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FACULDADE DE MEDICINA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM
ACESSIBILIDADE CULTURAL
RIO DE JANEIRO
ABRIL DE 2016
VERÔNICA DE ANDRADE MATTOSO
RIO DE JANEIRO
ABRIL DE 2016
Dedico
Ao Criador
e
a todos os seus
intermediários
A meus pais,
Vera e Newton
Elisabeti e Paulo
Ivete e José Felipe
A Claudio Starec,
Lena Vania Ribeiro Pinheiro
e Francisco José de Lima,
faróis do meu trilhar acadêmico
In Memoriam
Lenine
Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar
Helen Keller
Parmênides
Norbert Winner
Herbert Read
Paulo Freire
"Se você veio para me ajudar,
então você pode voltar para casa.
Mas se você vir a minha luta
como parte de sua própria
sobrevivência, então talvez
possamos trabalhar juntos".
1
Nada sobre nós, sem nós
RESUMO
APRESENTAÇÃO 13
1 INTRODUÇÃO 19
1.1 OBJETIVOS 29
2. METODOLOGIA 30
3.1.1 ACESSIBILIDADE 54
3.1.1.1 58
ACESSIBILIDADE COMUNICACIONAL
3.2 GASTRONOMIA 69
3.2.1 A GASTRONOMIA 69
3.2.2 COMENSALIDADE 74
REFERÊNCIAS 139
APÊNDICES 148
13
APRESENTAÇÃO
Com o dente de um garfo descartável atravessado na garganta
1
No Brasil, até o momento de elaboração deste TCC, não há, entre pesquisadores da área, consenso em
relação à grafia do termo: se “áudio-descrição” ou “audiodescrição”. As duas formas definem a técnica de
tradução intersemiótica por meio da qual imagens estáticas ou dinâmicas são traduzidas em palavras para
favorecer o acesso à informação imagética prioritariamente a pessoas com deficiência visual e também a
outros públicos. Em respeito aos autores/pesquisadores, será mantida a forma de grafia adotada por cada um.
A própria autora deste TCC, em sua dissertação de Mestrado, por ter fundamentado seus estudos a partir do
aprendizado com o Prof. Dr. Francisco José de Lima, grafou “áudio-descrição”; neste TCC, opta por
“audiodescrição”, conforme disposto na grade curricular do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
14
refletir sobre o que teria motivado tais atitudes e buscar compreender por que
parecia que o serviço de alimentação teria deixado a desejar.
Além das perguntas específicas relacionadas à audiodescrição para aquela
pesquisa do Mestrado, o questionário respondido pelos visitantes da exposição
incluía também um tópico com perguntas sobre as ações de hospitalidade
empreendidas para a visita e, sobre este, a maioria dos entrevistados destacou
como excelente, do mesmo modo como também foi avaliado, pela maioria, o
momento do almoço. Entretanto – e ainda bem! –, dois entrevistados apontaram
problemas no serviço de alimentação, principalmente por conta da estrutura
descartável dos equipamentos: a frágil composição dos garfos, facas, copos e
marmitas aluminizadas os impediu de comer com fluidez e, por este motivo, muitos
optaram por não comer ou por abandonar a refeição. Um deles destacou que ao
levar a comida à boca percebeu que faltava um dente no garfo descartável e que,
então, naquele exato momento, optou por parar de comer, afinal, sem enxergar,
como saberia onde estava o dente do garfo? Para não se engasgar, parou de
comer. E, claro, ficou com fome.
Além disso, o mesmo entrevistado também destacou um erro enorme de
planejamento do evento: não foi prevista audiodescrição nem para o momento que
antecedia o almoço e nem durante, impossibilitando às pessoas com deficiência
visual o acesso pleno às informações relativas a aquele momento.
Como o foco da pesquisa naquela ocasião era a audiodescrição de obras de
artes, improvável supor que os problemas que relacionaram Gastronomia e
Acessibilidade vivenciados pela pesquisadora naquele almoço fossem calar tão
fundo por tantos anos e que outros tantos anos depois viriam até que o dente de um
garfo descartável atravessado na garganta se tornasse o primeiro insight para a
realização de uma nova pesquisa, na qual fosse possível relacionar pessoas com
deficiência visual aos conceitos de gastronomia, comensalidade e eventos,
inquietação que voltou à tona em 2014, quando a pesquisadora foi aprovada no
concurso para docente no Curso de Bacharelado em Gastronomia na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Neófita no universo docente do Magistério Superior, a pesquisadora
vislumbrou naquele ambiente a possibilidade de articular os primeiros passos rumo à
sensibilização de alunos, professores e técnicos para questões que relacionassem
Acessibilidade e Gastronomia. Empossada no novo cargo em março de 2014, logo
16
1 INTRODUÇÃO
com o uso de óculos. Isto é, na cidade do Rio de Janeiro 1.226.713 têm algum
problema de visão.
