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HISTÓRIA DO

DIREITO

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A república romana
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„ Apresentar os antecedentes históricos da república romana.


„ Apontar as características da república romana.
„ Identificar a estrutura política da república romana.

Introdução
O Direito é um fenômeno histórico que tem como característica basilar a
historicidade dos seus fundamentos e institutos. Ou seja, o Direito utilizado
atualmente resultou de um processo histórico que ele próprio construiu.
Por isso, para compreender o Direito em todas as suas perspectivas,
é muito importante observar as suas raízes históricas.
Neste capítulo, você vai estudar uma das mais importantes etapas
históricas do Direito Ocidental: o período em que Roma foi uma república
e criou o modelo utilizado por diversos institutos atualmente.

1 Antecedentes históricos da república romana


Roma nasceu como uma cidade-estado, denominada civitas, como resultado
da integração de povos primitivos (etruscos e latinos) que se agruparam em
um território (as sete colinas) e uniram esforços para defendê-lo. Juntos,
esses povos formaram aldeias (ou tribos) compostas por famílias patriarcais,
constituindo uma gens, uma espécie de parentela. Segundo José Carlos Mo-
reira Alves (2007), a gens unia os descendentes de um antepassado comum,
lendário e imemorável, do qual recebiam o nome gentilício, que os vinculava
como parentes.

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De acordo com as fontes históricas, a fundação de Roma é atribuída ao


período de 753-754 a.C., quando os patres (chefes de família) escolhiam um
chefe comum (rex). Após um longo processo de integração, surgiu a civitas
quiritaria, com a monarquia como forma inicial de governo, sustentada por
três órgãos: o rei, o Senado e o comício.
O rei era o sumo pontífice, chefe máximo da religião, chefe do exército e
juiz supremo. Ele era o soberano vitalício, porém seu cargo não era heredi-
tário: quando morto, os patres exerciam o poder durante cinco dias cada, até
que o povo aclamava e prestava obediência ao novo monarca (lex curiata de
imperio), escolhido pelo predecessor ou por interrex de turno, caso não tenha
havido indicação.
O Senado (senex, senectus) era uma espécie de conselho de anciãos, com-
posto unicamente por homens da classe rica de Roma, cuja função primordial
era assistir e aconselhar o rei nas tarefas de governo. No entanto, o Senado
também utilizava um poder próprio, denominado autctoritas patrum, para
decidir sobre a validade das leis produzidas nas assembleias populares (comitia).
Também era função do Senado governar na ausência do rei (interregnum). Esse
órgão de poder simbolizava a sabedoria dos mais velhos, pois se pressupunha
que eles tinham uma experiência de vida mais longa.
Inicialmente, o comício era uma assembleia popular, porém, ao contrário
do que pode parecer, o sentido popular não tem semelhança com a ideia
atual. Sabe-se que o antigo povo romano tinha se distribuído em três tribos,
denominadas Ramnes, Tities e Luceres, e cada uma se dividia em 10 cúrias.
As 30 cúrias formavam a assembleia geral dos patrícios, isto é, dos homens
ricos. Desse modo, apesar de ser chamada de assembleia popular, ela não
representava toda a população, mas sim os integrantes da classe alta de Roma.
Nessas assembleias, eram tratados assuntos de caráter religioso, assim como
atos que afetam a vida dos grupos familiares ou gentilícios, como testamento
e adoção. Assim, esse órgão tinha uma finalidade política e religiosa, além
de contribuir para a defesa da civitas, uma vez que era ela que fornecia o
contingente das tropas militares.
Portanto, havia duas classes sociais em Roma: os patrícios, que eram os
ricos proprietários de terras e originariamente a única classe a tomar parte
no poder de Roma, e os plebeus, que não tinham terras nem propriedades,
motivo pelo qual inicialmente foram excluídos do poder. Além disso, havia
a clientela, uma espécie de vassalagem que mantinha uma relação de depen-
dência com famílias ricas, gerando uma relação baseada na confiança, e se
dava entre pessoas livres com baixo status social, os clientes, e pessoas de
alto prestígio social, os patronos.

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Todos estavam ligados à mesma religião, mas fundamentalmente à mesma


“romanidade” (romanitas), que pode ser entendida como costumes e institui-
ções romanos. Esses costumes serviram de base para o Direito, pelo menos
até o advento da Lei das XII Tábuas, quando a transmissão dos costumes de
geração em geração perpetuou a forma de viver na Roma primitiva.
No entanto, de acordo com a história, um descontentamento por parte
dos patrícios colocou fim ao período monárquico por volta de 510 a 509 a.C.,
quando eles destituíram o último rei, Tarquínio Soberbo, e inauguraram uma
nova fase política: a república romana.

