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Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DÉCIMA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010587-64.2019.8.19.0211
Apelante: VIVIANE DE SOUZA (autora)
Apelado: LIBBS FARMACÊUTICA LTDA. (réu)
Relatora: Desembargadora PATRICIA RIBEIRO SERRA VIEIRA

APELAÇÃO CÍVEL. Ação pelo procedimento comum, com pedidos de


pensionamento e de indenização por danos material e moral. Alegação de
vício do medicamento contraceptivo utilizado pela autora (Pozato®uni
(levonorgestrel), fabricado pelo laboratório réu, por não ter evitado a
gravidez da autora. Sentença de improcedência. Irresignação da autora.
Relação de consumo. Preliminares de deficiência de fundamentação do
julgado e cerceamento de defesa motivadamente rejeitadas. Revelia
caracterizada na espécie, que acarreta presunção relativa de veracidade dos
fatos alegados pela autora. Fabricante que informa na bula do fármaco em
questão, de forma clara, precisa e/ou suficiente, o índice de falha possível.
Exames de ultrassonografia obstétrica morfológica trazidos pela própria
autora, que se mostraram aptos a afastar o nexo de causalidade no caso
posto, porquanto legitimada a conclusão de que, no dia de consumo do
fármaco indicado pela autora, ela já estava grávida. Aplica-se, à espécie,
portanto, o enunciado nº 330 da súmula de jurisprudência deste Tribunal de
Justiça, pois os princípios facilitadores da defesa do consumidor em juízo,
notadamente o da inversão do ônus da prova, não exoneram o autor do
ônus de fazer, a seu encargo, prova mínima do fato constitutivo do alegado
direito. Artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. Precedentes.
RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

DECISÃO
(Fundamentação legal: artigo 932, inciso IV, a, do CPC)

1. Trata-se de ação pelo procedimento comum (emenda no índice 62,


recebida no índice 77), com pedidos de indenização por danos material, moral e
pensionamento, ajuizada pela apelante contra o laboratório apelado, sob a alegação de
que, após mantida relação íntima com seu companheiro, em 8/2/2019, percebeu ruptura
no preservativo então utilizado, razão pela qual fez uso do contraceptivo de emergência
nominado Pozato® uni (levonorgestrel, conhecido como pílula do dia seguinte),
fabricado pelo réu, no entanto, engravidou. Requer, liminar e definitivamente, seja
condenada a pessoa jurídica ré ao pagamento de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais),

10ª Câmara Cível – AP nº 0010587-64.2019.8.19.0211 – fl.1

PATRICIA RIBEIRO SERRA VIEIRA:31932 Assinado em 15/07/2022 14:25:35


Local: GAB. DES(A). PATRICIA RIBEIRO SERRA VIEIRA
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a título de despesas com pré-natal, pós-parto, medicamentos que se fizerem


necessários, além dos custos com enxoval e mobiliário do nascituro. Afinal, puna seja
condenado, ainda, ao pagamento de indenização, tanto por dano moral, no valor de
R$90.000,00 (noventa mil reais); como material, de R$3.700,00 (três mil e setecentos
reais), pelas consultas médicas e fármacos necessários ao acompanhamento da
gestação; bem como, no pensionamento mensal correspondente a dois salários-
mínimos, até a conclusão do curso universitário de seu filho.

2. Decisão de indeferimento da tutela provisória de urgência (índice 77).

3. Sentença de improcedência, no índice 153, sob o fundamento de que


ausente nexo de causalidade, posto que, da análise da prova documental produzida,
especificamente os exames, se denota que a gestação foi concebida entre 15/01/19 e 29/1/2019.
(...) os fatos relatados pela autora ocorreram no dia 08/02/2019, quando a autora já estava
grávida. Condenada a autora ao pagamento de custas judiciais, observado o artigo 98,
§3º, do Código de Processo Civil.

4. Apelo da autora, no índice 192, com arguição das preliminares de


cerceamento de defesa, pela não produção de prova pericial, e de deficiência de
fundamentação ado julgado. No mérito, sustenta que: (i) insuficiente a contagem de
tempo levada a efeito na fundamentação da sentença recorrida; (ii) estar demonstrado o
fato de o medicamento em questão não possuir a eficácia esperada. Requer, então, seja
anulada a sentença, para que produzida a prova pericial, que entende devida; ou, caso
se entenda madura a causa para julgamento, seja o julgado reformado, com a
consequente procedência integral da pretensão inicial deduzida. Sem contrarrazões,
conforme certificado no índice 218.

COM O RELATÓRIO, PASSO A DECIDIR.

5. O recurso é tempestivo e estão presentes os requisitos à sua


admissibilidade, em virtude do que deve ser conhecido.

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6. De início, rejeito a arguição de deficiência de fundamentação, sendo


certo que, no julgado impugnado, foram manifestamente atendidos os requisitos taxados
no artigo 489 do Código de Processo Civil.

