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e Orientações para o
Atendimento
Módulo
4 Vulnerabilidades em
Contexto Migratório
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Presidente
Diogo Godinho Ramos Costa
Equipe responsável
Ana Beatrice Neubauer de Moura (Revisora de texto, 2021).
Ana Carla Gualberto Cardoso (Diagramação, 2020).
Ana Paula Medeiros Araújo (Direção de arte, 2021).
Gabriel Silvestre Marques Boere (Implementador Rise 360º, 2021).
Ivan Lucas Alves Oliveira (Coordenador de produção, 2021).
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos - MMFDH (Conteudista, 2020).
Patrick Oliveira Santos Coelho (Implementador Moodle, 2021).
Priscila Campos (Coordenadora de desenvolvimento, 2020).
Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT / Laboratório
Latitude e Enap.
Enap, 2021
Glossário......................................................................................... 24
Referências ..................................................................................... 25
Além disso, será abordada a proteção aos migrantes em situação de vulnerabilidade a partir da
proteção de direitos humanos, a proteção legal, a proteção física e a proteção social. O marco
internacional de direitos humanos e a legislação brasileira garantem aos migrantes uma série de
direitos que oferecem proteção nestes âmbitos. No entanto, pode ser um desafio considerável
encontrar respostas para a proteção de migrantes em situação de vulnerabilidade na prática.
É importante entender que o conceito de vulnerabilidade deve servir para promover a plena
realização dos direitos dessas pessoas e que o fato de uma pessoa se encontrar em uma situação
de vulnerabilidade não significa que ela seja inerentemente vulnerável.
Como explicam Carmo e Guizardi (2018), o conceito de vulnerabilidade se constrói nos sistemas
de saúde e assistência social no Brasil visando a consolidação dos direitos de cidadania:
Esse ponto é importante, pois muitos migrantes em situação de vulnerabilidade também podem
precisar de formas específicas de proteção legal, mesmo que não se encaixem na definição
de refugiado. Para dar apenas alguns exemplos, esse pode ser o caso das crianças migrantes
desacompanhadas ou separadas, das vítimas de tráfico de pessoas, ou dos sobreviventes de
tragédias ambientais.
Além disso, um migrante que tenha saído de seu país de origem sem nenhuma condição de
vulnerabilidade pode se tornar vulnerável no decorrer do percurso migratório ou mesmo quando
já se encontra no país de destino. Por sua vez, refugiados podem chegar ao país em situações
extremamente vulneráveis, relacionadas com múltiplos fatores, como a situação em seu país de
origem ou como consequência do que a pessoa possa ter sofrido ao estar exposta à perseguição
e a um ambiente de generalizada violação de direitos humanos.
O marco de proteção aos direitos humanos se aplica a todas as pessoas sem qualquer tipo de
discriminação. No entanto, no caso de migrantes em situação de vulnerabilidade, a aplicação
deste marco pode ser mais difícil de compreender e, em alguns casos, os fluxos de identificação
e referenciamento podem inclusive não existir (UN Secretary General Report A/70/59).
Ao analisar os fatores de vulnerabilidade, é importante lembrar que a análise da situação de
vulnerabilidade se faz de maneira individual, avaliando como os fatores interagem entre si
naquele determinado contexto.
Os fatores individuais são aqueles relacionados aos indivíduos, tais como seu status
socioeconômico, suas características emocionais, psicológicas e cognitivas individuais, suas
crenças e atitudes, sua história de vida e condições de saúde, assim como idade, sexo, raça,
identidade de gênero, orientação sexual, entre outros. Essas características são essenciais para a
compreensão da construção de situações de vulnerabilidade, assim como para o fortalecimento
das capacidades de resiliência dos indivíduos.
Eles não devem ser compreendidos de maneira isolada, pois alguns desses fatores podem ser
de risco ou protetivos de acordo com o contexto. Por exemplo, o domínio de certo idioma pode
ser um fator protetivo em contextos nos quais este idioma permite à pessoa se comunicar
plenamente e acessar serviços; a situação contrária pode ser um fator de risco, quando a pessoa
não consegue se comunicar.