A fundação de Roma é uma lenda descrita na obra Eneida, do poeta Virgílio. Nela,
o autor conta a história de dois irmãos gêmeos amamentados por uma loba (Lupa
Capitolina), que, conhecendo a sua origem heroica, fundam uma cidade às margens
do Rio Tibre. A figura a seguir é até hoje o símbolo de Roma.

Fonte: Rats-apotheke/ Pixabay.com.

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2 Características da república romana


A república romana é tradicionalmente colocada em um período que vai do
século VI a.C. até 27 a.C., quando Otaviano vence a Batalha de Accio e inau-
gura o principado. Nesse período, que abarca seis séculos dos 13 séculos da
história de Roma, é impossível traçar uma uniformidade, porém é certo que
as características mais marcantes são a superioridade romana na espetacular
expansão territorial, a habilidade no domínio militar e a criação de um sistema
jurídico próprio.
No campo militar, as três guerras contra Cartago, cidade de origem fenícia
no norte da África (hoje chamada de Tunísia), foram o elemento histórico mais
importante, pois representaram o principal obstáculo da expansão romana no
Mediterrâneo. Com a destruição de Cartago na terceira guerra, em 202 a.C.,
deu-se início ao apogeu romano, com o domínio do Mediterrâneo e a expansão
rumo ao norte da Europa e ao norte da África.
Também é uma característica muito importante dessa época a luta de
classes dos clientes e plebeus contra os patrícios, bem o resultado dessa luta
tanto no aspecto político como no jurídico. Do ponto de vista político, depois
de organizados, os plebeus passaram a ter um espaço de atuação equiparado
ao dos patrícios. No campo jurídico, a Lei das XII Tábuas, marco da primeira
Lei do Ocidente, é resultado das reivindicações da classe pobre de Roma.
De acordo com Alves (2007, p. 28), “a passagem da monarquia para a república
representa o aparecimento de uma pluralidade política, desde os cargos de
magistrados até as assembleias populares, mas o que mais se destaca nessa
fase é a pluralidade das fontes do Direito. Se na monarquia a fonte primordial
era o costume, na república, são fontes do Direito o costume, a lei, os editos
dos magistrados e a jurisprudência”.

3 Estrutura política da república romana


Embora seja inspirada no modelo grego, a república romana é essencialmente
diferente, uma vez que preservou a existência das assembleias aristocráticas
e aumentou o número de tipos de assembleias. Além disso, ao contrário do
modelo da república de Atenas, em que o voto de cada cidadão livre era igual,
em Roma, o voto e a escolha dos integrantes da classe política se davam por
indicação dos pertencentes à elite da sociedade.

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Apesar de a tradição afirmar que houve uma revolução com a retirada de


Tarquínio do poder, é certo que a instauração da ordem republicana não se deu
com uma ruptura violenta com a constituição real. Após um longo período,
o rei foi convertido em um simples chefe dos assuntos religiosos, e somente em
meados do século IV a.C. ficou mais clara a estrutura política republicana. Por
volta de 367 a.C., foram promulgadas as Leis de Licínio, quando dois cônsules
passaram definitivamente a comandar a nova estrutura política, baseada nas
pluralidades de magistraturas e assembleias, mas sustentada, também, no
poder do Senado (GILISSEN, 1986).

A expressão S.P.Q.R., inscrita nos estandartes e em todos os documentos oficiais roma-


nos, significava literalmente como o poder político estava estruturado no período: o
Senado e o povo romano, nesta ordem. Assim, o Estado patrício-plebeu se caracterizava
pela harmonia existente entre os três órgãos: o Senado, o comício e as magistraturas.
Nesse período, um dos grandes feitos da história de Roma foi a essencial integração
da plebe nos assuntos políticos, que passou a participar e compor os órgãos de poder.

Segundo José Carlos Moreira Alves (2007), nesse período, o Senado se


tornou o verdadeiro centro do governo, pois, como órgão permanente, deter-
minava a direção da política externa de Roma e interferia em diversos setores
da administração pública, como guerra, agricultura, culto, direção do exército,
designação de governadores das províncias, distribuição das funções dos magis-
trados, entre outros. Além disso, o órgão continuava determinando a validade
das leis produzidas nas assembleias, o que possibilitou o surgimento de uma
fonte do Direito muito importante, o Senatus consultum, que, apesar de não
ser uma lei no sentido formal, tem força de lei, dando origem ao Direito Civil.
Nesse período, ainda existiam as assembleias anteriores (comícios por
cúrias), porém foram acrescentados o comício de centúrias, uma grande assem-
bleia popular que integrava 193 centúrias, e o comício das tribos, assembleias
representantes dos distritos urbanos (quatro tribos urbanas) e rurais (31 tribos
rústicas), em um total de 35 tribos, no século III a.C. É interessante que, nesse
tipo de assembleia, a organização não era por origem familiar, como nos comí-
cios por cúrias, ou por renda e cargo militar, como nos comícios por centúrias,
de modo que ficava mais fácil a participação ativa dos plebeus. Além dessas

