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Mais de oito horas dentro do jatinho de meu pai e nenhum dos três homens que me
acompanham abriu a boca para me dizer o motivo pelo qual eu estou indo embora. Eles
parecem quase não se mexer. Eu havia cochilado diversas vezes e, sempre que acordava
graças à pesadelos, eles estavam na mesma posição: sentados feito cães de guarda
prontos para atacar, não importando se estamos à mais de onze mil metros da cabeça de
qualquer inimigo.
— Xavier — chamei baixinho e apenas ele se virou para mim. Os outros dois não
esboçaram reação, mesmo que eu soubesse que haviam escutado. — Por que agora? —
questionei.
Os olhos verdes de Xavier eram escuros e sombrios, e o rosto insondável.
— Seu pai quer te dizer pessoalmente — foi a única resposta que obtive.
Apertei minhas mãos em punhos. Eu sou tomada da minha vida e não mereço sequer
satisfações? Fechei os olhos fortemente, desejando que tudo fosse um pesadelo e que eu
ainda estivesse em Londres, no pequeno quarto nos fundos do orfanato, prestes a me
levantar para fazer o café da manhã dos pequenos.
Luke. O nome do meu filho de coração ecoou na minha cabeça. Ele já teria levantado?
Já tinha descoberto que eu não estou mais lá? Que sua adorada tia Sel havia
desaparecido, assim como sua mãe e seu pai fizeram quando ele nasceu? Afundei meu
rosto em minhas mãos, deixando as lágrimas se derramarem. Eu não fraquejarei em frente
ao meu pai, não lhe darei o gosto de ver que eu sinto a dor da minha liberdade esvaída.
"Você pode ir, Serena", ele havia dito quando eu ainda tinha dezesseis anos e não
suportava mais viver rodeada de sangue, "mas voltará quando eu quiser. Não se esqueça
que você é um dos peões do meu jogo".
Salvatore Greco precisa de sua peça novamente. Verônica já não é o suficiente? Pela
primeira vez em meses me pego pensando novamente em minha irmã gêmea. Como é
possível que duas criaturas, as quais haviam nascido ao mesmo tempo e compartilhavam o
mesmo DNA, fossem tão diferentes? Enquanto eu imploro para desaparecer, Verônica
tenta se provar tão forte quanto qualquer soldado homem. Ela havia matado aos quinze
anos — um dos estopins para eu querer ir embora de Chicago —, e desde então
continuava tentando impressionar nosso pai, se mostrando uma alegre peça em seu
tabuleiro.
— O avião vai pousar, Serena — Xavier informou-me e eu me encolhi no banco,
agarrando-me aos meus últimos momentos de paz.
Meu pai é estratégico; me arrastar de volta a Chicago não é simplesmente um
capricho. Ele nunca faz nada pequeno e eu sei que o seu plano, mais uma vez, é
grandioso, minuciosamente calculado e que me envolve. Eu estremeci. Algo grande está
vindo em nossa direção.
O avião pousou. Estou de volta a minha casa, ri amarga com meu próprio
pensamento. Como o mar de sangue onde eu cresci pode ser chamado de casa? Meu pai
e minha irmã, as duas pessoas que eu mais deveria amar no mundo, estão obcecadas por
matar, roubar e fazer sofrer.
Não. Chicago definitivamente não é minha casa.
Quando o avião pousou eu cogitei fazer uma cena; me agarrar infantilmente ao banco
e não sair enquanto não obtivesse respostas, mas o olhar que Xavier me lançou ao
levantar-se me fez imitá-lo. Não existe espaço para que eu me manifeste contra o que quer
que esteja acontecendo.
Eu desci, me sentindo dura depois de tanto tempo de voo e vi atrás de mim os outros
dois homens e Xavier, que saíram como se tivessem se passado minutos e a viagem que
fizemos fosse de uma cidade para outra, não uma intercontinental.
Assisti eles se dividirem entre um sedan preto modesto e um blindado de luxo,
levando com eles as roupas que eu carregava. Xavier enfiou os sacos no banco do carona
e desapareceu no automóvel, sem olhar para trás. Eu queria ter pedido para que ele
parasse, que me devolvesse minhas coisas, minha única lembrança de que a vida que eu
tinha vivido e sido feliz ainda existia, que eu voltaria para ela. No entanto, eu não tive
forças para o fazer. Como discutir se o destino já parece ter sido traçado?
Me aproximei do automóvel de luxo, aceitando momentaneamente o que está
acontecendo. Escolhi guardar minha cena para quem realmente a merece. Vi uma figura
alta e forte imergir de dentro do carro.
— Serena! — disse Matteo, em um tom suave. O subchefe do meu pai e meu tio,
conhecido por monstro entre seus amigos e inimigos. Ele sorria para mim, fazendo com
que rugas quase paternais aparecessem nos cantos dos seus olhos, mas, ainda assim, sua
postura é contida e intimidante. Eu não confio nele. — Fico muito feliz que esteja em casa
novamente. As meninas sentiram sua falta.
— Como estão Sofia e Valentina? — questionei nervosa. Meu pai pode ser frio,
distante e manipulador, mas não é violento conosco. Tio Matteo não tem tanto controle, e
minhas primas sofrem em suas mãos. Mãos essas que tratam as duas com tanta
impiedade quanto trata a seus inimigos.
— Estão bem. Ambas se casaram, Sofi já espera um herdeiro — disse orgulho. Ele
tinha lábios tão doces para chamar Sofia que eu quase me esqueci de como seu rosto
ficava depois de uma surra que ele lhe dava. Quase.
Me surpreendi com suas palavras. Valen é da minha idade, vinte anos recém
completados, e Sofi tem somente um ano a mais. Estremeci. Eu sou grata por meu pai ser
egocêntrico nesse sentido. As tradições da máfia são claras para as mulheres: devem se
casar com quem seus familiares queiram, a fim de aumentar as conexões dentro da máfia.
Meu pai quer mostrar que ele está acima das regras e, de maneira intocável, ele mantém
uma das filhas como consigliere, enquanto a outra está longe da família, em outro país.
Scandalo. Eu quase consegui ouvir novamente os cochichos que escutei durante toda a
minha vida com relação a esse assunto.
— Por que meu pai me quer aqui? — perguntei e ele sorriu de maneira doce. Doce
como veneno deve ser.
— Isso é assunto entre vocês, eu apenas vim te buscar — respondeu-me, abrindo a
porta traseira do Mercedes preto.
Eu entrei e o couro gelado me fez arrepiar. Ainda usava somente o robe de seda, já
que tinha me sentido acuada demais para pedir a Xavier ou aos outros brutamontes que
tirassem uma muda de roupa dos sacos pretos para que eu pudesse me trocar. Mas, ao fim
das contas, me acostumar de novo com o frio de bancos de couro, com conversas regadas
por champanhe caro e ao sangue que lavava cada centavo que corria pelas mãos deles é
minha realidade novamente.
Tio Matteo se manteve em silêncio no banco ao lado do
motorista, que devia ser um dos guardas da Outfit.
Encostei minha cabeça no vidro e vi a cidade onde eu cresci
passar pelos meus olhos. Poucos minutos depois, com o balanço
suave do carro e o ronco ritmado do motor, adormeci.
— Serena... Serena — a voz de tio Matteo me fez despertar em um pulo. Meu coração
batia rápido e o suor frio escorria pelo meu rosto. — Você estava tendo um pesadelo —
sua voz pareceu acusatória e me fez encolher contra o banco.
Percebi que o carro estava parado e olhei para fora. Lá está, a grande casa dos meus
pesadelos. Respirei fundo e assisti a porta da frente se abrir. Verônica. Ela não é mais a
garotinha trêmula que tentava ser corajosa; agora, é tão assassina quanto nosso pai e o tio
Matteo. Não duvido que seja mais do que eles.
Eu não sai do carro mesmo depois dos homens saírem e pararem na calçada. Meu tio
cumprimentou Verônica, que apenas assentiu e caminhou até mim. Podemos ser gêmeas,
mas somos muito diferentes. Ela se parece uma modelo; os cabelos, que antes eram
castanhos como os meus, agora são tingidos de um vermelho quase ruivo, beirando sua
cintura. Suas pernas parecem mais longas e seu andar exala poder, enquanto eu sou
apenas uma massa amedrontada espremida dentro do carro.
Vi ela abrir a porta e abaixar-se elegantemente, dando um sorriso que não chegava
aos olhos.
— Bem-vinda de volta, Serena — sua voz era tranquila e relaxada.
Os jogos estão começando.
DOIS
A casa está exatamente como eu me lembro, e ainda tem todo o requinte e frieza que
se espera do lar do Capo da Outfit. O lugar onde Verônica e eu crescemos sem mãe e com
um pai ausente. O lugar de onde eu consegui sair aos dezesseis anos e prometi nunca
mais voltar.
— Serena, como é bom ver você — disse meu pai. Ele está mais grisalho, mas sua
voz ainda é rouca e macia como uma lâmina cortante sob o veludo. Suave, porém mortal.
Verônica e eu temos algumas semelhanças com ele; os cabelos castanhos escuros, que
minha irmã acabou por tingir, e os mesmos olhos verdes.
Ele me olhou de cima a abaixo e franziu os lábios. Olhei para as minhas vestes, não
vendo nada além da camisola e o robe que eu coloquei ao sair às pressas de Londres.
— Desculpe não ter me vestido melhor — resmunguei e ele voltou-se para meu rosto,
rindo.
— Teremos tempo para que você fique apresentável novamente. Sua estadia naquele
orfanato não te fez bem.
Na “nossa” vida, a aparência é algo essencial. Devemos estar sempre impecáveis,
reluzentes e parecendo imbatíveis. Eu e Verônica crescemos tendo a perfeição como única
linha de chegada, mesmo que fôssemos pontos fora da curva. Isso significa que não
precisamos ser bonecas de porcelana expostas na vitrine enquanto esperamos que nosso
pai escolha alguém para casarmos, porém, precisamos manter a imagem perfeita.
No entanto, nos últimos quatro anos, eu havia vivido como Serena Sloan. Apenas uma
jovem simples que morava nos fundos do orfanato onde trabalhava. Nada de Louis Vuitton,
seda ou sangue inocente molhando minhas mãos. Minha aparência não é perfeita como o
esperado; o cabelo não chega nos ombros, apesar de já ter perdido o corte há muito
tempo, e meu corpo ainda é magro, mas está longe da academia.
— Talvez eu não queira ficar apresentável novamente — enfrentei-o, mas ao invés de
se zangar, Salvatore Greco simplesmente riu e foi seguido por Verônica, que está às
minhas costas. — Eu quero saber os motivos pelos quais estou aqui — exigi, com voz
firme.
— Porque aqui é a sua casa, Sel — dessa vez, minha irmã respondeu. Não havia
sentimentalismo em sua voz, seu tom tão frio e tão cheio de estratégias quanto o do meu
pai. — Essa é você, uma integrante da máfia.
— Eu tenho uma vida, uma vida da qual vocês me arrancaram. Eu preciso de
respostas! — falei, querendo soar firme, mas pareci muito mais implorar do que qualquer
coisa.
— Tudo vai ficar bem — Verônica me prometeu, mas eu sei que não posso confiar em
suas palavras. — Não existem motivos para você se estressar agora, imagino que a
viagem tenha sido exaustiva. Por que não sobe e toma um banho? Tenho certeza que isso
vai te fazer bem.
O cansaço repentinamente me abateu. Eu fui retirada da minha casa no meio da noite,
me mantido em um estado dividido entre a absoluta vigilância e pesadelos durante o sono.
Meus olhos pareceram mais pesados do que foram em qualquer momento.
Vendo meu estado, meu pai sorriu. Ele me considera fraca.
— Vamos, um banho não vai fazer mal — Verônica sinalizou, colocando sua mão na
base da minha coluna e me conduzindo escadas acima. Não protestei, me deixando ser
guiada por seu toque que um dia foi acolhedor.
Talvez eles estejam certos sobre a fraqueza.
O meu quarto ainda é como eu me lembro. Todas as minhas coisas ainda estão no
lugar da minha adolescência, e ele é o único espaço que chega perto de me pertencer no
mundo da Outfit. As paredes permaneceram em um tom creme conhecido, meus livros
ainda estão espalhados pelas estantes e as poucas fotos que eu tenho ainda estão no
lugar; algumas minhas e de Verônica quando criança, algumas onde eu estava com minhas
primas e outras que eu havia tirado quando fotografia ainda era um hobby que eu gostava
de cultivar.
— Está tudo como você deixou, Sel — Verônica falou.
— Ou vocês simplesmente desempacotaram do sótão quando resolveram me tirar de
Londres — resmunguei e ela riu.
— Você vai encontrar roupas limpas e novas nos armários, as que você tinha aos
dezesseis não cabem mais. Eu mesma comprei pessoalmente o que achei que seria bom
— ela me informou e eu fui em direção ao primeiro armário, dando de cara com uma série
de peças brilhantes e caras quando abri as portas. Franzi o cenho com o desgosto. Mesmo
tendo convivido comigo por dezesseis anos, Verônica simplesmente não sabe qual é o meu
estilo.
— Eu não vou me vestir como uma princesa sadomasoquista só porque você se veste
assim — me virei para ela. Verônica e sua postura de badgirl podem combinar com todo o
couro e lantejoulas, mas eu, definitivamente, não.
— Você é uma princesa da máfia, Serena, está na hora de se portar como uma.
— De repente, eu virei uma peça importante no jogo? — questionei acidamente e ela
caminhou em minha direção. A maquiagem escura e a trança undercut no cabelo
avermelhado lhe dão uma aparência maléfica que quase me fez recuar. Se eu não visse
aquele rosto todos os dias no espelho, ela pareceria uma completa estranha para mim.
— Você sempre foi uma peça importante — após falar, olhando em meus olhos, ela
abriu uma pequena gaveta no armário. Nela estavam as calças jeans, camisas de malha e
moletons. — Só que agora você é crucial — tirou uma muda de roupas da gaveta para mim
e me entregou. — Vista isso, e se papai encrencar, diga que trouxe elas com você.
Verônica saiu do quarto e eu olhei para as roupas. Obviamente são caras, mas ela
pareceu se lembrar dos meus gostos ao escolhê-las para mim. Por um momento, apenas
por uma fração de segundos, ela pode ter se importado em... Não. Eu conheço os dois o
suficiente para saber que eles não se importam de verdade, apenas querem que eu
acreditasse nisso. Eu conheço sua maneira de agir, de me manipular. Isso é parte do jogo.
Afastei a onda de emoção que ameaçou me tomar e me encaminhei para o banheiro.
Mais tarde, depois de um banho e de dormir mais um pouco, fiquei cansada de me
esconder no quarto e saí pela casa, em busca de respostas. Se eu bem conheço a rotina
desse lugar, meu pai está no escritório e Verônica, agora como consigliere, também está
com ele. Ela não precisa mais se esgueirar atrás da porta para ouvir conversas com o
objetivo de fazer comentários inteligentes mais tarde. Agora, esse mundo é tão da minha
irmã quanto é do meu pai.
Não me preocupei em bater como teria feito anos antes, simplesmente abri a porta. O
lugar ainda é exatamente como eu me lembro das poucas memórias que tenho: paredes
cobertas de livros e madeira escura e cara em todos os móveis. Meu pai estava sentado na
grande poltrona atrás da mesa, enquanto Verônica servia-se de Whisky caro.
— Fico feliz que tenha acordado. Está com fome? Posso pedir a Rosa para fazer algo
para você comer — disse meu pai, com tom irônico. Ele sabe que eu não estou atrás dele
para pedir a uma das empregadas que faça algo para mim.
— Quero saber ao certo o motivo pelo qual estou aqui — fui incisiva, fechando a porta
atrás de mim. Ouvi a risadinha abafada de Verônica, graças ao drink que ela bebia. Ela
revirou os olhos e balançou a cabeça negativamente, desaprovando minha reação. É
impressionante como ela pode parecer ser cuidadosa ao comprar roupas para mim, como
se eu importasse para ela, mas na frente do nosso pai seja simplesmente uma cadela que
acata suas ordens e me trata como pária.
— Vejo que as roupas que Verônica comprou para você não lhe agradaram — minha
paciência estava começando a se esvair com as respostas que eu não pedia. Mas conheço
os jogos do meu pai, e se bem me lembro, ele quer me empurrar para ver até onde eu
consigo ir sem enlouquecer. A resposta é: não muito longe.
— Por que? — minha voz subiu uma oitava e se tornou estridente, raivosa. Verônica
pousou o copo que bebia na mesa e voltou a me olhar; dessa vez, ela parecia ter raiva.
Minha irmã defende o nosso pai com unhas e dentes. Gritar com ele parece um pecado
mortal.
— Você e sua irmã são minhas peças — ele disse, simplista, e eu endureci. Enquanto
isso, Verônica parecia absolutamente confortável, até orgulhosa, em ser uma peça. — E
estava na hora de você retornar ao jogo.
— Eu nunca estive no jogo e nunca vou estar, porque vivo a vida real e não um jogo
estúpido — vociferei e ele me ignorou.
— Os Bellini de Las Vegas estão mais fortes do que nunca — meu pai se levantou de
sua cadeira e foi em direção a janela, olhando rapidamente para fora. A forma como ele
disse o nome da família rival foi jocosa. — Lorenzo caiu, foi morto pelos próprios filhos, um
fim justo para aquele bastardo. No entanto, os filhos são mais nojentos do que ele.
Uma interrogação se formou em minha testa. O que eu tenho a ver com isso?
— Eles estão mais fortes, um exército de homens feitos maiores do que nunca. Las
Vegas está lucrando alto sob a liderança daqueles três filhos da puta — meu pai é sempre
controlado, e sua raiva aparente me deixou um tanto chocada. — A Outfit é forte, mia
principessa, não se deixe enganar. Mas está na hora de escolhermos nossos aliados e os
Bellini são quem escolhemos. No entanto, simplesmente lhes dizer que estamos ao lado
deles não seria forte o suficiente, então vamos unir as famílias — sua voz estava ainda
mais enojada.
Eu não consegui entender o que ele estava falando, não faz o menor sentido para
mim. Como eu posso me interessar por quem comanda Las Vegas ou com quem a Outfit
se alia? Eu estou fora a anos, e mesmo antes disso, nunca tive interesse no que eles
estavam fazendo.
— A maioria das moças de grande escalão são muito jovens ou já estão casadas.
Valentina e Sofia, por exemplo. Mas sua irmã por outro lado está aqui, jovem, saudável e
desimpedida — eu estou aqui para o casamento de Verônica com um dos Bellini? Meu
queixo caiu e eu soltei um arfar surpreso. Meu pai está dando sua consigliere para os
Bellini? — No entanto... — ele parou.
Paralisei ao imaginar onde suas palavras chegariam. O sangue se esvaia do meu
rosto à medida que seu silêncio aumentava.
— Sua irmã é minha consigliere, mais importante para a Outfit que seu tio Matteo. Eu
não poderia dar aos canalhas minha maior peça assim, de mão beijada...
Absoluto silêncio. Verônica estava envaidecida no canto da sala, mas seu olhar era
fixo em mim. Senti algo molhando meu queixo e demorei alguns segundo para perceber
que lágrimas de desespero brotaram dos meus olhos.
— Então você vai lhes dar uma peça de menor importância — sussurrei, terminando
sua linha de pensamento.
— Não, querida. Vou lhe dar a minha outra maior peça, mas que até o momento não
me era de serventia. Você era uma dama fora do tabuleiro que está de volta, e é tão
importante quanto sua irmã.
— O que você vai fazer? — perguntei, ainda em lágrimas. — Vai colocar uma peruca
na minha cabeça e pedir para que eu me comporte como uma assassina? Somos gêmeas
idênticas e vai passar despercebido, não é? — questionei ironicamente e meu pai riu como
se eu lhe contasse uma piada, e não que eu estivesse absolutamente enojada com sua
postura.
— Ela não é um triunfo, Verônica? — ele ainda ria, se aproximando de mim e tocando
meu rosto. — Aposto que Edward adorará sua boca esperta — uma ameaça. A fama dos
Bellini os precede, são monstros sem coração e sem princípios, tão mortais quanto os
próprios da Outfit. — Eu prometi ao Bellini a filha do Capo e é isso que darei a ele. Em
momento algum prometi Verônica.
Me vi em choque, completamente mortalizada com suas palavras. Meu pai está me
dado a um homem que eu não conheço, assim como todos os outros soldados da máfia
fazem. O discurso de que as filhas do Capo são pontos fora da curva é apenas uma
mentira para aumentar o ego de Salvatore Greco, pois eu sou tão descartável quanto a
filha de qualquer um dos Homens Feitos.
— Eles virão aqui amanhã à noite para lhe conhecer. Garanta que você estará vestida
adequadamente, como uma Greco e não como uma Sloan — ele disse meu sobrenome
falso com tanto desdém quanto dizia o dos Bellini. — Mantenha sua cabeça erguida e seja
o troféu perfeito para Edward Bellini exibir por onde ele quiser.
Meu estômago embrulhou, e eu não posso mais olhar para os dois. Enxuguei minhas
lágrimas, ergui meu rosto e sai do escritório, batendo a porta. Eu farei algo.
Estacionei a poucos passos da porta quando percebi que ainda podia ouvir sua
tranquila conversa de como ele acabará com a minha vida de uma vez por todas.
— Edward ficará irado com sua proposta, Serena não pode piorar isso com suas
emoções — Verônica externou seus pensamentos e eu quis poder agarrar seu pescoço
magro.
— Deixe. Isso só vai fazer com que Edward a veja como fraca e queira nos quebrar
por intermédio dela.
— O que você quer dizer?
— Ele vai pensar que sua irmã será tão fundamental para nos derrubar quanto você
seria, mas tudo que receberá será uma garotinha medrosa — cerrei minha mão em punhos
e voltei a caminhar. — E se ela sabe o que é bom para ela, vai se manter firme nisso.
Serena sabe que nenhum de nós está brincando — meu pai pontuou, com o tom de voz de
Capo, pronto para aniquilar. Ele não será contrariado.
Incapaz de continuar ouvido, corri de volta para meu quarto.
TRÊS
— Você está linda — a voz da minha irmã soou atrás de mim, mas eu não me virei.
Continuei olhando para o espelho da penteadeira, não reconhecendo a imagem diante
dele. Há 72 horas eu vestia jeans e uma camiseta pintada manualmente pelas crianças do
orfanato. Agora, eu uso um vestido navy azul marinho e de seda cara. Sou eu, o cabelo
castanho, os traços finos e os olhos verdes, mas ao mesmo tempo não sou.
Ouvi os passos de Verônica atrás de mim e fechei os olhos. Ela está tão envolvida
quanto meu pai, se não mais, na verdade. Minha irmã se culpa por não ser o filho homem,
o soldado leal que todos os Capos sempre sonham, e se concentra fortemente em tentar
compensar o fato de ser mulher. Isso a torna ainda mais impiedosa do que um homem
seria.
— Verônica... — sussurrei, humilhada por ter que implorar. — Não me deixe fazer isso,
por favor.
— Sel — ela sentou ao meu lado na cadeira e eu abri os olhos para ver a imagem de
nós duas refletidas. — Você tem que estar feliz, seu casamento representará paz entre
Outfit e a Cosa Nostra — ela informou.
Olhei para nós duas no espelho. Sua maquiagem está carregada, o cabelo
parcialmente preso numa trança lateral enquanto o resto cai em ondas arruivadas. O
decote do vestido de veludo preto é sinuoso, e eu tenho certeza que suas costas são nuas.
Estamos realmente diferentes, mas mais do que diferenças físicas, Verônica e eu não
temos mais os mesmos olhos. Os dela contém um estranho fogo.
— Eu não pedi para fazer parte disso, Verônica — eu murmurei e ela sorriu.
— Então é uma honra que faça — minha irmã se levantou. — Vamos descer, eles
devem estar quase chegando.
Me levantei meio dura. A máfia é implacável, e pouco importa o fato de eu não
consentir o casamento. Foi assim com minha mãe, com minha avó e com tantas outras
mulheres — se não todas — da Outfit. O fato de que meu pai nos trataria diferente delas
sempre pareceu uma proteção para isso, mas eu sou tão prisioneira quanto qualquer outra
boneca de porcelana, filha dos capitães.
Olhei para Verônica e uma onda irracional de pena me correu. Quando ela perceberá
que é tão dispensável quanto qualquer uma de nós?
Saímos do quarto e descemos as escadas. Verônica — já acostumada com os saltos
— pareceu uma modelo, deixando para trás o vestido esvoaçante. Eu tentava me
equilibrar, segurando-me fortemente ao corrimão. Talvez Edward Bellini perceba a furada
que está se metendo ao me ver. Ele pensa que ganhará uma princesa da guerra,
assassina voraz e inimiga feroz e acabará tendo a mim, uma moça completamente
mundana e que passou a adolescência se escondendo nos fundos de um orfanato ao invés
de aproveitar a liberdade.
— Minhas queridas, vocês estão lindas — meu pai nos cumprimentou e tio Matteo
sorriu ao seu lado.
Verônica se colocou ao lado esquerdo de nosso pai. A profana trindade da Outfit,
minha própria família, sangue do meu sangue, são os meus maiores inimigos no momento.
— Seu futuro marido deve estar quase chegando aqui, Serena — meu pai informou
dando um gole no Whisky. — Só queríamos repassar nossa conversa.
— Você será grata e feliz pelo casamento — minha irmã orientou. — Vai se portar
como uma perfeita dama e não retrucará nada que nenhum de nós ou eles lhe disserem.
— Talvez ele pareça... decepcionado — tio Matteo sorriu para mim, continuando o
discurso. Ele me amedronta mais do que meu pai e irmã quando as imagens surradas de
Val e Sofí aparecem na minha mente. Contive um tremor. — Sorria, faça com que ele não
tenha motivos para questionar a escolha de seu pai.
Mantive meu rosto impassível, por mais que o asco me dominasse. Eles só não me
mandam ajoelhar e lamber seus pés dele porque provavelmente isso já será algo comum
no futuro do meu casamento. Eu odeio essa vida, odeio com todo o meu coração.
— Não comente sobre suas promiscuidades londrinas. Eles sabem que você esteve
fora, mas quero realmente parecer estar lhes dando uma virgem — meu pai informou com
a voz tranquila, e foi demais para mim. Senti o calor subindo pelo meu pescoço e apertei
minhas mãos em punho, desejando realmente ter sido promiscua em Londres. Mas eu não
direi nada, não darei a ele o gosto de saber que está, de fato, entregando uma virgem em
sacrifício. — Se fizer tudo que mandamos, nenhuma de suas crianças sofrerá as
consequências.
Minha boca se abriu em choque e eu os olhei, atordoada.