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Por outro lado, alguns fatores geralmente são protetivos ou de risco em
praticamente todos os contextos. Um exemplo é a literacia (capacidade de
ler), que costuma ser um fator protetivo, enquanto o analfabetismo é quase
sempre um fator de risco.
Esses fatores se referem às circunstâncias familiares em que os indivíduos estão inseridos, tais
como o papel e a posição de cada um dos membros dentro da família, as histórias e experiências
familiares. As famílias são, muitas vezes, a primeira opção das pessoas quando precisam de
apoio, especialmente as crianças, os jovens e os idosos.
Todos os membros das famílias têm direitos, e a forma como estes são respeitados tanto dentro
da família quanto no contexto social em que se inserem afeta de maneira importante os riscos
aos quais os indivíduos estão expostos e a sua capacidade de construir resiliência.
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Assim, o contexto familiar pode incluir tanto fatores de risco quanto de proteção
contra a violência, a exploração e o abuso. A violência ou a desigualdade de
tratamento entre membros da família, por exemplo, são fatores de risco,
enquanto que um ambiente acolhedor e solidário e uma distribuição equitativa
de recursos são fatores de proteção. Outros exemplos de fatores relacionados
à família incluem o seu tamanho e a estrutura, históricos de violências, as
histórias migratórias, os meios de subsistência de que a família dispõe e as
dinâmicas entre os membros.
Por exemplo, se em uma comunidade os meninos e meninas têm acesso desigual à educação e
as meninas não podem estudar, então as meninas estão expostas a um fator de risco por conta
da falta de acesso à educação, mas, para os meninos no mesmo exemplo, o acesso à educação
é um fator protetivo.
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Alguns fatores de risco e de proteção podem se aplicar a todos os membros
de uma comunidade, de maneira que é a comunidade como um todo que
se torna mais ou menos vulnerável. Um exemplo é a exposição a fatores
ambientais, como enchentes, desertificação e contaminação ambiental, que
podem ameaçar as formas de vida e os meios de subsistência da comunidade
como um todo, além de resultar em experiências traumáticas.
Cada um dos membros de uma comunidade tem direitos, e a maneira como estes são respeitados
define como os fatores comunitários podem representar riscos ou proteção para os membros da
comunidade. Todas as comunidades têm uma combinação de fatores de risco e de proteção.
Esse conjunto de fatores se refere, de maneira ampla, às condições históricas, sociais, geográficas,
políticas, econômicas, sociais e culturais em diferentes níveis que conformam o ambiente nos
quais os indivíduos, as famílias e as comunidades estão inseridos.
Fatores estruturais, de forma geral, são relativamente estáveis e difíceis de alterar. Exemplos
desses fatores de risco incluem estruturas herdadas de um passado de colonização, a existência
de leis discriminatórias ou de um estado de direito frágil.
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Fatores protetivos podem incluir, por exemplo, uma sólida cultura de respeito
pelos direitos humanos, de manutenção da paz e políticas para a diminuição
das desigualdades sociais entre grupos.
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Assim, a presença de um fator de risco não implica automaticamente que o
imigrante estará em uma situação de vulnerabilidade. Muitas vezes, a situação
de vulnerabilidade é o produto da atuação simultânea de vários fatores de
risco, ao mesmo tempo em que os fatores protetivos são insuficientes.
Igualmente, mesmo quando existem múltiplos fatores de risco, a situação de
vulnerabilidade pode não vir a ocorrer devido à presença de vários fatores
protetivos que fortaleçam a capacidade de resiliência dos migrantes.
Os fatores que levam a uma situação de vulnerabilidade podem ocorrer ao longo de todo o ciclo
migratório. Esses fatores podem ser parte do que leva o migrante a sair do seu país de origem,
mas podem também ocorrer durante o trânsito e no destino.
Ao longo de todo este curso, fomos discutindo a multiplicidade de situações que estão relacionadas
à migração e os muitos motivos que levam as pessoas a migrar. Entre esses motivos, é importante
destacar que existem fatores que levam as pessoas a migrar porque elas estão impossibilitadas
de exercer plenamente os seus direitos nos seus países de origem ou de residência habitual.
