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HISTÓRIA

MUSEOLOGIA E
ARQUIVÍSTICA

Maria de Lourdes Cardoso Silva Santos


MUSEOLOGIA E ARQUIVÍSTICA

Profª. Ms. Maria de Lourdes C. S. Santos


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ............................................................................................................. 3


PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................................... 5
Unidade 01. O que é um Museu? ............................................................................................................ 7
Unidade 02. O que é um Arquivo?....................................................................................................... 12
Unidade 03. Relação Museu, Arquivo e História ............................................................................ 15
Unidade 04. Conceito e Função social do museu .......................................................................... 22
Unidade 05. Museus, desenvolvimento e mudança ...................................................................... 26
Unidade 06. Museu: Patrimônio cultural ........................................................................................... 30
Unidade 7. Museologia, escola e ensino de História .................................................................... 35
Unidade 08. Museu e escola: educação formal e não-formal. .................................................. 39
Unidade 09. Programas educativos do museu................................................................................ 43
Unidade 10. Tipos de museu .................................................................................................................. 48
Unidade 11. Tipos de acervos ................................................................................................................ 53
Unidade 12. Arquivo e memória ........................................................................................................... 56
Unidade 13. Conceito de documento ................................................................................................. 62
Unidade 14. Documento e sua função no ensino da História ................................................... 72
Unidade 15. Tipologias documentais.................................................................................................. 81
Unidade 16. Arquivos – princípios da organização do arquivo ................................................ 87
Unidade 17. Arquivos – A gestão dos documentos ...................................................................... 92
Unidade 18. A gestão pública de documentos ............................................................................... 97
Unidade 19. Perspectivas Contemporâneas para o arquivo .................................................... 102
Unidade 20. Perspectivas Contemporâneas para o Museu ...................................................... 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 113

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Olá prezado aluno

É grande a satisfação em tê-lo conosco no Curso de História em


Educação a Distância da UNAR.

A nossa proposta para os estudos nessa disciplina está organizada em


temas que serão desenvolvidos em nove unidades, além de atividades de

aprofundamento que auxiliarão na compreensão dos conceitos e oportunizarão


reflexões sobre a importância dessa disciplina na formação do professor de

História.
Os conteúdos em Museologia e arquivística ajudarão a ampliar as

possibilidades para o ensino dos conceitos históricos. Para atingir nossos


objetivos os estudos estão organizados em eixos temáticos versando,

primeiramente, sobre a origem dos conceitos de museu, museologia; arquivo


e arquivística.

A partir da compreensão da importância desses dois conceitos


trabalharemos a função social do museu como instituição que expressa os
conflitos ideológicos de diferentes épocas e sociedades; o museu como
patrimônio cultural que revela o campo dos tensionamentos sociais e dos

interesses hegemônicos, bem como espaço potencial de produção de


cidadania; a Museologia e sua relação com o ensino de História na Educação

Básica, apresentando as possibilidades do museu como produtor de educação


não formal e importante parceiro da escola e dos professores nos processos

educativos; as possibilidades de programas educativos em museus com


evidências de práticas importantes para estudos interdisciplinares; Tipos de

museu, acervos, temáticas e recursos museográficos revelando o vasto campo


que pode contribuir com o trabalho do professor de história; arquivo e

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memória instigando a percepção desse espaço como possibilidade de

preservação da memória social; o documento e sua função para o ensino de


História ilustrando com exemplos as suas formas de utilização como recurso

didático; as formas de organização dos arquivos oportunizando o diálogo


entre técnicas e potencialidades para o ensino e, finalmente, algumas

perspectivas para essas duas instituições na sociedade contemporânea.


Como você já sabe, o ensino por meio da EAD é um recurso inovador e

muito importante na sociedade atual. É bastante flexível, dinâmico e permite ao

aluno adequar suas condições de vida e de trabalho à formação acadêmica. No


entanto, ressaltamos que é fundamental o estabelecimento de uma rigorosa

disciplina de estudos que concilie as leituras e a realização de todas as


atividades complementares. Afinal, o que está em jogo é a qualidade da sua

formação.
Bom estudo.

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PROGRAMA DA DISCIPLINA

Ementa
Importância da arquivística e museologia na preservação do patrimônio

histórico cultural para a manutenção da memória histórica. Estrutura de um


museu e seu acervo. Conceitos de informação e documento arquivístico.

Elementos que compõe o documento e a necessidade de estabilidade da


memória. Conceitos, finalidades e tipos de museus. Formas de constituição,

organização e custódia do acervo museológico e seus arquivos. Relação do


museu com a comunidade.

Objetivos

- Contribuir para que os estudantes conheçam os conceitos de museu e


arquivo e suas contribuições para o estudo da história.

- Identificar os museus e os arquivos como espaços de preservação da


memória documental das sociedades.

- Subsidiar o processo formativo com conhecimento sobre acervos e suas


formas de preservação.

- Identificar a relação entre acervo, memória e história.

Programa da Disciplina
 O ponto de partida – documento, acervo e memória

 Conceito e Função social do museu


 Patrimônio cultural

 Museologia, escola e ensino de história


 Programas educativos do museu

 Tipos de museu, acervos, temáticas e recursos museográficos


 Arquivo e memória

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 Documento e sua função no ensino de história

 Acervo – tipologias
 Arquivos – conceitos, finalidades e formas de organização.

Bibliografia Básica para o aluno

BOURDIEU, Pierre; DARBEL, Alain. O AMOR PELA ARTE: Os Museus de Arte na


Europa e Seu Público. 2ª Edição. São Paulo: EDUSP. Co-Editora(s): Ed. Zouk,

2008.

CHOAY, Francoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, S/D.


SANTOS, Fausto H. Metodologia aplicada em museus. São Paulo: Mackenzie,

2000.

Bibliografia Complementar para o aluno


Coleção Série Museologia – EDUSP

Governo do estado de São Paulo. Manual de orientação museológica e


museográfica. 2ª Ed. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1987.

ALMEIDA, Maria Christina B. de (Coord.). Bibliografia sobre museus e


museologia. Série Museologia. Vol.1I. São Paulo: USP/CPC, 1997.

ARAÚJO, Marcelo M.& Bruno, Maria Cristina O. (Orgs.). A memória do


pensamento museológico contemporâneo: documentos e depoimentos.

São Paulo: Comitê brasileiro de ICOM, 1995.


BELLOTTO, Heloisa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental.

São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.


FONSECA, Maria Odila. Informação, arquivos e instituições arquivísticas.

Arquivo e administração, Rio de Janeiro, V. 1, p. 33-44, jan/jun, 1998.


ROUSSEAU, Jean-Yves; COUTURE, Carol. Os fundamentos da disciplina

arquivística. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1998.

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UNIDADE 01. O QUE É UM MUSEU?

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


O propósito é demonstrar como é importante para a formação do professor de

História conhecer o significado da instituição museu e como essa instituição


poderá contribuir para o ensino e a produção do conhecimento Histórico.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A primeira etapa desse processo é identificar nosso ponto de partida, ou

seja, responder a questões simples, porém muito importantes.

O que é um Museu?

“O museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da

sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que promove pesquisas


relativas aos testemunhos materiais do homem e do seu ambiente, adquire-os,

conserva-os, comunica-os e expõe-nos para estudo, educação e prazer” (conceito


de museu do Conselho Internacional dos Museus – ICOM)
O Museu é um espaço onde todos podem ir, que recolhe, estuda e conserva

os objectos que depois são apresentados em exposição. O trabalho desenvolvido


pelo Museu, permite a criação de uma identidade cultural, assumindo o

património um significado especial – os objectos contam-nos histórias, revelam-


nos o quotidiano das pessoas, falam-nos das alegrias e preocupações doutros

tempos.
Disponível em: http://museudebenavente.wordpress.com/2006/10/06/o-que-e-um-museu/

O museu ainda é, em grande medida, entendido como um lugar no qual


se “depositam” objetos antigos e, por isso, ambientes formais e desprovidos de

atrativos para a maioria da população.


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Para superar essa visão equivocada é importante destacarmos que o

museu é uma instituição muito antiga e, como todas as demais instituições,


assimila e expressa as condições sociais nas quais é produzido. Ou seja, é

resultado de ação social e cultural.


Como sua finalidade é ser depositário do patrimônio cultural (material e

imaterial) das sociedades, carrega em si um grande potencial para os estudos


na área da história. Por essa razão, tem aumentado o interesse por seu estudo

como ambiente de aprendizagens.

Com a ajuda de um importante historiador francês, Pierre Bourdieu, é


possível afirmar que os museus são espaços fundamentais para a compreensão

histórica, uma vez que contêm verdadeiras riquezas culturais que revelam
aspectos imprescindíveis para o entendimento de diferentes sociedades em

épocas distintas. Ao mesmo tempo, carregam em si uma contradição muito


grande, uma vez que não conseguem, na grande maioria dos casos, estar

plenamente disponíveis para as diferentes classes sociais.


Veja o que Bordieu afirma:
A estatística revela que o acesso às obras culturais é privilégio da classe culta;
no entanto, tal privilégio exibe a aparência da legitimidade. Com efeito, nesse

aspecto, são excluídos apenas aqueles que se excluem. Considerando que

nada é mais acessível do que os museus e que os obstáculos econômicos –


cuja ação é evidente em outras áreas – têm aqui, pouca importância, parece

que há motivos para invocar a desigualdade natural das “necessidades


culturais”. Contudo, o caráter autodestrutivo dessa ideologia salta aos olhos:

se é incontestável que a nossa sociedade oferece a todos a possibilidade pura

de tirar proveito das obras expostas nos museus, ocorre que somente alguns
têm a possibilidade real de concretizá-la. (BORDIEU; DARBEL, 2007, P. 37).

Como você pode observar, embora exista um grande potencial nos


museus, uma vez que são espaços consagrados e depositários da nossa cultura,

ainda existem muitos entraves na forma como esses espaços precisam ser
disponibilizados para as pessoas de todas as classes sociais.

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Assim, dada as preocupações inerentes ao curso de formação de

professores de História, a análise da importância da instituição museu e de


como ela pode estar acessível para a sociedade e ser grande colaboradora dos

processos de educação não-formal também precisa ser objeto do nosso estudo.


Podemos depreender que o museu deve ser o lugar social valorizado

pela sua capacidade de realizar mediações culturais e, por essa razão, é de


fundamental importância o estudo da museologia, ou seja, a ciência da

organização dos museus.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Definição de Museu
Qui, 20 de Janeiro de 2011 21:09 Bianca Costa

Segundo o ICOM (Comitê Internacional de Museus) na definição

aprovada pela 20ª Assembléia Geral. Barcelona, Espanha, 6 de julho de 2001:


Instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do

seu desenvolvimento, aberta ao público e que adquire, conserva, investiga,


difunde e expõe os testemunhos materiais do homem e de seu entorno, para
educação e deleite da sociedade.
Além das instituições designadas como “Museus”, se considerarão

incluídas nesta definição:


 Os sítios e monumentos naturais, arqueológicos e etnográficos;

 Os sítios e monumentos históricos de caráter museológico, que


adquirem, conservam e difundem a prova material dos povos e de seu

entorno;
 As instituições que conservam coleções e exibem exemplares vivos de

vegetais e animais – como os jardins zoológicos, botânicos, aquários e


vivários;

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 Os centros de ciência e planetários;

 As galerias de exposição não comerciais;


 Os institutos de conservação e galerias de exposição, que dependam de

bibliotecas e centros arquivísticos


 Os parques naturais;

 As organizações internacionais, nacionais, regionais e locais de museus;


 Os ministérios ou as administrações sem fins lucrativos, que realizem

atividades de pesquisa, educação, formação, documentação e de outro

tipo, relacionadas aos museus e à museologia;


 Os centros culturais e demais entidades que facilitem a conservação e a

continuação e gestão de bens patrimoniais, materiais ou imateriais;


 Qualquer outra instituição que reúna algumas ou todas as características

do museu, ou que ofereça aos museus e aos profissionais de museus os


meios para realizar pesquisas nos campos da Museologia, da Educação

ou da Formação.

Segundo o Departamento de Museus e Centros Culturais - IPHAN/MinC -


outubro/2005 O museu é uma instituição com personalidade jurídica própria ou

vinculada a outra instituição com personalidade jurídica, aberta ao público, a


serviço da sociedade e de seu desenvolvimento e que apresenta as seguintes

características:
I - o trabalho permanente com o patrimônio cultural, em suas diversas

manifestações;
II - a presença de acervos e exposições colocados a serviço da sociedade com o

objetivo de propiciar a ampliação do campo de possibilidades de construção


identitária, a percepção crítica da realidade, a produção de conhecimentos e

oportunidades de lazer;
III - a utilização do patrimônio cultural como recurso educacional, turístico e de

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inclusão social;

IV - a vocação para a comunicação, a exposição, a documentação, a


investigação, a interpretação e a preservação de bens culturais em suas diversas

manifestações;
V - a democratização do acesso, uso e produção de bens culturais para a

promoção da dignidade da pessoa humana;


VI - a constituição de espaços democráticos e diversificados de relação e

mediação cultural, sejam eles físicos ou virtuais.

Sendo assim, são considerados museus, independentemente de sua

denominação, as instituições ou processos museológicos que apresentem as


características acima indicadas e cumpram as funções museológicas.

Referência

IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus. Disponível em:


<http://www.museus.gov.br/ibram/pag/oquemuseu.asp> Acesso: 20 jan. 2011.
Disponível em: http://museuhoje.com/app/v1/br/menu-museus/56-definicaodemuseu

INDICAÇÃO DE LEITURAS
Princípios básicos da Museologia. Disponível no endereço eletrônico

http://www.cosem.cultura.pr.gov.br/arquivos/File/downloads/p_museologia.pdf

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UNIDADE 02. O QUE É UM ARQUIVO?

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


O propósito é demonstrar como é importante para a formação do

professor de História conhecer o significado da instituição arquivo e como essa


instituição poderá contribuir para o ensino e a produção do conhecimento

Histórico.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A ideia de arquivo nos leva a pensar em classificações e padronizações
para garantir que documentos1 possam ser preservados e, dessa forma,
garantam a manutenção da memória das sociedades, instituições e demais
formas de organização dos agrupamentos humanos.

Uma vez a essência do arquivo está voltada para a preservação de


documentos é possível inferir que sua finalidade pode estar orientada para dois

eixos: servir à administração e ser fonte para o conhecimento e pesquisa no


campo da história.

Como se vê, à semelhança do papel social do museu, o arquivo também


se presta a cuidar da manutenção da memória da sociedade.

Castro (1988. P. 20) define arquivo como


Um conjunto de documentos; organicamente acumulados; produzidos ou

recebidos por pessoa física e instituições públicas ou privadas, em decorrência

do exercício de atividade específica, qualquer que seja o suporte da


informação ou a natureza do documento.

1
Documento, como estudaremos na unidade 08, é toda forma de registro que possibilita suporte para a informação. Por
essa razão podemos considerar que existem várias formas de documentos (registros escritos – livros, folhetos, revistas,
relatórios entre outros, fita magnética, disco, microfilme, monumentos e demais formas de registro da produção
humana em diferentes tempos e sociedades)

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O estudo do arquivo pode ser conduzido por caminhos diferentes: a

arquivologia e a arquivística.
A arquivologia ocupa-se do estudo da ciência e da organização dos

arquivos. Busca uma ampla visão do conhecimento dessa área e inclui conceitos
teóricos e práticos.

A arquivística tem como objeto de estudo o conhecimento da natureza


dos arquivos e das teorias, métodos e técnicas a serem observados na sua

constituição, organização, desenvolvimento e utilização.

É por meio da arquivística que se produzem as condições conceituais


para o acesso à informação contida nos arquivos. Esse procedimento é

imprescindível e ajuda nos processos de tomada de decisões, bem como


contribui para o satisfatório funcionamento da administração de instituições

públicas e privadas.
Por essa razão, torna-se especialmente importante para o historiador,

pois permite que, conhecendo técnicas básicas de organização e preservação


dos documentos, tenha maiores condições para desenvolver seus estudos no

campo da História.
É importante lembrar que tais técnicas também ajudam muito no

trabalho do professor, à medida que contribuem para a classificação de


referências documentais e organização de dados para o desenvolvimento das

atividades e projetos escolares.

BUSCANDO SABERES
INDICAÇÃO DE LEITURAS
Como Implantar Arquivos Públicos Municipais de autoria de Helena Corrêa

Machado e Ana Maria de Almeida Camargo. Disponível no endereço eletrônico


http://www.arqsp.org.br/arquivos/oficinas_colecao_como_fazer/cf3.pdf

13
Disponível em:

http://www.professordarlan.com.br/arquivos/ARQUIVOS_CONCEITOS_PRINCIPIOS.pdf

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UNIDADE 03. RELAÇÃO MUSEU, ARQUIVO E HISTÓRIA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Identificar as possibilidades de potencializar a relações entre as

instituições museu, arquivo e escola, com vistas a ampliar as situações de


aprendizagem para o ensino da História.

ESTUDANDO E REFLETINDO
É longa a trajetória que aproxima os museus das dinâmicas escolares.

Vários estudos indicam que os estudantes tem sido um dos públicos mais
expressivos, que frequentam os museus.

No caso do Brasil as ações mais comuns de interação entre a instituição


escolar e os museus acontecem por meio de visitas, que buscam complementar

os estudos iniciados em sala de aula.


Essa interação é percebida por parte das instituições museológicas uma

vez que é possível notar crescentes investimentos em serviços de apoio, como


monitorias e projetos educacionais, voltados especificamente para o público

escolar.
No entanto, existe uma crítica à possibilidade de ações de “escolarização”

das ações museológicas. Corrobora com esse entendimento de que os museus


avançam para os caminhos da escolarização, os postulados de Meneses ao

afirmar que:
(...) museus importantes do país costumam receber levas e mais levas de

escolares cuja missão, imposta por seus mestres e passivamente aceita pelos

responsáveis da instituição, é simplesmente copiar legendas, etiquetas e


textos de painéis... Para tanto, não teria sido necessário deslocar-se da escola.

Aquilo de específico que caracterizaria o museu – e que falta à escola – perde,

assim, qualquer serventia. E se desperdiça a oportunidade ímpar de aproveitar


para a educação esse espaço que é domínio das coisas materiais e não da

palavra, principalmente escrita (MENESES, 2000, p. 99).

15
Esse movimento ganha expressividade com o significativo aumento, não
apenas da adequação das estruturas para o atendimento dos escolares como

também, na oferta de cursos de aperfeiçoamento para professores da educação


básica, além de projetos comuns e parcerias que mobilizam tanto os museus

como as escolas.
Essa interatividade, sem dúvida, gera um movimento dinâmico que

oportuniza tanto as instituições escolares quanto os museus a repensarem seus


programas e linguagens, de forma a se tornarem mais acessíveis para a

população escolar.
No entanto, é importante se destacar que essa relação exige um

movimento de interpretação dos diferentes papeis formativos que cabem a


escola e ao museu.

