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Apêndices

Formas e Produto Interno

Neste Apêndice introduzimos formas sesquilineares, estudamos como elas se


relacionam com formas quadráticas, definimos formas positivas definidas e então
chegamos à definição de produto interno. O Apêndice oferece, então, uma abordagem
alternativa à primeira Seção do Capítulo ??.
Começamos definindo aplicações sesquilineares. As duas Seções seguintes
apresentam resultados puramente algébricos sobre formas sesquilineares. A última
Seção estuda o relacionamento de formas hermitianas contínuas com suas formas
quadráticas.

.1 Aplicações Sesquilineares
Definição .1 Sejam X, Y, Z espaços vetoriais. Uma aplicação B : X × Y → Z é sesquilinear
se, para quaisquer α ∈ K, x1 , x2 ∈ X e y1 , y2 ∈ Y, verificar

1. B(αx1 + x2 , y1 ) = αB( x1 , y1 ) + B( x2 , y1 );

2. B( x1 , αy1 + y2 ) = αB( x1 , y1 ) + B( x1 , y2 ).

No caso em que Z = K, dizemos que B é uma forma sesquilinear.

No caso em que os espaços vetoriais forem reais, dizemos que B é uma aplicação
bilinear (ou forma bilinear, se Z = K).
Decorre imediatamente da definição que B : X × Y → Z é sesquilinear se, para
todo y ∈ Y fixo, B(·, y) : X → Z for uma aplicação linear e, para todo x ∈ X fixo,
B( x, ·) : Y → Z for uma aplicação anti-linear.

Exemplo .2 O produto interno h·, ·i : Kn × Kn → K definido por h x, yi = ȳt x =


∑in=1 xi yi é uma forma sesquilinear no espaço Kn . ¢

Exemplo .3 Sejam X, Y, Z espaços vetoriais, A : X → Z uma aplicação linear e f : Y →


K um funcional linear. Então B : X × Y → Z definida por B( x, y) = f (y) Ax é uma
aplicação sesquilinear. ¢

O conjunto S( X × Y, Z ) = { B : X × Y → Z : B sesquilinear} é um espaço vetorial,


se definirmos em S( X × Y, Z ) a soma de aplicações sesquilineares e o produto de
uma aplicação sesquilinear por um escalar de maneira usual. (Veja o Exercício 1.) Em
particular, se X, Y e Z forem espaços normados, B é contínua no ponto ( x0 , y0 ) ∈ X × Y
se, para todo e > 0 dado, existir δ > 0 tal que

k x − x0 k < δ, k y − y0 k < δ ⇒ k B( x, y) − B( x0 , y0 )k < e.

2
.2. FORMAS HERMITIANAS E QUADRÁTICAS 3

(Veja o Exemplo ?? para maneiras equivalentes de introduzir uma topologia em X × Y.)


Note que k · k tem três significados distintos nesta definição.
De maneira análoga ao Teorema ??, temos

Teorema .4 Sejam X, Y e Z espaços normados. As seguintes afirmações sobre uma aplicação


sesquilinear B : X × Y → Z são equivalentes:

(i ) existe M > 0 tal que k B( x, y)k ≤ Mk x k kyk;

(ii ) B é contínua;

(iii ) B é contínua na origem;

(iv) sup k B( x, y)k = M ( B é limitada).


k x k≤1, kyk≤1

Demonstração: É claro que (i ) implica (ii ), que por sua vez implica (iii ). Se B for
contínua na origem, dado e > 0, existe δ > 0 tal que max{k x k, kyk} < δ implica
k B( x, y)k < e. Se k x k ≤ 1 e kyk ≤ 1, então max{kδx k, kδyk} < δ, de modo que
k B(δx, δy)k ≤ e. Logo, δ2 k B( x, y)k ≤ e e (iv) está provado com M = e/δ2 . Finalmente,
para x 6= 0 e y 6= 0,
° µ ¶°
° x y °
°B , ° ≤ M ⇒ k B( x, y)k ≤ Mk x k kyk.
° k x k kyk ° 2

Comparando os Teoremas ?? e .4, verificamos que o último não menciona qualquer


tipo de continuidade uniforme. É fácil verificar que uma aplicação sesquilinear só é
uniformemente contínua se for identicamente nula. (Veja o Exercício 2.)
De maneira análoga ao que foi feito no espaço L( X, Y ), podemos definir uma norma
no espaço Sc ( X × Y, Z ) de todas as aplicações sesquilineares contínuas B : X × Y → Z:

k Bk = sup k B( x, y)k,
k x k≤1, kyk≤1

de modo que vale a desigualdade

k B( x, y)k ≤ k Bk k x k kyk

para qualquer aplicação B ∈ Sc . Também é fácil verificar que Sc ( X, Y; Z ) é completo,


se Z for completo. (Veja o Exercício 3.)

.2 Formas Hermitianas e Quadráticas


Nesta, e na próxima Seção, a nossa abordagem será inteiramente algébrica. Assim,
tomaremos um espaço vetorial X, sem considerarmos qualquer norma nesse espaço.
Vamos deter nossa atenção em propriedades de formas sesquilineares B : X × X → K.

Definição .5 Uma forma sesquilinear B : X × X → K é hermitiana, se B( x, y) = B(y, x )


para quaisquer x, y ∈ X. No caso real, dizemos também que a forma bilinear é simétrica. A
denominação auto-adjunta é empregada em ambos os casos.
4 FORMAS E PRODUTO INTERNO

Quando X for um espaço real, é usual dizer que B é uma forma bilinear.1
Ao utilizarmos a denominação forma estaremos nos referindo tanto a uma forma
sesquilinear definida em um espaço complexo quanto a uma forma bilinear definida
em um espaço real.
A cada forma B está associada uma função q B : X → K, definida por

q B ( x ) = B( x, x ),

chamada forma quadrática associada a B.

Observação .6 Note que não definimos abstratamente o que é uma forma quadrática,
mas apenas a forma quadrática q B associada a uma forma B. ¢

Exemplo .7 No espaço R4 , para x = ( x1 x2 x3 x4 )t e y = (y1 y2 y3 y4 )t , defina

B( x, y) = x1 y1 + x2 y2 + x3 y3 − x4 y4 .

Verificamos facilmente que B( x, y) é uma forma bilinear e que

q B ( x ) = x12 + x22 + x32 − x42

é a forma quadrática associada a B. ¢

Proposição .8 (Identidade do Paralelogramo)


Seja B uma forma no espaço vetorial X e q B a forma quadrática que lhe é associada. Então
vale a identidade do paralelogramo
¡ ¢
q B ( x + y) + q B ( x − y) = 2 q B ( x ) + q B (y) .

A demonstração desse resultado resulta imediatamente da definição.


Vamos estudar a relação entre uma forma e a forma quadrática que lhe é associada.
Para isso, notamos que

1£ ¤
B( x, y) + B(y, x ) = q B ( x + y) − q B ( x − y) , (1)
2
o que pode ser facilmente verificado ao desenvolvermos o lado direito desta igualdade.
A igualdade (1) nos mostra que, se a forma bilinear B : X × X → R for simétrica,
então o lado esquerdo da equação nos fornece uma expressão para B em termos de q.
Salientamos esse resultado (veja o Exercício 8):

Proposição .9 (Identidade de Polarização – Caso Real)


Sejam X um espaço vetorial real, B : X × X → R uma forma bilinear e q B a forma
quadrática que lhe é associada. Então, obtemos de q B uma forma bilinear simétrica Bs ao
definirmos
1
Bs ( x, y) = [q B ( x + y) − q B ( x − y)]. (2)
4
Se B for simétrica, então Bs = B.
1 É possível definir uma forma bilinear sobre um espaço vetorial complexo X. Contudo, ao conside-

rarmos uma forma bilinear, vamos admitir sempre que X seja um espaço real.
.2. FORMAS HERMITIANAS E QUADRÁTICAS 5

Exemplo .10 Seja B : R2 × R2 → R definida por

B( x, y) = 3x1 y1 − 2x1 y2 + 5x2 y1 + 7x2 y2 ,

em que x = ( x1 x2 )t e y = (y1 y2 )t .
É fácil verificar que B é uma forma bilinear que não é simétrica. A forma quadrática
associada a B é

q B = 3x12 − 2x1 x2 + 5x1 x2 + 7x22 = 3x12 + 3x1 x2 + 7x22 .

Se definirmos

1£ ¤
Bs ( x, y) = q B ( x + y) − q B ( x − y)
4
1£ ¤
= 3( x1 + y1 )2 + 3( x1 + y1 )( x2 + y2 ) + 7( x2 + y2 )2
4
1£ ¤
− 3( x1 − y1 )2 + 3( x1 − y1 )( x2 − y2 ) + 7( x1 − y1 )2
4
1£ ¤
= 12x1 y1 + 6x1 y2 + 6x2 y1 + 28x2 y2 ,
4

obtemos uma forma bilinear Bs , que não coincide com B, mas à qual também está
associada a forma quadrática q B . ¢

Exemplo .11 Considere a forma bilinear B : R2 × R2 → R dada por

B( x, y) = x1 y2 − x2 y1

em que x = ( x1 x2 )t e y = (y1 y2 )t . Claramente, a forma B não é simétrica. Note que a


forma quadrática q B é identicamente nula! ¢

Seja X um espaço complexo e B1 , B2 duas formas em X. Comparando com o caso real,


é notável o fato de q B1 = q B2 implicar que B1 = B2 , sem qualquer hipótese adicional!

Proposição .12 (Identidade de Polarização – Caso Complexo)


Seja X um espaço vetorial complexo, B : X × X → C uma forma e q B a sua forma
quadrática. Então vale a identidade

1 i
B( x, y) = [q B ( x + y) − q B ( x − y)] + [q B ( x + iy) − q B ( x − iy)].
4 4

A demonstração desse resultado decorre imediatamente da identidade (1).

