamento e oposição expressam valores de uma maneira não explícita. São princípios
ou critérios que definem o que é bom e mau. A partir de estes princípios básicos ou
valores geram-se um conjunto ideativo e normativo pelo qual se guia a conduta dos
indivíduos.
Os valores não são qualidades das coisas, porém são relacionais, são valores para
alguém. São um critério de selecção da acção. Os valores que mantêm um grupo social
tendem a formar um sistema coerente. Há uma axiologia ou hierarquia de valores dentro
da conexão entre os mesmos. Exemplo: Individualismo na cultura norte-americana,
conectado com o esforço e o êxito.
As normas culturais
As normas são regras para comportar-se de um modo determinado, e indicam o que
especificamente devem ou não devem fazer as pessoas em situações sociais. Estas
normas sociais são diferentes das leis jurídicas, ainda que as leis são parte também
destas normas sociais. As normas sociais estão inspiradas em valores. Não estão
87
formalizadas juridicamente mas ainda assim mantêm um poder coercitivo. Na sua base
estão um conjunto de valores articulados socialmente.
Os símbolos
A cultura, entendida como comunicação, conforma-se através da criação e utilização de
símbolos culturais. Estes incluem sinais, signos e símbolos. Os sinais (sinais de trânsito)
são símbolos que incitam, convidam ou obrigam a uma acção (STOP). Os indicadores
(exemplo: o fume, que indica a existência de lume) não obrigam a uma resposta
imediata como os sinais. Os signos são aqueles símbolos com um significante que
representa um significado por uma associação ou analogia consciente e arbitrária
(exemplo: cadeira=cadeira). Os símbolos apresentam uma relação metafórica ou
metonímica entre o significante e o significado. Um símbolo é uma coisa que está em
lugar de outra ou uma coisa que evoca e substitui a outra (exemplo: Vieira:
Peregrinação a Santiago de Compostela) (O Pintor holandês O Bosco pintava conchas
de mexilhões, ameixas, etc. junto com desenhos de burros, galos ou cervos. As
primeiras simbolizavam o sexo feminino, os segundos a sexualidade masculina. Tratava
o pintor de expressar a través de símbolos a fornicação).
1ª. Um significante.
2ª. Um significado.
Exemplo: O vestido.
1. Protecção do clima.
2. Hábito, adaptação ás normas e costumes pautadas num grupo humano (ex.: vestido
de um homem, vestido de uma mulher, vestido de drag-queen).
88
Pode haver uma pluralidade de significados ao descodificar a mensagem. Qual é que
será o significado mais importante? A resposta é conforme os casos específicos e o
contexto cultural.
89
4.9 Os universais da cultura
Entre a diversidade de culturas é possível achar alguns traços comuns. Neste ponto, a
antropologia não só estuda as diferenças como também o que nos faz a todos os seres
humanos iguais.
2. A linguagem.
90
inferior. As pessoas pensam que as suas normas representam a forma
“natural” de comportar-se e os outros são julgados como negativos.
O etnocentrismo é uma visão das coisas de acordo com a qual o próprio grupo é o
centro de todo, e todos os outros se medem por referência a ele. Cada grupo alimenta o
seu próprio orgulho e a sua vaidade, proclama a sua superioridade, exalta as suas
próprias divindades e mira com desprezo aos outros. O etnocentrismo pode manifestar-
se em diferentes níveis: tribo, aldeia, minoria étnica, área cultural, classe, pessoa,
indivíduo... O problema do etnocentrismo é a intolerância cultural face à diversidade e o
fechar as portas à curiosidade pelo conhecimento. O etnocentrismo cultural é uma
atitude que pode derivar numa ideologia com práticas racistas.
Podemos entender o relativismo cultural de duas maneiras, uma como algo aberto e que
defende a equivalência entre culturas seguindo uma tolerância pela pluralidade das
sociedades humanas; outra como algo fechado e que defende a singularidade
intransponível das culturas (Gandra in Cuche, 1999: 13).
91
Tem limites o relativismo cultural?. A Alemanha nazi deve ser valorada igual de neutro
que a Grécia clássica? Desde o ponto de vista do relativismo cultural estremo sim,
porque defende que não há uma moralidade superior, internacional ou universal, que as
regras éticas e morais de todas as culturas merecem igual respeito.
Porém, desde o ponto de vista desde o relativismo cultural ético há e deve haver limites
válidos para toda a humanidade. Não podemos tolerar todo. Como deveria utilizar o
antropólogo o relativismo cultural?. O antropólogo deve apresentar informes e
interpretações dos fenómenos culturais, para entender estes na sua complexidade, porém
o antropólogo não tem que aprovar costumes como o infanticídio, o canibalismo e a
tortura. Exigem portanto uma condena moral e uns valores internacionais e humanos de
justiça e moralidade que nos fazem mais humanos. O relativismo cultural mais estremo
equivale à eliminação de toda regulamentação do comportamento humano e pode cair
no risco de justificar e/ou permitir a violência.
92
b) Integração ou combinação de culturas, tendo como resultado novas culturas
num certo plano de equidade.
(Beck, 1998)
Para entender melhor estes processos de contacto e mudança cultural é preciso ter em
conta vários níveis da cultura:
CULTURA INTERNACIONAL
CULTURAS
NACIONAIS
93
SUBCULTURAS
94
Sobre este problema da mudança social, o materialismo histórico descreve a evolução
social como uma sucessão de modos de produção: produção primitiva, escravatura,
feudalismo e capitalismo. Cada modo de produção corresponderia a um grau de
desenvolvimento. Quando as relações de produção já não são válidas para o crescimento
das forças produtivas, acontece um período de conflito social crescente que acaba numa
revolução social e no nascimento de um novo modo de produção e umas novas relações
de produção. Assim a revolução burguesa produziu-se quando as relações de produção
feudais converteram-se num obstáculo para a expansão económica, abrindo passo ao
capitalismo. A fase mais avançada da evolução social seria o comunismo, na qual o
máximo desenvolvimento das forças produtivas permitiria uma abundância material e o
dar a cada pessoa de acordo com as suas necessidades. Nessa fase comunista, as
relações de produção seriam igualitárias e não existiria propriedade privada dos meios
de produção. As relações de produção expressam-se na realidade social como luta de
classes (ex.: camponeses e senhores feudais, proletários e capitalistas). A mudança
social, política e cultural é explicada pela mudança do sistema produtivo.
Uma crítica que se lhe pode fazer à interpretação marxista da mudança social é que o
marxismo não considerou a existência de limites ecológicos à expansão material da
civilização, portanto não pensou seriamente nos limites ao intercâmbio entre a cultura e
a natureza.
Noutra linha algo diferente, a sociologia compreensiva de Max Weber (1969) analisa
a realidade social por meio da construção de tipos ideais (aqueles que descrevem como
teria acontecido uma acção se os meios utilizados fossem racionais para alcançar o fim
proposto). Weber argumentou a influência central dos valores religiosos, em especial os
da ética protestante de inspiração calvinista, para o desenvolvimento e a evolução do
capitalismo em Europa. A mudança social é para Weber resultado de duas coisas:
95
1. Face aos factores estruturais, especialmente de base económica no materialismo
histórico, Weber introduz os factores socioculturais no centro mesmo dos processos
de mudança sociocultural, demonstrando a importância dos valores religiosos como
factores da origem do capitalismo. Por que o capitalismo originou-se em Europa e
não em China (mais tecnologia que em Europa)? Pela atitude face a riqueza
(poupança do puritanismo calvinista).
Características da modernidade
1) Desenvolvimento das comunicações.
2) Hedonismo, consumismo, secularização, individualismo.
3) Preponderância dos grupos associativos (escola, sindicato, partido, etc. ) face aos
comunitários.