A terminologia utilizada pelo IBGE para a realização do Censo 2010
caracterizou a deficiência visual como incapacidade visual (mesmo com o uso de
óculos ou lentes de contato, se a pessoa usá-los), dividindo a população em:
“incapaz de enxergar (pessoa se declara totalmente cega), grande dificuldade
permanente de enxergar (pessoa declara ter grande dificuldade permanente de
enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato); ou alguma dificuldade
permanente de enxergar (pessoa declara ter alguma dificuldade de enxergar, ainda
que usando óculos ou lentes de contato).” (IBGE, 2011)
Na Classificação Internacional de Doenças, a Organização Mundial de Saúde
divide as funções visuais em quatro níveis: visão normal, deficiência visual
moderada, deficiência visual grave e cegueira, podendo a deficiência ser congênita
ou adventícia. A deficiência visual moderada e a deficiência visual severa são
agrupadas sob o título de "baixa visão". Em relação à variação nos níveis de
acuidade visual, são consideradas cegas aquelas pessoas que não podem enxergar
por não terem percepção à luz. Já as pessoas com baixa visão são aquelas que
apresentam comprometimentos no funcionamento visual mesmo após tratamento
e/ou correcção, todavia, ainda conservam um nível de acuidade visual e de
percepção à luz que lhes permitam usar ou serem potencialmente capazes de usar a
visão para planejar ou executar alguma tarefa. (WHO).
Conforme publicado no Artigo 1 da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), “pessoas com
deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas” (ONU, 2006).
Os princípios dos direitos humanos relacionados à deficiência, de acordo com
a Cartilha do Censo 2010 publicada pelo Governo Federal em 2012, são os
seguintes:
• Universalidade e inalienabilidade: os direitos humanos são inerentes ao
ser humano, não podem ser recusados pela pessoa que a eles tem direito,
nem podem ser tomados de alguém.
• Indivisibilidade: os direitos humanos não podem ser separados. Um direito
não pode ser realizado sem a realização dos demais, seja ele civil,
26
2
A noção de “deficiente oculto” foi proposta à pesquisadora pelo tecnólogo Marcio José Felipe, consultor em
Tecnologia da Informação e em Tecnologia Assistiva, com quem compartilha a realização de projetos na área
da acessibilidade, incluindo-se as ações empreendidas para este TCC: ao não declarar-se com deficiência, a
pessoa expõe-se à vulnerabilidade em escalas inimagináveis, conforme será explicitado adiante, em
depoimento do aluno do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ, Ernani Lima Morais.
27
1.1 OBJETIVOS
Objetivo Geral
Destacar a relevância dos estudos da acessibilidade nos cursos de
Gastronomia
Objetivos Específicos
2 METODOLOGIA
Corroborando para a tão necessária ação de escutar, “Ubuntu” foi uma noção
apresentada à pesquisadora pelo colega Emerson de Paula Silva, a qual nominou o
grupo de trabalho do qual fez parte a pesquisadora, composto também pelos
colegas Ana Letícia Ribeiro, Andrey do Amaral e Laurene Athayde. De
fundamentação antropológica africana, a partir da Teoria da Circularidade, a noção
remete ao compartilhar como mecanismo inclusivo e evolutivo: Ubuntu significa “Sou
quem sou, porque somos todos nós”.
Como forma de investigar o interesse dos futuros gastrônomos e gastrônomas
(usuários da Gastronomia como ciência) quanto à relevância dos conhecimentos
acerca da acessibilidade, a Pesquisa-Ação foi realizada com estudantes do Curso
de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ, alunos da pesquisadora no ano de 2015.
Para o empreendimento, importante considerar, por um lado, a condição da autora
do TCC como aluna do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural e, por
outro, como professora do Curso de Bacharelado em Gastronomia (ambos da
UFRJ), em especial nas disciplinas de Comunicação em Gastronomia, Gestão de
Eventos Gastronômicos e Etiqueta e Comensalidade.
Quanto aos usuários da Gastronomia como produto cultural, interessava
conhecer a percepção e o sentimento de pessoas com deficiência visual quanto ao
acesso à Gastronomia e aos momentos de comensalidade em casa e fora de casa,
principalmente nos cafés, bares, restaurantes e em eventos. E por que as pessoas
com deficiência visual? Por que aquele grupo, em específico? Porque do total de
pessoas com deficiência no Brasil, o maior percentual é representado por aquele
grupo. Desse modo, com base na premissa “Nada Sobre Nós Sem Nós”
(CHARLTON, 1998; SASSAKI, 2007a, 2007b) complementa a investigação um
Estudo de Campo, com “Escutatórias” realizadas a partir de um roteiro
semiestruturado, conforme apresentado no Apêndice 2 deste TCC.
O trabalho está fundamentado na Ciência da Informação, especificamente em
conteúdos que constituíram o aprendizado da pesquisadora durante os estudos
desenvolvidos para o Mestrado (MATTOSO, 2012). Visando “tear um tapete” de
construtos teóricos e contextuais a partir da convergência entre as áreas da
Acessibilidade Cultural e da Gastronomia, tendo por elemento cultural a
comensalidade, tomou-se por norte o Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg
(1989), a partir de referencial teórico de Isa Maria Freire (2001, 2008). Para “tecer a
trama”, um fio condutor é composto por três elementos metodológicos da área: os
33
2.4.1 A PESQUISA-AÇÃO
Para que não haja ambigüidade, uma pesquisa pode ser qualificada de
pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas
ou grupos implicados no problema sob observação. Além disso, é preciso
que a ação seja uma ação não-trivial, o que quer dizer uma ação
problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida
(THIOLLENT, 2008, p. 17).
Por fim, a autora deste TCC recorreu novamente aos fundamentos da Ciência
da Informação, sobre os quais pretendeu sustentar principalmente a análise dos
conteúdos desta pesquisa, vislumbrando, como professora-pesquisadora, o
momento de “solidão fundamental” (RICOUER, 1976 apud BARRETO, 2002), um
dos mais belos ritos de passagem (BARRETO, 2002), quando o dado se faz
informação e a informação se faz conhecimento.