BUSCANDO CONHECIMENTO
A pesquisa realizada por Mariana de Queiroz Bertelli, intitulada
“Identidades, imagens e papéis museais nos discursos institucionais sobre a

relação museu-escola”, traz importantes argumentos para entendermos melhor


essa relação entre museu e instituição escolar. O fragmento reproduzido a

seguir nos ajuda nessa compressão. Leia-o com atenção:

[...]
Especificidades e aproximações entre escola e museu

(...) a educação se realiza em vários ambientes sociais e culturais (...) é


necessária e urgente a ampliação do debate entre as instituições e os diferentes

sujeitos de ação educativa (PEREIRA et al. 2007, p. 13).


Escola e museu são lugares educativos e de estratégias educativas.

Possuem objetivos comuns como educar, facilitar o acesso à cultura, socializar,

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favorecer a prática da cidadania, formar indivíduos críticos, criativos e

autônomos (CABRAL, 2005). Além dessas semelhanças, estudos têm apontado


características que os diferenciam, enfatizando suas especificidades e suas

lógicas próprias de organização e funcionamento (MARANDINO, 2001; 2008;


PEREIRA et al., 2007; ASENSIO; POL, 2007). Os conceitos de educação formal,

não-formal e informal, têm sido trabalhados nessa perspectiva. Caracterizados


como espaços de educação não-formal, os museus apresentariam uma forma

própria de desenvolver sua dimensão educativa, diferente das experiências

formais realizadas nas escolas (MARANDINO, 2008).


Essa forma diferenciada de educar, entretanto, nem sempre tem sido

encontrada nos museus. Muitas instituições, ao se preocuparem com a


educação, buscam na escola os referenciais para desenvolver suas atividades

(MARANDINO, 2001). Existem, por exemplo, ocasiões em que as exposições e


práticas educativas dos museus sofrem influência tão forte da cultura escolar

que perdem suas especificidades.


Um grande número de autores vem destacando essas perdas de

especificidades como conclui Triquet (2000) ao fazer uma revisão sobre o tema.
Para este autor, somente nos anos 1970, notadamente em investigações

estadunidenses, a pesquisa no espaço museal inicia a problematização de um


eixo educativo. Van-Praët e Poucet (1992), ao estudarem os obstáculos

enfrentados nos projetos de colaboração entre as escolas e os museus, afirmam


que diante da cultura escolar de privilegiar a avaliação de performance dos

alunos, os museus minimizam seus objetivos de sensibilização e prazer:


[...] Certa propensão existe de fato, dentro dos serviços educativos dos

museus, de reproduzir, equivocadamente, a escola no museu. Trata-se tanto


da tendência de apoiar os temas das exposições nos programas escolares,

quanto transformar certos espaços expositivos em sala de aula, alguns

protocolos de visitas em páginas de leitura ou substituir um mediador pelo


professor, enquanto as soluções deveriam ser de procurar formas de

complementaridade e de parceria (VAN-PRAËT; POUCET, 1992, p. 2 ).

17
Nesse momento algumas discussões sobre complementaridade e
parceria ainda tratavam esses termos como similares. O avanço dos estudos

sobre essas questões trouxe novos usos e a idéia de complementaridade como


incorporação de métodos escolares ganhou legitimidade.

De acordo com Lopes (1991), em meados das décadas de 1980/90 ainda


havia uma incompreensão, por parte dos museus, de que sua proposta

educativa é diferente da proposta da escola. Assim, neles acabava-se

priorizando o discurso verbal e utilizando-se o objeto apenas como ilustração


de programas disciplinares. De acordo com a autora, o abandono da dimensão

educativa e cultural do museu e a acomodação com os métodos da educação


escolar tradicional estariam provocando a escolarização3 dessa instituição. Além

do museu, percebe-se um reflexo desse fenômeno em outros contextos


educativos. A escola e a escolarização têm influenciado sobremaneira a visão

cultural da educação e a organização de ações educativas fora do âmbito


escolar, como afirma Perrenoud: “(...) nossa sociedade está escolarizada, incapaz

de pensar educação a não ser segundo o modelo escolar (...)” (PERRENOUD


apud VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 39).

Diversos trabalhos têm apontado a escolarização das práticas educativas


dos museus (SEIBEL-MACHADO, 2009), o que parece contrariar o discurso sobre

o papel diferenciado da educação museal (educação não-formal) em relação à


escolar, freqüentemente presente em publicações sobre educação em museus

(MARANDINO, 2001; LEAL; GOUVEA, 2002; ASENSIO; POL, 2007).


A dificuldade do museu “encontrar” seu papel educacional em sua

relação com a escola é bastante evidente e, sem dúvida, essa é uma questão
que merece ser pesquisada.

Por outro lado, a dificuldade da escola em compreender o papel do


museu também é patente. A abordagem convencional realizada pelos

18
professores de utilizar o museu como complemento aos conteúdos escolares

certamente é reflexo de uma cultura estabelecida nesse sentido.


Para Lopes (1991), existe um círculo vicioso na relação museu-escola: o

fenômeno de escolarização do museu seria o reflexo da demanda dos


professores por elementos ilustrativos de suas aulas e, de forma recíproca, a

escolarização do museu sustentaria as expectativas dos professores em relação


ao papel complementar do museu. Torna-se evidente, então, uma tensão

existente entre identidades e papéis demandados e assumidos na relação entre

museu e escola.
Presumindo-se que várias são as formas de buscar compreender

elementos dessa tensão e que diversos olhares são possíveis, este trabalho
empreende um caminho alternativo na busca por esses elementos. Ao invés de

pesquisar as percepções dos professores e de educadores de museus em si


sobre o papel do museu, buscou-se pesquisar as políticas educacionais

relacionadas a esses dois universos: escola e museu.


Mais especificamente, esta pesquisa investiga a forma como a relação

entre escola e museu apresenta-se institucionalizada no âmbito das políticas


educacionais curriculares e das micro-políticas educacionais dos museus. A

política educacional escolar se alicerça no currículo oficial, ou seja, no texto,


elaborado e planejado que apresenta os conteúdos e conhecimentos escolares.

A política educacional do museu compreende aspectos norteadores de suas


propostas educativas. Para essa última, são privilegiadas neste trabalho as

políticas educacionais que dizem respeito ao atendimento específico ao público


escolar, e que aqui são tratadas como micro-políticas educacionais dessas

instituições.
Para evidenciar os aspectos da relação entre as duas instituições,

pesquisou-se em três currículos oficiais – Parâmetros Curriculares Nacionais,


Conteúdos Básicos Comuns do Estado de Minas Gerais e Proposições

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Curriculares do Município de Belo Horizonte – as imagens e papéis dos museus

presentes no discurso curricular. No que diz respeito ao museu, foram


analisadas as identidades e papéis do museu explicitados nas micro-políticas

educacionais de um museu de ciência de Belo Horizonte, MG.

OBJETIVOS
Objetivo geral
Investigar identidades, imagens e papéis museais nos discursos institucionais

sobre a relação museu-escola

Objetivos específicos
1. Investigar se o museu aparece nas propostas curriculares dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, Conteúdos Básicos Comuns do estado de Minas


Gerais e Proposições Curriculares do município de Belo Horizonte. Em caso

positivo, analisar em quais currículos e volumes e/ou disciplinas o museu é


citado, bem como quantificar quantas vezes essas citações ocorrem.

2. Analisar as imagens de museu presentes nos discursos de três documentos


curriculares: Parâmetros Nacionais Curriculares, Conteúdos Básicos Comuns
e Proposições Curriculares;
3. Analisar nesses discursos curriculares os papéis conferidos ao museu.

4. Analisar as identidades institucionais e organizacionais presentes nas políticas


educacionais de um museu de ciência;

5. Analisar, nessas políticas educacionais museais, os papéis atribuídos à


instituição e à organização;

6. Relacionar as identidades institucionais e organizacionais presentes nas


políticas do museu às imagens de museu presentes nas políticas

curriculares;

20
7. Relacionar os papéis atribuídos à instituição museu nas políticas curriculares a

papéis assumidos nas políticas do museu de ciência.

21
UNIDADE 04. CONCEITO E FUNÇÃO SOCIAL DO MUSEU

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Já sabemos que o museu tem sua origem relacionada à ideia de
preservação da Memória. Nessa unidade o propósito principal do estudo será

conhecer o conceito e a função social do museu. Para tal analisaremos o


processo histórico desde sua origem até os dias atuais, nos quais essa

instituição é exigida como espaço de práticas interdisciplinares e sociais.

ESTUDANDO E REFLETINDO
“De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado,
mas uma escolha quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal

do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado

e do tempo que passa, os historiadores”. Jacques Le Goff

A ideia de museu como instituição depositária da memória social


remonta ao tempo da antiguidade clássica. Surge na Grécia antiga e, segundo

Vidal (1999, p. 107), o Mouseion significava a casa das filhas de Zeus com
Mnenosine considerada a deusa da memória.

Vê-se, então, que desde a origem do conceito, o museu está


representado como um lugar de preservação da memória.

Com o advento da Revolução Francesa2, a imagem do museu também


passa a ser associada a um lugar especialmente importante para a preservação

da memória das sociedades, sobretudo pela sua dimensão pública. Por essa
razão, muitos estudiosos atribuem à França o vanguardismo na área de estudos

no campo da museologia.

2
Você aprendeu sobre a Revolução Francesa nas disciplinas de História Moderna e como processo de transição para a
História Contemporânea. De qualquer forma vale lembrar que a Revolução Francesa caracterizou-se por um movimento
revolucionário campones-burgus, ocorrido na França na segunda metade do século XVIII, com o intuito de transformar a
ordem política de Monarquia para o regime Republicano.

22
Considerando seu caráter de depositário e propagador das memórias da

sociedade e o fato de sua origem, como instituição pública, estar associada à


Revolução Francesa é natural que se atribua ao museu uma relevância político-

ideológica que, em muitos momentos da história, gerou interferências dos


poderes estatais com claras intenções de direcionar a maneira como o acervo é

apresentado à sociedade.
Le Goff (1990) reforça a ideia de que foi após a Revolução Francesa, em

especial depois da segunda metade do século XVIII, que surgem os primeiros

registros de organização de arquivos nacionais. Foi no cenário francês, marcado


pelos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade, que o museu é elevado

à condição de espaço público que tem a competência de zelar pela memória


nacionalista, construída após o declínio do Ancien Régime3. A partir daí, o

interesse pelos estudos museológicos difundem-se por outras regiões da


Europa.

Esse grande interesse dos Estados pelos museus interfere drasticamente


nos procedimentos da museologia, com reflexos diretos nas formas de

organização das exposições, definição dos focos de interesse para interpretação


dos objetos e apresentação desses ao público. Ganham força as formas de
representação dos símbolos e dos heróis.

BUSCANDO CONHECIMENTO

3
Estruturas políticas da monarquia absolutista na França do século XVIII.

23
Um bom exemplo dessa preocupação em usar o espaço dos museus como

possibilidades de divulgação dos ideais nacionalistas é o caso do Museu do


Louvre. Ele é criado no contexto da Revolução Francesa, é utilizado como o

grande difusor dos princípios modernista e nacionalista e como espaço público


que retira da Realeza a primazia de possuir e admirar obras de arte. Transforma

as exposições em evento de interesse público.


A revolução francesa impactou de forma definitiva as diferentes

representações simbólicas da sociedade, no que diz respeito ao entendimento

de público e de privado. Rompeu com a visão reduzida de que o conhecimento


e a arte deveriam estar restritos aos ambientes da realeza. Possibilitou a criação

de espaços, como o museu, que exercessem a função de propagadoras de


conhecimentos.

Como você pode notar, o século XVIII foi um período muito marcado por
profundas reflexões sobre o papel de representação dos museus na sociedade.

Esse século é apontado por muitos museólogos como o período que promove
significativas mudanças de concepção no que diz respeito ao entendimento de

museu e de suas funções sociais, políticas e culturais.


É muito importante lembrar também que, nos períodos que sucederam a

revolução francesa, tornou-se muito comum nos conflitos entre as nações,


povos vencedores se apropriarem dos acervos artísticos e culturais dos

derrotados.
O comportamento dos alemães que confiscaram um acervo inestimável

de obras de arte, durante a ocupação da França, na segunda guerra mundial,


pode ser um exemplo das formas de dominação e subjugação dos povos no

tocante ao respeito ao patrimônio cultural.

24
Essa situação de subjugação/dominação de uns povos por outros,
também repercute nas práticas museológicas e na forma de representar os

museus e seus conteúdos para a população.

25
UNIDADE 05. MUSEUS, DESENVOLVIMENTO E MUDANÇA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Analisar as transformações que marcaram a instituição museu na

sociedade brasileira das duas décadas do final do século XX.


Entender a instituição museu como um recurso que a sociedade tem para

fomentar a reflexão e o desenvolvimento da memória coletiva e da identidade

histórica.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Para o pesquisador Cícero Antonio F. d Almeida “os museus são

territórios privilegiados da contemporaneidade”.


Esse autor sustenta essa afirmação com base na ideia de que os museus

são espaços que se produziram culturalmente, em função das demandas sociais,


estão em contínuo movimento e em tempos recentes, se configuram como

espaços de participação e reação.


Almeida aponta aspectos que ajudam a identificar o processo de

mudança que impacta a instituição museu:


Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o “lado” escolhido para a discussão, e a

“profundidade” da idéia de desenvolvimento. As teses liberais que varreram o

planeta nas últimas décadas acarretaram um empobrecimento do conceito de


desenvolvimento, reduzido à sua instancia meramente monetária. O termo

tem sido empregado correntemente como uma espécie de estágio econômico

de uma sociedade, verificável a partir de um conjunto de indicadores


financeiros. Como conseqüência, o termo desenvolvimento – especialmente

em se tratando do desenvolvimento social –, deixou de ser empregado como


incremento ou democratização dos recursos colocados à disposição da

coletividade (saúde, educação, cultura etc.), ou melhor distribuição de

riquezas, ou progresso científico, dentre outras tantas possibilidades que os


dicionários zelosamente insistem em preservar.

26
Na sua análise, a origem das mudanças na estrutura dos museus pode

ser observada na década de 1970, que já indica certa inconformidade com a


rigidez de interpretação que atribuía aos museus a ideia de lugares saudosistas,

refratários e sem interlocução com os movimentos culturais e sociais.


Ainda nesse período, acompanhando os movimentos de reconfiguração

social, surgem percepções novas para a atividade museal. Surgem museus


abertos e outras formas de organização e acervo.

As décadas seguintes, 1980 e 1990, marcaram inovações inéditas no

campo da museologia e esse movimento vem progressivamente revelando que


o aspecto inovador do museu está na sua capacidade de estimular o

pensamento e instigar o surgimento de observadores atores, ou seja,


protagonistas, da dinâmica social.

Com base nos postulados de Jacques Le Goff, é possível inferir que os


museus na contemporaneidade se anunciam como instituições que superaram

largamente a ideia que sustentou sua gênese. Ou seja, avançou demais na sua
condição inicial de “lugares de memória” para “lugares de ação”.

Nesse sentido, pode-se imaginar a instituição museu como articuladora


da memória coletiva expressa por Le Goff. Memória que instiga, desacomoda,

mobiliza e lança perspectivas para os novos cenários sociais.

A memória coletiva faz parte das


grandes questões das sociedades
desenvolvidas e das sociedades em
via de desenvolvimento, das
classes dominantes e das classes
dominadas, lutando, todas, pelo
poder ou pela vida, pela
sobrevivência e pela promoção.

Devemos trabalhar de forma que a


memória coletiva sirva para a
libertação e não para a servidão
dos homens.

Jacques Le Goff

27
BUSCANDO CONHECIMENTO
Observe os vídeos dos links indicados a seguir, leia o fragmento de texto

abaixo e, com base nas informações apresentadas, analise os argumentos sobre


a origem do museu como instituição mantenedora da memória e que se

transforma em função da realidade social de cada tempo histórico.

http://www.youtube.com/watch?v=KXRX_w4lmIo&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=-Kv2i7lXk9s&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=2spdW5NSs5k&feature=related

Sobre a relação entre o museu-memória-patrimônio é interessante


perceber a função simbólica que o patrimônio exerce dentro do processo de

formação da identidade social, cultural e histórica dos sujeitos. O patrimônio


material ou imaterial pode contribuir para o processo de inclusão social dos

sujeitos que estão à margem do sistema. Percebemos que há um sentimento e


uma tendência forte em sentir-se pertencente a um grupo social, a uma

coletividade. É nesse processo de inclusão social, cultural e histórica que os


monumentos de memória, os dialetos locais, os costumes e tradições

contribuem para a valorização da cultura popular, a preservação da memória


coletiva social e a recuperação da cidadania.

A representação, seja material ou simbólica, que o patrimônio exerce no


campo da memória está profundamente relacionada com a prática dos museus,

pois perpassa o processo de formação do imaginário social, do mobiliário e da


identidade social. A concepção que temos do patrimônio, como aspecto cultural

materializado num objeto, num monumento, num prédio, leva-nos a reconhecer


e a nos interessar pela preservação e valorização da nossa própria memória

social. A significação do patrimônio no mundo contemporâneo pode ser


compreendida como uma relação preestabelecida entre um objeto material ou

28
simbólico e as associações culturais e históricas que os sujeitos fazem dele,

representando um passado coletivo ou individual, dando um sentido de


pertencimento do sujeito a um determinado grupo social, ou seja, os aspectos

patrimoniais da memória são construções sociais e, sendo assim, agregam


intencionalidades, impessoalidades, interesses e concepções diversas de valores.

SANDER, Roberto. O museu na perspectiva da educação não-formal e as


tendências políticas para o campo da museologia. Dissertação (Mestrado em

Educação) – Universidade de Passo Fundo, 2006.

29
UNIDADE 06. MUSEU: PATRIMÔNIO CULTURAL

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Os objetos de estudos dessa unidade serão o patrimônio e a cultura. Isso
se faz necessário, pois é da base desses conceitos fundantes da sociedade que

erige o conceito de museu como instituição que abriga, em si, o duplo papel de
depositária da cultura e representante do patrimônio cultural.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Antes de iniciarmos nossa conversa sobre o sentido de tratar e entender

o museu como um patrimônio cultural é muito importante que percebamos a


amplitude do significado dos conceitos de Patrimônio e de cultura.

Patrimônio

A ideia de patrimônio está vinculada à existência de um bem material,


natural ou imóvel que possui significado expressivo para um determinado

grupo social. Esse significado pode ser de natureza documental, artística,


cultural, religiosa ou ainda outras formas de representação que revelam a

produção humana em vestígios que são muito importantes para o estudo da


própria trajetória humana, em diferentes épocas e espaços.

Esses vestígios se anunciam de diferentes maneiras e ajudam o


historiador a entender os processos de organização das diferentes sociedades,

além de permitir a definição de parâmetros para que as sociedades formulem


suas identidades, uma vez ser a existência de patrimônio condição básica para

que haja o sentimento de pertencimento a algum lugar. É mediante essa


condição, que a humanidade produz base para a construção de sua história e,

consequentemente, da sua memória.

30
Assim, a importância do patrimônio para a História reside na sua

condição de depositário de traços da cultura de um povo uma vez que


preservam dados da sua materialidade e contribuem para a percepção e

construção da identidade individual e coletiva.


