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Notas de Campo de Antropologia e

Arquitetura
Funeral
Aldeia de Ruivais

Data: Quinta,16 de Abril de 2020


Inicio: 14:30h
Fim: 17:00h
Hoje irá ocorrer um funeral na minha aldeia, Ruivais, e portanto eu decidi
observar este evento, pois sei que existem algumas contingências durante ao
estado de emergência acerca deste tipo de evento.
Foi a minha mãe que me informou sobre o funeral, pois como ela membro da
assembleia da freguesia, ficou responsável pela abertura e encerramento do
cemitério da aldeia, e portanto teve que disponibilizar a chave ao coveiro para
este fazer a preparação da sepultura, dai ter obtido esta informação.
A pessoa que vai ser sepultada aqui, não vivia aqui, vivia pelo que percebi no
Porto, mas por razões próprias decidiu ser sepultada aqui.
Hoje decidi observar este funeral a partir do largo constituído de terra e ervas
que fica em frente a minha casa.
Consigo ouvir o barulho dos pássaros a chalrear e a água a correr da fonte do
largo. Está um clima frio portanto vesti um casaco.
Cheguei aqui por volta das duas e meia, encontro-me de pé a tomar anotações,
atrás de mim esta uma casa minha vizinha branca e preta, com um muro
branco feito de cimento, dentro desse muro está um relvado. Do meu lado
esquerdo encontram-se carros estacionados e ao lado desses carros esta um
muro de pedra com uma vedação verde por cima que pertence a minha casa e
por cima esta a minha casa branca e preta que tem um muro feito de pedra e
uma vedação por cima verde, na frente do muro esta um portão de ferro preto
com cerca de dois metros de altura e na parte de trás esta um portão com um
metro e quarenta de altura feito de madeira e atras desse portão esta um
campo, a frente esta o relvado da casa, a frente da minha casa esta uma casa
vermelha que é a que está parcialmente a minha frente. Entre a minha casa e
essa casa vermelha encontra-se
uma rua corredor, chamada
Caminho do Souto, a qual pertence
também o largo onde me encontro.
Onde me encontro consigo ter total
visualização para a capela e para o
largo de Ruivais, que deduzo será
onde os carros do funeral vão parar.
O largo de Ruivais tem a capela do
lado esquerdo que é feita de pedra,
tendo uma torre com um sino
castanho esverdeado, um relógio, e
um telhado laranja, a capela tem um
muro de pedra baixo a sua volta e
um portão verde de ferro na sua
frente, do lado esquerdo do largo
encontra-se um coreto sem
cobertura, este é feito de cimento
com uma vedação de ferro por cima,
ao fundo do largo, mesmo a minha frente encontra-se uma fonte com um
brasão no topo que é onde todos vão buscar a agua e encontra-se também um
tanque, encontram-se vários caminhos e estradas em varias direções, um
desses caminhos vai dar ao cemitério que eu também consigo ver pois está
mais alto do que qualquer casa, ao fundo do largo para lá da fonte também
estão duas casas, uma do lado direito branca e outra do lado esquerdo de
pedra, o cemitério encontra-se na direção da casa do lado direito. Do lado