Assim, destaca-se o porquê da escolha dos construtos teóricos da Ciência da
Informação para a estrutura metodológica desta pesquisa.
3
No original: “Information is that which is capable of transforming structure”
45
[...] pode também ser definida em termos dos seus efeitos sobre o mapa
cognitivo ou mental do indivíduo. Este uso metafórico de mapa é baseado
na assunção de que cada um tem o seu esquema ou plano privado do
mundo que o rodeia. [...] Cada vez que o seu mapa cognitivo é alterado ou
reforçado pode dizer-se que ele ‘aprendeu’, o que indica uma relação íntima
entre assimilação da informação e aprendizagem. (MCGARRY, 1984, p. 17-
18)
Duas noções são basilares para nortear este trabalho por nominarem as
áreas do conhecimento, em aporte: Acessibilidade Cultural e Gastronomia.
O estudo bibliográfico, portanto, será apresentado em duas partes. Inicia-se
pela abordagem da Acessibilidade e desdobra-se para a Acessibilidade Cultural. No
segundo momento, inicia-se pela abordagem da Gastronomia e desdobra-se para a
noção de comensalidade, elemento catalisador para a reflexão sobre a expressão
“Gastronomia para Todos” e sobre a noção de Acessibilidade em Gastronomia,
ambas trazidas a partir deste trabalho.
Correlacionadas a novos termos, conceitos, definições, expressões e
contextos, constituem os pressupostos que fundamentam esta jornada de
aprendizado.
Os primórdios
49
Roma
Em Roma, há registros de que também entre os imperadores havia pessoas
com deficiência como Galba (Servius Sulpicius Galba, 3 a.C. a 69 d.C.) e Othon
50
4
A definição de Tecnologia Assistiva será apresentada mais adiante, juntamente com outros termos
relacionados à acessibilidade.
53
5
CHARLTON, James I. Nothing About Us Without Us: Disability, Oppression and Empowerment.
Berkeley, CA: University of California Press, 1998.
55
6
A partir da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência estabelecida pela ONU em 2006, a
expressão “pessoa portadora de deficiência” foi substituída pela expressão “pessoa com deficiência”.
(ONU, 2006)
57
A Audiodescrição (AD)
Inicialmente, parece-nos oportuno destacar alguns aspectos conceituais sobre
a temática da audiodescrição no Brasil. Recente no ambiente acadêmico brasileiro,
os estudos sobre a AD abarcam termos, expressões, conceitos e definições, alguns
dos quais há muito vêm ocupando o pensamento de filósofos e pesquisadores,
enquanto outros – em função da própria dinâmica que envolve uma emergente área
de pesquisa científica – são mais recentes. A própria grafia do termo encontra
posicionamentos distintos entre os pesquisadores: alguns grafam “audiodescrição” e
outros “áudio-descrição”. Serão respeitadas as escolhas de cada pesquisador e
mantidas com as respectivas referências. A autora deste TCC segue a forma
definida no Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural: audiodescrição.
Pesquisas apontam que a ideia da audiodescrição foi proposta pela primeira
vez por Gregory Frazier, em 1975, como recurso de acessibilidade para a televisão
destinado a pessoas com deficiência visual, resultado de uma pesquisa de Mestrado
nos Estados Unidos. A proposta era criar uma modalidade de representação oral
que fosse capaz de, em transformando imagens em palavras, minimizar o abismo
existente entre o universo das imagens em movimento e as pessoas que não podem
ver (FRAZIER, 1975).
60
projeto deixou de acontecer. Por volta do ano 2000, a FUNARTE recriou o “Arte sem
Barreiras” que prosseguiu sob responsabilidade da instituição até 2007, quando as
iniciativas relacionadas às pessoas com deficiência passaram a ser
responsabilidade da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural, do Ministério
da Cultura, à época sob gestão do ator Sergio Mamberti.
Neste período, Patrícia trabalhava no Ministério da Cultura e, segundo a
coordenadora, “foi quando a gente fez a oficina ‘Nada Sobre Nós Sem Nós’”. A
Oficina contou com cerca de 60 pessoas e teve por objetivo sistematizar as
experiências de interface entre as políticas culturais e as iniciativas desenvolvidas
para e pelas pessoas com deficiência. Foram realizados diversos seminários com
temas específicos. Em seguida, os participantes se organizaram em grupos de
trabalho para fomentar as políticas culturais, a difusão destes produtos, ações e
diretrizes. Os GTs e seus temas foram: cultura, fomento, difusão e patrimônio; além
do GT de Acessibilidade Cultural. “Foi a partir desta proposta do NSNSN que surgiu
a ideia deste Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural”, declarou Patricia.
A oficina gerou um documento depois publicado em livro e vídeo. “Estávamos
acreditando que as pessoas iriam pegar estes documentos e iriam se organizar, se
articular e realizar ações em seus locais de origem. Mas, não. Portanto, este é o
grande desafio de quem está aqui: a mobilização”.
Para Patrícia, o Ministério da Cultura cumpriu o seu papel de desenhar uma
proposta, mas não conseguiu mobilizar os gestores públicos locais para a
importância de realizar iniciativas neste sentido. De toda forma, os conteúdos
produzidos contribuíram para fortalecer o debate sobre o tema apresentado em
conferências municipais, estaduais e federais de cultura, entre outros eventos.
Um tópico importante de reflexão era que a ideia de acessibilidade estava
atrelada à distribuição gratuita de ingressos para pessoas com deficiência. Ampliou-
se então o olhar para a questão estética do direito à fruição das obras por parte das
pessoas com deficiência. Este novo olhar foi resultado da oficina NSNSN, questão
que até então não havia sido colocada em pauta.