7. Ainda em sede preliminar, afasto a arguição de cerceamento de defesa


arguida pela autora. Isso porque, na forma do que dispõe o artigo 370 do Código de
Processo Civil, o juiz é o destinatário das provas, cabendo-lhe, em regra, decidir quais
as diligências necessárias à instrução do feito e à formação de seu livre convencimento.
Portanto, é ato que se inclui na esfera de valoração do magistrado que conduz o
processo, sendo possível entender pela desnecessidade da produção das que
eventualmente requeridas, e sem incidir em cerceamento de defesa.

8. No mérito, cinge-se a controvérsia recursal, tal como relatado, sobre se


comprovada, ou não, a falha na prestação do serviço do laboratório réu, por alegada
ineficiência do medicamento Pozato® uni (levonorgestrel - pílula do dia seguinte), ao não
evitar a gravidez da autora, após manter relacionamento íntimo em 8/2/2019.

9. A relação jurídica travada entre as partes, na sua origem, é de consumo,


enquadrando-se a autora no conceito de consumidor e o réu, no de fornecedor de
serviços, respectivamente, na forma e conteúdo dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa
do Consumidor.

10. O artigo 14 do CODECON atribui responsabilidade objetiva ao fornecedor


de serviços, o qual somente não responderá pelos danos causados se provar a
inexistência do defeito ou fato exclusivo do consumidor ou de terceiro (artigo 14, § 3º,
incisos I e II).

11. O Código de Defesa do Consumidor, como sabido, ao tratar da questão


atinente à responsabilidade do fornecedor, diferencia o fato do produto (artigo 14) do
vício do produto (artigo 18), estabelecendo, inclusive, prazos distintos para o(a)
consumidor reclamar.

12. Na espécie, apesar de o réu figurar como revel (índice 101), segue
reiterada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que relativos os

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efeitos da revelia a não acarretar a procedência automática do pedido, devendo o(a)


magistrado(a) analisar as alegações do autor e a prova dos autos. A propósito:

(...) Os efeitos da revelia não abrangem as questões de direito, tampouco


implicam renúncia a direito ou a automática procedência do pedido da parte
adversa. Acarretam simplesmente a presunção relativa de veracidade dos fatos
alegados pelo autor (CPC, art. 319). (...) (AgInt no AREsp. 1.352.507/SP, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2021, DJe
17/11/2021)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PROVA DOS FATOS
CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR. AUSÊNCIA. (...) REVELIA.
PRESUNÇÃO RELATIVA. (...) O Tribunal de origem concluiu pela ausência de
prova mínima dos fatos constitutivos do direito do autor. Alterar esse
entendimento demandaria o reexame das provas, o que é vedado em recurso
especial. 3. O Superior Tribunal de Justiça entende que os efeitos da revelia são
relativos e não acarretam a procedência automática do pedido, devendo o
magistrado analisar as alegações do autor e a prova dos autos. (...) (AgInt no
AREsp. 1.679.845/GO, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA
TURMA, julgado em 28/9/2020, DJe 1º/10/2020)

13. No caso posto, infiro, por primeiro, que a bula do fármaco sub judice
consigna, de forma clara e/ou precisa, que o produto não possui 100% (cem por cento)
de eficácia, muito ao contrário, no seu item 2, nominado resultados de eficácia,
esclarece que (índice 67):

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14. De outro viés, os exames de ultrassonografia obstétrica morfológica,


trazidos aos autos pela própria autora (fl. 28 do índice 26 e fl. 32 do índice 31), permitem

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avaliar o desenvolvimento do bebê, e elucidam a controvérsia, pois legitimada a


conclusão do julgado, no sentido de que, em 8/2/2019, data da dita ocorrência lesiva, a
autora já estava grávida, pondo-se em destaque:

15. Nesse contexto, merece ser mantida a sentença de improcedência,


porque não logrou a autora êxito em comprovar os fatos constitutivos de seu direito
(artigo 373, inciso I do Código de Processo Civil), conforme o enunciado nº 330 da
súmula de jurisprudência deste Tribunal de Justiça ao presente caso, pois os princípios
facilitadores da defesa do consumidor em juízo, notadamente o da inversão do ônus da
prova, não exoneram o autor do ônus de fazer, a seu encargo, prova mínima do fato
constitutivo do alegado direito. Confira-se:

Trata-se de agravo nos próprios autos (..) contra decisão que inadmitiu o recurso
especial. O acórdão recorrido está assim ementado (...): "RESPONSABILIDADE
CIVIL CASO DO ANTICONCEPCIONAL INEFICAZ DA SCHERING -
INEXISTÊNCIA DE PROVA DA INGESTÃO - IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA".
(...) O acórdão recorrido consignou que (...): "No entanto, no presente caso, não
se vislumbra o nexo de causalidade entre a conduta da apelada (distribuição de
anticoncepcionais ineficazes) e o alegado dano (gravidez indesejada). (...) Além
disso (...) ela disse que a gravidez ocorreu em abril, tanto que, segundo seu
depoimento, parou nesse mês de tomar o anticoncepcional. Entretanto, a
ultrassonografia de fls. 8 mostra que a data da concepção foi entre quatro e dez
de maio". (...) (AREsp n. 194.649, Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de
13/8/2012.)