Choay (2006) define da seguinte forma a produção do patrimônio na era

da indústria cultural:
A mundialização dos valores e das referências ocidentais contribuiu para a

expansão ecumênica das práticas patrimoniais. Essa expansão pode ser

simbolizada pela Convenção relativa à proteção do patrimônio mundial


cultural e natural, adotada em 1972 pela Assembléia Geral da UNESCO. Esse

texto baseava o conceito de patrimônio cultural universal no de monumento

histórico – monumentos, conjunto de edifícios, sítios arqueologicos ou


conjunto que apresentem ‘um valor universal excepcional do ponto de vista

da história da arte ou da ciencia’. Estava assim proclamada a universalidade do

sistema ocidental de pensamento e de valores quanto a esse tema (...). (pags.


207/208)

Esse autor ajuda-nos a compreender o lugar que está atribuído a questão

patrimonial tanto no que diz respeito à sua concepção, quanto a sua


conservação como paradigmas de produção identitária dos povos.

O referido autor destaca que o processo de produção dessa concepção

patrimonial enfrentou e ainda enfrenta muitas dificuldades. No entanto, ressalta


que a era da indústria cultural do ocidente conseguiu produzir o consenso de

que patrimônio é produção histórica, significativa e que contém, em si, a


responsabilidade de produzir a identidade coletiva, bem como ser depositário

dos significados dos processos de produção histórica da humanidade.

31
Cultura
Marconi (2005) define cultura como um conceito de significado amplo,

com compreensões diferentes que variam com o tempo, espaço e sua essência.
Para ela a cultura pode ser assim definida:
A cultura, portanto, pode ser analisada, ao mesmo tempo, sob vários

enfoques: idéias (conhecimento e filosofia); crenças (religião e superstição);


valores (ideologia e moral); normas (costumes e leis); atitudes (preconceito e

respeito ao próximo); padrões de conduta (monogamia, tabu); abstração de

comportamento (símbolos e compromissos); instituições (família e sistemas


econômicos); técnicas (artes e habilidades); e artefatos (machado de pedra,

telefone). (pag. 24).

Essa mesma autora também ressalta que não podemos, do ponto de

vista da antropologia, classificar, por qualquer motivo, culturas como superiores


ou inferiores. Infere que todos os povos têm cultura e toda prática cultural é

entendida como natural pelos povos que a praticam, como, por exemplo,
poligamia, rituais religiosos etc...

Uma vez analisados os conceitos de patrimônio e de cultura, faremos


agora uma breve incursão pela ideia de museu como patrimônio cultural.

Já aprendemos que, desde sua origem, o museu é entendido como um


lugar de preservação da memória das sociedades. Sob esse ponto de vista, é

possível considerar que os museus expressam as condições culturais e


patrimoniais que definem as sociedades nas suas diferentes configurações

espaciais e temporais.
Dado o seu caráter de mutabilidade, que expressa as demandas de

diferentes sociedades e épocas, a forma de realizar a preservação da memória


patrimonial, por meio de museus e arquivos não ocorre sem conflitos , por

serem próprios dos movimentos sociais e das demandas de cada época.

32
As lutas, embates políticos, conflitos de interesses promovem as

transformações necessárias para que essa instituição represente seu papel de


depositária da memória social.

BUSCANDO CONHECIMENTOS
Pierre Nora (1993) chama os museus de “lugares de memória”, pois,

como ambientes que expressam lutas e conflitos, destacam e evidenciam mais


fortemente algumas memórias e ocultam ou silenciam outras. Esse

tensionamento de interesses define o que é prioritário, desejável ou indesejável


de se preservar e evidencia o campo de lutas ideológicas que se estabelecem

no interior dessa importante instituição preservadora da memória: o Museu.


Assim como a própria concepção de conhecimento, o museu não pode

ser analisado como uma instituição isenta dos conflitos de interesses. Não
podemos acreditar que exista uma produção museológica neutra, desvinculada

dos interesses hegemônicos.


O papel do estudioso, no nosso caso o professor de História, é

compreender o museu como patrimônio cultural em toda extensão do seu


significado.

O professor precisa ter essas referências para o propósito de se valer do


museu como recurso para as aprendizagens e para o ensino de história. Precisa

se tornar um visitante crítico e um protagonista da ação museológica, além de


ter consciência do papel social e do potencial educativo do museu.

Tal como a escola, o museu pode ser interlocutor de processos


educativos que se comprometam com a transformação social e a formação da

cidadania plena.

33
INDICAÇÃO DE LEITURA
Museus, Museologia e o patrimônio universal. Disponível no endereço

eletrônico http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=12838

34
UNIDADE 7. MUSEOLOGIA, ESCOLA E ENSINO DE HISTÓRIA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


A escola, tal como o museu é uma instituição social de grande valor. O
propósito nessa unidade é analisar as potencialidades dessa instituição em

estabelecer parcerias para dar conta do complexo trabalho de formação das


gerações futuras. Aqui, analisaremos as múltiplas determinantes formativas

impostas pela contemporaneidade bem como as potencialidades da instituição


museu em produzir novos espaços de interação e produção de conhecimento,

sobretudo no campo da História.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Se considerarmos a premissa já anunciada nas unidades anteriores de
que o museu é uma instituição depositária da memória social, encontraremos aí

um bom ponto de convergência com a escola.


Candau (2007) analisa as condições nas quais é produzida instituição

escolar da sociedade contemporânea. Para ela, as transformações sociais


exigem da escola e dos educadores novos movimentos, para que se produza

uma educação condizente com a sociedade emergente. Nessa perspectiva


afirma:
Na reinvenção da escola, a questão da cidadania é fundamental. Não de uma
perspectiva puramente formal do tema, mas a partir de uma abordagem que

concebe a cidadania como uma prática social cotidiana, que perpassa os

diferentes âmbitos da vida, articula o cotidiano, o conjuntural e o estrutural,


assim como o local e o global, numa progressiva ampliação do seu horizonte,

sempre na perspectiva de um projeto diferente de sociedade e humanidade.

A escola assim concebida é um espaço de busca, construção, diálogo e


confronto, prazer, desafio, conquista de espaço, descoberta de diferentes

possibilidades de expressão e linguagens, aventura, organização cidadã,


afirmação da dimensão ética e política de todo o processo educativo. (p. 15).

35
Sob essas referências conceituais, tanto o museu como a escola, por

serem lugares sociais de lutas ideológicas e representações da memória,


precisam lidar com as dimensões da preservação e da mudança, do conflito e

da defesa dos valores sociais comprometidos com a transformação qualitativa


da sociedade.

Uma vez compreendidos os papéis do museu e da escola como


instituições sociais, é propósito nessa unidade aproximar as funções do museu e

às da escola, mediados pelos objetivos do ensino de História.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais anunciam como objetivos da


História nos anos finais do Ensino Fundamental:
 compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício
de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de
solidariedade,cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo
para si o mesmo respeito;
 posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações
sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões
coletivas;
 conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e
culturais como meio para construir progressivamente a noção de identidade
nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país;
 conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem
como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de
crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;
 perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,
identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente
para a melhoria do meio ambiente;
 desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança
em suas capacidades afetiva, física,cognitiva, ética, estética, de inter-relação

36
pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de
conhecimento e no exercício da cidadania;
 conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos saudáveis
como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com
responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;
 utilizar as diferentes linguagens . verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e
corporal . como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar
e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a
diferentes intenções e situações de comunicação;
 saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir
e construir conhecimentos;
 questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los,
utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade
de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.
Fonte: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_5a8_historia.pdf .

A leitura dos PCN reforça, como se vê, a importância de se promover


ações educativas, no âmbito do ensino de História, que ratifiquem as dimensões

da cidadania, da valorização do patrimônio sociocultural e da construção


identitária. Daí a necessidade de se propiciar práticas que colaborem para a
compreensão da dimensão da produção histórica da sociedade em seus
conflitos e tensionamentos. O ensino de história carrega, em sua concepção, a

ambição de ampliar campos de conhecimento e conotar a escola de formas


interativas que promovam o diálogo com outras instituições e produzam

processos educativos que deem conta da complexidade da sociedade


contemporânea.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Nesse cenário de complexidade, no qual a busca de interatividades bem

como a percepção da incompletude do conhecimento, é fundamental para a


37
condução de processos educativos reflexivos e contextualizados é que a

parceria da escola com o museu pode ser um elemento facilitador das práticas
interdisciplinares e das aprendizagens em História.

Bittencourt (2004), ao analisar a importância dos museus para o ensino


de história, pondera que;
A potencialidade de um trabalho com objetos transformados em documentos

reside na inversão de um ‘olhar de curiosidade’ a respeito de ‘peças de


museus’ – que, na maioria das vezes, são expostas pelo seu valor estético e

despertam o imaginário de crianças, jovens e adultos sobre um ‘passado

ultrapassado’ ou ‘mais atrasado’ – em um ‘olhar de indignação’, de informação


que pode aumentar o conhecimento sobre os homens e sobre sua história (p.

355).

Cabe aqui ressalvar que, quando pensamos em museus imediatamente

nos vem a ideia de grandes instituições. Louvre (Paris), Vaticano (Roma), Prado
(Madri), Museu Nacional (Rio de Janeiro), Museu Paulista (São Paulo). No

entanto, é importante enfatizar que o valor de um museu, como depositário da


memória da sociedade, não está localizado apenas na sua grandiosidade.

Silva e Fonseca (2007. p. 72), afirmam:


(...) Também uma pequena entidade municipal, de bairro ou até associativa,

formada com um acervo que represente uma miscelânea sobre determinado

agrupamento humano ou um campo de saber tem traços em comum com


aqueles instituições monumentais...

Assim, compreender os conceitos de escola e museologia, situá-los no

terreno da produção social com seus conflitos e tensionamentos é condição


fundamental para encontrar caminhos, por meio do ensino de história, para a

produção de uma sociedade cidadã pode ser uma boa alternativa para o
professor.

38
UNIDADE 08. MUSEU E ESCOLA: EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO-
FORMAL

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Nesta unidade buscaremos compreender a ação do trabalho formativo
da escola, bem como do potencial formativo que há nas ações que os museus

podem empreender.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Falamos aqui da aproximação e do movimento de ajuda mútua entre
instituições que atuam nos âmbitos da educação formal e da educação não

formal, ambas com a finalidade de agregar valores na formação cidadã,


contribuindo assim para construção de uma identidade social promotora de

autonomia e autoestima coletiva.

Definindo Educação formal


De uma maneira geral a educação é entendida como o processo de

desenvolvimento da capacidade intelectual que, predominantemente, está


associada à instituição escolar. Porém, é importante destacar que esse processo

pode ter nuances variadas.


A escola é uma instituição que tem sua origem histórica atrelada ao

próprio desenvolvimento civilizatório e na disciplina Fundamentos Históricos e


Sociológicos da Educação você encontrará muitas e importantes referências

sobre isso.
Com estruturas físicas singulares e organização de programas e

currículos que expressam as condições de cada tempo histórico, é importante


para nós, neste estudo, perceber que a tarefa de lidar com o conhecimento

entendido como significativo de cada época e sociedade, coube a Escola. Ou


39
seja, a instituição responsável pelos processos formativos que até hoje

denominamos de educação formal.

Definindo a educação não formal

Apesar de as diferentes sociedades terem construído ao longo dos


séculos instituições nas quais se produzem a chamada educação formal, os

processos civilizatórios abrangem dimensões muito mais extensas que a


transmissão de conhecimento institucionalizado.

A vida em sociedade vai muito além das estruturas curriculares


produzidas pelas escolas. A formação no sentido mais amplo requer outras

aprendizagens para a convivência social cotidiana nos seus diferentes setores:


vida familiar, vida social, vida profissional.

Para isso, o processo de formação vai muito além do que pode a escola
oferecer. É importante ressaltar que a escola é muito importante, mas é “uma”

das instituições sociais. Porém, não é a “única”.


A educação não formal ocorre sem estruturas pré-determinadas, locais,

horários, ou sequências progressivas. Sequer existem garantias de que as


pessoas tenham consciência desse processo contínuo de formação e
aprendizagens.
A capacidade de diferenciação entre essas duas formas de educação:

formal e não-formal , bem como o entendimento do valor e da importância de


cada uma delas na tessitura social é que nos ajudará a compreender a

importância e relação dos museus (depositários e potencializadores da


educação não formal) com a escola, instituição consagradamente responsável

pela educação formal.

40
INDICAÇÃO DE LEITURAS
Museu e escola: educação formal e não-formal. Disponível no endereço

eletrônico
http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/153511MuseueEscola.pdf

Os Museus e o ensino de História. Disponível no endereço eletrônico

http://www.portaleducacao.com.br/arquivos/artigos/1236192145_OS%20MUSE
US%20E%20O%20ENSINO%20DE%20HIST%D3RIA.pdf

BUSCANDO CONHECIMENTO
Analise, no vídeo indicado no link abaixo, bem como no fragmento do
texto de autoria de Shirleide Pereira da Silva Cruz e José Batista Neto,

reproduzido a seguir, aspectos do museu e da museologia que podem


contribuir para o ensino de História na escola de Ensino Fundamental e Médio.

http://www.youtube.com/watch?v=459_md8wGeU&feature=related

“Estudos sobre a relação museu-escola, como os de Freire (apud


ALMEIDA: 1997: 51-56), de Almeida & Vasconcelos (1998) e de Siman (2003),

têm apontado para experiências que vêem o professor como um agente


multiplicador, que necessita de uma preparação prévia para uma atuação junto

a seus alunos no momento da visita. Consideram que o sucesso das visitas


depende principalmente da informação que os professores têm a respeito do

museu. Lopes (1991) afirma, a partir de um estudo que fez sobre as experiências
de instituições na I Colóquio de relação museu-escola, que o professor é

apontado como o centro dos problemas identificados quando das visitas de


escolares ao museu. Dessa forma, destacamos o professor como o principal

articulador da relação museu-escola e para atingir o objetivo proposto para


41
nosso estudo, baseamo-nos, teórica e metodologicamente, na teoria das

representações sociais, formulada por Serge Moscovici (1978), pelo lugar


privilegiado que ela empresta aos sujeitos, permitindo uma análise a partir do

ponto de vista daquele(a) que constrói a sua representação.


Tivemos como pressuposto que as representações sociais se constituem

num sistema de interpretação sobre um dado objeto social, ou seja, é um saber


social no qual os professores se apóiam para se relacionarem com o museu.

Essas representações sociais, além de serem um sistema de interpretação da

realidade, são construções simbólicas orientadoras das práticas e das


comunicações desses professores quando se referem ao museu. A análise das

representações identificadas em nosso estudo apontou o museu como uma


instituição plural onde diversas perspectivas podem ser buscadas. Ele foi

fortemente representado como lugar da história; bastante ligada a essa


representação, está a dele como lugar da memória. O museu foi visto ainda

como espaço educativo, no qual tem destaque a ideia que ele é um local
relevante para o desenvolvimento da educação patrimonial. Outra

representação formulada pelas professoras participantes da pesquisa concebe o


museu pelos conteúdos socioculturais a serem apreendidos, sendo ele mesmo,

um conteúdo sociocultural. A instituição museal é apresentada também como


lugar da arte, lugar em que tal conhecimento e expressão humanos podem ser

vistos de uma forma mais acessível para as professoras. A indicação dos campos
de conhecimento que são suporte para a interpretação do museu apontou para

a importância de se desenvolver um trabalho sistemático sobre as temáticas da


história, da memória, do patrimônio e da arte, bem como da formulação da

Educação patrimonial na formação de docentes das séries iniciais do ensino


fundamental.” (p. 2-3)
História da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, Recife, Pernambuco,
Brasil e Portugal: nossa história ontem e hoje De 3 a 5 de outubro de 2007 Anais
Eletrônicos – ISBN 978-85-87459-57-2 Página 2.
42
UNIDADE 09. PROGRAMAS EDUCATIVOS DO MUSEU

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Nessa unidade, o objetivo é tornar claro que a eficaz prática do
gerenciamento da realização das atividades educativas poderá contribuir para o

pleno exercício da função social do museu.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Os programas educativos estão situados no âmbito de
interação/comunicação do museu com a sua comunidade e consistem na forma

de produzir condições que estimulem a procura pelo ambiente do museu e a


superação da ideia de que os museus são espaços elitizados e, portanto, para

poucos.
Diante da abordagem efetuada nas unidades anteriores e que revelam o

potencial educativo multidisciplinar e interdisciplinar do museu, o propósito


nessa unidade é identificar as condições e fundamentos para que programas

educativos em museus sejam desenvolvidos e contribuam para as finalidades


dos processos educativos escolares.

Destacamos, sempre, que a avaliação das realidades locais e a percepção


das condições mais condizentes aos propósitos educacionais da escola e da

comunidade local são atributos inalienáveis do professor.


Daí a necessidade de um bom planejamento e, sobretudo, conhecimento

dos objetivos estabelecidos pelo projeto pedagógico da escola.


Como já mencionado, não está localizada apenas nos museus de grande

porte a capacidade de subsidiar estudos sobre a memória da sociedade. Todos


os museus guardam, em si, as possibilidades de aprendizagem e

entretenimento.

43
Além disso, também já observamos que é função do museu atuar como

espaço de educação não formal. Para tanto, o desenvolvimento de programas


educativos emerge como inequívoca demanda formadora.

Os diferentes tipos de atividades e programas educativos dependerão da


capacidade estrutural e organizacional de cada museu, de apoios externos e

recursos humanos. Além disso, o tipo de acervo e o potencial do público do


entorno dos museus também são dados importantes para o planejamento das

atividades educativas.

De toda forma, embora não haja convergência para definir a amplitude


da área de atuação dos museus, é consenso que as exposições são pródigas em

potencial educativo e podem ser realizadas em múltiplos contextos e variadas


capacidades de gerenciamento e de recursos.

Também é importante destacar que é desejável aos propósitos da


museologia que todos os funcionários envolvidos na organização de um museu

precisam ser preparados para se sentirem agentes das práticas educativas, pois
é essa a natureza do museu.

Cabe aqui ressaltar que o reconhecimento do museu como instituição


social e de caráter educativo ainda está, predominantemente, no campo dos

embates acadêmicos, sobretudo, em países com a tradição em restringir a um


grupo elitizado o contato com as manifestações culturais. Será necessário

ampliar essa discussão para o território da política institucionalizada e se


estendam e consolidem políticas públicas para a valorização das manifestações

culturais, por meio dos museus.


Apesar das dificuldades no campo do enfrentamento político, é

importante lembrar que o museu tem potencial para desenvolver projetos


educativos a todos os públicos e idades. Já existem promissoras experiências

que, se valendo de parcerias e diferentes formas de apoio, conseguem


desenvolver programas educativos, com a finalidade de reforçar a ideia de

44
museu como instituição guardiã da memória e responsável por práticas sociais

transformadoras.
Os programas educativos servem para estabelecer vínculos do museu

com o público já existente e também para explorar públicos ainda não


acostumados ao contato com essa instituição. Podem estar direcionados para

escolas e outras instituições formadoras, exposições temáticas e dirigidas a


públicos específicos.