Outra abordagem feita por Patrícia dizia respeito à contribuição do curso de
Terapia Ocupacional para as políticas públicas destinadas as pessoas com
deficiência, a partir da necessidade de se constituir uma rede de articulação,
formação e fomento em Acessibilidade Cultural.
68
Durante o ano de 2015, como aluna do Curso, a autora deste TCC tomou o
aprendizado depreendido acerca da Acessibilidade Cultural e desenvolve uma série
de iniciativas de sensibilização, de acessibilização e de formação na área da
Gastronomia, entre as quais, o primeiro Jantar às Escuras realizado durante o III
Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural, a convite da Coordenação do Curso.
As demais serão conhecidas no capítulo que trata da Pesquisa-Ação.
A seguir, serão apresentados, os pressupostos relacionados especificamente
à área da Gastronomia, os quais, reunidos aos aspectos da Acessibilidade Cultural,
impulsionaram a elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso.
69
3.2 GASTRONOMIA
3.2.1 A GASTRONOMIA
3.2.2 COMENSALIDADE
come, onde se come, como se come e com quem se come”. (2003, p.2 apud
CASTELLI, 2005. p.5).
Para Castelli (2003, p. 5), “isto é tão verdadeiro que a história nos mostra que
o homem encontrou, no ato de comer junto, formas ímpares de sociabilidade e de
conviviabilidade, fazendo da refeição um momento que vai além do mero ato de
saciar a fome”. E referencia Visser (1998, p. 2) para quem a refeição “foi
transformada em mais do que ela é, em algo que contenha múltiplos significados
além do seu objetivo básico da nutrição física”.
O vinculo entre alimentação e cultura, na opinião de Franco (2001, p. 249
apud Castelli, 2005, p. 6) está na cozinha: “Encontramos nas culinárias os vestígios
das trocas culturais entre os povos. As cozinhas são produtos de miscigenação
cultural”. A tendência humana de compartilhar alimento, segundo Franco (2001, p.
22 apud Castelli, 2005, p. 11) “ideia básica da hospitalidade, teria se originado
quando o homem desenvolveu a capacidade de matar grandes presas” e o consumo
imediato se dava em função do desconhecimento de métodos de conservação e
cocção, sendo induzido a dividir com outros o produto do trabalho e esperar que o
gesto fosse recíproco: “Teria nascido, assim, a hospitalidade à mesa”. Castelli
(2005, p.12), complemente a ideia de Franco ao afirmar que, com o passar dos
séculos, o homem encontrou à mesa um dos lugares e momentos “mais propícios
para o exercício da hospitalidade”.
O prazer da mesa, de acordo com Franco (2001, p.22 apud CASTELLI, 2005,
p. 12-13), pode estar relacionado a diversas “circunstâncias, fatos, lugares, coisas e
pessoas que acompanham a refeição. É prazer peculiar à espécie humana”. E assim
como também pensavam Brillat-Savarin (1995) e Grimod de La Reyniere (2005),
“pressupõe cuidados com o preparo das refeições, com a arrumação do local onde
será servida e com o número de convivas”. O momento da refeição é, pois, segundo
Castelli, “uma ocasião ímpar para a prática da sociabilidade e da conviviabilidade”.
Do cru ao cozido, de acordo com Flandrin, (1998 apud Castelli, 2005, p. 13),
ao fazer uso do fogo, o homem “teria dado passo significativo para distinguir-se dos
seus ancestrais hominídeos e dos demais animais”. Entretanto, segundo Castelli,
“não é possível precisar o momento exato em que a arte culinária passou ao
domínio dos homens”. Independente disso, certo é que “se constitui, de fato, num
marco importante no processo de hominização”. Com o domínio do fogo, “criou-se
77
também uma nova era para o processo de sociabilidade dos grupos e das
comunidades”. E ressalta:
A maneira de agir e de se relacionar das pessoas diante dos novos tipos de
alimentos mudou as formas pelas quais eram adquiridos e processados, e,
neste contexto, o ato de comer junto ganhou novas dimensões, como a
função social da refeição e o desenvolvimento da comensalidade,
dimensões essas que se fazem presentes desde as mais antigas estruturas
sociais, principalmente nos banquetes, e que desempenharam um
importante papel não somente nas primeiras civilizações como nas
posteriores. (CASTELLI, 2005, p. 13-14).
Tudo isso leva o novo comensal a reformular “os valores e as atribuições dos
territórios físicos (casa, trabalho, transporte público) e simbólicos [...] de produção,
distribuição, preparação e consumo de alimentos”. Diante deste panorama, os
autores incitam à reflexão:
Como então o consumidor-comensal define agora a sua identidade
individual? E a identidade coletiva? Como redefinimos os nossos momentos
de socialização associados ao comer? Que novos desafios se apresentam
para nós quando escolhemos o quê, quando e onde comer?
((VERTHEIN,VAZQUEZ-MEDINA, 2015, p. 29)
7
Todas as iniciativas foram desenvolvidas a partir do conceito Nada Sobre Nós Sem Nós, em parceria com
Marcio Felipe, profissional da área de Tecnologia da Informação e usuário de recursos de Tecnologia Assistiva.