Esses motivos podem ser muitos, como os desastres ambientais, as degradações ambientais e
as mudanças climáticas; a falta de acesso à educação e saúde; a discriminação por motivos de
gênero, raça ou orientação sexual; o recrutamento de crianças por parte de grupos armados,
entre muitos outros. Migrantes em situação de deslocamento forçado estão em maior risco de
sofrer violações de direitos humanos ao longo do seu ciclo migratório.
Nos trajetos utilizados pelos migrantes, outros fatores de risco podem emergir, principalmente
se os migrantes estão obrigados ou são induzidos a utilizar formas perigosas de transporte. Em
alguns casos, os migrantes fazem uso de “coiotes” para facilitar a sua travessia de fronteiras, que
podem vir a colocá-los em situações de grande perigo.
Alguns podem ser vitimizados por redes de tráfico de pessoas durante o trajeto. Podem também
enfrentar períodos sem acesso a condições adequadas de alimentação, água ou atendimento
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Alguns fatores de risco emergem no destino; situações que podem vir a causar
vulnerabilidades na comunidade de acolhida incluem a dificuldade no acesso à
documentação e à regularização migratória em geral, a xenofobia e o racismo,
obstáculos no acesso à justiça e a serviços básicos. As barreiras linguísticas
podem ser outro fator de risco importante, assim como a falta de locais de
referência onde buscar ajuda.
Apesar de a Lei Maria da Penha ser a referência mais conhecida no Brasil, a violência contra a
mulher não ocorre apenas no âmbito doméstico ou das relações íntimas. Ela ocorre toda vez que
uma violência é direcionada contra mulheres e meninas por causa do seu sexo.
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Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), “a violência contra
mulheres e meninas é uma das violações de direitos humanos mais prevalentes
no mundo. Ela não conhece barreiras sociais, econômicas ou nacionais”.
No contexto das migrações, a violência contra a mulher deve ser entendida de maneira transversal;
ela pode ser uma das motivações que levam mulheres e meninas a migrar, inclusive a buscar
proteção internacional como refugiadas.
A violência contra a mulher pode ocorrer também durante o trajeto: segundo o Migration Policy
Institute (2017), mais da metade das mulheres migrantes em algumas rotas migratórias relataram
ter sofrido violência sexual, e muitas delas adotam alguma estratégia anticoncepcional durante
o trajeto para evitar uma gravidez resultante de estupro. Na chegada ao destino, as mulheres
podem também estar expostas a esse tipo de violência.
+ Trabalho forçado
É aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador
não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente. Ocorre
quando a pessoa é coagida a trabalhar através do uso de violência ou intimidação,
física ou psicológica, ou até mesmo por meios mais sutis, como a servidão por dívidas,
a retenção de documentos de identidade ou ameaças de denúncia às autoridades
de imigração.
+ Jornada exaustiva
É toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão
ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador,
notadamente os relacionados à segurança, saúde, descanso e convívio familiar e
social. Ocorre em casos de expediente desgastante que supera as horas extras e
coloca em risco a integridade física do trabalhador, de maneira que o intervalo entre
jornadas é insuficiente para o descanso e recuperação.
+ Condição degradante
Caso haja suspeita de uma situação de exploração laboral, é possível denunciar e solicitar uma
fiscalização para avaliar a existência de irregularidades. A fiscalização deve ser solicitada à
Superintendência Regional do Trabalho. Denúncias podem ser feitas no Disque Direitos Humanos
– Disque 100 ou encaminhadas ao Ministério Público do Trabalho, de forma presencial ou on-line
no site: <https://mpt.mp.br/>.
No entanto, é muito importante compreender que o tráfico de pessoas não abarca apenas
situações de tráfico de mulheres e meninas para a exploração sexual – esta era a única situação
reconhecida pela lei brasileira como tráfico de pessoas até 2016, de maneira que por vezes ela
pode permanecer no imaginário social como a única situação associada ao tráfico de pessoas.