— Temos um franco atirador agora posicionado em frente ao orfanato e ele estará lá
por uns bons meses, um passo em falso e as crianças sofrerão as consequências de seus
atos impensados — tio Matteo falava aquilo tão tranquilamente que fez meu estômago
revirar. Senti meus olhos lacrimejarem.
— Não pense que eu não confio em você, Serena. Realmente acredito que você fará
um ótimo trabalho como noiva e esposa, mas tenho que garantir que o fará. Como Capo, a
minha simples crença não vale. Você nunca me fez um juramento de sangue como seu tio
ou irmã, mas vai haver sangue se você quebrar sua promessa.
Eu não consegui me mexer. Meu pai ameaçou crianças inocentes, as minhas crianças.
A vida delas será o preço de qualquer movimento de revolta que eu fizer. A vida de Luke.
Engoli seco e tentei expulsar a emoção e fraqueza do meu rosto, mas eu não sou um
monstro frio como eles.
Eu não tenho aliados na vida. A Outfit é minha inimiga e os Bellini também. Eu lutarei
sozinha e sem armas.
Essa é a última vez que sou ameaçada, prometi para mim
mesma.
— Coloque um sorriso no rosto, Serena — ouvi a voz de meu pai e vi o seu sorriso em
seguida. Ele bebeu mais um gole se seu Whisky, despreocupado. Eu não mudei minha
expressão.
Assisti Verônica tombar a cabeça levemente para o lado e tocar a orelha sob o
emaranhado de cabelo.
— Eles já estão dentro da propriedade — minha irmã afirmou, provavelmente
recebendo a informação em um ponto eletrônico.
Eu pisquei algumas vezes, tentando me libertar da paralisia.
— Posso contar com você sendo uma anfitriã agradável, Sel? — meu pai questionou e
eu engoli o palavrão que tinha preparado para ele. Apenas assenti positivamente. —Então
vá para a sala e espere até ser chamada.
Eu fiz. Caminhei da luxuosa antessala para a sala dita por ele e me sentei no sofá,
olhando para minhas próprias mãos.
— Eu vou sobreviver — murmurei para mim mesma. — Por mim, por Luke e pelas
crianças. Eu irei sobreviver — transformei isso em meu mantra. Mesmo que viver seja
impossível em um casamento com um dos Bellini, eu sobreviverei. Manterei meus pulmões
cheios de ar e sangue escorrendo em minhas veias.
Eu sobreviverei.
QUATRO
— Será que o velho desconfia que nós sabemos sobre a garota? — George perguntou
enquanto bebia um gole de whisky. Ele gosta muito mais das bebidas de Las Vegas, mas
se contenta com o que temos à disposição no hotel.
— Ele é petulante demais para imaginar que nós, a Bratva e os mexicanos estivemos
tão conscientes dos passos da menina quanto ele. Provavelmente quer que nós façamos
uma cena por descobrirmos que ele nos dará Serena ao invés de Verônica.
— Devíamos meter uma bala na cabeça dele por tentar nos enganar tão
descaradamente — ele se levantou, olhando por cima do ombro para meu reflexo no
espelho, onde eu ajeitava meu blazer.
George só tem um jeito de resolver as coisas: com muito sangue. Cumpre sua função
de Executor melhor que qualquer um, mas não tem muito tato para a diplomacia, por assim
dizer. Seu instinto para o assassinato é infalível; conhece todas as técnicas, todos os
métodos, mas se eu ouvisse os conselhos dele ao invés dos conselhos de Thomas,
provavelmente estaríamos em guerra com o mundo inteiro.
— Só poderíamos puni-lo se não soubéssemos exatamente o que ele estava fazendo
— falei, dando o nó na minha gravata. — Ele acha que nos têm presos em seu jogo, mas
ele é quem está no nosso. Não é estratégico ser o primeiro a atacar e ele fez isso.
— Ele está tentando nos enganar, não sabemos qual é o fim disso, mas sabemos que
ele tentou.
— Precisamos daquelas rotas, George — me virei para olhar meu irmão, que estava
de braços cruzados e com uma carranca assassina. — A Outfit cairá, mas será dentro do
meu jogo. Se começarmos uma guerra agora, matando o Capo em seu próprio território,
não sairíamos vivos daqui e provavelmente perderíamos território. Tudo será nosso, irmão,
mas no tempo certo. Não cairemos no que Salvatore está fazendo.
George me olhou por alguns segundos, mas depois um sorriso torcido que
amedrontaria qualquer um se formou em seus lábios e ele deu uma gargalhada sádica.
— Eu matarei todos os Greco quando a hora chegar. Mas até lá vou me contentar com
a merda do seu plano que envolve casamento ao invés de sangue.
Lhe lancei um pequeno sorriso. Eu sei que George cumpre suas promessas, e se ele
prometeu fazer a Outfit sangrar eu posso considerar isso como feito.
— Bem, você não vai poder me fazer um viúvo — falei ironicamente e ele deu uma
gargalhada. Não é a porra de um casamento por amor; a garota Greco, Serena, representa
apenas um dos caminhos para a tomada da Outfit. Mas, a partir do momento que se tornar
oficialmente minha, ela não será mais parte da Outfit, e sim dos Bellini. Eu não me importo
com ela; provavelmente com algum tempo eu a mandarei para uma temporada da Europa
e um cartão de credito ilimitado fará as honras em meu lugar. Considerando o mundo que
vivemos, sei que essa será uma boa opção.
— Se ela for gostosa como a irmã, você terá tirado a sorte grande — revirei os olhos.
George parece só conseguir pensar em duas coisas: morte e mulheres.
Eu realmente não me importo com Serena Greco. Ela pode ter seios de quinhentos
mls ou pés de pato, não é como se eu fosse me casar com ela para qualquer coisa que
não seja firmar a conexão com a Outfit. Mas eu não posso negar que estou intrigado. Pelos
relatórios, ela havia saído de Chicago para Londres com dezesseis, mas nada de festas
inglesas pesadas ou escândalos, Serena conciliou seus estudos com trabalho voluntário
em tempo quase integral em um orfanato. Eu estou curioso para saber o que essa mistura
de sangue Greco com obras de caridade fez.
Eu nunca tinha pensando em ter uma esposa troféu, mas tê-la de repente parece... Eu
ainda não sei como me sentir com isso.
George dirigiu por Chicago deixando bem claro seu descontento por Illinois. A Outfit
fez as cidades do estado crescerem, mas o apego que eles têm com as raízes italianas é
claro. Nós de Las Vegas ainda andamos sob as leis da Cosa Nostra, os nossos juramentos
ainda são os clássicos e nossa estrutura é a de nossos antepassados, mas fazemos o
nosso próprio jogo. Mantemos o sobrenome Bellini causando medo nas ruas e derramando
sangue, mas temos conexões refinadas em universidades e empresas de tecnologia e de
transporte.
Já estávamos na propriedade dos Greco quando comecei a fantasiar tudo que
poderíamos fazer. Quando a Outfit cair, Chicago será Las Vegas à beira mar.
— O bastardo pelo menos tem bom gosto — George reconheceu ao ver a mansão
enorme e ostentosa, em estilo italiano clássico e no meio de um condomínio onde vive o
governador. Tudo grita o que existe de mais estereotipado na máfia.
— Essa casa será sua quando tomarmos Chicago — prometi e ele me lançou um de
seus sorrisos selvagens.
Saímos do carro e caminhamos até a porta da propriedade. Eu não podia ver os
guardas em nenhum lugar, mas sabia que eles estavam nos limites da escuridão da noite.
— Quase consigo sentir as miras em mim — George respirou fundo, parecendo se
deleitar.
— Paciência, George — eu murmurei em um sorriso.
A empregada magra e de olhos assustados abriu a porta. Ela estava trêmula, e
apenas indicou nosso caminho pelo hall de entrada antes de desaparecer. Contive a
vontade de revirar os olhos. A Outfit ainda não havia aprendido que os covardes não têm
lugar na máfia, nem nas posições mais simplórios.
— Edward, George... — a voz de Salvatore Greco nos saudou. Ele estava ladeado por
Matteo e Verônica Greco, Capitão e Consigliere, respectivamente. — A última vez que os vi
ainda eram meninos e agora são Capo e Executor. É uma grande mudança.
Lorenzo já havia nos levado para encontrar Salvatore na época da primeira vez que
Cosa Nostra e Outfit tentaram uma aproximação. Provavelmente nosso pai fez isso
querendo que fôssemos eliminados ali. Desde esse tempo, Salvatore nos olha com tanto
desprezo quanto o nosso pai. Um sorriso mínimo surgiu em meus lábios. Eu tenho certeza
de que, mesmo em nosso primeiro encontro, eu posso matá-lo facilmente.
— Desde aquela época sabíamos que esses eram nossos lugares — falei, dando de
ombros. Nosso último encontro com Salvatore tinha sido quando eu tinha doze, e o plano
de derrubar nosso pai já estava em progresso.
Matteo sorriu. Como Chefe de Chicago ele é o responsável por manter o contato
conosco, e a morte de nosso pai foi um deleite para ele.
— Mas não estamos aqui para falar de nossos postos, não é mesmo? — George
disse, olhando unicamente para Verônica. Contive a vontade de revirar os olhos. É claro
que ele já está pensando em tê-la de joelhos.
— Sim, estamos aqui para unir nossas famílias — Salvatore falou brandamente,
enquanto erguia seu copo de whisky. Eu fantasiei formas possíveis de como esmagar o
vidro contra seu rosto para fazê-lo sangrar.
— Onde está minha noiva, a amável Serena? — eu questionei.
Salvatore trincou o maxilar. Verônica e Matteo também não conseguiram conter o ódio.
Os Greco se acham muito inteligentes. Eles esperavam uma cena, esperavam trazer a
garota e nos ver ficando irados, pois talvez tivessem a oportunidade de disparar alguns
tiros em nossa direção, afinal de contas, estamos em seu território. Porém, não
perderemos o controle, porque temos o jogo em nossas mãos. Conseguimos prever seus
passos miseráveis antes mesmo deles pensarem nos próximos movimentos.
— Vou chamá-la — disse Verônica, saindo pela porta de maneira elegante.
Se eu já não tivesse visto por mim mesmo os corpos de seus inimigos mutilados, teria
certeza de que ela é uma das principesse da máfia. Não houve outra como Verônica em
toda a história. Ela é a primeira mulher a ocupar qualquer espaço dentro de uma
organização, porque mesmo entre os postos mais baixos, nunca houve uma soldada. Eu a
odeio tanto quanto odeio seu pai, mas vê-la é realmente intrigante. Diferentemente de
todas as outras mulheres da máfia, Verônica não está destinada ao casamento forçado
para aumentar ligações. Me encontrei curioso para saber como, no contexto em que sua
irmã é uma assassina lendária, minha futura noiva se sairia.
— Serena é com certeza um dos meus triunfos. Uma mulher humilde, tranquila,
compassiva. A esposa perfeita para um Bellini — foi a minha vez de trincar os dentes,
sabendo exatamente do que se tratava seu comentário.
Salvatore Greco não apontou as características boas de sua filha, ele estava
comparando-a à minha mãe, fazendo referência ao casamento de Lorenzo e Anna. Se meu
pai era violento e brutal comigo e meus irmãos, o que ele fazia com minha mãe era
destinado igualmente a seus piores inimigos, e agora Salvatore está sugerindo que eu faça
o mesmo com sua própria filha por ela ter a personalidade doce de minha mãe.
Se eu puxasse a faca presa no coldre em meu peito,
conseguiria derrubá-lo e cravar em sua jugular em segundos. Ele
sangraria como um porco, engasgaria com seu próprio sangue.
Matteo provavelmente tentaria me atacar, mas eu já teria George
imobilizando-o...
— Exatamente — foi tudo que eu respondi, e ele deu um sorriso que não chegou aos
olhos. A raiva também o consumia.
Eu estava imaginando formas de acabar com Salvatore e fazê-lo se arrepender de
suas palavras quando ela apareceu.
Serena veio logo atrás de sua irmã e se não fosse pela extrema semelhança entre ela
e sua gêmea, eu nunca imaginaria que elas eram irmãs. No lugar onde Verônica parece
confiante e letal, Serena está encolhida e frágil. Um cordeiro caminhando em direção ao
abate. Tudo nela grita vulnerabilidade. No entanto, quando ela ergueu o rosto e se fixou em
mim, vi em sua expressão resigno e valentia. Há algo inocente e ao mesmo tempo decidido
em seu olhar; é toda a fúria de um tigre presa ao corpo de um filhote de gato. Contive um
sorriso.
Ela usava um modesto vestido azul que não abraçava as curvas que eu sabia estarem
escondidas ali, mas ainda assim seu corpo é proporcionalmente delicioso. O rosto é
tranquilo e de uma beleza gritante. Eu sempre preferi as loiras, mas existe algo... acolhedor
na forma como os cabelos curtos e castanhos dela parecem emoldurar o rosto pálido.
Serena Greco é linda, a beleza sem nenhuma interferência de maquiagens carregadas
como a irmã. É como um anjo.
— Edward, essa é a minha filha Serena Greco, a sua futura esposa — Salvatore
apontou e ela apertou os punhos, mantendo o rosto impassível.
O jogo acabou de se tornar mais interessante.
CINCO
— Chegou a sua hora, Serena — Verônica chamou da porta e eu dei um pulo do sofá.
Senti o sangue deixar o meu rosto e imediatamente meu estômago revirou. Minha irmã
pareceu estar com raiva demais para dizer qualquer palavra de conforto e só saiu, como
uma modelo. Eu entendi que era a deixa para segui-la.
Caminhei, testando meus passos. Me senti tonta e definitivamente não acostumada a
usar saltos, então só os acompanhei com os olhos todo o caminho. Também se tornou uma
desculpa para não ter que encará-los.
— Edward, essa é a minha filha, Serena Greco, a sua futura esposa — meu pai disse
quando eu entrei na sala. Apertei meus punhos, mas não deixei o medo e a raiva que eu
sentia transparecerem. Respirei fundo e ergui meu rosto.
Edward Bellini não é como eu imaginava. Definitivamente não. Por algum motivo, eu o
imaginava como um homem grande e atarracado, forte e coberto de tatuagens, mas ele
não é assim. O homem ao seu lado é exatamente isso, mas Edward... Eu não sei sequer
explicar.
Os cabelos são castanhos, os olhos verdes e profundos, mas não de uma maneira
convidativa e sim intimidante. O corpo abaixo da roupa social completamente preta que ele
veste é forte, e tão alto quanto o guarda-roupas ao seu lado. Não é tão musculoso, mas,
ainda assim, por mais que esteja ao lado de um homem que poderia ser um fisiculturista
com tatuagens subindo pelo pescoço, Edward parece tão assustador quanto. Sua postura
é contida e o rosto inexpressivo, mas os olhos queimam com algo que me fez estremecer.
Edward Bellini é mal. Está estampado nele.
Eu conheço sua fama. Crow, o Corvo. Havia matado o próprio pai para assumir o
reinado da Cosa Nostra, um assassino frio e impiedoso. Senti algo hipnótico ao olhar seu
par de olhos verdes, e mesmo com o medo eu não fui capaz de desviar. Edward é todos os
sete pecados capitais em uma única pessoa.
— Serena? — meu pai questionou com falsa suavidade e eu percebi que não tinha
feito nada a não ser olhá-lo embasbacada. Eu me encolhi. Não devia estar desse jeito, a
vida das crianças depende da total satisfação de Edward Bellini comigo. Ergui meu rosto e
respirei fundo, tentando me controlar.
— Senhor Bellini, é um prazer conhecê-lo — não consegui conter minha voz trêmula.
Aquele que devia ser George Bellini revirou os olhos e pareceu entediado comigo. Seu
interesse está em Verônica. Olhei-o a contragosto, vendo seu rosto pela primeira vez. Ele é
assustador. O cabelo ainda mais curto que o do irmão, as tatuagens escapando pelos
limites do terno, os músculos parecendo que rasgariam o tecido se tencionados. Eu quis
dar um passo para trás. Seu rosto estava sério como o do irmão, mas traços de ironia
escapavam do mesmo.
Diferentemente do irmão mais novo que parecia concentrado em Verônica, Edward,
por sua vez, pousou os olhos em mim por alguns segundos e depois voltou-se para meu
pai, irmã e tio.
— Me deixem a sós com Serena — não era um pedido.
Meu pai e tio Matteo deram de ombros e começaram a sair da sala, indicando a
George Bellini para onde seguí-los. Verônica continuou parada no mesmo lugar e eu a
olhei, assustada. Como ela teve coragem de negar algo para ele? Os olhos da minha irmã
ficaram fixos em Edward, ambos trocando mais do que raiva, talvez um desejo homicida
um pelo outro. Engoli seco. É como se, a qualquer momento, eles fossem puxar facas e se
atacar.
— Eu disse a sós — ele repetiu com a voz tranquila e um toque de hiperatividade. É
uma ordem. Estremeci, prevendo a vida que levarei. Eu receberei comandos, não terei
discussão, serei tão propriedade dele quanto suas armas e drogas.
O clima na sala se tornou ainda mais tenso. George parou na metade de seu caminho,
mas não se virou completamente para o irmão. Meu coração acelerou quando percebi que
era porque ele precisava de um campo de visão completa. O Executar de Las Vegas
parecia estar pronto caso Verônica quisesse fazer algum movimento.
— Eu escutei — Verônica praticamente rosnou e finalmente se moveu, passando
rapidamente por George. Ele sorriu de uma maneira que causou arrepios pela minha
espinha.
Minha irmã saiu da sala de estar e seguiu os outros três homens para o lugar de onde
eu tinha vindo. Lançou um olhar duro para Edward e fechou a porta em seguida. Engoli
seco quando o vi fechar e apertar os punhos, mantendo os olhos fixos nela.
Aparentemente, o rei da frieza não está tão satisfeito com minha irmã quanto sua
expressão parecia.
— Perdoe... perdoe Verônica, ela não tem um bom temperamento — eu resmunguei
tentando protegê-la e Edward pareceu voltar a me enxergar na sala.
Sua cabeça tombou levemente para o lado, parecendo intrigado. O meu futuro marido
deu um passo em minha direção e eu instintivamente recuei. Edward ergueu uma
sobrancelha, parando por um segundo, como se a minha reação o tivesse pego de
surpresa. Segundos depois, voltou a expressão neutra e a caminhar em minha direção. Me
mantive parada dessa vez.
— Você não devia se desculpar por sua irmã. Se desculpar por algo que alguém fez
quer dizer que também é sua culpa, o que, de fato, não é — sua voz era grave a
aveludada, e havia um sotaque italiano que me surpreendeu. Até onde eu sei, ele foi criado
nos Estados Unidos, assim como todos nós. A forma quase acusatória que ele disse fez
com que eu me arrepiasse. O sentimento não é de total medo dessa vez.
— É um prazer conhecê-lo, senhor Bellini — eu disse quando ele estava a um passo
de mim, me forçando a ser educada ao me lembrar de Luke. Eu devo agradá-lo. Ele
estacionou, percebendo que provavelmente eu oscilaria se forçasse mais a sua
proximidade. Fiquei surpresa ao perceber que ele não está se impondo tanto. Sua
presença ainda é opressora, tudo parecia girar ao seu redor, mas, de alguma forma, ele
mantém uma distância confortável de mim.
— Senhor Bellini era o meu pai e eu definitivamente não quero ser comparado a ele.
Me chame de Edward — seu tom era colérico ao falar do pai e eu prendi a respiração,
sentindo meu coração quase quebrar minhas costelas com as batidas frenéticas. — O
prazer é todo meu, Serena — a palavra prazer pairou em seus lábios e deixou que todo o
duplo sentido surgisse. Outro arrepio passou pelo meu corpo, e não tinha nada a ver com
medo.
Edward Bellini é surpreendentemente atraente, e ele se destacaria até mesmo em
uma sala cheia. Em um mundo normal, provavelmente seria um modelo super requisitado,
mas a aura ao seu redor é ainda muito mais enervante do que a de um simples modelo.
Edward é hipnótico.
Ele me olha como se pudesse ver no fundo da minha alma, e eu quero
desesperadamente me encolher e desviar, só que sei ser falta de educação fazer isso. A
imagem das minhas crianças em um massacre apareceu na minha mente, de Luke em
uma poça de sangue. Meu estômago revirou. Edward precisa estar satisfeito com esse
casamento.
— Já vi homens muito maiores que a senhorita sucumbindo a essa proximidade — ele
sussurrou, erguendo a mão devagar para puxar algo no bolso interno de seu blazer. Eu
puxei o ar em uma arfada e ele sorriu. — Mas ainda não está bom o suficiente. Você não
devia deixar o medo transparecer assim.
Uma pequena caixa de veludo apareceu em sua mão. O anel de noivado. Expirei
devagar e ergui minha mão trêmula para que ele pudesse colocar o anel. As pontas dos
meus dedos foram seguradas por sua mão e o anel com diamantes em formato de uma flor
delicada foi colocado em meu dedo.
Me mantive em silêncio. Um sorriso zombeteiro apareceu em seus lábios.
— Não vai dizer que não tem medo de mim?
— E mentir na sua cara? — questionei. O sorriso se alargou, mas suas sobrancelhas
se uniram como se ele não soubesse o que fazer com aquela informação. E então, ele
ficou sério. Engoli seco.
— Eu sei que essa não é uma escolha sua, Serena. Está passando pelo que todas as
mulheres no nosso mundo passam. Mas quero que saiba, e é uma advertência, que a partir
de mim e dos meus irmãos o nome Bellini carrega honra — sua voz estava mais calma.
— A honra vem pelo sangue — murmurei o lema da Cosa Nostra e Edward sorriu,
levando meus dedos em direção aos lábios. Prendi minha respiração, pronta para sentir
asco, mas fui surpreendida pela onda de eletricidade que me tomou. O calor de Edward
irradiando para os meus dedos me deu uma sensação confortável. Ele manteve seus olhos
fixos em mim, e meu coração acelerou.
— Você fez a lição de casa — não parecia realmente surpreso. Todos os nascidos na
máfia sabem das regras e desse mundo. Mas estava... intrigado? — Eu gosto disso em
você — ele sussurrou, a voz rouca, e se inclinou em minha direção. Eu não estava
preparada.
Os lábios de Edward se encaixaram nos meus. Macios, mas ao mesmo tempo
exigentes e fortes. Senti meus joelhos vacilarem, mas ele prendeu sua mão
possessivamente contra a minha cintura. Eu nunca tinha sentido nada assim. A amostra
anterior de seu calor não fazia jus ao quanto aquecida eu fiquei. Edward não fez nenhum
movimento para aprofundar o beijo, e eu fiquei surpresa ao perceber que a reação do meu
É
corpo não foi se afastar. Me odiei por isso. "É só porque você tem que agrada-lo, Serena",
eu tentei me convencer.
Edward recuou e me deu mais um de seus sorrisos educados.
— Eu sou o único que pode fazer isso — murmurou sua promessa somente para mim,
mas eu não assenti. Silenciosamente prometi para mim mesma que, no fundo, eu sempre
serei minha. Meu corpo pode até ser parte da propriedade dos Bellini, mas minha mente
sempre será minha.
SEIS
Eu não dormi durante toda a noite anterior ao casamento. Pesadelos rondavam o meu
sono na casa que me é estranha em Orland Park, o local escolhido para a cerimônia. O
sonho ruim em que Verônica e eu víamos nosso pai carregar o corpo da casa de ferragens
parece ainda mais assustador, porque agora é meu noivo que está com as mãos cheias de
sangue. E mesmo acordada, meus pensamentos não são menos aterrorizantes.
Quando o sol nasceu, eu já estava enrolada na poltrona, pronta para o dia que devia
ser o mais feliz da minha vida. Nunca sonhei em casar, mas ao pensar nisso, eu ainda
seria uma Sloan, me casaria com um homem descente na Inglaterra, um que não tivesse
como ocupação torturar e matar. E, no final de tudo, eu teria Luke comigo, compartilhando
meu sobrenome.
Ao me lembrar da minha criança, deixei que as últimas lágrimas que eu derramaria
caíssem. Eu sei que no começo será difícil, mas depois que Edward estiver novamente
concentrado em suas prostitutas, eu posso mandar dinheiro para garantir que Luke tenha
tudo que precisar. Em um mundo ideal ele viria para mim, mas tudo que eu menos quero é
tê-lo debaixo do mesmo teto de um monstro. Luke já passou por coisas demais durante a
curta vida, não precisa de mais. Segurei o pingente que pendia em meu pescoço e que tem
uma foto dele, em formato de coração e perto do meu. Eu sempre usei e sempre usarei.
—Você sempre vai estar aqui, querido — murmurei.
Dois toques suaves na porta me fizeram pular e esconder o colar dentro da camisola
rosa claro.
— Serena, é o grande dia! — tia Gisele apareceu na porta, sendo seguida por
Valentina e Sofia. Elas estavam perfeitas, deviam ter chegado de viagem nessa manhã.
Ainda usavam roupas casualmente elegantes, mas já estavam maquiadas e arrumadas. —
Temos tanto o que fazer.
— Bom dia — cumprimentei-as, colocando um sorriso inexpressivo no rosto. Todas as
três fingiram não ver a falsidade na minha expressão e eu não as culpei. Provavelmente
não estavam melhores no dia em que se casaram.
Elas me deixaram tomar um banho demorado para depois começar a sessão de
tortura junto a cabeleireira e maquiadora profissional. Minha tia e primas conversavam e
riam com as mulheres que estavam claramente desconfortáveis em estarem cercadas de
mafiosos, mas se mantinham educadas. Logo depois, elas saiam para supervisionar os
preparativos e voltavam radiantes.
— Você devia experimentar deixar os cabelos crescerem depois do casamento, os
homens gostam de cabelos grandes — tia Gisele comentou e tudo que eu ouvia era "seja a
modelo perfeita que ele quer".
— Foi uma boa ideia fazer o casamento na casa do papai em Orland Park, o jardim é
adorável — Valen elogiou e eu entendi "estar aqui, num território neutro, garante que sua
nova família não vai matar a nossa".
— Ter filhos é uma benção, Serena. Eu e Giovanni estamos tão felizes — Sofia sorriu
enquanto acariciava a barriga que dava os primeiros sinais de que abrigava um bebê.
"Engravide rápido, tudo que eles querem são herdeiros".
Elas continuavam dando conselhos e fazendo comentários enquanto as profissionais
me preparavam, esfoliando a minha pele e fazendo hidratação no cabelo.
O processo durou o dia inteiro, apenas com pequenas pausas nas quais minha tia
trazia petiscos que eu me recusava a comer, com o meu estômago enjoado. Quando a
tarde já chegava em seu fim, a empregada da casa anunciou que Edward e seus irmãos
tinham chegado. Senti a ansiedade aumentar ainda mais. Minhas primas e tias foram se
vestir e me deixaram alguns minutos sozinhas; eu protelei ao máximo antes de começar a
colocar o vestido.