85
8
O release acima foi produzido para divulgação à imprensa e também publicado à época nos sites do
Curso de Bacharelado em Gastronomia e do Instituto de Nutrição Josué de Castro INJC, por ocasião
de realização do evento. Ambos os sites sofreram alterações de estrutura tecnológica e, atualmente,
a matéria não mais faz parte dos conteúdos disponíveis para visualização. Por este motivo foi aqui
explicitada.
90
Por conta da data para a qual o “Jantar às Escuras” foi marcado – quando se
comemora a abolição da escravatura no Brasil –, como forma de homenagear a
influência dos negros africanos na diversidade cultural brasileira, o cardápio será
temático cabo-verdiano. Para preservar todos os aspectos sensoriais a serem
vivenciados pelos convidados, o cardápio somente será conhecido ao longo do
evento e, portanto, não será divulgado.
O logotipo do evento
91
Notas proêmias:
garfo; à direita, o de uma faca com a cerda virada para o lado de dentro. Entre o
garfo e a faca, um desenho estilizado de uma corda se inicia próximo à ponta da
faca, faz duas circunferências quase sobrepostas e termina com outra ponta, à
esquerda do observador, próximo ao cabo do garfo. Ao centro, estão inscritas, de
cima para baixo, com a mesma fonte, em letras maiúsculas, as três palavras
JANTAR ÀS ESCURAS, com a última palavra em destaque.
Uma rápida pesquisa no Google com a tag “Dinner in the Dark” revela o
amplo interesse pelo tema, dando conta de mais de 210.000 resultados. Amplia-se o
escopo ainda mais, se utilizadas as expressões correlatas “Jantar às Escuras” e
“Jantar às Cegas” em português ou, nos idiomas inglês e francês, por exemplo,
“Dine in the Dark”, “Taste of darkness”, “Blind Dinner”, “Dark Table”, “Dans le noir”,
apenas para citar algumas.
A origem do conceito é creditada a diversas pessoas. Sob o título “Dark/Noir”,
o conceito teria sido apresentado ao público pela primeira vez em 1993 no festival
de teatro de Avignon, na França, por Michel Reilhac (ator, escritor, produtor e diretor
de teatro), influenciado pelo projeto “Diálogos no Escuro”, desenvolvido por Andreas
Heinecke desde 1989, na Alemanha, para reabilitar pessoas cegas. A ideia evoluiu
para a proposta “Dinner in the Dark”, uma jornada gastronômica que desafiava o
paladar e o comportamento à mesa, com garçons cegos servindo um jantar
surpresa, composto por quatro pratos, em completa escuridão.
No final da década de 1990, na Suíça, mais especificamente na cidade de
Zurique, o pastor Jorge Spielmann – que era cego – organizou um jantar às escuras
em casa: ao receber amigos videntes, propôs a eles vivenciar a experiência da
comensalidade de olhos vendados.
Logo, os jantares fechados evoluíram para o conceito de restaurantes às
escuras, como o O.Noir, fundado por Moe Alamedinne, no Canadá, o primeiro na
cidade de Montreal (2006) e o segundo em Toronto (2009), cuja equipe de
atendimento no salão é composta por garçons cegos e deficientes visuais.
Apesar de considerada uma atividade recente, ninguém duvida da dimensão
global desta modalidade de evento que pressupõe inusitada experiência sensorial
aos convidados: iniciativas vêm sendo empreendidas por todos os cantos do
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Release elaborado pela Profª Verônica Mattoso, com quem podem ser obtidas mais
informações em: veronicamattoso@uol.com.br
FIM DO RELEASE
10 ORIENTAÇÕES NOTA 10
visual, aborde-a oferecendo-se para que ela pegue no seu braço e disponha-
se sempre um passo à frente. Avise sobre obstáculos no caminho, orientando
degraus, direita, esquerda, em frente, ao centro e diagonal. Ao conduzi-la a
uma cadeira, indique o braço, o assento e o encosto. Se for conduzi-la ao
toillete, importante verificar a estrutura do ambiente e descrevê-la, orientando
o mictório, o vaso sanitário e a pia, alertando principalmente para pisos
molhados. Se estiver conversando com a pessoa com deficiência visual, avise
se for sair do local. Não acaricie um cão guia: o animal está trabalhando e a
carícia pode desviar-lhe a atenção.
7) Com uma pessoa com deficiência auditiva: apenas toque levemente em seu
braço se quiser falar com ela; não adianta falar mais alto e muito menos gritar.
Pergunte se ela lê os lábios, falando devagar e fazendo sinal apontando para
a boca. Se a resposta for positiva, fale normalmente (não precisa gritar),
lembrando-se de deixar sua boca visível, posicionando-se de frente e
utilizando também gestos e expressões faciais. Se for negativa, comunique-se
com ela por sinais ou por escrito. Se a pessoa estiver acompanhada de um
intérprete, mesmo assim, fale voltando-se diretamente a ela. Se você não
tiver fluência na Língua Brasileira de Sinais (Libras), não tente inventar uma
nova língua: certamente você não será compreendido (a), pois ao invés de
favorecer a comunicação, terá criado ruídos, gerando desinformação.
8) Com pessoas com deficiência física: só empurre uma cadeira de rodas se for
solicitado. Procure caminhos sem obstáculos. Se for ajudá-las a descer uma
rampa inclinada demais, prefira a marcha ré, evitando que a pessoa perca o
equilíbrio e caia para a frente. Mas somente faça isso se tiver conhecimento
para tal; jamais coloque a pessoa em risco. Não se apóie na cadeira: ela é
como uma extensão do corpo da pessoa que a utiliza e você pode atrapalhar
os movimentos dela. Jamais retire a pessoa com deficiência da cadeira de
rodas, pois, além de riscos de ocasionar transtornos ou quedas, você pode
estar sujeito a causar ou sofrer constrangimentos. Numa conversa rápida,
você pode se abaixar até a altura da cadeira; se a conversa for prolongada,
sente-se. Nas duas situações, o objetivo é ficar no mesmo nível do olhar da
pessoa que faz uso da cadeira de rodas.