4) Autoridade legalista e racionalidade burocrática. Consolidação do Estado.
5) Industrialização e urbanização.
6) Institucionalização do conflito e das mudanças na estrutura.
96
2. A arbitrariedade das classificações: tradicional, em transição, moderno.
Classificações sem teorias interpretativas ou explicativas.
A mudança social também está interligada com a permanência e a sua importância para
a sobrevivência e adaptação humanas. Na sua relação com a permanência a mudança
pode ser de três tipos (Gondar, 1981):
97
Unidade 5
Identidade Cultural
5.1 Introdução
Esta unidade integra conteúdos que fazem parte da unidade anterior: a cultura e as
culturas. Foi para permitir a sua compreensão e melhor aprofundar o seu estudo que
decidimos apresentar esses conteúdos numa unidade separada. Tais conteúdos
relacionam-se com Identidade e alteridade: paradigmas; a identidade como constructo
relacional; A noção de raça e a ideologia racial; grupos étnicos e etnicidade; a percepção
cultural dos grupos étnicos; modelos de convivência intercultural e o conflito
identitário.
5.2 Objectivos
Depois de estudar esta unidade, você deverá ser capaz de:
98
base, dumas disposições psíquicas comuns. Existe um preconceito sobre a equivalência
do comportamento afirmado entre todos os membros do grupo. Desta maneira
poderíamos predizer o comportamento numa interacção.
A crítica que podemos fazer a este modelo teórico é que nem todos os membros de um
grupo se comportam da mesma maneira, senão que podem ter personalidades diferentes;
também pode haver conflitos, tensões, visões do mundo diferentes que afectem à coesão
da identidade. Uma outra crítica é que as identidades são construídas e adquiridas pelos
próprios sujeitos.
Resposta Cognitivista.
Esta resposta sublinha o conjunto de valores, percepções e normas partilhadas por um
grupo. Também a visão do mundo e a concepção da sociedade, o espaço e o tempo. Os
valores e normas condicionariam o comportamento, mas seriam algo estratégico e útil
99
para os interesses individuais e/ou grupais. A percepção desses traços culturais comuns
implica uma selecção artificial por meio da qual se salientam uns traços e esquecem
outros, criando limites baseados numa diferença construída. Exemplos: “Os
moçambicanos são católicos”; “os portugueses do Norte são celtas e os do Sul são
mouros”; “Portugal: Fátima, Fados e Futebol”; “Deus, pátria e família” (nos tempos de
Salazar).
100
interacção entre uns e outros, o que implica redefinições, reinterpretações e recriações
da identidade.
101
O que também é importante reflectir é o seguinte:
Grupo humano = Cultura não funciona sempre, pois dentro dos grupos humanos
podem existir minorias culturais e muitas heterogeneidades individuais. Este é o
problema da diversidade, sempre presente nas definições da identidade (seja
individual ou colectiva).
CULTURA: IDENTIDADE:
Modo de vida de Representação da
um grupo cultura de um grupo
humano humano
De acordo com Marks (1997), a teoria popular da raça está baseada na crença de que
partilhamos mais coisas com as pessoas da nossa categoria racial (ex.: mesmo cor da
pele). O que fazemos é ordenar o nosso universo social (para dar sentido ao mesmo)
102
reunindo às pessoas em grupos definidos especificamente de acordo com alguns
critérios como a mesma geração, o mesmo sexo, o parentesco, etc. Mas a maneira como
classificamos não está determinada pela genética, porém é resultado duma construção
social que impomos à natureza para organizar as coisas.
O naturalista romano Plínio o Velho (s. I a.C.) explica as diferenças físicas entre
africanos e europeus pela influência do clima.
A fins do s. XVII quase todas as terras tinham sido visitadas pelos europeus em barco.
Embarcava-se em um lugar onde a gente tinha um determinado tipo físico e
103
desembarcava-se noutro com tipos físicos diferentes. Em 1758 o naturalista sueco
Linneo estabeleceu as diferenças raciais entre as diferentes populações (ver quadro do
fim do tema).
Portanto, a raça, mais que uma realidade biológica, é uma categoria cultural. Desde o
ponto de vista “emic” utiliza-se a palavra “raça” em vez de grupo étnico e também
“raça” no sentido de grupo étnico com base biológica (algo que não é assim, porem
pensa-se assim). Portanto a “raça” é um grupo percebido culturalmente. A raça é um
grupo ao qual se lhe tem atribuído um nome, uma etiqueta mais, mas sem base genética
ou biológica. Portanto a raça não existe em tanto que categoria biológica, senão que
existe enquanto categoria simbólica e social, o que a converte num conceito mais real e
importante.
Existe uma arbitrariedade social na definição racial, pois por exemplo, nos casamentos
mistos entre um branco e um negro o filho leva um 50% dos genes do pai e outros 50%
da mãe, mas se nasce com a pele negra é classificado de “negro”, apesar de que de
acordo com o tipo de genes poderia ser classificado também como branco. Há uma
regra de filiação que assigna identidade social sob a base dos antepassados, portanto a
adscrição social da identidade étnica é por nascimento ou filiação.
Só existe uma única raça, a humana, e os traços diferenciais exteriores só são resultado
de processos de adaptação ao meio que podem ser explicados por um número muito
pequeno de genes. Traços como a cor da pele, dos olhos ou o tamanho do nariz são
controlados por um número relativamente reduzido de genes (0,01%) e só respondem a
pressões ambientais. Traços como a inteligência, a criatividade artística e as atitudes
104
sociais são condicionados por 80.000 genes que se combinam de uma maneira
complexa. Um 99,9% dos genes humanos são iguais em qualquer pessoa. A noção de
“raça” não tem base científico-genética, é só uma etiqueta social, não biológica, que
serve para justificar em muitos casos o racismo, o etnocentrismo, o genocídio e a
xenofobia. De ai que se proponha abandonar o conceito mesmo, pelas suas associações
simbólicas com o racismo e a exclusão social de base étnica.
“O cidadão italiano que no território do reino ou das colónias tenha relação conjugal
com uma pessoa da África Oriental Italiana... será castigada com a reclusão de 1 a 5
anos”, artigo 1 (19-04-1937).
“As pessoas de raça judaica não podem ser admitidas em nemhum ofício ou emprego
nas escolas frequentadas por alunos italianos”, artigo 1 (15-11-1938).
“Os alunos de raça judaica não podem ser inscritos nas escolas frequentadas por alunos
italianos”, artigo 3 (15-11-1938).
105
5.6 Grupos étnicos e etnicidade
O conceito de grupo étnico veio substituir o de raça enquanto conceito cultural. Um
grupo étnico é definido por algumas semelhanças entre os seus membros (crenças,
valores, hábitos, normas, substrato histórico comum, etc.) e por diferenças com outros
(língua, religião, história, geografia, território, etc.). Todos estes aspectos são referentes
simbólicos que estão mais na mente das pessoas que na realidade objectiva. Um grupo
étnico pode existir sem ter um nível de consciência colectiva de identidade étnica.
106
pessoais ou interacção social. Este conceito é criticado pelos paradigmas
interaccionistas da identidade.
Racismo de estado (Naïr, 2001): Quando o Estado faz da “origem” étnica uma
substância que serve para justificar uma discriminação, nalgum caso com apoio
em leis que definem a relação com o “outro”. Implica uma política de vistos
discriminatória e um tratamento social diferenciado.
Nação: Antes era o território de nascimento com língua, história, religião, ...
próprios. Hoje distinguimos entre nação-estado (organização política), nação
sem estado ou nacionalidade (etnia ou grupo com aspirações de estatuto político
autónomo). No fundo a nação é uma comunidade imaginada (Anderson, 1983)
em virtude da qual os seus membros imaginam que participam de uma mesma
unidade. Segundo Ernest Gellner (1988) no mundo há 8000 grupos étnicos
aproximadamente, mas só 800 nacionalismos fortes com consciência nacional.
