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Resumo Abstract
O consumo de substâncias psicoativas é hábito milenar, mas des- The consumption of psychoactive substances is an ancient habit,
de o século XIX, se observa um movimento proibicionista, que but since the 19th century, there has been a prohibitionist move-
tem papel hegemônico na questão das drogas e dita um controle ment, which has a hegemonic role in the issue of drugs and dicta-
social usando ferramental penal. A questão das drogas, sob um tes social control using criminal tools. The issue of drugs, under a
viés bélico e criminalizante, não traz efeito positivo esperado: a warlike and criminalizing bias, does not have the expected positive
erradicação ou diminuição do uso de drogas; e, ao contrário, traz effect: the eradication or reduction of drug use; and, on the contra-
malefícios como a marginalização do usuário, o cerceamento do ry, it brings harm such as the marginalization of the user, the res-
seu direito à saúde e de poder escolher pela aquisição de drogas triction of their right to health and of being able to choose by pur-
de melhor qualidade. A marginalização impacta, ainda, em seleti- chasing better quality drugs. Marginalization also has an impact on
vidade penal, onde, na sua maioria, homens, jovens e negros, são criminal selectivity, where, mostly, men, young people and blacks
parte de altos índices de encarceramento em razão de crimes re- people are part of high incarceration rates due to crimes related to
lacionados a delitos de drogas. Ainda se verificam relações entre drug crimes. There are still relationships between the phenomenon
o fenômeno da violência e sua articulação com as drogas. Como of violence and its articulation with drugs. As an alternative policy
política alternativa ao probicionismo, a Redução de Danos leva em to probationism, Harm Reduction takes into account the complexi-
consideração a complexidade do fenômeno e a multiplicidade de ty of the phenomenon and the multiplicity of variables, the indivi-
variáveis, a individualização do risco na cena do uso de drogas. Tal dualization of risk in the scene of drug use. Such a policy has hu-
política tem o direito humanitário como princípio basilar e consi- manitarian law as a basic principle and considers vulnerability as
dera a vulnerabilidade como critério de eleição para a adoção de the criterion of choice for the adoption of Harm Eeduction actions.
ações de Redução de Danos.
Keywords: Harm reduction; Prohibitionism; Drugs.
Palavras-chave:Redução de danos; Proibicionismo; Drogas.
Introdução
O
consumo de drogas e o conhecimento de
seus efeitos decorrem de hábitos milena-
I
Maurides de Melo Ribeiro (mauridesribeiro@uol.com.br) é advogado. Mes- res, sendo que “o limite do consumo, do
tre e Doutor em Direito Penal e Criminologia pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (FD-USP) e Pesquisador do Laboratório de Estu- hábito, do apego, da paixão e do vício é sempre
dos de Política e Criminologia (PolCrim) do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP). determinado pelo contexto particular de cada
II
Antonio Carlos Bellini Júnior (bellini@bellinijunior.com.br) é advogado. época e sociedade” (p.52)1.
Doutorando em Saúde Coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas da Uni-
versidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP) e Pesquisador do Labora- Durante o período das grandes navega-
tório de Análise Espacial de Dados Epidemiológicos (epiGeo) do DSC/FCM/
UNICAMP. ções, o que se inicia no século XVI, um grande
ser observada com o claro processo de seletivi- “a maior parcela da vitimização por intervenções
dade penal10. policiais, com 33,6% das vítimas neste extrato
O Levantamento Nacional de Informações etário” (p.61)11.
de Penitenciárias, no período de julho a dezembro Sobre essa relação da juventude e jovens pobres:
de 201910, informa – referente aos presos daque- ”As favelas e periferias urbanas pas-
le sistema - a quantidade de incidências por tipo sam a ocupar um lugar estratégico para
penal; no total foram 989.263 incidências, sen- o forte mercado de drogas, recrutando jo-
do que desta totalidade, 200.853 incidências es- vens pobres para o tráfico. As disputas por
tão relacionadas a delitos de drogas (20,28%). E, pontos de venda de drogas entre facções
destas incidências em tipos penais de drogas, os inimigas e o enfrentamento direto com a
homens representavam 183.077 casos e as mu- polícia agregaram ao mercado de drogas o
lheres os outros 17.506 casos. As informações mercado de armas, dando início a uma ver-
gerais acerca de toda a população prisional, por dadeira guerra civil que se encontra inseri-
faixa etária, mostra que jovens de 18 a 24 anos da num “ciclo global de guerras” (p.155)12.