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http://www.forum.ufrj.br/index.php/noticias/460-uma-luz-de-acesso-no-jantar-
as-escuras
FIM DA MATÉRIA
no Brasil – e pela chef surda (como ela própria se designa) Elaine Encinas – gestora
de uma empresa de gastronomia de eventos na qual todos os colaboradores são
surdos.
Pela quebra de paradigmas e pelos esclarecimentos trazidos por ambos, a
“Mesa da Acessibilidade” conquistou a preferência do público participante do evento
que, pela primeira vez, contou com os recursos de LIBRAS e áudiodescrição.
A partir das novas estruturas, todo o processo pode então ser “internalizado”
(NONAKA,TAKEUCHI, 1997, p. 77-79), re-inserido no fluxo informacional.
Concluído o processo, todos os envolvidos podem apropriar-se do novo
aprendizado acerca da acessibilidade e compartilhar, socializar. Quando um novo
“agente do conhecimento” se apropriar é possível dizer que inicia-se uma espiral
(ROBREDO, 2011): por meio do conhecimento tácito de um determinado indivíduo,
a noção de acessibilidade foi socializada, externalizada, combinada, internalizada e
agora, explícita, poderá chegar a outras pessoas que também darão inicio a um
novo processo de socialização, externalização, combinação, internalização,
gerando, o que Nonaka e Takeuchi definem também, assim como Robredo, como a
espiral do conhecimento. (NONAKA,TAKEUCHI, 1997, p. 82).
Volta-se a Nonaka e Takeuschi (1997), para refletir acerca de uma importante
dimensão que jamais pode ser desconsiderada em qualquer empreendimento,
principalmente no que se refere à inovação: o tempo. Tempo remete a evento.
No escopo da acessibilidade, o Jantar às Escuras, como um evento cultural
gastronômico - portanto, informação – trouxe grande impacto para os envolvidos.
Havia naquele evento, muitos itinerários a serem percorridos, mas o grupo,
105
que o idealizador da exposição lhe atribui e depende de como ela é apreendida pelo
visitante”. (HORTA, 1994, p. 24 apud CARVALHO, 2000, p. 133)
obras de artes” (MCGARRY, 1984, p. 20). Para que possa chegar ao receptor, “a
informação, portanto, deve ter alguma forma de veículo”, o qual “deve possuir um
atributo essencial para que possa ser compreendido pelo receptor. Deve ser
discriminável”. McGarry assim traduz: “é preciso que o receptor possa distingui-lo
dos fenômenos que o cercam”. E classifica os sinais, os signos e os símbolos como
veículos para a transmissão de informações (MCGARRY, 1999, p. 12).
O primeiro desafio vivido pelo grupo era organizar o canal por onde os
elementos simbólicos do “Jantar às Escuras” deveriam “transitar”, a fim de que
chegassem às pessoas de modo a, de fato, sensibilizá-las. Volta-se a McGarry para
iluminar o percurso: “ordem é a primeira lei do universo, escreveu Alexander Poppe,
poeta do século XVIII”, enquanto “desordem é a própria antítese de informação”.
Assim, “localizar um evento no tempo e no espaço é o primeiro passo essencial para
108
quero encomodar vai que eles me mande de volta´´ e além de perder aquel eu
idealizado que trouxe comigo.
Assim na disciplina de comunicação em gastronomia e a disciplina de etiquetas
algumas coisas foram mudando, eu sem falar nada, até um dia foi chamado pela
professora. Ela me perguntou tenho visto voce limpando lagrimas, baixando a
cabeça, tirando os oculos e colocar de novo, tá com algum problema, eu falei sem
dar muito aprofundamento. A professora criou um jantar as escuras (pratica de
acessibilidade em gastronomia) onde era trabalho da turma de etiquetas junto com a
professora escolher o cardapio .
Por unanimidade foi escolhida o cardapio cabo-verdiano sugestão de um aluno
também da turma nossa foi a minha salvação vi como tudo o pessoal interesou pelo
projeto, a preocupção de todos como fazer o que fazer .
Conheci o marcos felipe que não ve que meche com a informatica, aquilo foi um
empurão, também os conteodos das aulas, os materiais, a preparação desde a
estrutura do local ate o serviço em que tudos tiveram que pensar e atraves de leis
vigentes, literaturas, espriença proporcionada a cada um da turma com um venda
nos olhos e circularam pelo bloco N para ver o que era estar sem a visão. Foi
muitos tabus que cairam por terra ali.
O jantar foi um sucesso trabalho de todos, professores que disponibilizaram, alunos,
colaboradores em fim meses de empenho e dedicação, ´´eu ´´prestando atenção em
tudo e todos.
No meio de todo isso foi abrindo com a professora, mostrando as dificuldades e ela
começou a interferir diretamente no meu caso, me apresentou os progras de
assecibilidade na internet, instalou nvda, drok box no meu computador, começou
aprocurar ajuda para que eu podesse ser atendido pelo oftalmologista, mas uma
colega da sala mesmo falou com a tia dela ai comecei a tratar onde deparam com
um pressão bem alta nos meu olhos.