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assembleias, existia o conselho da plebe, que reunia os plebeus com interesses


contrários aos patrícios. A partir da publicação da Lei Hortênsia, em 287 a.C.,
o conselho da plebe passou a ser uma assembleia geral, com competência para
votar leis para toda a população. Nessa estrutura, desenvolveu-se o cargo de
tribuno da plebe, em que os famosos foram os irmãos Tibério e Caio Graco.
A magistratura se estruturou em um sistema de repartição de competências
de governo, porém não constituía propriamente uma hierarquia, e suas funções
não eram exatamente bem delineadas, uma vez que essa organização se justifica
pela própria mentalidade elementar e prática que caracteriza o espírito romano.
As principais características das magistraturas são apresentadas a seguir.

■ Temporalidade: duração de 1 ano, prorrogável por mais 1.


■ Colegialidade: integram o cargo dois ou mais indivíduos.
■ Carreira honorífica (cursus honorum): nela, o magistrado não recebe
remuneração pelo desempenho da função, em virtude de esta se tratar
de uma honra.

Aos atos de poder dos magistrados, podem se opor os tribunos da plebe,


por meio da intercessio (ius intercessionis), que nada mais é do que a forma
de atacar as decisões dos magistrados que, em virtude de afetarem o governo
da cidade, são prejudiciais para os direitos ou interesses da plebe. Além disso,
todo e qualquer cidadão pode recorrer aos comícios por meio de um ato de-
nominado provocatio ad populum, uma forma de oposição contra a pena ou
castigo imposto pelo magistrado.
Os principais cargos dos magistrados são apresentados a seguir.

■ Cônsules: chefes do Estado e do exército.


■ Pretores: chefes militares com o encargo de administrar a justiça; por
isso, seu papel foi muito importante no campo jurídico.
■ Censores: magistrados extraordinários, pois a sua temporalidade era de
18 meses. Eleitos de 5 em 5 anos, eles tinham dupla função: contagem
dos cidadãos para fins de sufrágio, tributo e serviço militar e tutela
dos costumes.
■ Edis: cuidavam da cidade, atuando como uma espécie de polícia cidadã.
■ Questores: magistrados auxiliares dos cônsules e dos censores que
atuavam em sede criminal.
■ Ditador: magistrado único supremo e extraordinário que destituía o
poder dos cônsules em caso de grave perigo para Roma.

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Assim, todo magistrado tem potestas, isto é, poder de mando. Quando se


trata de cônsules, ditadores e pretor, essa potestas é suprema, sendo chamada
de imperium: poder máximo do qual nenhum cidadão pode se abster. São
atributos do imperium de um magistrado:

■ o supremo comando militar;


■ o ius edicendi (direito de dirigir-se ao povo e ditar ordens);
■ a iurisdictio (faculdade de administrar a justiça);
■ o ius agendi cum patribus e o cum populo (direito de convocar e presidir,
respectivamente, o Senado e os comícios);
■ a coercitio (poder disciplinatório);
■ o ius auspiciorum (direito de consultar a vontade dos deuses).

Para a história do Direito, o cargo mais importante é o de pretor, que poderia ser de
dois tipos: pretor urbano (urbs, cidade) e pretor peregrino, que cuidava de assuntos
que envolvessem estrangeiros. Para saber mais sobre esse assunto, acesse o site do
Senado e pesquise por “O Senado no mundo: da origem em Roma aos dias atuais
[gravação de som]”.

Gilissen (1986, p. 83) faz uma comparação do termo república no período romano e
nos dias atuais: “a res publica, a coisa pública, não é nem a República, nem o Estado
no sentido moderno; designa a organização política e jurídica do populus na qual o
cidadão subordina o seu próprio interesse (res privata) ao da comunidade”.

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8 A república romana

ALVES, J. C. M. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.


GILISSEN, J. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian Foundation, 1986.

Leituras recomendadas
MEIRA, S. História e fontes do direito romano. São Paulo: Saraiva, 1966.
UM ROTEIRO pela história do Senado no Brasil e no mundo [gravação de som]. Brasília,
DF: Senado Federal, 2008. 7 CD-ROM. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/
handle/id/496486. Acesso em: 9 nov. 2021.

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Nome do arquivo:
C06_Republica_romana_FINAL_202111161751213301669.pdf
Data de vinculação ao processo: 16/11/2021 17:51
Processo: 510492

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