107
5.7 A percepção cultural dos grupos étnicos
Vivemos em sociedades cada vez mais multiculturais nas quais é cada vez mais
importante estudar a forma de perceber-se os uns aos outros. As imagens que uns
grupos étnicos têm de outros influem nas expectativas, juízos e comportamentos para
com os outros. Conhecer as imagens serve para desconstruir e mudar estas no caso de
ser discriminatórias. O olhar sobre outros grupos pode utilizar traços fenotípicos,
psicológicos ou comportamentais:
Estereótipos
Traços que se atribuem a um grupo ou a uma pessoa em quanto membro de um grupo.
Imagem mental simplificada e partilhada socialmente dos membros de um grupo.
Simplificam os vários aspectos da realidade.
São resistentes à mudança.
Conservam-se apesar da evidências em contra.
Simplificam.
Generalizam.
Orientam as expectativas.
Tipos de estereótipos
Positivos Neutros Negativos
“Os espanhóis são boa gente” “Os suecos são altos” “Os ________ são uns porcos”
Preconceitos
Introduzem emoção e acção.
Estabelecem um juízo prévio não demonstrado sobre um indivíduo ou um grupo, favorável ou
desfavorável, que tende à acção.
Condicionam a discriminação (comportamento dos pré-conceitos), que pode ser directa (física,
verbal, etc.) ou indirecta (nas leis, na língua, nas atitudes, no curriculum escolar oculto, etc. )
108
1ª. Psicanálise: Os estereótipos nascem dos impulsos do indivíduo, com o objectivo
de satisfazer necessidades inconscientes.
109
Como funcionam os estereótipos?
Por meio de um favoritismo endogrupal valoramos mais positivamente o nosso
grupo e desfavorecemos outros.
O que se faz é assimilar as diferenças culturais dos chegados doutros lugares, mas pode
haver resistências por parte dos chegados.
110
Tolerância pluriétnica ou pluricultural: U.K.
Todos os cidadãos da Commonwealth possuem à sua chegada ao U.K. a
cidadania britânica (de segunda classe, mas cidadania).
Respeitar as diferenças.
Todos os grupos étnicos oferecem algo ao conjunto e todos têm que aprender
algo dos outros.
Hoje em dia há uma crise dos modelos de integração, dai a necessidade urgente de
reinventar formas de convivência tolerantes, plurais, humanistas, consensuais e
democrática. Estamos face a uma situação de risco na qual abundam movimentos
racistas de estrema direita e também alguns nacionalismos intolerantes. Frente a isso é
preciso uma educação intercultural da cidadania, para a qual a antropologia está
chamada. Face a um multiculturalismo às vezes hierárquico e injusto devemos reflectir
sobre o conceito de “integração”, não como assimilação, porém como a possibilidade
funcional de adaptação intercultural, o que implica pensar-nos primeiro como cidadãos.
111
problemas nacionais exigem participações e soluções pós-nacionais. Este ir mais além
do estado-nação exige novas relações de solidariedade pós-nacional. Este modelo
implica pensar as pessoas antes como cidadãos com direitos e obrigações que como
membros de uma comunidade ou cultura imaginada.
112
genocídio são vistos como “obstáculos ao progresso” (i.e.: índios norte-
americanos, judeus na Alemanha, chinos na Indonésia).
Actividades
1. Que é uma identidade Cultural?
2. Qual é a importância de estudo de identidade cultural para a formação da
personalidade humana?
3. Fale da identidade como um constructo racional.
4. Que relação existe entre cultura e identidade?
5. Mencione alguns elementos simbólicos que justificam a identidade
moçambicana.
6. Mostre a diferença entre grupo étnico e grupo social.
7. A imagem social que se tem de uma pessoa enquanto membro de um grupo, é
resultado de processos cognitivos que utilizam estereótipos e preconceitos.
a) Explique como se formam os estereótipos no interior das
pessoas.
b) Como funcionam estereótipos?
113
Unidade 6
O Parentesco: organização sócio-política, a célula e produção
6.1 Introdução
A presente unidade destiana-se ao estudo de conteúdos que dizem respeito à abrdagem
antropológica do parentesco. Nela, você poderá encontrar a definição do parentesco; os ruptos de
parentesco; tipos de família; o casamento; os sistemas de descendência e herança
6.2 Objectivos
No final desta unidade o estudante deverá:
Valorar a pluralidade dos diferentes tipos de família e dos diferentes grupos domésticos.
Para a antropologia social britânica tanto a tribo, como o clã, a linhagem ou a família são grupos
de filiação corporativos que organizam a vida política à margem do Estado, um conjunto de
direitos e de obrigações morais aos quais não é possível subtrairmo-nos (Fortes, 1969: 242).
114
interpretação e reconhecimento social (ex.: o caso dos pais adoptivos). O parentesco é um tipo de
relação social pautada. As funções que satisfaz o parentesco são: económicas (subsistência e
controlo do sistema de reprodução), psicológicas (seguridade emocional), sociais e económicas
(regulamentar as formas de intercâmbio, organizar os casamentos e ), etc.
1º. Quais as palavras usadas para os tipos de parentes em cada língua particular?
2º. Quem são os teus parentes? (O parentesco é construído culturalmente, isto é, alguns parentes
biológicos são considerados parentes e outros não).
3º. Como usam as pessoas o parentesco para criar laços sociais e integrar-se em certos grupos?
Os termos de parentesco são as palavras para definir parentes numa língua particular, e esto é uma
construção social (Ex.: em muitas sociedades a mesma palavra designa o pai e o irmão da mãe).
Os parentes biológicos ou “cognados” são definidos pelas relações genealógicas (i.e.: irmão da
mãe) de filiação. Os parentes afines ou “agnados” são aqueles que se obtêm por vínculos como o
casamento, portanto podem incluir elementos para além dos esposos (pais dos esposos, irmãos,
grupos de parentesco...)
O parentesco bilateral (i.e.: Portugal, Espanha) é uma relação genealógica estabelecida através dos
homens e das mulheres, isto é, os tios por via materna ou paterna são o mesmo tipo de parentes.
Os membros de um grupo de parentesco podem ter obrigações comuns para com os vinculados,
por exemplo: vingar a morte (i.e. na Polinésia).
Também pode existir a ideia de “limpeza de sangue” no grupo de parentes. Durante o Esto Novo,
em Portugal existia a expressão “lavar a honra com sangue”, que consistia em matar a esposa
quando era apanhada junto com um amante.
115
está associada a sentimentos como o amor, o afecto, o respeito ou o temor. Afirma Lévi-Strauss
(1974: 47) que a família é necessária para a reprodução social de um grupo humano, pois garante
a sobrevivência e a continuidade biológica e social do próprio grupo. Neste ponto cabe relembrar
o que o antropólogo português João Pina-Cabral (1989) sublinha para o caso português que o
termo “família” é burguês, mas o conceito de “casa” é rural. A “casa” afirma Pina-Cabral (1989)
são “os que comem juntos”, isto é, é através da comensalidade que os camponeses, que ele
estudou no Minho, reconstróem a identidade da sua unidade familiar.
A família em questão pode ser considerada como uma unidade que envolve as economias
individuais e que pratica uma economia moral ou cultural colectiva com base nas relações de
parentesco. É o que Jack Goody (1986: 249) denomina economia oculta do parentesco.
Mas a unidade familiar não está isenta de tensões, rivalidades internas e externas, negociações e
conflitos. O mesmo matrimónio pode ser considerado como uma ameaça do património entre os
quais vai existir uma tensão estrutural (O´Neill, 1984). Portanto, as tensões e articulações entre os
condicionamentos sociais e os projectos pessoais que possam existir são ingredientes da
existência humana em sociedade.