Ja naquele periodo a professora se desponibilizou em ler e gravar os texto para que
eu podesse aconpanhar os texto em pdf que o programa não conseguia ler. No
quarto periodo logo no inicio ela pegou os meus textos, não sei como mas ela
organisou grupo de ledores eu recebia os texto para escutar no meu email.
Pedi para outros professores alguns atenderam o meu pedido de aumentar a letra
dos texto o que nas de etiquetas e comunicação era feite desde o iniçio.
112
Hoje posso dizer estou desconstruído o meu eu idealizado e deixado o meu proprio
eu avançar. Essas ferramentas que me forram dadas foi a agua no meio do deserto
ja estava desanimado pensando em desistir, mas me reerguerram. Varios pessoas
usam palavras desmotivantes com... não posso fazer, não sei, na faculdade tem que
ler, cara se não consegue e melhor desistir ou seja as pessoas não estão
preparadas e não procuram se informar e auto-formar para o tal ja que eles se sente
bem, mesmo estando mais dificiente do que o que possui algum impedimento ou
mobilidade redosida de execer algo.
Posso falar isso porque estava cego de pré-conceito, me isolanndo, não permitiu ter
glacoma já que queria ser um pessoa perfeita imagem idealizado em varios
momentos colocando a minha visão e vida em risco. Esse conceito de perfeição que
alguns de nós temos nos torna deficiente e portador de deficiências, arrogante,
mesquinhos e derrotados, sem entrar na batalha. Vejo que foi isso que tava fazendo
com essa pessoa que estou conhecendo agora: ´´EU´´.
Cozinha? Eu era ajudante. Nunca fui de fazer nada lá. Até que minha mãe
teve um problema sério de saúde por causa da diabetes. Ainda assim, ela
comia tudo o que queria, aí ficou doente. Bom, tivemos uma empregada. Eu
fazendo compras. De repente, cá estou eu na cozinha. Hoje eu cozinho.
115
Depois que fui acometido pela deficiência visual, comecei a preparar o café
da manhã e isso já entrou no fluxo diário. Eu tenho um neto de sete anos
(que nasceu em plena perda de visão minha), ele fica muito conosco. Ele
toma café conosco. Ele gosta de coisas diferentes. Ele gosta de tapioca,
omelete... Quando vou dormir, já deixo tudo pronto. Além disso, mora
conosco a minha sogra de 90 e poucos anos. Como na época em que eu
tinha um Buffet aprofundei conhecimentos em congelados, uma vez por
mês eu tiro um dia para ir para a cozinha e faço as comidas à base de
carnes. O que for possível congelar. Facilitamos a nossa vida dessa forma.
80% do que se produz aqui em casa, sou eu quem produz. Em épocas
festivas, eu também estou à frente de tudo, mas, a participação da família é
em tudo. Minha mulher compete comigo na qualidade das coisas que faz.
Tem um conto do Rubem Alves que fala da preparação da comida: o mais
importante da comida no domingo não é a comida, mas, o modo como ela é
produzida: a convivência na cozinha, a participação das pessoas. Você
passa uma manhã inteira preparando algo que vai ser consumido em meia
hora. A troca em família é tão grande. Tão importante! Conviver e trocar! O
quanto de cultura a gente absorve... (H65BVS)
Adoro ter a família cozinhando junto. Ajudo. Adoro. É muito bom! Meus
amigos fazem as coisas aqui em casa e eu participo. Cozinhar feijão, carne
assada. Só não uso panela de pressão. Acho perigoso. A panela de
pressão preocupa a pessoa com deficiência visual. Sempre preparo coisas
junto com outras pessoas. Nunca sozinha. Mas adoro a companhia delas na
cozinha! Me deixa feliz! (M37CAI)
Perdi a visão com 25 anos. Depois disso, eu me isolei muito. Hoje, na minha
casa, eu faço as coisas, agito tudo, sirvo minha filha e meu marido e,
somente depois que eles acabam é que eu vou comer. Eu até prefiro. Mas,
com isso, eu acabei desenvolvendo um hábito muito ruim: o de deixar
comida, mesmo ainda querendo comer eu digo que não quero mais. Minha
filha é o meu termômetro. Ela fala: Mamãe, você está empurrando a comida
para fora do prato. Já a minha mãe me desconforta sobremaneira. Ainda
hoje ela tira os talheres da minha mão, ajeita a comida no meu prato e aí eu
perco a fome. Ela me trata como se eu fosse uma idiota e eu detesto isso. O
momento de me alimentar, eu não gosto não. (M43CAA)
Papai era muito preocupado com a saúde. Fomos muito bem formados
quanto a isso. Aprendemos a gostar das coisas boas para a saúde.
Refeições em família. Até com lugares marcados. Não tínhamos pressa. A
regra era mastigar bastante. Não comíamos vendo TV. O momento
116
Com relação à minha família, fico sempre muito bem. Opino sobre as
escolhas do cardápio. Mas, minha esposa é quem comanda o espetáculo
com muito amor! Sentamos sempre juntos à mesa para fazer as refeições e
me utilizo das mesmas estruturas que utilizava antes de perder a visão:
garfo, faca... tudo igual. É muito difícil equilibrar a comida no garfo sem a
gente ver. Mas, a gente aprende e depois é só degustar! (risos) (H72CAA)
Muitas pessoas são muito “paparicadas” demais. Gente que não interage.
