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LINGUAGEM JORNALÍSTICA NOS MEIOS DIGITAIS-

HIPERTEXTO, HIMERMÍDIA E HIPERLINK

1
Sumário
FACULESTE ............................................................................................ 2

INTRODUÇÃO ......................................................................................... 3

O HIBRIDISMO DA HIPERMÍDIA ............................................................ 8

DO ‘BIG DATA’ AO ‘DATA JOURNALISM’ ............................................ 15

DO JORNALISMO DE DADOS À NARRATIVA HIPERMÍDIA: UM


ESTUDO... ....................................................................................................... 16

A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HIPERMÍDIA ................................. 18

OS ESPECIAIS ...................................................................................... 23

CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA .......................................................... 24

OPÇÕES DE INTERATIVIDADE ........................................................... 29

DADOS E FONTES DE INFORMAÇÃO ................................................ 30

HIPERMÍDIA – A REMEDIAÇÃO DAS MÍDIAS ..................................... 33

A NARRATIVA HIPERMÍDIA ................................................................. 38

ELEMENTOS DA NARRATIVA JORNALÍSTICA HIPERMÍDIA ............. 43

O LINK NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA


HIPERMÍDIA .................................................................................................... 43

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 47

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FACULESTE

A história do Instituto FACULESTE, inicia com a realização do sonho de


um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para
cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a FACULESTE,
como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A FACULESTE tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas


de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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INTRODUÇÃO
Ninguém pode duvidar que, desde a emergência da cultura digital, nos
anos 1980-90 e cada vez mais crescentemente, estamos imersos em ambientes
interativos, de natureza dialógica.

A tecnologia digital, em geral, e a rede digital, que chamamos de internet,


em particular, mediando o uso, por exemplo, da telefonia móvel e os tablets
eletrônicos, assim como a grande quantidade de programas (apps) e de formas
de comunicação e informação digitais, como são as redes sociais ou os blogs,
têm alterado as possibilidades de interação de milhares de pessoas a nível
político, econômico, cultural, industrial e, sobretudo, no nível da vida diária
(CAPURRO, 2013, p.8).

Nunca, tanto quanto agora, a teoria dialógica de Bahktin se fez tão


presente e relevante. Em um trabalho anterior (MITTERMEYER e SANTAELLA,
no prelo), realizamos, à luz da dialogia bakhtiniana, o estudo dos principais
recursos oferecidos ao usuário pela plataforma Facebook: curtir, comentar,
compartilhar. Curtir serve para o usuário aprovar a informação publicada e para
conectar-se com a informação, acompanhando assim os desdobramentos da
informação pelo recurso Notificações.

Comentar possibilita agregar à informação publicada um comentário, que


pode conter textos, links; estes podem remeter a outros sites, textos, imagens,
vídeos, em qualquer lugar da web. Compartilhar permite que o usuário divulgue
uma determinada informação, fazendo com que ela se movimente e se espalhe
pela plataforma e pela web em geral. Traço primordial dos processos de
comunicação na web, a interatividade alcança seu clímax nas redes sociais
digitais e nos games.

Embora Bahktin tenha elegido o romance como locus privilegiado do


dialogismo, seus conceitos, tais como heteroglossia, dialogismo e polifonia se
prestam à perfeição para a análise da interatividade nas redes sociais digitais.

A heteroglossia é definida por Bahktin (1982) como a coexistência, o


confronto e mesmo o conflito entre diferentes vozes. No caso do
Facebook, a heteroglossia se faz sentir com mais ênfase quando
concordâncias e discordâncias são justapostas sem que umas

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preponderem sobre as outras. O dialogismo é comunicação interativa
em que cada um se vê e se reconhece através do outro.

A dialogia é o ato do diálogo, modo como os sujeitos se relacionam,


movimento entre o eu e o outro.

No Facebook, a dialogia fica Bakhtiniana, clara quando o usuário publica


uma mensagem e esta desencadeia reações discursivas nos participantes.

A polifonia é a forma suprema do dialogismo, pois se define pela


convivência e pela interação, em um mesmo espaço, de uma multiplicidade de
vozes. Isso se manifesta no Facebook quando a publicação recebe comentários
dos usuários e diversas vozes confluem na construção do diálogo.

Quando o assunto fica sujeito a controvérsias, não é raro a polifonia se


transformar em cacofonia. O dialogismo nos gêneros discursivos. É sabido que
Bahktin expandiu o dialogismo dos processos comunicativos para o campo dos
gêneros discursivos.

Segundo Machado (2005, p.152), os gêneros discursivos bakhtinianos


não consideram a classificação das espécies, mas sim o dialogismo
que se efetua nos processos de comunicação. As “práticas prosaicas
que diferentes usos de linguagem fazem do discurso”, oferecem-no
como manifestação da pluralidade. “Ao valorizar os estudos dos
gêneros”, o dialogismo encontrou “um excelente recurso para
‘radiografar’ o hibridismo, a heteroglossia e a pluralidade de sistemas
de signos da cultura” (MACHADO, 2005, p.153).

Conforme é ainda lembrado por Machado, “exatamente porque surgem


na esfera prosaica da linguagem, os gêneros discursivos incluem toda
sorte de diálogos cotidianos bem como enunciações da vida pública,
institucional, artística, científica e filosófica (2005, p.155)”. Tendo isso
em vista, Machado recorre aos dois tipos principais de gêneros
levantados por Bahktin: os primários e os secundários que, longe de
serem excludentes, são complementares.

Os primeiros referem-se à comunicação cotidiana. Os segundos, à


comunicação produzida por meio de códigos culturais elaborados, como a
escrita. Assim, enquadram-se nos secundários os romances, gêneros
jornalísticos, ensaios filosóficos. São “formações complexas porque são

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elaborações da comunicação cultural organizada em sistemas específicos como
a ciência, a arte e a política” (2005, p.155).

A pluralidade em devir dos gêneros discursivos é enfatizada por Bahktin


ele mesmo. A riqueza e diversidade dos gêneros discursivos são imensas,
porque as possibilidades da atividade humana são inesgotáveis e porque em
cada esfera da práxis existe todo um repertório de gêneros discursivos
Bakhtiniana, que se diferenciam e crescem à medida que se desenvolve e se
complexifica a própria esfera (BAJTÍN, 1982, p.248).

Em função dessa antecipação já promovida por Bakhtin, o objetivo deste


artigo é ampliar a noção de gêneros discursivos para as manifestações que
ocorrem nas redes sociais digitais, batizando esse gênero de híbrido, dado o fato
de que, nas redes, a discursividade estritamente verbal vaza as fronteiras não
só da linearidade típica do verbo, no hipertexto, quanto também da exclusividade
do discurso verbal nas misturas que este estabelece com todas as formas das
imagens fixas e em movimento e com as linguagens sonoras, do ruído, à
oralidade e à música, na multimídia.

Letramento digital e hipermídia Vale ressaltar que o caminho para a


proposta acima enunciada foi devidamente aberto tanto por Brait (2006, p.12-13)
quanto por Machado (2005, p.163; p.165).

Para Brait, as particularidades discursivas apontam para contextos


mais amplos que incluem o extralinguístico. Isso permite “esmiuçar
campos semânticos, descrever e analisar micro e macro-organizações
sintáticas, reconhecer, recuperar e interpretar marcas e articulações
enunciativas que caracterizam o(s) discurso(s) e indicam sua
heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados”.

Machado avança ao afirmar que os gêneros discursivos invadem


também “as linguagens da comunicação, seja dos ritos ou das
mediações tecnológicas”. Do ponto de vista do dialogismo, a polifonia
urbana, por exemplo, resulta de gêneros discursivos marcados pela
diversidade: sinalizações de trânsito, anúncios, placas de ruas e de
casas comerciais, além de rádio, televisão e mídia digital “para
reproduzir os gêneros básicos da programação como jornalismo,
publicidade, videoclipe, charges, slogans, banners, gingles e vinhetas”.

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A partir disso, Machado propõe que os gêneros discursivos podem ser
vistos sob o ponto de vista ontogenético e filogenético. Os primeiros realizam-se
nas interações produzidas na esfera da comunicação verbal.

Os segundos expandem-se para Versão em espanhol: “La riqueza y


diversidade de los géneros discursivos es inmensa, porque las posibilidades de
la actividad humana son inesgotables y porque en cada esfera de la praxis existe
todo un repertorio de géneros discursivos que se diferencia y cresce a medida
de que se desarolla y se complica la esfera misma”. Cf. BAKHTIN,

“Outras esferas da comunicação realizada graças à dinâmica de outros


códigos culturais”. Na esteira de Machado, aqui proponho que a hibridização
discursiva atinge seu ápice nos ambientes das redes sociais. É bem lembrado
por Machado (2005, p.164) que “o ambiente é a condição sem a qual o diálogo
simplesmente não acontece”.

Ora, é mais do que sabido que as redes sociais se constituem em


ambientes virtuais programados muito justamente para promover o diálogo no
seu mais alto grau de intensificação.

Nesses ambientes, impera a hibridização discursiva que tem sido


chamada de “letramento digital” ou “alfabetização informacional”.

Em 2002, Soares (p.151) já chamava atenção para o letramento digital


emergente, ou seja, “um certo estado ou condição que adquirem os
que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de
leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do
letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel”.

Embora essa declaração seja aguda, a autora parece estar se referindo


aí meramente ao texto verbal, sem que seja levado em consideração o fato de
que, desde meados dos anos 1990, as interfaces gráficas de usuário já
povoavam as redes e os processos de navegação de seus usuários com
gráficos, imagens, diagramas e rotas que nada tinham de exclusivamente verbal.

Poucos anos depois de Soares (2002), Santos (2006, p.81) apontava


para a alfabetização informacional, audiovisual, tecnológica,
multimídia, necessária à interação nas redes digitais.

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A alfabetização informacional, designação resultante da tradução e
interpretação da expressão americana information literacy, requer uma
alfabetização no sentido tradicional (saber ler e escrever verbalmente), mas
também uma alfabetização visual (saber ler e escrever mensagens visuais), uma
alfabetização audiovisual (saber ler e escrever mensagens audiovisuais) e ainda
competências informáticas.

Eshet (2004 apud COLL et al., 2010) foi ainda mais longe na
constatação da complexidade envolvida pelos meios digitais.