A família, diz Robert Rowland (1997) é consequência das relações de parentesco, é um grupo
doméstico co-residente e com limites variáveis segundo os contextos culturais. Alguns tipos de
família são:
1. Família nuclear: grupo de parentes formado pelos pais e os filhos, que residem juntos, e os
filhos tendem a herdar dos pais.
Neste ponto também devemos pensar a linhagem ou clã, algo mais permanente que a família
nuclear. A pertença ao mesmo é por adscrição de nascimento. Leva associado uma relação
genealógica dos descendentes de um antepassado comum.
116
6.6 O Casamento
O casamento consagra uma instituição social de todas as culturas, a família, mas com diferentes
implicações sociais. O casamento é um ritual de passagem da juventude à adultez. O casamento
regulamenta a relação sexual e a procriação, mas também as ligações sociais entre famílias e
grupos humanos. A cerimónia do casamento varia de cultura a cultura em términos formais, mas
no geral é um ritual de passagem do estatuto da juventude para o estatuto de adulto.
Tipos de casamento
Monogamia: Casamento entre um só homem e uma única mulher.
Plural:
a) Poliandria: (Polinésia, Tibete, Nepal, Índia): Uma mulher casa com vários homens.
117
Outro exemplo é o caso dos “todas” do sul da Índia (tribo das montanhas Nilgira, mil
pessoas, ¼ são cristãos, a sua economia depende dos búfalos, mas são vegetarianos, dos
búfalos só utilizam o leite, vendem também leite a uma cooperativa leiteira e os tecidos
bordados). Entre os “todas”, o infanticídio feminino é frequente para equilibrar o número
de mulheres com o dos homens. Para evitar a divisão da propriedade os filhos casam com
a mesma mulher, e assim “tudo fica em casa”, o património fica indiviso. Era frequente
que no primeiro ano o irmão maior tiver relações sexuais com a esposa até ficar engravide,
logo chegará o turno do 2º irmão (resolução da tensão estrutural entre matrimónio e
património).
Um exemplo mais é da Somália, no “Corno da África”, onde uma mulher casa com um
homem de outro povoado, onde a mulher vai viver. Mas se a mulher acorda-se de que são
as festas do seu povoado, ela vai lá sem despedir-se do seu marido; e depois ali, se
encontra um dos seus pretendentes na festa pode marchar com ele e casar com ele. É esta
uma flexibilidade notável para desintegrar e atar as relações de casamento.
b) Poligamia: Um homem casa com várias mulheres. Fenómeno mais comum. Em muitas
culturas eleva o estatuto da mulher e desce o número de solteiras e viúvas, também
implica melhoras económicas importantes. Nestes casamentos há um controlo cultural da
natalidade, pois há um tabu que proíbe as relações sexuais durante a “engravidez” e a
lactária (prolongada até os 3 anos).
-Exogámia: Casamento com uma pessoa de fora do próprio grupo ou espaço territorial.
Alarga assim a rede social intergrupal.
-Endogamia: Casamento dentro do próprio grupo ou espaço territorial (i.e.: as castas da Índia;
o direito masculino sobre as mulheres da sua terra).
-Incesto: Consiste em manter relações sexuais com um parente próximo. Em todas as culturas
há um “tabu” do incesto, com modos e expressões diferentes. Segundo alguns antropólogos
como Lévi-Strauss (1985) o tabu do incesto garante a exogamia, as alianças fora do grupo e
entre grupos, alem de favorecer a mistura genética. O casamento garante os intercâmbios entre
grupos. O tabu do incesto seria, portanto, um imperativo socioantropológico, regulador do
intercâmbio e gerador de ordem social.
Por tanto o casamento é um assunto de grupo, pois os casais interiorizam as obrigações para com
os parentes. (i.e.: tensão estrutural básica entre o património e o matrimónio). Em muitos casos o
matrimónio não é por “amor”, nem é uma escolha entre os casais, porem entre os parentes ou o
118
chefe do clã, não sem consulta aos casais, a decisão é dos parentes. É o romantismo quem
desenvolve a ideia do amor como motivo principal do casamento. Ainda que o amor entre os
casais e entre os pais e os filhos é quase universal e não se inventou só em Europa (Goody, 2000).
Há uma série de práticas culturais que bem definem o estabelecimento de vínculos entre grupos:
c) “Sororato”: Ao falecer a esposa, o homem casa com uma irmã da esposa. É assim
como a linhagem a substitui por uma das suas irmãs.
d) “Levirato”: Ao falecer o esposo, a esposa fica “viúva” e deve casar com um irmão do
esposo. Esto é porque a mulher mais que casar com um homem casa com um
linhagem.
c) Ambilocalidade: Os dois membros continuam a viver em casa dos pais e só á noite um visita e
dorme na casa do outro. Exemplo: Em Trás-os-Montes e o sul da província galega de Ourense
nos anos 1950-1960, os cônjuges continuavam a trabalhar na exploração dos pais, e só à noite
é que o homem visitava a casa-vivenda dos pais da sua esposa. Só depois da morte dos pais é
que os cônjuges passavam a trabalhar e residir baixo o mesmo tecto.
119
6.7 Os sistemas de descendência e herança
Na hora de organizar a descendência e a herança há 2 tipos de sistemas:
Matrilinear (uterina): Todos os filhos e filhas pertencem ao mesmo linhagem mas são elas
quem transmitem a descendência, eles não. Os filhos delas serão da linhagem mas os deles
não. A herança e a residência é por via feminina.
Patrilinear (agnática): A descendência transmite-se por via masculina ainda que todos os
filhos pertençam á linhagem. A residência neste caso é virilocal e neolocal. Este sistema
está mais estendido que o matrilinear, (ex.: Império Romano, Muçulmano, e Chino). Um
caso extremo é o caso do sudeste da China, onde a mulher é entendida como algo de pouca
importância para a linhagem; as filhas casam e vão morar para casa do homem, não
voltando á casa dos pais, só em caso de falecimento dos seus pais é que volta. Os pais
evitam o afecto pelas filhas quando estas são crianças, pois irremediavelmente separam-se
delas. O significado estrutural delas é a mudança por mulheres de outro linhagem.
2. Com duas linhas: bilinear, ainda que a autoridade oficial possa ser só a do homem.
Actividades
1. Define Parentesco situando-o no contexto antropológico.
2. Qual é a importância de estudo de Parentesco na vida humana?
3. Mencione tipos de parentesco que conhece.
4. Diferencie o Parentesco no sentido restrito do parentesco unilinear dupla.
5. O casamento, é o resultado de um tipo de laços por ti estudo. Identifica seus tipos.
6. Mencione instituições de familia.
7. Há uma série de práticas culturais que bem definem o estabelecimento de vínculos entre
grupos.
a) Identifica e caracterize.
b) Diferencie o Sororato do Levirato.
120
Unidade 7
A Antropologia Económica
7.1 Introdução
Nesta unidade propõ-se ao caro estudante o estudo da Antropologia Económica, destacando-se os
seguintes conteúdos: Antropologia económica; reciprocidade; redistribuição; intercâmbio de
mercado; modos de produção; caça, pesca e recoleção; pastorícia; cultivos agrícolas: horticultura
e agricultura; a sociedade industrial e a sociedade pós-industrial.
7.2 Objectivos
Ao teminar esta unidade, você deverá ser capaz de:
“Economy is a set of institutionalized activities which combine natural resources, humam labor,
and technology to acquire, produce, and distribute material goods and specialist services in a
structured, repetitive fashion.”