Tudo só piorou quando eu tive que contemplar a mim mesma no espelho, vestida de
branco. Valentina tinha razão: o vestido é perfeito e isso me causa desconforto. Como é
possível que no dia da minha ruína eu pareça tão bem? Meu cabelo tem cachos suaves
que não chegam aos meus ombros e as duas mechas da frente estão presas atrás. A
maquiagem é leve e me deixa um pouco mais corada do que eu realmente sou, enquanto
meus lábios estão cobertos por uma camada fina de gloss que os deixa brilhantes e
rosados. As maçãs de meu rosto possuem um tom levemente pêssego, enquanto por
dentro eu estou prestes a vomitar.
— Você está linda, querida — tia Gisele disse, abraçando meus ombros
cuidadosamente para não amassar o vestido e o véu. As profissionais já tinham ido e só
estávamos nós quatro. — Na sua... — sua voz falhou e ela a recobrou com um sorriso
encorajador. — Na sua lua de mel, faça ele te tratar como a princesa que você se parece
agora.
Eu a olhei pelo reflexo do espelho, incapaz de respondê-la. Tia Gisele parece uma
princesa; tem os mesmos cabelos ruivos de Valentina e olhos verdes, grandes e
expressivos, como os de Sofia. Mas nada disso impede que tio Matteo a surre
violentamente sempre que quer.
Através do espelho, vi o trio atrás de mim exalando perfeição. Tia Gisele usando um
vestido rosa bebê longo e caro, Valentina e Sofia usando o mesmo modelo verde
esmeralda modesto e elegante, combinando como madrinhas. Perfeitas. Criadas para os
holofotes de serem esposas modelos. Muito diferentes de mim.
— Descubra... as coisas que você gosta — Sofia disse, corada, e eu me mantive em
silêncio.
— Se você achar que... — Valentina começou, mas a porta se abrindo com um
solavanco interrompeu mais um conselho que não me ajudaria.
— Já está quase na hora, acho melhor vocês três irem — era Verônica. Ela estava
usando seu habitual penteado de tranças presas na lateral, mas me surpreendeu ela estar
com um vestido esmeralda assim como Sofia e Valentina, minhas madrinhas. Parece
deslumbrante, o decote de seu vestido indo até um pouco acima de seu umbigo, as duas
partes do tecido que cobria seus seios unidas apenas por tiras finas do pano verde. Um
sacrilégio para um casamento, mas ainda estonteante.
— Fique bem, querida — tia Gisele sussurrou e beijou minha bochecha. Minhas
primas repetiram o gesto.
Quando as três saíram, Verônica entrou no quarto e fechou a porta do atrás de si. Ela
parecia meio nervosa, o que definitivamente não é seu comportamento comum. Uma
centelha de esperança surgiu. "Sugira fugir, por favor!", eu pedi mentalmente. Ela
conseguiria dirigir e atirar nos nossos perseguidores, e poderíamos recomeçar nossas
vidas longe dali.
— Eu vim... — ela começou, olhando para a caixa de veludo em suas mãos. — Acho
que... mamãe gostaria que você usasse isso — sussurrou em continuidade, abrindo a caixa
e revelando um enfeite de cabelo que eu reconheci muito bem. Mamãe sempre o usava em
ocasiões especiais.
— Obrigada, Vel — eu agradeci e ela foi para trás de mim, prendendo suavemente o
adereço com flores de cristais no meu cabelo.
— Eu lutei muito para ser quem eu sou, Serena — murmurou, sua voz perdendo todo
o tom frio de consligliere. — Mas especialmente hoje eu não queria ser isso.
Fechei meus olhos. Isso é o máximo de uma confissão de amor e arrependimento que
eu terei dela. Significou muito para mim. Verônica me abraçou por trás e eu segurei
apertado suas mãos. Minha irmã é uma vítima também e eu imagino que ela esteja
percebendo isso aos poucos.
— Sei que seremos de famílias diferentes agora, mas eu sempre vou ser a sua irmã, e
se eu tiver que rachar Las Vegas para trazer você de volta se eles te machucarem, eu vou.
Mato todos com as minhas próprias mãos — me prometeu, e eu sabia a sua dificuldade em
dizer aquelas palavras. Se ela realmente o fizer, será o começo de uma guerra. — Agora
vamos, você tem que se casar — em segundos, sua voz voltou a ser a voz da mulher que
falava em nome da Outfit. Respirei fundo e segui.
Meu pai me esperava no começo do nosso jardim. Tio Matteo cochichava algo em seu
ouvido, mas quando percebeu que Verônica e eu nos aproximamos, se ajeitou e foi em
direção a esposa. Minha irmã também seguiu para o lado esquerdo, onde aparentemente
os convidados da Outfit estavam. Éramos somente meu pai e eu.
— Querida, você está linda, minha pezzo preferito — meu pai disse quando eu me
aproximei. Peça preferida. As palavras azedaram o resto do meu humor. Ele está prestes a
me entregar nas mãos de um dos seus inimigos e tudo que consegue pensar é em mais
um de seus jogos sádicos.
— Tenho que ser um troféu perfeito, não é? — questionei ácida, impulsionada pela
raiva que suas palavras me fizeram sentir. Em pouco tempo eu não serei mais problema
dele, então não tenho nada a perder.
— Escute aqui — ele agarrou meu pulso fortemente, perdendo um pouco de sua
fachada tranquila. Era a primeira vez que ele agia com violência em minha direção, mas eu
não recuei. Ninguém pareceu notar nosso conflito, ou escolheram não intervir. — As
crianças em Londres vão sofrer qualquer coisa da sua insolência. Não me faça manchar
seu vestido branco de vermelho — ele ameaçou, olhando no fundo dos meus olhos, e
largou meu pulso que provavelmente ficará roxo. Como se fizesse diferença. — Vamos
entrar e terminar isso.
Eu enfiei meu braço a contragosto no seu e nós nos viramos para caminhar pelo
caminho coberto de rosas brancas. No altar, meu futuro noivo tinha o maxilar trincado e os
olhos faiscando em direção ao meu pai.
Ele assistiu toda a cena.
A marcha nupcial começou e nós caminhamos. Eu mantive meus olhos presos nos
arcos de flores brancas atrás de Edward, incapaz de olhá-lo.
Ao seu lado estavam seus dois irmãos. George, que eu já conheci e que parece
absolutamente entediado, e Thomas, que eu via pela primeira vez. Para minha surpresa, o
último dos irmãos Bellini me assustou ainda mais que o caçula. Thomas é diferente dos
outros dois, mesmo com George sendo uma montanha de músculos e Edward sendo mais
esquio, eles guardam entre si os olhos nas mesmas cores e a estrutura angulosa do rosto
parecida. Já o Consigliere da Cosa Nostra tem cabelos claros, quase loiros, olhos
castanhos puxando para um dourado e a expressão fria, analista. O trio no altar me fez
estremecer.
Meu pai entregou-me para meu futuro marido com um sorriso que Bellini não retribuiu.
Edward sondou meu pai pelo que pareceu ser uma eternidade, mas foram apenas
segundos. Quando se voltou para mim, o rosto cuidadosamente se tornou neutro; mesmo
assim, não consegui ficar muito tempo fixada nele.
O padre católico falou por aproximadamente uma hora sobre honra, amor e dever. No
meu casamento, apenas o terceiro vai estar presente. Minha honra será completamente
jogada de lado, e a mera menção da palavra amor me fez querer rir. Um dia, talvez, eu o
terei. Quando Edward quiser que a nossa união gere herdeiros, eu poderei amar meus
filhos, mesmo sabendo que o primeiro deles, Luke, não estará comigo.
— Aceito — eu sussurrei quando chegou a hora.
Mais rituais aconteceram e eu não os dei nenhuma atenção. Nada importava, não são
lembranças as quais eu quero me apegar.
— Pode beijar a noiva — o sacerdote disse e os convidados aplaudiram, mesmo eu
sabendo que os da esquerda queriam cravar facas nos da direita e vice-versa.
Finalmente olhei para o rosto de Edward. Pela segunda vez, ele se inclinou em minha
direção e os lábios dele selaram os meus. Meu corpo teimava em me trair e ousou se
deleitar com a sensação do beijo. Talvez não seja tão ruim se eu encontrar prazer na
companhia física de Edward, mas eu sei que no primeiro sinal de violência tudo irá por
água abaixo.
No entanto, eu sobreviverei. Sempre sobreviverei.
Saímos do altar e fomos saudados com uma chuva de grãos de arroz jogada pelas
mulheres da Outfit e da Cosa Nostra, e nenhum dos homens participou desse pequeno
acontecimento. Nos filmes, os noivos sorriam nesse momento, parecendo felizes com a
aprovação de seus entes queridos. Edward não manifestou gostar ou desgostar do
acontecimento, apenas caminhou por entre os convidados. Chuva de arroz ou balas de
festim não teriam feito diferença para ele.
Eu me deixei ser conduzida por ele, sentindo sua mão prender a minha de maneira
quase sufocante. Pelo menos o contato evitou que eu tropeçasse, pois senti minhas pernas
mais moles. Seu olhar queimava minha pele. Ele pareceu me vigiar, mas não fez nenhum
comentário sobre meu estado perturbado.
Meu agora marido só me soltou quando uma horda de mulheres sorridentes chegou
perto para me parabenizar, entre elas as que eu conhecia e aquelas que deviam ser de Las
Vegas. Fui pega em seus abraços apertados e felicitações e me deixei ser levada por cada
uma delas, fingindo ouvir seus conselhos sobre casamento.
Sofia foi uma das que me abraçou e, junto a Valentina, me levaram para perto da
mesa do buffet.
— Por que não experimenta alguns canapés? — Sofí ofereceu, me dando alguns dos
salgadinhos que eu recusei, sentindo meu estômago revirar. — Vamos lá, você não pode
ficar sem comer — ela soava como uma mãe que tentava convencer uma criança em sua
pirraça.
— Ela tem razão, Serena — Valentina sorriu, me entregando uma taça quase que
mecanicamente. Só então eu percebi que elas estavam tentando me abastecer para minha
noite de núpcias, e seus sorrisos e bons modos no momento não são direcionados
somente a mim, mas para quem acompanhava. Uma noiva nervosa e travada não é a
aparência correta.
— Eu não quero — respondi e elas me lançaram olhares solidários.
— Você está linda, parece uma princesa de contos de fadas — Sofia falou e me
abraçou. — Por favor, coma alguma coisa.
— Aqui está ela, a esposa do Capo! — uma senhora na casa dos quarenta nos
interrompeu. Eu não a conhecia, provavelmente era de Las Vegas. — Me deixe vê-la...
Linda! Os bebês que vocês farão governarão o mundo! — ela disse e mais um grupo
apareceu para me bajular.
Durante a recepção do casamento ficou claro como água que não se tratava de uma
comemoração comum. Os homens da Outfit olhavam fixamente para os de Las Vegas e
dois irmãos Bellini pareciam prontos para atacar. Mesmo durante a valsa, as mulheres de
Chicago — até as mais corajosas — que dançaram com os homens da Cosa Nostra
pareciam prontas para sair correndo.
Quando chegou a hora, Edward e eu valsamos no centro da pista de dança por alguns
minutos e eu corei. A música falava sobre amor verdadeiro e sobre se sentir bem nos
braços de quem se amava, mas tudo que eu senti foi um desconforto estranho. Não gosto
de ser o centro das atenções. Detestei que todos estivessem olhando para mim. Pena por
parte das mulheres e aprovação por parte dos homens. É insuportável.
Existe algo enervante no fato de que meu corpo pareceu se encaixar perfeitamente ao
dele na hora da dança. Desviei meu olhar, concentrando-me em meus saltos.
— Você é uma rainha agora, Serena. Deve se manter de cabeça erguida — Edward
sussurrou e, com a mão presa à minha, ergueu meu rosto suavemente. Eu o olhei,
espantada; sequer imaginei que ele seja capaz de gestos tranquilos.
Passei o rosto da dança tentando manter a postura que ele me exigiu, mas evitei olhá-
lo. Sua presença é opressora demais para que eu me fixe. Quando as últimas notas da
música tocaram, uma chuva de aplausos estourou e outros casais se uniram a nós.
Edward me libertou e uma das senhoras o interceptou corajosamente para uma
dança. Aproveitei a deixa para escapar de mais cumprimentos. Edward pareceu bem com
isso, muito pelo fato de que apenas os mais corajosos e seus próprios homens pareciam
chegar perto dele. Comigo as pessoas eram mais receptivas, provavelmente pensando que
seria mais fácil me agradar do que ao Capo.
Quando eu estava prestes a me esconder no jardim, fui interceptada.
— Você está se saindo bem, Serena, e vai se sair ainda melhor — disse tio Matteo.
Tia Gisele ao seu lado apenas assentiu; ela não tem permissão para falar na presença do
marido se não for solicitada.
Outros convidados sorriram e cumprimentaram-me, mas a partir disso eu me esquivei
de sorrisos e abraços falsos. Evitei ao máximo ficar perto dos Bellini, me sentindo aliviada
por Edward parecer envolvido nas conversas com seus bajuladores. Eu me escondi
durante quase todo o tempo, enquanto todos pareciam se divertir, satisfeitos com o evento
que é uma verdadeira festa de negócios. Meu pai também me evitou e eu fiquei grata por
isso. Não quero vê-lo.
— Você está linda, irmã — Verônica só me encontrou perto do fim da festa. Suas
palavras no momento são da Consigliere, que está parabenizando a peça que eu sou no
jogo da Outfit. Mas, quando ela se inclinou para me abraçar e sussurrou no meu ouvido, foi
novamente a minha irmã. — Não se esqueça do que eu te disse. Uma palavra e eu
rasgarei Las Vegas — prometeu.
— Eu queria que tivesse sido diferente — respondi quando ela me soltou. Eu nunca
chamarei Verônica, mesmo durante o tempo que a paz entre a Outfit e a Cosa Nostra
permaneça e principalmente depois que ela acabe. Somos de famílias inimigas agora e
isso nunca mudará.
Depois que nos separamos, a festa já estava caminhando para a madrugada. Minhas
mãos tremiam e eu as fechei, em punhos.
Edward apareceu em meu lado; a expressão ainda era neutra, mas algo diferente
queimava suas orbes verdes quando ele olhou em minha direção. Luxúria. Tomou minha
mão e me guiou para fora da festa. Todos atrás de mim aplaudiram, e eu me encolhi. Eles
sabiam o que viria e, mesmo assim, eram incapazes de se compadecer.
Respirei fundo. As minhas crianças em St. Patrick não sofrerão. Eu cumprirei com
meu dever, mesmo que ele me quebre.
OITO
Medo.
Minha respiração ia e vinha em lufadas curtas, e eu quase consegui sentir a falta de ar
se arrastando em minha direção. Minha mente intercalava imagens horripilantes das
crianças do orfanato sendo vítimas de um tiroteio e de mim mesma, quebrada na cama que
está arrumada em minha frente.
— Foi muito gentil da parte da sua família nos providenciar isso — Edward disse
quando entramos no quarto; seu tom não deu a entender que ele realmente achou gentil.
Eu caminhei para longe dele, fingindo estar inspecionando o lugar apenas para poder me
afastar. Precisei de algum espaço para organizar meus pensamentos.
Eu já tinha estado algumas vezes no que era o maior quarto de hóspedes da casa. Na
minha infância, viajávamos com minha mãe e tia Gisele para cá. Na época eu não sabia,
mas vínhamos quando as coisas não estavam boas. A casa em Orland Park é um lugar
seguro.
Ao ver o quarto grande e espaçoso com uma cama de casal no centro, onde tudo é
ornamentado com madeira escura, eu já não me senti mais segura. A decoração sempre
me pareceu assustadora e, nesse momento, com Edward Bellini servindo-se de um copo
de Whisky, ficou ainda mais desesperador.
— Sim, com certeza foi — eu murmurei, mas não consegui conter o asco em minha
voz.
Edward olhou para mim, erguendo uma sobrancelha. Eu me encolhi. Talvez se eu
tentar ser dócil não será tão ruim. Mas apenas o pensamento de me submeter a ele me faz
travar os punhos.
Olhei para os meus próprios pés para evitar contato visual com ele. Olhá-lo parece
apenas piorar a situação. Edward Bellini podia ter sido esculpido pelos próprios anjos, mas
foi moldado no fogo do inferno.
— Tome, beba isso, você parece estar muito nervosa — me sobressaltei com sua fala.
Segundos atrás ele estava do outro lado do quarto e agora está aqui, do meu lado. — Não
se preocupe, não vai ser muito diferente de tudo que você já fez, eu imagino — sua voz
não era tranquilizadora, apenas constatadora.
Peguei o copo com as minhas mãos trêmulas e tentei beber tudo em um único gole,
mas o líquido parecia queimar a minha garganta então eu tossi assim que a bebida chegou
ao meu estômago. Se eu pudesse tentar ver a expressão neutra em seu rosto, Edward
devia se divertir com a minha perícia com bebidas.
— Por que você não começa me dizendo... — ele ergueu suas mãos para irem em
direção aos meus ombros, mas eu recuei instintivamente, chocando-me contra a parede.
Edward ergueu uma sobrancelha, percebendo que algo estava errado. — Tem alguma
coisa que queira me contar? — seu tom não dava entender que eu tinha escolha.
— Não — sussurrei.
Não posso contar para ele sobre os atiradores no orfanato. Se eu contar, ele poderá
se sentir ofendido ou ainda pior, poderá tomar isso como vantagem sobre mim. Tudo que
eu menos preciso são os atiradores de Bellini em frente ao orfanato.
— Você está hiperventilando — ele apontou e eu o olhei, franzindo falsamente as
sobrancelhas.
— Não sei do que está falando — minha voz era ofegante. "Não tenha um ataque de
pânico, não tenha um ataque de pânico, não tenha um ataque de pânico", eu repeti
mentalmente, mas meu desespero pareceu só aumentar.
Edward me olhou com curiosidade por alguns minutos. Me senti um experimento
científico na sua frente. Não posso me esquecer que ele é um criminoso treinado, sabe
reconhecer a mentira, pode farejá-la de longe. Repentinamente, ele avançou sobre mim.
Meus olhos se arregalaram quando ele prendeu meu rosto entre suas mãos e me beijou.
Não pareceu com os outros dois beijos que ele havia me dado, foi mais duro e exigente.
Meu coração martelou forte em meu peito e eu me senti sem ar, presa em seus
braços. Antes que eu pudesse me dar conta, o empurrei para longe de mim. Obviamente
minha força não era capaz de movê-lo, mas ao sentir meu toque afastando-o, Edward
imediatamente me soltou.
— Conte-me — ele exigiu.
— Não há nada para contar — minha voz quebrou. Lágrimas se formaram em meus
olhos e eu tentei limpá-las, mas o fluxo era grande demais.
— Conte-me — sua voz não foi agressiva, e sim mansa quando ele repetiu. Eu
imagino que em seu mundo não seja necessário muito mais que isso para as pessoas
fazerem o que ele quer. "A voz não é agressiva ainda", eu pensei. Edward Bellini não
parece ser um homem paciente.
Eu não posso deixar que ele continue me pressionando. No fundo da minha mente
ouvi os cochichos sobre os métodos de tortura da máfia e de como eles conseguem
arrancar qualquer informação de qualquer pessoa. Eu não posso permitir.
Foi a minha vez de ir em sua direção. Prendi minhas mãos ao redor de seu maxilar,
sentido a pele macia de onde ele retirou a barba e forcei meus lábios sobre os dele.
Edward não reagiu e eu agradeci mentalmente por isso; se ele tentasse avançar eu
provavelmente estremeceria e começaria a gritar.
Mas outra parte de mim percebeu que isso não está certo. Eu não estou me saindo
bem na função de ser uma boa esposa para ele e então as crianças sofrerão as
consequências. Não será o meu sangue a ser derramado, será sangue inocente. Será
Luke a pagar por aquilo.
Um soluço irrompeu pela minha garganta e eu me afastei dele. Eu arruinei tudo. Todas
as mulheres da Outfit e da Cosa Nostra haviam passado por momentos como esse antes
de mim; casamentos arranjados são regra no mundo da máfia. Por que eu não consigo? É
absolutamente minha culpa, eu nunca deveria ter ido embora, nunca deveria ter fugido. A
vida em Londres não tinha me preparado para o meu destino mais que selado.
Edward segurou-me pelos bíceps, não de uma maneira agressiva, mas me
sustentando porque eu provavelmente estava prestes a cair. Sentia meus joelhos ficando
cada vez mais moles.
— Eles ameaçaram você — eu podia ouvir a raiva contida em suas palavras. Não era
uma pergunta.
— Não — eu menti.
— Serena — ele me chamou e eu olhei para os olhos dele, receosa. — A única coisa
que eu não admito é que minta para mim — disse altivo e mais lágrimas desceram pelos
meus olhos. Isso definitivamente não é o que nenhum de nós dois pensava sobre uma lua
de mel.
Eu não posso mentir para ele. Mas eu não posso contar para ele.
— Eles ameaçaram você — ele repetiu e eu não neguei dessa vez, apenas chorei
inconsolável. Edward trincou o maxilar. — Machucaram você fisicamente para que fizesse
isso? — questionou e eu balancei a cabeça negativamente. Meu pai nunca me bateu, eu
aposto que tio Matteo sugeriu algo do tipo, mas sei que Salvatore e Verônica nunca
permitiriam algo assim.
— Por favor... — eu sussurrei. — Só faça isso. Não quero que me machuque, mas...
faça — pedi. Edward manteve-se neutro novamente. Ele nunca parece se abalar com
nada, e no momento foi um alivio.
— Eu não vou te estuprar porque alguém disso que isso é a porra da coisa certa para
você, Serena — disse. — Eu não machuco meninas virgens porque a família delas disse
que isso é o que elas deveriam fazer a troco de algo.
Ele soltou meus braços e eu lutei para me manter firme. Não posso deixar que ele
desista de consumar o casamento. Vidas dependem disso.
— Você precisa... — não tive forças para encorajá-lo, então mudei a linha de
pensamento. — Se meu pai...
— Você é uma Bellini agora — a forma como a frase soou forte ao sair de seus lábios
me fez arrepiar. — Não deve mais nenhuma satisfação aos Greco ou a Outfit. Seu pai não
tem nada a ver com esse casamento a partir de agora. Seja leal a mim e a minha família e
tudo ficará bem.
— Eu tenho que... — eu deveria implorar, dizer que estou apenas nervosa e exigir que
ele vá para cama comigo. Mas eu não consigo, meus nervos estão prestes a arrebentar.
— Se troque e vá dormir, Serena. A viagem que temos amanhã é longa, você precisa
descansar — falou unicamente e se virou para sair do quarto.
— Onde você vai? — perguntei, receosa que ele fosse atrás de respostas. Ele deu um
suspiro alto e prendeu a ponte no nariz entre seus dedos. Me encolhi. Edward
definitivamente não está acostumado a lidar com explosões emocionais.
— Não estou indo matar seu pai se é isso que quer saber — soltei a respiração. —
Preciso ver com meus irmãos questões da nossa volta.
— Edward — eu o chamei novamente e ele parou na porta, mas não se virou em
minha direção. — Obrigada — sussurrei. Ele apenas saiu, fechando a porta atrás de si.
Cai no chão, começando a enfiar meus dedos por entre os cabelos e puxando os
enfeites que Verônica tinha posto ali, não me importando com a dor de arrancá-los. Mais
lágrimas surgiram em meus olhos. Meu marido sabe que algo está errado e tudo que eu
posso fazer é rezar para que ele realmente não tenha ido atrás do meu pai para tirar
satisfações.
Não tem mais nada que eu possa fazer.
Verônica e Salvatore estão certos: eu sou uma peça fraca nesse jogo.
NOVE
— Você definitivamente tinha que ter fodido ontem, seu humor está péssimo —
George murmurou e eu jurei que se ele soltar mais um comentário desse eu cortarei sua
língua. Quando a notícia de que eu sai do meu quarto minutos depois de entrar se
espalhou, ele foi mais do que desnecessário sobre o que chamou de "lua de mel
relâmpago".
— Estuprar a minha esposa provavelmente não está na lista que coisas que eu
gostaria de fazer, George — ladrei e ele exibiu um de seus sorrisos de tubarão.
— Eu não teria esse problema. Mulheres choram para eu fodê-las, não para eu me
afastar — revirei os olhos. Tudo é sobre o seu pau, no fim das contas. — Mas você fez
certo. Nós definitivamente não somos assim... e bem, eu posso apostar que Verônica
Greco cumpriria a promessa se você tivesse machucado a irmãzinha.
— O quê? — perguntei. Verônica não tinha prometido nada mim. Voltei-me para
George, que apenas deu de ombros.
— Enquanto você e a uccellino[1] dançavam na porra da festa de casamento, Verônica
Greco veio me ameaçar — minha mão voou em direção ao coldre da arma que ficava sob
o meu paletó de maneira cega e imediata. George agarrou meu braço para me deter. —
Fique tranquilo, não foi nada demais. Na verdade, foi a única coisa descente que eu vi a
merda de um Greco fazer. Ela disse que se você machucasse a irmã dela seria um homem
morto, todos nós seriamos.
— Aquela vadia será uma mulher morta em pouco tempo, eu posso te garantir —
odeio Salvatore com todas as minhas forças, mas Verônica certamente é a próxima na
lista. Matá-la será uma das minhas principais missões quando a porra desse acordo de paz
acabar e eu não precisar mais das rotas da Outfit.
— Eu achei sexy — George falou com um sorriso nostálgico, parecendo se lembrar da
cena. Bufei. Claro que ele pensou em enfiar o pau na nossa inimiga.
— Nosso jatinho já pousou — Thomas apareceu, desligando o celular em que ele
estava falando com nosso piloto. — A sua esposa já está pronta? — o tom dele foi jocoso
ao falar a palavra esposa.
— Eu não sei porque não coloquei você ou George para se casarem — Thomas abriu
um sorriso contido e George gargalhou.
Era parte da estratégia, eu sabia. Ter Serena se casando comigo foi muito mais
simbólico do que com George ou até mesmo Thomas. Mas existe algo mais,
provavelmente o fato de que eu sou a porra de um controlador, e agora que Serena é
minha esposa, imaginá-la ao lado de um dos meus irmãos parece errado.
— E falando na uccellino... — após a fala de George, Serena apareceu de dentro da
casa, sendo seguida por um empregado com suas malas. — Vou para o meu carro antes
que ela enfarte.
George e Thomas se dividiriam em dois carros junto com outros dois soldados que
compareceram à cerimônia e ficaram para fazer a escolta. Os capitães que apareceram
para o casamento já tinham ido, então será uma viagem de apenas três carros e eu espero
sinceramente que Serena não comece algo por estar viajando comigo e meus irmãos. Mas
eu sei, e espero com certo prazer, que ela não fará algo assim. Ela não é como as outras
filhas da máfia, vadias cheias de caprichos. Se eu puder prever, ela sequer falará durante a
viagem.