São exemplos de programas educativos:

 Exposições temáticas
 Monitorias especializadas

 Apresentações teatrais
 Visitas temáticas

 Capacitação para professores


 Oficinas de férias

 Ateliês
 Festas para crianças

 Jogos
 Maletas pedagógicas/exposições itinerantes

 Filmes
A realização dos programas educativos pelos museus, bem como a ação

da escola e do professor no sentido de participar das experiências em espaços


potencialmente ricos, nas diferentes formas de manifestação cultural,

expressam, sem dúvida, possibilidades de processos de aprendizagem


dialógicos, reflexivos, contextualizados e que oportunizam a produção do

sentimento de pertencimento e de construção identitária.


Assim, os programas educativos são recursos importantes para a

realização de um processo de aprendizagem voltado para a produção da vida


cidadã como preconizam os documentos e teorias educacionais.

45
BUSCANDO CONHECIMENTO
A prática educativa em museus revela a grande transformação que tem

caracterizado essa instituição. Esse movimento é marca característica da


discussão museológica em todas as partes do mundo.

Veja no fragmento de texto abaixo o que o Museu do Douro em


Portugal, anuncia como serviço educativo

Museu do Douro . Serviço Educativo

O Programa do Serviço Educativo do Museu do Douro tem como


principal linha de atuação a criação de contextos criativos para a participação de

crianças, adolescentes e jovens em atividades de educação, de conhecimento e


de entretenimento que têm como base a paisagem que importa conhecer para

cuidar.
A ação deste serviço articula atividades para diferentes tipos de público,

destacando-se os projetos plurianuais e anuais com escolas, as oficinas


sazonais, as rogas, os percursos pedestres e as visitas guiadas às exposições do

Programa do Museu. Nestas diferentes vertentes, o serviço educativo estabelece


pontes com outras instituições e pessoas e está aberto ao desenvolvimento de

projetos de trabalho em comum nos diferentes lugares que formam este


território.

eu sou paisagem - é o modo de agir e pensar a educação nos lugares deste

território
É um modo de construir o programa do Serviço Educativo do Museu do

Douro. Aqui, aposta-se na criação de contextos de experimentação, com caráter


de continuidade, para a participação de crianças, adolescentes, jovens, adultos e

seniores em atividades de experiência e conhecimento que têm como base


relações de experiência entre os indivíduos e as paisagens As questões do

território e da paisagem, do corpo e do lugar são trabalhadas pela equipa do


46
serviço educativo com os habitantes destes lugares em diálogo e tensão com

diferentes linguagens e falas: do teatro à dança, do vídeo à imagem animada,


da escrita à biologia, da geografia à literatura, da arquitetura paisagista ao

cinema, da engenharia ao desenho, da fotografia ao som...


Eu sou paisagem é uma vontade e uma proposta de agir e pensar a

educação nos lugares deste território.


No âmbito desta ação destacam-se os projetos plurianuais e anuais que

configuram e dão coesão programática aos diferentes tipos de atividades

desenvolvidas prioritariamente com as escolas, a par das atividades sazonais


destinadas a diferentes públicos, nomeadamente as oficinas, as rogas e os

percursos pedestres. Nestas diferentes vertentes, são estabelecidas pontes com


outras instituições e pessoas, deixando em aberto a possibilidade de

desenvolvimento de projetos de trabalho em comum nos diferentes lugares que


formam este território. Complementar a esta ação, convém mencionar os

diversificados programas de visitas guiadas às exposições do Museu, que


permitem ao visitante e ao turista ter uma experiência diversificada.

Disponível em: http://www.museudodouro.pt/pagina,2,4.aspx

Para aprofundar seu conhecimento visite o site do museu do homem


nordestino a analise as propostas de programas educativos desenvolvidos por

aquela instituição.
http://www.flickr.com/photos/museudohomemdonordeste/collections/7215762

2387188708/

47
UNIDADE 10. TIPOS DE MUSEU

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Diante do que foi exposto sobre o valor social do museu na produção de
espaços de aprendizagens multidisciplinares, é crescente a variedade de museus

para criar espaços diversificados. Nessa unidade estudaremos os diferentes


tipos de museus, bem como as definições de acervos disponíveis.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Nas unidades anteriores, analisamos a origem histórica do museu, sua
função social e suas potencialidades para o trabalho do professor de história.

Concebemos a instituição museu como depositária da memória da sociedade e,


por essa razão, podemos concluir que existem diferentes tipos de museus para

expressar diferentes dimensões da vida em sociedade.


Como são instituições sociais é possível existirem museus funcionando

por sistemas diversos de recursos: privados, públicos, sindicatos, associações,


entre outros. Visite virtualmente os museus indicados a seguir. Leia com

atenção as informações sobre sua natureza e os serviços oferecidos, essa visita


virtual ajudará a responder a questão formulada nesta unidade:

48
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL

http://www.museuhistoriconacional.com.br/

MUSEU NACIONAL DE ARQUEOLOGIA (PORTUGAL)


http://www.museuarqueologia.pt/?a=4&x=3

49
MUSEU DE ARTE DE ARTE DO RIO

http://www.museudeartedorio.org.br/pt-br/visite

MUSEU DE CIÊNCIA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA:

http://www.museudaciencia.org/

50
MUSEU DO HOLOCAUSTO:
http://www.museudoholocausto.org.br/o-museu/objetivos

Além desses existem outros tipos de museus como:

MUSEU BÍBLICO;
MUSEU BIOGRÁFICO;

MUSEU COMUNITÁRIO;
ECOMUSEUS;

MUSEU DE BAIRRO / CIDADE;


MUSEU MILITAR;

MUSEU DA PESSOA;
MUSEU DA ASTRONOMIA;

MUSEU DE CERA;
MUSEU DO CHOCOLATE;

MUSEU DE MÚSICAS;
MUSEU DE QUADRINHOS;

MUSEU DE PESCA;
51
MUSEU DO FUTEBOL;

MUSEU DO ESPORTE;
MUSEU DO AUTOMÓVEL;

MUSEU ETNOGRÁFICO;
MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE;

MUSEU DA IMIGRAÇÃO JAPONESA;


MUSEU NACIONAL;

MUSEU DO LIXO;

MUSEU DO SEXO;
MUSEU DA MEDICINA;

MUSEU VIRTUAL;
CIBERMUSEUS.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Existe uma quantidade muito grande de variações de museus. Para
conhecer mais sobre os museus brasileiros cadastrados no sistema brasileiro de

museus acesse o endereço eletrônico


http://www.museus.gov.br/SBM/cnm_conhecaosmuseus.htm

Nesse site, você encontrará informações básicas sobre 2.240 museus


cadastrados. Certamente, um desses estará próximo da sua cidade.

52
UNIDADE 11. TIPOS DE ACERVOS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNDIADE


Identificar os principais tipos de acervos museológicos e as características
fundamentais do processo de conservação destes acervos.

ESTUDANDO E REFLETINDO
O conjunto de bens culturais, de natureza material ou imaterial, móvel ou

imóvel, é o que define o acervo museológico. Esse conjunto de bens estabelece


o campo documental de interesse de um museu de acordo com sua finalidade.

Por isso, um acervo pode ser constituído de obras de artes, esculturas, peças de
cerâmicas, peças de vestuário, jóias, sons, imagens, espécies animais ou

vegetais, dentre tantas possibilidades de museus destacadas anteriormente.


É em função desse conjunto de objetos que toda ação museológica será

organizada. Ou seja, toda prática de preservação, pesquisa e divulgação do


trabalho de um museu.

As recentes orientações museológicas, como já abordado, recomendam


que as técnicas de gerenciamento de um museu não se devem ater ao estudo
dos objetos apenas pelo seu potencial imediato e direto. Precisam buscar nele o
seu caráter interdisciplinar e multidisciplinar, ampliando as possibilidades de

interpretação do mesmo.

Documentação Museológica
O documento “Princípios básicos da museologia”, de autoria de Evanise

Pascoa Costa e publicado pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná em


2006 define documentação museológica como:
[...] Toda informação referente ao acervo do museu. Um museu que não
mantém atualizadas e em bom estado as informações relativas a seu acervo,

deixa de cumprir uma de suas principais funções, ou talvez a mais importante,


53
que é a preservação de sua memória. Os responsáveis pelos museus têm a

obrigação de manter as coleções em boa ordem e transmiti-las a seus

sucessores nas melhores condições de registro.

Esse mesmo documento aponta que a documentação museológica é

composta de: aquisição; arrolamento; registro ou inventário; classificação;


catalogação e pesquisa.

No que diz respeito a aquisição a tabela abaixo indica os documentos


que devem ser gerados pelo museu nos casos de empréstimo, transferência,

doação e empréstimo a longo prazo.

54
Outra dimensão bastante importante diz respeito à conservação do

acervo. Esse processo implica em aspectos como a guarda, transporte e


exposição. Tudo isso tem que ser organizado de forma a garantir a integridade

do acervo. Por isso a gestão museológica também requer conhecimento em


campos como a qualidade da atmosfera; temperatura, umidade e Iluminação.

A gestão museológica
Para Moura (2006), a Gestão de museus pode ser dividida em três níveis

ou etapas:
O primeiro nível define os objetivos, a missão, os princípios e estratégias do

museu e seu diagnóstico situacional. Equivale ao plano diretor do museu.

A portaria normativa nº. 1, de 5 de julho de 2006 (DOU de 11/07/2006), que


dispõe sobre a elaboração do “Plano Museológico” dos museus do Instituto do

Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN), compreende o “Plano Museológico” “por seu


caráter político, técnico e administrativo [como] instrumento fundamental para

a sistematização do trabalho

interno e para a atuação do museu na sociedade”15.


Para Davies, o Plano Diretor “é um processo que pode guiar os museus, ao

longo dos tempos difíceis que muitos deles estão enfrentando atualmente,
resultando em melhores serviços e maior eficiência, bem como em um

documento útil”.

Os autores pesquisados – considerando os planos enquanto documentos de


formalização do planejamento estratégico – enfatizam a importância de

planejar visando alcançar melhores formas de gerenciamento e

desenvolvimento institucional. Segundo Davies, o planejamento é crucial para


55
a boa administração e para a segurança dos museus. Nesse sentido, os riscos

devem ser levados em conta no planejamento, para prevenção contra

acontecimentos inesperados e para tomada de respostas em caso de


mudanças.

O segundo nível propõe as bases de trabalho, as áreas e os critérios de

atuação e divide os meios pelos quais serão alcançadas as determinações do


plano. São os programas, divididos por área de atuação – administração,

pesquisa, exposição, preservação, educação, divulgação e marketing etc.


O terceiro nível indica procedimentos e ferramentas para execução dos

programas bem como os métodos de aplicação dos recursos. Compreendem

as operações básicas e contínuas do museu. O que é definido em relação à


quantidade de recursos humanos e financeiros e suas aplicações, ao

cronograma de atividades, à formulação de documentos técnico-

administrativos, bem como todo o exercício prático das tarefas cotidianas, é


aplicado às áreas de atuação determinadas pelos programas. Assim se

estabelece esse terceiro nível, podendo ainda ter suas operações básicas

suplantadas ou realizadas em momentos específicos por projetos. (ps. 28 e


29).

BUSCANDO SABERES
Visite o site dos principais museus e analise as características de cada acervo.

Museu de Arte Sacra de São Paulo


Museu Paulista da USP

http://www.museuafrobrasil.org.br/
MIS - Museu da Imagem e do Som de São Paulo

Museu da Pessoa
http://www.museudofutebol.org.br/

Memorial da Imigração
Fundação Museu do Homem Americano - FUMDHAM

Museu de Ciências da USP - www.museudeciencias.usp.br


http://www.mam.org.br/2008/portugues/default.aspx

56
UNIDADE 12. ARQUIVO E MEMÓRIA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Essa unidade apresentará o arquivo como outra importante instituição

social que tem a função de cuidar da memória social. Os estudos aqui


enunciados cuidarão de apresentar a formação histórica dos arquivos bem

como os tensionamentos sociais presentes na sua forma de organização.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Já estudamos que o arquivo, assim como o museu, é uma instituição
social de grande importância e que se destina a preservar documentos e

assegurar a memória das sociedades.


Sua origem está associada ao aparecimento da escrita e à necessidade de

registro das atividades humanas. Existem indícios de que os arquivos já existiam


como forma de organização e preservação dos documentos nas civilizações do

oriente médio, há cerca de 6 mil anos. Infere-se que a primeira edificação


construída especialmente para abrigar um arquivo data do século XIV a.C. e
teria sido obra dos povos hititas.
Na antiguidade clássica, os gregos teriam criado os arquivos, por volta

dos séculos 400 a 350 a.C. Em Roma, data de 509 a.C. a criação do primeiro
arquivo. A manutenção da estrutura imperial expansionista teria contribuído

para o desenvolvimento de técnicas arrojadas de arquivística, cujos modelos,


ainda hoje, prevalecem. Definiram normas próprias para as técnicas de

arquivamento com definição de funções próprias para a conservação,


reprodução e validação de documentos. Havia arquivos centrais e arquivos

locais para governadores provinciais.


Durante a Idade Média, com o predomínio majoritário das forças

políticas da Igreja Católica, constata-se uma ambiguidade entre os conceitos de

57
biblioteca e arquivo. Sabe-se que os mosteiros eram os guardiões das

produções documentais.
Com a superação da ordem feudal e a criação da imprensa aumentam o

número de arquivos estatais, assim como da produção de documentos


decorrentes da sofisticação das formas de administração do aparelho

governamental.
Na contemporaneidade, Jardim (1987) menciona o surgimento da ciência

arquivística e esclarece que:


[...] as instituições arquivísticas públicas caracterizavam-se pela sua função
de órgão estritamente de apoio à pesquisa, comprometidos com a

conservação e acesso aos documentos considerados de valor histórico. A tal


concepção opunha-se, de forma dicotômica, a de ‘documento

administrativo’, cujos problemas eram considerados da alçada exclusiva dos

órgãos da administração pública que os produziam e utilizavam. (p.36).

O século XX, sobretudo nos Estados Unidos, produz a base conceitual


dos arquivos atuais e se difunde a ideia do ciclo de vida dos documentos de

arquivo.
Mais recentemente, no Brasil, a lei 8159, de 1992, definirá a política

nacional de arquivos públicos e privados, bem como suas competências e com


ela intensifica-se o movimento de estudos sobre a dimensão científica da

arquivística.
O Dicionário de Terminologia Arquivística define arquivo como conjunto

de documentos que, independente da natureza ou do suporte, são reunidos por


acumulação ao longo das atividades de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou

privadas (1996).
De acordo com Belotto (2005) o arquivo também é de natureza

administrativa, jurídica, informacional, probatória, contínua e cumulativa. Essa


configuração atribui ao arquivo duas finalidades precípuas: servir à

administração e referência para a produção do conhecimento histórico.

58
Rodrigues (2006) ao pesquisar sobre a natureza, origem histórica e

função social dos arquivos infere que os “arquivos são um reflexo da sociedade
que o produz e o modo de interpretá-lo também acompanha as mudanças que

ocorrem”
Para essa autora o atual estágio da produção de conhecimento em

arquivística permite inferir que:

Com base nas informações estudadas nessa unidade, é possível


identificar algumas das características que nos permitem afirmar ser o arquivo,

por meio das suas técnicas de organização, também uma instituição, cuja
finalidade está voltada à preservação da memória e, por essa razão, é objeto de

estudo fundamental para a História.


Assim, os arquivos também refletem o tensionamento social, uma vez ser

resultado das condições sociais de cada época e lugar.

59
BUSCANDO SABERES
Com base no princípio de que o arquivo também é uma instituição

responsável pela organização e zelo da memória social, leia o excerto do texto


abaixo.

“Michel Duchein foi quem conseguiu melhor defender e sistematizar a


aplicação do Princípio de Respeito aos Fundos, pois como afirma Lopes (1996,

p. 69), ele ligou, firmemente, a sua concepção de fundo de arquivo à existência


jurídica, administrativa e estrutural de uma organização.

Os critérios formulados por Duchein (1986, p. 20) para a definição do


organismo produtor de fundos de arquivos continuam válidos. São eles:

 para produzir um fundo de arquivos, no sentido atribuído ao termo pela


Arquivística (isto é, um conjunto indivisível de arquivos), um organismo,

seja público ou privado, deve assumir denominação e existência jurídica


próprias, resultantes de um ato (lei, decreto, resolução etc.) preciso e

datado;
 deve possuir atribuições específicas e estáveis, legitimadas por um texto

dotado de valor legal ou regulamentar;


 sua posição na hierarquia administrativa deve estar definida com
exatidão pelo ato que lhe deu origem; em especial, sua subordinação a
outro organismo de posição hierárquica mais elevada deve estar

claramente estabelecida;
 deve ter um chefe responsável, em pleno gozo do poder decisório

correspondente a seu nível hierárquico. Ou seja, capaz de tratar os


assuntos de sua competência sem precisar submetê-los,

automaticamente, à decisão de uma autoridade superior. Isto não


significa, evidentemente, que ele deva gozar de poder de decisão em

relação a todos os assuntos; certos assuntos importantes podem ser


submetidos à decisão do escalão superior da hierarquia administrativa.

60
Entretanto, para poder produzir um fundo de arquivos que seja próprio,

um organismo deve gozar de poder decisório, pelo menos, no que disser


respeito a determinados assuntos;

 sua organização interna deve ser, na medida do possível, conhecida e


fixada num organograma.”

SOUSA, Renato Tarciso Barbosa. Os princípios arquivísticos e o conceito de


classificação. Organização e Representação do Conhecimento. p. 252-253.

Disponível no endereço eletrônico


http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/1439/1/CAPITULO_PrincipiosArqu

ivisticosConceitoClassifica%C3%A7%C3%A3o.pdf

INDICAÇÃO DE LEITURA
A teoria dos arquivos e a gestão de documentos. Disponível no endereço
eletrônico http://pt.scribd.com/doc/445140/A-teoria-dos-arquivos-e-gestao-de-

documentos

61
UNIDADE 13. CONCEITO DE DOCUMENTO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Conhecer o conceito de documento e sua importância para os estudos

no campo da museologia e da arquivística.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Um documento é tudo o que pode ser utilizado para a comprovação de
um fato. Assim, o conceito de documento pode ser apresentado como toda

informação que poderá ser utilizada para estudo e outras maneiras de consulta

uma vez que comprovam fatos e demais produções da vida em sociedade em


diferentes tempos.

O documento não se restringe a sua representação textual, uma vez


poder ser constituído por outras formas além da escrita, tais como, filmes,

insígnias, fotografia, medalhas e outras formas da produção humana.

BUSCANDO CONHECIMENTO
Estude nos excertos a seguir a conceituação de Documento nos
territórios da arquivologia e da museologia.