A alfabetização digital, para Eshet, é um modo especial de pensar, uma


mentalidade (mindset) com um componente fotovisual (photo-visual
literacy), relacionado à leitura de representações visuais; um
componente de reprodução (reproduction literacy), relacionado à
reciclagem criativa de materiais existentes; um componente de
pensamento ramificado (branching literacy), relacionado à hipermídia
e ao pensamento lateral; um componente informacional (information
literacy), relacionado à capacidade para avaliar e utilizar
inteligentemente a informação; e um componente socioemocional
(socio-emotional literacy), relacionado à capacidade para compartilhar
informações e realizar aprendizagens colaborativas mediante o uso de
ferramentas e plataformas de comunicação digital. (COLL et al., 2010,
p.299)

Para fazer jus à riqueza semiótica do hibridismo discursivo, que está


presente nos diálogos mediados pelas plataformas de relacionamento, tenho
preferido a utilização do termo “hipermídia” em lugar de “letramento digital” ou
“informacional”. Penso que “hipermídia”, de saída, nos livra de qualquer resíduo
de “linguocentrismo”.

O termo em inglês “literacy” já vem suficientemente marcado por uma


tendenciosidade linguística. Quando traduzido para o português, “letramento” ou
“alfabetização”, seu sentido fica ainda mais marcado pela parcialidade do verbal.
Bem longe dessa parcialidade, a linguagem das redes digitais, tanto nos sites de
relacionamento quanto na ação de navegar pelas redes informacionais, é
inteiramente nova, trazendo com ela um gênero discursivo eminentemente
híbrido, hipermidiático.

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O HIBRIDISMO DA HIPERMÍDIA
A hipermídia mescla o hipertexto com a multimídia. O prefixo hiper, na
palavra hipertexto, refere-se à capacidade do texto para armazenar informações
que se fragmentam em uma multiplicidade de partes dispostas em uma estrutura
reticular.

Através das ações associativas e interativas do receptor, essas partes vão


se juntando, transmutando-se em versões virtuais que são possíveis devido à
estrutura de caráter não sequencial e multidimensional do hipertexto. Vários
autores têm chamado atenção para o fato de que as enciclopédias clássicas já
apresentavam ferramentas de orientação similares ao hipertexto atual, como são
os dicionários, léxicos, índices, thesaurus, atlas, quadros de sinais, sumários e
remissões ao final dos artigos.

No suporte digital, entretanto, a pesquisa nos índices, os usos dos


instrumentos de orientação, a passagem de um nó a outro, se realizam em
frações de segundos. Isso acontece porque o computador pode recuperar
informação de qualquer parte de sua memória em alta velocidade. Com tanta
rapidez de acesso, é tão fácil saltar de uma página para outra, quanto da primeira
para a última, de uma página em um documento para outra página em qualquer
outro documento. Em menos de um piscar de olhos, qualquer elemento
armazenado digitalmente pode ser acessado em qualquer tempo e em qualquer
ordem.

A não linearidade é uma propriedade do mundo digital e a chave-mestra


para a descontinuidade se chama hiperlink, quer dizer, a conexão entre dois
pontos no espaço digital, um conector especial que aponta para outras
informações disponíveis e que é o capacitador essencial do hipertexto. Portanto,
o que o hipertexto nos apresenta é um texto que, em vez de se estruturar frase
a frase linearmente como em um livro impresso, caracteriza-se por nós ou pontos
de intersecção que, ao serem clicados, remetem a conexões não lineares,
compondo um percurso de leitura que salta de um ponto a outro de mensagens
contidas em documentos distintos, mas interconectados. Isso vai compondo uma
configuração reticular.

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A explicação parece complicada, mas é justamente o que o usuário faz ao
ler um documento nas redes, quando clica em palavras sublinhadas ou coloridas
para obter informações que estão localizadas em outros documentos. Desse
modo, a estrutura do hipertexto é multilinear, passa-se de um ponto a outro da
informação, com um simples e instantâneo clique ou toque, no caso dos i-Pads
e tablets.

A estrutura é também interativa, pois o hipertexto implica a manipulação


por parte do usuário-leitor. A estrutura vai se compondo de acordo com os
cliques e caminhos que se escolhe dar ou não. Em um sistema como esse, os
conceitos de escrita e de texto sofrem mudanças substanciais.

Embora um elemento textual possa ainda ser isolado, todo o sistema é


primordialmente interativo e aberto com mensagens em circuito continuamente
variáveis.

A multimídia, por sua vez, consiste na hibridação, quer dizer, na mistura


de linguagens, de processos sígnicos, códigos e mídias. Infelizmente, têm sido
pouco lembradas e trabalhadas as mudanças substanciais na constituição das
linguagens humanas que o mundo digital introduziu e que se manifestam nas
misturas inextricáveis entre o verbal, o visual e o sonoro.

O ciberespaço se apropria e mistura, sem nenhum limite, todas as


linguagens pré-existentes: a narrativa textual, a enciclopédia, os quadrinhos, os
desenhos animados, o teatro, o filme, a dança, a arquitetura, o design urbano
etc. Nessa malha híbrida de linguagens, nasce algo novo que, sem perder o
vínculo com o passado, emerge com uma identidade própria: a multimídia, esta
que é responsável pelo que este está propondo sob o conceito de gêneros
discursivos híbridos, o que implica conceber a discursividade como
necessariamente multimidiática.

Quando o usuário aperta o botão e começa a manipular, pelo mouse ou


pelo toque, quaisquer das interfaces computacionais, grandes ou pequenas, de
que hoje se dispõe, o que aparece e escorrega pelas telas?

Uma enxurrada dos mais distintos tipos de signos moventes, reagentes,


sensíveis às intervenções que neles são feitas.

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As telas se enchem de sinais de orientação, de imagens, fotos, desenhos,
animações, sons de distintas espécies e certamente de palavras, legendas e
textos. Essas aparições dependem da interatividade do agente-usuário que vai
conectando informações por meio de links.

Ao se fundir com a multimídia, o hipertexto se torna hipermídia, quer dizer,


os nós, que remetem a outros documentos, não são mais exclusivamente
textuais, mas conduzem a fotos, vídeos, músicas etc.

Essa mistura densa e complexa de linguagens, feita de hipersintaxes


multimídia -- povoada de símbolos matemáticos, notações, diagramas, figuras,
também povoada de vozes, música, sons e ruídos -- inaugura um novo modo de
formar e configurar informações, uma espessura de significados que não se
restringe à linguagem verbal, mas se constrói por parentescos e contágios de
sentidos advindos das múltiplas possibilidades abertas pelo som, pela
visualidade e pelo discurso verbal.

Isso parece dar guarida à hipótese de que, nas raízes de todas as


misturas possíveis de linguagens, encontram-se sempre três matrizes
fundamentais: a verbal, a visual e a sonora, em todas as variações que cada
uma delas realiza, conforme defendi no livro Matrizes da linguagem e
pensamento. Sonora, visual, verbal (SANTAELLA, 2001).

Portanto, da fusão da estrutura hipertextual com a multimídia, brota a


hipermídia. Para compreendê-la, é preciso dar o pulo do gato da superfície das
mídias digitais para os interiores de suas linguagens, pois neles são encontrados
processos sígnicos de alta complexidade, misturas entre linguagens dos mais
variados gêneros e espécies as quais, desde o momento em que o computador
acolheu uma pletora de linguagens em seus processamentos, têm sido
chamadas de hipermídia.

E quando a WWW, a interface gráfica de usuários, foi incorporada às


redes, a hipermídia tornou-se a linguagem que lhe é própria, uma linguagem
tecida de multiplicidades, heterogeneidades e diversidades de signos que
passaram a coexistir na constituição de uma realidade semiótica distinta das
formas previamente existentes de linguagem.

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Portanto, a hipermídia é composta por conglomerados de informação
multimídia (verbo, som e imagem) de acesso não sequencial, navegáveis
através de palavras-chave semialeatórias. Assim, os ingredientes da hipermídia
são imagens, sons, textos, animações e vídeos que podem ser conectados em
combinações diversas, rompendo com a ideia linear de um texto com começo,
meio e fim pré-determinados e fixos.

As múltiplas aparições de natureza multimídia, que competem na atenção


do receptor e são acessíveis por meio de hiperlinks, criam um espaço
heterogêneo que consiste de camadas de programação executadas a cada
clique do mouse do computador, ou ao toque dos dedos no tablet.

As diferentes páginas de uma hipermídia ganham a atenção do receptor


por meio da interpenetração, justaposição e multiplicação da página anterior na
página seguinte. O deslocamento constitui-se na estratégia operativa do estilo
hipermídia cujos recursos criam um espaço visual inteiramente novo. Desse
modo, o controle das descontinuidades, na medida em que o receptor se
movimenta no espaço hipermídia, é realizado pela mente do receptor que, para
tal, desenvolve processos perceptivos e cognitivos inéditos que são próprios de
um novo tipo de leitor inaugurado pelo mundo digital, o leitor imersivo.

Conforme já analisei em outras ocasiões (SANTAELLA, 2004, 2013), o


leitor imersivo implica habilidades perceptivo-cognitivas muito distintas daquelas
que são empregadas pelo leitor de um texto impresso que segue as sequências
de um texto virando páginas, manuseando volumes. Por outro lado, são
habilidades também distintas daquelas empregadas pelo receptor de imagens
ou espectador de cinema, televisão.

Esse leitor pratica pelo menos quatro estratégias de navegação:

(a) Escanear a tela, em um processo de reconhecimento do terreno.

b) Navegar, seguindo pistas até que o alvo seja encontrado.

(c) Buscar, ou seja, esforçar-se para encontrar o alvo que tem em mente.

(d) Deter-se no “saiba mais”, explorando a informação em profundidade,


até chegar à fonte mais especializada.

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É imersivo porque, no espaço informacional, perambula e se detém em
telas e programas de leituras, num universo de signos evanescentes e
continuamente disponíveis. Cognitivamente em estado de prontidão, esse leitor
conecta-se entre nós e nexos, seguindo roteiros multilineares, multissequenciais
e labirínticos que ele próprio ajuda a construir ao interagir com os nós que
transitam entre textos, imagens, documentação, músicas, vídeo etc. Através de
saltos que vão de um fragmento a outro, esse leitor é livre para estabelecer
sozinho a ordem informacional que lhe apetece.

É bem verdade que, cada vez mais as redes estão sendo povoadas de
aplicativos que já entregam ao leitor aquilo que procura, sem que tenha de
navegar em processos de busca. Além disso, nos últimos anos, as
transformações por que tem passado a cultura digital e a aceleração dessas
transformações são vertiginosas, especialmente devido à emergência dos
dispositivos móveis.

Tanto é que, nesse curto espaço de tempo, surgiu um quarto tipo de leitor
que batizei de leitor ubíquo (SANTAELLA, 2013, p.277-284), uma denominação
que já está também aparecendo a outros pesquisadores da cultura digital, o que
só vem comprovar sua inquestionável presença.