Observação .13 Comparando nossos resultados com o Exemplo .11, note que, se B
for uma forma bilinear simétrica ou uma forma sesquilinear definida em um espaço
complexo, a identidade de polarização (adequada a cada caso) garante que q B ≡ 0 se, e
somente se, B ≡ 0. ¢
6 FORMAS E PRODUTO INTERNO

.3 Formas Hermitianas
Uma caracterização de formas hermitianas em espaços complexos é dada pela
Proposição .14 Seja X um espaço vetorial complexo. Uma forma B : X × X → C é
hermitiana se, e somente se, q B for uma função real.
Demonstração: Se B for hermitiana, então
q B ( x ) = B( x, x ) = B( x, x ) = q B ( x ),
mostrando que q B ( x ) ∈ R. Reciprocamente, suponhamos que q B ( x ) ∈ R para todo
x ∈ X. Uma vez que q B ( x ) = q B (− x ) = q B (ix ) = q B (−ix ), decorre da identidade de
polarização .12 que
1 i
B(y, x ) = [q B (y + x ) − q B (y − x )] + [q B (y + ix ) − q B (y − ix )]
4 4
1 i
= [q B ( x + y) − q B ( x − y)] + [q B ( x − iy) − q B ( x + iy)]
4 4
1 i
= [q B ( x + y) − q B ( x − y)] − [q B ( x + iy) − q B ( x − iy)]
4 4
= B( x, y),
a última igualdade sendo verdadeira porque q B ( x ) ∈ R. 2

É claro que não existe uma caracterização semelhante para o caso de espaços reais.
Seja B uma forma hermitiana em um espaço vetorial X. (Lembramos que, se X for
um espaço real, isso quer dizer que B é bilinear.) Dizemos que x, y ∈ X são vetores
ortogonais ou perpendiculares com respeito a B,2 se B( x, y) = 0.
Proposição .15 (Teorema de Pitágoras)
Seja B uma forma hermitiana no espaço vetorial X. Então, se x e y forem perpendiculares
com respeito a B, vale
q B ( x + y ) = q B ( x ) + q B ( y ).
A demonstração do Teorema de Pitágoras é obtida ao se desenvolver o lado esquer-
do da igualdade.
Definição .16 Seja B : X × X → K uma forma hermitiana no espaço vetorial X. A forma B
é positiva semidefinida, se B( x, x ) = q B ( x ) ≥ 0 para todo x ∈ X e positiva definida, se
B( x, x ) = q B ( x ) > 0 para todo 0 6= x ∈ X.
Uma forma positiva definida em X é chamada produto interno em X. Nesse caso,
usualmente denota-se B(·, ·) por h·, ·i e X é chamado espaço com produto interno.3
Exemplo .17 Consideremos a forma bilinear simétrica B : R3 × R3 → R definida por
B( x, y) = x1 y1 + x2 y2 ,
em que x = ( x1 x2 x3 )t e y = (y1 y2 y3 )t .
Temos que B( x, x ) = q B ( x ) = x12 + x22 ≥ 0. Note que q B ( x ) = 0 se, e somente se
x = (0 0 x3 )t . Assim, B é uma forma bilinear positiva semidefinida. ¢
2 Noteque, se B não fosse hermitiana, de B( x, y) = 0 não poderíamos concluir que B(y, x ) = 0.
3 Nessecontexto, é usual chamar um espaço com produto interno de espaço pré-hilbertiano.
Contudo, Lang [21] usa uma terminologia diferente daquela que empregamos, um espaço pré-hilbertiano
significando para ele um espaço no qual está fixada uma forma positiva semidefinida.
.3. FORMAS HERMITIANAS 7

Exemplo .18 Os espaços Rn e Cn são espaços com produto interno, definindo-se


 
n
x1
 
h x, yi = ∑ xi yi = (y1 . . . yn )  ...  = ȳt x,
i =1
xn

em que ȳ é a matriz obtida ao se tomar o conjugado em cada coordenada de y. Esse é


o produto interno canônico no espaço Kn . Note que, no caso real, h x, yi = yt x = xt y =
hy, x i. ¢

Exemplo .19 Seja A ∈ Mn×n (K) uma matriz hermitiana (no caso real, simétrica).
Sabemos que4 a matriz A possui uma base ortonormal de autovetores, isto é, A =
U ∗ DU, em que U é unitária5 (quer dizer, U ∗ = U −1 , em que U ∗ denota a matriz
transposta conjugada de U) e D é uma matriz diagonal, cujas entradas diagonais são
os autovalores de A. Sabemos que todos os autovalores de A são reais. Suponhamos
que eles sejam não negativos. Se h·, ·i denotar o produto interno canônico no Kn , é fácil
verificar que
h Ax, yi

é uma forma hermitiana. Afirmamos que ela é positiva semidefinida. De fato, se


fizermos a mudança de variável x = Uy, então

h Ax, x i = xt Ax = yt U ∗ AUy = yt Dy = d1 |y1 |2 + . . . + dn |yn |2 ≥ 0.

Note que, se os autovalores de A forem todos positivos, então h x, Ax i define um


produto interno no Kn . ¢
¡ ¢
Exemplo .20 Definimos o espaço CL2 [0, 1], K ao tratarmos, no Capítulo ??, os espaços
¡ ¢
L p . Em CL2 [0, 1], K , consideramos
Z 1
h f , gi = f ( x ) g( x )dx.
0

É imediato verificar que h·, ·i é um produto interno. Na


¡ verdade,
¢ como f = 0 qtp
implica f = 0, temos que esse é um produto interno em L2 [0, 1] . ¢

Exemplo .21 Introduzimos no Capítulo ?? o espaço `2 , das sequências em K de


quadrado somável:
( )

`2 = x = ( xn )n∈N : ∑ | x n |2 < ∞ .
n =0
­ ®
Em `2 , definimos o produto £ interno h x,¤ yi = ( xn ), (yn ) = ∑∞
n=0 xn yn . (A
desigualdade | xn yn | ≤ (1/2) | xn |2 + |yn |2 garante que a série é absolutamente
convergente). A verificação que h·, ·i é um produto interno é simples. ¢
4 Veja [AL], Capítulo 10.
5 No caso real, U é ortogonal, isto é, U t = U −1 .
8 FORMAS E PRODUTO INTERNO

Exemplo .22 Pode-se provar que todo espaço vetorial X possui uma base, no sentido
apresentado na Definição ??. Se B = { xγ : γ ∈ Γ} for uma base de X, definimos, para
α, γ ∈ Γ, ½
1, se γ = α,
h xγ , xα i =
0, se γ 6= α.

Se x = ∑ik=1 αi xαi e y = ∑i`=1 β i xγi , estendendo a definição de h·, ·i linearmente,


obtemos um produto interno no espaço X.
Notamos, contudo, que a existência de uma base em X não significa que podemos
explicitar seus elementos. Assim, geralmente, não há como calcular o produto interno
de quaisquer elementos do espaço e a definição dada acima para o produto interno
torna-se meramente teórica. ¢

Seja S ⊂ X um subconjunto arbitrário. O conjunto

S⊥ = {y ∈ X : B( x, y) = 0 ∀ x ∈ S}

é claramente um subespaço de X (veja o Exercício 9). No caso especial em que S = X,


o subespaço X ⊥ é chamado espaço anulador da forma B e usualmente denotado por X0 .
Denotaremos por Re z e por Im z as partes real e imaginária do número complexo z,
respectivamente. Compare o enunciado de nosso próximo resultado com a Observação
.13.

Lema .23 Seja B : X × X → K uma forma positiva semidefinida. Então, q B (y) = 0 se, e
somente se, B( x, y) = 0 para todo x ∈ X (ou seja, y ∈ X0 ).

Demonstração: Se y ∈ X0 , claramente vale q B (y) = B(y, y) = 0. Reciprocamente,


suponhamos que q B (y) = B(y, y) = 0 e consideremos x + ty ∈ X. Temos, para todo
t ∈ R,

0 ≤ B( x + ty, x + ty)
= q B ( x ) + 2t Re B( x, y) + t2 B(y, y) = q B ( x ) + 2t Re B( x, y).

Se fosse Re B( x, y) 6= 0, ao tomarmos t suficientemente grande e com sinal


adequado, o lado direito da desigualdade seria negativo, estabelecendo uma
contradição. Isso prova que Re B( x, y) = 0 para todo x ∈ X. Em particular,
Re B(ix, y) = 0. Como Re B(ix, y) = Im B( x, y), a prova está completa. 2

Caracterizamos, assim, o anulador X0 como o conjunto de soluções de q B = 0.

Exemplo .24 Consideremos novamente o Exemplo .17. Temos B( x, y) = x1 y1 + x2 y2 e


q B ( x ) = x12 + x22 , em que x = ( x1 x2 x3 )t e y = (y1 y2 y3 )t . Assim, q B ( x0 ) = 0 se, e
somente se, x0 = (0 0 x3 )t . Nesse caso, temos imediatamente que B( x0 , y) = 0 para
todo y ∈ R3 . ¢

Teorema .25 (Desigualdade de Cauchy-Schwarz)


Seja B uma forma positiva semidefinida no espaço vetorial X. Então vale
q q
| B( x, y)| ≤ qB (x) q B ( y ). (3)
.3. FORMAS HERMITIANAS 9

Demonstração: Se, para x, y ∈ X, tivermos B( x, y) = 0, o resultado afirmado é óbvio.


Caso contrário, para todo α ∈ C e todo t ∈ R vale
0 ≤ B( x − αty, x − αty) = q B ( x ) − t[αB(y, x ) + ᾱB( x, y)] + t2 αᾱq B (y).
Tomando α = B( x, y), obtemos
0 ≤ q B ( x ) − 2t| B( x, y)|2 + t2 | B( x, y)|2 q B (y).
Segue-se do Lema .23 que q B (y) = 0 implica B( x, y) = 0 para todo x ∈ X.
Como estamos admitindo que B( x, y) 6= 0, a desigualdade anterior mostra que o
discriminante do trinômio no lado direito da desigualdade deve ser menor do que ou
igual a zero. Portanto,
4| B( x, y)|4 − 4 q B ( x )q B (y)| B( x, y)|2 ≤ 0.
O resultado decorre daí imediatamente. 2

A demonstração do próximo resultado certamente já é conhecida (veja o Exercício


10).
Corolário .26 Seja h·, ·i um produto interno em X. Então
q
k x k = h x, x i
é uma norma em X. Dizemos que essa norma é gerada pelo produto interno.
No Exemplo .18, o produto interno h·, ·i gera a norma euclidiana k · k (definida
no Exemplo ??). No Exemplo .20, o produto interno gera a norma k · k L2 , definida
quando tratamos dos espaços L p . No Exemplo .21, o produto interno gera a norma
k · k2 , definida quando consideramos os espaços ` p .
Note que, no caso de um produto interno h·, ·i em X, a identidade do paralelogramo
escreve-se como ¡ ¢
k x + y k2 + k x − y k2 = 2 k x k2 + k y k2 , (4)
o Teorema de Pitágoras estabelece que, para x perpendicular a y, vale
k x + y k2 = k x k2 + k y k2 , (5)
enquanto a Desigualdade de Cauchy-Schwarz garante que
¯ ¯
¯h x, yi¯ ≤ k x k kyk, (6)

relações já encontradas em um curso de Álgebra Linear.6 As relações apresentadas


anteriormente podem ser úteis ao considerarmos uma forma positiva definida (ou
positiva semidefinida) em um espaço com produto interno X.
Um espaço X com produto interno é, como vimos, um espaço normado. Se esse
espaço for completo, dizemos que X é um espaço de Hilbert. Assim, os espaços definidos
nos Exemplos .18, .20 e .21 são espaços de Hilbert.
Dado um espaço normado ( X, k · k), podemos nos perguntar se existe um produto
interno h·, ·i em X de modo que k · k seja gerado por esse produto interno. Essa
pergunta, em princípio, não é simples. De certa maneira, é surpreendente que exista
um critério que permite dar uma resposta afirmativa a essa pergunta:
6 Veja [AL], Capítulo 8.
10 FORMAS E PRODUTO INTERNO

Proposição .27 Seja ( X, k · k) um espaço normado. Então k · k é uma norma gerada por um
produto interno se, e somente se, ela satisfizer a identidade do paralelogramo.

Esse é o enunciado da Proposição ??, demonstrada na página ??.