O Conceito de Documento em Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia

Gabrielle Francinne de S.C Tanus


Leonardo Vasconcelos Renau

Carlos Alberto Ávila Araújo

[..]
O Conceito de Documento na Arquivologia

62
Os arquivos são instituições públicas ou privadas, que têm como

principais funções ou processos a: criação, avaliação, aquisição, classificação,


descrição, comunicação e conservação dos documentos gerados em

decorrência do exercício das atividades funcionais que se estabelecem


primordialmente pelas vias jurídico-administrativas (ROUSSEAU; COUTURE,

1998). Além dessas funções técnicas, desdobram-se dos documentos outros


entendimentos essenciais para o funcionamento dos arquivos, como os

princípios da proveniência ou do respeito aos fundos, da territorialidade, do

respeito à ordem natural, da pertinência ou princípio temático, e o princípio da


reversibilidade (ARQUIVO NACIONAL, 2005). Além destes princípios da

Arquivologia, os documentos de arquivo possuem certas características que lhe


são peculiares tais como a unicidade, organicidade, indivisibilidade, integridade,

autenticidade e heterogeneidade de seu conteúdo (BELLOTTO, 2002; MARTÍN-


POZUELO CAMPILLOS, 1996).

Paes (2006), ao escrever acerca da origem dos arquivos e da importância


deles para a sociedade, revela que eles guardavam os tesouros culturais da

época e eram responsáveis pela proteção dos documentos que atestavam a


legalidade de seus patrimônios. Não distante desses entendimentos, Gomes
(1967) aponta que a origem dos arquivos teve como base o surgimento da
escrita e a proliferação dos documentos nas mais variadas instâncias: individual,

religiosa, jurídica, profissional, econômica, social ou nacional. Para ele, esse


crescimento da quantidade de documentos decorreu da passagem de uma

cultura oral para a escrita, permitindo ao ser humano conhecer na estrutura, no


tempo e no espaço, o valor das palavras, levando-o a perceber que, depois da

descoberta da escrita, a origem dos arquivos torna-se igualmente relevante


para a sociedade.

Conceitualmente, para esse autor, o documento é considerado “[...] peça


escrita ou impressa que oferece prova ou informação sobre um assunto ou

63
matéria qualquer” (GOMES, 1967, p. 5). Pode-se inferir, então, que o documento

vincula-se a materiais fisícos que de alguma forma são registrados. Esses


documentos são guardados e conservados em arquivos, que, por sua vez,

consistem em um local onde se armazenam conjuntos de documentos com a


finalidade de tornar acessível o uso das informações contidas nos mesmos. Não

obstante, para Paes (2006, p. 26), o documento consiste no “[...] registro de uma
informação independente da natureza do suporte que a contém”. A autora

acrescenta que a distinção entre o conceito de documento e de documento de

arquivo reside na diferença de sua origem e de sua coleta, a saber: “1) Aquele
que, produzido e/ou recebido por uma instituição pública ou privada, no

exercício de suas atividades, constitua elemento de prova ou informação; 2)


Aquele produzido e/ou recebido por pessoa física no decurso de sua existência”

(PAES, 2006, p. 26).


Feijó (1988) discute especificamente os arquivos escolares, no entanto,

antes de adentrar a essa questão específica, ele define documento como sendo
“[...] todos os papéis contendo informações que ajudem a tomar decisões,

comuniquem decisões tomadas, registrem assuntos de interesse de uma


organização e indivíduo” (FEIJÓ, 1988, p. 24). A definição específica de

documentação escolar se origina em decorrência das características as quais os


documentos se vinculam; assim, o documento escolar é um “[...] conjunto de

documentos contendo informações sobre a vida escolar tanto da organização


quanto do indivíduo” (FEIJÓ, 1988, p. 25). A partir da definição deste conceito, o

autor classifica os documentos escolares em permanentes e descartáveis,


citados aqui, para demonstrar as possíveis aberturas do conceito de documento

segundo a instituição mantenedora.


Esse exemplo do documento escolar e do arquivo escolar ilustra apenas

mais uma forma existente, dentre a gama de possibilidades de documentos, de


arquivos e dos tipos de arquivos. Contemporaneamente é possível notar o

64
crescimento dos arquivos pessoais, arquivos literários, arquivos fotográficos,

arquivos cinematográficos, entre outros. Os documentos desses novos tipos de


arquivos contribuem para a ampliação do conceito de documento para além do

suporte tradicional ou planificado. Além disso, contribuem também para o


distanciamento do arquivo como instituição tradicionalmente custodiadora

apenas de papéis de cunho administrativo. Diante disso, apresenta-se o


conceito de Schellenberg, que dialoga como os outros formatos e suportes

documentais, ou melhor, outros tipos de arquivos e documentos, isto é:

Todos os livros, papéis, mapas, fotografias ou outras espécies


documentárias, independentemente de sua apresentação física ou

características, expedidos ou recebidos por qualquer entidade pública ou


privada no exercício de seus encargos legais ou em função das suas atividades e

preservados ou depositados para preservação por aquela entidade ou por seus


legítimos sucessores como prova de suas funções, sua política, decisões,

métodos, operações ou outras atividades, ou em virtude do valor informativo


dos dados neles contidos (SCHELLENBERG, 2006, p. 41).

O autor amplia o conceito de documento para a área da Arquivologia,


acrescentando também, em sua obra, um paralelo entre os arquivos e as
bibliotecas, cuja distinção e relação se fazem segundo gênero; origem;
aquisição e custódia; métodos de avaliação; métodos de classificação e método

descritivo dos documentos. Essa distinção leva Paes (2006, p. 18) a concluir que
“a Biblioteconomia trata de documentos individuais e a arquivística, de conjunto

de documentos”. Assim, ambas as áreas, Arquivologia e Biblioteconomia, tratam


de questões suscitadas pelos documentos, mas com meios e finalidades

diferentes.
Segundo Castro (1988), essa abertura do conceito de documento

conduziu a sua classificação em duas formas distintas: o documento em sentido


restrito e o documento em sentido amplo. No sentido restrito o documento é o

65
livro, folheto, revista, relatório, entre outros exemplos. Acredita-se que este

sentido é o mais disseminado, em razão da materialidade concedida ao


documento convencional. No sentido amplo o documento pode ser visto como

bem cultural, ou seja, um monumento, um sítio paisagístico. Nessa mesma


perspectiva dicotômica, Rendón Rojas (2009) esclarece que, apesar da variedade

conceitual no âmbito da Arquivologia, a palavra arquivo, de algum modo,


conserva duas dimensões, uma tradicional, que entende o arquivo como um

lugar onde se guardam documentos, e outra que corresponde a um conjunto

orgânico de documentos, o que contribui para a visão da Arquivologia como


disciplina integrante do sistema informativo documental.

Emilia Currás (1982), décadas antes, tencionou a relação entre


Arquivologia e Biblioteconomia, e Documentação e Informação. Para ela, as

ciências documentais são compostas pela Arquivologia, Bibliotecologia,


Documentação e Informação, em virtude de estas áreas trabalharem com

documentos e deles extraírem a informação. A diferença entre as instituições


dos arquivos, bibliotecas e dos centros de informação reside na diferença entre

os tipos de documentos. Segundo a autora, os museus não integram as ciências


documentais, pois diferente dos arquivos e das bibliotecas, eles são espaços
preocupados em conservar as obras de arte, assumindo, portanto, a posição de
que seus objetos são distintos dos documentos escritos (CURRÁS, 1982).

Por fim, é possível perceber que há na literatura uma multiplicidade de


conceitos de documentos e de documentos arquivísticos, bem como conceitos

de arquivos, os quais variam segundo a característica do acervo, sem, contudo,


perder de vista os princípios da Arquivologia. Os entendimentos das relações

dos arquivos com outras instituições que também lidam com documentos não
são unânimes entre os teóricos, todavia, a proximidade entre os arquivos e as

bibliotecas parece maior do que com os museus. Essa proximidade ocorre


devido ao fato de ambos trabalharem com documentos materializados em duas

66
dimensões, enquanto nos museus prevalecem os objetos/documentos em três

dimensões. Desse modo, os documentos de arquivos e de bibliotecas são


registrados, em sua maioria, pela escrita e seus significados, isto é, a

informação, pode ser extraída deles, de forma mais direta. A totalidade das
informações contidas nos objetos de um museu não se apresenta tão direta ou

claramente como nas linhas de um texto. Estas questões serão tratadas nas
próximas seções, dedicada à Biblioteconomia e à Museologia.

[...]
O Conceito de Documento na Museologia

As ideias de Hernández (2006) estabelecem uma proximidade da


Museologia com a Documentação, uma vez que, dentro dos museus, existem

diversos tipos de documentos, alguns cujo suporte é o papel, outros que


utilizam qualquer outro suporte disponível, como pedra, metal, osso ou

madeira. Todavia, “[...] em todo caso, qualquer suporte pode conter


determinado conhecimento e servir de meio de transmissão desse

conhecimento” (HERNÁNDEZ, 2006, p. 163). Do mesmo modo, para Chagas


(1994), o documento se desdobra em objetos, livros, papéis, coleção,

patrimônio cultural e natural, assim, os documentos estão presentes tanto nos


museus quanto nos arquivos e nas bibliotecas.

Meneses (1998), ao definir as características do objeto, também direciona


a compreensão do objeto como documento, considerando-o como um suporte

de informação. Segundo o autor, no objeto encerram-se as informações


intrínsecas, aquelas que referenciam aos atributos físico-químicos (forma

geométrica, cor, peso, textura, dureza, etc) e as informações extrínsecas, as


quais são inferidas, dando origem aos discursos sobre o artefato, que podem

ser falsos, enquanto sua integridade física corresponde à verdade objetiva.


Assim, cabe ao historiador, por meio do objeto/documento, interpretar as

67
informações que aquele lhe fornece, e desse conhecimento produzido origina o

que pode ser chamado de sistema documental.


Para Chagas (1994) o documento pode ser compreendido sob duas vias:

a primeira remete à própria origem da palavra docere, “aquilo que ensina”, mais
precisamente, o documento se torna um instrumento a partir do qual algo pode

ser ensinado a alguém; a segunda via refere-se ao entendimento de documento


como “suporte de informação”, e que só pode ser considerado como tal se for

interrogado. Desse modo, os documentos em seu nascedouro são apenas

coisas e objetos, pois, para serem vistos como documentos, precisam ser
problematizados e questionados. Para Meneses (1998), por sua vez, o objeto

pode funcionar desde sua criação como um documento, porque pode fornecer
informações diferentes daquelas previstas para a sua funcionalidade.

Seguindo essa relação entre objeto/documento, apontados pelos autores


supracitados, Cândido (2006) argumenta que as instituições museológicas

devem criar métodos e mecanismos que permitam o levantamento e o acesso


às informações das quais objetos/documentos são suportes. Assim, são criados

os Sistemas de Documentação Museológica, motivados pela preocupação em


preservar, investigar e comunicar. Tais sistemas têm, portanto, a
responsabilidade de armazenar as informações individuais sobre os objetos, por
meio de palavras e imagens, bem como ampliar os conteúdos documentais

existentes (textuais e iconográficos), e disponibilizar a base de dados para


consultas internas e externas.

Além disso, os três conceitos basilares da Museologia, preservação,


investigação e comunicação, presentes nas instituições de memória cultural,

revelam o desafio destas instituições em manter um equilíbrio dinâmico entre


esses conceitos (CHAGAS, 1994). Ao abordar essa tríade, Julião (2006) os define

como campos de atuação distintos e complementares ao funcionamento


adequado dos museus, os quais também devem manter equilíbrio entre si. Ao

68
versar sobre as instituições museológicas, a autora ressalta que os museus têm,

em seus acervos, objetos como documentos da cultura material, os quais


servem como fonte de investigação de pesquisas históricas no espaço

museológico.
Assim como Cândido (2006), Julião (2006) demonstra a importância do

trabalho de investigação nos museus. Esta autora apresenta dois tipos de


pesquisa: uma com base nos objetos, fruto da Documentação Museológica,

sendo o profissional quem decodifica as informações contidas nesses objetos,

criando instrumentos de pesquisa, como os inventários, catálogos e registros; e


outra, a pesquisa propriamente dita, que envolve investigações e estudos que

vão além do objeto em si, centrando-se na historicidade que o cerca, e nas


relações desse objeto com seu contexto sociocultural. Enfim, “[...] é neste

cenário que ocorre um progressivo desenvolvimento das pesquisas e estudos


da cultura material, acompanhado da valorização do estatuto documental

conferido aos objetos” (JULIÃO, 2006, p. 97).


Percebe-se, então, que a questão do documento no campo museológico
suscita uma abstração, um profundo questionamento do objeto, para que se
possa entendê-lo como documento. Essa problematização do
objeto/documento não é neutra, porque os objetos e documentos não são
neutros, visto que a produção de documentos, de maneira consciente ou

inconsciente, perpetuada pela época e sociedade que os produziram, não é


“inocente”, portanto, vale ressaltar que “O documento não é inócuo” (LE GOFF,

1994, p. 547). Tem-se ainda a operação com eles, as quais são sempre de
natureza retórica, pois quem fala não é o documento, e sim o historiador que

fala por ele (MENESES, 1998). É também o homem com a sua subjetividade que
seleciona os objetos para salvaguardá-los para as futuras gerações, o que

conduz a outra questão inerente a Museologia: o processo da musealização.

69
A musealização, considerada uma das formas de preservação do

patrimônio cultural realizada pelo homem, constitui-se de uma “[...] valorização


seletiva, mas contínua no conjunto de ações que visa à transformação do objeto

em documento e sua comunicação” (CURY, 2005, p. 25). Segundo Meneses


(1994), a transformação do objeto em documento é o eixo da tarefa da

musealização. Tal processo compreende ainda uma série de ações sobre o


objeto, como a aquisição, a pesquisa, a conservação e a documentação, para ser

possível realizar com o mesmo o processo de comunicação/ exposição (CURY,

2005). Deste modo, para Lara Filho (2009), o objeto musealizado assume sua
função documental, e, ao assumir as consequências dessa transformação, o

museu passa a trabalhar não só com bens materiais, mas também com bens
simbólicos.

Posto esse enlace que se estabelece entre o objeto e o documento, traz-


se, ainda, a discussão do documento como monumento, feita por Le Goff

(1994), em que o monumento é visto como uma herança do passado,


geralmente edificado por meio das obras monumentais. O documento, para

além do registro gráfico, se funda no início do século XX, com a construção de


uma nova maneira de fazer História, e, nesse cenário, os documentos passam a

ser compreendidos como tudo aquilo que “[...] pertence ao homem, depende
do homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra a presença, a

atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem” (LE GOFF, 1994, p. 450).


Por fim, com a abordagem de estudos do acontecimento histórico iniciada na

primeira metade do século XX pela assim chamada Escola dos Annales, houve
uma abertura do conceito de documento, que impactou definitivamente o

campo da História e das instituições museológicas, culminando na projeção dos


artefatos/objetos como fontes de informação e instrumentos para as pesquisas

históricas (BURKE, 1992). Considera-se, dessa forma, os objetos de museus,


como vestígios da cultura material, os quais servem igualmente para a

70
(re)constituição de uma memória coletiva. Nesta linha, conforme Le Goff a

análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva


recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno

conhecimento de causa”. Essa abertura eleva a valorização do


objeto/documento também como monumento, levado a outros campos do

conhecimento, além da História.

Disponível em: http://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/220

71
UNIDADE 14. DOCUMENTO E SUA FUNÇÃO NO ENSINO DA
HISTÓRIA

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Analisar o documento como importante fonte de informação e objeto de

estudo do arquivo e do arquivista.


Identificar os diferentes tipos de documentos e a relação desse estudo

com as possibilidades no ensino de História..

ESTUDANDO E REFLETINDO
As ações decorrentes do uso de documentos com a finalidade de ensino
deverão estar consonantes com os objetivos da aprendizagem. Daí a

inevitabilidade de se realizar, sempre, rigoroso planejamento das ações


educativas.

Circe Bittencourt (2004. p. 327) ressalta a importância do uso de


documentos para o ensino de história. No seu estudo sobre o “uso didático dos

documentos” essa autora chama a atenção para a necessidade de diferenciar as


práticas do ensino das práticas de pesquisa do historiador.

É muito importante que o professor saiba se valer dos documentos como


fontes de informação. No entanto, são necessários conhecimentos específicos

do campo da didática e da psicologia da aprendizagem para transformar os


documentos em materiais didáticos.

Em síntese, com base nos postulados de Henri Moniot, ela nos adverte

para a importância de se ter claro a diferença entre pesquisa histórica com


documentos e o uso de documentos como recurso de aprendizagem.

Para Bittencourt:
O professor traça objetivos que não visam à produção de um texto

historiográfico inédito ou a uma interpretação renovada de antigos


conhecimentos, com o uso de novas fontes. As fontes históricas em sala de

72
aula são utilizadas diferentemente. Os jovens e as crianças estão “aprendendo

história” e não dominam o contexto histórico em que o documento foi

produzido, o que exige sempre a atenção ao momento propício de introduzi-


lo como material didático e à escolha dos tipos adequados ao nível e às

condições de escolarização dos alunos. (p. 329-330).

Para tornar possível o uso de documentos em sala de aula, o professor

precisa ter bem claro os objetivos de cada aula e saber diferenciar as finalidades
da produção do conhecimento histórico, uma vez que o aluno não é um

“pequeno historiador”. É necessário, ainda, dominar os fundamentos do saber

escolar, definidores dos procedimentos para que os estudantes “aprendam


história”.

Uma vez estabelecidas as adequadas condições, para que o ensino de


história não se confunda com a pesquisa histórica e com fontes documentais o

professor poderá utilizar os documentos como ilustração, fonte de


informação ou para criar uma situação-problema, ou seja, provocar uma

reflexão sobre determinado tema.


O documento selecionado para a finalidade de servir como ilustração

pode reforçar uma ideia ou conceito apresentado pelo professor ou pelos


materiais didáticos utilizados em aula. Exemplo o texto da lei Áurea ao tratar a
abolição da escravidão no Brasil - LEI N. 3353 - DE 13 DE MAIO DE 1888

73
tGmZhOkiFqT/lei_aurea.jpg
Fonte: http://api.ning.com/files/OUAIVSA1v1I42JClYP1GTdGxXew5QB5oPUeeXPdVt7ctXTdyhJaZiVuOhI3GGRi4rwVZCPNGwuowhbqCq-

Esse documento, em si, não possibilita a compreensão plena do processo

de suplantação do trabalho escravo e a transição para o trabalho assalariado no


Brasil. No entanto, serve como boa ilustração para o estudante compreender

que a escravidão, do ponto de vista legal, foi substituída por outra forma de
produção.

Bittencourt também recomenda que o professor considere a


complexidade do desenvolvimento do aluno, ou seja, idade, série e outras

74
variáveis que determinam as condições e possibilidades do processo de

aprendizagem.
Embora o uso de documento seja fonte importante de trabalho para o

professor de história, é mister destacar que toda ação decorrente do uso de


documentos deve ser rigorosamente planejada, para atender aos propósitos da

aprendizagem. Para isso, o planejamento é etapa imprescindível e fundamental.

BUSCANDO CONHECIMENTO
LEITURAS
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e
métodos. São Paulo: Cortez, 2004. Pags. 354 a 358.

Silva, Marcos; FONSECA, Selva Guimarães. Ensinar História no século XXI: em


busca do tempo entendido. Campinas-SP: Papirus, 2007. Pags. 71 a 86.