É nos espaços da hipermobilidade, ou seja, a mobilidade física fundida à


mobilidade da informação nas redes, que emergiu o leitor ubíquo com um perfil
cognitivo inédito que incorpora características do leitor imersivo, mas a elas
acrescenta a contingência de poder acessar informações e trocar mensagens
com seus pares ou ímpares de qualquer lugar em que estiver. Portanto, é ubíquo
porque está continuamente situado nas interfaces de duas presenças
simultâneas, a física e a virtual, interfaces que reinventam o corpo, a arquitetura,
o uso do espaço urbano e as relações complexas nas formas de habitar, o que
repercute nas esferas de trabalho, de entretenimento, nas esferas de serviços,
de mercado, de acesso e troca de informação, de transmissão de conhecimento
e de aprendizado.

Para esse tipo de leitor, a linguagem continua sendo a hipermídia, que é


a linguagem por excelência das redes e que está longe de se limitar a programas
e produtos.

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Ela é, na realidade, uma nova configuração das linguagens humanas,
assim como o livro, o jornal, o cinema e o vídeo foram e continuam sendo
configurações de linguagens com características próprias. Trata-se de uma
dinâmica de linguagem que modifica substancialmente a condição do receptor.
Este se transforma em cocriador de mensagens que se constroem por meio de
sua interação. Além disso, as plataformas atuais, como os blogs, as redes sociais
-- e mesmo as wikis -- permitem que o antigo receptor se converta em produtor
e divulgador de suas próprias mensagens, traço fundamental desse novo tipo de
gênero discursivo que, além de híbrido, coloca nas mãos do usuário o destino
de suas viagens e perambulações pelas redes, suas trocas e compartilhamentos
no diálogo com o outro.

Trata-se, portanto, de um gênero discursivo que torna cada participante


responsável por aquilo que deseja expor de si mesmo e do outro e por aquilo
que deseja manter no silêncio de sua privacidade, embora, é preciso convir,
existam câmeras e streetviews que podem tornar presentes nas redes mesmo
aqueles que preferem se retrair na sua discrição. Em suma, nunca tanto quanto
agora as ambivalências e contradições dos processos comunicativos humanos
gritaram tanto na face dos nossos olhos.

O crescimento sem precedentes do volume de dados digitais é sem


dúvida um novo desafio para os meios de comunicação no atual ecossistema
jornalístico 2.0.

O desenvolvimento das tecnologias no contexto da sociedade da


informação tem facilitado o surgimento de ferramentas capazes de proporcionar
e agilizar o acesso aos dados, além de melhorar o armazenamento, a publicação
e o intercâmbio dos mesmos.

A amálgama de dados brutos criados de forma contínua no mundo inteiro


é conhecida como big data. No entanto, a sua aplicação prática em diversos
setores da sociedade –também como fonte de informação no exercício do
jornalismo profissional– depende de um tratamento prévio que a transforme em
um recurso e, consequentemente, em um produto.

Herrero-Solana e Rodríguez-Domínguez (2015) relacionam o conceito


de big data com outras definições complementárias, como a data

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science, que se refere ao estudo prévio dos dados, e a data
visualization, que estuda as suas formas de apresentação e
visualização.

Assim, os autores enfatizam a importância tanto da análise de uma


imensa quantidade de dados sem processar, quanto da transformação desses
dados em informação acessível ao público.

Apesar do avanço tecnológico, o fator humano, capaz de oferecer


diversas leituras dos dados brutos com uma abordagem interpretativa, continua
sendo insubstituível.

“La tecnología es clave, es revolucionaria y es una importante


oportunidad, pero a pesar de todo ello sigue necesitando la voz humana que la
guía” (PuroMarketing, 2015). É evidente que o big data proporciona infinitas
possibilidades de informação, tornando imprescindível o papel do profissional
que realiza a filtração, o tratamento e a interpretação dos dados.

Em um ambiente caracterizado pela desintermediação herdada da


diversificação do conceito de fonte de informação, Rodríguez Brito y
García Chico (2013) apontam que “la figura del periodista cobra ‘otros’
sentidos en la selección, la interpretación, el análisis y la validación de
datos, y la búsqueda de los nexos –no tan evidentes– entre las distintas
aristas de la realidad”.

Por outro lado, Crucianelli (2013) destaca a dificuldade inerente a este


processo e adverte que é preciso encontrar um significado tangível a
partir do abstrato para que o público entenda que consequências
podem ter determinados dados em sua vida diária. O papel do
jornalista de filtrar, decifrar, selecionar e contrastar inúmeros dados
brutos é necessário para contar histórias complexas com uma
linguagem acessível e também atrativa para a audiência.

A este respeito, a visualização dos dados é um dos aspectos que se


tornou particularmente relevante do novo storytelling jornalístico
(Carrera Álvarez et al., 2013) e da visualização da informação. Seu
ponto forte é a capacidade de contar histórias baseadas em vários
dados provenientes de diversas fontes de informação (públicas ou
privadas), fornecendo o contexto necessário para a compreensão, de
modo que a narrativa seja capaz de atrair e reter a atenção do leitor.
Para isso, é comum o uso da linguagem hipermídia, conforme indica o

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estudo realizado por Colussi e Firmino (2016) em que caracterizam os
elementos da narrativa long-form. Neste estudo são analisadas duas
recentes manifestações do jornalismo de dados no Brasil: as
reportagens especiais Floresta sem fim.

Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra, publicada pela Folha


de São Paulo, e O Kirchnerismo na Argentina, publicada pelo jornal O Estado de
S.Paulo. Ambas as reportagens são narrativas que, de acordo com a literatura
especializada, podem ser consideradas hipermídia, como será discutido mais
adiante.

Por um lado, a escolha dos periódicos se justifica porque se encontram


entre os jornais com maior circulação do país e, por outro, a seleção das
reportagens ocorreu após observar o material e verificar a possibilidade de
realizar um estudo exploratório, como o que se apresenta neste artigo. Além
disso, ambas as reportagens abordam temas relevantes para o público
brasileiro.

O primeiro caso trata da conservação do meio ambiente propondo uma


reflexão sobre as consequências climáticas do desmatamento em todas as
regiões do país, e os interesses políticos e econômicos que regem as decisões
governamentais em relação à preservação de certas áreas florestais.

Já a reportagem sobre a Argentina traz um enfoque relevante


considerando que o país vizinho sempre esteve presente na agenda política
brasileira e, sendo parte do Mercosul, assim como o Brasil, o interesse acerca
desse país ultrapassa as questões políticas, alcançando também aspectos
econômicos.

DO ‘BIG DATA’ AO ‘DATA JOURNALISM’


A relação entre o big data e o jornalismo está no que hoje se denomina
jornalismo de dados (data journalism). Porém, essa designação não indica que
o jornalismo “clássico” não utilize os dados brutos como fonte de informação,
mas sim ressalta o volume de dados trabalhados atualmente pelos profissionais
de comunicação.

15
[01] De agora em adiante, para simplificar a redação e a leitura, serão
utilizados os nomes populares dos jornais mencionados: Folha e Estadão.

[02] De acordo com a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Folha


ocupa o primeiro lugar no ranking de média de circulação da edição paga
(impresso + digital) com 351.745 e o Estadão se encontra no quarto lugar com
237.901.

DO JORNALISMO DE DADOS À NARRATIVA HIPERMÍDIA: UM


ESTUDO...
Para Crucianelli (2013), o jornalismo de dados é uma disciplina na qual
se trabalha diretamente com o big data. A autora destaca a confusão
que o termo jornalismo de dados (JdD) pode provocar, já que o trabalho
do jornalista depende sempre do acesso aos dados com a finalidade
de tratá-los a posteriori. “Corresponde, en realidad, llamarlo
‘periodismo de base de datos’ (PBD); pero, por uso y costumbre,
predomina la denominación más corta” (Crucianelli, 2013: 106).
Independentemente do termo usado, muitos investigadores descrevem
o jornalismo de dados como um processo composto por etapas
sequenciais e interdependentes.

De acordo com Bertocchi (2013: 103): O jornalismo guiado por dados


(ou simplesmente jornalismo de dados, em inglês data journalism) diz
respeito ao processo jornalístico que vai da captura de dados e sua
curadoria até a visualização em um formato a ser acessado pelos
usuários finais nas interfaces digitais. Para a autora, o jornalismo de
dados se baseia nos dados cuja “noticiabilidade” ainda não foi
identificada.

Flores Vivar e Salinas Aguilar (2013) consideram que o jornalismo de


dados se desenvolve em três etapas essenciais: a pesquisa
jornalística, o conhecimento tecnológico e uma lei adequada de acesso
à informação.

Com base nos estudos de Giannina Segnini (Ramírez, 2012), os


autores elaboram um esquema no qual se observam as citadas fases
do jornalismo de dados (figura 1).

16
O último passo seria a visualização criada por meio do uso de ferramentas
de design gráfico.

Aplicando um raciocínio matemático, Crucianelli (2013) transforma a


definição do data journalism em uma fórmula, de modo que este seria
a soma dos seguintes fatores: jornalismo investigativo, jornalismo em
profundidade, jornalismo de precisão, jornalismo analítico, Reportagem
Assistida por Computador (RAC), big data, programação e visualização
interativa.

Segundo a autora, os resultados práticos do jornalismo de base de


dados podem ser resumidos em quatro produtos: artigos com base em
dados, visualizações interativas, conjuntos de dados abertos e
aplicativos de notícias.

Nessa mesma linha, Barbosa e Torres (2013) se apoiam na base


teórica do chamado Paradigma do Jornalismo Digital de Dados
(Ramos, 2012; Barbosa, 2009; Machado, 2006) para afirmar que a
realização empírica do mesmo ocorre nos novos modos de narrar os
acontecimentos e de compor os itens informativos, bem como na
variedade de formatos para a apresentação de conteúdo jornalístico.

17
As possíveis definições de jornalismo de dados (Bradshaw e Rohumaa,
2013; Gray e Bounegru, 2012; Rogers, 2011) se relacionam de forma clara com
o conceito e a realidade da convergência. Infere-se, desse modo, que a narrativa
jornalística cujas bases estão no big data pode ser desenvolvida de acordo com
os preceitos da hipermídia (Landow, 1995) e da transmídia (Jenkins, 2003;
2006).

A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HIPERMÍDIA


Quando os dados considerados noticiáveis são selecionados e
interpretados, o jornalista profissional é quem deve transformá-los em uma
narrativa sólida e, ao mesmo tempo, estruturada, acessível e intuitiva. No
entanto, a criação e elaboração de uma reportagem especial, na qual são
utilizados diferentes recursos tecnológicos, não só requer o trabalho do
jornalista, mas também a colaboração de profissionais como programadores e
designers.