121
de cultura para cultura, e podem ser de vários tipos: reciprocidade, redistribuição e mercado. As
culturas humanas valorizam mais um tipo de intercâmbio do que outro, ou na mesma cultura
podem coexistir vários tipos de forma articulada. Segundo Polanyi (1994) estes tipos de
intercâmbio devem ser pensados como actos sociais pautados culturalmente. São estes três tipos
de intercâmbio, modelos e não tipos de economia, pois em cada economia concreta pode haver
elementos dos três. A diferença do que afirmava Adam Smith na sua obra “A riqueza das nações”,
de que a troca tem a sua origem na tendência psicológica e psíquica inata para intercambiar, Karl
Polanyi (1994) afirma que a troca nasce das instituições sociais.
7.4 A reciprocidade
As formas de intercâmbio recíproco acontecem em todas as culturas. Por exemplo, as esposas não
são pagas pelos seus esposos por estas lhes preparar o jantar. Outro exemplo é o das “prendas”
que damos a alguém. A expectativa neste tipo de intercâmbio é o da correspondência e o retorno.
Não é bem uma relação de altruísmo puro. Sim que é uma relação semelhante às obrigações de
parentesco e tem intensos significados sentimentais, pessoais, mas também modelados pela
cultura.
Este é só um tipo de intercâmbio, e pode haver outros tipos de intercâmbio dentro da mesma
cultura e protagonizado pelas mesmas pessoas. A reciprocidade é uma maneira de controlar a
sobre –exploração da natureza, e também a desigualdade socio-económica.
O princípio de reciprocidade é: Trocar entre pessoas socialmente iguais, com vínculos entre si,
em sociedades ou grupos igualitários. A simetria social é muito importante neste tipo de
intercâmbio, mas também saber dar, receber e retribuir.
Exemplos etnográficos:
MBUTI-Zaire- BANTO-
caçadores e agricultores
recolectores
122
Os “Vedda” (Sri Lanka) trocam mel por alfaias com os “sinhalese”.
7.5 A redistribuição
Esta forma de intercâmbio está geralmente associada a formas sociais assimétricas com exercício
de políticas coercitivas. Consiste em acumular produtos em um lugar central, para logo ser
distribuídos a produtores e não produtores. Os redistribuidores ganham prestígio aos olhos dos
redistribuídos.
Exemplos etnográficos:
Nenhum deles diz “obrigado!” quando recebe a carne de outro caçador. O animal caçado é
distribuído em porções para todo o grupo. Dizer “obrigado” ou expressar agradecimento implica:
que es pouco generoso porque calculas quanto das e recebes, ser rude e bronco, que não esperavas
que os outros fossem tão generosos, que pensas reparar o doado por obrigação.
São festas de redistribuição entre as tribos com melhores e piores colheitas cada ano. Aqui existe
a obrigação da paridade, isto é, dar e receber devem ser proporcionais. Esta obrigação é
denominada “dádiva” por Marcel Mauss no seu “Ensaio sobre a dádiva” (1923-24). A actividade
123
económica movimenta assim uma série de actividades socioculturais como são os rituais
colectivos.
O “potlatch” era um ritual que se praticava na costa norte do Pacífico dos EUA, pelas tribos
“alingit” e “salish”, e pelos “kwakiutl” de Washington e a Columbia Britânica. Era praticado em
memória de uma pessoa falecida, para reconhecer o estatuto de um membro da família ou para
celebrar a criação de um “totem”. Nele encarnava-se a posição social dos seus participantes. Em
1885 foi proibido pelo governo canadiano e legalizado de novo em 1950. Hoje é uma prática em
memória dos antepassados mortos e continua-se celebrando.
B) Impulso irracional?
Responde à adaptação a períodos alternos de abundância e escasseza. Nos bons anos ganhava-se
prestígio com a riqueza ao ofertar coisas aos povoados mais pobres. Nos de escasseza os
necessitados aceitavam alimentos dos povoados ricos. Era portanto uma forma de redistribuir a
riqueza. Impediam assim o desenvolvimento de uma estratificação socioeconómica, uniam a
grupos locais numa série de redes de trocas. Este uso das festividades rituais para salientar as
reputações individuais e comunitárias não é algo particular destas tribos.
Nas formas de redistribuição das sociedades estratificadas, o redistribuidor deixa que os outros
façam a maior parte do trabalho e fica com a maior parte dos produtos para ele e a sua família.
Neste tipo de intercâmbio, o contributo dos trabalhadores para um armazém central é obrigatório,
mas pode que não recebam em troco o que dão.
124
quase obrigações entre comprador e vendedor. O local de mercado, além de para intercambiar
bens, também pode servir como ponto de intercâmbio de informação, espaço de lazer e consumo.
Economia artesanal: as pessoas vem o seu trabalho do princípio ao fim, identificam-se com o
seu produto e não se alienam.
Distribuição e trocas: Para os evolucionistas existiria uma evolução gradual e igual em todas
as culturas: caça→pastorícia→agricultura→indústria. Mas em realidade coexistem hoje
formas capitalistas com pre-capitalistas, ainda que o capitalismo seja dominante. Coexistem
125
formas de intercâmbio recíproco e redistribuitivo com formas de intercâmbio próprias do
mercado.
Ex. Actuais:
D) Os “inuit”, esquimós de Alasca e Canadá, que hoje caçam com rifles e motas-trineus.
E) Os “ache” de Paraguai, que obtêm um terço do seu alimento por meio da caça, ao mesmo
tempo cultivam, domesticam animais e comerciam.
Habitat dividido temporariamente durante parte do ano, sobretudo em torno aos poços de água
na África meridional. Algo muito diferente ao habitat do Norte da Península ibérica.
Tem uma mobilidade social entre bandos com os quais mantêm relações de parentesco ou de
“parentesco fictício” (entre tocaios, ou entre padrinhos e afilhados de diferentes bandos).
Respeitam muito as pessoas idosas (exemplo: os jovens “inuit” mastigam os alimentos para os
mais idosos que ficam sem dentes) .
São sociedades igualitárias com poucas diferenças de estatuto, baseadas na idade e o género.
126
7.9 Pastorícia
Os pastores trabalham com animais domésticos: vacas, ovelhas, camelos, etc.
Há uma simbiose entre o pastor e o seu rebanho, é uma associação benéfica para ambos.
A família do pastor pode ou não deslocar-se com ele: nómadas (todo o grupo), trashumantes
(parte do grupo familiar se despraza e o outro fica em casa).
O gado é repartido em rebanhos e já existe uma ideia de “acumulação”, algo que antes não
existia nos grupos de caça e recoleção.
Horticultura
É própria de sociedades não industriais.
Cultivo extensivo.
Campos com barbeito (cultivo rotatório), que evitam o esgotamento do solo e um excesso
de maus bichos.
Cultivo de roça: tala, queima e limpeza de uma parte da mata ou pradaria. A cinza serve
para fertilizar o solo.
Agricultura
Cultivo da terra mais intensivo e continuado. Exemplos: No Norte de Portugal a terra
divide-se em “pousios” e “anoteamentos”.
127
Os animais são usados para transporte, como máquinas de cultivo, abono e calor.