.4 Formas Contínuas
As duas Seções anteriores estabeleceram propriedades algébricas de formas e formas
quadráticas. Passamos agora a estudar suas propriedades topológicas.
Seja X um espaço normado. O Teorema .4 garante que uma forma B : X × X → K é
contínua se, e somente se, for limitada. Nesse caso, temos

k Bk = sup | B( x, y)|.
k x k≤1, kyk≤1

Se a forma B for contínua, q B é contínua, como restrição de função contínua. Decorre


da identidade de polarização (válida no caso real apenas se B for simétrica!) que a
continuidade de q B implica a continuidade de B. (Veja os Exercícios 16 e 17.) É natural
definir a norma da forma quadrática q B por

kq B k = sup | B( x, x )|.
k x k=1

Claramente vale kq B k ≤ k Bk e, também, kq B ( x )|| ≤ kq B k k x k2 para todo x ∈ X.

Observação .28 Se a forma quadrática q B : X → K definida no espaço normado X for


contínua, o Lema .23 garante que X0 é um subespaço fechado de X. ¢
¡ ¢
Exemplo .29 Considere o espaço normado R2 , k · k∞ . Para x = ( x1 x2 )t e y = (y1 y2 )t ,
considere a forma bilinear simétrica

B( x, y) = x1 y1 − x2 y2 ,

que gera a forma quadrática


q B ( x ) = x12 − x22 .
Tomando x0 = (1 1)t e y0 = (1 − 1)t , temos k x0 k∞ = 1 = ky0 k∞ e B( x0 , y0 ) = 2.
Contudo, verificamos facilmente que |q B ( x )| ≤ 1 para k x k∞ = 1, mostrando que pode-
se ter kq B k < k Bk. ¢

Agora mostraremos situações em que podemos garantir que as normas de uma


forma B e de sua forma quadrática q B são iguais. (Em espaços com produto interno,
aplicaremos a Proposição .27.)

Teorema .30 Sejam X um espaço normado e B : X × X → K uma forma hermitiana e


contínua. Então, se B for positiva semidefinida,

k B k = k q B k.

Se X for um espaço com produto interno, o resultado vale para qualquer forma hermitiana
contínua B.
.4. FORMAS CONTÍNUAS 11

Demonstração: Como vimos, basta provar que k Bk ≤ kq B k.


Seja B uma forma positiva semidefinida no espaço normado X. Se k x k = 1 = kyk,
decorre da desigualdade de Cauchy-Schwarz que
q q
| B( x, y)| ≤ kq B k kq B k,

e o resultado decorre daí ao tomarmos o supremo em ambos os lados da desigualdade.


Passemos ao caso de um espaço com produto interno X. Seja k · k a norma gerada
pelo produto interno.
Se k x k = 1 = kyk, a identidade de polarização garante que7

1£ ¤
|Re B( x, y)| ≤ |q B ( x + y)| + |q B ( x − y)|
4
1 £ ¤
≤ k q B k k x + y k2 + k x − y k2
4
1 £ ¤
= k q B k k x k2 + k y k2
2
= k q B k. (7)

(O fundamento desse procedimento é a utilização da identidade do paralelogramo (??),


válida apenas se o produto interno gerar a norma k · k. Note que, tomando o supremo
com k x k = 1 = kyk, provamos o caso em que B é bilinear.)
Se B( x, y) ∈ C, escrevemos sua forma polar: B( x, y) = reiθ . Definindo α = e−iθ ,
obtemos
αB( x, y) = r = | B( x, y)|.
Para k x k = 1 = kyk, decorre então de (7) que
¯ ¯ ¯ ¯
kq B k ≥ ¯Re B(αx, y)¯ = ¯Re αB( x, y)¯ = | B( x, y)|.

Consequentemente, em qualquer caso temos que

kq B k ≥ sup | B( x, y)| = k Bk.


k x k=1=kyk 2

Em um contexto um pouco mais geral, mostraremos no Capítulo ?? que, em um


espaço com produto interno, se T ∈ L( E), então B : E × E → K, dado por

B( x, y) = h x, Tyi

ou
B( x, y) = h Tx, yi,
define uma forma no espaço E tal que

k B k = k T k.

(Veja a Proposição ??.)


Contudo, não podemos concluir que vale kq B k = k Bk = k T k:
7 No caso real, estamos aplicando a Proposição .9, que exige que B seja simétrica. No caso complexo,

estamos aplicando a Proposição .12.


12 FORMAS E PRODUTO INTERNO

Exemplo .31 Consideremos E = R2 e T : R2 → R2 definida por


µ ¶
0 −1
T= .
1 0

A Proposição ?? garante que, se B( x, y) = h x, Tyi, então k Bk = k T k. Por outro


lado, q B ( x ) = h x, Tx i = h Tx, x i ≡ 0. (Veja o Teorema ?? para uma interpretação desse
resultado.) ¢
Podemos nos fazer a seguinte pergunta: se B : E × E → K for uma forma
sesquilinear contínua num espaço com produto interno E, então existe uma aplicação
linear contínua T : E → E tal que

B( x, y) = h x, Tyi ?

Se E for um espaço de dimensão finita, sabemos da Álgebra Linear8 que a resposta


para essa pergunta é afirmativa nesse caso.
Em espaços de Hilbert, como veremos, também podemos responder afir-
mativamente a essa pergunta. Esse é um dos resultados que mostraremos no Capítulo
?? (veja o Teorema ??).

.5 Exercícios
1. Sejam X, Y e Z espaços vetoriais e S( X × Y, Z ) o conjunto de todas as aplicações
B : X × Y → Z sesquilineares. Mostre que S( X × Y, Z ) é um espaço vetorial
com as definições usuais de soma de aplicações e multiplicação de aplicação por
escalar.

2. Sejam X, Y, Z espaços normados. Mostre que uma aplicação sesquilinear B : X ×


Y → Z é uniformemente contínua se, e somente se, for identicamente nula.

3. Sejam X, Y, Z espaços normados. Mostre que

k Bk = sup{k x k ≤ 1, kyk ≤ 1}k B( x, y)k

define uma norma no espaço Sc ( X × Y, Z ) de todas as aplicações sesquilineares


B : X × Y → Z contínuas. Mostre que Sc ( X × Y, Z ) é um espaço de Banach, se Z
for completo.

4. Enuncie e demonstre, para o caso de aplicações sesquilineares limitadas,


resultado análogo ao Exercício ?? do Capítulo ??.

5. Seja X um espaço vetorial e α, β : X → K funcionais lineares. Mostre que


B : X × X → K, definida por B( x, y) = α( x ) β(y) é uma forma.

6. Seja X um espaço vetorial com base B = { x1 , . . . , xn }. Associe a x ∈ X o vetor


[ x ]B = (α1 . . . αn )t ∈ Kn , em que x = α1 x1 + . . . + αn xn . Fixe A ∈ Mn×n (K), o
t
espaço das matrizes n × n sobre o corpo K, e defina B( x, y) = [y]B A[ x ]B , em que
w é obtido ao se tomar o conjugado em cada coordenada de w ∈ Kn . Mostre que
B é uma forma em X.
8 Veja [AL], Capítulo 9.
.5. EXERCÍCIOS 13

7. Seja B uma forma no espaço X e { x1 , . . . , xn } uma base de X. Mostre que B está


caracterizada pela matriz ( aij ), em que aij = B( xi , x j ). Expresse B( x, y) em termos
dessa matriz. Compare com o Exercício 6.
8. Demonstre a Proposição .9. Em outras palavras, verifique que Bs é uma forma
bilinear simétrica e que B = Bs , se B for simétrica.
9. Seja B : X × X → K uma forma no espaço X e S ⊂ X um subconjunto arbitrário.
Mostre que S⊥ é um subespaço de X. Se X for normado e B contínua, mostre que
S⊥ é um subespaço fechado de X.
10. Demonstre o Corolário .26.
¯ ¯
11. Seja E um espaço com produto interno. Mostre que ¯h x, yi¯ = k x k kyk se, e
somente se, os vetores x, y forem linearmente dependentes.
¡ ¢
12. Considere o espaço C1 [ a, b], K , o espaço das funções f : [ a, b] → K de classe C1 .
Defina, para f e g nesse espaço,
Z b
h f , gi = f 0 ( x ) g0 ( x )dx.
a
( a) h·, ·i é um produto interno?
¡ ¢
(b) Considere F = { f ∈ C1 [ a, b], K : f ( a) = 0}. Em F, h·, ·i é um produto
interno?
¡ ¢
13. Mostre que a norma em C [ a, b], C não é gerada por um produto interno.
14. Sejam E um espaço com produto interno de dimensão finita e B uma forma em E.
Mostre que existe um único operador linear T : E → E tal que B( x, y) = h Tx, yi
para quaisquer x, y ∈ E. Mostre também que o espaço S( E) de todas as formas
em E é canonicamente9 isomorfo ao espaço L( E) de todos os operadores em E.
15. Seja A ∈ Mn×n (K). Defina B : Kn × Kn → K por B( x, y) = xt Ay. Mostre que
B é uma forma positiva definida se, e somente se, existir uma matriz invertível
P ∈ Mn×n (K) tal que A = P∗ P.
16. Seja B : X × X → K uma forma bilinear no espaço vetorial X. Suponha que
q B ( x ) = B( x, x ) seja uma forma quadrática contínua. Mostre que B é contínua.
17. Dê um exemplo mostrando que, mesmo em um espaço de Hilbert E, existem
formas bilineares B : E × E → K que não são contínuas, mas tais que q B : E → K
é contínua.
18. Seja X um espaço complexo de dimensão finita e B : X × X → K uma forma
sesquilinear. Mostre que B é contínua.
19. Seja B : X × X → K uma forma hermitiana no espaço vetorial X. A forma B é
negativa semidefinida, se B( x, x ) = q B ( x ) ≤ 0 para todo x ∈ X. Mostre o Lema
.23 para uma forma negativa semidefinida. Adapte o enunciado e demonstre
a desigualdade de Cauchy-Schwarz para tais formas. O Teorema .30 continua
válido nesse caso?
9 Um isomorfismo entre espaços vetoriais é canônico, se ele independer de escolhas de bases nos espaços

envolvidos.
Séries de Fourier

Neste Apêndice expomos o método de separação de variáveis e tratamos da


convergência das séries de Fourier, desde um ponto de vista introdutório. A
apresentação é elementar e inteiramente independente de qualquer resultado neste
livro. Este Apêndice corresponde a parte de um texto publicado na II Bienal de
Matemática. Apesar da linguagem utilizada neste texto ser diferente daquela utilizada
no restante do livro, resolvemos mantê-la.

.6 A Corda Vibrante
Em geral, obter soluções de uma equação diferencial parcial é um desafio. Um dos
poucos métodos que possui larga aplicabilidade é o de separação de variáveis. Vamos
ilustrar a aplicação desse método através do problema da corda vibrante, sem força
externa.

O problema consiste na solução do seguinte sistema




 utt − c2 u xx = 0,

u(0, t) = u( L, t) = 0,
(8)

 u ( x, 0) = f ( x ),

ut ( x, t) = g ( x ).

Aqui, u( x, t) descreve a posição “vertical” da corda no ponto “horizontal” x e no


tempo t. A corda tem comprimento L e suas extremidades (situadas nos pontos 0 e
L do eixo horizontal) fixadas na posição vertical nula. Sua posição no instante t = 0
é descrita pela função (contínua) f ( x ) e sua velocidade neste instante é descrita pela
função (também contínua) g( x ). A constante c depende da densidade linear da corda,
bem como da tensão aplicada à mesma.