Longhi (2010: 153) utiliza o termo “especial multimídia” para se referir


ao que descreve como: “Grande reportagem constituída por formatos
de linguagem multimídia convergentes, integrando gêneros como a
entrevista, o documentário, a infografia, a opinião, a crítica, a pesquisa,
dentre outros, num único pacote de informação, interativo e
multilinear”.

Portanto, pode-se dizer que uma reportagem especial multimídia


baseada em dados conjuga elementos que promovem tanto a
interatividade quanto a leitura não linear. Em um estudo mais recente,
Longhi (2015) traça uma linha do tempo mostrando a evolução dos
formatos jornalísticos hipermídia e apontando as principais
características de cada período: O especial multimídia, cuja
consolidação ocorre entre 2005 e 2009.

Nessa fase, destaca-se sobretudo o uso do Flash Journalism e de


infográficos online.

→ A grande reportagem multimídia (a partir de 2011 até o presente), etapa


em que se dá prioridade ao jornalismo long-form –representado pelas extensas

18
reportagens especiais– e às técnicas de web design imersivo, como o parallax
scrolling.

De acordo com Rost (2006), a interatividade nos cibermeios


jornalísticos pode oferecer ao usuário a possibilidade de escolher os
seus conteúdos preferidos (interatividade seletiva) e de se manifestar
nos espaços destinados à comunicação (interatividade comunicativa).
Já Cebrián (2005) identifica quatro níveis diferentes de interatividade
no ciberjornalismo: seletiva, dirigida pelo usuário ou user-driven,
criativa e plena. É importante recordar que a leitura não linear deriva
da hipertextualidade.

O termo hipertexto –hypertext em inglês–, criado por Theodor H. Nelson


na década de 1960, refere-se a um tipo de texto eletrônico possível devido ao
avanço da informática e das técnicas de edição. Naquela época, Nelson
explicava que: Con ‘hipertexto’, me refiero a una escritura no secuencial, a un
texto que bifurca, que permite que el lector elija y que se lea mejor en una
pantalla interactiva. De acuerdo con la noción popular, se trata de una serie de
bloques de texto conectados entre sí por nexos, que forman diferentes itinerarios
para el usuario (Landow, 1995: 15).

A leitura ditada pelo hipertexto digital é ampla e extensiva, oferecendo


muito mais possibilidades para o leitor que o formato plano e linear.
Para Landow (1995), um hipertexto possui três características
fundamentais: a intertextualidade, a descentralização e a
intratextualidade. Tais características podem se relacionar com o
modelo de navegação baseado nos links internos (micronavegação) e
externos (macronavegação) considerando o trajeto percorrido pelo
leitor durante a experiência e a navegação hipertextual.

Colussi e Miguel (2015: 34) afirmam que: “Com o objetivo de produzir


conteúdos mais dinâmicos e interativos, o ciberjornalismo aposta pelo
uso da narrativa hipermídia, passando a explorar outros elementos
além do link”. Neste contexto, a narrativa hipermídia é, segundo
Landow (1995), uma extensão do hipertexto que inclui outros
elementos tanto multimídia quanto hipertextuais– na hora de compor e
visualizar a informação (áudio, vídeo, infográficos, etc.).

Manovich (2001) defende que a relação existente entre o hipertexto e


a narrativa se convertem na denominada hipernarrativa.

19
Os links, neste caso, se transformam na parte visível da multidão de
dados na qual se baseia o conteúdo informativo hipernarrado. Gosciola
(2003) considera que a narrativa hipermídia ocorre através de uma
leitura não linear construída por meio do acesso simultâneo e interativo
a conteúdos textuais e audiovisuais. Sua definição destaca a
importância da experiência do usuário, já que cada leitor interage com
a narrativa e a utiliza de um modo particular, estabelecendo uma
trajetória própria de acordo com as suas preferências e interesses.
Assim, é possível inferir que a narrativa hipermídia faz sentido somente
a partir do movimento. Pode-se dizer que a dinâmica desse tipo de
relato depende da decisão do usuário de navegar pelos diferentes
recursos disponíveis para ter acesso à informação e ativar, desta
forma, a estrutura narrativa construída por meio da sobreposição de
dados.

A trajetória do usuário em uma narrativa hipermídia faz dele um construtor


de labirintos (Leão, 2005). Em suma, a visualização da informação exerce um
papel decisivo em uma reportagem hipermídia. No entanto, é preciso destacar
que a visualização não pode ser entendida como a mera implementação da
interatividade ou da hipertextualidade.

Pedroza, Bezerra e Nicolau (2013), em um estudo sobre as


características das ferramentas Google Fusion Tables e Tableau
Public aplicadas à composição visual da informação em infográficos,
defendem o papel fundamental das representações gráficas que
conjugam imagem e texto com o objetivo de comunicar de maneira
satisfatória a informação baseada em dados.

Os autores estabelecem uma relação direta entre os infográficos e as


“estruturas hipertextuais construídas a partir da codificação visual de dados”.
Observando as narrativas publicadas pelos principais cibermeios jornalísticos do
mundo, é possível afirmar que a visualização se tornou um elemento

A reportagem hipermídia, reunindo diferentes tipos de linguagem,


torna-se acessível a um público amplo e diversificado. A partir da
análise da revista estadunidense Mother Jones, Rodríguez Brito e
García Chico (2013) concluem que “la utilización de varios formatos de
contenido para apoyar su argumentación favorece el acercamiento de
clases de usuarios disímiles”.

20
Assim, é possível satisfazer o público afim à leitura e também o público
que prefere ter acesso à informação por meio de conteúdos audiovisuais.
Finalmente, pode-se dizer que o data journalism se produz a partir de inúmeros
dados brutos recolhidos de diferentes fontes, tanto públicas quanto privadas, os
quais recebem um tratamento jornalístico que inclui, além de um importante
trabalho de análise e interpretação, uma série de recursos capazes de torná-los
acessíveis e atraentes à audiência. Em uma narrativa hipermídia, deve-se
contemplar a capacidade de acessar arquivos em formatos variados, bem como
infográficos, mapas interativos, galerias de fotos, vídeos ou slideshows.

Dado que o objetivo principal desta pesquisa é identificar os recursos


utilizados na composição da narrativa hipermídia de duas reportagens especiais,
Floresta sem fim.

Como salvar a natureza no Brasil e o clima na Terra e O Kirchnerismo na


Argentina, publicadas respectivamente pelos cibermeios jornalísticos brasileiros
Folha e Estadão em 2015, utilizou-se uma metodologia híbrida a partir da
realização de um estudo comparativo.

Em primeiro lugar, realizou-se uma revisão da literatura especializada em


jornalismo de dados e novas narrativas jornalísticas, que ampara o marco teórico
construído antes da realização do estudo de caso de ambas as reportagens.

Para delimitar as variáveis de análise do material selecionado, foram


consideradas tanto as características do jornalismo de dados quanto os
elementos da narrativa hipermídia, que são essenciais na construção da
reportagem especial hipermídia.

Portanto, as variáveis de análise e as categorias delimitadas são as


seguintes:

a) Recursos narrativos: trata-se de verificar a composição da narrativa por


meio do uso de texto, fotos, slideshows, infográficos, animações, newsgames,
áudios, vídeos, links, ilustrações e outros elementos que estruturam a narrativa
hipermídia. A delimitação desta variável se apoia na necessidade de identificar
os elementos utilizados para a visualização de dados.

21
b) Tipos de link: é importante conhecer o destino de cada link inserido na
reportagem. Para isso, definiu-se uma série de categorias a fim de identificar se
os links enviam o usuário a outras partes dentro do site do próprio cibermeio, a
outros meios de comunicação, a bancos de dados, a fontes de informação
(instituições, pessoas, etc.), dentre outros.

c) Opções de interatividade: de acordo com os conceitos de Cebrián


(2005) e Rost (2006), delimitaram-se quatro categorias –seletiva, comunicativa,
criativa e plena– para verificar o nível de interatividade de cada reportagem
analisada.

d) Tipos de interação com o usuário nos infográficos: com base em Cairo


(2008), analisa-se o tipo de interatividade que os gráficos informativos propiciam
ao usuário. De acordo com o autor, existem três tipos de interação entre o
usuário e o sistema ou dispositivo: instrução, manipulação e exploração.

A instrução se refere ao nível mais básico de interatividade, no qual o


usuário indica ao dispositivo, por meio dos botões, o que deseja fazer. Na
manipulação, o internauta pode alterar as características de determinados
objetos no ambiente virtual, como o tamanho, a posição, a cor, dentre outros
aspectos. Com a exploração, o usuário aparentemente tem liberdade de
movimento no ambiente virtual. Para o autor, os exemplos de infográficos
inspirados em videogames imersivos são escassos devido a razões técnicas e
ao alto custo de produção.

e) Tipos de dados: com esta variável, pretende-se identificar os dados


utilizados na elaboração dos infográficos incluídos em ambas as reportagens
especiais. É importante detectar se os gráficos contam com informações
políticas, econômicas, sobre o meio ambiente, etc.

f) Fontes de informação: o objetivo desta variável é distinguir as fontes de


informação utilizadas nos gráficos, tais como fontes governamentais, bancos de
dados públicos, empresas privadas, dentre outras.

22
OS ESPECIAIS
A reportagem Floresta sem fim. Como salvar a natureza no Brasil e o clima
na Terra, da Folha, forma parte da série de especiais ‘Tudo sobre’, publicada
pelo jornal desde dezembro de 2013. Além da introdução, o especial conta com
quatro capítulos que abordam a questão do desmatamento, principalmente nas
regiões Centro e Norte do Brasil –incluindo a Amazônia–, enfatizando como a
economia da madeira e a criação de gado está prejudicando o meio ambiente.

Financiada por Climate and Land Use Alliance (CLUA), a reportagem


contextualiza na introdução que o desmatamento é o que mais contribui para o
aquecimento global. ‘Carne verde’, o primeiro capítulo do especial, mostra que
dois terços da mata do estado do Mato Grosso (o maior produtor de gado do
país) se transformaram em pastos. Em ‘Mato de valor’, mostram-se iniciativas
como o Redd+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação
Florestal), programa que oferece incentivos financeiros a tribos indígenas que
ajudem a diminuir a emissão de CO2.

Como modernizar a produção nas florestas brasileiras é o tema do terceiro


capítulo da reportagem da Folha.

O encerramento com ‘Largados na selva’ revela que, em função da falta


de alternativas econômicas e de assistência técnica, pequenos agricultores dos
assentamentos, vistos como os vilões do desmatamento da selva, acabam se
dedicando à pecuária e à venda ilegal de terras.