— Bom dia — disse envergonhada, parando junto ao Mercedes preto depois que
George e Thomas já tinham saído com os outros soldados.
Uccellino. Passarinha. Essa, com certeza, é uma boa definição. Serena parece
delicada e frágil, exatamente como um passarinho. Um colibri que agora viverá em meio
aos corvos e cobras.
E ela parece fazer de propósito ao usar um vestido branco que a deixa ainda mais
parecida com um anjo. Eu, como bastardo que sou, posso sentir meu pau endurecer
somente em olhá-la. Os lábios cheios, contrastando com os olhos verdes inocentes tem o
seu poder. Se tivesse levado outra vida, Serena exalaria sexo, mas envolta em toda sua
aura de bondade, escondendo todas as suas curvas sob roupas modestas e comportadas,
ela se transformou em céu e inferno. É definitivamente o contrário de tudo que eu sempre
tive em uma mulher; nada de roupas provocantes e extravagantes, nada de cabelos
compridos e loiros, nada de sua boca ao redor do meu pau. E estranhamente a única coisa
que eu quero mudar é última.
— Bom dia — respondi em tom normal e ela se encolheu. Contive a vontade de
suspirar. Ela é delicada demais. — São somente essas as suas coisas? — questionei,
tentando suavizar minha voz pela primeira vez na vida, e apontei para o par de malas que
o empregado trouxe até o carro.
— É tudo que eu tenho. O resto das minhas coisas não eram... Máfia o suficiente —
ela disse, dando de ombros, como se não se importasse com o conteúdo que carregava.
— Máfia o suficiente? — meu tom era de divertimento enquanto colocava suas coisas
no porta malas, abrindo a porta do carona para ela logo em seguida. O que ela queria
dizer? Ternos e charutos?
— Eu passei os últimos anos sendo voluntária em um orfanato católico, tudo que eu
tinha eram jeans e camisetas estampando santos — disse enquanto entrava no carro. Fiz o
mesmo em seguida, dando partida no veículo.
— Os santos não fariam muito sucesso em Las Vegas — para minha surpresa, ela
gargalhou. Suave e delicada, colocou a mão na boca para cobrir o sorriso largo, a risada se
parecendo com sinos. Desviei meus olhos da estrada por um momento para olhá-la; seu
cabelo curto voava contra o vento. Como é possível que ela se pareça com um anjo em
uma pintura?
Olhei novamente para suas roupas e lembrei na quantidade ínfima de malas que ela
trouxe consigo. Suspeito que ela não queira sair por Las Vegas e fazer estragos com meu
cartão ilimitado. Apesar disso, eu quero e me certificarei que ela tenha tudo que quiser.
O resto do caminho até a pista de pouso clandestina foi silencioso. Serena pegou no
sono assim que passamos para a autoestrada e só acordou quando chegamos. Ela
tropeçou degraus acima pelo jatinho, enquanto eu me controlei para não a segurar. A
minha jovem esposa pareceu incerta quanto ao local de se sentar, mas escolheu um dos
bancos individuais no fundo. George estava certo: ela enlouqueceria se tivesse que
conviver com todos nós por muito tempo.
— Acho que vou me sentar perto da uccellino, ela provavelmente vai dar um jeito se
se jogar do avião — George disse, gargalhando alto. Serena se encolheu com a risada, e
eu esperava que ela não tivesse ouvido o comentário.
— Não, você fica comigo. Temos que conversar sobre a segurança da mansão — ele
revirou os olhos com minha fala.
Os outros dois soldados, Pietro e Alessandro, foram ficar com o piloto na cabine. Meus
irmãos se sentaram nas duas poltronas em frente à minha e eu olhei por cima do ombro
mais uma vez, para ver Serena. Ela estava agarrada ao seu banco quando o avião
começou a decolar, mas logo pareceu ficar mais tranquila e eu suspeitava que em pouco
tempo ela cochilaria.
— Imagino que você queira que nós passemos menos tempo na mansão, agora que é
um homem casado — Thomas disse com um sorrisinho sarcástico e eu revirei os olhos. Os
filhos da puta estão incontroláveis, eu terei que chutar as suas bundas para eles voltarem a
entender como as coisas funcionam.
— Na verdade, acho que vou precisar de vocês durante mais tempo na mansão —
meu irmão do meio ergueu uma sobrancelha quando falei da minha decisão. — Com ela
em casa, alguns idiotas podem se sentir mais corajosos para atacar. Ela é um ponto fraco,
então até que eu possa achar soldados confiáveis o suficiente para cuidar da segurança
dela, preciso de vocês por perto quanto eu não estiver.
Assisti meus irmãos fazerem expressões de desconforto. Depois que matamos nosso
pai, tomamos posse da mansão que tinha sido nossa casa na infância. Construímos
andares independentes para que pudéssemos ter mais espaço, mas George e Thomas
nunca moraram lá realmente. Fazemos nossas reuniões na mansão, já que é
simplesmente prático, e eles passam muito tempo por lá. No entanto, Thomas e George
possuem apartamentos na cidade e é lá que vivem.
— Nós vamos ficar de babá da uccellino? Eu tenho mais o que fazer — revirei os
olhos para a reclamação de George.
— Só quero que cuidem dela quando eu não estiver. Não precisam ficar por perto, na
realidade, eu preferia que fosse de longe para que ela pudesse ter alguma paz.
— Que doce você é — meu irmão mais novo provocou, mas antes que eu pudesse
revidar, Thomas deu-lhe um soco no ombro. George nem se moveu, apenas sorriu
brincalhão.
— Vocês podem fazer isso? Só até eu selecionar alguém suficientemente de
confiança.
— Bem, por mim tudo bem — Thomas concordou e eu fiquei aliviado. Ele é o que
menos gosta de estar na mansão. Eu imagino que boa parte do motivo são as lembranças
ruins que aquele lugar tem para todos nós. George deu de ombros, concordando também.
— Estranho como Salvatore treinou Verônica para ser sua Consigliere enquanto a
uccellino parece ter medo da própria sombra — Thomas apontou e eu ergui uma
sobrancelha. O apelido de George parece ter pegado. — Primeiro é estranho ele treinar
uma mulher, mas faz menos sentido treinar só uma de suas filhas quando podia ter as
duas.
— Seria bem mais benéfico para ela que ela tivesse sido treinada para ser uma
assassina também — eu comentei, voltando a olhá-la. Serena parecia ter entrado em sono
profundo.
— O que você quer dizer? — George questionou.
— Ela foi coagida a se casar comigo — respondi e meu irmão mais novo bufou.
— Todas elas são, Edward — deu de ombros, como se dissesse o óbvio.
— Eu quero dizer ameaçada, ameaçada de verdade.
— Por que você acha isso? — Thomas perguntou.
Eu não tenho motivos para guardar segredos dos meus irmãos. Somos um, e desde
sempre foi assim.
— Ela estava absolutamente amedrontada ontem à noite, mas parecia estar se
obrigando a ir para cima de mim. São duas posturas que não condizem, então eu entendi o
que estava acontecendo. Ela tentou negar no começo, mas logo admitiu.
— Sobre o que estão a ameaçando?
— Ela não quis contar.
— E você não a pressionou? — novamente, Thomas perguntou. Ergueu uma
sobrancelha em seguida.
— Não — respondi unicamente.
— Me dê dez minutos com ela e eu a faço falar, não preciso machucá-la, só um susto.
Duvido que seja algo muito impressionante como ela ser responsável por nos matar, mas
precisamos saber o que é — George disse, animado demais com a ideia, e eu apertei
meus punhos.
— Ninguém vai tocar nela — deveria ser só um aviso, mas minha voz saiu muito mais
ameaçadora do que eu planejei. Respirei fundo, tentando abafar a raiva que apenas a
imagem de George usando seus métodos com Serena me trouxe. — Ela vai dizer
eventualmente, mas até lá, não quero vocês falando sobre isso com ela.
— Protegendo a uccellino? — George perguntou em forma de piada e eu o ignorei.
Quando estivermos em terra firme, o colocarei no ringue e ensinarei algumas coisinhas
para ele.
— Só não quero mais uma sessão de lágrimas. Além do mais, ela é da família agora.
É uma Bellini e nós definitivamente não torturamos a família.
George e Thomas se endireitaram em seus bancos, as expressões ficando sérias.
Nosso pai tinha nos criado exatamente o contrário, pois sequer nos via como família. Nós o
superávamos em todos os aspectos, mas isso é o que, definitivamente, não nos
parecemos com Lorenzo.
— Serena é parte da família, e vamos defendê-la — disse Thomas, colocando a mão
em sua tatuagem da cobra com o punhal. O sinal da Cosa Nostra.
Serena pode não saber, mas ao dizer aceito ela ganhou inadvertidamente três
protetores.
ONZE
O voo já terminava quando acordei, meio grogue e sem saber onde estava de
imediato. Continuei a fingir dormir e tentei não ouvir a conversa dos três homens à minha
frente. Eles pareciam falar sobre os negócios da máfia, que eu definitivamente não
entendo, de toda maneira.
Me agarrei ao banco quando o avião começou a pousar. Sempre odiei voar desse
jeito, e no primeiro impacto com o solo soltei um arfar assustado. Três pares de olhos me
fitaram curiosos e eu imediatamente fiquei vermelha.
O caminho para casa foi silencioso e apenas Edward foi no carro comigo; George e
Thomas desapareceram assim que estávamos no chão. Eu agradeci mentalmente, não
que passar um tempo presa em um ambiente fechado com Edward seja totalmente
relaxante, mas definitivamente ter os outros dois irmãos Bellini é desconcertante.
A mansão em que estacionamos me fez ficar boquiaberta; ela é muito maior que a
casa em que eu tinha crescido. Tudo nela é em estilo colonial clássico, com um prédio no
térreo e outros dois acima. Pareciam ter sido construídos mais recentemente e
funcionarem de maneira independente. Imaginei que fosse pelo fato de viverem os três ali,
mas torci para que não. Não me é agradável a ideia de morar com os três irmãos.
Mesmo na ensolarada e seca Las Vegas, o espaço é todo arborizado. O jardim é
coberto por grama verde e brilhante, e consegui ouvir ao longe uma fonte jorrando água.
As cores são claras e a construção original mantém um estilo clássico, enquanto as mais
novas são levemente mais modernas. Harmonizam-se entre si.
— A casa de vocês é muito bonita — elogiei por educação, e porque não é totalmente
mentira.
— Na verdade é a nossa casa — disse Edward, carregando minhas malas sem
esforço algum.
— George e Thomas não moram aqui também? — questionei curiosa, e um tanto
aliviada.
— Não, seremos somente nós dois. No entanto, eles estão por aqui sempre e tem
seus próprios cômodos — deu de ombros ao informar e eu engoli seco, mas de maneira
discreta. — Vamos deixar suas coisas no quarto e eu vou te mostrar o resto da
propriedade.
Edward subiu com as malas pelos degraus de mármore preto e entrou em uma das
muitas portas, comigo em seu encalço. O quarto é gigante, muito maior do que qualquer
um em que eu tinha estado na vida. As paredes são de madeira escura sob a cabeceira da
cama, e o resto em tons de cinza. A estética é meio industrial, mas nada de pallets ou
paredes sem acabamento; tudo muito mais elegante e requintado. É um lugar escuro, mas
aconchegante, de certa forma. Obviamente, o cômodo chique pertence a Edward.
— Vou deixar suas malas aqui e depois você pode organizar suas coisas no closet —
assenti para suas palavras, e saímos do cômodo.
O tour pela casa foi muito mais simples do que eu imaginava que seria. Edward me
explicou que os dois anexos da mansão são as partes de Thomas e George, mas que a
parte central da casa — onde moraremos — contém as alas comunitárias: cozinha, sala de
jantar, sala de jogos e o ringue de lutas.
— Um ringue de lutas? — perguntei embasbacada. Meu pai não tinha nada como
ringue e um estande de tiros em casa.
— Sim. Gostamos de treinar em casa — Edward deu de ombros, como se dissesse
algo absolutamente normal.
A biblioteca se tornou o meu lugar favorito quando ele me mostrou, mas perdi a
empolgação quando disse que aquele era o espaço que Thomas usava mais que os
outros. Me ressenti por provavelmente não poder estar ali. Só de imaginar encontrar com
Thomas meu corpo sentiu calafrios.
— Você pode pegar o que quiser aqui para ler. Tem um pouco de tudo, ficção, livros de
economia e história... — ele apontou para as prateleiras, sabendo exatamente onde ficava
cada gênero, e eu me perguntei se aquele era realmente um espaço que só Thomas
usava. — Mas sinta-se à vontade para fazer suas próprias aquisições.
Caminhamos pelo corredor largo, no qual ele deixou de me apresentar algumas portas
e eu não seria a pessoa a questionar o que tinha ali. Não quero uma amostra da casa de
ferragens que meu pai tinha em Chicago.
— Esse é o ringue de lutas e também uma sala de jogos. George gosta de manter um
maquinário de musculação e alguns videogames por aqui. Se quiser encontrá-lo esse é o
lugar certo — eu sabia que aquela era uma indicação muito mais para que eu não o
encontrasse. — Temos aparelhos simples também, como esteiras e bicicletas. Caso você
queira se exercitar — ele ofereceu e eu sorri.
Decorei cada um dos caminhos e, quando ele disse que ali era onde seus irmãos
passavam a maior parte do tempo, prometi para mim mesma que aqueles serão os lugares
que eu menos frequentarei. Ou não frequentarei de jeito nenhum. São basicamente
espaços integrados. Havia uma mesa de bilhar, televisões enormes conectadas a
videogames, sacos de boxe em outro canto e um tatame gigante que se estendia por
quase todo o chão. Eu definitivamente não estarei nesse lugar por muito tempo.
— É uma bela academia — elogiei, sem saber o que falar, mas parecia rude não
comentar nada visto que Edward estava sendo, até o momento, absolutamente cavalheiro.
Quando voltamos a cozinha moderna, branca e impecável me trouxe um aperto no
coração. Era eu quem preparava o jantar para as crianças no orfanato. Sacudi a cabeça
para desviar os pensamentos do lugar que eu sempre amei estar, do lugar ao qual eu
realmente pertenço.
— Estamos sempre abastecidos com comida e temos empregados que vem
semanalmente para executar as tarefas, então isso não é algo que você tenha que se
preocupar. Eles fazem tudo, desde a limpeza até deixar refeições preparadas — o olhei,
curiosa. Em Chicago, praticamente todas as casas da Outfit possuem um quadro
permanente de empregados. É parte do status manter a maior quantidade de trabalhadores
possível. Edward pareceu perceber a minha curiosidade. — Só a família fica na
propriedade. Temos soldados ao redor checando movimentações estranhas, mas aqui
dentro não aceitamos estranhos por muito tempo.
Percebi que ele não me considerava parte do grupo de estranhos que não devia estar
ali por muito tempo e tentei não pensar muito nisso. Afinal, sou sua esposa. A ficha de que
eu viverei em Las Vegas para sempre ainda não caiu. Controlei minha expressão para não
fazer uma careta, porque eu estava contando com ter alguém de fora para conversar, mas
não terei. Imaginei que ligar para alguém também está fora de cogitação. Minhas primas
tinham desaparecido logo depois do casamento, provavelmente entendendo que agora eu
sou perigosa o suficiente para despedidas. Eu prefiro nem pensar nas consequências de
um telefonema para Verônica.
Quando estávamos saindo da cozinha George apareceu, indo em direção a ela. O
irmão mais novo dos Bellini me lançou um sorriso que fez eu me encolher e depois soltou
uma gargalhada.
— Não ligue para George, se imponha e ele vai deixar tudo tranquilo — eu não
precisaria me impor, porque correria de George o máximo que pudesse. Edward orientou
sobre o irmão, que me direcionou mais um sorriso enorme, provavelmente me provocando.
George parecia ser o irmão que mais se diverte com a minha presença.
Meu esposo me guiou pelas escadas no segundo andar e eu percebi que não teria
muitos problemas em me encontrar ali. Não queria frequentar os espaços comunais, então
seria fácil me esconder.
— E essa é a sala do meu piano — Edward apontou para o espaço onde o piano preto
ocupava o lugar central. O pronome possessivo não foi ignorado por mim.
Tudo é lindo. As paredes são da mesma cor que as do quarto e possuem alguns
quadros em preto e branco, além de divãs espalhados pelo espaço. Meus olhos ainda
estavam no piano, admirados.
— Ninguém realmente usa essa parte — disse ele, saindo do cômodo. A forma como
correu da sala me fez imaginar que talvez não fosse verdade. A sala do piano
provavelmente é muito especial para ele.
Ele não me apresentou os anexos de George e Thomas, e eu fiquei realmente grata
que aquela fosse uma área vetada para mim.
— E foi isso — enfiou as mãos nos bolsos e eu fiquei nervosa por não saber o que
fazer. — Meu escritório fica no final daquele corredor, e eu fico trabalhando nele a maior
parte do tempo. George e Thomas vão estar sempre por perto para garantir que você vai
ficar bem.
— Por que eu não ficaria? — a pergunta saiu antes que eu pudesse raciocinar.
Imagens horrendas rodaram a minha mente.
— Ninguém nunca atacaria os Bellini — Edward disse sombriamente, sorrindo em
seguida. — Mas se alguém tentar e eu não estiver, eles ficarão responsáveis pela sua
segurança.
— Minhas babás — murmurei, e ele concordou com um movimento de ombros.
— Bem, agora eu preciso resolver algumas pendências e vou deixar você livre para
explorar e se instalar — ele disse e eu sorri. Percebi que ele não me orientou a procurá-los
caso tivesse alguma dúvida, o que era inteligente da parte dele, uma vez que eu não o
faria. — Creio que ainda seja aceitável almoçar, fique à vontade — disse, consultando o
relógio e eu imaginei que fosse, no máximo, três da tarde. Porém, meu estômago já
revirava o suficiente.
— Obrigada pelo tour, foi muito gentil da sua parte — agradeci e ele olhou para o meu
rosto por alguns segundos antes de se virar e ir em direção a porta no final do corredor,
que me foi indicada como seu escritório.
Fiz o caminho certo e cheguei novamente ao quarto espaçoso. Desfiz as malas,
tirando as peças desconhecidas de dentro delas. Percebi que nenhuma das minhas roupas
da época do orfanato estavam comigo. As blusas pintadas a mão pelas crianças, as peças
compradas com meu esforço, tudo tinha desaparecido. Achei algum conforto no fato de
que eu tinha guardado o pingente com a foto de Luke. Minha recordação mais importante
estará comigo durante todo o tempo.
Cerca de uma hora depois de ter ido para o quarto, as roupas — que não eram
exatamente minhas — já estavam no closet, ao lado de todos os ternos e camisas pretas.
Não foi um processo tão demorado, mas eu protelei o máximo que pude na intenção de me
manter ocupada. Eu não tinha muito e sequer conhecia as coisas, mas fiz o meu máximo
para dispor tudo da maneira mais arrumada o possível. Percebi, com um gosto amargo na
boca, que meu pai e Verônica tinham comprado roupas prontas para o clima de Las Vegas.
Não me atrevi a descer atrás de comida. Era capaz sobreviver apenas com o café da
manhã que tive em Chicago, então passei a tarde no quarto. Fiquei grande parte do tempo
sentada no divã em frente a janela, observando o jardim ornamentado e evitando pensar
em Luke, mas falhando miseravelmente. Ele estaria pensando em mim? Costumava chorar
quando eu estava no colégio, e ficava feliz quando eu voltava com histórias animadas e
mágicas antes de dormir.
Mas agora eu não voltarei. Nunca voltarei. O sentimento de depressão me fez afundar
e, de repente, estar sentada à horas no quarto não fazia a menor diferença.
Meus pensamentos foram se tornando cada vez mais obscuros à medida que a tarde
ensolarada foi se transformando em uma noite escura. Estar em Las Vegas durante o dia
me dava a impressão de que tudo não passaria de uma visita rápida, mas estar sentada no
quarto que eu devia chamar de meu enquanto a lua começava a aparecer me deu a
sensação de que eu estou presa para sempre.
Desviei os pensamentos e fui para o banheiro, tomando um banho rápido e vestindo
um conjuntinho de seda preta que é mais caro do que qualquer pijama que eu tenha
vestido nos últimos quatro anos.
Desejei desesperadamente dormir antes que Edward chegasse, mas eu percebi que
se continuasse me esquivando, ele poderia dizer que não estava satisfeito. Eu não posso
deixar que nada chegue aos ouvidos do meu pai. Apenas a ideia disso me fez
hiperventilar.
A porta se abriu e luz banhou o quarto escuro. Eu me encolhi e tentei respirar de
maneira tranquila. Olhei para a forma musculosa e assisti ele retirar a camisa de maneira
extremamente casual e ir em direção ao banheiro, me ignorando. Agradeci por ele não ter
resolvido bater um papinho.
Edward é lindo, e essa constatação cria uma certa confusão dentro de mim. É possível
querer estar com ele, mas a mesma ideia de o querer me reprimir porque eu sou obrigada
a tal? Não é justo. Me afundei nos travesseiros macios. Meu pai estragou qualquer chance
que eu tinha de ter algo minimamente normal.
Ao mesmo tempo que eu me deleitava com a imagem mental da água batendo em seu
corpo nu, a ideia do chuveiro parando me causou arrepios. Mas aconteceu, o barulho
parou e ele saiu sob uma neblina de vapor. Corei ao percebeu que ele não usava nada
além da boxer.
Foi impossível não olhar para o seu corpo. Os músculos o deixavam parecido com um
ator de filme de herói, mas as cicatrizes e as tatuagens mostravam que sua vida era bem
mais obscura. As marcas eram múltiplas; arranhões, entradas de facas já curadas, um
outro mais disforme que pareciam ter sido feitos por balas e pequenos pontos escuros.
Tremi ao perceber que eram marcas de cigarro apagados nele.
As tatuagens eram ainda mais impressionantes. Ele possui duas mais visíveis; a
primeira sendo a marca da Cosa Nostra — uma cobra serpenteando um punhal em seu
antebraço e que, até onde eu sei, todos os homens feitos da organização têm —, e o corvo
em seu peito. As asas dele iam de ombro a ombro, e as pontas das penas pretas pareciam
se desintegrar. Foi daí que veio o apelido Crow? Senti as pontas de meus dedos
queimarem por vontade de tocarem os traços do desenho.
— Você não precisa ficar deitada em um centímetro de cama — sua fala tranquila me
tirou de minha inspeção. Não havia raiva, condenação ou luxúria em seu tom de voz.
Mesmo assim, não me mexi.
— Desculpe — sussurrei debilmente.
— Você não vai realmente me contar sobre a ameaça — não era uma pergunta.
— Eu não posso.
— Eu terei outras mulheres, Serena — minha respiração ficou presa na minha
garganta e eu, instintivamente, me encolhi de novo. — Se você não está pronta para isso
não há nada que eu possa fazer, mas seja lá com o que eles tenham te ameaçado, você
está segura aqui.
— Tudo bem. Obrigada — mas não estava nada bem. Edward estará com outras
mulheres enquanto divide a cama comigo. Isso é exatamente um casamento da máfia, uma
esposa troféu e prostitutas para o homem. Ele não precisava dizer que a cortesia estava
aberta para mim.
Edward não tentou falar mais, e continuamos com vários centímetros de distância nos
separando, mesmo depois que ele se deitou na cama. Estava escuro, mas escondi meu
rosto no travesseiro.
Não desejava que ele visse minhas lágrimas.
DOZE
— Meus olhos estão vendo bem? — Antônio bradou quando eu entrei no Blue's.
Contive a vontade de revirar os olhos. — O Chefe está em casa? É uma honra! — ele
caminhou em minha direção, saindo de trás do balcão e empurrando cegamente uma das
meninas que atendia um cliente.
Suspirei. Antônio é provavelmente a pessoa que mais se esforça para cair nas minhas
graças. Ele já tem o seu poder; comanda todas as casas de shows que a Cosa Nostra tem
e cuida pessoalmente do Blue's, a maior de todas elas. Mas, ainda assim, sua vontade de
agradar é imensa. Eu já sugeri várias vezes que ele desaparecesse, mas Thomas, como
bom Consilgiere, pensava na logística de colocar alguém em seu lugar. Antônio é bom no
que faz, sob seu comando lucramos alto e temos cada vez mais clientes.
— Quando soube que você se casou imaginei que não o veria tão cedo, mas aqui está
você, quatro dias depois — ele riu.
— Não vejo como isso seria da sua conta, Antônio — respondi mal humorado e ele se
encolheu, mas logo deixou seu sorriso crescer novamente.
— Temos muitas meninas recém-chegadas, acho que você vai gostar. George já viu
alguma delas e ficou excepcionalmente feliz — falou e eu bufei. Claro que eu queria saber
qual daquelas mulheres tinha fodido com George, nada poderia me deixar mais excitado,
pensei enojado. — Ettore! — gritou por cima do ombro. — Leve o senhor Bellini para ala
VIP e aprece o show, ele não tem tempo a perder — Antônio comandou.
Um garoto jovem apareceu, e eu o reconheci da última cerimônia de entrada. Ettore
pertencia ao grupo que tinha acabado de se juntar à Cosa Nostra. Como filho de um
soldado, estava tentando alcançar um nível ainda maior que o pai. Ele olhou para Antônio
com certa aversão, mas quando se voltou para mim era solene, respeitoso. Falta muito
para Ettore, ele ainda tem que amadurecer, mas um futuro promissor o aguarda.
— Senhor Bellini — cumprimentou-me, mantendo a cabeça erguida. — Permita-me
levá-lo.
Ettore me conduziu até as primeiras mesas, logo em frente ao palco onde as
dançarinas fariam o show, e me indicou a que era mais perto. Me trouxe Whisky e um
charuto; agradeci e o dispensei. Teria que conversar com Thomas para que pudéssemos
realocar o menino, pois era um talento desperdiçado ser o garoto dos recados de Antônio.
Logo às luzes do palco se acenderam. A primeira menina a entrar era Sophie, uma
loira de bunda enorme usando uma lingerie minúscula. Quando ela colocou os pés no
palco e me olhou, soprou-me um beijo e começou a dança sensualmente, rebolando seus
quadris ao som da música.
As outras meninas começaram a circular pelo salão. Realmente havia muitas moças
recém-chegadas, loiras, morenas, negras, asiáticas... Antônio vinha fazendo boas pescas.