direito do largo mais próximo de mim está uma paragem e três ecopontos e
mais perto da fonte esta uma churrasqueira, mesas e bancos, tudo de pedra, e
duas árvores enormes.
Na varanda da casa do lado direito consigo ver uma criança a brincar.
Enquanto estava a espera que o funeral
começasse passou uma senhora no largo para
baixo com umas sacas que colocou no lixo essa
senhora que deveria ter entre quarenta e
cinquenta anos, cabelo longo castanho, óculos,
camisola as flores, leggings pretas, é mãe de
uma antiga colega minha por isso eu conheço-a
chama-se Ana. Quando essa senhora ia
deslocar-se para cima parou perto do muro da
capela pois encontrou outra senhora que vinha
para baixo, elas falaram a uma certa distância,
mas nenhuma delas tinha mascara, a senhora
que vinha par baixo tinha o cabelo castanho
amarrado em rabo-de-cavalo e trazia uma
criança do sexo masculino agarrada a sua mão, essa criança tinha também
cabelo castanho, era seu filho, eu também conhecia esta senhora, ambas
falam com a minha mãe, não consegui perceber do que falavam, mas pouco
tempo depois cada uma foi para seu lado, enquanto a senhora continuou para
baixo um senhor que tem entre sessenta e setenta anos, cabelo branco e um
casaco bege, apareceu vindo do caminho da frente do largo e estes
cumprimentaram-se ao longe e perguntaram se estava tudo bem um ao outro e
depois cada um seguiu o seu caminho a senhora para baixo e o senhor para
cima. Eu consegui ouvir pois falaram bastante alto.
Entretanto começaram a chegar carros e a estacionar no largo, o primeiro foi o
da funerária e saíram quatro pessoas do carro de mascara e com fatos todos
brancos, dos outros carros saíram alguns familiares, as pessoas da funerário
retiraram o caixão do carro e um deles falou de longe para os familiares
avisando que só poderiam entrar sete pessoas dentro do cemitério incluindo o
coveiro e que eles iriam entrar mas sairiam logo, dos familiares estavam cinco
pessoas, duas senhoras que deveria ter ambas entre quarenta e cinquenta
anos com cabelo castanho, com um vestido preto e um homem de cabelos
brancos que deveria ter entre quarenta a cinquenta anos, uma senhora que
deveria ter entre trinta e quarenta anos e um senhor que deveria ter a mesma
idade, deduzi que fossem um casal pois iam de braço dado. Eles vieram em
dois carros ,ambos eram pretos.
Do largo seguiram diretamente para o cemitério, nem sequer pararam na
capela como era habitual nos outros funerais.
Entretanto a vizinha da casa que estava atras de mim começou a falar comigo
do portão, o portão era preto e ela colocou as mãos sobre as grades do portão
e falou dali, é uma senhora com sessenta e tal anos, tem cabelo pequeno,
muito curto e aos caracóis e uma camisola branca, com um casaco bege e
disse-me “Olá, que bom ver-te fora de casa, que estas a fazer?” e eu disse
“Sim decidi sair, estou a fazer um trabalho para a faculdade” e a senhora disse
“Fazes muito bem” e ficou a olhar um pouco, olhou para o cemitério e foi-se
embora.
Após isto decidi também ir para casa.