Não vamos descrever aqui as considerações físicas que levam ao estabelecimento


do problema (8). Elas podem ser encontradas nas referências [?] e [36]. Apenas
enfatizaremos algumas hipóteses que estão sendo utilizadas quando da dedução de
(8). Em primeiro lugar, a corda é perfeitamente flexível, de modo que nenhum esforço
é necessário para dobrá-la. A corda é tão fina que sua seção transversal move-se como
um único ponto. Além disso, todo o movimento é transversal ao eixo horizontal x e não
existe componente da velocidade nesta direção. Uma boa discussão sobre as hipóteses
utilizadas quando da dedução de (8) pode ser encontrada em [36].

14
.7. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS 15

.7 Separação de Variáveis
A equação
utt − c2 u xx = 0 (9)
é uma das poucas equações diferenciais parciais cuja solução geral pode ser obtida
diretamente. Ao invés de escolhermos essa abordagem, utilizaremos o método de
separação de variáveis, que consiste em supor a existência de uma solução u( x, t) tendo
a forma
u( x, t) = F ( x ) G (t)
em que F ( x ) e G (t) são funções reais.10

Feita essa hipótese, procederemos formalmente, isto é, admitiremos que, sob


condições adicionais a serem especificadas, todas as passagens matemáticas possam
ser justificadas.

Substituindo u( x, t) = F ( x ) G (t) em (9), chegamos à igualdade

F 00 ( x ) G 00 (t)
= 2 .
F(x) c G (t)

Assim, essa igualdade define uma função σ( x, t). Fixando a variável x e variando
t, vemos que σ ( x, t) não depende de t. Por outro lado, fixando t e variando x, notamos
que σ também não depende de x. Assim, σ é uma constante:

F 00 ( x ) G 00 (t)
= 2 = σ ∈ R,
F(x) c G (t)

de modo que, se o método de separação de variáveis for aplicável, obteremos u( x, t) =


F ( x ) G (t) como solução do par de equações

F 00 ( x ) − σF ( x ) = 0,
G 00 ( x ) − σc2 G (t) = 0.

Agora consideramos as condições de fronteira em (8). Se a solução u( x, t) =


F ( x ) G (t) satisfaz u(0, t) = 0 = u( L, t), então

F (0) G ( t ) = 0 = F ( L ) G ( t ) para todo t.

Se fosse G (t) ≡ 0, então u( x, t) ≡ 0 e as condições u( x, 0) = f ( x ) e ut ( x, 0) = g( x )


só seriam satisfeitas se f ( x ) ≡ 0 e g( x ) ≡ 0. Se essas funções não forem nulas,
chegamos então ao problema de valor de fronteira

F 00 ( x ) − σF ( x ) = 0, F (0) = 0, F ( L) = 0. (10)

Suponhamos √
que σ >√0. Nesse caso, a solução geral de F 00 − σF = 0 é dada por (veja
[?]) F ( x ) = Ae σx + Be− σx . Substituindo aí os dados de fronteira F (0) = 0 = F ( L),
concluímos que A = B = 0, o que nos leva novamente à solução identicamente nula.
10 O método também pode ser aplicado com F e G complexas.
16 SÉRIES DE FOURIER

Para σ = 0, a solução geral de F 00 ( x ) = 0 é dada por F ( x ) = Ax + B e os dados


F (0) = 0 = F ( L) conduzem novamente à solução u ≡ 0. Portanto, devemos ter σ < 0.
Chamando então −σ = λ2 , a solução geral de F 00 + λ2 F = 0 é dada por (veja [?])

F ( x ) = A cos λx + Bsen λx

e os dados de fronteira garantem que A = 0 e que

Bsen λL = 0.

Como B = 0 implica u ≡ 0, impomos que sen λL = 0, o que nos mostra que



λ= , n ∈ {±1, ±2, . . .},
L
chamados autovalores do problema (10). As funções
nπx
Fn ( x ) = sen , n ∈ {1, 2, . . .},
L
são chamadas autofunções de (10). Note que basta considerarmos n ∈ N, pois valores
negativos de n apenas conduzem a autofunções que diferem apenas no sinal daquelas
obtidas para n positivo. (Observe que a nomenclatura empregada sugere que estamos
num contexto de Álgebra Linear.)

Uma vez que −σ = λ2 ∈ R, as soluções do problema

G 00 − σc2 G = 0

são dadas por


nπct nπct
Gn = An cos + Bn sen .
L L

Note que, para cada escolha de n ∈ N, as constantes An e Bn podem ser escolhidas


arbitrariamente. Multiplicando as funções Fn e Gn , chegamos a
nπx nπct nπx nπct
un ( x, t) = An sen cos + Bn sen sen .
L L L L

Para cada n ∈ N, un ( x, t) resolve o problema


½
utt − c2 u xx = 0,
(11)
u(0, t) = u( L, t) = 0.

Além disso, somas (finitas) de múltiplos das funções un (para valores distintos de
n) continuam resolvendo o mesmo problema. (Esse é o Princípio da Superposição.)
Mas a substituição t = 0 em qualquer de tais somas finitas de funções un determina
valores para f ( x ) e g( x ) (verifique!).

Como superar essa limitação?


.7. SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS 17

Essa é uma daquelas situações na matemática em que, para resolver um problema,


criamos outros. Aliás, diversos outros. É o que mostraremos agora.
Continuando com nosso procedimento formal, vamos considerar, ao invés de
somas finitas de soluções un , uma série de soluções
∞ µ ¶
nπx nπct nπx nπct
u( x, t) = ∑ An sen cos + Bn sen sen . (12)
n =1
L L L L

Uma primeira dúvida impõe-se: se somas finitas de soluções un continuam


resolvendo (11), o mesmo acontece com (12)? Isso não é óbvio. Na verdade, nem
mesmo podemos garantir que a função u( x, t) esteja bem definida, isto é, que a série
convirja. Mas, para sermos sinceros, muitas outras passagens feitas formalmente
também não eram óbvias, e isso não nos impediu de fazê-las. Sendo assim...

A substituição de t = 0 em (12) nos mostra, então, que a função f deve satisfazer



nπx
f (x) = ∑ An sen L
. (13)
n =1

Se for possível a derivação termo a termo em (12) (ah, mais uma hipótese...), então
a função g deve satisfazer
∞ ³ nπc ´ nπx
g( x ) = ∑ L
Bn sen
L
. (14)
n =1

A nossa aposta é que, para funções f e g suficientemente gerais, possamos


determinar os coeficientes An e Bn e também justificar todas as passagens feitas
formalmente.

Ao invés de determinarmos os coeficientes An e Bn nas expressões (13) e (14),


passaremos a uma situação um pouco mais geral e mostraremos como os coeficientes
podem ser encontrados. Para isso, suponhamos que uma função H ( x ) possa ser
representada na forma
∞ ³
a0 nπx nπx ´
H (x) = + ∑ an cos + bn sen . (15)
2 n =1
L L

(Se você está curioso para saber porquê o coeficiente a0 aparece dividido por 2, veja a
seqüência.)

Uma primeira observação, antes de prosseguirmos. O lado direito da igualdade


(15) tem período 2L (note que não estamos dizendo que esse é o período fundamental
daquela série) e está definido para todo x. Assim, é natural considerarmos que a função
H esteja definida para todo x e tenha período 2L. Dito de outra forma: suponhamos que
H esteja definida num intervalo de comprimento 2L; estendemos então H ao conjunto
R, de modo que H tenha período 2L (de novo, não se trata do período fundamental de
H).
18 SÉRIES DE FOURIER

Vamos continuar agindo formalmente, quer dizer, vamos pensar que nossas
operações matemáticas possam ser justificadas. Integrando de − L a L, obtemos
Z L Z L Z L ∞ ³
a0 nπx nπx ´
−L
H ( x )dx =
2 −L
dx + ∑
− L n =1
an cos
L
+ bn sen
L
.

Se a integração da série for possível como integração termo a termo (convergência


uniforme possibilita isto!) então, como as funções cos nπx nπx
L e sen L têm período 2L,
vem
Z L Z ∞ µ Z L Z L ¶
a0 L nπx nπx
H ( x )dx = dx + ∑ an cos + bn sen
−L 2 −L n =1 −L L −L L
Z L
a0
= dx
2 −L

e, portanto,
Z L
1
a0 = H ( x )dx. (16)
L −L

Para obtermos os demais coeficientes, fazemos uso das relações de ortogonalidade:


Z L
nπx mπx
cos sen = 0, ∀ m, n ∈ N,
Z−LL L L ½
nπx mπx L, m = n ∈ N,
cos cos = (17)
−L L L ½ 0, m, n ∈ N, m 6= n.
Z L
nπx mπx L, m = n ∈ N,
sen sen =
−L L L 0, ∀ m, n ∈ N, m 6= n.
(Essas relações podem ser obtidas facilmente calculando as integrais envolvidas, mas
o sentido da palavra ortogonalidade só será esclarecido posteriormente. Essas relações
podem ser obtidas segundo uma outra abordagem, muito mais simples e elegante, que
utiliza funções complexas. Veja, por exemplo, [20].)

Agora, multiplicando a igualdade (15) por cos mπx


L e então integrando termo a
termo, obtemos os coeficientes de Fourier:
Z L
1 mπx
am = H ( x ) cos dx, m ∈ N; (18)
L −L L
por outro lado, multiplicando por sen mπx
L e integrando termo a termo, vem
Z L
1 mπx
bm = H ( x ) cos dx, m ∈ N. (19)
L −L L

Ah, agora justificamos a divisão de a0 por 2. Fazemos assim por mera questão
estética, para que as expressões dos coeficientes sejam todas semelhantes...Aqui cabe
uma observação: a forma dos coeficientes an e bn implica a unicidade da série de
Fourier de uma função f , desde que a série possa ser integrada termo a termo. Isso
é válido, por exemplo, se a função f for contínua por partes. Veja, a esse respeito, o
Exercício 7 e a Seção .9.
.8. CHEGA DE FORMALISMO! 19

Tudo isto está muito bom, mas uma dúvida simples ainda não foi resolvida: as
séries aqui apresentadas dependem de senos e cossenos; por outro lado, as séries em
(13) e (14) dependem apenas de senos. Qual o significado disso?

Uma simples verificação das igualdade (13) e (14) mostra que o lado direito de
cada uma dessas expressões define (supondo sempre que a série convirja!) uma função
ímpar. Assim, as funções f e g daquelas igualdades devem ser funções ímpares! Como
f e g só são dadas no intervalo [0, L], isso quer dizer que elas foram estendidas ao
intervalo [− L, L] de modo a tornarem-se funções ímpares.

O que podemos dizer sobre séries de Fourier de funções pares e ímpares? É o que
vamos responder agora.

Não é difícil verificar que o produto de duas funções pares é uma função par;
que o produto de uma função par por uma função ímpar é uma função ímpar; e
que o produto de duas funções ímpares é uma função par. (Isso não parece com a
multiplicação no conjunto {−1, 1}?)