Para detalhar cifras económicas e relativas ao meio ambiente, além de


demonstrar a situação em diferentes lugares da floresta brasileira, a Folha utiliza
recursos hipermídia –slideshows, infográficos interativos dinâmicos em 3D e
vídeos– para contar histórias.

Por outro lado, Estadão estrutura O Kirchnerismo na Argentina em três


capítulos, mais a introdução. Para apresentar o tema, a reportagem aborda a
história do país e suas riquezas culturais, além de explicar como funcionam as
primárias presidenciais na Argentina.

O primeiro capítulo repassa a trajetória dos presidentes que governaram


a nação desde o Peronismo até a era Menem. ‘Governos Kirchneristas’ se

23
referem às legislaturas de Néstor Kirchner e de Cristina Fernández de Kirchner,
em que apresentam uma timeline com os principais fatos que marcaram o
período transcorrido entre 2003 e 2015.

Considerando que 2015 foi ano eleitoral, relacionam os ajustes


necessários na economia com o funcionamento do sistema eleitoral na
Argentina. Ao longo do especial, utilizam-se principalmente infográficos estáticos
para que o público possa interpretar os dados econômicos e políticos.

De acordo com Longhi (2015), ambos os especiais correspondem ao


que a autora denomina como grandes reportagens multimídia. Por
meio do uso de HTML5, a narrativa nessas publicações se torna mais
dinâmica, permitindo a inserção de formatos que promovem a imersão
do usuário, como os newsgames (Busarello, Bieging e Ulbricht, 2012),
ou outros formatos como o vídeo panorâmico. Por entender que esse
tipo de produção, além dos recursos multimídia (áudio, vídeo,
infográfico interativo, etc.), também incluem links –fazendo referência
ao conceito de hipermídia de Landow (1997) – optamos por utilizar a
denominação grande reportagem hipermídia.

Para desenvolver um produto jornalístico com esses recursos narrativos,


os dois cibermeios contam com uma equipe de profissionais multidisciplinar
(programadores, webdesigners, especialistas em visualização de dados,
jornalistas ou editores de fotografias e vídeos). Isso fica claro na última parte de
cada reportagem analisada, onde se encontra o expediente.

Os meios de comunicação de referência costumam manter laboratórios


de inovação tecnológica especializados no tratamento e visualização de dados,
que se dedicam à criação de narrativas jornalísticas interativas e apps de notícias
(Salaverría, 2015).

CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA
Os elementos utilizados na estruturação da narrativa jornalística nestes
especiais são determinantes para a criação de uma reportagem hipermídia, que
inclui conteúdos multimídia e links.

24
Considerando que o objetivo principal deste estudo é verificar a
composição da narrativa hipermídia em ambas as publicações, na tabela 1,
relacionam-se os recursos usados pelos jornais Folha e Estadão, assim como a
frequência com que aparecem em cada especial.

Na estrutura da reportagem da Folha, destaca-se a produção de 64


fotografias, 25 infográficos e 9 vídeos. A inserção destes recursos,
principalmente daqueles que favorecem a interatividade, como é o caso dos
infográficos dinâmicos e as imagens panorâmicas, propiciam ao usuário um
conteúdo jornalístico mais dinâmico. As imagens estão distribuídas ao longo dos
capítulos em três formatos diferentes:

1) a apresentação fotográfica tradicional,

2) a fotografia panorâmica e 3) o slideshow.

25
A maioria das fotografias (59) forma parte de 13 slideshows com dois tipos
de configurações distintas. No tipo mais utilizado pela Folha (8), o usuário deve
clicar várias vezes para que a imagem 1 se transforme na imagem 2. Trata-se
de um fluxo vertical de imagens, como se observa na figura 2.

Utilizado cinco vezes no especial, o segundo tipo de slideshow exibe as


fotografias na horizontal, como mostra a figura

O slideshow não é automático, portanto o usuário precisa clicar nas


flechas alaranjadas localizadas nas laterais ou nos pequenos círculos na parte
superior da imagem.

Reprodução do slideshow da Folha em que as fotos aparecem na


horizontal Fonte: Reprodução de Tudo sobre desmatamento zero.

Conforme a tabela 1, o uso das fotografias intercala os blocos de texto


que totalizam 62 telas, considerando uma média de 140 palavras por tela. Essa
estrutura tem como base a linguagem textual, que se configura como o alicerce
do jornalismo long-form, característico das grandes reportagens hipermídia.

O uso de 25 gráficos informativos dá dinamismo ao especial, já que a


maior parte dos infográficos é: interativo (11), interativo dinâmico em 3D (7) ou
interativo dinâmico (1). Chama-nos a atenção o uso dos de tipo interativo
dinâmicos em 3D, os quais, além da interatividade, possuem elementos
dinâmicos-animados.

De acordo com a figura 4, a informação gráfica com desenho em três


dimensões mostra de forma dinâmica a pecuária intensificada e o usuário tem a
opção de utilizar o zoom. Nesta reportagem, identificamos uma menor incidência
de infográfico estático (6).

A narrativa audiovisual compõe a estrutura da reportagem com a inserção


de 9 vídeos, sendo um deles configurado com autoplay.

Com relação à hipertextualidade, em toda a reportagem somente se


encontram 8 links, dos quais a metade direciona o usuário ao site de gráficos
informativos da Folha. Ou seja, trata-se de um convite para que o internauta
acesse outros infográficos do jornal produzidos no Tableau, um software de
análise e visualização de dados.

26
Ao elaborar a informação gráfica, o programa automaticamente insere o
link no perfil do jornal. Os demais links são de Open Street Maps, o software
utilizado para desenhar os mapas que aparecem na reportagem. Isso significa
que os links incluídos ao longo dos capítulos não buscam ampliar a informação
do conteúdo nem oferecem transparência ao público. Por outro lado, a
reportagem do Estadão apresenta uma estrutura narrativa mais linear, composta
por 43 fotografias, 10 vídeos e 8 infográficos (ver tabela 1).

Destaca-se a falta de gráficos interativos e outros recursos, como o


newsgame, que favorecem o dinamismo dentro de cada capítulo. Das 43
fotografias apenas 11 formam parte de dois slideshows, que estão estruturados
de forma que o usuário precisa arrastar o mouse para visualizar as imagens que
mudam na horizontal, conforme se observa na figura 5. Também há a opção de
ampliar as imagens ao clicá-las. Tanto as fotografias como os vídeos estão
intercalados com o volume de texto, composto por 50 telas com
aproximadamente 120 palavras cada uma. Esta estrutura aproveita a ideia da
grande reportagem tradicional da imprensa.

Figura 5. Exemplo de slideshow utilizado pelo Estadão na introdução da


reportagem

Dos 8 infográficos, apenas um é interativo. Refere-se a uma timeline


composta por uma informação gráfica interativa na parte inferior e um slideshow

27
que mescla conteúdo audiovisual com fotografias. Como se vê na figura 6, a
timeline incluída no segundo capítulo exibe 6 vídeos e 12 fotos com uma
descrição dos fatos que ocorreram entre 2003 e 2015 nos governos dos Kirchner.

Ao clicar na data, localizada na lateral direita, o usuário avança na linha


do tempo. Esta peça aparece como o recurso mais interativo da reportagem do
Estadão, já que a partir do infográfico é possível acessar qualquer conteúdo
específico da linha do tempo.

No que se refere ao uso do hipertexto, a análise revela que a reportagem


sobre os Kirchner na Argentina inclui apenas três links, sendo que dois deles são
interno (leva-nos a partes do especial), oferecendo ao usuário a possibilidade de
avançar para informações que se encontram mais adiante no mesmo capítulo.

O outro link nos direciona a um vídeo produzido pela TV Estadão.


Portanto, trata-se de hipertextos que permitem uma navegação dentro da
reportagem e que ampliam relativamente a informação, já que mantêm o usuário
no próprio cibermeio (micronavegação).

28
Por último, convém destacar que o Estadão traz a reprodução de imagens
em duas situações: a primeira se refere a uma notícia sobre a marcha reprimida
na Argentina, publicada pelo jornal em 1982, e a segunda imagem é da
propaganda eleitoral do então candidato Macri.

Ademais, publicam-se “olhos” com declarações e fotos de políticos


argentinos, um recurso gráfico muito comum utilizado pelos jornais impressos
que contribui para que o produto jornalístico multimídia seja menos dinâmico.

OPÇÕES DE INTERATIVIDADE
A análise da interatividade nas reportagens estudadas baseia-se nas
referências de Cebrian (2005) e Rost (2006), que aplicam o conceito
aos cibermeios em geral, e de Cairo (2008) sobre infográficos
interativos. Considerando as opções de interatividade da reportagem
da Folha, destaca-se a predominância das de tipo seletiva, que estão
presentes nos infográficos interativos, nas fotografias 360º, onde o
usuário pode mover a imagem e utilizar o zoom, nos slideshows e nos
links.

Convém ressaltar que a única forma de interatividade comunicativa


possível ocorre no caso de que o usuário decida compartilhar o conteúdo por
meio das redes sociais, utilizando uma das opções incluídas no especial –
Facebook, Google+ e Twitter–. Com relação aos infográficos interativos,
identificamos os três níveis de interatividade na reportagem da Folha.

Os infográficos interativos formam parte do que Cairo (2008) classifica


como interação do tipo instrução, já que promovem o nível mais básico
de interatividade do usuário com o conteúdo (sistema avança-
retrocede). Nos infográficos interativos dinâmicos em 3D, observa-se
tanto a manipulação no uso do zoom para ampliar ou diminuir uma
área, como um nível de exploração reduzida. Já a reportagem do
Estadão sobre os governos da família Kirchner na Argentina, mostra-
se insuficiente ao que se refere às opções de interatividade.

Quanto ao nível seletivo, apenas dois slideshows, um infográfico interativo


composto por uma timeline e três links oferecem essa possibilidade ao usuário.
Assim como no especial da Folha, há a opção de compartilhar a publicação nas
redes sociais Google+, Facebook e Twitter. Sobre a interatividade nos gráficos

29
informativos, verifica-se o uso da instrução, presente num único infográfico
interativo que forma parte da linha do tempo.

Neste caso, o usuário precisa clicar para avançar ou acessar ao vídeo ou


à fotografia correspondente. Sendo assim, nenhuma das reportagens oferece ao
público um canal de comunicação com os autores dos especiais nem com os
cibermeios.

Nesse sentido, nota-se que principalmente a reportagem da Folha busca


avançar com relação à interatividade, mas em ambos os casos ainda falta incluir
elementos mais dinâmicos que permitam ao usuário ter acesso a experiências
de imersão no conteúdo.