Data:Terça,12 de Maio de 2020


Inicio: 15:00h
Fim: 17.00h
A vizinha que tinha falado comigo no outro funeral pediu a minha mãe para a
ajudar a limpar a capela pois iria ocorrer outro funeral, a minha mãe foi ajudar
mas garantiu que ao fim do funeral não colocava lá os pés devido ao perigo de
contágio. Eu deduzi que se a capela tinha de ser limpa este funeral iria ter
missa. A pessoa não era da aldeia e devo admitir que eu estranhei pois nunca
vi tantos funerais de pessoas que não são daqui virem cá parar. Pareceu-me
interessante comparar este funeral com o funeral durante o estado de
emergência e portanto decidi observar também este.
Fiz a minha observação do mesmo local, do largo por baixo de minha casa,
tentei ser mais subtil, pois desta vez iriam estar mais pessoas no largo,
chegando ao local conseguia ouvir umas pingas de água que caiam das
árvores, pois estava um tempo chuvoso, mas naquele momento estava bom
tempo. O ambiente cheirava a terra molhada, o cheiro de tempos de chuva,
que eu até gosto.
A primeira pessoa que vi foi o padre da freguesia que tem quarenta e tal anos,
cabelo curto preto e usa óculos, estacionou o carro, saiu do carro e foi direto a
capela, com uma maleta castanha na mão direita, sem mascara. Entretanto
duas pessoas foram se juntando no muro da capela, pessoas da terra, a
senhora da casa branca e preta ao lado da minha que aflou para mim no outro
funeral e o seu marido, que tem sessenta e tal anos, usa óculos e tem cabelo
branco, ambos estavam vestidos de preto e não estavam a usar mascara, eles
passaram por mim e cumprimentaram-me levantando a mão e sorrindo eu
imitei o gesto de forma educada, e depois seguiram em frente até ao muro da
capela onde permaneceram, após isso foram chegando carros, chegou
primeiro a carrinha funerária, mas desta vez os elementos já vinham sem fato,
apenas traziam mascara, retiraram o caixão e foram até a igreja, após isso
foram chegando mais carros, chegaram no total cinco, quatro pretos e um
cinzento. Do primeiro carro saiu um casal jovem, deveriam ter entre 20 e tal
anos e 30, a senhora tinha cabelo castanho comprido e o senhor tinha cabelo
curto preto, ambos estavam vestidos de preto, até o bebé de cabelo castanho
que a senhora trazia ao colo e todos usavam mascaras, as outras pessoas mal
saíram do carro foram logo para a capela, pareceu-me que saíram cinco
pessoas. Eles cumprimentaram o casal que estava no muro e começaram a
falar com os mesmos, sem toques, eu não consegui ouvir pois estavam muito
longe, entretanto chegaram mais carros estacionando no largo, um preto e dois
cinzentos, de um dos carros pretos saíram quatro pessoas, um senhor e uma
senhora de cabelos brancos que deveriam ter entre setenta a oitenta anos e
dois homens que deveriam ter entre quarenta e cinquenta anos, dos outros
carros saíram mais pessoas que entraram logo na capela e que não consegui
tomar nota pois estava a olhar para o outro carro.
Enquanto a missa ocorria um cão castanho veio ao largo foi a uma árvore
levantou a perna e urinou, apos isso, subiu o largo onde eu me encontrava e
deitou-se debaixo de um árvore adormecendo.
Passada meia hora de puro silencio e frio, começaram a sair pessoas da
capela, na frente saiu o padre que levava uma batina branca e preta, parecia-
me que ia sem mascara, de seguida saíram os elementos da carrinha funerária
que eram dois homens que deveriam ter entre trinta a quarenta anos e cabelo
castanho e em conjunto saíram mais dois homens que deveriam ter a mesma
idade, mas um deles tinha o cabelo mais claro, quase loiro, todos os quatro
usavam mascara e iam a carregar o caixão, apos isso saíram muitas pessoas,
a volta de 20 pessoas, quase todas usavam mascaras, e deslocaram-se todas
em direção ao cemitério, e iam todas amontoadas dai eu não ter conseguido
vê-las todas bem.
Apos o funeral sair fui para casa.
Consegui perceber vendo estes funerais que existem varias diferenças entre
um evento antes do estado de emergência e apos este, por exemplo o número
de pessoas no funeral, o facto de já ocorrer missa neste, o facto de os meus
vizinhos que passaram este tempo todo fechados em casa, sentirem-se
seguros para saírem e ir a um funeral sem o uso de mascara.
Parece que as pessoas antes se sentiam enclausuradas dentro de casa pelas
regras do estado de emergência, como se o estado de emergência fosse um
condomínio fechado que as protegia do perigo da vida social onde não ocorria
muita interação social nas suas ruas, como acontece nas cidades que tem
condomínios fechados, que foram criados para separar classes e proteger as
classes mais altas dos perigos da vida social, e da criminalidade que foi quase
o que aconteceu durante o estado de emergência, sendo a única diferença a
de que aqui o criminoso e a criminalidade era um vírus que não pode ser preso
nem confinado, pois as pessoas que tinham casa fecharam-se nesta evitando a
vida social, mas os mendigos não tiveram direito a ter a mesma proteção pois
não tinham casa onde se fecharem, o estado de emergência serviu de certa
forma também para acentuar mais nas diferenças nas classes sociais, pois
enquanto algumas pessoas podem estar umas semanas sem trabalhar e
conseguem sustentarem-se outras simplesmente passam fome com este
acontecimento, até mesmo no ensino, ocorreram distinções, pois aqueles
alunos que não tinham acesso a internet ou a computadores saíram
prejudicados com esta situação, mas agora que acabou as pessoas sentem-se
mais livres para interagirem sem medo, simplesmente porque já não tem de
obedecer as regras.
Parece que as pessoas só ficavam em casa e sentiam perigo, quando sentir
perigo fazia parte das regras. Pelo que vi para as pessoas como já passou o
estado de emergência também já passou o vírus, já passou o perigo o que não
é verdade, ele simplesmente tornou-se habitual, não desapareceu.

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