Segundo alguns autores a nossa sociedade é cada vez máis pós-industrial, isto é, caracterizada por
adoptar um modo de produção económica baseada nos serviços na informação e no conhecimento
do mercado mundial. Autores como Ralf Dahrendorf, Daniel Bell ou Alain Touraine sublinham
128
que nestas sociedades pós-industriais o fundamental foi o processo de terciarização que as
converteu em sociedades de serviços
Quadro comparativo
Caça, pesca e recolecção Pastorícia Agricultura Indústria
Participação de todos Troca por via Troca do excedente Moeda e mercado
Não há excluídos matrimonial Permuta de produtos Acumulação
Todos recebem Reparto do gado em Terra e mercado capitalista
Reciprocidade rebanhos Equilíbrio entre o
Troca directa Acumulação trabalho e a necessidade
Distribuição e consumo Acumulação
imediato
Capitalismo Socialismo
Posse individual dos meios de produção Distribuição equitativa dos bens
Exploração Não tende a haver distinção de classes
Subordinação Participação colectiva na propriedade dos meios
Desigualdades sociais de produção
Trabalhamos mais do que recebemos (mais valia)
Ganhos lucrativos
Manipulação consumista
Valor: individualismo
Trabalhamos para outros, não para nós próprios
Actividades
129
Unidade 8
Antropologia Política
8.1 Introdução
Esta unidade destina-se para você, caro estudante, estudar e adquirir noções básicas sobre política,
poder e autoridade; os sistemas políticos nos bandos de caçadores e recolectores; os sistemas
políticos nos sistemas tribais; os sistemas políticos nas chefaturas; os sistemas políticos nos
estados e rituais e ordem.
8.2 Objectivos
Ao terminar esta unidade você deve ser capaz de:
É preciso sublinhar que, a antropologia política está intimamente ligada com outras
especializações temáticas da antropologia como são a antropologia jurídica ou legal, e a
antropologia da guerra.
As perspectivas teórico-metodológicas que a antropologia política tem adoptado no seu percurso histórico são as seguintes:
Há uma tendência em se pensar, às vezes, a política como unicamente governo, partidos políticos,
eleições para cargos políticos. Mas, a política, sob um ponto de vista dinâmico, pode ser entendida
como um aspecto fundamental de toda a vida social. Neste sentido, Jean Paul Sartre chegou a
130
afirmar que “fazer o amor é um acto político”, afirmação que conceitualiza bem esta ideia. Na
língua inglesa distingue-se entre “polity” (modos de organização do governo), “policy” (tipos de
acção para a direcção) e “politics” (estratégias de competição entre indivíduos e grupos).
A política também pode ser entendida como uma tensão entre a ordem e a desordem, e o “poder”
como um regulador dessa tensão. Portanto, o fim último da política é estabelecer uma ordem
social e reduzir a desordem social. O exercício do poder pode estar associado à “manipulação”,
“resistência” e à “contestação”.
A resistência é uma forma de lidar com uma situação de domínio e pode adoptar diversas formas
e significados, desde o silêncio até a afirmação de posições.
Mas o exercício do poder também pode estar exposto à contestação, que é um exercício que
consiste em pôr em causa parcial ou totalmente o sistema de poder. A contestação salienta a
ambiguidade do poder, procura a adesão dos governados – bem por apatia ou por aceitação -, mas
também tem limites face às desigualdades e os privilégios. Estes limites podem ser organizados
formalmente (i.e.: conselho de anciãos nos grupos tribais e de chefatura) ou informalmente (i.e.:
boatos, coscuvilhices, etc.). A contestação leva associada lutas, alianças, respeito, desejos de
mudança, re- interpretações da lei para tirar vantagens, etc.
O poder também pode ser entendido desde outros pontos de vista complementares, pois, junto
com o parentesco, a família e a identidade, o poder é uma força social dominante nas nossas
vidas. Já Hume (citado em Balandier, 1987: 45) falava do poder como capacidade de actuar
efectivamente sobre as pessoas e sobre as coisas. Desde este ponto de vista, o poder é o controlo
da expectativa de resposta a uma proposta, é assim que está inserido em toda relação social. Para
Max Weber (citado em Balandier, 1987: 45), o poder é a possibilidade de que um actor social
imponha a sua vontade sobre os outros, de que uma pessoa dirija à sua vontade uma relação
social. Esta utilização da vontade pode adoptar mecanismos de negociação, manipulação,
consenso, conflito, etc. Assim por exemplo, nalguns grupos tribais da Guiné, o poder está baseado
no princípio do consenso e a unanimidade. Nelas, os jogos de futebol acabam sempre em empate,
sempre iguais. Aprenderam a jogar futebol logo depois da segunda guerra mundial, mas o facto de
ser grupos igualitários, implicou que não gostassem da ideia de vencedores e vencidos.
131
Max Weber (em Balandier, 1987: 45-47) aponta algumas características básicas da noção de
poder:
Será também Max Weber (em Balandier, 1987: 49) quem afirme que o poder implica certo
consentimento e certa reciprocidade (contrapartida, obrigações, responsabilidades). Mas, o
consentimento implica uma legitimidade, que segundo Max Weber pode ser de três tipos:
1. Legal.
Estes três tipos não são opostos na realidade, senão que estão desigualmente acentuados numa
relação social. Assim por exemplo, Ronald Regan consultava a uma bruja de São Francisco antes
de tomar as grandes decisões. Será que devemos à brujaria o fim da guerra fria?
De acordo com o antropólogo Elman Service (1962), há quatro tipos de organizações políticas:
bandos,
tribos,
132
chefaturas e
estados.
A mudança de um tipo para outro é causada, segundo Elman Service, por vários factores:
o desenvolvimento económico,
Sem esquecer que a maioria dos grupos humanos têm-se incorporado hoje à entidades políticas
maiores – fundamentalmente estados -, observemos com detalhe a grande diversidade cultural.
Os bandos eram compostos por pequenos grupos de pessoas, e eram geralmente nómadas,
baseados no parentesco e numa economia de caça e recoleção. Mas o certo é que o número de
membros de um bando variava em função das épocas e dos recursos –ex.: os bandos dos “inuit”
eram mais pequenos no inverno pela maior dificuldade em obter alimentos, e maiores no verão-.
O bando era um grupo de várias famílias nucleares, politicamente autónomo. Neles, os princípios
de ligação são as relações pessoais e de parentesco, ainda que também o comércio. As relações
internas e externas estavam baseadas no princípio da reciprocidade; por exemplo, entre os
esquimós, havia colegas de trocas comerciais em diferentes bandos que se tratavam mutuamente
como se fossem irmãos.
133
Os bandos não têm um código formal de direito, mas sim há um controlo social e meios para
resolver as disputas e conflitos. Portanto, é uma organização política diferente da anarquia.
Os grupos humanos organizados em chefaturas têm maior densidade de população que os grupos
organizados em tribos, e as suas comunidades são mais estáveis, consequência da sua maior
produtividade económica.
A posição de chefe pode ser herdada, é geralmente permanente e outorga um alto estatuto a quem
detenta a sua posição. O chefe redistribui a riqueza, planifica e dirige o trabalho público,
supervisa as cerimónias religiosas, e controla as actividades militares em nome da chefatura. Os
chefes são obedecidos pelo respeito que professam, pela autoridade religiosa que representam, e
pela força militar que controlam. O seu estatuto social está baseado na antiguidade da filiação, não
na sua generosidade –como nos bandos-, nem na liderança da sua filiação –como nas tribos-.
As chefaturas são uma forma de organização política intermédia entre a tribo e o estado. Nelas dá-
se um acesso diferencial aos recursos e uma estrutura política permanente. A chefatura reuni a
várias comunidades e tem uma espécie de governo central, responsável pelas finanças, a guerra e
as leis. A diferença dos bandos e das tribos, nos sistemas de chefatura, há uma regulação
permanente do território. Ao mesmo tempo, os parentes do chefe têm um acesso diferencial e
privilegiado aos recursos, ao poder e ao prestígio.
134
8.7 Os sistemas políticos nos estados
Já vimos como nalguns grupos humanos, os mecanismos de governo e os sistemas de organização
política não estão baseados no estado. O estado é uma construção social relativamente recente, em
concreto os estados liberais europeus só foram concretizados no século XIX. Hoje em dia fala-se
de uma “era política”, isto é, os problemas sociais não responsabilizados pela família são
responsabilizados pelo estado (i.e.: o cuidado dos mais idosos era confiado até há pouco tempo à
família e não ao estado).