DADOS E FONTES DE INFORMAÇÃO


Neste tópico, apresentamos os tipos de dados utilizados e as fontes de
informação consultadas para a elaboração dos infográficos em ambas as
reportagens. A análise aponta que o especial da Folha usa cifras econômicas,
além de dados sobre geografia e meio ambiente para contextualizar o tema
abordado.

Com relação ao uso de fontes de informação, destaca-se que apenas uma


minoria dos infográficos (20%) contém a referência das mesmas.

Dos 25 gráficos, constata-se que só cinco revelam a fonte informativa,


predominando a consulta a instituições governamentais: Contribuição
Nacionalmente Determinada (INDCs, na sigla em inglês) referente ao Protocolo
de Kioto, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Serviço Florestal
Brasileiro (SFB), Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) e Ministério
Público Federal (MPF).

A reportagem do Estadão, por outro lado, prioriza dados políticos e


econômicos da Argentina em diferentes períodos. Isso se justifica devido ao
tema abordado na publicação. Ao analisar os infográficos, identifica-se que a
minoria (37,5%) faz referência às fontes de informação.

30
Em três das oito informações gráficas, mencionam-se as seguintes fontes:
Management & Fit, Mercosul, Direção Nacional Eleitoral e Instituto Nacional de
Estatística e Censos (INDEC). Embora o especial do Estadão revele as fontes
informativas em uma porcentagem maior de gráficos que a Folha, ambos os
jornais falham ao não indicar ao público a procedência da maioria dos dados
utilizados nas reportagens.

É importante indicar que os dados, nestes casos, são os que sustentam


grande parte da informação usada na construção da pauta jornalística. Ou seja,
a partir da pesquisa e tratamento dos dados–técnicas básicas do jornalismo de
dados– geram-se visualizações de diferentes tipos, que convergem com outros
elementos multimídia e links. Constata-se, portanto, falta de transparência dos
jornais ao não revelar parte das fontes informativas consultadas. É mais:
poderiam inclusive disponibilizar um link com os dados brutos utilizados na
elaboração das reportagens –uma prática cada vez mais comum no jornalismo
de dados

A análise da composição da narrativa e da interatividade nas reportagens


hipermídia selecionadas indica que a Folha utiliza uma maior variedade de
recursos multimídia interativos que o Estadão.

O especial sobre o desmatamento da floresta brasileira usa desde


fotografias panorâmicas, que permitem ao usuário navegar pelas imagens, até
vídeos com autoplay e três tipos diferentes de infográficos interativos.

Além da interatividade básica, também utiliza o infográfico interativo


dinâmico e o infográfico dinâmico em três dimensões. Já o especial sobre os
Kirchner na Argentina se mostra insuficiente ao que se refere ao emprego de
elementos multimídia. Essa discrepância pode ter ocorrido devido à ausência de
um laboratório de inovação tecnológica dentro das redações no momento da
produção das

A respeito disso, num estudo recente em que analisa a estrutura de


laboratórios de 31 meios de comunicação europeus e estadunidenses,
Salaverría revela que uma das principais funções deste tipo de equipe é explorar
novas narrativas, formatos multimídia e jornalismo de dados: “Prestan especial
atención a los trabajos infográficos y al periodismo apoyado en bases de datos”.

31
Apesar do Estadão manter uma equipe que se encarrega da elaboração
dos infográficos e projetos de jornalismo de dados, como é o caso do Basômetro
(Dantas, Toledo e Teixeira, 2014), parece que a inovação ainda não chegou aos
seus especiais multimídia (Longhi, 2010).

É o que indica a análise do caso estudado. Além das grandes reportagens


multimídia (Longhi, 2015) produzidas por uma equipe própria da Folha, o jornal
mantém o Folha SP Dados, que surgiu mediante um acordo com o Knight
International Journalism Fellowship.

Quanto ao nível de interatividade, sinaliza-se que ambos os casos


estudados mantêm uma estrutura narrativa linear, transformando as grandes
reportagens em uma narrativa hipermídia pouco dinâmica.

No caso da Folha, os distintos tipos de informação gráfica rompem de


certa forma a linearidade se comparado com a falta de dinamismo do especial
do Estadão. Considera-se paradoxo o uso minoritário de links nas reportagens
analisadas, já que o hipertexto é um dos pilares da narrativa hipermídia (Landow,
1997), contribuindo para a construção de um produto jornalístico não linear
(Rost, 2006).

Mais do que inserir poucos links ao longo das reportagens, costumam


privilegiar links que direcionam o usuário ao próprio cibermeio (micronavegação)
ou outra parte da mesma publicação.

Essa dinâmica não favorece a ampliação nem a transparência da


informação. Se o jornalismo de dados se sustenta a partir do acesso a banco de
dados públicos e/ou privados, seria lógico fazer referência à fonte informativa
nos infográficos. Não obstante, essa situação ocorreu numa minoria dos gráficos
informativos inseridos em ambas as reportagens analisadas.

Outra prática recente nos cibermeios, que tampouco se identifica nos


estudos de caso, refere-se ao fato de que os dados utilizados em uma
reportagem estejam disponíveis online para acesso aberto por parte do público.

32
HIPERMÍDIA – A REMEDIAÇÃO DAS MÍDIAS
Começamos aqui a discutir então a natureza deste conteúdo jornalístico,
remediado e situado neste espaço contemporâneo de escrita, o qual reúne
componentes textuais e estruturais.

Antes, queremos deixar claro que entendemos que existem diferenças


entre o que apreendemos como hipertexto e hipermídia. Tendo como base a
Teoria do Hipertexto, compreendemos como hipertexto jornalístico: o texto
construído a partir da ligação, por meio de links, das lexias, fragmentos ou blocos
de informação (essa informação pode ser escrita, gráfica ou audiovisual -
multimídia), possibilitando ao usuário/leitor compor o seu percurso narrativo.

Alguns teóricos do hipertexto, como Landow (2009), fazem questão de


esclarecer que não distinguem hipertexto e hipermídia, porque para o
autor “o hipertexto inclui a multimídia já que, com a mesma facilidade,
pode conectar entre si tanto passagens de texto verbal como
informação não verbal” (p. 120).

Defendendo a mesma lógica, Perez Marco diz que na prática, não


existem hipertextos que não utilizem a possibilidade de integração de
vários meios para criar seus conteúdos, nos parece redundante falar
de hipermídia e hipertexto, quando em essência nós estamos referindo
a mesma realidade.

Em todo caso, um hipertexto formado só de texto (o qual não deixa de ser


estranho), o que realmente demonstraria é que não está utilizando todas as
possibilidades inerentes ao meio, mas simplesmente trasladando determinada
estrutura impressa a outro suporte de visualização, o computador, que em sua
essência contém a possibilidade da combinação de meios diversos para criar
una mensagem.

A nossa compreensão de hipertexto também reconhece a


multimidialidade presente nas lexias ou blocos informativos, e que o conceito de
hipertexto já dá conta dessas múltiplas formas de textos. Porém o que nos
inquieta e nos instiga a pensar é se o conceito de hipermídia não requer maior
problematização.

Landow (2009) define hipermídia como o hipertexto acrescido de


multimídia. Para nós, há uma simplificação do uso do termo hipermídia,

33
por isso Landow (2009) identifica semelhança com o conceito de
hipertexto e parece haver uma confusão que se estabelece entre os
dois termos: a expressão hipermídia simplesmente estende a noção de
texto hipertextual ao incluir informação visual e sonora, assim como a
animação e outras formas de informação. Tendo em vista que o
hipertexto, ao poder conectar uma passagem de discurso verbal a
imagens, mapas, diagramas e som tão facilmente como a outro
fragmento verbal, expande a noção de texto mais além do meramente
verbal, não farei a distinção entre hipertexto e hipermídia.

Com hipertexto, pois, me referirei a um meio informático que relaciona


informação tanto verbal como não verbal. Nesta rede, empregarei os termos
hipermídia e hipertexto de maneira indistinta.

(LANDOW, 2009, p. 25, tradução nossa) identificamos, ao longo dos


estudos, questões que apontam para a demarcação da hipermídia como um
conceito mais complexo que a simples expansão da noção de hipertexto.

A hipermídia passa a ser uma “resposta da prosa às tecnologias visuais


de fotografia, cinema e televisão”, com isso ele quer dizer que a “hipermídia pode
ser considerada um tipo de escrita de imagem, que remodela as qualidades de
ambas, tanto da imagem tradicional quanto da escrita fonética”.

Com a hipermídia há uma redefinição da relação entre palavra e imagem.


Consideramos que palavra e imagem se remodelam de múltiplas maneiras para
multiplicar a mediação de forma a criar sensações de plenitude, tentando atingir
a “saciedade da experiência, que pode ser tomada como realidade”.

O espaço de escrita contemporâneo não integra apenas texto, som e


imagem, mas “um conjunto hipertextual e dinâmico de sentidos, onde forma,
conteúdo, sintaxes e elementos variados compõem uma linguagem nova,
hipermidiática, ainda inexplorada em todas as suas potencialidades” (TIMM,
SCHNAID; ZARO, 2004, p. 03).

Em 2003, Murray previa um borramento das bordas das formas


expressivas. Para ela, a julgar pelo panorama atual, podemos esperar um
enfraquecimento contínuo dos limites entre jogos e histórias, entre filmes e
passeios de simulação, entre mídias de difusão (como televisão e rádio) e mídias
arquivísticas (como livros ou videotape); entre formas narrativas (como livros) e

34
formas dramáticas (como teatro ou cinema); e mesmo entre o público e o autor.
(MURRAY, 2003, p. 71-72). Esse processo previsto por Murray já se configura
na hipermídia. Isso é possível, porque a hipermídia redefine a relação da palavra
e da imagem. Por essas questões levantadas pela literatura, entendemos que
hipertexto e hipermídia não podem ser empregados de maneira indistinta. Por
isso, para melhor explicar nossa ideia, retomemos a discussão sobre a
remediação que se estabelece entre texto e hipertexto e reforçamos esta linha
de raciocínio, desenvolvida na seção anterior.

Como já abordamos, o texto é a gênese do hipertexto, assim como o


hipertexto abarca características do texto, o texto contemporâneo também se
remodela a partir do hipertexto, assumindo traços mais comuns da
hipertextualidade como, por exemplo, maior fragmentação (textos mais curtos),
intertextualidade (facilidade para ligar textos sobre acontecimentos passados,
contexto e temáticas), multivocalidade (ampliam-se os espaços de troca entre
autores e leitores, o que potencializa a participação do público nas narrativas),
multimidialidade (valorização das imagens, utilização de vídeos e outros
elementos digitais nas narrativas impressas). Partindo dessa mesma lógica,
podemos refletir sobre a remediação da hipermídia.