são 23,29% de toda esta população e, de 25 a
Ainda decorrente dessa guerra às drogas,
29 anos, mais 21,5%; a somatória dessas duas
observa-se o fenômeno da violência e sua arti-
faixas de idade atingem 44,44% de toda popula-
culação com as drogas. Esse fenômeno é muito
ção carcerária no período averiguado. Quanto à
complexo13 e a “demonização do tráfico de dro-
composição dessa população prisional por raça-
gas fortaleceu os sistemas de controle social,
-cor, pardos compõe 328.108 presos, ou seja,
aprofundando seu caráter genocida” (p.135)14. E,
49,88% da população, e pretos são 110.611 pre-
essa violência, em suas diferentes vertentes, im-
sos (16,81%), compondo ambos a população ne-
pacta substancialmente no sistema de saúde:
gra, segundo a classificação adotada pelo IBGE
“Por ser um fenômeno sócio-histó-
que soma pretos e pardos, ainda que o levanta-
rico, a violência não é, em si, uma ques-
mento não se utilize desta terminologia, totalizam
tão de saúde pública e nem um problema
66,69% do total de pessoas encarceradas.
médico típico. Mas ela afeta fortemente a
Chama a atenção que, entre 2017 e 2018,
saúde: 1) provoca morte, lesões e traumas
no Brasil, foram analisadas 7.952 mortes por
físicos e um sem-número de agravos men-
intervenção policial. Ao se analisar o perfil das
tais, emocionais e espirituais; 2) diminui a
vítimas nesses casos, verifica-se que a sobrer-
qualidade de vida das pessoas e das co-
representação de determinados grupos sociais
letividades; 3) exige uma readequação da
é a mesma que aquela observada no aprisiona-
organização tradicional dos serviços de
mento: 99,26% das vítimas de letalidade policial
saúde; 4) coloca novos problemas para o
são do sexo masculino (mas só cerca de 48% da
atendimento médico preventivo ou curativo
população é deste sexo); o percentual de negros
e 5) evidencia a necessidade de uma atua-
mortos pela polícia é de 75,4% (mas só aproxima-
ção muito mais específica, interdisciplinar,
damente 55% da população brasileira é negra);
multiprofissional, intersetorial e engajada
e, por fim, jovens de até 29 anos representam
do setor, visando às necessidades dos ci-
78,5% das vítimas letais das intervenções poli-
dadãos” (p.45)15.
ciais, sendo que jovens entre 20 e 24 anos são
Redução de Danos: uma política pública danos a usuários” (p.116)16. Em Portugal, o Plano
alternativa - definição, principiologia e critério Nacional Estratégico 2005-2012 se assenta em
de adoção seis grandes eixos; o eixo que trata que cuida
da redução da demanda dá ênfase a cinco sub-
Como verificado, os impactos da política
-áreas, uma delas, a redução de riscos e danos
proibicionista são extensos e complexos, e, jus-
(p.128)16.
tamente por isso exigem uma discussão que não
pode, nem deve ser simplista ou rasa. O estudo aponta:
o pragmatismo das intervenções” (p.129)6. Essa 11. Bueno S, Forum Brasileiro de Segurança Pública. Aná-
é a política de Redução de Danos, que se mos- lise da letalidade policial no Brasil. Anuário brasileiro de
Segurança Pública 2019. São Paulo: Fórum Brasileiro de
tra como alternativa viável na “questão das dro-
Segurança Pública; 2019. 13:61-63. (on line). [acesso em:
gas”, já tendo sido adotada em diversos países, 25 set 2020]. Disponível em: https://www.forumseguran-
e que pode ser abordada com maior amplitude no ca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-2019-FI-
NAL_21.10.19.pdf
Brasil.