Mas ainda assim tudo é meio... entediante? Eu não quero admitir, mas parece que falta
alguma coisa. Nada nos seios fartos, cinturas estreitas e olhares cheios de luxúria parece
prender minha atenção. Inconscientemente, meus olhos vagavam a procura daquilo; o
sorriso contido, os cabelos que pareciam trazer aconchego, os olhos mais cheios de
sensualidade do que qualquer movimento sexy poderia ter. Eu procurava por Serena e isso
é ultrajante.
As mulheres chegavam perto, rebolavam seus quadris em minha direção, diziam
palavras sujas, mas eu logo as cortava e elas faziam biquinho, indo para o próximo. Estar
com o Capo devia lhes garantir certo status, eu sabia, e é por isso que eu evito repetir uma
delas, para não acabar criando a sensação de exclusividade.
— Senhor Bellini — uma delas chamou e eu me virei em sua direção. Vi uma moça de
cabelos castanhos medianos, mais magra que as outras. Seus olhos azuis são quase
infantis, seu nariz é arrebitado e as sobrancelhas grossas. A não ser pelos cabelos, ela não
se parece com Serena; é mais magra e com menos curvas, com o rosto mais quadrado.
Mesmo assim, ela fez com que eu me lembrasse da minha esposa, que nesse momento
está adormecida. A esposa que chorou em silêncio quando eu disse que procuraria outras
mulheres. — Você quer se divertir hoje à noite? — perguntou, incerta.
Não respondi de imediato. Ela usava uma lingerie pequena, vermelha e coberta de
rendas, que teria sido muito sensual em um corpo diferente, em um corpo especifico. Nela,
pareceu errado. A moça se encolheu minimamente sob o meu olhar e eu me levantei. Vi
seus olhos se arregalarem, mas ela tratou de conter sua expressão, segurou minha mão e
começou a me guiar em direção a área privativa.
Me chamou atenção o fato de que ela não me levou para um dos quartos. Somente
para entrar neles as prostitutas ganhavam 500 dólares e podiam ganhar mais cada vez que
realizassem uma fantasia diferente. Mas, ao invés disso, ela me levou para uma das
cabines com mesas para bebidas e bancos acolchoados onde, no máximo, faria 300.
Eu me sentei e ela fechou a cortina atrás de si. Vi sua mão tremer.
— Você é nova aqui... — percebi que ela não tinha se apresentado, uma coisa que as
outras sempre faziam.
— Aurora — respondeu se virando em minha direção. — Cheguei em Las Vegas essa
semana, senhor.
Eu nunca tinha a visto e ela realmente não parece saber se portar, é mesmo uma das
novas meninas de Antônio.
Aurora me intriga. Eu não me interessei por ela; mesmo estando seminua ela não
causou nenhuma ação sobre mim. Mas há algo de errado com ela. Ela me lembra Serena,
de certa maneira. Não na forma como eu me sinto atraído por Serena, nem em um milhão
de anos, mas na forma como há algo nela que demanda proteção.
— Como chegou aqui, Aurora? — perguntei e ela não se mexeu.
— Meu pai — sua voz não passava de um sussurro, e eu ergui as sobrancelhas.
Péssima motivação para se estar num prostíbulo. — Ele... precisava de dinheiro e eu quis
ajudar — quis. Eu percebi que sua mentira não havia tom de verdade nem aos ouvidos
dela. Entendi a conexão que ela tem com Serena; Aurora também não está aqui por
vontade própria.
— Quantos anos você tem? — ela se encolheu mais ainda com minha pergunta.
Merda...
— Vinte e um — respondeu prontamente.
Me levantei e caminhei em sua direção devagar. Ela engoliu seco e deu um passo
para trás, quase se desequilibrando em seus saltos.
— Você sabe quem eu sou, Aurora? — perguntei e ela balançou a cabeça
rapidamente. — Então diga.
— Você é o Capo, o dono de tudo isso — sua voz era trêmula ao responder.
— Quase certa. Eu não sou só o dono de tudo isso, eu sou o dono de todas essas
pessoas. Não somente o seu dono, mas dono do seu chefe e dos chefes dele e eu estou te
ordenando: não minta para mim. Nunca — falei pausadamente. Os olhos dela se encheram
de lágrimas. — Então de novo, Aurora, estou de bom humor e vou fingir que você não
mentiu para mim. Quantos anos você tem?
Ela respirou fundo algumas vezes e olhou para os seus pés, cruzando as mãos na
frente do corpo.
— Dezessete — resmungou. Fechei meus olhos e apertei a ponte do meu nariz com
meu polegar e meu indicador. — Dezoito em três semanas — acrescentou, como se fosse
melhorar a situação
Dei um passo para o lado e ela se encolheu, erguendo os braços em sinal de defesa,
como se eu fosse bater nela. Isso me trouxe ainda mais raiva. Dezessete anos e já se
esquivava dos movimentos de homens.
Puxei a cortina para o lado e vasculhei o salão. Ettore entrou em meu campo de visão
e eu fiquei levemente surpreso e satisfeito em perceber que ele estava, de longe,
guardando a minha cabine. O chamei com o indicador e ele rapidamente veio em minha
direção.
— Quem é o segundo no comando, Ettore? — perguntei, mesmo sabendo a resposta.
— É Vittorio Donatti, senhor — respondeu prontamente.
— Você vai ligar para Donatti e dizer que ele foi promovido, depois vai chamar Antônio
e dizer que eu quero vê-lo no deposito e em seguida vai cuidar dessa moça, levá-la para
outro lugar e vai garantir, com sua própria vida, que ela não vai voltar a trabalhar em
nenhum lugar como esse em Las Vegas ou em qualquer outra cidade sob nosso domínio
— dei as ordens. O que teria intrigado a qualquer um não parecia deixá-lo curioso. Ele
olhou para mim balançando a cabeça positivamente e em seguida para Aurora, mas ao
olhá-la vincou as sobrancelhas e, em um gesto inesperado, ele tirou sua própria jaqueta e
entregou para a moça.
— Vista isso. Vou tirar você daqui assim que chamar Antônio — contive um sorriso
após suas palavras. Um futuro brilhante.
— Senhor Bellini, eu não posso... eu preciso trabalhar — Aurora disse em um tom tão
baixo que se eu não estivesse tão perto dela não teria escutado.
— Você ouviu Ettore, ele vai cuidar de você — dei de ombros e sai da cabine privativa.
Não tenho tempo para isso, tenho negócios a cuidar.
O deposito sempre ficou nos fundos do Blue's. Um amontoado de caixas de bebidas,
frio e escuro. Aguardei pacientemente.
— Chefe? — a voz de Antônio soou quando ele empurrou a porta de correr, onde eu
estava parado logo ao lado. — O garoto me disse que você queria me ver — sua voz era
incerta e eu sorri. Ele sabia.
Me aproximei devagar, ele não ouviu meus passos. Quando estava a centímetros dele
chutei a dobra de seus joelhos e ele caiu, arfando com a dor.
— Chefe... o quê... — começou a dizer, amedrontado. Antes que ele pudesse terminar,
chutei-o novamente, dessa vez em sua barriga. O homem se encolheu e choramingou.
— Eu só tenho uma regra para você, Antônio: não traga crianças para dentro dos
meus lugares. E você a descumpre?
— Chefe, eu juro que... — começou a dizer, mas eu o chutei novamente e, dessa vez,
ele se virou e cuspiu sangue. Revirei os olhos. Tão fraco.
— Não jure nada, Antônio — praguejei e ele se encolheu mais. — Eu te falei que não
queria menores de idade aqui, não queria pedófilos do caralho se aproveitando de meninas
sob o meu teto.
— Chefe, eu não sabia! Não sabia! Não vai... não vai acontecer de novo! — cuspiu
mais sangue ao terminar sua fala.
— Jure — comandei.
— Eu juro, juro pela minha vida, nenhuma menor de idade.
Me abaixei em sua direção, sorrindo frio.
— Eu pensei ter dito que não queria que você jurasse.
— O que? Mas foi você que... — ele começou a se justificar e eu saquei a arma no
coldre em meu peito, desferindo um único tiro em sua testa.
Antônio caiu morto e eu me ergui.
Guardei a arma novamente e respirei fundo. A mistura ferruginosa e doce de sangue.
Eu acabei de matar o melhor gerente dos meus prostíbulos. "Porque ele quebrou uma das
minhas regras", tentei me convencer. Mas eu sei o motivo. Eu matei Antônio porque a
forma como ele agiu fez eu me lembrar da própria situação em que Salvatore colocou
Serena.
Eu matei um dos meus homens de confiança porque a mera sensação de que alguém
podia machucar não ela, mas alguém como ela, me enlouquece.
Fechei meus olhos.
O que eu estou fazendo?
TREZE
Minha primeira semana como senhora Bellini correu muito mais tranquila do que eu
poderia imaginar, e tão solitária quanto. Eu praticamente não vi os irmãos ou Edward.
Quando já era bem tarde e eu estava sonolenta meu esposo aparecia, tomava banho e se
deitava ao meu lado. Desaparecia antes de eu acordar.
As refeições eram igualmente solitárias. Se eu não visse as migalhas sobre o balcão,
acreditaria que estava sozinha na casa. Vez ou outra eu ouvia um carro saindo ou barulhos
de socos e chutes na sala de jogos, mas não me atrevia a chegar perto.
Quando percebi que nenhuma dinâmica bizarra de violência tinha se instalado, resolvi
começar uma pequena exploração, muito mais motivada pelo tédio do que por querer
conhecer o lugar. Depois de muito analisar e perceber que Thomas não aparecia na
biblioteca, peguei alguns livros. Ciências, ficção e história. Sete dias depois eu já havia lido
todos os títulos que tinha achado interessantes na primeira estante e estava pouco
interessada em continuar. Por mais que fosse bom, passar os dias lendo me causou
cansaço.
E mesmo que eu tentasse me manter ocupada, havia a absurda saudade. Eu penso
em Luke constantemente. Meu coração aperta apenas com a remota lembrança de seu
sorriso, a forma como ele me abraçava ou como parecia se sentir seguro em minha
presença. Eu o abandonei, ele pensaria, tinha feito exatamente como sua mãe e pai
fizeram antes. Mas eu sei, e torço, para que ele nunca saiba que eu fiz isso por ele. Se
Luke e as outras crianças e mulheres que trabalham no orfanato podem ter uma vida plena
e sem violência, eu estar aqui é um preço justo a se pagar.
"Você não está se alimentando direito", foi a última coisa que Edward me disse há três
dias atrás quando apareceu na cozinha durante o meu café da manhã. Eu comia uma
maçã, o primeiro alimento desde o almoço do dia interior, e quase me engasguei quando o
vi chegando vestindo uma roupa informal, mas toda preta. As mangas estavam
arregaçadas e exibia a tatuagem da Cosa Nostra em seu antebraço. Fiquei hipnotizada
com o quão forte eram seus braços, tanto que demorei alguns segundos para respondê-lo
com nada além de um sussurrado "estou sim".
E então, toda noite ele aparece em nosso quarto. Se deita tão longe quanto consegue
fazer, mesmo que meu corpo me traia de madrugada e eu acabe em seus braços, sentindo
seu calor e toda a segurança que eles me transmitem. Porém, pela manhã, ele desaparece
antes que eu acorde. Eu quase pude me ressentir por isso, mas me forçava a sempre
lembrar que, nas condições em que estou, ter um marido que não me estupra e espanca é
muito mais do que eu podia receber.
— Eu estou bem — sussurrei para mim mesma.
Não me importo com seus motivos, não me interessa se os Bellini estão fazendo isso
para que eu me sinta confortável; parece que eles querem me enlouquecer pela solidão, ou
que simplesmente não se importam comigo o suficiente para aparecer. Estar sozinha é a
realidade. Mesmo assim, dentro das possibilidades, a solidão é aceitável e preferível, então
eu considero como uma jogada de misericórdia.
Só que, de todos os desconfortos que podiam se seguir, eu nunca imaginei que uma
amostra de ciúmes se fizesse presente em meus pensamentos. Coisas martelavam no
fundo da minha mente. Todas as vezes que Edward aparece, minha mente se pergunta
"ele esteve com outra mulher hoje?". A resposta provavelmente seria sim, e eu devia ficar
grata por ela, mas me incomoda. Me incomoda mais do que eu posso externalizar ou
sentir.
A imagem dele afundando suas mãos nos cabelos de outra mulher, beijando outros
lábios e entrando em êxtase na companhia de uma prostituta me deixa atordoada. Eu já
tinha ouvido tia Gisele dizer que tio Matteo ter encontrado Nina, uma prostituta, era a
melhor coisa que tinha acontecido em seu casamento, e que isso é uma coisa recorrente
entre as mulheres da máfia. Mas eu simplesmente não consigo.
Soltei o livro sobre a segunda guerra mundial que estava lendo e joguei-o do outro
lado da cama. Estava confortável o suficiente e tinha a quantidade certa de conhecimento
sobre a rotina da casa para poder me deitar do lado de Edward na cama e afundar meu
nariz em seu travesseiro.
É patético, mas eu gosto de estar aqui. Os lençóis tem um cheiro masculino e
aconchegante, e se eu me desligar completamente, posso sentir as mãos fortes dele me
segurando mesmo que por um segundo. Eu respirei fundo para inalar mais do seu cheiro, e
isso lançou um efeito de necessidade em minhas entranhas. Sentia-me pulsar por dentro.
Fechei os olhos e apertei minhas coxas buscando alívio; o movimento não aplacou o
pulsar.
Estou, oficialmente, ficando louca.
Resolvi não passar o dia no quarto, entediada e necessitada, então sai do cômodo e
caminhei até a sala do piano, o lugar que me intrigou desde a primeira vez em que eu
estive nele.
Em casa costumávamos ter um piano, mas eu acabava irritando Verônica e meu pai
enquanto treinava. Salvatore se desfez do instrumento quanto eu tinha treze anos e,
mesmo com meus pedidos constantes, ele jamais deixou que tivéssemos outro.
Na casa de Edward, o piano tem uma sala só para ele. Quando o sol invadia as
janelas do cômodo parecia que tudo ali tinha sido minimamente projetado para que o
instrumento fosse o total centro das atenções. Meus dedos quase doíam para reverenciá-
lo, mas meu esposo tinha deixado bem claro que é dono do instrumento. Não quero
desrespeitá-lo ao tocar sem permissão.
Sai da sala com um suspiro, me sentindo mais do que entediada.
Parecia um dia lindo em Las Vegas, iluminado e muito mais brilhante do que eu tinha
visto em meses em Londres. Resolvi aproveitar um pouco do sol e caminhei até o lado de
fora, respirando o ar menos úmido que o londrino. Há aquela estranha inquietação sobre
estar aqui, afinal, eu nunca tinha escolhido que essa fosse a minha casa. Mas, ainda
assim, a calmaria em contraponto a tudo que eu estou vivendo é uma benção. Talvez seja
algum tipo de mecanismo de defesa, mas fiquei surpresa ao perceber que, em apenas sete
dias aqui, Las Vegas parece muito mais minha casa do que Chicago tinha sido.
Eu não me sentia parte de tudo na mansão do meu pai, e muito disso vem pelo fato de
que ele, meu tio e Verônica propositalmente faziam com que eu me sentisse mal. Eu era
apontada como fraca, como alguém que era ingrata. Em Las Vegas eles estão tentando
fazer com que eu me encaixe, pelo menos.
Não é o meu lugar favorito no mundo, mas ninguém está tentando me expulsar. Ainda.
As histórias de casamentos na máfia geralmente não tinham começos tão calmos
como o meu, e isso trazia ainda mais gratidão. As filhas da máfia que eu conhecia em
algum momento apareciam com olhos roxos, costelas quebradas e quilos mais magras. Em
minha própria família, tio Matteo surra tia Gisele com a mesma frequência que mata seus
inimigos. Era isso que eu esperava para mim, eu já tinha aceitado esse destino.
Mas então, existe Edward, por quem eu estou estranhamente atraída e oprimida pela
presença, um equilíbrio nada convencional. O marido que não fez nada além de ser
perfeitamente tranquilo. Ele é o Capo; matar e lucrar sobre a miséria e os vícios das
pessoas é o que ele faz. Mas para mim, até o momento, ele nunca foi menos do que
alguém que quer que eu esteja à vontade.
Em meio aos meus devaneios passei pela porta da casa, indo em direção ao jardim,
esperando talvez encontrar um banco para que eu pudesse me sentar e absorver o sol que
Londres tinha me privado.
— Eu não acredito! — me sobressaltei, surpresa quando avistei um pequeno canteiro
de flores.
Sorri para as mudas que ainda não tinham sido presas no chão. Margaridas, tulipas e
rosas. Estava quase dando pulinhos por finalmente ter algo para fazer. Nunca imaginei
que, de todos os sentimentos que eu poderia encontrar, tédio seria o meu principal
problema.
Me sentei na grama, aproveitando que já vestia uma jardineira, e comecei a abrir os
buracos com a pequena pá que já estava na terra fofa. Trabalhos manuais poderiam me
ajudar a tirar toda a confusão em que minha mente se encontra. Não ter que pensar em
Edward, casamento ou a maneira bagunçada com me sinto sobre ele ou Las Vegas é uma
benção. Retirar as flores dos vasos, coloca-las na terra, arrumá-las e por um pouco de
água é um processo quase terapêutico.
Por algum motivo me lembrei de Verônica, e meu coração apertou. Quando ainda
levávamos uma vida quase normal — no tempo em que éramos crianças e não sabíamos
que a Outfit é muito mais do que um conjunto de letras que tirava nosso pai de casa —,
Verônica e eu brincávamos no jardim. Falávamos que, depois de crescermos, moraríamos
só nós duas em um jardim e passaríamos os dias plantando roseiras.
Em um certo dia, ela mudou. Não era mais ela mesma, já estava obcecada com a
máfia e seus códigos de conduta. Eu não pude suportar. Mesmo tendo apenas dezesseis
anos, eu sabia que enfrentaria a perda completa da minha irmã caso ficasse, então eu fugi.
Meu pai deixou bem claro que eu estaria de volta quando ele achasse que era necessário,
e a aliança de casamento no meu anelar é a prova de suas palavras.
— O que você está fazendo aqui? — a voz de Edward em cima de mim me
sobressaltou e eu me encolhi. Não era sua voz neutra.
Meu marido, definitivamente, está com raiva.
CATORZE
— Eu não acredito que eles estão dando as caras nas ruas pela primeira vez — rosnei
e Thomas travou seus punhos.
— Os soldados mataram os dois antes que pudessem ser interrogados. Eles
começaram um tiroteio perto do Blue's — recebi o relatório do meu irmão e massageei as
têmporas.
Desde que assumimos a Cosa Nostra em Las Vegas, os russos da Bratva não se
atreveram a entrar em nosso território. Lorenzo desonrou o nome Bellini e, por muito
tempo, outras organizações consideraram Las Vegas uma terra sem lei, o que mudou
quando eu e meus irmãos restabelecemos as forças ao entrarmos no poder da cidade.
Nossos capitães são somente aqueles que acreditam na nossa soberania, e os soldados
agora sabem que a organização é mais importante que as próprias vidas deles.
Eu imaginei que eles tentariam voltar-se novamente para o nosso território, e já
estamos prontos. Temos todos os cassinos, todos os bordéis, todos os pontos de tráfico e
armas que o exército ainda não pode sequer sonhar ter em grande escala.
— Esse provavelmente é um fato isolado, mas mantenha os homens de olhos abertos
nas ruas. A qualquer sinal de uma nova invasão nós mesmos vamos resolver isso.
— Você acha que é certo o Capo ir cuidar de porcos como esses por ele mesmo?
Você tem coisas mais importantes do que um ou outro russo bêbado — Thomas é um
estrategista nato e claro que eu posso confiar cegamente em seus planejamentos, mas
quando o assunto são as aparências que a máfia exige, meu irmão se perde.
— Meus aliados e inimigos precisam saber porque estão do lado que estão e a
resposta é: porque eu sou invencível — me reclinei em minha cadeira e Thomas sorriu
orgulhoso. — Meus homens têm que ver que eu posso e vou resolver qualquer coisa que
precisar, seja um par de russos cuzões ou a porra do exército americano inteiro. E meus
inimigos vão assistir e entender porque nós tomamos Vegas e não eles.
Ser o Capo e governar é mais do que uma simples missão: é o meu projeto de vida.
Lorenzo, nosso pai, nunca quis que nenhum de nós assumíssemos. No alto se sua
petulância, ele acreditava que seu reinado era para sempre. Nossa mãe temia por mim e
por George e, posteriormente, por Thomas. Não tínhamos sequer nomes italianos, já que
nosso pai acreditava que não éramos dignos. Ele queria que fôssemos aprisionados em
cargos de baixo escalão por seu medo de que nos tornássemos monstros.
Nos tornamos pior.
Olhar para nós três é a prova disso. Carregamos cicatrizes muito maiores do que as
sessões de tortura de nosso pai podiam traz, criamos nossas próprias marcas e as
cultivamos, porque elas formam nossas armaduras.
Nunca houve um tempo normal para nenhum de nós. Desde quando eu posso me
lembrar, meu pai me surrava até a inconsciência para que eu parasse de me comportar
como uma criança. Eu tinha quatro anos quando tudo começou. Mais tarde, quando
George nasceu, ele batia no meu irmão como forma de me punir e, quando eu tentava
defendê-lo, sua tortura recaia sobre mim.
Mas o pior começou depois, com Thomas, o qual só descobrimos a sua existência
quando eu já tinha dez anos e George seis. Numa noite chuvosa, meu pai arrastou uma
mulher loira pelos cabelos até a frente de nossa casa; a prostituta que tinha parido
Thomas. Minha mãe disse para George e eu não descermos e foi até lá, implorando a
Lorenzo que não fizesse aquilo na frente do próprio filho. Eu podia ouvir de onde estava,
mas fiquei curioso já que, afinal de contas, George e eu — os únicos filhos de Lorenzo,
acreditava eu — estávamos em nosso quarto.
"Fique aqui, eu volto já", eu disse para George, que tremia de medo em sua cama. Ao
descer as escadas, escutei os tiros. Depois dos disparos, ouvi o choro desesperado e
infantil, seguido de pancadas. Era muito pior do que George e eu já tínhamos sofrido
naquela época.
Eu não consegui me mexer. Alguns minutos depois, Lorenzo carregou o pequeno
menino loiro e ensanguentado e jogou-o aos meus pés. Mamãe entrou logo em seguida,
com o nariz estourado e o olho roxo.
"Mais um lixo como você". Ele cuspiu e subiu as escadas, sem se importar em deixar
para trás um filho à beira da morte.
Thomas é nosso irmão bastardo. Aquela foi a primeira vez que eu o vi e eu jurei pelo
sangue que escorria de seu pequeno corpo que Lorenzo se arrependeria pelo que fez
conosco e com nossas mães.
Lembrar de todos os acontecimentos da época sempre me causa asco.
— Pensando nele? — Thomas me arrancou de meus pensamentos e então eu percebi
que estava devaneando. — Ele ainda está aí — confidenciou em voz baixa.
— Pensando nelas, na verdade — falei e Thomas cerrou os punhos. Anna e Laura. A
minha e a sua mãe.
— Também tenho pensado nelas com muita frequência — ele franziu o cenho e eu
olhei-o, curioso. Ele seria o primeiro a dizer que remoer o passado era tolice. — É a
primeira vez desde que Anna partiu que temos uma mulher nessa casa, e sua esposa... me
faz lembrar de como ela era.
Esfreguei meus olhos cansadamente, me lembrando de um dos meus martírios.
Quando eu tomei a decisão de trazer uma Greco para casa, esperava uma mulher cheia de
caprichos e facilmente detestável. Alguém que só serviria como um acordo de paz para
dar-nos acessos às rotas que precisamos no território da Outfit, uma mulher fácil de
agradar e ignorar.
Porém, recebi a atenciosa e suave Serena, a mulher impossível de deixar de lado.
— É por isso que você está a ignorando, não é? — Thomas disse sorrindo e a tensão
se esvaiu por parte de meu irmão. Revirei os olhos. Claro que tudo está sendo divertido
para os meus irmãos.
Serena ser doce e parecer completamente errada na casa que transpira pecado é
apenas uma parte da conta. Há algo tão grande e perturbador quanto, que me tira o sono.
Luxúria. Não existiu um minuto do dia em que eu não pensasse em seus lábios em formato
de coração, em sua pele macia e suave e em o quanto eu gostaria de me enterrar nela.
Céu e inferno em apenas uma pessoa. Serena alimenta tudo que há de mais
quebrado e perverso em mim, ao mesmo tempo. Uma combinação mortal.
Mais do que isso, ela aquece partes do meu peito que eu pensei que estavam mortas.
Quando ela sorri, quando ela se esconde atrás dos cabelos curtos, quando ela morde o
lábio de maneira contida... Me pego preso em seus gestos e expressões.
— Não estou ignorando, só dando espaço.
— Você não fodeu sua esposa ainda. George não nos deixa esquecer isso é claro,
mas até eu percebo o quanto isso é estranho — revirei os olhos.
— O que eu faço ou deixo de fazer com o meu pau e a minha esposa definitivamente
não é da conta de vocês.
— Só estive observando... — ele deu de ombros, mas eu podia ver uma sombra de
preocupação em seus olhos, o que não durou muito. Thomas ficou irritado em um segundo.
— E a última vez que você esteve no Blue's foi para matar Antônio e não para foder uma
das meninas. Estão começando a pensar que você é exclusivo agora. Eu estou puto com
você e elas estão bem insatisfeitas.
Aí está um dos meus grandes problemas. Fui claro com Serena: estaria com outras
mulheres enquanto ela não estivesse pronta, e ela pareceu suficientemente conformada
com isso. Mas ela chorou. Se eu não conhecesse tão bem os sinais corporais não saberia,
mas eu pude ouvir sua respiração curta e o seu fungar. Ela dormiu chorando.
Eu não soube os motivos. Serena me confunde. Ela não pareceu alguém desesperada
para se casar comigo, muito pelo contrário. Mas mesmo assim, quando eu disse que não
teríamos um relacionamento — mesmo que essa seja uma péssima palavra para definir —
em que eu estaria somente com ela, Serena se ressentiu.
Quando eu fui ao Blue's depois que ela chegou, a escuridão daquela noite me tomou.
Ela tinha aceitado, não porque poderia lidar com aquilo, mas porque não tinha escolha.
Então matei Antônio, muito mais para eliminar aquela porra de sensação do que por
merecimento, e ainda não foi o suficiente. Vivo com uma ereção persistente desde então,
desejando-a profundamente, não conseguindo — para não usar a verdadeira palavra que
me atormenta: não querendo — ir ao encontro de outras mulheres. Me sinto a porra de um
adolescente.
— Não é como se isso fosse um problema, Thomas — resmunguei e ele apenas
suspirou.
— Você sabe o que nutrir sentimentos por ela pode fazer com você — meu irmão
disse, unicamente. Sua voz perdendo todo o traço de diversão e se tornando quase como
que um aviso.