Antes disso, convém ressaltar que hipermídia é a tradução para o


português-brasileiro de hypermedia (termo inglês também criado por Ted Nelson
na década de 1960). O mesmo é traduzido para o português de Portugal como
hipermédia. Logo, o conceito acolhe a noção tanto de meios de comunicação,
de formatos midiáticos, bem como do processo de mediação/hipermediação.

E esses aspectos que o termo abarca nos parecem importantes para


começarmos a demarcar o conceito de hipermídia. O que nos parece crucial para
a definição do termo é o processo de remedição que se estabelece. É consenso
que a hipermídia só é possível por meio da estrutura hipertextual, mas é
importante também termos em mente que a hipermídia não surge do nada,
existem conteúdos e formas expressivas que a antecedem e que acionam o
processo de remediação. Nesse processo de remediação, o hipertexto e as
formas expressivas midiáticas são renovados na hipermídia, porque o que antes
era a linguagem da TV, do rádio, do impresso, é reconfigurado em uma única
forma expressiva. E esse processo também é inverso, a hipermídia passa a

35
renovar as outras linguagens de mídia. No jornalismo, a hipermídia promove a
união de vários formatos midiáticos e expressivos para comunicar a informação.

Na Figura 1, mostramos como a forma expressiva hipermídia reconfigura


as linguagens anteriores. O exemplo é da abertura do Globo Esporte RS,
veiculado pela RBSTV (afiliada da Rede Globo) no dia 24 de outubro de 2016.
Neste caso, a linguagem televisiva é remodelada pela linguagem hipermídia.

A abertura do jornal televisivo Globo Esporte RS é feita como se fosse


uma troca de mensagens via aplicativo WhatsApp, entre repórteres,
comentaristas, apresentadora e estagiário. O exemplo mostra a hipermídia
renovando outras linguagens de mídia, neste caso a televisiva.

Por essas questões, parte levantadas pela literatura (BOLTER; GRUSIN,


1999; MURRAY, 2003; TIMM; SCHNAID; ZARO, 2004), parte pela percepção de
que há uma remediação dos meios anteriores nos modos expressivos do espaço
de escrita digital e pelo entendimento de que o hipertexto não dá conta de

36
explicar essa remediação, assumimos que hipertexto e hipermídia não podem
ser empregados de maneira indistinta. Igualar hipermídia ao hipertexto é olhar
uma face da moeda.

Porque a hipermídia não é a simples junção do hipertexto com a


multimídia, ela é a renovação de todas as formas de mídia, de linguagem e dos
modos expressivos anteriores.

Assim como no jornalismo impresso, o princípio fundamental da


associação indissolúvel entre o conteúdo e a forma também define a
configuração da informação no digital (LONGHI, 2008).

A hipermídia é uma forma expressiva e de linguagem de mídia própria -


diferente da linguagem televisiva, cinematográfica, radiofônica, impressa,
fotográfica, dos games, da infografia -, é o resultado da remediação de todas
formas de mídia, linguagem e modos expressivos anteriores em uma única forma
expressiva.

Essa construção conceitual vai nos ajudar a analisar e a refletir sobre as


reportagens hipermídia construídas no espaço de escrita contemporâneo, mas
especificamente a configuração das histórias nessas reportagens.

Neste primeiro capítulo, introduzimos a discussão sobre as


especificidades do espaço de escrita digital, bem como sistematizamos aspectos
relativos ao surgimento do hipertexto e do desenvolvimento da Teoria do
Hipertexto por Landow (1995, 1997 e 2009), destacando os elementos
hipertextuais (links e lexias) e as características desse formato de escrita.
Também foi nosso objetivo refletir sobre o processo de remediação entre texto-
hipertexto e mídia-hipermídia, a partir do qual construímos o conceito do termo
hipermídia que empregaremos ao longo de todo o texto.

Desde a reflexão sobre a remediação das mídias, nossas discussões


sobre hipertexto começaram a focar o jornalismo. No próximo capítulo,
ampliamos essas discussões iniciando a abordagem sobre a narrativa
jornalística hipermídia. Trataremos de refletir sobre os elementos e as
características do hipertexto jornalístico e sugerimos atualização da Teoria do
Hipertexto para analisarmos as reportagens hipermídia.

37
A NARRATIVA HIPERMÍDIA
A Teoria do Hipertexto continua a nos acompanhar para pensarmos a
questão da narrativa que se configura neste espaço de escrita. No
entendimento de Longhi (1998, p. 50), a narrativa hipertextual é “toda
a obra criada e disponibilizada em hipertexto”. Com essa definição,
queremos dizer que a narrativa precisa ter sido pensada para este
espaço, que chamamos de espaço de escrita digital, e que apresente
características do hipertexto e da hipermídia, não excluindo as obras
que são adaptadas/transformadas do impresso para o espaço de
escrita digital.

Segundo Longhi, a poética hipertextual pode expandir os limites da


narrativa, porque no hipertexto “a narração poderá sofrer tantas
alterações de suas partes quantas forem sugeridas pelo autor e
percorridas pelo leitor, durante a leitura, através de suas escolhas”
(1998, p. 81-82).

Focamos, a partir de agora, nosso olhar na constituição das histórias


hipermídia. Começamos voltando há cerca de 20 anos, quando as primeiras
iniciativas jornalísticas na internet não traziam “nada de novidade”, em relação
às mídias anteriores.

Os textos eram transpostos do impresso para a internet, e na maioria das


vezes sem o acréscimo da fotografia. A dinâmica própria da web não tardou a
ocorrer.

De maio de 1993, quando o jornal dos EUA San Jose Mercury News
(GARRISON, 2009) - primeiro veículo de comunicação a lançar versão na web,
aos atentados de 11 de setembro de 2001 no país, foram menos de 10 anos
para o jornalismo se estabelecer no ambiente digital (KATZ, 2001; ZELIZER,
ALLAN, 2002; FERRARI, 2003; MALINI, 2009; MIGOWSKI, 2013).

O atentado às torres gêmeas em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de


2001, é um marco para o jornalismo digital, porque foi a partir desse
acontecimento que os veículos de imprensa deram mais atenção à participação
dos usuários no ambiente digital e começaram a diversificar as maneiras de
contar histórias, principalmente com a inclusão de infografias.

38
De acordo com Migowski (2013, p. 8), o que chamou a atenção à época
foi: “a participação dos interagentes na atualização dos fatos
relacionados ao acontecimento e os conteúdos memoriais que
circularam na rede”.

O autor admite que outros jornais possam ter surgido antes na internet,
mas o San Jose Mercury News foi o primeiro a colocar todo o conteúdo da edição
online.

Os blogs também tiveram um importante papel na disseminação das


informações sobre os acontecimentos e a mídia começou a utilizar mais
expressivamente infográficos para reconstituir o choque das aeronaves às torres
do World Trade Center.

Como abordamos anteriormente, o jornalismo neste espaço de escrita


contemporâneo está em constante transformação e adaptação em vários
aspectos (produção, distribuição e consumo). Foram muitas as tentativas nas
quais as instituições jornalísticas procuraram desenvolver produtos, não só
adequados ao ambiente digital, mas também que comunicassem de maneira
eficiente ao público.

Alguns pesquisadores (CABRERA GONZALEZ, 200046; PAVLIK,


200547; PRYOR, 200248; MIELNICZUK, 200349; BARBOSA, 2007, 201350)
identificaram as transformações pelas quais o meio tem passado ao longo
desses pouco mais de 20 anos de jornalismo digital, e as dividiram em fases,
modelos, ondas e gerações, principalmente baseando-se nas observações dos
primeiros 10 anos. A palavra “texto”, originariamente vem de “textum”, que
significa tecido ou entrelaçamento.

O hipertexto se transforma em uma “tessitura informativa formada por um


conjunto de blocos informativos ligados através de hiperligações”
(CANAVILHAS, 2014).

A tessitura da narrativa é a rede que se forma tanto na construção das


histórias nesse espaço de escrita digital quanto a partir do conjunto de ações,
realizadas pelos leitores, que conecta as várias lexias, construindo o tecido
narrativo.

39
A tessitura da narrativa nas primeiras gerações do jornalismo na web
sempre foi pensada dentro dos limites impostos pelos computadores, notebooks
e pela banda de conexão à rede.

É na terceira geração do jornalismo na web que começa a mudança na


estrutura das histórias jornalísticas, quando o hipertexto é inserido na construção
do ato narrativo, constituindo-se como elemento essencial das histórias contadas
pelo jornalismo.

Essa geração (MIELNICZUK, 2003) coincide com a terceira fase do


jornalismo na web de Pavlik (2005) e com o terceiro modelo de jornal online de
Cabrera Gonzalez (2000). Nos três casos, o aspecto mais importante são as
experimentações de novas formas de contar histórias.

Por que “novas” formas? Porque é quando o jornalismo começa a utilizar


as características próprias do meio para comunicar, identificadas até então como
a hipertextualidade, a multimidialidade, a interatividade, a atualização contínua,
a personalização e a memória.

É com o hipertexto que se abre a possibilidade da inovação no jornalismo


em ambiente digital, principalmente nas formas de contar histórias neste espaço.

Para Mielniczuk e Palacios (2002, online), o hipertexto utilizado no


ambiente das redes telemáticas vai permitir em uma mesma tela a
coexistência de textos, sons e imagens, tendo como elemento inovador
a possibilidade de interconexão quase instantânea através de links,
não só entre partes de um mesmo texto, mas entre textos fisicamente
dispersos, localizados em diferentes suportes e arquivos integrantes
da teia de informação constituída pela Web.

Trata-se de um padrão de organização da informação até então não


utilizado na narrativa jornalística, sendo essencial buscar-se na teoria do
hipertexto, caminhos que possam subsidiar especulações sobre os formatos da
narrativa jornalística nessa nova situação de sua produção e consumo.
(MIELNICZUK; PALACIOS, 2002, online)

A hipertextualidade é uma das características fundamentais na


exploração do potencial oferecido no ambiente digital, pois proporciona ligações
entre blocos de informações por meio de links, permitindo ao usuário o acesso a

40
um consumo noticioso personalizado com um simples clique. Este “poder”,
conferido ao leitor, desencadeia determinadas ações que permitem interação.

A hipertextualidade é a principal característica, pois também permite o


acesso às demais características do jornalismo no meio digital (MIELNICZUK,
2003), principalmente à multimidialidade e à interatividade, possibilitando que os
jornalistas construam narrativas complexas e que os leitores explorem as
histórias contadas a partir de múltiplas perspectivas, enriquecendo a experiência
de leitura com o conteúdo, por meio da construção de diferentes percursos e da
exploração dos recursos narrativos hipermídia. Essas características aliadas à
memória e à personalização permitem incrementar o caráter documental das
notícias e valorizar os elementos que dão sentido ao conteúdo, fortalecendo as
histórias com aprofundamento, ampliação e contextualização dos fatos narrados.