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO. AÇÃO


INDENIZATÓRIA C/C PENSIONAMENTO ATÉ A MAIORIDADE DO RECÉM-
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NASCIDO. MÉTODO CONTRACEPTIVO DE EMERGÊNCIA (PÍLULA DO DIA


SEGUINTE). ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO PRODUTO POR NÃO TER EVITADO A
GRAVIDEZ. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS
AUTORAIS. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. Mesmo em sede de
responsabilidade objetiva, constitui ônus do consumidor a comprovação do fato
descrito na inicial, o dano e o nexo causal entre aqueles dois elementos, a teor do
disposto no artigo 373, I do CPC, o que não ocorreu no caso em tela. Cuida-se de
ação proposta pela consumidora em face das empresas farmacêuticas rés,
objetivando indenização por danos morais, materiais e estéticos, além de pensão
mensal de 3 salários mínimos, até o recém-nascido completar 21 anos de
idade, em razão de alegada falha de eficiência do contraceptivo de emergência
DIAD (pílula do dia seguinte), que não evitou a gravidez da autora, após manter
relação sexual sem o uso de preservativo. Fabricante da medicação informou, de
forma clara e suficiente, o índice de falha previsto, conforme se infere da bula do
contraceptivo. Assim como, cediço que pode haver redução da eficácia de
qualquer medicação em razão do uso incorreto ou de outros fatores como
interações medicamentosas, ou mesmo o momento da ovulação, em que não há
como impedir a concepção, caso a mulher já esteja ovulando, uma vez que a
pílula do dia seguinte age inibindo o início da ovulação. Desse modo, plenamente
aceitável que se tenha um índice de falha em relação à eficácia da medicação. A
gravidez não decorreu de vício ou defeito do produto, como acertadamente
fundamentado pelo magistrado de primeiro grau, de uma limitação de sua eficácia
devidamente esclarecida na bula. Ausência de falha na prestação dos serviços
das rés, não se justificando o acolhimento de qualquer dos pedidos contidos na
inicial. Inteligência do art. 14, § 3º, I, do CDC. Sentença que não merece reforma.
RECURSO DESPROVIDO. (0026383-08.2017.8.19.0004 - APELAÇÃO. Des(a).
FABIO UCHOA PINTO DE MIRANDA MONTENEGRO - Julgamento: 9/6/2022 -
DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL)

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE


LABORATÓRIO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRACEPTIVO DE
EMERGENCIA. PÍLULA DO DIA SEGUINTE. FATO DO PRODUTO. GRAVIDEZ
INDESEJADA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTENTE. 1- Gravidez
decorrente de suposta ineficácia do medicamento Prozato-Uni, conhecido como
"pílula do dia seguinte". 2- Prova nos autos que atestam a regular qualidade do
produto consumido pela autora. 3- A contracepção de emergência é um método
que segundo as melhores referencias equivale a uma eficácia de 98/99%, não
existe método de contracepção 100% eficaz e seguro que não possa apresentar
falha. 4Sabe-se que, tudo na medicina, assim como todo medicamento contém
margens de risco e de falhas que não podem ser controladas pelo médico ou
cientista, o mesmo ocorrendo com o contraceptivo "Prozato-Uni". (...). A
desinformação da própria paciente, pois muito embora conste na embalagem que
a venda deve ser feita sob prescrição médica, ingeriu o medicamento sem antes
procurar um médico especialista a fim de se certificar se àquele método era o
mais apropriado. 7- Não há prova nos autos indicando que o contraceptivo tenha
se apresentado como produto defeituoso, capaz de frustrar as expectativas da
Autora. 8- Ausência de nexo de causalidade entre o uso do medicamento e a
gravidez. 9- Não logrou êxito a apelante em comprovar o fato constitutivo do seu
direito, nos termos do que dispõe o art. 333, inciso I, do CPC. 10- Recurso que se
conhece. 11- Negativa de Seguimento, na forma do art. 557, caput do CPC.

10ª Câmara Cível – AP nº 0010587-64.2019.8.19.0211 – fl.7


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(0086881-22.2007.8.19.0004 - APELAÇÃO. Des(a). TERESA DE ANDRADE


CASTRO NEVES - Julgamento: 10/12/2010 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

16. Pelo exposto, com fundamento no artigo 932, inciso IV, alínea a, do Código
de Processo Civil, NEGO PROVIMENTO ao recurso, sem majoração da verba honorária
recursal, à míngua de condenação na origem.

Publique-se.

Rio de Janeiro, 15 de julho de 2022.

Desembargadora PATRICIA SERRA


RELATORA

10ª Câmara Cível – AP nº 0010587-64.2019.8.19.0211 – fl.8

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