Além disso, a integração de uma função ímpar sobre [− L, L] (ou, mais geralmente,
sobre qualquer intervalo de comprimento 2L) é sempre nula, enquanto a integração
de uma função par sobre [− L, L] (ou, mais geralmente, sobre qualquer intervalo de
comprimento 2L) é igual a duas vezes o valor de sua integração sobre [0, L].

Consequentemente, se H for uma função par, teremos bn = 0 para todo n ∈ N e


Z L
2 nπx
an = H ( x ) cos dx
L 0 L
e, se H for uma função ímpar, então an = 0 para todo n ∈ N e
Z L
2 nπx
bn = H ( x )sen dx.
L 0 L

.8 Chega de Formalismo!
Não é de bom tom que nós, matemáticos, sejamos apenas formais. Matemáticos
gostam de provas, de resultados bem fundamentados. Mesmo que, desde Gödel,
saibamos que não há como fundamentar os postulados que utilizamos: um pouco de
idiossincrasia (ou cinismo?) é sempre permitido.

Assim, passemos às definições e aos teoremas. Os resultados desta Seção estão


expostos em diversos livros (veja [?]-[36]) e sua inclusão nesse texto foi feita apenas
para comodidade do leitor.

Com os coeficientes dados em (16), (18) e (19), a série no lado direito da igualdade
(15) é chamada série de Fourier da função H. Nem sempre a igualdade (15) é válida,
mesmo se a função H for contínua.

Note que o lado esquerdo da igualdade (15) define uma função com período 2L.
Assim, H deve ser uma função periódica, com período 2L. Portanto, ao investigarmos
a igualdade (15), basta considerarmos funções periódicas com período 2L.
20 SÉRIES DE FOURIER

.9 Convergência Quadrática
Ao estudarmos a convergência de séries de Fourier, começaremos pela noção de
convergência quadrática, por causa de seu forte apelo geométrico. A nossa exposição
pressupõe que o leitor conheça alguns resultados básicos da Álgebra Linear. Esses
podem ser encontrados em qualquer livro sobre o assunto.

Seja H uma função com período 2L. A função H : [− L, L] → R é contínua


por partes (ou seccionalmente contínua) se ela possuir um número finito de
descontinuidades em [− L, L], todas elas de primeira espécie (isto é, os limites laterais à
direita H ( x + ) e à esquerda H ( x − ) existem em todos os pontos x). Denotaremos por
CP([− L, L]) o conjunto de todas as funções contínuas por partes. É fácil verificar
que CP([− L, L]) é um espaço vetorial. Identificaremos cada uma das funções em
CP([− L, L]) com sua extensão periódica de período 2L. Note que, se H̄ é essa
extensão de H : [− L, L] → R, temos H̄ ( L− ) = H ( L) e H̄ ( L+ ) = H (− L), por exemplo.
Ao considerarmos uma função em CP([− L, L]), estaremos pensando sempre nessa
extensão.

Denotaremos por C ([− L, L]) ⊂ CP([− L, L]) o subespaço de todas as funções


H ∈ CP([− L, L]) tais que H : [− L, L] → R é contínua. Em termos da extensão
periódica feita acima, isso quer dizer que uma função contínua H : [− L, L] → R
não necessariamente origina uma extensão periódica contínua! Mais precisamente, a
extensão periódica de H : [− L, L] → R é contínua se, e somente se, H (− L) = H ( L).

Se denotarmos Z L
h H, G i = H ( x ) G ( x )dx, (20)
−L

não é difícil verificar que h·, ·i é um produto interno no espaço vetorial (de dimensão
infinita) C ([− L, L]).

Todos os espaços com produto interno satisfazem a desigualdade de Cauchy-


Schwarz que, no nosso contexto, garante que
Z L µZ L
¶1/2 µZ L
¶1/2
H ( x ) G ( x )dx ≤ [ H ( x )]2 dx [ G ( x )]2 dx . (21)
−L −L −L

Como conseqüência da desigualdade de Cauchy-Schwarz, obtemos facilmente que


µZ L
¶1/2
1/2 2
k H k = h H, H i = [ H ( x )] dx (22)
−L

é uma norma no espaço C ([− L, L]). Chamaremos essa norma de norma quadrática.

Nesse contexto, as relações de ortogonalidade (17) significam que o conjunto


½ ¾
πx πx 2πx
1, cos , sen , cos ,...
L L L

é um conjunto ortogonal e, portanto, linearmente independente.


.9. CONVERGÊNCIA QUADRÁTICA 21

6

H  H − SN
  
  
  - 
 SN  
 
 

Figura 1: A melhor aproximação de H no espaço gerado pelas funções


1, cos πx πx Nπx Nπx
L , sen L , . . . , cos L , sen L é S N , soma parcial de ordem N da série de
Fourier de H.

Agora consideremos uma questão geométrica. Denotemos por


N µ ¶
kπx kπx
s N ( x ) = A0 + ∑ Ak cos + Bk sen ,
k =1
L L
com Ak , Bk ∈ R quaisquer. Chamaremos s N de polinômio trigonométrico de ordem N
com coeficientes Ak , Bk .

Assim s N denota um elemento arbitrário do espaço vetorial gerado pelas funções


1, cos πx πx Nπx Nπx
L , sen L , . . . , cos L , sen L . Consideremos H ∈ C ([− L, L]). Qual é
o polinômio trigonométrico que melhor aproxima H na norma quadrática? Mais
precisamente, para que coeficientes temos que a norma quadrática k H − s N k é mínima?

A resposta é simples: a função ( H − s N ) é perpendicular a s N se, e somente se,


A0 = a0 /2, Ak = ak , Bk = bk (k ∈ N), em que ak , bk são os coeficientes de Fourier de H.
Para verificar esse fato, basta mostrar que, nesse caso, ( H − s N ) é ortogonal a cada uma
das funções do conjunto {1, cos πx πx Nπx Nπx
L , sen L , . . . , cos L , sen L }. (Veja o Exercício 4.)

Se ak , bk são os coeficientes de Fourier de H, denotamos


N µ ¶
a0 kπx kπx
SN (x) = + ∑ ak cos + bk sen
2 k =1
L L
a soma parcial de ordem N da série de Fourier de H.
As relações de ortogonalidade implicam que
à !
2 ∞
a
k S N k2 = h S N , S N i = L 0
+ ∑ ( a2k + bk2 ) . (23)
2 k =1

Assim, decorre do Teorema de Pitágoras (veja o Exercício 3) que


à ! Z L
N
2 a20
kS N k = L + ∑ ( a k + bk ) ≤ k H k 2 =
2 2
[ H ( x )]2 dx
2 k =1 − L

para todo N ∈ N. Tomando o limite quando N → ∞, obtemos a desigualdade de


Bessel : Z

a20 2 2 1 L
+ ∑ ( a k + bk ) ≤ [ H ( x )]2 dx.
2 k =1
L −L
22 SÉRIES DE FOURIER

Dizemos que S N converge a H na norma quadrática, em símbolos, S N → H em L2 ,


se
µZ L
¶1/2
2
lim kS N − H k = lim | H ( x ) − S N ( x )| dx = 0.
N →∞ N →∞ −L

Como o Teorema de Pitágoras garante que

k H − S N k2 = k H k2 − k S N k2 ,

passando ao limite quando N → ∞, concluímos que


Z L ∞
1 a20
S N → H em L2 ⇔ [ H ( x )]2 dx = + ∑ ( a2k + bk2 ).
L −L 2 k =1

A igualdade do lado direito da última expressão é conhecida como identidade de


Parseval.

Nesse ponto, podemos concluir a validade da identidade de Parseval mostrando


que toda função H : [− L, L] → R com H (− L) = H ( L) pode ser uniformemente
aproximada por um polinômio trigonométrico. Mais precisamente, dado e > 0, existe
um polinômio trigonométrico Pe tal que supt∈[− L,L] | H (t) − Pe (t)| < e. (Em vários
textos, funções contínuas como acima são descritas como funções definidas no círculo
S1 .) Como essas funções são (claramente) densas no espaço C ([− L, L]) com a norma
quadrática, concluímos daí o afirmado. (Para esse procedimento, veja, por exemplo,
[29]. Uma abordagem mais precisa, que constitui uma variação sobre esse método,
pode ser encontrada em [?] e [20].)

Concluiremos a validade da identidade de Parseval na próxima Subseção.


Contudo, é importante ressaltar um fato: todo o desenvolvimento que aqui fizemos
continua sendo válido para funções em CP([− L, L]). Assim, se H ∈ CP([− L, L]), vale
Z L ∞
2 1 a20
S N → H em L ⇔ [ H ( x )]2 dx = + ∑ ( a2k + bk2 ).
L −L 2 k =1

No texto, não abordamos diretamente funções em CP([− L, L]) porque, nesse caso,
a equação (20) não define um produto interno nesse espaço, já que h H, H i pode
ser nulo mesmo quando H 6= 0; em consequência, (22) não define uma norma.
Existem duas maneiras desse impasse ser contornado. A primeira consiste em
notar que a desigualdade de Cauchy-Schwarz e demais propriedades utilizadas no
desenvolvimento do texto só dependem de propriedades satisfeitas por (20). Esse
método está proposto nos exercícios deste Capítulo. A segunda abordagem é utilizada
em textos mais avançados e consiste em identificar funções em CP([− L, L]) que sejam
iguais em quase todos os pontos (isto é, a menos de um conjunto de medida nula). Esse
é o procedimento usado ao se definir o espaço L2 ([ a, b]), presente nos cursos de medida
e integração.
.10. CONVERGÊNCIA UNIFORME 23

Encerramos esta Subseção interpretando geometricamente a identidade de


Parseval: o espaço gerado pelo conjunto
½ ¾
πx πx kπx kπx
B= 1, cos , sen , . . . , cos , sen ,...
L L L L

é formado por combinações lineares (finitas!) dos elementos de B . Assim, a identidade


de Parseval tem a seguinte interpretação geométrica: ela nos garante que toda função
H ∈ CP([− L, L]) está no fecho do espaço gerado por B . Observe também que não
normalizamos os elementos de B , isto é, aqueles elementos não são unitários.

.10 Convergência Uniforme


A convergência pontual da série de Fourier dá significado às igualdades (13) e (14).
Mas, a obtenção de (14) foi feita assumindo que a série de Fourier da (pretensa) solução
u( x, t) (isto é, a equação (12)) pudesse ser derivada termo a termo. Em geral, isso só é
possível mediante hipóteses de convergência uniforme...

Iniciamos com uma observação que une os resultados desta Subseção com aqueles
da Subseção anterior: se S N → S uniformemente, então S N → S em L2 . De fato, dado
e > 0, seja N0 ∈ N tal que

e
|S N ( x ) − S( x )| < √ , x∈R
2L

para todo N ≥ N0 . Então, para tais N ∈ N, vale

µZ ¶1/2 ÃZ · ¸2 !1/2 µ Z ¶1/2


L
2
L e e2 L
kS N − Sk = [S N ( x ) − S( x )] dx ≤ √ dx = dx = e,
−L −L 2L 2L − L

ou seja,
lim kS N − Sk = 0,
N →∞

como queríamos mostrar.