Na maioria das vezes, o aliciador não trabalha isoladamente, mas em uma rede que pode incluir
transportadores, fornecedores de documentação falsa, encobridores de lugares de exploração,
entre outros. Ao chegar ao lugar de destino, diferentes formas de exploração começam a operar
para impedir que a vítima consiga sair do lugar.
O crime quase nunca é percebido pelas vítimas, que frequentemente relatam o acontecido como
“má sorte” ou “desgraça”. Assim, é importante conhecer os elementos que caracterizam o tráfico
de pessoas para poder identificar narrativas que possam indicar essas situações.
O termo “proteção” costuma ser utilizado para “descrever as ações que têm como objetivo
manter a segurança e o bem-estar dos indivíduos, de acordo com os direitos reconhecidos (IOM
(2018); OHCHR e Global Migration Group (s. d.)).”
Essa proteção está codificada nos diversos instrumentos internacionais de direitos humanos,
assim como na legislação nacional relevante, mas pode encontrar obstáculos tais como a falta de
mecanismos de implementação adequados aos casos de migrantes vulneráveis, independente
da sua situação migratória.
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Os tipos de proteção importantes para migrantes em situação de vulnerabilidade
incluem a proteção de direitos humanos, a proteção legal, a proteção física, a
proteção social e a proteção humanitária.
A proteção dos direitos humanos é a obrigação dos Estados de respeitar, proteger e cumprir o
conjunto de direitos humanos. Portanto, consiste na obrigação de:
1. Respeitar os direitos humanos e não interferir com o pleno usufruto destes direitos
(por exemplo, banindo as práticas de detenção arbitrária ou expulsão coletiva,
entre outras);
2. Proteger todas as pessoas na sua jurisdição contra violações de direitos que possam
ser cometidas por indivíduos ou entes privados (por exemplo, combatendo o
trabalho escravo e tráfico de pessoas);
3. Cumprir as suas obrigações com respeito a estes direitos de maneira positiva, isto
é, implementando medidas para a plena realização dos direitos humanos.
A proteção física inclui as medidas para manter a integridade física das pessoas e dos seus bens,
prevenindo situações de dano ou perigo. Ela pode incluir, por exemplo, o abrigamento ou o
acesso a programas de proteção para vítimas de tráfico de pessoas, entre outros exemplos.
Já a proteção social inclui o apoio aos indivíduos, famílias e comunidades em questões relacionadas
ao seu bem-estar, prevenindo, gerindo e superando riscos nessa área. Busca reduzir a pobreza,
a exclusão social e a desigualdade. No Brasil, a seguridade social está descrita na Constituição e
não diferencia entre brasileiros e imigrantes, de maneira que os imigrantes podem acessar todos
os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (Capítulo II, art. 194).
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Pessoas que trabalham na assistência a migrantes têm um importante papel na
garantia da proteção a migrantes em situação de vulnerabilidade, em especial
a proteção social e física.
O enfoque nos direitos humanos dos imigrantes deve permear todos os aspectos
da assistência. Isto equivale a dizer que todas as ações realizadas no âmbito da
assistência devem se preocupar ativamente com a garantia dos direitos humanos
dos migrantes e tomar as precauções necessárias para que estes não sejam
desrespeitados ou colocados em segundo plano.
Os imigrantes que necessitem devem ter livre acesso aos serviços disponíveis. O
acesso aos serviços públicos é garantido pela Legislação Brasileira.
+ Autodeterminação e participação
+ Consentimento informado
+ Não discriminação
Por qualquer motivo, como sexo, raça, etnia, idade, nacionalidade, situação
migratória, tempo de estadia no país, entre outros.
+ Sensibilidade ao gênero
+ Tráfico de pessoas
+ Vulnerabilidade
Figures at a Glance. UNHCR - The UN Refugee Agency, 2019. Disponível em: http://www.unhcr.
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VIDAL, E. M.; TJADEN; J. D. Global Migration Indicators 2018. IOM, 2018. Disponível em: <https://
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