A narrativa jornalística no espaço de escrita contemporâneo pode


assumir formas inovadoras e lançar mão de todas as suas
potencialidades, pois, conforme Fontcuberta e Borrat (2006), o
jornalismo no meio digital já é fruto de uma sociedade complexa, na
qual os acontecimentos não se desenrolam de maneira isolada e, por
isso, requerem narrativas ampliadas, rigorosas e contrastadas.

Estamos diante de uma sociedade em que os fenômenos sociais são


interligados e a simplificação da informação não dá conta de oferecer um
jornalismo de qualidade.

Segundo Fontcuberta (2006, p. 36, tradução nossa), o princípio da


simplificação “ou bem separa o que está ligado (disjunção) ou unifica o
que é diferente (redução). E, portanto, distorce”.

Dessa maneira, a produção jornalística funciona dentro de uma lógica


sistêmica fechada (regrada), onde não há articulação com fatos anteriores e
posteriores, cada assunto é abordado de maneira isolada, sem aprofundamento
e interpretação dos fatos. Para a autora, uma das exigências da sociedade é a
capacidade de previsão do presente.

E esse presente não pode ser enxergado com um olhar simplista, mas
com uma abordagem fundamentada de maneira teórica, interpretativa e
antecipatória.

41
A desagregação e a desarticulação de informações, a pouca profundidade
com que os temas são trabalhados pelo jornalismo e a busca pela simplificação
são práticas, de acordo com Fontcuberta (2006), do jornalismo atual.

Com base nessas práticas de separação e redução presentes na


maioria das pautas jornalísticas, Fontcuberta (2006) nomeia esse
modelo de “jornalismo mosaico”, que ocorre “quando um
acontecimento que necessita ser explicado de diversos ângulos
(político, econômico, social, etc.) se oferece de forma dispersa,
desagregado nas seções de economia, política, etc. em lugar de
oferecer ao leitor uma visão integral, suas implicações e suas
consequências”.

O jornalismo mosaico nos ajuda a entender o jornalismo onde os


conteúdos são fragmentados, atomizados e publicados sem nenhuma
hierarquização, os quais não contemplam a complexidade da sociedade.

Por outro lado, Fontcuberta (2006) aponta para a necessidade de


avançarmos do mosaico para o sistema, que é uma totalidade
complexa composta por partes diferentes que estão inter-relacionadas
e que interatuam numa organização. A autora defende que o jornalismo
tem que acompanhar a complexidade da sociedade, contemplar as
várias abordagens dos temas, articulá-los em um contexto e
estabelecer uma gama de interações entre os temas e os públicos,
contribuindo para que aos usuários construam sentido e interpretem a
realidade apresentada. Isso, segundo Fontcuberta, é o “jornalismo
sistema”, que é capaz de explicar “processos em que os fatos
aparentemente novos ou inesperados são as sucessivas pontas de
muitos icebergs sociais, cujas partes ocultas nunca foram
suficientemente mostradas”.

Essa complexidade só será atendida pelo jornalismo sistema, “que não


isole e desintegre os acontecimentos; que os contemple e os articule em um
contexto determinado e que estabeleça uma gama de interações com os
receptores que possa contribuir com a construção de sentido e a compreensão
da realidade.”

Para compreendermos a narrativa jornalística hipermídia que é desafiada


pelo jornalismo sistema a construir histórias contextualizadas e que reflitam essa

42
complexidade da sociedade, precisamos pensar e analisar a dinâmica que forma
essas histórias.

Partindo da Teoria do Hipertexto e da construção conceitual de


hipermídia, focaremos agora nossa atenção nos papéis que links e lexias
desempenham na construção da narrativa jornalística hipermídia, bem como nas
características do hipertexto pensadas a partir das lógicas que conjugam as
narrativas jornalísticas.

ELEMENTOS DA NARRATIVA JORNALÍSTICA HIPERMÍDIA


O link é, de acordo com a Teoria do Hipertexto, o elemento chave da
escrita hipertextual, aquele que permite a conexão entre as lexias. E as lexias
são unidades de leitura que expressam sentidos.

Os links e lexias formam a escrita hipertextual. Neste capítulo, queremos


refletir sobre a contribuição desses elementos nas narrativas jornalísticas
hipermídia. Nossa reflexão tem como base a Teoria do Hipertexto, aliando-a a
estudos do campo do jornalismo digital que discutem o papel de links e lexias na
configuração das informações jornalísticas.

O LINK NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA JORNALÍSTICA


HIPERMÍDIA
O link é o elemento diferencial da escrita hipertextual, que expande os
limites do texto, inserindo o leitor, de modo interativo, na complexidade da
narrativa constituída pelas lexias entrelaçadas e pelos potenciais caminhos.

A fragmentação da informação jornalística não é privilégio da escrita


hipertextual, como bem observa Mouillaud (1997), porque já no final do
século XIX, quando surgiu a necessidade dos jornais narrarem
acontecimentos do cotidiano, os textos foram fragmentados e
começaram a respeitar uma ordem imposta pela diagramação.

O diferencial do link na escrita hipertextual jornalística excede a


possibilidade apenas de fragmentação da informação e
multilinearidade da história. O link é o elemento inovador nesse espaço

43
de escrita por dois motivos destacados por Mielniczuk e Palacios
(2002): pela potencialização de características importantes ao
hipertexto como a intertextualidade - tanto na produção textual quanto
no percurso da história - e a multimidialidade - por meio da
disponibilização de códigos de várias mídias, interconectados entre si
de maneira que possibilitem a interação entre leitor e narrativa.

De acordo com Canavilhas (2012), o link é o fio condutor da história da


notícia, pois é o elemento que permite as várias maneiras de ler a
mesma notícia. Este elemento abre outras perspectivas para os
jornalistas contarem os acontecimentos jornalísticos, acrescendo
principalmente a intertextualidade e a multimidialidade às narrativas.

Além da multimidialidade, o link também possibilita outras características


do jornalismo digital, como a memória, a interatividade e a personalização da
informação.

No jornalismo no espaço de escrita digital, o acúmulo de informações é


mais viável técnica e economicamente, se compararmos com outras mídias, o
que agrega ainda uma facilidade maior de armazenamento e acesso às
informações, tanto no momento do consumo quanto da produção da história
jornalística.

A interatividade é outra característica relacionada com a utilização do link.


Por meio do link, o leitor pode escolher o caminho que quer seguir na narrativa,
selecionar a informação, fazer um vídeo rodar ou acessar infográficos animados
e interativos.

O link ainda oportuniza a personalização da informação, por meio das


escolhas que oferece, por exemplo, em um infográfico podemos filtrar
informações que nos interessam por meio das opções que nos são
disponibilizadas. Um link pode estabelecer a conexão direta entre leitores e
fontes, permitindo um grau de personalização no processo de busca de
informações (DIMITROVA et al., 2003).

O repórter pode disponibilizar nas reportagens os links das fontes de


informações nas quais os dados ou documentos foram acessados para
a produção do acontecimento jornalístico, com isso possibilita o acesso
direto a essas fontes, onde os leitores podem conferir a informação ou
selecionar outras, as quais os jornalistas não deram visibilidade. Para

44
De Mayer (2012), essa possibilidade acrescenta a credibilidade,
transparência e diversidade à informação jornalística. “O hipertexto
torna a notícia mais credível, conduzindo diretamente o leitor para mais
informação de fundo, a mais contexto, fatos e fontes”.

Os links permitem que ao visitar relatórios, arquivos antigos, documentos


oficiais e transcrição de entrevistas e declarações se comprove as informações
da reportagem, permitindo a compreensão do problema ou acontecimento com
mais profundidade (DIMITROVA et al., 2003).

Os links podem ainda aumentar a transparência. É mais uma


característica que agrega valor ao jornalismo no espaço de escrita digital,
permitindo rastrear o processo de coleta de informação e notícias, examinando
o material de origem por si (CODDINGTON, 2012).

A outra característica, apontada por De Mayer (2012), é a diversidade


de pontos de vista alternativos que pode ser ampliada com o jornalismo
no espaço de escrita digital, por conta do link. Pavlik (2005) corrobora
com essa ideia. Segundo ele, o link ajuda a expandir o quadro estreito
de notícias dos meios de comunicação tradicionais, permitindo ao
consumidor ver uma história de várias perspectivas ou pontos de vista.

Consideramos os links lentes através das quais entendemos algumas


dinâmicas que moldam o jornalismo neste espaço de escrita contemporâneo. Os
links são objetos aparentemente inócuos que indicam um dispositivo fértil,
através do qual se verifica a ampla variedade de mudanças de redação e
desafios para o jornalismo (ANDERSON, 2010).

Como elemento chave da redação para a internet, o link pode ter dois
objetivos principais: documental e narrativo (SALAVERRÍA, 2003).

As ligações documentais funcionam para estender e expandir a


informação, servindo como elementos de ligação entre alguns pontos
específicos dentro da história e permitindo que o leitor tenha acesso a mais
informações sobre o contexto de partes específicas da história; enquanto as
ligações narrativas têm uma função estilística e servem de apoio à escrita,
servindo como guia para os diferentes caminhos de leitura.

A partir desses dois objetivos, Salaverría (2003) identifica quatro


categorias de links relacionados aos conteúdos: links documentais,

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links de ampliação informativa, links de atualização e links de definição.
Os links também desempenham outras funções vitais para o
jornalismo.

Quando usado com todo o potencial, permite que os jornalistas forneçam


contexto e abram espaços para vozes alternativas (TREMAYNE, 2005),
proporciona que a produção de informação seja feita em camadas, onde cada
fragmento de informação pode ampliar a compreensão da história, quanto mais
profundo o leitor for dentro da narrativa (por meio dos links) mais aprofundada e
contextualizada será a informação.

Longhi (1998, p. 53) destaca que “os links até podem estar previstos
no corpo da obra pelo escritor do hipertexto, mas só terão efeito se
utilizados pelo leitor/usuário de forma a concretizar a informação”.

Por isso que Salaverría (2003) alude a necessidade de os jornalistas


incluírem a informação contextualizada. Isso quer dizer que na web,
como a informação não é delimitada por questões de espaço
(impresso) e de tempo (rádio e TV), o jornalista deve oferecer
informações qualificadas e aprofundadas, recheadas de contextos e
pontos de vista, porque a única questão que delimita a informação
jornalística no espaço de escrita digital é o interesse pela história.

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