Aprendemos isso com duras surras. Sentir nos afasta do nosso propósito na máfia.
Lealdade e respeito uns aos outros é o suficiente. Temos que estar prontos para meter uma
bala no meio dos olhos de quem quer que seja pela organização. E ter afeto por alguém
impede isso.
George, Thomas e eu estamos acima dessa regra; sempre nos importamos
mutuamente uns com os outros, mas nós três também estamos intrinsecamente ligados ao
nosso juramento. Colocaríamos uma bala no céu da boca antes de lesar a Cosa Nostra.
Mas com Serena não é assim, com mais ninguém é assim. Não podemos confiar; ter
emoções pelas pessoas é garantia de fracasso.
— Não são sentimentos — eu garanti. — Apenas estou concentrando demais no que
temos que fazer para me preocupar em foder uma mulher a cada hora. Você e George
deviam experimentar.
— Então não tem nada a ver com a uccellino? — perguntou e eu revirei os olhos, me
levantando. George e Thomas começaram a me irritar. Não os culpava, é uma nova
situação, mas a porra de um casamento pelos negócios não me mudará, não me
transformará em um idiota sentimental.
— Não tem nada a ver com Serena — respondi. — Tenho certeza que você tem
negócios a tratar. O Village Cassino precisa de uma visita — o expulsei da sala e ele
revirou os olhos antes de se retirar.
Com certeza ele e George tiveram uma longa discussão sobre quem teria essa
conversa comigo, e eu sou grato por não ser George jogando suas merdas, pervertidas
demais até para mim. Mesmo assim, fui afetado por suas palavras. Eu estou dando espaço
a Serena, e posso estar em sua presença sem ficar confuso.
Decidido a provar a porra do meu ponto para mim mesmo, saí para procurá-la. Talvez
ela quisesse almoçar em algum lugar, ou simplesmente fazer compras como a vadia
pretensiosa que ela realmente é, mas que não demonstra. Todas elas são, no final das
contas.
A procurei pelos cômodos em que ela poderia estar, mas não encontrei. Estava
perdido sobre onde procurar quando ouvi movimentações do lado de fora da propriedade e
segui o barulho, me preparando previamente para o caso de ver Serena usando um biquíni
minúsculo perto da piscina, já que eu não sabia o que ela fazia lá fora. Mas o que eu vi
quando a encontrei foi perturbador.
Serena ajoelhada no meio do canteiro, colocando um par de margaridas na terra é
uma cena simples. Deveria ter sido simples, na verdade, mas sua imagem, o sorriso doce
em seus lábios e a forma como ela parece feliz no jardim me transportou para um de meus
pesadelos.
— O que você está fazendo aqui? — questionei-a, mas o mundo parecia ter cedido
espaço para minhas lembranças.
"Eu adoro rosas, querido, mas elas precisam de muito cuidado", minha mãe sorriu
para mim e George enquanto nos ensinava sobre como plantar flores em nosso jardim. Ela
adorava estar ali e nós passamos a gostar também; era um dos raros eventos que fazia
mamãe sorrir de verdade, e eles aconteciam sempre daquele jeito: só nós três e papai
longe de casa.
"Anna!", a voz de Lorenzo soou como um trovão e nós três nos encolhemos. Eu
imediatamente entrei em pânico. Ele não devia estar ali. George choramingou e mamãe
tentou dar a ele um sorriso tranquilizador, enquanto seus próprios lábios tremiam de medo.
"Eu já te falei para não ficar aqui com esses moleques". Eu queria tapar os meus ouvidos.
"Lorenzo, eu só estava..." ela começou a se desculpar, se encolhendo amedrontada,
mas meu pai já estava perto demais e a agarrou pelos cabelos, erguendo-a. George
chorou baixinho, sabendo que nós dois seriamos os próximos.
"Foda-se o que você estava fazendo, eles não podem vir aqui e ficar brincando como
se fossem a porra de dois bebês, sua vadia estúpida!", Lorenzo berrou e começou bater
em seu rosto. Meu irmão tapou os olhos e cambaleou para trás. Eu não conseguia me
mexer; queria fazer, mas não conseguia. Deveria ter me mexido. Eu precisava salvar Anna,
tirá-la das mãos de Lorenzo. Precisava tirar George dali antes que papai se irritasse com
ele. Precisava tirar Serena dali porque se Lorenzo a tocasse...
— Me solta! Você vai me machucar! — pisquei aterrorizado ao ouvir a voz
amedrontada de Serena, percebendo que minha mão estava agarrada em seu pulso e que
ela não estava mais sentada, mas de pé e quase presa a mim. Imediatamente a soltei e
recuei. — Você devia ter me dito que eu não podia estar aqui, não precisa fazer isso — ela
recolheu sua mão e eu senti alivio quando Serena não afagou o pulso. Não a machuquei.
— Serena, eu... — o que posso dizer? Que vê-la dessa forma invocou o que tenho de
mais covarde em mim? — Que se foda — sussurrei e assisti o ressentimento queimar em
seus olhos. Ela jamais entenderia, e nem mesmo eu entendia porque isso me afeta tanto.
Era só a porra de uma mulher em um jardim.
— Que se foda mesmo — cuspiu as palavras e saiu correndo para a casa.
Fechei os olhos, sabendo que a deixei chateada. Como eu posso continuar dizendo
para meus irmãos que não há nenhum sentimento?
Serena é a porra de um demônio saído direto do meu inferno pessoal para me
atormentar.
QUINZE
Foi um alivio não ouvir os passos de Edward atrás de mim. Corri pela casa, assustada
com a reação dele, com minha própria reação. Só parei ao estar novamente no quarto.
Fechei a porta atrás de mim com um barulho ruidoso e a tranquei, meu senso de proteção
falando mais alto do que qualquer traço de racionalidade.
Inclinei-me contra a porta, deixando minha testa descansar encostada na madeira
escura. Levou alguns segundos até que eu conseguisse normalizar a minha respiração.
Olhando para Edward Bellini eu me sinto como um pássaro hipnotizado pelos olhos da
cobra. Quando suas mãos agarraram meu braço e me ergueram, meu primeiro instinto foi o
de afastar, mas ao encarar a imensidão verde eu imediatamente me vi presa a ele. Não é
saudável, é perigoso.
Meu marido me olhava, mas parecia não me enxergar; permaneceu em silêncio por
segundos que pareceram horas. Eu esperava uma reação violenta, uma represália, mas
então ele me soltou como se minhas palavras o queimassem.
— Isso é... demais para mim — murmurei.
Por que eu não consigo parar de pensar na forma como Edward parecia atormentado,
ou na maneira como ele disse meu nome quase como se fosse uma súplica? O problema
está comigo. Eu estou tão amedrontada, com tanta vontade de viver uma vida normal, que
comecei a dar significados diferentes a suas ações.
Sua voz era de raiva. Não importa a forma como seus olhos pareciam torturados ou
como ele pareceu despertar quando eu gritei, não importa se ele tinha se afastado de mim
quando pareceu perceber sua ação. Edward Bellini é um monstro, eu não posso enxergá-lo
de outra maneira. Eu não devo enxergá-lo de outra maneira.
É uma questão de sobrevivência.
— Serena? — eu ouvi seus passos e em seguida a tentativa de abrir a porta. Minhas
mãos voaram para impedi-lo, mesmo que ela esteja trancada.
— Não! — sussurrei trêmula. Não era medo, mas ele identificou como se fosse.
— Está tudo bem, Serena, eu não vou te machucar — disse mantendo suas palavras
propositalmente suaves. A parte racional de mim não acreditou, mas eu sei que se ele
quiser simplesmente pode empurrar-me. Ele não o fez. — Eu queria... — sua voz morreu.
Se desculpar? Homens como Edward Bellini não pedem desculpas, eu aprendi isso
cedo. No mundo da máfia não há espaço para arrependimentos e sentimentos que
precisam ser concertados. Eu sou uma peça nesse jogo e peças não se ressentem, não
precisam de retratações. Sempre fora assim e eu não espero que mude.
— Não tem nada a ver com você — ele se afastou da expressão proibida. Me perdoe.
— Essa casa também é sua, você tem o direito de fazer o que bem entender dentro dela.
Plante o que quiser, mude o que quiser, reorganize da forma como preferir, eu nunca agiria
violentamente contra isso. Eu nunca agiria violentamente contra você.
Suas palavras, por algum motivo, me entristeceram. Eu sei que eles não se
desculpam. A parte inocente e sonhadora de mim quis que ele esboçasse qualquer reação
diferente do esperado de um homem feito, mesmo sabendo que esse é o verdadeiro
Edward: um homem da máfia, tão cruel e preso aos seus juramentos quanto qualquer outro
que esteve ao meu redor enquanto eu crescia. Imaginá-lo de outra maneira é apenas
fantasiar o impossível.
Ele não está se sentindo culpado. Ele e os outros não são capazes desse sentimento.
Na verdade, eu julgo que não são capazes de sentimento algum. Apenas não queria abalar
a dinâmica do momento. Eu não posso me esquecer do que eu realmente represento para
ele, eu sou a chave para a aliança de duas famílias da máfia.
— Vê-la ali... — sua voz era tão baixa que fez com que eu me aproximasse da porta.
— Despertou... lembranças que eu não estava preparado para ter.
Aquilo definitivamente me intrigou. Por que ele está falando de suas lembranças
comigo?
— O que você quer dizer? — perguntei baixinho, esperando que ele não tivesse
ouvido.
— Faz muito tempo desde que... desde que tivemos uma mulher morando sob esse
teto. Você... me faz lembrar dela — murmurou como se isso fosse a confissão de seu maior
pecado.
Uma mulher antes de mim? Me afastei, ferida. Eu o fazia lembrar de um de seus
interesses amorosos anteriores. Uma prostituta? Não, sua voz era respeitosa demais, era
alguém que ele tinha... amado? Edward Bellini não é capaz disso.
— Minha mãe — sussurrou como se fosse capaz de ler meus pensamentos.
Anna Bellini. Eu sei histórias sobre ela. Antes de me mudar para Londres, vez ou outra
durante os jantares que meu pai dava em casa, eu podia ouvir os capitães se ressentindo
pela forma brutal como Lorenzo tratava sua família. Não que fosse muito diferente da forma
como os homens feitos da Outfit se comportavam em suas próprias casas, é claro. "Ele é
um monstro nojento, fazer isso com uma mulher...", as palavras sempre seguiam um rosnar
irritado, como se eles não fizessem o mesmo.
Eu o faço lembrar Anna?
— Não é nenhuma merda freudiana, é só que... — as muralhas começaram a se
reerguer ao seu redor. Voltei-me para mais perto da porta, querendo que ele falasse, que
qualquer traço de humanidade fosse jogado em minha direção. Eu preciso me agarrar a
isso. Se a memória de Anna for o que humaniza os Bellini, eu preciso dela. — Essa é a sua
casa, Serena. Ninguém vai encostar em você.
Silêncio.
Nenhum de nós falou mais nada. Eu podia suspeitar que ele tivesse ido embora, se
cansado de tentar me fazer entender, já que seus passos são sempre silenciosos e
sorrateiros. Mas eu ainda senti sua presença, podia sentir a atmosfera que o cerca.
Minha mão foi em direção a maçaneta. Eu não devia abrir a porta. Pode ser apenas
um truque, para que eu pense haver alguma ligação e que ele possa me machucar não só
fisicamente. Pode ser parte de algum jogo sádico. Mesmo com todos os pensamentos e
teorias, abri a porta.
Edward pareceu meio chocado em me ver. Por um segundo seus olhos se
arregalaram, mas depois ele voltou a sua expressão neutra de sempre. Os muros já
estavam erguidos de novo.
Eu o olhava sem entender, confusa demais. Com raiva, triste, desesperada, com
saudade de Luke, chateada por ter me casado há uma semana e por estar sozinha o
tempo todo, por estar numa casa que transpira sangue e dinheiro. Lágrimas idiotas se
formaram em meus olhos, mas eu não deixei que elas caíssem.
Confusa demais.
Dei um passo em sua direção. Edward permaneceu parado, mas um pequeno vinco
se formou entre suas sobrancelhas. Mais um passo e eu estava à centímetros dele. Minhas
mãos tocaram seu antebraço e subiram pela musculatura perfeita até pararem em seu
rosto, no maxilar esculpido.
Confusa demais.
O beijei. Meus lábios encostaram nos dele suavemente. "Serena", ele disse na forma
de um suspiro e eu me perdi. Suas mãos enlaçaram a minha cintura e eu continuei tocando
seu rosto perfeito. Seu gosto é doce, o cheiro almiscarado em uma mistura entorpecente
de café e loção pós-barba.
Enquanto uma de suas mãos continuou espalmada em minha cintura a outra subiu, se
arrastando pela minha coluna até o meu pescoço. Edward agarrou os cabelos da base da
minha nuca, e um gemido escapou dos meus lábios.
Seu ato me despertou. Meus olhos se abriram instantaneamente e eu o empurrei,
ofegante. Senti meus lábios pulsarem, e eles não eram os únicos em mim que pareciam
vibrar. Olhei-o de olhos arregalados.
— Serena, está tudo bem... — ele começou a dizer para me acalmar, parecendo saber
que meu próprio ato geraria uma reação desesperada da minha parte.
Mas então eu bati a porta, correndo para dentro do quarto de novo antes que ele
adentrasse o cômodo. Ele não fez.
Escondi meu rosto em minhas mãos.
O que eu fiz?
DEZESSEIS
Bater na porta de seu escritório deveria estar na lista de prioridade de coisas a não se
fazer. Mesmo assim, cá estou eu. Bati meu punho duas vezes contra a porta em um
volume baixo, esperando que ele não ouvisse e minha loucura acabasse nisso.
— Entre, Serena — Edward disse e sua voz parecia um suspiro. Me encolhi, mas o fiz.
Eu estou tornando a vida de Edward Bellini bem mais difícil.
O espaço é muito parecido com o escritório que meu pai tem em Chicago. Estantes
abarrotadas de livros, algumas poltronas espalhadas pela sala, uma mesa com cadeiras e
muitos mapas sobre ela. O lugar cheira a charutos e se parece exatamente como as salas
dos mafiosos dos filmes. Durante os sete dias em que estou na casa, nunca tinha estado
no cômodo.
— Você precisa de alguma coisa? — perguntou ele cuidadosamente. Eu odeio seu
tom quase paternal, mas engoli um comentário.
Eu não estou aqui para irritá-lo, estou aqui para ser sincera. Me abrir e ser vulnerável
será a minha ruína nessa casa, mas eu preciso fazer isso porque a confusão está
lentamente me matando.
Edward Bellini é pura escuridão, enquanto eu tento caminhar em direção a luz. Mas
porque eu continuo sendo atraída em direção às trevas?
Eu estou cansada. Oficialmente desistindo. Por que eu estou conscientemente indo
em direção a ele? Eu nunca saberei responder e provavelmente me assustaria se
soubesse o motivo. Eu estou fechando meus olhos e saltando em direção ao precipício.
— Eu não sei o motivo pelo qual eu te beijei, eu... Estou muito confusa e... solitária...
— Serena, você não precisa se desculpar por isso. No final das contas você é minha
esposa, não precisa se sentir mal por isso — Edward respondeu cuidadosamente, olhando
fixamente em meu rosto. Meu coração se aqueceu com a forma como ele tentava parecer
compreender o que estava acontecendo.
— Eu devia saber como me portar — confidenciei, me aproximando de sua mesa e
sentando-me na cadeira a sua frente quando ele a indicou para mim, apontando-a. —
Nasci no berço de ouro da máfia, eu devia saber o que esposas fazem, como se portam,
como se vestem, o comportamento ideal para a esposa de um Capo, mas eu não sei.
— Eu sou o Capo da Cosa Nostra. As pessoas esperam ao meu lado uma mulher que
seja forte, mas tranquila, compassiva e um exemplo para todas as outras mulheres de
nossa família. Você pode ser isso, Serena. Você já é.
— Sempre que eu pensava em mim mesma em um casamento eu me via próxima ao
meu marido, ajudando-o, sendo mais do que um troféu, mais que um exemplo a ser
seguido — eu também sonhava com um marido que não matasse, mutilasse e traficasse
como forma de ganhar dinheiro, mas omiti isso porque essa parte nada mais é do que um
sonho inocente. Eu estava destinada a máfia, e todo o tempo que pensei o contrário
parecia inocente demais.
Eu estou me abrindo, dando a ele a oportunidade de pegar meus sonhos e minhas
fraquezas e jogar contra mim. Mas uma parte de mim, a parte pequena, esperançosa e
burra, pensa que se ele souber como eu me sinto poderíamos tentar nos entender nesse
acordo.
Então eu estou dando a ele todo o poder sobre mim. Um tiro no escuro. Um voto de
confiança.
— Um casamento na máfia não é um casamento normal porque... — ele começou a
me explicar e eu me encolhi. Não é como se eu não soubesse.
— Não é um casamento por amor — intervi, impedindo que ele pudesse me
machucar, dando essa honra a mim mesma. — Você e nenhum dos outros homens podem
amar suas esposas, nenhuma de nós deve esperar por isso.
Edward me olhou com certa surpresa. Eu podia ter estado fora da máfia por muito
tempo, ter negado onde nasci, mas não sou estúpida o suficiente para pensar que viverei
um romance. O amor para as mulheres da máfia só vem por parte de seus filhos; eles são
a única fonte de amor que podem ter, porque os homens com quem compartilham a vida só
estão verdadeiramente ligados com as organizações.
— Não podemos — concluiu e não tinha nenhum remorso em sua voz, era apenas
uma constatação. — Esse nunca vai ser um casamento por amor, Serena. Mas eu posso te
garantir que minha intenção sempre foi tratá-la com dignidade e, mesmo se fosse sua irmã
em seu lugar, como seu pai pensou que podia nos fazer pensar, a intenção era a mesma.
Isso me surpreendeu. Mesmo quando o acordo envolvia casar-se com sua maior
inimiga Edward tinha decidido que a trataria bem? Minha mente conspiratória teimava em
me dizer que eu sou descartável o suficiente para ele nem se dar o trabalho de tentar me
odiar.
— A intenção sempre foi que você estivesse à vontade aqui e aparentemente não está
acontecendo, não é? Afinal de contas, você teve que começar a beijar seu marido para se
entreter — disse com tom ainda neutro.
O olhei, boquiaberta. Edward Bellini acabou de fazer um comentário engraçado?
Minhas bochechas queimaram quando eu vi a sombra de um sorriso em seus lábios. Eu
me encolhi envergonhada de minhas próprias ações, mas não arrependida.
Surpreendentemente não arrependida.
— O que podemos fazer para deixá-la mais à vontade? — questionou.
Há uma semana atrás eu tinha certeza que à essa altura eu já estaria presa em algum
quarto, machucada demais para me mover e pronta para acabar com minha vida, mas a
realidade se mostra exatamente o oposto.
Eu não deixo me enganar. Sei que Edward é perigoso e que me tratar bem é uma
decisão consciente dele. Eu continuo casada com um monstro, um homem cujas histórias
de violência ultrapassam qualquer coisa, cujo nome faz as pessoas tremerem mesmo em
Chicago. Mas ainda assim ele tenta me deixar a vontade.
— Cozinhar... — balbuciei e ele ergueu uma sobrancelha. — Quero dizer... eu quero
fazer as coisas sempre fiz. Eu gostava de cozinhar quando estava em Londres e de...
fotografar... Essas coisas.
— A cozinha é sua, sempre esteve aberta. Tudo nessa casa é seu. Se é um estúdio
de fotografia que você quer, é o que você terá. Me dê uma semana e tudo estará pronto —
ele disse, se inclinando em sua cadeira. Lhe lancei um sorriso contido. Ele está me
oferecendo todas as coisas que seu dinheiro pode comprar. — Não é o suficiente? Peça,
Serena! O que você quiser fazer você terá.
"Eu quero Luke comigo", eu queria dizer. "Quero você por
perto, mas também o quero longe", "queria estar em Londres",
"queria nunca ter nascido uma Greco".
— Eu gostaria de não estar tão sozinha — falei, sabendo o quão patética soaria.
Sabendo que ele provavelmente riria ou, na melhor das hipóteses, contrataria uma amiga
para mim.
Para minha completa surpresa, Edward se levantou de sua cadeira e rodeou a mesa,
até parar ao meu lado. Eu o olhei, curiosa.
— Está quase na hora do jantar... — começou. Suas sobrancelhas se vincaram e os
lábios se comprimiram; o que quer que ele fosse dizer estava sendo difícil. — Por que não
cozinhamos?
Meu queixo caiu. Eu não consegui conter minha cara de absoluto espanto. O Capo da
Cosa Nostra se oferecendo para cozinhar comigo. Pisquei algumas vezes, sem entender,
pensando se eu tinha realmente ouvido o que ele tinha dito.
— Você quer ou não? — perguntou impaciente e eu me ergui em um solavanco.
Edward segurou a minha mão, que praticamente desapareceu dentro da sua. Seus
dedos quentes e a palma da mão rodeada por cortes de faca mostrando a escuridão de
suas ocupações. Edward olhou para nossas mãos dadas, franziu o cenho e eu estremeci.
Era possível que ele também tivesse sentindo a corrente elétrica que passou por nós?
Quando chegamos a cozinha, pude presenciar uma cena muito impressionante:
Edward parado no meio do cômodo com as mãos nos bolsos e a postura em alerta, como
se os liquidificadores e fornos fossem atacá-lo a qualquer momento. Com certeza essa é
uma cena única.
— Então... o que você quer fazer? — perguntou, olhando ao redor.
"Beijar você"
— Talvez lasanha. Ou frango xadrez? — perguntei incerta. Não tinha certeza no que
consistia a alimentação dos Bellini. Sangue puro de seus inimigos como acompanhante?
— Então você vai precisar de... trigo? — mordi os lábios tentando conter uma
gargalhada.
Edward é um mafioso cruel e poderoso, mas não sabe o que usar em receitas? Ele
ergueu uma sobrancelha olhando para mim e eu me encolhi, ainda soltando
remanescentes das gargalhadas.
— Eu te digo o que precisar — falei suavemente e ele deu de ombros. — Acho melhor
lasanha... George e Thomas comem lasanha? Na realidade frango xadrez seria difícil
porque eu sou alérgica a amendoim... — comecei a tagarelar.
— Serena, você não precisa cozinhar para George e Thomas. Hoje eles não estão
aqui, e essa não é a sua função, você vai fazer isso porque...
— Porque eu quero — intervi suavemente, e ele pareceu surpreso. — Porque eu
quero cozinhar. Eles são sua família, passaram a ser a minha também. Não tem motivos
para não o fazer.
Edward me olhou, como se eu tivesse dito algo que ele nunca esperaria que fosse
dito. E então ele esboçou um sorriso.
— Eles chamam você de Uccellino, sabia? — questionou, caminhando em minha
direção. Minha respiração ficou presa em minha garganta. Confusão. Necessidade. Desejo.
— Eu acho que combina.
Edward se inclinou em minha direção, sua mão foi em direção ao meu rosto e ele
afagou suavemente, como eu nunca imaginei que fosse possível. As mãos acostumadas a
torturar e mutilar acariciaram a minha bochecha.
DEZESSETE
Como em todas as minhas manhãs em Las Vegas, o sol me fez acordar. Mas diferente
do costume eu não abri os olhos imediatamente. Fiquei deitada, me lembrando da noite
anterior. Um sorriso involuntário se abriu nos meus lábios e eu tratei de desfazê-lo e olhar
para o lado; não tinha ninguém para ver a minha cara satisfeita.
Como sempre, Edward já não estava na cama. Suspirei cansada e rolei para o seu
lado, um hábito que eu havia pegado. Seu cheiro me envolve de uma maneira inexplicável,
como se o mundo desligasse ao redor e tudo que existisse fosse esse momento. E
contrariando a minha crença de que estar em seus braços iria retardar esse desejo feroz
que meu corpo parece ter, sentir o cheiro de Edward nos lençóis me trouxe a mesma
contração e a necessidade de sempre.
— Mas eu estou sozinha de novo — suspirei para mim mesma. Ele não tinha ficado.
Levantei, sentindo-me dolorida. Fiz uma careta, mas não me importei. A noite passada
foi... inexplicável. Edward fora insaciável, me levando em direção a todos os limites que o
prazer teve para mim e rompendo-os para criar novas fronteiras que ele mesmo
desconstruiu, deliciosamente. Ele foi paciente e generoso, mas ao mesmo tempo
dominador.
Caminhei para o banheiro com um suspiro. Nada da noite quente e íntima fez Edward
permanecer. Eu devia estar agradecendo, já que ele satisfazia meu corpo e não se
aproximava o suficiente para me deixar vulnerável, mas essa lógica é deprimente para
mim. Parece o tipo de coisa envolta nos jogos do meu pai, e eu não trabalharei nisso. Eu
sou uma peça, tenho que manter as crianças do orfanato vivas, tenho que manter Luke
vivo, mas isso não significava que eu serei parte do jogo, que estarei em suas tramas
danosas.
Me despi e afundei na banheira com água quente, lavando os vestígios da noite
anterior meio à contragosto. Eu quis estar limpa, mas secretamente quis manter o cheiro
de Edward em mim. Me vi satisfeita ao perceber os pequenos hematomas que os lábios
dele fizeram ao longo dos trajetos de seus beijos. Corei ao notar que algumas marcas
serão aparentes, mas não pude conter um sorriso.
Afundei um pouco mais na água. Não posso deixar que meus sentimentos estejam
envoltos nesse momento, isso deve ser algo apenas físico. Um passatempo. Eu não devo
sorrir quando me lembrar, eu não devo ficar triste quando ele não acorda ao meu lado.
Deixei que a água quente fizesse sua mágica, relaxando meus músculos enquanto eu
esfregava meus membros para me dar conforto. Peguei-me pensando que gostaria que
Edward estivesse comigo. Um momento simples e íntimo compartilhado. Eu sei que não
deveria querer, deveria aproveitar o envolvimento físico e proteger meus sentimentos. Mas,
mesmo assim, não consigo deixar de imaginar como seria acordar em seus braços,
compartilhar refeições e pequenos momentos como esse.
Suspirei, deixando a banheira quando a água já estava fria demais para trazer algum
conforto. Me sequei rapidamente e escolhi um dos longos vestidos de verão que Verônica
comprou para mim. Pensei em minha irmã por um segundo... Será que ela sabe que eu
estou bem? Ela se importa?
Meu coração apertou. Meus últimos momentos com Verônica mostraram sua
preocupação comigo. "Eu vou rasgar Las Vegas com minhas próprias mãos para salvar
você", ela tinha dito, mas ainda assim não pestanejou ao me entregar para os Bellini. O
conflito eterno entre pessoa e parte da máfia.