Como o limite uniforme de uma seqüência de funções contínuas é uma função


contínua, a convergência uniforme da série de Fourier de H exige que a função H seja
contínua. Mais do que isso, como S N é contínua em qualquer intervalo aberto contendo
[− L, L], devemos ter que H (− L) = H ( L).

Agora fazemos outra observação de caráter introdutório: se H for uma função tal
que H 0 ∈ CP([− L, L]), então a série de Fourier de H 0 é obtida mediante derivação
termo a termo da série de Fourier de H. Este é um resultado notável, pois não estamos
assumindo convergência uniforme!

Para verificá-lo, denotemos por an e bn os coeficientes de Fourier de H e a0n e bn0


os coeficientes de Fourier de H 0 . Integração por partes nos permite relacionar esses
24 SÉRIES DE FOURIER

coeficientes: se n ∈ N, vale
Z L
1 nπx
an = H ( x ) cos
dx
L−L L
" ¯ Z L
#
1 LH ( x ) nπx ¯¯ L LH 0 ( x ) nπx L 0
= sen − sen dx = − bn .
L nπ L ¯− L −L nπ L nπ
Do mesmo modo,
L 0
bn = a .
nπ n
Quer dizer,

a0 nπx nπx
H= + ∑ an cos + bn sen
2 n =1
L L
implica

nπbn nπx nπan nπx
H0 = ∑ cos − sen .
n =1
L L L L
(Note que a hipótese H 0 ∈ CP([− L, L]) foi usada para garantir a validade da integração
por partes.)

Como conseqüência da relação entre os coeficientes de H e H 0 , temos:

Afirmação: Seja H ∈ C ([− L, L]) com H (− L) = H ( L). Suponhamos que H 0 ∈


CP([− L, L]). Então S N → H uniformemente, isto é, dado e > 0, existe N0 ∈ N tal
que
N ≥ N0 ⇒ sup | H ( x ) − S N ( x )| < e.
t∈[− L,L]

A prova de nossa afirmação agora não é difícil:


¯ ¯
¯ M nπx nπx ¯¯
¯
|S N ( x ) − S M ( x )| = ¯ ∑ an cos + bn sen ¯
¯ n = N +1 L L ¯
M ¯ nπx nπx ¯¯
¯
≤ ∑ ¯ an cos + bn sen ¯
n = N +1
L L
s
q µ ¶ µ ¶
M M
L 0 2 L 0 2
≤ ∑ a2n + bn2 ≤ ∑ bn + an
n = N +1 n = N +1
nπ nπ
q
L M 1
π n=∑
= (bn0 )2 + ( a0n )2 .
N +1
n
Portanto, em virtude da desigualdade de Cauchy-Schwarz no Rn , vem que
q
L M 1
π n=∑
|S N ( x ) − S M ( x )| ≤ (bn0 )2 + ( a0n )2
N +1
n
à !1/2 à ·q ¸2 !1/2
M M
L 1
π n=∑ ∑
≤ 0 2 0
( bn ) + ( a n ) 2
N +1
n2 n = N +1
à !1/2 à !1/2
M M
L 1
=
π n=∑ n 2 ∑ (bn0 )2 + (a0n )2 .
N +1 n = N +1
.11. VOLTANDO À CONVERGÊNCIA QUADRÁTICA 25

Uma vez que a desigualdade de Bessel garante que a série ∑∞ 0 2 0 2


n=1 ( bn ) + ( an ) é limitada

e uma vez que a série ∑n=1 (1/n2 ) é convergente, concluímos que a seqüência S N é
uniformemente de Cauchy. Assim, S N converge uniformemente para uma função S.

Afirmamos que S = H, fato que mostraremos na Subseção .12, quando estudarmos


a convergência pontual da série de Fourier. Com esse resultado, concluímos a prova de
nossa afirmação.

A convergência uniforme da série de Fourier pode ser provada sob condições um


pouco mais gerais: veja [?], p. 69.

.11 Voltando à Convergência Quadrática


Como já mostramos que a convergência uniforme S N → H implica a convergência
quadrática S N → H em L2 , a identidade de Parseval está verificada no caso em que
H (− L) = H ( L) e H 0 ∈ CP([− L, L]). Agora vamos mostrar que essas hipóteses podem
ser suprimidas.

Afirmação: Sejam H : [ a, b] → R contínua e α, β ∈ R. Então, para cada e > 0 dado,


existe uma função contínua He : [ a, b] → R tal que:

(i ) He ( a) = α e He (b) = β;

(ii ) He0 ∈ CP[ a, b];

(iii ) k H − He k < e.

Para mostrarmos nossa afirmação, começamos relembrando que uma função


contínua definida num intervalo limitado e fechado é uniformemente contínua nesse
intervalo. Assim, existe δ > 0 tal que
e
| x − y| < δ ⇒ | H ( x ) − H (y)| < p .
2( b − a )

Se necessário, escolhemos um valor menor para δ, de modo que também seja


satisfeita a desigualdade
e2
8K2 δ < ,
2
em que
½ ¾
K = max max | H ( x )|, |α|, | β| .
x ∈[ a,b]

Consideremos, então, { a = x0 < x1 < · · · < xn = b} uma partição do intervalo


[ a, b], tal que x j − x j−1 < δ para todo j = 1, 2, . . . , n.

Seja He a função cujo gráfico é a linha poligonal que passa pelos pontos
( a, α), ( x j , H ( x j )) (para j = 1, 2, . . . , n − 1) e pelo ponto (b, β).
26 SÉRIES DE FOURIER

É claro que He é contínua, He ( a) = α, He (b) = β e He0 ∈ CP[ a, b]. Além disso, para
todo j ∈ {2, . . . , n − 1}, He restrita a cada intervalo [ x j−1 , x j ] assume todos os valores
entre H ( x j−1 ) e H ( x j ). Logo, para x ∈ [ x j−1 , x j ], temos

H ( x ) − H ( x j ) ≤ H ( x ) − He ( x ) ≤ H ( x ) − H ( x j−1 )

ou
H ( x ) − H ( x j−1 ) ≤ H ( x ) − He ( x ) ≤ H ( x ) − H ( x j ),
conforme seja H ( x j ) ≤ H ( x j−1 ) ou H ( x j ) ≥ H ( x j−1 ). (Observe que, se H ( x j ) <
H ( x j−1 ), então H ( x j ) e H ( x j−1 ) são, respectivamente, o mínimo e o máximo de He
no intervalo [ x j−1 , x j ].)

Portanto, se x ∈ [ x j−1 , x j ] para j ∈ {2, . . . , n − 1}, então


© ª e
| H ( x ) − He ( x )| ≤ max | H ( x ) − H ( x j−1 )|, | H ( x ) − H ( x j )| < p .
2( b − a )

Por sua vez, se x ∈ [ a, x1 ] ∪ [ xn−1 , b], então | H ( x ) − He ( x )| ≤ 2K.

Logo,

j = n −1 Z x j Z x1
k H − He k2 = ∑ [ H ( x ) − He ( x )]2 dx + [ H ( x ) − He ( x )]2 dx
j =2 x j −1 a
Z b
+ [ H ( x ) − He ( x )]2 dx
x n −1
" #
j = n −1
e2
≤ ∑ 2(b − a) (x j − x j−1 ) + 4K2 [(x1 − a) + (b − xn−1 )]
j =2

e2 e2
= ( xn−1 − x1 ) + (4K )2 δ ≤ + 8K2 δ < e2 ,
2( b − a ) 2

ou seja,
k H − He k < e,
como queríamos mostrar.

Agora estamos em condições de mostrar que a identidade de Parseval é válida para


todas as funções H ∈ C ([− L, L]).

Como sabemos, se S N denota a soma parcial de ordem N da série de Fourier de H,


a identidade de Parseval é válida se verificarmos que S N → H em L2 .

Dado e > 0, tome He contínua em [− L, L] tal que He (− L) = He ( L), He0 ∈ CP[− L, L]


e k H − He k < 2e . (Note que o valor He ( L) pode ser escolhido arbitrariamente!)

Seja S̃ N ( x ) a soma parcial de ordem N da série de Fourier da função He . Do Teorema


sobre convergência uniforme sabemos que S̃ N converge uniformemente para He no
.12. CONVERGÊNCIA PONTUAL 27

intervalo [− L, L] e que, consequentemente, S̃ N converge em média quadrática para He


neste intervalo. Assim, existe N0 ∈ N tal que
e
N ≥ N0 ⇒ kS̃ N − He k < .
2

© Por πxoutro lado, sabemos que S̃ N é uma


πx Nπx Nπx
ª combinação linear das funções do conjunto
1, cos L , sen L , . . . , cos L , sen L , enquanto S N é a melhor aproximação de H
(na norma quadrática) no espaço gerado por essas funções. Logo, temos que

kS N − H k ≤ kS̃ N − H k.

Portanto, se N ≥ N0 , então
e e
kS N − H k ≤ kS̃ N − H k ≤ kS̃ N − He k + k He − H k < + = e.
2 2
Concluímos que S N converge em média quadrática para H, o que é equivalente a
Identidade de Parseval para H.

Temos também como concluir que a igualdade de Parseval é verdadeira para


qualquer função H ∈ CP([− L, L]). Isto decorre da demonstração acima e do Exercício
8.

Ressaltamos, entretanto,
que uma suposição importante foi feita no desenvolvimento acima: de acordo com
a demonstração da convergência uniforme da seqüência S N , sabemos que existe uma
função contínua S tal que S N → S uniformemente. Daí podemos concluir que S N → S
em L2 . Mas, não sabemos ainda caracterizar a função S! Isso será feito na próxima
Subseção, quando mostraremos que S = H.

.12 Convergência Pontual


Seja (como antes!) S N a soma parcial de ordem N da série de Fourier de H. Vamos
obter uma expressão alternativa para S N .

Substituindo as expressões dos coeficientes de Fourier an e bn na expressão de


S N ( x ), obtemos
Z L N µ Z L
1 1 nπy nπx
SN (x) =
2L −L
H (y)dy + ∑ L −L
H (y) cos
L
dy cos
L
n =1
Z ¶
1 L nπy nπx
+ H (y)sen dysen
L −L L L
Z L
" #
N ³
1 1 nπy nπx nπy nπx ´
2 n∑
= H (y) + cos cos + sen sen dy
L −L =1 L L L L
Z
" #
N
1 L 1 nπ (y − x )
2 n∑
= H (y) + cos dy
L −L =1 L
28 SÉRIES DE FOURIER

ou seja,
Z L
1
SN (x) = H (y) D N (y − x )dy (24)
L −L
em que
N
1 nπξ
D N (ξ ) = + ∑ cos (25)
2 n =1 L
é o Núcleo de Dirichlet.

A função D N possui propriedades interessantes: para cada N ∈ N, ela é contínua,


par, periódica de período 2L e
Z L
1
D N (ξ )dξ = 1.
L −L

As primeiras propriedades são imediatas. Quanto à última,


Z Z
à !
N
1 L 2 L 1 nπξ
2 n∑
D N (ξ )dξ = + cos dξ
L −L L 0 =1 L
" ¯ #
2 L L N 1 nπξ ¯¯ L
= + ∑ sen dξ ¯ = 1
L 2 π n =1 n L 0

Agora vamos obter uma expressão alternativa para o núcleo de Dirichlet.