Na actualidade também discutimos o papel político das regiões, nações sem estado, estados e
supra-estados. E não só, a raiz dos atentados terroristas do 11 de Setembro contra símbolos chave
dos EUA e do sistema capitalista, a discussão coloca a questão da necessidade de mais política –
como defessa da cidadania- e de menos livre-mercado.
As elites são grupos dirigentes do poder dentro de uma sociedade, quem detentam o domínio
político, económico, prestígio social, práticas culturais específicas e autoridade ideológica. Uma
elite está unida por parentescos e alianças entre os seus membros (McDonogh, 1989).
135
A diferença das chefaturas, o território de um estado é maior, e tem mais população. Nele a
estratificação socioeconómica (ex.: sociedade de classes) é muito importante. A sua unidade
política delega num governo formalmente estabelecido, baseado geralmente no “Direito”. Os
estados dispõem de corpos administrativos com funções especializadas (poder executivo,
legislativo, judicial):
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intensiva, alta densidade mercado
indústria e
serviços
Actividades
1. Define Antropologia Política.
2. Explica a relação que existe entre antropologia e a política.
3. Qual é a importância de antropologia política na formação e liderança das instituições
jurídicas?
4. Compare a antropologia política da Social.
5. Fale das formas de organização política e apresente as suas características.
6. Que são sistemas políticos nos sistemas tribais.
7. Qual é a contribuição do parentesco para ordenamento socio- político de um dado grupo
étnico?
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Unidade 9
Antropologia da Religião
9.1 Introdução
Na presente unidade você irá estudar a Antropologia da Religião. Os conteúdos concernidos
referem-se à definição da religião; expressões da religião (tais como animismo, maná e tabu,
magia e religião, ritos de transição ou de passagem, o totemismo e os mitos); religião e cultura;
religião e mudança cultural e religião e o tempo do calendário.
9.1 Objectivos
No final desta unidade, o estudante deverá:
9.3 A Religião
A religião pode ser entendida como o sistema de crenças e rituais ligado com seres, poderes e
forças sobrenaturais. A religião é um universal da cultura isto é, é um fenómeno inerente a todas
as culturas. Ela pode afirmar a solidariedade social de um grupo humano, mas também a
inimizade mais acérrima. A religião relaciona o homem com o sobrebatural, embora não seja fácil
distinguir-se o natural do sobrenatural. Diferentes culturas conceituam os entes sobrenaturais de
maneira diferente.
Edward Burnett Tylor (1871-1958) foi o fundador da antropologia da religião. Segundo este autor
a religião nasceu quando o homem tentava compreender as condições e eventos que não podia
explicar por meio da referência à experiência quotidiana. O intento de explicação dos sonhos e
dos trances levou os primeiros humanos a crer que o corpo humano era habitado por dois entes:
um durante o dia e outro durante a noite. Estes dois entes ou seres são vitais um para o outro.
138
Quando a alma (“anima”) abandona o corpo de forma permanente a pessoa falece. Tylor
denominou a esta crença “animismo”.
Como evolucionista que era pensava que a religião tinha evoluído através de uma série de etapas,
e a inicial era o “animismo”, o “politeísmo” e o “monoteísmo” eram as seguintes. No pensamento
de Tylor estava a ideia de que a religião declinaria à medida que a ciência fosse oferecendo
explicações melhores sobre aquilo que o homem não entendia.
Maná e tabu
Os primeiros humanos entendiam o sobrenatural como uma força que não podiam controlar, ou só
em determinadas condições. Esta concepção era muito importante na Melanêsia (Pacífico sul,
Papua Nova Guiné e ilhas de perto). Os melanésios criam no maná, uma força sagrada existente
no universo, e o maná residia nas pessoas, nos animais, nas plantas e nos objectos.
Esta noção de maná é muito similar às nossas noções de “sorte” e de "azar" (má sorte, conotação
negativa); os melanésios atribuíam o sucesso ao maná (manipulável através da magia), era assim
que o uso de um objecto como amuleto podia mudar a sorte de alguém (um caçador).
Entretanto, na Polinesia (Hawai) a noção de maná era diferente. Se na Melanêsia o maná podia
adquirir-se por casualidade ou trabalhando duro, na Polinêsia o maná estava vinculado às
responsabilidades políticas (os chefes e os nobres tinham mais poder que as pessoas ordinárias). O
contacto com estos chefes era perigoso para as pessoas comuns, porque tinha o efeito de uma
descarga eléctrica. Os chefes, os seus corpos e as suas possessões eram "tabu" (proibição do
sagrado); os não chefes não podiam suportar tanta corrente sagrada, e quando contactavam com
eles era preciso realizar rituais de purificação.
O interessante do maná melanêsio é a forma como explica o sucesso e o fracasso das pessoas,
através de questões sobrenaturais, mas também como explica os limites simbólicos da autoridade.
A crença em seres espirituais e em forças sobrenaturais tem a ver com a definição de religião já
abordada.
Magia e religião
A magia é a capacidade de modificar o mundo através de actos de carácter ritual, é um conjunto
de técnicas de manipulação do sobrenatural orientadas a alcançar propósitos específicos. Na
magia é costume a utilização de conjuros, fórmulas verbais, trance e encantamentos. Podemos
considerar dois tipos de magia:
a) Magia homeopática ou de imitação metafórica: para produzir o efeito desejado (ex.: ferir a
imagem de uma vítima à qual se quer causar dano).
139
b) Magia contagiosa ou metonímica: Qualquer coisa que se faça a um objecto crê-se que afecta
à pessoa que estivera em contacto com ele. Por exemplo: Como fazer que uma mulher se
apaixone por um homem? Resposta entre os quíchuas: Coser duas víboras pelos olhos e
tocar com elas uma prenda da mulher.
Nem todos os ritos de transição têm a ver com a religião, mas eles ajudam a compreender melhor
a religião como prática sociocultural. Um rito de transição é um costume relacionado com a
mudança de uma etapa a outra na vida. Por exemplo, os índios das pradarias (EUA) separavam
temporariamente os jovens da sua comunidade. Este período era acompanhado de jejum e de
consumo de drogas. Depois o jovem teria visões que se converteriam no seu espírito protector.
Depois disso voltava à sua comunidade como adulto.
Os ritos de transição das culturas contemporâneas são: baptizados, a queima dos "caloiros",
casamentos, etc. Estes ritos implicam uma mudança de estatuto social, e as suas fases são:
separação, marginalidade e agregação. A fase marginal é um período liminar no qual as
pessoas deixaram o estado anterior, mas ainda não entraram ou se uniram ao próximo estado.
Estas pessoas são liminares (Turner: 1974) e ocupam posições sociais ambíguas; separados dos
contactos sociais normais. Entre os ndembu (Zâmbia) um chefe tem que sofrer um período liminar
no qual as pessoas ignoram o seu estatuto passado e futuro, incluso é invertido esse estatus,
insultado, ordenado e humilhado. Geralmente estes rituais são colectivos.
... implica uma mudança na situação do indivíduo, nele podemos observar acções,
reacções, cerimónias, etc. Os ritos de passagem são transmissores de cultura, e
representam a transição a novos papéis e estatutos. Também representam uma
integração, pois animam e reavivam sentimentos comuns que mantêm unidos e
comprometidos com o sistema social os indivíduos. Neles afloram sentimentos,
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desaparecem temporariamente algumas regras, mas afirmam por contraste a justiça
moral das normas.
O Totemismo
Era a religião dos aborígenes australianos. Os totens podiam ser animais, plantas ou caracteres
geográficos. Cada tribo tinham o seu totem particular, e os membros dessa tribo acreditam-se
como descendentes do seu totem. Existia o tabu de não comer nem matar o totem, mas esse tabu
deixava-se uma vez no ano, quando a gente se reunia para as cerimónias dedicadas ao totem.