No lugar do outro

Todo cuidado é pouco quando o professor leva documentos para a sala de


aula, já que eles podem acabar provocando equívocos

Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

Para felicidade dos alunos, as aulas de História da educação básica nem


sempre são sinônimo de uma longa exposição oral por parte do professor.

Fotos, mapas antigos, filmes e documentos, como a carta de Pero Vaz de


Caminha, têm sido cada vez mais usados em sala. Mas, além de agradar aos

estudantes, será que a utilização desses vestígios do passado é sempre positiva?


Do ponto de vista pedagógico, os professores precisam tomar cuidado quando

levam para as classes as mesmas fontes que os historiadores utilizam na


produção de seus relatos.

75
O principal problema dessa prática é a utilização de documentos como

mera comprovação do passado. Em geral, os professores acabam usando os


documentos para afirmar a veracidade de determinados fatos ou para dar

relevo aos seus argumentos. Isso é resultado, em parte, de um drama comum


na aula de História que começa em duas situações: a primeira é quando o

estudante pergunta a razão de estudar a disciplina (“uma coisa tão antiga”); a


segunda é quando o aluno indaga, por exemplo, sobre os rituais de

mumificação no Egito Antigo e acrescenta: “Como o senhor sabe, professor, se

não estava lá”? O embaraço das questões leva o docente a reafirmar o papel da
fonte como prova de seu relato. Esta utilização é perigosa, porque leva as novas

gerações a preservarem a noção de História como algo que trata apenas do que
está escrito nos documentos.

Um exemplo: ao ensinar Primeira Guerra Mundial, o professor afirma que


a Alemanha recebeu severas punições por meio do Tratado de Versalhes.

Quando perguntado sobre como sabe disso, responde entregando aos alunos
uma cópia de artigos desse tratado. Ora, esta utilização da fonte serviu única e

exclusivamente para reafirmar o que dissera sobre fim da guerra. O correto seria
problematizar o documento quanto ao seu papel na época em que foi

elaborado. O equívoco não é o fato de o Tratado de Versalhes ser levado para a


sala de aula, mas é ele servir apenas para confirmar o discurso do professor.

Este procedimento define o caráter de submissão dos relatos à fonte, contra o


conceito de documento utilizado atualmente na História.

Por muito tempo, imagens como pintura, gravura e fotografia foram


usadas em aula como um retrato da História. O quadro “O grito do Ipiranga”, de

Pedro Américo, é exemplar neste sentido. A pintura influenciou para que esse
acontecimento fosse interpretado como um ato de um grande homem, sem a

participação popular. O quadro, concluído em 1888, mostra D. Pedro como a


figura central, destacado no plano mais alto e cercado por seus soldados, todos

76
com as espadas desembainhadas. Ao lado, no canto da tela, aparece um

carreiro com seu carro de boi. Nesta representação, a figura imponente do


imperador e a inexistência da representação do povo deixam exatamente a

impressão de que a Independência do Brasil fora obra da vontade de D. Pedro,


diante das Cortes portuguesas. A recorrência da pintura nos livros didáticos fez

dela a maior e mais importante representação desse fato histórico, contribuindo


para a reprodução do discurso de que tivemos uma independência pacífica e

ordeira, bem diferente da de nossos irmãos do restante da América.

Os filmes que narram acontecimentos também não podem servir como


substituição das aulas de História. A sétima arte deve ser um ponto de partida

para se analisar o olhar de uma época sobre outra, sendo apenas auxiliar para o
ensino da disciplina. O recém-lançado “Robin Hood”, de Ridley Scott, por

exemplo, precisa ser compreendido no momento em que foi produzido e


considerando-se, inclusive, a perspectiva do seu diretor. A aula de História não

pode se prestar simplesmente para se ensinar a Inglaterra do século XII por


meio do filme. Considerado como documento, o longa-metragem pode revelar

muito da nossa história atual e, ao mesmo tempo, o modo como olhamos, a


partir do presente, para o passado medieval.
A fotografia também pode ser vista como um documento histórico, mas
sua utilização depende de um certo cuidado. Primeiro, o professor precisa se

atualizar quanto às discussões teóricas sobre o tema, ou seja, do seu papel


como fonte histórica; segundo, é necessário desmistificar a ideia de que a

fotografia “retrata” a realidade tal como ela é. O fotógrafo também está imerso
em um contexto histórico determinado e capturou com sua câmera um

fragmento do real, que não é outra coisa senão a leitura que ele tem da sua
própria realidade. Seria interessante confrontar, na escola, o que é visto pela
lente do fotógrafo com o que é visto pela “lente” do texto do historiador ou do
livro didático. As fotografias do Rio Antigo, do início do século XX, de Augusto

77
Malta, por exemplo, servem também para se pensar o modo como

selecionamos e guardamos a memória. O mesmo serve para as fotos de


Sebastião Salgado, nos dias de hoje. Quem sabe seria necessário perguntar aos

estudantes da educação básica que memória queremos guardar da época em


que vivemos? Que acontecimentos queremos ver lembrados e rememorados

através do tempo? Que realidades queremos mostrar?


A revolução operada na historiografia do século XX acabou com o

império da fonte escrita, permitindo que o olhar do historiador alcançasse

imagens, filmes, crônicas, relatos de viagem, registros paroquiais, obras de arte,


vestígios arquitetônicos e memória oral, entre outros. Com isso, o termo

“documento” deixou de ter o mero significado de prova e passou a ser


considerado vestígio. Desde a escola dos Annales, mas já bem antes, o conceito

de fonte histórica tem se ampliado e se transformado significativamente. A


partir dela, o historiador deixou de se concentrar apenas nos documentos

oficiais e nos fatos políticos, típicos da história positivista, passando a se voltar


também para os aspectos da vida social, só contemplados por determinadas

ciências, como a Antropologia e a Sociologia.


A popularização do uso de fontes nas escolas está ligada justamente a

essa mudança na concepção de documento. A introdução de outros materiais


em sala foi difundida também porque aproxima os acontecimentos do passado

ao tempo do estudante. Assim, o aluno tem mais recursos para compreender


outras realidades tão diferentes da sua, e acaba sendo mais motivado.

As fontes devem servir para mostrar às novas gerações a complexidade


da produção do conhecimento histórico. Essa prática deve ensinar menos a

“quantidade adequada dos conteúdos” e contribuir mais para criar outra


memória, ou seja, novos modos de olhar para o mundo, que ultrapassem os

limites do senso comum. O objetivo é que esta disciplina escolar possa ser vista
como um espaço no qual as novas gerações buscam tanto suas referências

78
culturais – étnicas, de gênero, nacionais, etc – quanto experiências diversas. Em

suma, a História deve servir para que os alunos compreendam quem são hoje.
O trabalho com documentos pode e deve ser pensado sob duas óticas: mostrar

aos estudantes as condições nas quais o conhecimento histórico é produzido e


permitir uma visão mais concreta em relação ao passado.

Ensinar a ler documentos, separá-los por séries e descrever suas


regularidades são ações didáticas importantes, mas não se trata de querer

tornar o estudante um mini-historiador. O objetivo é mostrar como os

historiadores produzem a partir de documentos e quais os problemas


envolvidos nessa produção. O estudante deve se tornar alguém capaz de

reconhecer na História o estatuto de uma ciência, com seus limites e suas


possibilidades. O aluno precisa brincar com o documento, levantar hipóteses,

reconhecer nele o tempo do qual fez parte, perguntar o que levou à


preservação desse documento e não de outros, que razões presidiram a sua

produção. Essas são questões que devem ser levantadas sempre em sala de
aula.

Utilizamos as fontes tanto para mostrar a complexidade do


conhecimento histórico e modificar o modo como se representa a História na

memória coletiva quanto para aproximar as experiências alheias ao estudante. O


risco é reafirmar aquilo que a historiografia já abandonou há um bom tempo,

ou seja, a noção de que o documento carrega a verdade da História, enquanto


os historiadores seriam apenas sujeitos passivos ao descreverem o passado por

meio das fontes. Mesmo assim, é algo que vale experimentar, até para se
aprender a reconhecer e contornar esta alternativa, criando outras

possibilidades em sala de aula.

Nilton Mullet Pereira é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e

79
autor do livro Possíveis Passados: representações da Idade Média no ensino de

História (Zouk, 2008).


Fernando Seffner é professor da UFRGS e organizador, junto com José Alberto

Baldissera, do livro Qual história? Qual ensino? Qual cidadania? (Ed. Unisinos,
1997).

Texto disponível no endereço eletrônico:


http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=3163

80
UNIDADE 15. TIPOLOGIAS DOCUMENTAIS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Identificar os tipos de documentos e várias formas de identificação e

organização.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Na definição de tipologias, o princípio da hierarquia tem sido
predominantemente utilizado para a organização e classificação dos

documentos. No entanto, é importante ter sempre no horizonte a ideia

fundante de Tipo documental que, segundo do Dicionário da tipologia


arquivística (p. 74) é a “Configuração que assume uma espécie documental, de

acordo com a atividade que a gerou”.


Duranti reforça esse princípio ao afirmar que,
A correta delimitação da tipologia documental, considerada em função do seu
contexto de produção, é de fundamental importância para definir sua

classificação, valor para preservação ou eliminação e utilização.


Na perspectiva tradicional da arquivística, para o conhecimento da gênese do

documento, devemos partir da análise do geral para o particular, do órgão

para o resíduo material do exercício de suas competências, que é o


documento que circula e é acumulado no arquivo. Este é um axioma

arquivístico para um segmento de teóricos na área, mas que vem se tornando

objeto de reflexão entre os profissionais que estudam as questões de


naturezas teóricas metodológicas propostas pela diplomática contemporânea,

também chamada de tipologia documental. (2002, p. 47).

Tem se observado uma tendência que adota como ponto de partida a

prática do exame do documento em si para, posteriormente, examinar-lhe a


origem. Reside nessa prática uma possibilidade de não se atentar para o

princípio da unicidade.

81
BUSCANDO CONHECIMENTO
Ana Célia Rodrigues enfatiza que os estudos arquivísticos atuais no
campo da diplomática, deram origem a tipologia documental.

Leia abaixo um excerto do seu estudo publicado com o título de


“Identificação: um modelo de pesquisa em arquivística sobre o órgão produtor

e sua tipologia documental”

[...]
Identificação: a pesquisa em arquivística realizada nos parâmetros da diplomática
e tipologia documental
A identificação é um tipo de investigação científica particular que constitui uma
ferramenta de trabalho para o arquivista. Uma metodologia de pesquisa que se
desenvolve nos parâmetros do rigor científico, como tarefa preliminar e necessária às
funções da classificação, avaliação, descrição e planejamento da produção documental.
No campo da arquivística a identificação se caracteriza como uma tarefa de natureza
intelectual, desenvolvida com o objetivo de determinar a identidade do documento de
arquivo, de reconhecer os caracteres próprios e exclusivos que conferem essa
identidade. Significa determinar os elementos que o individualizam e o distinguem em
seu conjunto.
O documento de arquivo é produzido de forma involuntária, criado no decurso
de uma atividade. É o resíduo material da ação que lhe dá origem. É a própria ação
“autodocumentada”, como define Menne-Haritz (1998). “Uma ação é qualquer exercício
de vontade que objetiva criar, mudar, manter ou extinguir situações”, e constitui o
núcleo do documento, ressalta Heather Mac Neil (2000, p. 93). Desta característica
essencial, inerente a sua gênese, decorre sua natureza probatória.
A identidade do documento de arquivo se mostra através dos elementos que o
integram: sua estrutura e substância. Estão representadas através de regras, que
contém elementos intrínsecos e extrínsecos. Estes caracteres são estudados do ponto
de vista da diplomática e também da arquivística.

82
Esta capacidade de provar o fato que lhe dá origem é resultado da especial
relação que o documento tem com o órgão que o produz, o vinculo que se revela no
conteúdo pela atividade registrada, que constitui o núcleo de sua identidade. Esta fase
da metodologia arquivística denominada identificação, é qualificada pelos autores
como “fase do tipo intelectual” que consiste em estudar analiticamente o contexto e a
tipologia documental produzida na especificidade da gestão administrativa que o
caracteriza. Neste sentido, é um trabalho de pesquisa e de crítica sobre a gênese
documental.
Nesta perspectiva, a identificação tem por objeto de estudos o órgão produtor,
seu elemento orgânico (áreas administrativas que o configuram) e funcional
(competências, funções, atividades e tarefas) e a tipologia documental que decorre
desta gestão.
A metodologia versa sobre os “estudos institucionais”, somados à “análise
documental”, fundamentados na aplicação direta do princípio da proveniência e da
ordem original. “Este conhecimento sobre o órgão produtor combinado a um processo
analítico dos documentos produzidos, a partir do conhecimento das suas características
internas e externas, permite chegar à identificação das séries documentais”, ressalta
Pedro López Gómez (1998, p. 39).
A pesquisa sobre o órgão produtor dos documentos se viabiliza a partir os
dados encontrados em vários tipos de fontes de informações, que variam de acordo
com a natureza do órgão, se público ou privado, ou em função das características do
conjunto documental, se permanente ou em fase da produção O estudo das
características que apresentam a tipologia documental, versando sobre os caracteres
internos e externos que se refere a sua estrutura física e ao seu conteúdo, permitindo a
realização de estudos comparativos, com olhar retrospectivo, para tratar além da
tipologia produzida, também a acumulada nos arquivos. Toda a informação resultante
desta fase da pesquisa será compilada nos manuais ou sistemas de tipologia
documental. (RODRIGUES, 2005).
A identificação pode ser desenvolvida durante todas as fases do ciclo de vida
dos documentos, podendo incidir sobre o momento de sua produção, para efeito de

83
implantação de programas de gestão de documentos, ou no momento de sua
acumulação, para controlar fundos transferidos ou recolhidos aos arquivos.
No âmbito dos processos de identificação interessa verificar como a
identificação de documentos para definir séries, esta relacionada com as atuais
discussões em torno da teoria e da metodologia da diplomática.
A renovação desta matéria e sua aplicabilidade no campo da arquivística estão
representadas pelas teorias formuladas na Itália por Paola Carucci e Luciana Duranti,
que desenvolve estudos no Canadá; na Espanha, por Luiz Nuñez Contreras, Manuel
Romero Tallafigo, Vicenta Cortés Alonso e Antonia Heredia Herrera e no Brasil, por
Heloisa Liberalli Bellotto, autores cujas ideias vêm contribuindo para a consolidação de
uma tradição arquivística brasileira na área, tanto no campo da construção teórica,
como na aplicabilidade dos princípios metodológicos da nova diplomática no âmbito
dos arquivos.
Entre 1982 e 1992, Luciana Duranti começa a trabalhar com esta nova
perspectiva. Escreve alguns artigos que apareceram em seis edições da Revista
Archivaria1, cujo objetivo era “estender os conceitos e métodos diplomáticos, a fim de
fazê-los relevantes e aplicáveis aos documentos contemporâneos de qualquer tipo e
em qualquer meio (mídia)”.
A revisão da disciplina efetuada por Luciana Duranti e as ideias por ela
divulgadas, na construção da diplomática arquivística, como a denomina, vêm nutrindo
o debate teórico sobre a produção de documentos em ambientes eletrônicos,
orientando as práticas realizadas em arquivos de todo o mundo. A autora ressalta a
necessidade de o profissional conhecer bem o elo que une o documento ao órgão que
o produziu, afirmando que “se o arquivo é um todo constituído por partes e é
impossível entender e controlar o todo sem compreender e controlar suas partes ainda
que as mais elementares”. (DURANTI, 1995, p. 2)
Discutindo o uso da diplomática como metodologia de pesquisa para a
arquivística, Luciana Duranti enfatiza que
é essencial reconhecer como o conteúdo informativo do fundo arquivístico é

determinado pelas funções de seu criador, como a forma (a organização de


conjuntos de documentos dentro do fundo) é determinada pela estrutura

organizacional dentro da qual se produzem e como a forma e inter-relações


84
de seus documentos (dentro de cada conjunto) são determinadas pelas

atividades e procedimentos que as geraram (DURANTI, 1995, p. 202).

Nestes anos 80 a Espanha, um país de arquivística notadamente influenciada


pela diplomática, também se destaca no movimento de renovação teórica da matéria.
Nos anos que se seguiram até a década dos 90, a arquivística espanhola registra uma
extensa produção bibliográfica abordando o tema da metodologia diplomática
aplicada aos estudos de documentos produzidos e acumulados nos arquivos do país. A
relação estabelecida entre a diplomática e a arquivística conquista um definitivo espaço
no debate teórico dos estudiosos espanhóis.
Foi a partir destes modernos estudos arquivísticos que a nova abordagem do
uso da metodologia preconizada pela diplomática, bastante difundida na arquivística
nacional e internacional, deu origem a um novo campo de estudos, a tipologia
documental.
Antonia Heredia Herrera (2006) destaca a estreita relação estabelecida entre a
diplomática e a tipologia documental, que considera como campos de estudos
independentes, aplicados ao reconhecimento do documento de arquivo no momento
da identificação.
A metodologia aplicada ao tipo documental vem sendo denominada análise

documental. Devemos muito a Vicenta Cortés sobre este e outros temas,


porque criou um modelo de analise documental partindo do modelo de

análise do tipo diplomático, adequando-o às necessidades arquivísticas do

momento. Passado o tempo surgem novos conceitos, como o da


identificação(...) (Idem, 2006, grifo nosso).

Para a arquivística brasileira, a diplomática e a tipologia documental são campos


de estudos complementares, porém com métodos próprios de estudo dos elementos
do documento. Os modelos de análise diplomática e de análise tipológica, divulgados
por Heloisa Bellotto, são diferentes entre si, uma vez que para a diplomática o grande
interesse esta no teor documental e para a tipologia esta nas inter-relações no interior
do conjunto documental.
Por isso, a tipologia documental, ao incorporar todo o corpo teórico e

metodológico da antiga diplomática, pode ser chamada de diplomática


arquivística ou, melhor ainda (se se atentar para o quanto o objeto e os

objetivos de ambas podem ser amalgamados), de diplomática

85
contemporânea, como quer Bruno Delmas. Para ele, a preocupação da

diplomática é, agora, menos o estudo da estrutura, da forma, da gênese ou da

tradição e mais da tipologia dos documentos (BELLOTTO, 2004, p. 53).

Esta autora traz para os estudos diplomáticos, a diferença entre espécie


documental e tipo documental, o que não tinha sido abordado antes por outros
autores.
A espécie documental é “a configuração que assume um documento de acordo
com a disposição e a natureza das informações nele contidas” e o tipo “é a
configuração que assume a espécie documental de acordo com a atividade que ela
representa” (DICIONÁRIO, 1996, p. 27; 19). A partir do reconhecimento e comparação
do tipo, se forma a série documental, definida “como a sequência de unidades de um
mesmo tipo documental” (DICIONÁRIO, 1996). A título de exemplo, poderíamos citar o
requerimento, como uma espécie, uma estrutura que somada à atividade que
determinou sua produção em um contexto, resulta em um tipo documental. Se
requerimento é uma espécie, um instrumento que serve para solicitar algo a uma
autoridade pública baseado em atos legais ou em jurisprudência, como tipo poderá ser
um requerimento de licença de férias, requerimento para aprovação de projeto de
construção, requerimento de aposentadorias, os quais são diferentes entre si porque
resultam de atividades distintas (RODRIGUES, 2005).
Pode-se afirmar, que “a espécie pode ser tomada isoladamente como expressão
diplomática. Se tomada coletivamente, em sua expressão funcional, ela será um tipo”,
objeto dos estudos de tipologia documental.