Afirmação: Para todo θ ∈ R vale


¡ ¢
1 N sen 2N2+1 θ
2 n∑
+ cos(nθ ) = . (26)
=1 2sen (θ/2)

Para mostrarmos nossa afirmação, começamos considerando o caso em que


sen (θ/2) 6= 0, ou seja, θ 6= 2kπ para k ∈ Z. Tomando a = θ/2 e b = nθ na identidade
trigonométrica
2sen a cos b = sen (b + a) − sen (b − a),
obtemos

2sen (θ/2) cos(nθ ) = sen (nθ + θ/2) − sen (nθ − θ/2)


= sen (nθ + θ/2) − sen ((n − 1)θ + θ/2)

e, portanto,
N N
2sen (θ/2) ∑ cos(nθ ) = ∑ [sen (nθ + θ/2) − sen ((n − 1)θ + θ/2)]
n =1 n =1
= sen ( Nθ + θ/2) − sen (θ/2).

Assim,
N
sen (θ/2) + 2sen (θ/2) ∑ cos(nθ ) = sen ( Nθ + θ/2).
n =1
.12. CONVERGÊNCIA PONTUAL 29

Dividindo essa última igualdade por 2sen (θ/2), obtemos (26).

Vamos agora tratar o caso em que θ0 = 2kπ para algum k ∈ Z. Nesse caso, temos
cos(nθ0 ) = 1 e o lado esquerdo de (26) fica igual a 12 + N. O lado direito de (26), por
sua vez, pode ser calculado ao se considerar o limite quando θ → 2kπ. Aplicando a
regra de L’Hospital, vem
¡ ¢ µ ¶ ¡ ¢
sen 2N2+1 θ 2N + 1 cos 2N2+1 θ
lim = lim
θ →2kπ 2sen ( θ/2) 2 θ →2kπ cos( θ/2)
µ ¶
2N + 1 cos ((2N + 1)kπ )
=
2 cos(kπ )
2N + 1 1
= = + N.
2 2

Decorre imediatamente de nossa afirmação que o núcleo de Dirichlet tem a seguinte


expressão alternativa: ¡ ¢
π
sen (2N + 1) 2L ξ
D N (ξ ) = π (27)
2sen ( 2L ξ)

Agora estamos em condições de obter nosso resultado principal desta Subseção.

Afirmação: Seja H ∈ CP([− L, L]). Então,


H ( x+ ) + H (x− )
lim S N ( x ) =
N →∞ 2
em cada ponto x em que existem as derivadas laterais H 0 ( x + ) e H 0 ( x − ).

Vejamos: utilizando a expressão do núcleo de Dirichlet (24) e fazendo a mudança


de variável y − x = ξ, a fato de H e D N terem período 2L garante que
Z
1 L
SN (x) = H (y) D N (y − x )dy
L −L
Z Z
1 L− x 1 L
= H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ = H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ
L − L− x L −L
Z Z
1 0 1 L
= H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ + H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ.
L −L L 0

Vamos agora mostrar que, se existe o limite lateral H 0 ( x − ), então


Z 0
1 H ( x− )
lim H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ = .
N →∞ L −L 2

De fato, temos
Z 0 Z 0
1 1
H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ = [ H ( x + ξ ) − H ( x − )] D N (ξ )dξ
L −L L −L
Z 0
1
+ H ( x − ) D N (ξ )dξ
L −L
30 SÉRIES DE FOURIER

e, como µ ¶
Z 0 Z 0
1 − − 1 H (x− )
H ( x ) D N (ξ )dξ = H ( x ) D N (ξ )dξ = ,
L −L L −L 2
basta mostrar que
Z 0
1
lim [ H ( x + ξ ) − H ( x − )] D N (ξ )dξ = 0. (28)
N →∞ L −L

Para o cálculo desse limite, usaremos a expressão alternativa de D N . Assim,


Z 0
1
[ H ( x + ξ ) − H ( x − )] D N (ξ )dξ =
L −L

³ ´
Z π (2N +1)
1 0 sen 2L ξ
= [ H ( x + ξ ) − H ( x − )] π dξ
L −L 2sen ( 2L ξ)
Z 0
2
= v(η )sen ((2N + 1)η ) dη
π −π/2

em que
2L
H(x + π η) − H ( x− )
v(η ) = .
2sen η

Basta, então, verificar que v ∈ CP[− π2 , 0]. De fato, uma vez feita essa verificação, o
Exercício 6 garante que
Z 0
lim v(η )sen [(2N + 1)η ] dη = 0,
N →∞ − π2

que é a igualdade (28).

Claramente temos que v ∈ CP[− π2 , 0). Portanto, para que tenhamos v ∈ CP[− π2 , 0],
devemos mostrar que o limite lateral v(0− ) é finito. A verificação desse fato é imediata
e decorre da existência de H 0 ( x − ):
2L 2L
H(x + π η) − H (x− ) πη
lim v(η ) = lim 2L
η → 0− η → 0−
πη
2sen η
L η L
= H 0 (x− ) lim = H 0 (x− ) .
π η →0 sen η
− π

De modo análogo, provamos que a existência de H 0 ( x + ) leva a


Z L
1 f (x+ )
lim H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ = .
N →∞ L 0 2
.13. SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA CORDA VIBRANTE 31

Concluímos que, se H ∈ CP[− L, L] e, se os limites laterais H 0 ( x − ) e H 0 ( x + ) existem,


então
· Z 0 Z ¸
1 1 L
lim S N ( x ) = lim H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ + H ( x + ξ ) D N (ξ )dξ
N →∞ N →∞ L − L L 0
H (x− ) H (x+ ) H ( x+ ) + H ( x− )
= + = ,
2 2 2

que é justamente nossa afirmação.

O nosso último resultado é conhecido como Teorema de Fourier.

Desse resultado decorre imediatamente que S N ( x ) → H ( x ) no caso em que a


função H : [− L, L] é contínua. Isso completa a demonstração de que S = H.

.13 Solução do Problema da Corda Vibrante


A solução do problema da corda vibrante, quando interpretada no sentido clássico,
isto é, uma solução da equação (8), destoa daquilo observado fisicamente. Por
exemplo, um problema em que a função f seja contínua, mas não possua derivada
f 0 ( x ) em um ponto x (por exemplo, a corda dedilhada), não possui solução no sentido
clássico. Veja, a esse respeito, [?] e [36].

Isso deve-se à própria maneira utilizada para se deduzir a equação da onda. Antes
de obter-se a equação diferencial utt = c2 u xx , chega-se a uma equação integral que
deve ser satisfeita pela função u (veja [?] e [36]). A passagem da equação integral para a
equação diferencial é feita à custa de supor que a solução u seja suficientemente regular.
Ora, se em problemas cotidianos essa regularidade não é satisfeita, essa passagem é
indefensável.

A única solução para esse impasse é obtida em um contexto mais avançado, que
trata de derivadas generalizadas. Isso foge ao escopo de nosso texto, chegando às
raízes da necessidade de espaços de Sobolev.

Assim, com certa ingenuidade, passaremos a admitir que qualquer solução obtida
como série de Fourier corresponde a uma solução do problema da corda vibrante (8).
Essa abordagem pode ser justificada nesse contexto mais amplo de espaços de Sobolev.

.14 E XERCÍCIOS
1. Mostre a desigualdade de Cauchy-Schwarz 21. Mostre, então, que ela é válida
também para funções f ∈ CP([− L, L]).

2. Considere CP([− L, L]), o espaço de todas as funções contínuas por partes


f : [− L, L] → R. Verifique que, usando a definição de h f , gi já dada para o espaço
C ([− L, L]), então k f k = h f , f i1/2 não é uma norma nesse espaço.
32 SÉRIES DE FOURIER

3. Sejam f , g ∈ CP([− L, L]). Mostre que


k f ± g k2 = k f k2 ± 2h f , g i + k g k2 .
Deduza, então, o Teorema de Pitágoras:
k f + g k2 = k f k2 + k g k2 ⇔ h f , gi = 0.

4. Dado f ∈ C ([− L, L]), mostre que a melhor aproximação de f no espaço gerado


por 1, cos πx πx Nπx Nπx
L , sen L , . . . , cos L , sen L é
N µ ¶
a0 kπx kπx
SN = + ∑ ak cos + bk sen ,
2 k =1
L L
em que ak , bk são os coeficientes de Fourier de f .
5. Demonstre, como conseqüência da desigualdade de Bessel, o Lema de Riemann-
Lebesgue: se f ∈ C ([− L, L), então
Z L ³ nπx ´ Z L ³ nπx ´
lim f ( x ) cos dx = 0 = lim f ( x )sen dx.
n→∞ − L L n→∞ − L L
6. Seja f ∈ CP[ a, b]. Mostre que
Z b Z b
lim f ( x ) cos(nx )dx = 0 = lim f ( x )sen (nx )dx.
n→∞ a n→∞ a

(Sugestão: Mostre o resultado inicialmente para o caso em que a = 0 e 0 < b ≤ π.


Depois, analise o caso em que a = 0 < π < b. Por último, lembre-se que
Rb Rb Ra
a
= 0 − 0 .)
Rb
7. Seja f ∈ CP([− L, L]). Justifique: a série de Fourier de a f é obtida da série de
Fourier de f por meio de integração termo a termo.
8. Mostre que, dada uma função contínua por partes f : [ a, b] → R e α, β ∈ R, então,
para cada e > 0, existe uma função f e : [ a, b] → R contínua e tal que:

(a) f e ( a) = α e f e (b) = β;
(b) f e0 ∈ CP[ a, b];
(c) k f − f e k2 < e.

9. Como consequência do Exercício 8, conclua que vale a identidade de Parseval


para funções f ∈ CP([ a, b]).
10. (Desigualdade de Poincaré) Seja u uma função contínua tal que u0 ∈ CP([0, 1]).
Suponha que u(0) = u(1) = 0. Mostre que
1 0
k u k L2 ≤
k u k L2 .
π
Sugestão: considere a extensão ímpar de u ao intervalo [−1, 1] e verifique que a
identidade de Parseval é válida para as extensões de u e u0 . Utilizando a hipótese
u(0) = 0 = u(1), escreva os coeficientes da série de Fourier da extensão de u0
em termos da série de Fourier da extensão de u utilizando, em algumas etapas, a
majoração (1/n) ≤ 1.
O Lema de Zorn

.15 Relações de Ordem


Definição .32 Seja X um conjunto não vazio qualquer. Dizemos que ¹ é uma relação de
ordem parcial em X se,

(i ) x ¹ x para todo x ∈ X;
(ii ) se, para x, y, z ∈ X, tivermos x ¹ y e y ¹ z, então x ¹ z;
(iii ) se, para x, y ∈ X, tivermos x ¹ y e y ¹ x, então x = y.
Um conjunto X parcialmente ordenado é um par ( X, ¹), em que ¹ é uma ordem parcial
em X. O conjunto X é totalmente ordenado pela relação de ordem parcial ¹ se, para quaisquer
x, y ∈ X for válido

(iv) x ¹ y ou y ¹ x.