Desviando-me de meus pensamentos, segui em direção a cozinha e não me
surpreendi ao vê-la completamente vazia. George e Thomas não estão, nenhum som na
sala da testosterona e nem nos corredores que vão para seus anexos. Isso significa que
Edward provavelmente é a babá de hoje, e isso fez meu coração acelerar. Ele ficará
ocupado em seus escritórios todo tempo?
Peguei uma maçã e comecei a pensar: como será o dia? Não quero tirá-lo de suas
ocupações, não quero ser carente e desesperada, mas, ainda assim, eu estou... entediada.
Nunca, nem em um milhão de anos eu pensei que meu grande problema na casa dos
Bellini, traficantes, assassinos e torturadores seria o tédio. Sorri tristemente ao perceber
que não devo estar tão magoada com isso. Ser ignorada é muito melhor do que ser
estuprada, espancada e humilhada, e eu prefiro mil vezes esse isolamento do que
violência. Mas dói. A solidão é uma dor estranha, e eu nunca fui tão solitária antes. Não dói
no corpo, mas agoniza a alma.
Foi então que as notas suaves de Moonlight Sonata encheram o cômodo e eu quase
engasguei. Seria uma alucinação? Como as melodias tão delicadas e sinceras podiam soar
nessa casa?
Segui o som como se estivesse hipnotizada. Praticamente corri até a sala do piano e
só parei quando vi, boquiaberta, Edward dedilhar com maestria o instrumento, fazendo com
que a canção soasse ainda mais linda. Eu fiquei parada, ouvindo a música, deixando que a
harmonia encontrasse seu lugar direto em meu coração.
— Você conhece a história da composição? — Edward questionou e eu pulei, absorta
demais, quando sua voz adentrou meus ouvidos. Seu tom em um comum neutro, mas com
algo... diferente.
— Não — respondi, envergonhada por estar espiando.
Para minha surpresa, Edward arrastou-se para o canto do banco do piano, criando um
espaço. Ele olhou por cima do ombro e me tombou sua cabeça para aquele espaço,
indicando que eu deveria me sentar nele. Eu o fiz sem nem pensar.
— Beethoven estava em um lago na Suíça e se deparou com a solidão. Olhou para
lua e sua luz era sua única companheira, então compôs essa. Uma ode à sua única
companheira, sua amante naquele momento — ele disse e eu o olhei, completamente
presa.
É
É possível que esse homem vil e violento, mas que diz palavras suaves para mim em
seus braços possa se sensibilizar ao tocar essa música? "Não", eu respondi racionalmente.
Falta... algo. Edward contou a história bonita e se mostrou excelente com a composição,
mas mesmo assim... Frieza. As notas, que estavam intimamente conectadas ao meu
coração, eram perfeitas, mas não demonstravam a emoção. As palavras eram
reverenciosas, mas pareciam sem sentido. "Solidão", "amante", "ode", palavras que em
outro contexto seriam o ápice de um sentimento, com ele pareceram... vazias.
Edward percebeu que eu olhava diretamente para seu rosto e deixou a melodia sem
finalizar. Ele não disse nada, apenas permitiu que eu mirasse no fundo dos seus olhos frios
e vazios.
— Algo te perturba, Serena?
— Não — minha mão tomou vontade própria e tocou seu rosto perfeito e contido. Está
tudo bem.
— Você está... — ele começou a dizer mas eu o cortei, selando nossos lábios.
Edward correspondeu imediatamente ao beijo. A noite anterior encheu minha mente e
aqueceu todas as células do meu corpo. Seus lábios famintos me lembraram de cada
centímetro que ele havia beijado em meu corpo. Deixei um gemido necessitado sair e ele
capturou meu lábio inferior com seus dentes. Me agarrei ainda mais a ele.
— Eu estou entediada — brinquei quando suas mãos ágeis me conduziram até seu
colo e me sentei em cima dele.
— Espero que não esteja dolorida — disse, com a voz repleta de luxuria, e suas mãos
foram em direção aos meus seios. Arfei, arqueando minha coluna para que ele
aumentasse o contato.
— Foda-se — suspirei e ele deu uma risadinha que aqueceu meu coração. Edward ri
pouco e no momento, estando tão perto um do outro, eu posso jurar que essa risada é tudo
que importava.
— Todas as coisas que eu quero fazer com essa sua boca... — ele sussurrou e eu
instintivamente me movi em seu colo, sentindo-o contra mim. Seus olhos escureceram de
desejo, mas eu me encolhi, fazendo careta. Estou realmente dolorida. — Podemos cuidar
de seu tédio de outra forma — prometeu, os olhos se suavizando em cuidado.
Edward Bellini continua a se importar comigo e isso causa sensações confusas em
meu coração.
Ele me sentou ao seu lado novamente e eu senti o biquinho de frustração se formar
em meus lábios, mas logo o transformei em uma expressão mais contida.
— Você sabe tocar piano, não é? — ele questionou.
— Mais ou menos — confessei, dedilhando as teclas de maneira tímida. — Meu pai e
Verônica não gostavam muito que eu o fizesse então logo o piano foi levado de casa, não
ficou o suficiente para que eu pudesse aprender e nem eu permaneci por muito tempo na
casa depois daquilo — dei de ombros.
— Por que a Inglaterra? — Edward perguntou, mantendo a melodia. Eu percebi, com
certa surpresa, que ele tentava fazer perguntas para me conhecer. — Não parece que você
escolheu a Europa pelo estilo nórdico de viver a vida sem consequências.
— Não, definitivamente não — eu ri, acompanhando de maneira menos talentosa a
música. — Eu fui mais do tipo que se enclausurou nos fundos de um orfanato. Cozinhando,
limpando, cuidando de crianças enquanto não estava estudando... — meditei, pensando
em minha vida.
— Por que? — perguntou, me tirando de minha linha de raciocínio. — Por que você
deixaria uma vida prisioneira para viver outra vida de prisioneira? — não houve julgamento
em sua voz, apenas curiosidade. Edward pareceu realmente interessado em qualquer
besteira sobre mim, mesmo que fosse mínimo.
— Eu me sentia como se... como se estivesse em dívida com a sociedade. Como se
tivesse que me esconder, viver com o mínimo para compensar o fato de que eu nasci no
meio da máfia. Eu queria me afastar disso tudo — falei verdadeiramente. É fácil ser aberta
com ele, falar dos meus sentimentos, das coisas que eu penso. Fácil e perigoso.
— Do que mais sente falta em Londres? — minha expressão desmoronou.
Luke.
Voltei-me para a música quando meus dedos perderam o compasso, tentando me
esconder de seu olhar. Londres seria como qualquer lugar no mundo para mim se não
fosse por ele, minha criança. Eu remexi meus cabelos e tomei coragem para olhá-lo
novamente. Edward me fitava pacientemente. Eu sorri; ele sabe que existe algo e parece
respeitar isso.
— Talvez o clima... sinto falta do clima... — respondi e ele balançou a cabeça
positivamente.
— Você prefere o frio então? — recomeçou sua inquisição, se afastando do assunto
que me incomodou.
— Não realmente. Gosto de como as coisas são aqui em Las Vegas — percebi que
minha frase não dizia apenas do clima e Edward também entendeu. — Então... —
recomecei, preferindo me manter afastada desse assunto. — Não tem mais nada que você
queira me ensinar? — perguntei e ele ergueu uma sobrancelha, sorrindo mais uma vez.
— Já está viciada em sexo, o que as freiras pensariam... — brincou.
— Pensariam que eu estou muito bem — respondi e seus olhos se tornaram suaves
novamente quando ele se inclinou em minha direção e me beijou.
— Tem muito que eu quero de ensinar — estremeci com seu tom. Eu posso apostar
que sim.
VINTE E UM
— Thomas vai ficar puto por perder toda a diversão — George riu enquanto cortava o
trânsito, dirigindo a mais cem por hora.
Benito ligou à alguns minutos dizendo que tinha conseguido capturar dois russos filhos
da puta, e que eles já estavam nos nossos galpões. Thomas quis derramar sangue, mas
não era necessário na atividade, então ficou na mansão para cuidar de Serena. George
estava se divertindo imensamente com isso, já que meu outro irmão é o responsável pela
segurança da minha esposa e ele está livre daquela função, prestes a fazer russos
sofrerem. Essa é a sua versão de paraíso.
— Você não devia se animar tanto. Benito já deve ter feito todo o trabalho pesado,
estamos indo apenas para os momentos finais.
— E eu farei ser inesquecível — vi ele sorrir, um de seus sorrisos largos de tubarão.
Quando chegamos ao galpão onde os soldados prenderam os russos, o cheiro de
sangue e urina já contaminava o ar. Eles não durarão muito.
Benito estava sentado de maneira relaxada em cima de uma mesa com diversas facas
e serras enquanto os dois homens amarrados em cadeiras estavam em seu pior estado.
Caminhei, avaliando os dois. O primeiro, mais velho, já está com o rosto completamente
ensanguentando e respira com dificuldade. Provavelmente suas costelas quebradas já
machucam o pulmão. O segundo possui cortes profundos no abdômen, mas ainda não é
nada letal. Foi uma escolha simples.
Quando estava à alguns metros deles, ambos me perceberam. Saquei a minha arma
do coldre em meu peito e dei um tiro limpo no meio da testa do que parecia mais saudável.
George soltou uma risada alta enquanto Benito suspirou, guardando a faca que
provavelmente tinha reservado ao filho da puta. O russo sobrevivente engoliu seco e
piscou algumas vezes, tentando se manter firme ao ver a cabeça do amigo pender para
frente.
Essa é a forma como eu trabalho em tais situações. Não dou margem para
esperanças. Esses homens sabem que morrerão, e eliminar o que têm mais chances de
viver causa no outro a sensação de que esperar por misericórdia é inútil e que mais nada o
prende.
— O que você já conseguiu, Benito? — perguntei calmamente enquanto guardava a
minha arma. Se eu continuasse a ligar os pontos certos, não teria uma gota de sangue em
minhas mãos.
— Os idiotas diziam estarem bêbados e não saberem de nada. Mas pelas fichas,
sabemos que são soldados de altas patentes. Yuri e Dimitri Avilov. Eles cuidam das rotas
de tráfico que passam por Kingman.
— Irmãos? — George questionou, se aproximando do homem. Eu prefiro os jogos
mentais, mas George com certeza não sairá daqui sem um pouco de sua diversão.
— Sim — Benito confirmou, com um sorriso sádico.
— Oni tebya ub'yut[2] — o homem cuspiu uma mistura de sangue e saliva, que
aterrizou nos pés de George.
— Mudak[3] — disse cansado, em sua língua, e ele me lançou um olhar mortal. Antes
que pudesse revidar, o punho do meu irmão encontrou seu rosto.
George se divertiu imensamente com o russo. Benito sabia que eles não carregavam
informações realmente importantes, se não já teria sido informado. Mas é necessário
estarmos aqui. Os russos, pela primeira vez desde que assumimos, estão se sentindo
corajosos o suficiente para virem até Las Vegas. É a segunda vez que aparecem em nosso
território. Se não dermos uma mensagem convincente o suficiente, eles pensarão que
temos a mesma displicência que Lorenzo. Mas nós, ao contrário de nosso pai, morreremos
antes de deixar que alguém desonre Las Vegas.
— Suas últimas palavras, idiota? — George questionou, duas horas depois. O corpo
do homem já prestes a sucumbir, e se antes seus ferimentos não eram fatais, agora eu
posso atestar com convicção que, mesmo sem mais nenhum soco, o russo não durará dez
minutos.
— Crow... — ele me chamou, trêmulo, a voz transbordando ódio. E eu o olhei, com um
sorriso tranquilo. George levou seu corpo imundo aos limites da dor e, ainda assim, o tiro
que eu dei em seu irmão não pareceu ser sua última memória.
Me aproximei e o olhei. O rosto coberto de sangue já não era mais identificável.
—Você se casou, não é? — ele questionou com o sotaque irritante. Meus punhos se
fecharam imediatamente. — Ela vai ver a sua queda — constatou e eu sorri novamente.
— Está tentando me ameaçar usando a mulher que eu trouxe da Outfit para isso? —
disse, com desdém.
— Ela não é a única coisa... — ele riu, mas pareceu muito mais como se estivesse
sufocado. Seus olhos inchados focaram-se em mim. — Você irá cair — prometeu, e eu
trinquei meu maxilar. — Você superou seu pai, Crow, mas guarde minhas palavras: sua
queda será maior do que a dele e o Pakhan vai ficar com a Greco quanto tudo terminar —
ele sussurrou e eu me perdi. Afundei meu punho sucessivas vezes em seu rosto enquanto
ele gemia e chorava até não sobrar mais nada.
Eu nem soube o motivo pelo qual eu fiz isso. As palavras do homem rondavam em
minha mente e eu quis apagá-las a custo de seu sangue. Eu implorei com gemidos que era
irreconhecíveis, não houve lugar para nenhum tipo de piedade em mim. Alguém que
brutaliza o outro, é isso que eu sou.
— Edward — George chamou e eu parei.
O sangue imundo do russo molhava minhas mãos e subia pelos pulsos do meu terno.
Eu pude sentir os respingos em meu rosto, mas ainda não foi o suficiente. Eu quero mais,
preciso de mais.
— Nosso trabalho aqui terminou — falei entredentes, me afastando do cadáver, e
Benito se colocou humildemente ao nosso redor. — Leve os corpos para a estrada em
Kingman o e deixe os russos verem o que acontece com quem ousa entrar em nosso
território.
— Sim, Capo — ele falou e foi em direção a mesa de seus materiais de tortura. Eu
não fiquei para ver o processo.
Sai do galpão e o ar gélido da madrugada bateu em meu rosto. O ar puro me trouxe
uma noção perturbadora: eu prefiro o cheiro do sangue. Eu mereço o cheiro do sangue.
Trabalhos como esse não me perturbam, é apenas um dia comum como Capo, mas as
palavras do russo reverberaram na minha mente. A menção a Serena e a sua promessa
medonha, que ela será parte disso. Você irá cair.
— Algum problema? — George surgiu atrás de mim e sua voz deixou claro que ele
sabia haver algum problema.
— Vá com Benito para Kingman deixar os corpos — comandei, mas meu irmão não se
afastou.
— Esses filhos da puta profetizam essas babaquices o tempo todo, não me diga que o
que aquele bastardo disse te afetou? — questionou.
Eu respirei fundo. Não é a primeira vez que um dos inimigos, em seu leito de morte,
disse que eu irei falhar. Eles jogam essas merdas o tempo todo na tentativa de morrerem
com alguma dignidade na promessa de vingança. Mas essa a primeira vez que alguém me
compara a Lorenzo. É a primeira vez que alguém envolve Serena.
— Eu só quis terminar isso o quanto antes — assegurei, virando-me para meu irmão,
que me sondou com olhos sábios. George pode não levar nada a sério, mas quando o
assunto envolve Thomas e a mim tudo muda de figura.
— Nós não cairemos — ele me prometeu, tocando meu ombro. Nós três demos
nossas almas pela Cosa Nostra, não cairemos, eu sei. No entanto... — E a uccellino está a
salvo.
— Não é sobre isso — recuei de seu toque. — E você o ouviu. Se cairmos, ela
assistirá.
— Eu duvido muito — me contrariou, mas voltou-se para dentro do galpão. — Leve
meu carro com você — murmurou, jogando as chaves do seu jaguar em minha direção.
O caminho até a mansão foi perturbador. As palavras do russo dançavam em minha
mente, a promessa parecia real demais. Trinquei meus dentes e apertei o volante, que
ameaçou se desfazer sob os meus dedos. Eu espero verdadeiramente que Serena esteja
dormindo. Eu não estou em meu melhor estado.
Ao chegar em casa, me arrastei no escuro até o quarto. Mesmo com as luzes
apagadas, consegui ver a silhueta de minha esposa na cama. Estranhamente, ela ocupava
o lado que eu costumo estar, com seu rosto enfiado no travesseiro e enrolada ao redor de
um livro. Tão inocente e pura, mesmo cercada de escuridão.
Despi-me e entrei no chuveiro para lavar os vestígios de sangue, e me surpreendi ao
perceber que há somente um cheiro que parece me envolver tanto quanto o de sangue.
Serena. Peguei-me esfregando minha pele com ainda mais força para que ela não fosse
acordada pelos tons ferruginosos.
— Edward? — ela questionou aliviada quando eu sai do banheiro, envolto apenas por
uma toalha na minha cintura.
— Está tarde — disse unicamente ela abriu espaço na cama, mas não se deitou ou
virou-se para dormir.
— Está tudo bem? — perguntou baixinho e eu a encarei.
Como é possível que um ser tão angelical me cause tanto tormento? As palavras de
Avilov encheram novamente a minha cabeça. Você irá cair, ela será parte disso. A mulher
de olhos preocupados em minha frente será a minha ruína? Eu não permitirei. Ela não é
nada além de um acordo com a Outfit.
Eu caminhei devagar em sua direção, seus olhos se arregalaram ainda mais e eu
assisti, mesmo no escuro, ela engolir seco. Só parei quando estava a centímetros dela, já
na cama. Seu aroma me cercou e eu quase me perdi.
— Edward... — ela sussurrou, se inclinando em minha direção. Sua mão direita tocou
suavemente meu rosto, e eu sorri sombriamente. — Está tudo bem? — ela voltou a
perguntar, com doçura. Como se eu precisasse de seu conforto.
— Bastou somente algumas palavras sobre uma infância fodida e você está aqui, não
é? — questionei e ela me olhou, curiosa. — Um pouco de uma história humanizadora e
suas pernas estavam em volta do meu pescoço.
— Você está errado — ela murmurou. — Nada disso foi necessário — e, num gesto
inesperado, ela se inclinou e selou todas as palavras cruéis que eu tinha lançado em sua
direção com um beijo doce, apenas um roçar de lábios.
Mas meu corpo não é capaz somente disso. Desde que eu a tinha experimentando,
sou um maldito viciado. Quero senti-la ao redor do meu pau durante todo o tempo, sentir
sua pele quente me envolver, ouvir os suspiros doces que saem de seus lábios. Vício ainda
é pouco em comparação ao que eu sinto por Serena. Mas eu tenho que avisá-la.
— Não. Se me quiser hoje vai ser nos meus termos — rosnei quando nos separamos.
Ela merece o mínimo de decência, saber onde está entrando. — Vou te foder forte e duro,
como eu preciso.
Ela me olhou, com suas orbes claras e quentes e se inclinou, apertando a palma da
sua mão em meu rosto novamente, com toda a delicadeza do mundo. Uccellino nunca
pareceu tão correto quanto agora. Ela é um inocente colibri preso aos olhos da cobra, se
dando inteiramente.
— Se é isso que você precisa, é isso que eu vou te dar — ela disse, movendo os
dedos suavemente pela maçã do meu rosto.
E eu a beijei forte, possessivo e dominador, prendendo seu lábio entre meus dentes e
fazendo ela ofegar. Eu deveria ter rasgado a camisola de seda que ela usava, colocando-a
de quatro e ter a fodido até que ela esquecesse o próprio nome. Eu deveria tratá-la como
uma prostituta, usar o seu corpo, mas quando minhas mãos tocaram sua pele, o gesto foi
em reverência, adoração.
Talvez Serena realmente seja a minha queda.
Minhas mãos, quase que por vontade própria, acariciaram seus cabelos como ela
tinha feito anteriormente comigo. Nunca em mim houve a necessidade de dar ou receber
qualquer afago ou delicadeza, mas eu quero que ela sinta tudo que eu posso fornecer
fisicamente.
Beijei a ponta de seu queixo e desci pelo pescoço. Eu gosto particularmente dessa
região que parece concentrar todo seu cheiro de morango, lavanda e maresia. Ela
suspirou, traçando delicadamente a tatuagem em meu peito com a ponta dos dedos e
descendo a mão pelos meus músculos, parecendo encontrar prazer em minha forma
física.
Eu a ergui em meus braços e a virei de bruços.
— O que... — ela começou a dizer, tentando virar-se, mas a segurei.
— Relaxe, só quero apreciar você — falei, plantando um beijo em sua nuca e ela
fechou os olhos, os ombros deixando de estar contraídos. Puxei as alças da sua camisola
de seda, fazendo um lembrete mental de reservar boas centenas de milhares de dólares
para que ela tenha infinitas dessas. Seu dorso já estava desnudo e ela ofegou ao sentir o
contato do tecido dos lençóis contra seus mamilos. — Sempre tão sensível — sussurrei,
beijando seus ombros e massageando-os, vendo seus músculos magros relaxarem sobre
minha pressão.
A primeira vez que eu a vi ela pareceu tão retraída, tentando manter uma postura
corajosa mesmo com pavor escrito em seu rosto. Vê-la tão entregue e tão confiante é de
uma satisfação que eu não posso colocar em palavras. Ergui-me dos meus beijos apenas
para vê-la suspirar através da profusão das ondas curtas de seu cabelo. Uma peça de arte
feita para ser adorada.
Desci novamente, me movendo através da sua coluna e deixando beijos que faziam
sua pele se arrepiar. Quando cheguei ao final dela, onde o monte empinado de sua bunda
começava, ela endureceu. Uma zona a ser conquistada. Eu sorri. Não me importo em
esperar.
Segurei seus quadris e a ergui em um único movimento. Ela arfou e se apoiou em
suas mãos.
— O que você está... — começou a perguntar, com leve diversão em suas palavras
quando eu separei suas pernas e me coloquei entre elas. — Edward, o quê... — ela tornou
a dizer, mas eu a puxei para a posição que eu queria. — Oh... — gemeu, sentando na
minha cara. Exatamente como eu tinha sonhado desde que a primeira vez que eu a vi.
Ela se ergueu e apreciou o movimento da minha língua. Seus gemidos doces, seu
gosto inigualável e as palavras sacanas que saiam de seus lábios...
Serena Bellini é a minha própria amostra de céu.
Segurei suas laterais e quase perdi tudo quando ela rebolou de maneira inexperiente,
buscando sua libertação. E eu a darei. Meu pau endureceu mais a cada movimento que ela
fazia, meu corpo criando vida própria somente para adorá-la.
Para minha completa surpresa, quando eu sentia cada vez mais a lubrificação
transbordar de seu canal fodidamente apertado, ela se levantou meio trêmula e eu a olhei,
franzindo as sobrancelhas. Ela estava corada e havia uma camada fina de suor em sua
pele. Prestes a gozar. Mas então, Serena fez o que eu nunca imaginei que ela poderia
fazer: virou-se em 180º graus e voltou a montar meu rosto, mas inclinou-se sobre o meu
pau para chupá-lo.
Se eu não tivesse anos de controle e experiência, teria gozado no mesmo momento.
Sabendo que ela estaria levemente desestabilizada, voltei a trabalhar ritmadamente em
seu clitóris enquanto seus lábios macios e a língua ágil circulavam minha extensão. Me
encheu de um orgulho prepotente saber que eu sou o único que pode receber isso dela, o
único que um dia recebeu e que receberá no futuro. Memórias da sala do piano e de seus
olhos inocentes quando eu a ensinei como me chupar me deixaram, como eu achei
impossível, ainda mais duro.
Novamente usei minha meus dedos para penetrá-la, sabendo que ela gostava da
fricção extra. Espalhei sua lubrificação também em sua outra abertura apertada, deixando
que ela soubesse o quão bom podia ser. Ela gemeu com a boca cheia de mim, não
conseguindo conter-se e apertando minha língua suavemente em sua buceta. Nesse
momento eu também não consegui me conter e deixei-me derramar em sua boca doce.
Respiramos pesadamente por alguns segundos e ela se ergueu, me dando um olhar
divertido e limpando o canto da boca. Essa mulher é a minha tentação. Quando ela se
virou para se aconchegar em meu peito, eu não pude fazer nada a não ser abraçá-la
fortemente.
VINTE E DOIS
Em meu pesadelo eu corria desesperadamente. Não sabia o que estava atrás de mim,
não sabia os rostos que elas tinham, mas sabia que eram os homens do meu pai. Correr
se tornava cada vez mais difícil porque Luke estava em meu colo.
"Tia Sel, eu estou com medo", ele sussurrou contra a curva do meu ombro, como
sempre fazia quando eu o colocava para dormir e ele tinha medo dos monstros do armário.
As sombras se aproximaram e, no sonho, eu podia sentir todo meu corpo tremer. Eu
parei desesperada, prestes a lutar, mas com medo porque teria que o fazer sem ele no
colo. "Eu amo você, Luke", sussurrei, pronta para soltá-lo e ir em direção as sombras,
mesmo se aquilo significasse que eu morreria. E então, ele apareceu.
A sombra mais escura, mas na direção contrária das que me perseguiam apareceu
diante de mim, mas eu não a temi. Caminhei inconscientemente em sua direção. Luke não
se moveu para o contrário e parecia querer que fôssemos em direção a ele.
Edward. Seu rosto parecia ter sido esculpido em mármore e ele usava um de seus
ternos negros, que parecia se misturar em meio as sombras. Eu não tinha razões para
segui-lo, para confiar nele, sua figura era tão sombria quanto a dos meus perseguidores.
Mesmo assim, caminhei em sua direção, hipnotizada.
A escuridão de suas feições era mais horrenda do que aquelas que me ameaçavam,
mas senti paz ao vê-lo. Como se finalmente eu estivesse em segurança, mesmo que algo
em meus instintos dissessem o contrário.
O Edward de meu sonho estendeu os braços pronto para acolher Luke e eu, mas
antes que eu pudesse me aproximar, as sombras me puxaram para trás.
Acordei arfando, com os lençóis grudando em meu peito suado e me virei
instintivamente em direção ao lado em que Edward dorme, mas não o encontrei. Minhas
mãos tremeram e eu demorei alguns segundos para perceber que estou chorando. Afundei
meu rosto em seu travesseiro, deixando que seu cheiro pudesse me acalmar e, em poucas
respirações, a mistura de Whisky e loção pós-barba me tranquilizou.
Fechei os olhos, confusa e oprimida com tudo que está acontecendo. Eu havia
imaginado muitas coisas sobre esse casamento, e a maioria delas envolvia a mim em um
porão, sangrando. Mesmo que não seja assim, é difícil lidar com o fato de que, na
realidade, eu encontro muito mais conforto na companhia de Edward do que medo.
Ele é mal, eu não tenho dúvidas sobre isso. Ele vive e enriquece em cima do
sofrimento e da dor de outras pessoas. Mesmo assim, quando suas mãos encontram meu
corpo, ele é suave e reverenciador.
Quando chegou parecendo transtornado, os olhos sombrios e dizendo que me trataria
como uma prostituta eu tive receio, mas seu toque foi tão delicioso e seus beijos tão cheios
de calor que eu me perdi. Foi como se eu o tivesse desarmado, tanto quanto eu me sentia
vulnerável.