86
UNIDADE 16. ARQUIVOS – PRINCÍPIOS DA ORGANIZAÇÃO DO
ARQUIVO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Analisar os princípios da organização do arquivo: organicidade,
autenticidade, unicidade e naturalidade

ESTUDANDO E REFLETINDO
O arquivo, na configuração do seu acervo, tem, no documento, como já
definimos anteriormente, a unidade de registro das informações. Esse é a base

de consulta, estudo, prova e pesquisa para as mais variadas finalidades.


O suporte para o registro ordenado das informações pode acontecer por

meio de fita magnética, película filmográfica, papel, pergaminho, papiro, etc.


Belotto (2005) define o arquivo como
Órgão receptor (recolhe naturalmente o que produz a administração pública

ou privada à qual serve) e em seu acervo os conjuntos documentais estão


reunidos segundo as origem e função, isto é, suas divisões correspondem ao

organograma da respectiva administração; que os objetivos primários do


arquivo são jurídicos, funcionais e administrativos e que os fins secundários

serão culturais e de pesquisa histórica, quando estiver ultrapassado o prazo de

validade jurídica dos documentos (em outras palavras, quando cessarem as


razões por que foram criados); é que a fonte geradora é única, ou seja, é a

administração ou é a pessoa à qual o arquivo é ligado (p.38)

Ainda com base nos postulados dessa autora é possível afirmar que a

organização do arquivo está fortemente ancorada nos princípios da


proveniência, da organicidade, autenticidade, unicidade e da naturalidade dos

documentos.

87
Organicidade

Os documentos revelam uma significação orgânica entre si, ou seja,


emergem da mesma origem são desprovidos de autonomia e retiram sua

autenticidade do inter-relacionamento entre os itens documentais. Belotto


(2004) infere que essa característica dos documentos revela uma Qualidade

segundo a qual os arquivos espelham a estrutura, as funções e as atividades da


entidade produtora/acumuladora, em suas relações internas e externas.

Para essa autora o arquivo assim como o trabalho do arquivista,

classificando e organizando os documentos oportunizará o adequado


significado e função social ao documento.

Autenticidade

Qualidade de um documento, quando preenche as formalidades


necessárias para que se reconheça sua proveniência, independentemente da

veracidade do respectivo conteúdo (Dicionário de Terminologia arquivística,


1996). O que se postula aqui é não se coloca em julgamento o conteúdo, ou

seja, o que está descrito no documento, mas sim a legitimidade da sua autoria e
origem.

Unicidade

Os documentos existem em exemplar único ou em limitado número de


cópias. Mesmo em réplica, os documentos cumprem funções diversas, em locais

diferentes, conservando seu caráter único, em função do contexto de produção.

Naturalidade
(cumulatividade/serialidade): O arquivo é uma formação progressiva,

natural e orgânica. É a sedimentação da produção documental ao longo do


tempo.

88
BUSCANDO CONHECIMENTO
Na dissertação de mestrado de Denise de Almeida Silva, intitulada

“Arquivo: o meio digital e os agentes públicos”, a pesquisadora desenvolve


estudo sobre os princípios da organização do arquivo.

Leia abaixo um trecho da sua pesquisa:

[...]
O documento de arquivo traduz os laços entre a informação e o processo

administrativo que o gerou. Para Fonseca (2005, p.59) é nas relações entre o
documento e seus geradores que se estabelecem, mantêm-se e tornam-se

possíveis analisar, como também constatar e verificar, a autenticidade, a


segurança e a fidedignidade destes documentos. Mesmo considerando-se estes

aspectos, o valor probatório do documento de arquivo ainda está relacionado


ao cumprimento de atividades, independentemente do conteúdo informacional

ser verdadeiro ou não.


Para o entendimento das características inerentes aos documentos de

caráter arquivístico em meio digital, Duranti (1994), utilizando-se dos estudos


da Diplomática, possibilitou o avanço das discussões para além do ponto em
que as fórmulas jurídicas já não seriam suficientes para serem aplicadas aos
conjuntos documentais. A autora resgatou as principais características do

documento arquivístico como a imparcialidade, no sentido de que não são


produzidos intencionalmente; a autenticidade, através da regularidade de

procedimentos de criação, manutenção e custódia; a unicidade, já que cada


registro é tido como único na estrutura documental à qual pertence; a

naturalidade, por se acumularem de maneira contínua e não coletados


artificialmente; e o inter-relacionamento, pelo fato dos documentos

estabelecerem relações com outros documentos no decorrer de transações. O

89
conceito de organicidade do documento de arquivo é desmembrado pela

autora nos conceitos de inter-relacionamento e naturalidade.


Bellotto (2007) relaciona as características dos documentos de arquivo

aos princípios arquivísticos, esclarecendo que não existe uma lógica externa que
promova a ligação entre ambos, mas que ambos mantêm uma relação de

dependência:
 princípio da proveniência, segundo o qual os “arquivos originários de

uma instituição ou de uma pessoa devem manter a respectiva

individualidade, dentro de seu contexto orgânico de produção, não


devendo ser mesclados a outros de origem distinta”; (p.88)

 princípio da organicidade, “qualidade segundo a qual os arquivos


espelham a estrutura, funções e atividades da entidade

produtora/acumuladora em suas relações internas e externas” (p.88);


 princípio da unicidade, segundo o qual os documentos de arquivo

possuem características específicas a partir do contexto em que foram


produzidos/acumulados (p.88);

 princípio da indivisibilidade ou integridade arquivística, segundo o qual


os documentos de arquivo, provenientes do mesmo fundo11, não devem

ser dispersos, mutilados, alienados ou destruídos sem autorização prévia


(p.88);

 princípio da cumulatividade, segundo o qual “o arquivo é uma formação


progressiva, natural e orgânica” (p.88).

O princípio da proveniência tem uma íntima ligação com o princípio de

respeito aos fundos que consiste em manter agrupados, sem misturar, os


arquivos provenientes de uma instituição ou pessoa física ou jurídica. Os

arquivos devem refletir a entidade no contexto em que foram gerados e por


isso os arquivos não devem ser misturados e a ordem em que foram produzidos

90
deve ser respeitada. Tais princípios determinam que o documento de arquivo

não é concebido como um elemento isolado. Ele possui um caráter utilitário


que somente será compreensível se o documento for conservado em seu lugar

dentro do conjunto de documentos que o acompanham. Como será visto no


capítulo seguinte, a utilização de sistemas informatizados também pode

garantir a contextualização dos documentos não estando condicionados à


ordem física, mas sim a uma ordem lógica que permite agrupar os documentos

dentro do contexto em que foram produzidos/recebidos, preservando os laços

existentes entre os documentos.

Leia o estudo completo no endereço eletrônico:


http://apalopez.info/ivcoindear/45rodrigues_txt.pdf

91
UNIDADE 17. ARQUIVOS – A GESTÃO DOS DOCUMENTOS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Conhecer as fases de produção, utilização e destinação dos arquivos: a
teoria das três idades.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A gestão dos documentos está organizada por meio da definição de

fases: produção; utilização e destinação. Desse formato de organização advém a


teoria das três idades: 1ª idade; 2ª idade e 3ª idade.

1ª idade ou arquivos correntes: os documentos ainda estão em tramitação ou

são frequentemente consultados. Dizemos que eles possuem valor primário.

2ª idade ou arquivos intermediários: os documentos são usados com menor


regularidade, mas ainda são necessários para as finalidades da administração.

Ainda possuem valor primário e são organizados em arquivos centrais.

3ª idade ou arquivos permanentes. São de valor histórico e já não possuem


mais o valor primário, pois não servem à administração. Os documentos que

atingem essa condição são entendidos, por força de Lei (artigo 10º da Lei
Federal 81590/91), como inalienáveis e imprescritíveis.

Embora o processo de gestão de documentos seja entendido como

procedimento fundamental para a preservação da memória social, Belotto


(2006) lembra que não cabe apenas aos arquivos a responsabilidade pela

gestão desses processos. Para ela,

92
Arquivos, bibliotecas, centros de documentação e museus têm co-

responsabilidades no processo de recuperação da informação, em benefício

da divulgação científica, tecnológica, cultural e social, bem como do


testemunho jurídico e histórico. Esses objetivos são alcançados pela aplicação

de procedimentos técnicos diferentes a material de distintas origens. (p. 35)

BUSCANDO CONHECIMENTO
Na dissertação de mestrado de Denise de Almeida Silva, intitulada

“Arquivo: o meio digital e os agentes públicos”, a pesquisadora desenvolve


estudo sobre os princípios da organização do arquivo.

Leia abaixo um trecho da sua pesquisa:

[...]
O fundamento da disciplina arquivística constitui-se de três princípios

como explica Gagnon-Arguin (1998, p.52-53). O primeiro princípio seria o da


territorialidade segundo o qual os arquivos públicos de um território seguem o

destino deste último. O segundo princípio seria o da proveniência, atribuído ao


historiador francês Natalis de Wailly, que através do conteúdo de uma circular

assinada pelo ministro Duchântel, promulga que os documentos de um corpo,


de um estabelecimento, família ou indivíduo não deverão ser misturados. O

terceiro princípio arquivístico seria a abordagem das três idades que remete aos
períodos pelos quais passam os documentos de arquivo, permitindo a

repartição dos conjuntos documentais pela freqüência e tipo de utilização feita.


A abordagem das três idades refere-se ao ciclo de vida dos documentos –

também chamado Ciclo Vital que estabelece idades/fases aos arquivos através
do uso em atividades-meio e atividades-fim de uma instituição ou pessoa no

decorrer de suas funções. Para Bellotto (2007) a fase corrente é caracterizada


pelo uso do documento pela atividade para a qual foi produzido/recebido; a

fase intermediária seria aquela em que o documento cumpre prazos


administrativos ou legais para que se proceda a sua guarda ou eliminação e a
93
fase permanente, seria aquela em que o documento adquire valor secundário,

sendo preservado por seu valor probatório ou histórico.


Entende-se que as idades dos documentos não possuem limites rígidos,

mas permeáveis entre si. A abordagem que define que o documento de fase
corrente é frequentemente utilizado, e que por este motivo deve estar

localizado próximo ao seu produtor, possui um bom efeito didático facilitando


o entendimento do ciclo de vida dos documentos, mas torna-se equivocada se

considerar-se que é o tipo de uso e não a freqüência de usos que define a fase

do documento. Há documentos que nascem para controle (registro de


nascimento, óbito), contudo seu uso não é freqüente, e seu valor ainda

permanece vinculado às causas de sua criação, portanto, seu valor informativo


lhe atribui características de documento de fase corrente. Há documentos que

nascem com valor permanente, mas que podem sofrer alterações ao longo do
tempo e que podem ser frequentemente consultados para apoiar decisões e

esclarecer dúvidas, como as consolidações de textos legais, por exemplo, a CLT


– Consolidação de Leis do Trabalho.

Interessante notar que para os arquivos públicos, Schellenberg (2006,


p.41), define os valores dos documentos diferentemente: “valores primários,

para a repartição de origem, e valores secundários, para as outras repartições e


para pessoas estranhas ao serviço público”. Deste conceito é possível apreender

que a existência dos dois valores é definida a partir dos usuários dos
documentos, sendo os documentos de valor primário utilizados pelos

produtores dos documentos e os documentos de valor secundário, por outras


pessoas vinculadas à instituição e pessoas em geral, deixando subentendido

que a função para qual o documento foi produzido foi concluída.


Rosseau e Couture (1994, p.50), ao considerarem o ciclo de vida dos

documentos, romperam com a idéia de que os documentos administrativos são


de responsabilidade da Administração e os documentos ditos históricos são de

94
responsabilidade do Arquivo. Os autores sustentam que estando os

documentos em sua fase ativa (corrente), semi-ativa (intermediária) ou inativa


(permanente) eles pertencem à arquivística integrada, que se ocupa ao mesmo

tempo de documentos de valores primários e secundários. Ao se considerar os


documentos de valor primário e secundário está-se falando em “gestão de

documentos”. Esta expressão é rechaçada por Rosseau e Couture (1994) por


estar vinculada aos procedimentos administrativos, contudo, neste texto é

proposta a ampliação do conceito de gestão de documentos para um sentido

mais abrangente que abarque todas as fases dos documentos13. Assim, sendo a
gestão de documentos um conjunto de procedimentos e operações técnicas

visando à racionalização de rotinas e procedimentos, ela abarca todas as fases


do Ciclo de Vida dos documentos, isto é, ela deve considerar os arquivos

correntes, intermediários e permanentes. Nas palavras de Heredia Herrera


(1998, p. 35): “podemos concluir que a gestão documental é única, é função

arquivística e como tal corresponde aos arquivistas”.


Possivelmente influenciados pela tradição norte-americana, as definições

de dicionários e leisno início da década de 1990, para a expressão “gestão de


documentos”, consideraram apenas procedimentos e operações técnicas nas

fases corrente e intermediária, desconsiderando a fase permanente dos


arquivos.

Publicações nacionais16 mais recentes ainda incorporam este conceito,


mesmo existindo algumas exceções no que se refere à legislação17. Os

procedimentos e objetivos relacionados aos documentos são diferentes nas


fases do Ciclo Vital, mas isto não implica dizer que não há gestão de

documentos na fase permanente dos arquivos, uma vez que os documentos


precisam ser organizados, conservados, recuperados para outros fins, mesmo

que este fim não seja administrativo.

95
Os documentos de arquivo asseguram o valor probatório das atividades

de uma entidade. Suas características como a unicidade, imparcialidade,


interrelacionamento, cumulatividade concordam com os princípios arquivísticos

da proveniência e respeito aos fundos, estando em consonância com a Teoria


das Três Idades. Independentemente do suporte em que se encontrem, os

documentos de arquivo possuem as mesmas características e obedecem aos


mesmos princípios arquivísticos.

Leia o estudo completo no endereço eletrônico:

http://apalopez.info/ivcoindear/45rodrigues_txt.pdf

Observe também o vídeo indicado no link abaixo e reflita sobre o papel do

arquivo na organização da sociedade.


http://www.youtube.com/watch?v=1mje7AT6IQs

96
UNIDADE 18. A GESTÃO PÚBLICA DE DOCUMENTOS

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Conhecer alguns aspectos da legislação que se relacionam à gestão

pública de documentos.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Na administração pública, a teoria das idades dos documentos também

deve ser observada, assim como o domínio das técnicas de arquivística. O artigo
1º da lei Federal 8159/91 corrobora essa afirmação uma vez que determina: é

dever do poder público a gestão documental e a proteção especial a documentos


e arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao

desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.


Isso significa que, para o poder público, a organização de arquivos se

torna medida imprescindível e que deve ser praticada para evitar problemas
legais uma vez que, nos casos de negligência comprovada, implica

responsabilidades. Essa responsabilidade é descrita no artigo 25 da mesma lei:


ficará sujeito à responsabilidade penal, civil e administrativa, na forma da

legislação em vigor, aquele que desfigurar ou destruir documentos de valor


permanente ou considerados como de interesse público e social.

Ainda essa lei assegura a todos os cidadãos o direito ao acesso aos


documentos públicos explicitando no artigo 4º que Todos têm direito a receber

dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse


coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos que serão prestadas no

prazo da lei, sob pena de responsabilidade (...).


O reconhecimento do documento bem como sua utilização como prática

social é direito cidadão e sua importância é ratificada no artigo 62 da Lei 9605


de 12 de fevereiro de 1998 que dispõe sobre as sanções penais e

97
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. O

artigo 62 dessa lei considera que:


Destruir, inutilizar ou deteriorar:

(...)

II- arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou


similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de


detenção, sem prejuízo da multa.

Diante do reconhecimento do documento como valor histórico e de

ampla abrangência social, é imprescindível que as organizações organizem


critérios para avaliação de seus documentos para que se adotem as medidas

adequadas para definição da destinação dos mesmos.


A seguir, reproduzimos o quadro comparativo elaborado por Belotto. Por

meio dessa tabela, é possível diferenciar as características de tratamento


documental entre as principais fontes de memória social: arquivos, bibliotecas,

museus e centros de documentação.

98
BUSCANDO CONHECIMENTO
Leia o texto extraído do Manual de gestão de documentos do governo

do estado do Rio de Janeiro define.

2.1. Gestão de Documentos


O conceito de gestão de documentos surgiu após a II Guerra Mundial,

época de avanço da ciência e da tecnologia e de explosão documental na


administração pública, o que impôs a necessidade de racionalizar e controlar o

volume de grandes massas documentais acumuladas.


No Dicionário de Terminologia Arquivística, do Conselho Internacional de

Arquivos, a gestão documental é abordada como uma área da administração


geral dos órgãos relacionada com os princípios de economia e eficácia da

produção, manutenção, uso e destinação final dos documentos, referindo-se


como um “conjunto de medidas e rotinas que tem por objetivo a racionalização

e eficiência na produção, tramitação, classificação, avaliação, arquivamento,


acesso e uso das informações registradas em documentos de arquivo". Trata-se

um processo de intervenção no ciclo de vida dos documentos de arquivo para


garantir agilidade no controle, utilização e recuperação de documentos e
informações, imprescindível para o processo de tomada de decisões e para a
preservação da memória institucional.

No Brasil, a Constituição de 1988 define que "compete à administração


pública, na forma da lei, a gestão de sua documentação governamental e as

providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem" (art. 216,
parág.2). A Carta Magna brasileira ofereceu, assim, o fundamento necessário

para aprovação da Lei nº 8.159, de 08 de janeiro de 1991, conhecida como Lei


Nacional de Arquivos.

A gestão de documentos é definida no artigo 3º da referida lei como “o


conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção,

99
tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária,

visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente”. No art. 21


fica estabelecido que: "Legislação estadual, do Distrito Federal e municipal

definirá os critérios de organização e vinculação dos arquivos, bem como a


gestão e o acesso aos documentos, observado o disposto na Constituição

Federal e nesta lei".


A Lei Estadual nº 5.562, de 20 de outubro de 2009, no artigo 1º, reitera o

disposto na esfera federal no que se refere à gestão de documentos,

estabelecendo que a gestão documental e a proteção especial a documentos de


arquivos é dever dos órgãos e entidades da administração pública estadual.

A implantação de um programa de gestão de documentos decorre da


necessidade de se estabelecer procedimentos comuns que visem uma boa

administração da produção documental, a fim de que esta seja controlada


desde o momento da produção até a sua destinação final, prevendo eliminação

ou preservação definitiva. Segundo as diretrizes do Conselho Internacional de


Arquivos, um programa de gestão de documentos deve ser desenvolvido em

três fases: produção; utilização e conservação; e destinação (eliminação).