Existia a crença de que estes rituais anuais eram necessários para a sobrevivência e reprodução do
totem.
O totemismo é uma religião que utiliza a natureza como modelo para a sociedade, e a diversidade
na ordem natural é reproduzida na ordem social. Mas a unidade social humana é estabelecida por
um processo de associação simbólica e imitação da ordem natural. Os totem são emblemas
sagrados que simbolizam a identidade comum e o ritual serve para manter a unicidade social que
simboliza o totem.
Um dos papéis dos ritos e das crenças religiosas é o de afirmar a solidariedade dos crentes e
participantes (ex.: a família que reza unida permanece unida). Os ritos transmitem informação
sobre os participantes e a sua cultura, a repetição dos mesmos gera mensagens, valores e
sentimentos em acção. Os rituais são actos sociais nos quais os participantes transcendem o seu
estatuto como indivíduos, independentemente dos seus pensamentos particulares e dos seus graus
de entrega.
O estudo antropológico da religião não se limita só aos efeitos sociais da religião, à sua expressão
em ritos e cerimónias. A antropologia estuda os relatos religiosos e quase -religiosos sobre seres
sobrenaturais, os mitos.
Os mitos
Os mitos expressam crenças e valores culturais através dos seus relatos. Os relatos do mito
narram acontecimentos do passado remoto: a origem do mundo ou de uma povoaçao através de
factos extraordinários, os deuses, heróis com atributos humanos, seres sobrenaturais, etc. Os seus
relatos são que são cridos, narram factos trascendentes e/ou dogmas da comunidade, com o fim de
ensinar e moralizar. Servem também para ilustrar crenças religiosas. Os mitos, além de dar lições
morais, oferecem esperança, emoção e evasão.
Em relação com os mitos, temos as lendas e os contos. Esta relação é importante para perceber
melhor o mito, que se pode transformar em lenda. As lendas narram acontecimentos do passado
141
recente – já não remoto como nos mitos -, e são protagonizadas normalmente por pessoas
seculares, ainda que também possam intervir nelas seres sobrenaturais com poderes
extraordinários. Tal como os mitos, as lendas são relatos tomados como verdadeiros, mas no caso
da lenda, também a fonte do relato pensa-se como verdadeira.
O conto é, a diferença dos anteriores, um relato de ficção construído não para se acreditar nele.
Narram algo quotidiano, sem localização concreta, intemporal e não transcendente. Exemplo
disso são os contos sobre animais. O objectivo do conto, como género narrativo que é, é o de
transmitir uma mensagem cultural profunda aos seus ouvintes: esperança, sucesso, esforço,
segurança, inteligência, habilidade, astúcia.
Os contos utilizam geralmente fórmulas introdutórias. Ex.: “Era uma vez que se era...” No conto a
fantasia é central, e geralmente sugerem a possibilidade de crescimento e de auto- realização, de
ai a sua importância para as crianças. Os seus protagonistas são heróis (plantas, animais,
humanos...) que utilizam inteligência, habilidade física ou astúcia para os seus fins. O herói deve
passar uma série de provas rituais para atingir uma meta. As crianças identificam-se geralmente
com os heróis vencedores. Os contos oferecem confiança na melhoria, ao mesmo tempo que dão
segurança e satisfação psicológica.
Diferentemente dos sacerdotes, os xamanes são encarregados religiosos a tempo parcial que
medeiam entre as pessoas e os seres sobrenaturais, são especialistas mágico-médicos. Xamam é o
termo geral que une feiticeiros, médiuns, espiritistas, astrólogos, quirománticos e outros
adivinhadores. As religiões xamanísticas são mais características das culturas de caça e recolecção
(ex.: esquimós). Os xamanes estão situados simbolicamente segregados das outras pessoas, e têm
um papel diferente.
As religiões comunais têm xamanes, rituais colectivos de colheita e ritos de transição, também
são politeístas (deuses que controlam diversos aspectos da natureza). São religiões mais típicas
dos produtores de alimentos.
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amor, a guerra, o mar e a morte). Os panteões olímpicos (colecção e organização dos deuses)
eram abundantes em muitas religiões: incas, aztecas, gregos, romanos, etc.
Max Weber (1969) argumentou a influência central dos valores religiosos, em especial os da ética
protestante de inspiração calvinista, para o desenvolvimento e a evolução do capitalismo em
Europa. Face aos factores estruturais, especialmente de base económica no materialismo histórico,
Weber introduz os factores socioculturais no centro mesmo dos processos de mudança
sociocultural, demonstrando a importância dos valores religiosos como factores da origem do
capitalismo. Por que o capitalismo originou-se em Europa e não em China (mais tecnologia que
em Europa)?. Pela atitude face a riqueza (poupança do puritanismo calvinista).
143
tentar abolir o tempo, numa tentativa de durar, de permanecer, realizamos rituais cíclicos que
asseguram a repetição.
No Norte de Portugal utiliza-se a expressão “matar carne” para se referir a um tempo concreto, a
Páscoa. Também utiliza-se provérbios para assinalar o tempo: “Se a Calendária rir, o mau tempo
vai vir”. Outras vezes é a crença e o sistema de crenças que define o tempo, por exemplo, no
Norte de África, só quarenta dias depois do parto, a mulher muçulmana entra na Mesquita; ao
igual que até há umas décadas, a mulher católica só entrava na Igreja, uns quarenta dias depois do
parto, tempo durante o qual a mulher devia tomar chocolate para a sua recuperação.
As diferentes religiões falam da fim do mundo. Para os muçulmanos “só Deus a conhece” (Corão,
XIII, 63); para os católicos “o que toca a aquele dia e hora ninguém o conhece” (Mateus, 24, 36).
Para os egípcios, hindus, cabalismo e astrologismo, a fim do mundo situa-se a mediados do século
XXI. As diferentes religiões também dispõem de diferentes calendários, verdadeiros
computadores do tempo e da vida das pessoas.
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Calendário com estrutura luar de 12 meses de 29 e 30 dias alternos
Chineses Ano actual: 4702
Calendário estabelecido pelo “imperador amarelo” Huang Di, no ano 2637
AC
Calendário luar com ciclos de 60 e 12 anos, e com nome de animal.
Hindus Ano actual: 1925
Calendário luar definido pelo “Rig Veda”, livro sagrado hindu
Desde o século XIX a Índia adoptou o calendário gregoriano ocidental.
Actividades
1. A religião pode ser entendida como o sistema de crenças e os rituais ligados com seres,
poderes e forças sobrenaturais.
a) Fale do valor real da religião.
b) Fundamente Animismo como expressão de religião.
2. Explique o impacto dos movimentos messiánicos ( Cristianismo e Islamismo ) durante a
penetração colonial?
3. Explique o substracto da religião tradicional africana.
4. Estabelece diferença entre o Sagrado e o Profano.
5. Que relação existe entre o poder polítco e a religião nas comunidades menos
industrializadas.
6. Diz em que se converge a religião tradicional africana e a educação tradicional em
Moçambique.
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Bibliografia básica
BERNARDI, Bernardo. Introdução aos estudos Etno-Antropológicos. Perspectivas do Homem.
Lisboa, Edições 70, 1974.
JUNOD, Henri. Usos e Costumes dos Bantu. 2. ed. Lourenço Marques, 1974.
LANGA, Adriano. Questões Cristãs à Religião Tradicional Africana. Braga, Ed. Franciscana,
1992.
MATTA, Roberto da. Relativizando: Uma Introdução à Antropologia. São Paulo, 1981.
TITIEV, Mischa. Introdução a Antropologia Cultural. 6.ed. Lisboa. Ed. F. C. Gulbenkian, 1989.
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