Uma relação de ordem parcial ¹ em X não precisa relacionar quaisquer elementos


de um conjunto. Se todos os elementos de X estiverem relacionados por ¹, então X é
totalmente ordenado.
© ª
Exemplo .33 Seja X = {1, 2} e P ( X ) = ∅, {1}, {2} o conjunto das partes de X, isto
é, o conjunto de todos os subconjuntos de X. Então a inclusão (de conjuntos) ⊂ é uma
ordem parcial em P ( X ). Em geral, seja X um conjunto qualquer. Em P ( X ), a inclusão
é relação de ordem parcial. Note que, se A, B ⊂ P ( X ) forem não vazios e A ∩ B = ∅,
então não podemos comparar A e B por meio da relação de inclusão. Assim,11 P ( X )
não é totalmente ordenado com ⊂. ¢

Exemplo .34 Seja X = R e com a relação ≤. Então R é um conjunto totalmente


ordenado pela relação ≤. ¢

Exemplo .35 Seja ( X, ¹) um conjunto parcialmente ordenado e S ⊂ X um conjunto


qualquer. Então (S, ¹) é um conjunto parcialmente ordenado. Diz-se que (S, ¹) tem o
ordem parcial induzida pela ordem de X. ¢

Definição .36 Seja ( X, ¹) um conjunto parcialmente ordenado e A ⊂ X um subconjunto.


Um elemento a ∈ X é uma cota superior para A se

y ¹ a, ∀ y ∈ A.
11 Estamos supondo P ( X ) 6= ∅.

33
34 O LEMA DE ZORN

Note que a definição de cota superior exige que possamos relacionar a ∈ X com
qualquer elemento y ∈ A.
© ª
Exemplo .37 Em P ( X ) = ∅, {1}, {2} (veja o Exemplo .33), tanto {1} como {2} são
cotas superiores de P ( X ). Em A = {1} ⊂ P ( X ), então {1} é a única cota superior. ¢

Exemplo .38 Seja S um subconjunto arbitrário de (P ( X ), ⊂). É claro que a união de


todos os elementos S é uma cota superior para S, pois essa união pertence a P ( X ).
Por outro lado, qualquer outro conjunto em P ( X ) que contenha S também é outra cota
superior para S. ¢

Definição .39 Seja ( X, ¹) um conjunto parcialmente ordenado. Um elemento x ∈ X é


maximal, se x ¹ y para algum y ∈ X implicar x = y.

O elemento maximal não precisa ser “o maior elemento do conjunto Z". Basta que
não exista um elemento maior do que ele!
Exemplo .40 De volta© ao Exemplo ª .33, vemos que {1} e {2} são dois elementos
maximais de P ( X ) = ∅, {1}, {2} com a relação de ordem parcial ⊂. ¢
A próxima definição faz uso do Exemplo .35:
Definição .41 Seja ( X, ¹) um conjunto parcialmente ordenado. Um subconjunto A ⊂ X é
uma cadeia, se ( A, ¹) for totalmente ordenado.
Podemos agora enunciar o Lema de Zorn, que será utilizado como se fosse um
axioma. Para a demonstração desse resultado, bem como equivalências e outras
implicações, veja [13, 17].
Lema .42 (Zorn)
Seja ( X, ¹) um conjunto não vazio parcialmente ordenado tal que toda cadeia tenha cota
superior. Então X possui um elemento maximal.
O Lema de Zorn (que, na verdade, é equivalente ao Axioma da Escolha) encontra
muitas aplicações na Matemática. Ele possibilita conclusões surpreendentes e até
mesmo difíceis de serem aceitas. Por outro lado, resultados fundamentais da
matemática só foram mostrados por meio de sua utilização: a existência de ideais
maximais em um anel com unidade, o Teorema de Hahn-Banach.
Mostraremos como o Lema de Zorn é utilizado para se mostrar que todo espaço de
Hilbert possui uma base ortonormal.
Teorema .43 (Existência de base ortonormal)
Seja H 6= {0} um espaço de Hilbert. Se B0 for uma família ortonormal, então existe uma
base ortonormal S para H, com B0 ⊂ S .
Demonstração: Uma vez que H 6= {0}, existe x ∈ H tal que { x/k x k} é um conjunto
ortonormal. Assim, um espaço de Hilbert não trivial sempre possui uma família
ortonormal. Definimos

M = {B : B0 ⊂ B ⊂ H, B família ortonormal}.
O conjunto M não é vazio, pois B0 ∈ M. No conjunto M definimos:

B1 ¹ B2 ⇔ B1 ⊂ B2 .
.16. DIMENSÃO DE UM ESPAÇO DE HILBERT 35

Claramente ¹ é uma ordem parcial em M. Seja T um subconjunto totalmente


ordenado de M. Definimos então (veja o Exemplo .38)
[
S0 = B.
B⊂T

Temos então:

( a ) S0 ∈ M.
De fato, B0 ⊂ B para todo B ⊂ T . Assim, B0 ⊂ S0 . É claro que S0 ⊂ H;

(b) S0 é uma família ortonormal. De fato, sejam x1 , x2 ∈ S0 . Então existem conjuntos


B1 e B2 em T tais x1 ∈ B1 e x2 ∈ B2 . Mas então vale B1 ⊂ B2 ou B2 ⊂ B1 .
Suponhamos, portanto que x1 , x2 ∈ B2 . Como B2 é ortonormal, h x1 , x2 i = δij .

(c) S0 é uma cota superior para T , pois se B ∈ T , então B ⊂ S0 , ou seja, B ¹ S0 .

Assim, de acordo com o Lema de Zorn, existe um elemento maximal S para M.


Esse conjunto é uma família ortonormal. Afirmamos que ele é uma base de Schauder.
De fato, se existisse 0 6= e ⊥ eα para todo eα ∈ S , podemos supor que kek = 1 e então
S ∪ {e} seria uma família ortonormal em H tal que S ⊂ S ∪ {e}, o que contradiz o fato
de S ser maximal. Assim, S é uma base de Schauder, de acordo com o Teorema ??. 2

Observação .44 A demonstração apresentada mostra mais do que o seu enunciado:


provamos que todo espaço com produto interno possui um conjunto ortonormal
maximal. ¢

Mutatis mutandis, a demonstração anterior também prova:

Teorema .45 (Existência de Base de Hamel)


Seja V 6= {0} um espaço vetorial sobre o corpo K e B0 um conjunto de vetores linearmente
independentes. Então V possui uma base de Hamel B H tal que B0 ⊂ B H .

De fato, definindo a única alteração essencial consiste em verificar que o elemento


maximal B H é uma base de Hamel. Para isso, observe que, se x 6∈ B H , então B H ∪ x
é linearmente dependente. Isso quer dizer que existem escalares k, k1 , . . . , k nx e vetores
v1 , . . . , vnx tais que
kx + k1 v1 + . . . + k nx vnx = 0.
Uma vez que k 6= 0, daí decorre que x é combinação linear de vetores de B H ,
provando que esse conjunto gera V . Assim, B H é uma base de Hamel.

.16 Dimensão de um espaço de Hilbert


Definição .46 Sejam A e B conjuntos não vazios. O conjunto A tem cardinalidade menor
ou igual a cardinalidade de B se existir uma função injetora f : A → B. Denotamos então
#A ≤ #B. Se existir uma bijeção f : A → B, dizemos que A e B tem a mesma cardinalidade e
denotamos #A = #B.

Vamos agora mostrar que podemos definir a dimensão de um espaço de Hilbert.


36 O LEMA DE ZORN

Teorema .47 Sejam S1 e S2 duas bases de Schauder no espaço de Hilbert H. Então S1 e S2


possuem a mesma cardinalidade, isto é, existe uma aplicação bijetiva

ϕ : S1 → S2 .

Demonstração: Se a cardinalidade de S1 for finita, esse é um resultado conhecido da


Álgebra Linear. Sejam, portanto, S1 = {eα : α ∈ A} e S2 = { f β : β ∈ B}, sendo A e B
conjuntos infinitos.
Então, fixado eα ∈ S1 , o conjunto

S eα = { f β ∈ S2 : h f β , e α i 6 = 0}

não é vazio: se esse fosse o caso, o teorema ?? (vi ) implicaria eα = 0, o que não é
possível, pois keα k = 1 para todo eα ∈ S1 .
Decorre imediatamente do escólio ?? que Seα é enumerável. Claramente vale
[
S eα ⊂ S2 .
α∈ A

Por outro lado, se f β ∈ S2 , então f β ∈ Seα para algum α ∈ A, de novo pelo teorema ??
(vi ). Logo, [
S eα = S2 . (29)
α∈ A

Se ℵ A e ℵ B são as cardinalidades dos conjuntos A e B, respectivamente, e ℵ0 a


cardinalidade de N, decorre de (29) que

ℵ B ≤ ℵ0 ℵ A .

Como ℵ0 ℵ A = ℵ A , provamos assim que ℵ B ≤ ℵ A . Revertendo o procedimento,


obtemos ℵ A ≤ ℵ B . A prova está, assim, completa. 2

Definição .48 A dimensão de um espaço de Hilbert H é a cardinalidade de uma de suas bases


de Schauder.
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37
38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[32] R. J. Santos: Teorema de Aproximação de Weierstrass,


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[33] I. Stakgold: Green’s Functions and Boundary Value Problems, Wiley, New York,
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[38] R.L. Wheeden e A. Zygmund: Measure and Integral, Marcel Dekker, New York,
1977.
ÍNDICE REMISSIVO

aplicação do paralelogramo, 4, 10
sesquilinear, 2
lema de Zorn, 34
cardinalidade, 35
coeficientes de Fourier, 18 método
de uma função ímpar, 19 de separação de variáveis, 15
de uma função par, 19 núcleo de Dirichlet, 28, 29
conjunto norma
cardinalidade de um, 35 de uma forma quadrática, 10
totalmente ordenado, 33 gerada pelo produto interno, 9
desigualdade norma quadrática, 20
de Bessel, 21 ordem parcial
de Cauchy-Schwarz, 8, 20 cota superior, 33
de Poincaré, 32 elemento maximal, 34
dimensão
de um espaço de Hilbert, 36 polinômio trigonométrico, 21
princípio da superposição, 16
espaço problema
com produto interno, 6 da corda vibrante, 14
de Hilbert, 9 produto interno, 6
dimensão de um, 36 canônico, 7
forma, 4 produto interno em C ([− L, L]), 20
auto-adjunta, 3 relações de ortogonalidade, 18
bilinear, 4
simétrica, 3 série de Fourier, 19
negativa semidefinida, 13 convergência em L2 , 26
positiva definida, 6 convergência pontual, 29
positiva semidefinida, 6 convergência uniforme, 24
quadrática, 4 soma parcial, 21
sesquilinear separação de variáveis, 15
hermitiana, 3
função teorema
contínua por partes, 20 da dimensão de um espaço de Hilbert,
36
identidade de existência de base de Hamel, 35
de Parseval, 22 de existência de base ortonormal, 34
interpretação geométrica, 23 de Pitágoras, 6
validade da, 27 teorema de Fourier, 31
de polarização, 4, 5 teorema de Pitágoras, 21

39
40 ÍNDICE REMISSIVO

vetores
ortogonais, 6
perpendiculares, 6

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