 Produção: concepção e gestão de formulários, preparação e gestão de

correspondência, gestão de informes e diretrizes, fomento de sistemas


de gestão da informação e aplicação de tecnologias modernas a esses

processos;
 Utilização e conservação: criação e melhoramento dos sistemas de

arquivos e de recuperação de dados, gestão de correio e


telecomunicações, seleção e uso de equipamento reprográfico, análise

de sistemas, produção e manutenção de programas de documentos


vitais e uso de automação e reprografia nestes processos; e

100
 Destinação: identificação e descrição das séries documentais,

estabelecimento de eliminação e recolhimento dos documentos de valor


permanente às instituições arquivísticas.

Na fase de produção devem ser definidas normas de criação visando não


só a racionalização de recursos materiais para o registro das informações, mas

principalmente a manutenção da integridade, autenticidade, fidedignidade e


unicidade do documento de arquivo.

A utilização envolve o controle, uso, acesso e armazenamento de

documentos necessários ao desenvolvimento das atividades de uma


organização. Refere-se ao fluxo percorrido pelos documentos para cumprir as

competências, funções e atividades administrativas do órgão.


A fase de destinação envolve decisões sobre quais documentos devem

ser preservados ou eliminados, referindo-se à análise e fixação de prazos de


guarda dos documentos.

São objetivos gerais da gestão de documentos:


 Interação sistêmica da rede de arquivos com o sistema de protocolo,

objetivando a normalização de parâmetros para a produção, tramitação,


classificação, avaliação e uso dos documentos de arquivos;

 Avaliação e seleção dos conjuntos de documentos que devem ser


preservados permanentemente e dos que podem ser eliminados sem

prejuízo de perda de informações substanciais;


 Coordenação do sistema de arquivos do órgão, definindo procedimentos

para o funcionamento dos arquivos e garantindo as transferências,


recolhimentos e pleno acesso aos documentos; e

 Centralização normativa dos aspectos que envolvem a produção


documental do órgão.

Disponível em: http://www.aperj.rj.gov.br/doc/manual%20de%20gestao.pdf

101
UNIDADE 19. PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS PARA O
ARQUIVO

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Reconhecer os arquivos como locais de práticas sociais intensas que
devem estar a serviço da sociedade e atuar em favor do seu desenvolvimento.

ESTUDANDO E REFLETINDO
A reflexão arquivística, assim como a museológica, tem sido bastante
impactada pelas transformações tecnológicas e sociais. Por essa razão, espera-

se dessas instituições ações que as levem a cumprir seus papeis de depositárias


e guardiãs da memória social.

Para isso, será necessário criar novas situações de aprendizagem e


potencialização de aprendizagens não formais, por meio de novos suportes,

linguagens dinâmicas, interdisciplinares e compatíveis com as demandas da


sociedade contemporânea.

Os estudos acerca das novas tecnologias e suas potencialidades de uso


na arquivística têm sido crescentes e cada vez mais presentes na organização

dessas instituições.
Bellotto salienta, aos profissionais que atuam no campo da arquivística,

que é preciso considerar a utilização de novos suportes e que para isso é


necessário conhecimento, competência, métodos e meios de produção. Porém,

salienta que a inserção de novos suportes como as tecnologias não poderão


afastar os princípios teóricos que sustentam a arquivística: proveniência e

organicidade.
Será preciso que o arquivo e os profissionais da arquivistica se

reformulem e também não percam o foco no tratamento da questão


documental.
102
BUSCANDO CONHECIMENTO
Leia abaixo um trecho do artigo “Arquivo e arquivista: conceituação e

perfil profissional” de autoria de Zeny Duarte

O Arquivo
Diante da complexidade do papel dos arquivos na sociedade

contemporânea, a Arquivologia tem provocado reflexões e revisões de


conceitos por parte de pensadores consagrados. Os estudos de Jacques Derrida,

Michel Foucault, Gilles Deleuze e outros defendem o arquivo contra quem o


entende como assunto acessório e menor.

A propósito, Derrida (1997, p.9) apresenta a questão: “?Por qué


reelaborar hoy en día un concepto del archivo? En una sola y misma

configuración, a la vez técnica y política, ética y jurídica?”1


Embora considerando válidas tais reflexões, entendemos que elas

indicam a vontade de boa parte dos pesquisadores de arquivo de terem acesso


sem restrições à documentação de que precisam.

No entanto, o tratamento arquivístico dos documentos é coordenado


pela técnica, política, ética, legislação e direito. Essa é uma configuração que
tem promovido debates sobre a teoria e a prática da Arquivologia. As normas
impõem aos arquivos certa impossibilidade de serem vistos conforme anunciam

os estudos contemporâneos.
O arquivo é memória e esta, por sua vez, tem potencialidade para

informar e alterar a realidade presente. A memória só é pensável como arquivo


quando se pretende determiná-lo enquanto monumentalidade. Trata-se de um

termo possuidor de definições polissêmicas e polêmicas, muitas vezes


associadas aos conceitos de documento e memória.

Para Foucault (1972), a noção de arquivo foi tema central da fase em que
escreveu “Arqueologia do saber” e o conceito foi dado enquanto “estratégia de

103
rememoração”, pondo em evidência as estruturas conceptuais que

determinavam as articulações entre o saber e o poder, estabelecendo o que é


interdito e o que é permitido. O pensamento de Foucault explorou os modelos

de poder nas várias sociedades, e a forma como este se relaciona com as


pessoas. Quanto ao conceito de arquivo, ele afirma que:
Ce terme n’incite à la quête d’aucun commencement; il n’apparente l’analyse

à aucune fouille ou sondage géologique. Il désigne le thème général d’une


description qui interroge le déjà-dit au niveau de son existence: de la fonction

énonciative qui s’exerce en lui, de la formation du discours à laquelle il

appartient, du système général d’archive dont il relève. L’archéologie décrit les


discours comme des pratiques spécifiées dans l’élément de l’archive.

Diante da complexidade do mundo dos arquivos, os estudiosos das


diversas áreas do conhecimento humano despertam para a relevância deles em
seus ambientes de pesquisa. Unindo-se aos demais mencionados, Melot (1986,

p.18) diz que “a mania do arquivo tem a ver com a procura de legitimação de
uma forma de sociedade que destrói crescentemente seus objetos”.

Ora, o fenômeno “arquivo” vai além de qualquer conceito. É mesmo uma


categoria da experiência. Nesse campo, desempenhar o papel de revisor e

intérprete de documentos pessoais revela fenômenos ilimitados. E, ainda,

Derrida (1995, p.98) observa:


(...) el archivo reserva siempre un problema de traducción. Singularidad

irremplazable de un documento que hay que interpretar, repetir, reproduzir,


más en su unicidad original cada vez; un archivo debe ser idiomático y, por

tanto, a la vez ofrecido y hurtado a la traducción, abierto y sustraído a la

iteración y a la reproductibilidad técnica.

O autor considera o arquivo possuidor de problema de tradução, talvez


porque se constitua de documentos únicos e insubstituíveis, que, certamente,

passam por várias formas de interpretação, repetição e reprodução. Essa


maneira de vê-lo condiz com as reflexões que se encontram no próximo item

deste texto.
104
Há grandes discussões, e muito bem vindas, acerca do conceito de

arquivo. De fato, este apresenta espaço de investigação conduzindo,


analogicamente, a estudos de escavação arqueológica. Quaisquer que sejam as

formas de sua concepção, o arquivo possui um universo rico de elementos que


devem ser explorados para que se possa ter acesso às variadas possibilidades

de acesso à informação. Conforme Paz, et al. (2004, p.1), “a importância dos


arquivos cresceu à medida que se desenvolveram os conceitos sociais,

econômicos e culturais da humanidade”.

Por outro lado, não é possível estabelecer um só conceito de arquivo. Os


ensinamentos teóricos da Arquivística (para alguns países) ou Arquivologia

(para outros, denominação mais utilizada no Brasil), nos remetem a reflexões,


primeiro, sobre o termo e segundo, sobre o seu significado (o conceito). Na

atualidade, os acontecimentos são transmitidos por cadeia simultânea e com os


recursos da tecnologia da informação. O conceito de arquivo parece ser

deliberado como subalterno ao avanço dos novos suportes da informação.


Paradoxalmente e sem camuflar o real valor do significado de arquivo, todo e

qualquer suporte da informação tem no seu destino um espaço onde será


anexado a outros dados, culminando no que se entende por arquivo.

Quando se fala de arquivo, associam-se a ele conceitos de documentos e


de informação. Essa é a base para o entendimento de seu contexto. Não

importa o tipo de informação que foi gerado e não se pode depreciar um dado
informacional em detrimento de outro. No final, ter-se-á concebido um

documento de arquivo, que deverá receber tratamento a partir dos mecanismos


que lhe facilitem o acesso e a recuperação da informação guardada e por ele

contextualizada.
Transportamo-nos a algumas proposições epistemológicas abordadas

por Silva e Ribeiro (1998), quando apontam para o fato de que o objeto da
Arquivologia não é apenas o arquivo, nem só os documentos, mas também a

105
informação social estruturada e dinamizada de forma sistêmica. Nessa

abordagem, a caracterização sistêmica tem um valor instrumental, ou seja, visa à


universalização científica do conhecimento arquivístico através de um conjunto

variável e cumulativo de princípios gerais demonstráveis, dos específicos para


os genéricos.

Nota-se nesse estudo rupturas paradigmáticas da teoria arquivística.


Thomassen (2001) apresenta revisão sobre a necessidade de se encontrar o

núcleo da Arquivologia, o seu objeto. Para os autores citados, o objeto da

Arquivologia deixa de ser simplesmente o arquivo. Os dois primeiros


apresentam a idéia de informação social estruturada, dinamizada e

sistematizada. O segundo entende o conceito de informação arquivística


destacando os dados informacionais gerados pelos processos administrativos e

por eles estruturados, de forma a permitir uma recuperação em que o contexto


organizacional de tais processos seja o ponto de partida. Dessa maneira, ele

introduz nos estudos terminológicos da área um conceito que se caracteriza por


uma dualidade de objeto, uma vez que se refere à informação arquivística –

uma (re)leitura do conteúdo do documento sob o prisma de variações


lingüísticas e semânticas. Mesmo com as novas introduções conceituais e o

novo pensar arquivístico, constata-se que prevalece a análise contextualizada


dos dados registrados no documento, do seu conteúdo, o estudo sobre o

motivo de sua produção (sua gênese) e suas referências diplomáticas.

Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6624.pdf

106
UNIDADE 20. PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS PARA O
MUSEU

CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE


Reconhecer os museus como locais de práticas sociais intensas que
devem estar a serviço da sociedade e atuar em favor do seu desenvolvimento.

ESTUDANDO E REFLETINDO
Atualmente, diante das múltiplas formas de representações e
possibilidades de se criarem espaços educativos, a reflexão museológica se

dedica a explorar, interdisciplinarmente, as diferentes possibilidades de


abordagens sobre aspectos teóricos e metodológicos de como os museus,

sendo depositários da memória das sociedades, precisam cumprir seu papel,


criando situações novas de aprendizagens e linguagens condizentes com a

contemporaneidade.
Não se discute mais sobre a representação do museu como instrumentos

de legitimação política e ideológica. Isso é fato. O que se analisa é como essa


importante instituição pode adicionar ingredientes importantes para outras

áreas do conhecimento e tornar-se espaço potencializador e dinamizador de


aprendizagens não formais.

A sociedade contemporânea se caracteriza pela intensidade e agilidade


das informações que circula e do conhecimento que produz. Diante desse

cenário, é preciso que se instrumentalizem aparatos públicos para qualificar o


cenário de alta complexidade que se delineia. Esse desafio está posto para

todas as instituições da sociedade e ao museu o desafio não é diferente.


Ao contrário, o fato de ser originalmente depositário da memória da

sociedade, o coloca no epicentro das reflexões acerca dos lugares de


representação dos símbolos, daí o crescente interesse pelo seu estudo como

107
espaço privilegiado para lidar com o conhecimento, sobretudo, com o

conhecimento histórico.
Veja como o Diretor do Museu de Ciência e Tecnologia CosmoCaixa de

Barcelona, Jorge Wagensberg, em palestra proferida na UNAR em 20 de agosto


de 2009, definiu o museu:

O museu pode lidar com qualquer


porção de realidade utilizando
qualquer tipo de conhecimento. Isso
significa que um museu pode lidar com
qualquer assunto (...) Também significa
que a realidade é um aspecto
insubstituível de um museu, uma
necessidade. A realidade é até ‘a
palavra museológica’. Eu diria até mais:
um museu é realidade concentrada.

Jorge Wagensberg

Esse importante pesquisador no campo da museologia destaca, de forma

contundente, o grande potencial do museu na contemporaneidade em tornar-


se elo entre o conhecimento e a realidade das diferentes sociedades.

Como é possível perceber, o Dr. Wagensberg também nos lembra que o


museu, pela sua natureza interdisciplinar e dinâmica, apenas se mantém ativo se

for capaz de relacionar-se organicamente com a sociedade.


Por essa razão, é possível afirmar que os museus são locais de práticas

sociais intensas que devem estar a serviço da sociedade e atuar em favor do seu
desenvolvimento.

É possível concluir que essa instituição tem muito que nos ensinar. Pode
também ser uma excelente parceira da instituição escolar, no que diz respeito à

preservação da memória das sociedades. Daí a proeminência de estudos sobre


museologia na área do ensino e também da formação do professor de história.

108
BUSCANDO CONHECIMENTO

ENTREVISTA
Museus devem divulgar ciência com emoção

Emoção é a palavra de ordem para o diretor do Museu da Ciência de


Barcelona, Jorge Wagensberg. Segundo ele, a emoção é elemento fundamental

para transmitir conhecimento científico para o público, já que ela não impõe

barreiras sociais ou econômicas. A nova museologia pregada por ele e sua


equipe deve ser antes de tudo universal e incluir, não apenas os elementos de

uma exposição, mas também a arquitetura, conteúdos, comunicação, objetos e


equipe. Em visita ao Grupo de Estudos acerca das idéias de Evolução e

Progresso do Departamento de História da USP, em dezembro de 2002,


Wagensberg, que é físico, falou à Ciência e Cultura.

O que os museus brasileiros de ciência, devem fazer para atrair mais

visitantes?
JORGE WAGENSBERG A palavra [chave] 'museística' é a emoção. A

museologia moderna deve ter alguns elementos emblemáticos que fiquem na


memória coletiva do cidadão. O problema é fazer isso, sem perder o rigor

científico. Uma das nossas hipóteses de trabalho é que a audiência de um


museu é universal, não depende da idade, da formação cultural ou do nível

econômico de seus visitantes, nem do lugar onde está situado. Um bom museu
está baseado em emoções, e as emoções são iguais para os jovens, para

qualquer pessoa. O museu para os adultos também deve ser hands-


on [toque], minds-on [reflexão] e heart-on [emoção]. Tem que haver também

uma interatividade mental, mais importante que a manual. Nós queremos que
se faça uma nova museologia.

109
Qual a importância da divulgação científica?

Se o cidadão tiver opinião científica, seguramente os políticos a


conhecerão, o que é bom pois políticos, em geral, não conversam com a

comunidade científica. Em um sistema democrático, eles são pressionados pela


opinião pública, pelo voto. Por isso, os cientistas devem transferir seus

conhecimentos ao eleitor, e o eleitor aos políticos. Assim, o museu não é apenas


um centro para crianças, mas um centro para adultos, um lugar de encontros.

Essa é minha crítica aos museus norte-americanos que têm, exceto poucas

exceções, uma grande tendência a fazer museus para crianças.

É importante o trabalho de educação nos museus?


A prioridade do museu é o estímulo, não a educação, embora ela não

esteja proibida. Uma visita dura 3 horas, não há tempo de educar mas, sim, para
mudar a atitude diante da educação. É importante que, na saída, o visitante

tenha muito mais perguntas do que ao entrar. O museu deve mudar a atitude
do espectador. Creio que é um erro tentar converter o museu em escola. Seus

recursos devem ser para despertar a curiosidade. É um mal-entendido se pensar


que a ciência é uma forma de conhecimento especialmente difícil. A ciência, por

definição, é a forma de conhecimento máximo que existe e qualquer cientista é


capaz de transmitir o essencial de uma idéia científica a qualquer cidadão. A

ciência é objetiva, inteligível e dialética. A ciência que não se pode transmitir


não é ciência.

Como combinar conteúdo científico e atração na divulgação científica?

Os melhores estímulos para transmitir o conhecimento científico são os


mesmos que fazem com que os cientistas investiguem, façam a pesquisa. A

ciência é uma fonte imensa de bons estímulos. O trabalho principal do


divulgador é averiguar quais são estes estímulos do cientista e convertê-los em

110
divulgação. Creio que as grandes revistas de divulgação científica, na verdade,

são feitas por bons jornalistas e não cientistas. A tendência do cientista é


escrever tudo que sabe, com muito rigor. Ele se preocupa com a opinião que

seus colegas vão dar. Acaba confundindo o rigor científico com o rigor mortis.
Mas as boas revistas, como La recherche, estão sendo feitas por 4 ou 5

jornalistas muito bem conectados com a comunidade científica. Às vezes,


detalhes que o cientista nem sequer lembra, para o museólogo ou o divulgador

isso é justamente o que fará com que o cidadão venha ao museu ou compre a

revista. No entanto, também existem problemas, inclusive em revistas científicas


importantes, como a Nature e Science, que fazem o que se chama de press

release e criam armadilhas. Não dizem mentiras, mas escrevem as coisas de


maneira que a imprensa se equivoca.

O museu tem um caráter multidisciplinar. Como que o senhor encara a

especialização do conhecimento nas universidades?


Antigamente, o problema era menor porque nas faculdades de ciências

todos os cientistas interagiam. Parece frívolo, mas acho que é um problema de


cafeteria. Ultimamente, cada departamento faz seu próprio café, a

especialização é tremenda. Já os museus têm o centro de gravidade oposto,


porque a prioridade do museu não é o tema, mas sim a realidade. A prioridade

é o fenômeno, e para entendê-lo se usa física, matemática, química. Talvez,


pelos museus tratarem da realidade, eles sejam um bom lugar para estimular a

interdisciplinaridade dos alunos e dos professores. Creio, também, que as


universidades deveriam criar lugares de encontro para as pessoas conversarem.

A conversação é uma atividade puramente científica, porque experimentar é


conversar com a natureza, a reflexão é a conversa consigo mesmo, a conversa

com os colegas.

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Para o senhor, então, a ciência deve estar inserida nas conversas entre

amigos?
A ciência aspira entrar no cotidiano. Se há uma partida de futebol, os

jornais vão falar sobre isso durante 7 dias; se há uma peça de teatro ou um
concerto, há crítica. Agora, ninguém comenta uma exposição de ciência em um

museu. Isso é muito grave, porque conhecimento sem crítica é mais grave que
crítica sem conhecimento. Há uma enorme contradição: justamente a ciência,

que é sobre o que menos se conversa e menos se critica, é a forma de

conhecimento que influi cada dia mais na vida da comunidade. No momento


que conversarmos sobre ciência, significará que estamos em um momento

muito bom.

Germana Barata

Disponível em - http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252003000200012&script=sci_arttext

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