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Olavo de Carvalho
Por aqui até crianças sabem aquilo que os cientistas políticos, comentaristas de
mídia, analistas estratégicos brasileiros estão longe de poder sequer imaginar:
que a verdadeira disputa política nos EUA não é propriamente entre republicanos
e democratas, mas entre globalistas e americanistas, e que nada, absolutamente
nada do que se passa no mundo de hoje – sobretudo nas áreas mais diretamente
submetidas à influência americana – pode ser compreendido se não for enfocado
nessa perspectiva.
Passados sete anos (três desde que Williams abandonou o jornalismo, talvez por
achar-se velho demais para essas coisas), as propostas jurídico-administrativas
mais atrevidas destinadas a quebrar a espinha do poder nacional americano – a
dissolução das fronteiras com o México e o Canadá, a submissão do governo
americano ao Tribunal Penal Internacional e o Tratado da Lei do Mar – ainda
encontram resistência obstinada, mas os progressos na guerra cultural são
notáveis, tanto no exterior quanto na esfera doméstica, onde o simples surgimento
da candidatura Barack Obama prova que o anti-americanismo explícito já tem
alguma força eleitoral.
A ascensão da esquerda na América Latina teria sido impossível sem o apoio dos
círculos globalistas. As relações entre o Diálogo Interamericano e o Foro de São
Paulo datam pelo menos de 1993. A ligação próxima da elite “progressista”
americana com a narcoguerrilha colombiana ficou mais que provada com as
visitas de importantes dirigentes da Bolsa de Valores de Nova York aos
comandantes das Farc (v. Por trás da subversão). E não podemos esquecer que a
ocultação da existência do Foro de São Paulo, favorecendo o crescimento dessa
entidade longe dos olhos da opinião pública, recebeu um potente impulso
legitimador da parte do próprio CFR, Council on Foreign Relations, o mais
importante think thank globalista dos EUA (v. Mentiras concisas e Alencastro, o
sábio da Veja).
Desde o fim da era Reagan, uma política comercial um tanto mais agressiva da
parte dos EUA veio junto com a quase total abdicação da “diplomacia pública” e
de qualquer tentativa séria de rebater as violentas campanhas anti-americanas
por toda parte. Essa estranha combinação de ousadia comercial e timidez
diplomática é a fórmula infalível para despertar o ódio a um país. Trinta anos
atrás, os princípios e valores americanos tinham alguma presença no debate
político-cultural em todo o mundo. Desde então, só o que se vê é o interesse
comercial nu e cru, adornado de sorrisos lisonjeiros que só servem para alimentar
suspeita. Entre os conservadores americanos, é forte a convicção de que o
Departamento de Estado vem há décadas trabalhando contra os EUA e em favor
da elite globalista.
No Brasil, ignora-se tudo, literalmente tudo a respeito desse conflito que tanto os
globalistas quanto seus adversários sabem ser o capítulo mais decisivo da disputa
de poder no mundo. Nas colunas de jornal, nas conferências da ESG e em
círculos de discussões militares na internet, só o que encontro é um enfoque
atrasado de mais de quarenta anos, no qual tudo o que venha dos EUA é
interpretado como expressão direta e inequívoca do “interesse nacional”
americano em luta para dominar a América Latina. Isso é de uma estupidez quase
inimaginável, mas não resta a menor dúvida de que muitos que a cultivam não
padecem dela pessoalmente, apenas a incutem, por esperteza, na mente dos
outros.
Talvez não esteja longe o dia em que nossos oficiais se sintam honrados de
integrar o “exército anti-imperialista” de Hugo Chávez, sem saber que, voltando o
seu ódio contra os EUA, ajudam a derrubar a única barreira efetiva que se opõe
às mesmas ambições globalistas contra as quais acreditarão piamente estar
levantando a bandeira da soberania pátria.