Me sentei, ainda meio dolorida, e olhei ao redor do quarto. Ele não estava, assim
como todos os momentos que eu acordava. Abracei meus joelhos, colando-os em meu
peito. É desesperador o fato de que eu o quero aqui. O que é a miríade de sensações que
passam por mim quando eu penso nisso? É possível que eu esteja...
— O que é isso? — perguntei baixinho ao ouvir o som alto de vidro de partindo no
andar debaixo.
Imediatamente meu corpo se tornou alerta e eu pulei para fora da cama, em busca do
meu roupão.
Edward tinha me dito que a casa era segura, que ninguém nunca atacaria os Bellini,
mas meu coração bateu desesperado no peito. É uma invasão? E se for e Edward estiver
ferido? Arfei para a possibilidade e corri para fora do quarto. Não me importei que se
realmente forem inimigos eu serei um alvo fácil e provavelmente serei morta em instantes;
a possibilidade de estarem o machucando me guiou cegamente.
Eu não estava preparada para a cena que eu encontrei. Não havia ninguém na sala se
não por Edward, garrafas de Whisky quebradas no canto e o liquido escorrendo da parede
como se elas tivessem sido lançadas ali. O cheiro fez meu estômago revirar.
Mas, mesmo que a elegante sala parecesse uma zona de guerra, o que mais me
incomodou foi como Edward estava. De cima, eu não podia ver seu rosto. Ele estava
inclinado para frente, com as costas nuas, curvado como se tivesse tomado um soco no
estômago. Seus ombros pareciam travados, era como se sentisse dor física.
— Edward? — eu chamei, minha voz trêmula e assustada.
No primeiro momento ele não se virou, e eu comecei a descer um degrau. Quando ele
me olhou, eu recuei. Eu nunca o vi assim. Seu rosto é neutro como sempre, mas os olhos
queimam. Ódio, raiva, rancor, violência. Todos os sentimentos ruins que sempre o cercam
estão vazando pelas orbes verdes.
— Está tudo bem? — perguntei baixinho, com a vontade de fugir e de consolá-lo
brigando dentro de mim. Ele parece um animal enjaulado.
— Serena — sua voz saiu mais doce do que jamais tinha sido, mas parecia errado.
Era mortal. Eu não me mexi. — Por que você está acordada?
— Eu ouvi o barulho e... — comecei a dizer, ainda incapaz de me mexer, mas ele me
cortou.
— Você acordou, mesmo em seu sonho perfeito? — questionou, o doce sumindo de
sua voz e eu o olhei, chocada. Do que ele está falando? — “Luke, eu te amo” — ele imitou
e meus olhos se arregalaram.
— Edward, o quê... — eu estava confusa.
— Eu ouvi você falando durante o sono, chamando o seu amado Luke. Mas sabe o
que vai acontecer? Eu vou matá-lo — ele falou tranquilamente e eu senti o sangue deixar o
meu rosto. — Era isso que você estava fazendo em Londres então, toda essa sua postura
de mulher virgem e medrosa era uma mentira, porque durante todo esse tempo você
esteve com Luke.
Em outra situação eu teria rido. Ele pensa que uma criança, meu filho do coração, é
um homem com quem eu me relacionei em Londres. Mas eu fiquei tão imersa em suas
palavras cheias de raiva que não consegui dizer nada.
— Você não sabe do que está falando — me surpreendi ao encontrar raiva em minha
própria voz. Como ele ousa dizer que eu estive com outro homem? Que eu amo outro
alguém? E então a verdade me abateu.
Como ele ousa dizer que eu amo alguém que não seja ele?
Meu coração doeu no momento. É possível que eu esteja me apaixonando por
Edward Bellini? É possível que eu esteja me dando conta disso quando meu coração se
despedaçou com suas palavras de ódio em minha direção?
— Eu sei exatamente do que eu estou falando — ele caminhou devagar em minha
direção. Sua postura era altiva e eu sabia que devia me encolher, me preparar para a
violência física, mas me vi tão mortificada com a enxurrada de sentimentos que meu corpo
não respondeu. — Não importa o quanto você ame Luke — ele sussurrou, parando um
degrau abaixo de mim, ainda ficando mais alto. — É comigo que você vai passar o resto da
porra da sua vida.
— Você não sabe do que está falando — repeti, com lágrimas de raiva deixando meus
olhos. Era sobre ele, mas também era sobre Luke, a criança que eu amo como um filho,
mas que nunca será minha, que eu nunca mais poderei ver de novo. Pelo qual eu estou me
sacrificando. Edward nunca entenderá.
— Eu vou fazer da sua vida um inferno por amá-lo — ele prometeu.
Eu poderia desmenti-lo, poderia contar para ele a verdade, mas meu coração está
quebrado. Na primeira oportunidade de me fazer mal ele correu e me feriu alegremente,
prometendo que eu nunca serei feliz. O que adianta eu dizer que Luke é uma criança e não
um homem com quem eu me relacionava? Suas palavras já quebraram meu coração.
No fundo, isso é bom. Ele me odiar não permite que sentimentos bons cresçam em
meu coração. Edward está me colocando em meu lugar. Eu sou uma peça em seu jogo, a
segurança de que suas cargas de drogas passarão intactas pelo território da Outfit.
— Eu espero que você sofra por isso — ele sussurrou, instigando-me a reagir com
suas palavras, mas eu não conseguia dizer nada da verdade.
—Você já está fazendo isso — respondi, derrotada.
Meu corpo pareceu ter congelado, mas lutei contra ele e me virei, voltando-me em
direção ao quarto. Ele prometeu que a minha vida será um inferno, e começou isso da pior
maneira.
VINTE E QUATRO
Edward não voltou mais para o quarto, nem mesmo para dormir. Durante as últimas
duas semanas eu não o vi nem de relance. De alguma forma eu sabia que ele estava ali, a
porta do escritório estava sempre fechada e vez ou outra algum de seus guardas
apareciam, mas sem nunca olhar na minha direção.
Ele me evitou fortemente, e na primeira semana eu achei isso perfeito. Meu coração
estava quebrado, apenas imaginá-lo me confrontando novamente embrulhava-me o
estômago. E então... a solidão. Acordar todas as manhãs e não ouvir a voz de outro ser
humano, de um ser humano especifico, foi dolorido.
Estava ficando cada vez mais vez mais deprimida. No começo da segunda semana eu
passei o dia todo na cama. E então, George entrou no problema. O irmão mais novo
passou a ser o responsável pela minha segurança na casa e passou a ficar muito mais
tempo na mansão, principalmente nas áreas comuns e não preso em sua ala ou na sala de
esportes.
Eu não imaginei que Edward esteja preocupado, não sou inocente a esse ponto.
Provavelmente está apenas receoso que seu patrimônio esteja prestes a se quebrar.
— Uccellino — George cumprimentou e eu ergui meus olhos do livro que lia. Eu estou
me obrigando a também estar nos espaços comuns, uma vez que, quando eu passei o dia
na cama, ele apareceu em meu quarto. Definitivamente não tenho sanidade alguma para
lidar com George Bellini no mesmo quarto que eu. — Você já tomou seu café da manhã?
— questionou, sendo a babá que estava destinado a ser.
Ele trajava com uma bermuda de moletom preto e uma camiseta igualmente negra,
além de uma toalha jogada nos ombros. Seu cabelo curto estava molhado, provavelmente
tinha acabado de espancar um saco de boxe. Eu me encolhi quando ele me lançou um de
seus sorrisos de tubarão.
— Sim — respondi e me voltei para a página que eu olhava há mais de vinte minutos.
Mal sabia do que se tratava o capítulo, já que meus pensamentos ficaram presos na porta
fechada no andar de cima. — Você precisa de alguma coisa? — perguntei. Antes de tudo
acontecer eu estava bem concentrada em cozinhar e, sempre no dia seguinte, encontrava
vazios no corredor os potes que continham as sobras de comida. Meu coração se apertou
e eu tratei de suprimir o sentimento. Não tenho que me sentir responsável por três
mafiosos assassinos.
— Não, eu estou bem — ele se jogou no braço do sofá e eu me encolhi
instintivamente, mesmo estando do lado oposto do gigante sofá soubesse que, no fundo,
ele não representa perigo para mim. Pelo menos por enquanto. — Você sabe que se você
começar a entrar em inanição como a porra de um monge ele vai simplesmente arrastá-la
pelo braço e prender soro na sua veia — ele falou tranquilamente e eu mordi o canto da
minha bochecha, tentando não soltar um comentário mal educado.
— Não estou tentando me matar de fome por causa de Edward — tentei fazer o nome
dele sair com asco dos meus lábios, mas falhei e se tornou um murmuro ressentido. — Só
não estou com fome.
— Há três dias? — ele questionou, tombando a cabeça e dando um sorriso maroto.
— Você está anotando em seu caderninho? — perguntei de maneira ácida e
instantaneamente meus olhos se arregalaram. — Desculpe — soprei, envergonhada.
Para minha surpresa, George soltou a gargalhada mais alta que eu já tinha ouvido em
toda a minha vida e eu me encolhi. Podia jurar que ouvi os vidros da casa estremecerem.
— Você definitivamente transformou essa casa em um lugar bem mais divertido —
comentou.
George me traz sensações conflitantes. Ele parece com um irmão mais velho que eu
nunca tive, ao mesmo tempo que sei que ele é tão perigoso, se não mais, do que qualquer
homem feito que me cerca. Ele é o Executor na Cosa Nostra, e seu cargo é matar. Todos
os assassinatos passam por seu crivo.
— Aposto com você que Edward vai aparecer aqui em menos de dois minutos para
saber porque eu estou rindo — ele falou no meio de um sorriso e eu voltei-me novamente
para meu livro.
— Eu posso apostar que não — resmunguei. Eu não gosto de estar sozinha, mas a
companhia de George ainda me oprime o suficiente para eu desejar que mais ninguém
estivesse comigo.
Concentrei-me nas letras, sem realmente lê-las. Ainda não sabia se o livro se tratava
de filosofia ou economia. Soltei um suspiro. Quando a minha vida se tornou isso?
— Posso saber onde você vai, irmãozinho? — George questionou e minha cabeça se
virou com um solavanco em direção as escadas. Edward tinha as chaves do carro em uma
mão e a outra estava enfiada casualmente no bolso da calça de seu terno caro e preto.
Mas algo parece errado. Edward não é o tipo de homem que pode ser descrito como
casual.
— Não é da sua conta — ele praticamente rosnou, saindo pela porta da frente e
batendo-a atrás de si. George se ajeitou no sofá mantendo, o sorriso largo em seus lábios.
— Tão previsível — ele riu, jogando a cabeça para trás. Pisquei algumas vezes. O que
está acontecendo? — Eu gostaria de saber o que você fez para ele. Algum tipo de feitiço?
Você ameaçou riscar a Mercedes? Eu preciso saber o que você fez com esse bastardo
possessivo — implorou, parecendo divertir-se.
— Você não devia estar treinando ou afiando facas? — perguntei baixinho. Eu mal
sabia a motivo de Edward a ficar desse jeito, já que apenas pensa que eu amo outro
homem. O que isso pode significar? Ele sempre deixou bem claro que meus sentimentos
nunca estarão em jogo. É mera possessividade?
— Eu só afio minhas facas na frente de quem vai recebê-la na garganta — ele falou
tranquilamente e eu senti um arrepio subir pela minha coluna. Medo puro. Continuei
olhando para o livro, incapaz de confrontá-lo. — Você sabe... ele mandou Thomas caçar
todos os homens chamados "Luke" num raio de cem quilômetros do Orfanato onde você
morou — comentou, como se o fato de pessoas inocentes estarem na mira da máfia fosse
comum.
Engoli em seco. Se eles machucarem alguém, será minha culpa. A mera menção de
Thomas me fez ficar ainda mais nervosa, já que ele é o irmão Bellini que mais me assusta.
O que me conforta é o fato de que eles são precisos e só aplicarão seu castigo quando
acharem o culpado. Eles nunca machucariam ninguém por isso. Me dói perceber que, se
Edward quiser encontrar o homem que está sempre em meus pensamentos, não terá que
ir tão longe.
— Edward não sabe de nada — falei unicamente. Dor, raiva e magoa transbordando
em minha voz.
George não respondeu. Ficou algum tempo em silêncio e eu soltei o ar, percebendo o
quão tensa estava desde a menção de Luke. Eu estou cansada, ainda mais esgotada do
que quando me preparava para o casamento. Fechei o livro ruidosamente e o pousei em
meu colo, olhando para minhas mãos.
Por que eu estou me sentindo desse jeito?
— Edward não tem muitas qualidades redentoras. Nenhum de nós tem. Somos
assassinos por vocação, por desejo. A sociedade tem diversos nomes para nós:
sociopatas, monstros, aberrações — ele falou, e eu percebi que seu tom não era mais o
quase canastrão que ele sempre tinha. Parecia reverente. Não me contive e o olhei.
George estava perdido em pensamentos. — Mas com certeza ele se importa comigo e com
Thomas. Fomos criados de uma maneira... diferente. Imagino que você não tenha
experimentado nossa educação, talvez sua irmã tenha, mas você é doce demais para
saber dessas experiências.
— O que você quer dizer? — questionei.
— Nosso pai nunca quis que fossemos da Cosa Nostra. Ele queria nos confinar como
soldados de baixa patente e nos endureceu com tortura. Ele também queria que nos
odiássemos entre si. Primeiro Edward e eu e depois Thomas, quando ele chegou —
minhas sobrancelhas se uniram. Thomas é mais novo que Edward, mas ainda mais velho
que George. — Thomas não é filho de nossa mãe, ele foi parido por uma prostituta viciada
em pó que tentou chantagear Lorenzo usando-o. Nosso pai a matou em frente a Thomas
— ele falou, mas sua voz não transparecia nenhuma emoção. Eu fechei meus olhos,
incapaz de conceber tamanha crueldade. Matar a mãe em frente ao filho... De repente,
pude sentir empatia pelo irmão que mais me assusta. — Ele nos transformou em máquinas
de ódio, mas nunca conseguiu que odiássemos uns aos outros. Pelo contrário, as sessões
de tortura nos uniram. No final, estávamos prontos para sermos afogados em nosso próprio
sangue uns pelos outros e então Edward nos coordenou em direção a vingança. Nós três
emboscamos e matamos nosso pai e, desde então, estamos juntos. O sangue nos uniu e
trouxe nossa honra, e passamos a nos importar uns com outros verdadeiramente.
— Por que você está me dizendo tudo isso, George? — perguntei baixinho e então
seus olhos se voltaram para mim.
— Porque eu passo a crer que, talvez, pela primeira vez, ele esteja se importando com
alguém que não seja eu e Thomas. Você — disse. Eu pisquei algumas vezes. É isso?
Edward está transtornado porque essa é a maneira que ele tem de se importar? E mais
importante: isso significa que ele sente algo, mesmo que apenas o senso de proteção, por
mim?
— E isso é bom ou ruim? — temendo sua resposta, perguntei. Ele teve a vida toda
forjada para estar somente ao lado de seus irmãos. Minha situação pode trazer minha
eliminação. George demorou alguns segundos para responder e, quando o fez, seu tom
era sombrio.
— Eu ainda não sei — se levantou do sofá. Só quando ele o fez que eu percebi que
tinha me inclinado em sua direção. Me endireitei. — Bem, a verdade é que eu estou
faminto, gostaria de carbonara para o almoço e quero seu tempero nele — ele voltou com
seu tom normal, o misto de diversão e dureza. Lancei um sorriso para ele, imaginando o
quão difícil foi para ele tocar nesse assunto comigo.
— George — eu chamei quando ele estava no caminho para a cozinha. — Obrigada
— falei grata, e seu rosto não se alterou.
— Você é boa, uccellino — ele foi categórico. Não era um elogio. Nesse mundo, ser
boa é uma maldição. Franzi meu cenho. Eu estou contaminando os Bellini?
VINTE E CINCO
— Posso saber onde você vai, irmãozinho? — George perguntou quando eu cheguei
até a sala onde ela fazia meu irmão rir. Eu não controlei meus próprios impulsos, por saber
que eles estavam juntos eu quis me aproximar ver como ela estava, não para garantir que
ela estava bem — tentei me convencer —, mas para ter certeza que George não estava
enchendo-a com comentários inapropriados e que não lhe diziam respeito.
— Não é da sua conta — respondi sem olhá-los diretamente, mas pelo canto do olho
vi meu irmão sentado de maneira relaxada e Serena do outro lado do sofá, encolhida e
com um livro em seu colo. Ela parece saudável, pelo menos. Depois que Thomas me
atualizou sobre seu dia deprimida na cama, sem comer e sem se levantar, eu sabia que
George poderia expulsá-la de lá e colocá-la em caminhos mais saudáveis.
Não que eu me importe. Serena não me causa nenhum tipo de sentimento ou de
reação se não as esperadas de mim. Eu a quero inteira pelo tempo que durar o acordo
com a Outfit, a quero exclusivamente ao meu lado. Houveram, antes dela, mulheres da
máfia que direcionavam suas emoções fracas a outros homens que não eram seus
maridos e isso não devia estar em pauta, afinal de contas, sentimentos não possuem
espaço nos acordos das famílias da máfia. Fazemos o que temos que fazer, e Serena sabe
disso.
Mas quando ela falou de Luke... Apertei minhas mãos contra o volante, sem saber
realmente para onde estou indo. Não há qualquer lugar que eu queira estar e, com a merda
de humor que eu estou... Thomas ficará puto se eu perder a mão com mais um dos
nossos. Ele ainda não me perdoou pela questão com Antônio no Blue’s.
Vittorio Donatti está passando por seus primeiros dias no comando do Blue’s, e uma
visita não faria mal. Além disso, algumas putas podem servir para lidar com o estresse. Eu
dei a Serena muito mais poder do que ela pode ter. Entrei em seu jogo em que só teríamos
um ao outro, mas isso é insano. Eu sou a porra do Capo, posso ter o que quiser e não será
uma mulher que me dirá o que fazer e o que não fazer.
Dirigi pelas ruas de Las Vegas sem realmente enxergá-las, tomado pelos meus
próprios pensamentos. Vingança, ódio, ciúmes. Eu não tenho espaço para esse tipo de
baixeza. Quando menos esperei, cheguei em meu destino.
No Blue’s o movimento pareceu animado. Mesmo em uma segunda-feira à tarde, Las
Vegas não para. Os apostadores continuam a derramar seu dinheiro, correr atrás de
prostitutas e colocar suas caras no cano de nossas armas, recorrendo a todo tipo de vício
que eles não podem sustentar. A miséria humana está em todos os lugares dessa cidade,
e eu enriqueço em cima dela.
— Edward — a voz de Vittorio me saudou com tanto entusiasmo como a de Antônio
faria. Um bajulador tão ferrenho como seu antecessor era. Olhei, esperando que ele não
tivesse o mesmo fim. — É muito bom vê-lo aqui.
— Como se tudo isso não fosse meu, Vittorio — falei e assisti ele engolir seco e
depois me lançar um sorriso que deveria ser tranquilo.
— Claro, claro — confirmou e eu contive a vontade de revirar os olhos. Tão parecido
com Antônio. Minha aposta é um mês.
— Quero três das suas melhores meninas. Não me importa se elas não estiverem,
arranquem elas dos buracos de onde elas se escondem e tragam — comandei e ele
meneou a cabeça positivamente.
Caminhei até o lugar que eu geralmente uso quando venho ao Blue’s, e que fica
sempre reservado no segundo andar, me dando uma visão de todo o espaço. Meu whisky
favorito já estava guardado no canto, junto com meus charutos. Me sentei e acendi um,
vendo o movimento no andar de baixo. Meu próprio império pecaminoso, tudo que eu
sempre amei. Nada se conversas suaves, nada de sorrisos doces, apenas a vida que eu
assumi de bom grado.
Durante todo o meu tempo lutando para ser o Capo e até conseguir ser, essa visão foi
a única que encheu minha mente, tudo que meus irmãos e eu construímos. Mas, nesse
momento, contemplando o que sempre foi meu por direito, há uma imagem que me
perturba todas as vezes que eu pisco. Um par de olhos verdes e ressentidos olhando em
minha direção.
— Senhor Bellini — uma voz feminina chamou e eu me virei para vê-la. A loira de
seios fartos e cintura fina usando apenas um robe preto sorriu, do jeito simpático que elas
sempre sorriem. — Sou Chloe, é um prazer conhecê-lo — ela caminhou devagar em seus
saltos, tentando forjar um andar sinuoso.
— Não nos conhecemos? — perguntei, trazendo o copo de Whisky até meus lábios
para beber em um único gole. O sorriso dela travou e mãos tremeram.
— Não, não senhor — respondeu. — Mas posso te garantir que você vai desejar ter
me conhecido antes — Chloe flertou e eu me contive para não revirar os olhos. Eu
geralmente gostava dos jogos delas, cheios de frases com segundas intenções, caminhar
suave e investidas claras, mas não escancaradas. Gostava de como elas gritavam o meu
nome, gostava da forma como os lábios dela ficavam ao redor do meu pau. Gostava. No
passado.
Quando olhei para Chloe eu pude enxergar sua beleza, pude ver o padrão harmônico
de seus lábios, nariz e olhos, as bochechas levemente rosadas e o batom vinho que a
deixava ainda mais atraente. Mesmo assim não pareceu... bom o suficiente. Ela não tem o
nariz levemente arrebitado, os olhos curiosos e quentes em minha direção, as mãos que
insistem em também fazer carinho.
— Venha aqui — chamei-a, tentando clarear meus pensamentos, minha voz mais
grave do que costuma ser. Chloe respirou fundo e engoliu seco.
Ela caminhou rebolando o quadril e parou a minha frente, fechando os olhos como se
estivesse pronta para qualquer coisa que eu tenha para ela. Me aproximei e inspirei o
cheiro adocicado de perfume caro. Não havia o toque de lavanda, unido com a doçura
cítrica de morangos o frescor de mar que Serena carregava em sua pele.
Ninguém nunca será igual a ela. Chloe abriu os olhos e me olhou com uma
curiosidade amedrontada, mas se aproximou. Sua mão foi a caminho da lapela do meu
terno e o rosto inclinou-se até o meu para me beijar.
Eu me esquivei.
— Sem beijos então — ela falou, mas não pareceu ofendida. Parece que essa é uma
recusa que sempre acontece.
As mãos, cujas unhas são cumpridas e pintadas de vermelho sangue, desceram pelo
dorso até pararem no cós da minha calça. Eu gosto delas assim, prontas para me
chuparem, mas por que o movimento dela me causa asco ao invés de qualquer excitação?
Eu a parei quando seus joelhos tocaram o chão.
— Não quero você — havia um misto de rejeição e alivio em seu olhar quando ela se
levantou. — Você pode ir — falei e puxei a carteira, dando a ela um bolo de notas de cem.
Ela arregalou os olhos e pegou o dinheiro.
— Devo chamar outra... — começou a dizer e eu neguei, em um suspiro irado.
— Você deve sair e é só isso — disse firmemente e ela se virou, praticamente
correndo para fora.
Afundei no sofá de couro e, quando fechei os olhos, o rosto entristecido de Serena
apareceu em minha mente. Ela pareceu tão triste, mais magra e eu... eu estou miserável.
O que eu farei comigo mesmo e com ela enquanto ela tem esse nível de poder sobre
mim?
VINTE E SEIS
Edward tinha dito que a mansão era impenetrável, mas não parece tão impenetrável
com todos os homens do meu pai ao meu redor, prendendo meus braços fortemente para
trás. Meu coração bate forte. O que está acontecendo?
O cano gelado da arma foi pressionado contra a minha têmpora. Eu ofeguei, mas
continuei imóvel, amedrontada demais para reagir. Meus olhos vagaram pela sala de estar
dos Bellini; Edward, Thomas e George não estavam em lugar nenhum. Meu coração
afundou, eles estão em algum lugar sendo torturados? Ou pior, eles já estão mortos? A
possibilidade esmagou-me.
— Eu disse para você, Serena — a voz do meu pai quebrou o silêncio mortal. Ele
usava um de seus ternos completamente negros, o cabelo puxado para trás e o anel
enorme da Outfit em seu dedo. A pistola apontada em minha direção.
É o meu fim.
— Pai... — minha voz era implorativa e eu nem sabia o que estava pedindo. Não me
machuque? Não machuque Edward? Os meus medos são tantos.
— Eu te disse que você devia ser a esposa perfeita e o que você me deu? — meu pai
cuspiu, se aproximando. O soldado que segurava meus braços me empurrou para baixo,
me forçando ficar de joelhos. — Você quebrou tudo — disse, passando o cano da arma e
pelo meu rosto jogando uma mecha solta do meu cabelo para trás da orelha. Eu me
arrepiei. — Agora eu vou ter que acabar com tudo — sua voz era falsamente
decepcionada.
Outro soldado carregou o corpo quebrado de Edward em minha direção, jogando-o em
meus joelhos. Eu gritei ao ver tanto sangue, todos os hematomas. Ele não se mexeu. Seu
rosto estava pálido e ele que sempre foi tão forte, parecia... morto.
— Edward! — eu chamei, chorosa, e não recebi nenhuma resposta. — Edward, fale
comigo, por favor. Não me deixe — sussurrei, mas ele continuou imóvel. Toquei seu rosto
frio e lívido, me lembrando que eu nunca tive a oportunidade de agradecê-lo, de dizer o
quanto eu me ressinto por nunca tê-lo contado a verdade e, mais ainda, eu me sinto
culpada por nunca ter podido dizer as palavras que eu sempre quis, as que moram no meu
coração.
— Mamãe! — a voz de Luke chamou e eu ergui meus olhos para vê-lo se debater no
colo de outro homem feito, que o soltou. Foi a primeira vez que ele me chamou de mãe.
Meu bebê correu em minha direção.
E então, tudo aconteceu em câmera lenta.
Meu pai ergueu sua arma e dois tiros soaram alto. Luke, que antes corria assustado
em minha direção, arregalou os olhos de repente e eles perderam a cor. Seu corpo caiu a
centímetros de Edward. Eu senti algo molhado e quente escorrer pelo meu rosto.
O sangue de Luke.
— Não, não, não, NÃO! — eu gritei desesperada, me debatendo.
— Serena, acorde! — a voz de Edward comandou e eu abri meus olhos. Demorou
alguns segundos para eu entender que estou no quarto, é noite e tudo não passou de um
pesadelo. Lágrimas turvaram minha visão e um soluço desesperado quebrou meu peito. —
Foi apenas um sonho — ele me informou, a voz parecendo preocupada.
Pisquei algumas vezes. Um pesadelo. Era apenas um
pesadelo.
— Edward — eu chorei, desesperada. Foi tão real. Minhas mãos foram em direção ao
meu rosto para sentir que não havia sangue nenhum nele, e depois minhas unhas
arrastaram sobre minhas bochechas. A d