Isso não é positivo. Recentemente recebi um amigo deficiente visual na
minha casa. Ele é do interior e não conhecia nada. Ele nunca tinha
interagido com outras pessoas com deficiência. Ficou uma semana aqui em
casa. Eu percebi que muitas coisas ele não aprendeu porque não teve
quem o orientasse no aspecto do comportamento. Às vezes, quando a
pessoa fica deficiente, não tem recursos para aprender, não é? Fiquei
constrangida de abordar, mas, comportamento é tudo! O fato de ele nunca
ter freqüentado nenhuma reabilitação. Mas também há pessoas que fogem
do aprendizado. O quanto a gente aprende à mesa. Tudo a gente aprende à
mesa. E a maneira como a gente se comporta revela quem nós somos e
nivela a gente também. Até os 14 anos eu não conhecia nenhum deficiente.
Mas, quem me educou, me ensinou. Foi muito importante ter sido educada.
O mundo cobra. (M63CC)
merecem ainda muita pesquisa por parte daqueles que se dedicam aos estudos e à
ciência da Gastronomia.
Sendo assim, cabe registrar a promessa da pesquisadora em atendê-los em
um futuro breve.
4.2.1.1.3 ELETRODOMÉSTICOS
Outro aspecto relativo ao momento das compras foi apontado por M37BVC: o
posicionamento das etiquetas que dispõem a informação acerca dos produtos nas
gôndolas dos supermercados. Por vezes, nos produtos dispostos na parte mais
baixa das gôndolas, é impossível para uma pessoa com baixa visão, ainda que com
auxílio de lupas de aumento, obter as informações sobre estes, visto que, estando
tão próximos do chão, não favorecem a acessibilidade comunicacional, nem para as
pessoas que enxergam, tampouco para quem tem limitações visuais. Fica a
sugestão para que a disposição de produtos e etiquetas informativas seja repensada
nos supermercados.
4.2.1.3 EVENTOS
que não nos parecesse boa. Quando voltávamos para nossa casa, a energia era a
mesma. Não tinha essa de não querer voltar: fosse o que fosse, havia ficado lá,
naquele território neutro.” (M63CC)
Tendo ficado cego após uma grave infecção nos olhos causada por uma
bactéria, H65BVS, que antes de perder a visão tinha sido proprietário de um Buffet,
voltou à vida por meio da gastronomia: hoje, dá aulas de culinária, de modo
voluntário, revelando novos caminhos a outras pessoas que também perderam a
visão. Desde então, faz questão de destacar: “A Gastronomia tem se mostrado
como elemento propulsor para a retomada da vida de muitas outras pessoas, não só
as pessoas com deficiência visual, mas, todas que da vida delas fazem parte”,
principalmente aquelas a quem a deficiência acometeu tardiamente, na fase adulta.
Há exemplos de pessoas cegas que já estão, inclusive, empreendendo, fazendo
bolos, doces, tortas e outras delícias.
Tem sido uma experiência estupenda. Primeiro a experiência do
voluntariado: fazer algo sem esperar nada em troca. Isso me dá muita
satisfação. Principalmente por saber que se eu não tivesse ficado deficiente
eu jamais saberia o que é um deficiente visual, um cego... As dificuldades
que essa pessoa tem... O que passa, como supera... Então, o conjunto
dessas situações... É um processo que traz retorno para a própria pessoa.
(H65BVS)
Ressaltaram também que grande parte dos pontos negativos que envolvem e
comprometem a comensalidade são questões de ordem atitudinal e comunicacional.
Sendo assim, “se tudo está na comunicação e no bom senso, são coisas muito
simples de fazer: é só querer!” (M43CAA)
homem à comida. Portanto, é preciso refletir sobre o fato de que mais do que
organizadas para e pelas pessoas que podem ver, estas estruturas afetam
diretamente os cegos e as pessoas com baixa visão. Coutinho contribui com a
seguinte abordagem:
Historicamente o deficiente visual é vítima de estereótipos e discriminações,
rotulado como desviante do que se considera o padrão de normalidade dos
seres humanos. Conforme Ventura (2001), expressões como “tão bonitinho
e cego”, “pobrezinho, coitado” e “coitado do ceguinho” mal disfarça o
sentimento de superioridade, mesmo que involuntário, de quem as
pronuncia. Conseqüentemente, essas pessoas vêm sendo tratadas como
“[...] objetos da ação e de piedade social” (PINHEIRO, 1997, p.145).
Construções históricas arraigadas nas representações da população em
geral, de discriminação, preconceitos, terminologias, nomenclaturas e
piedade, são conferidas aos deficientes visuais, ocasionando processos de
informações contraditórias ao se referir às questões que os envolvem.
(COUTINHO, 2011, p. 28)
Borko (1968), nos primórdios da C.I, nos anos de 1960, anteviu e apontou
para a relevância de articular a informação com vistas à acessibilidade e à
usabilidade. Diante do fato, hoje o farol que norteia a ação é: “Somos o que
fazemos” e, a partir de McGarry, faz-se fundamental compreender que a
exeqüibilidade da acessibilidade é um esforço comum e que para tanto
“dependemos uns dos outros” para dar vida às perspectivas de Pinheiro quanto à
Responsabilidade Social da Ciência da Informação e sobre a Educação da
Sensibilidade: “levar conhecimento a quem dele necessite”.
Plano de Aulas:
Aula 5: Avaliação 1
Aula 11: Construindo um novo olhar acerca das possibilidades de acesso – objetivo:
criação em grupo e compartilhamento
138
Referências
AMARANTE, Paulo e LIMA, Ricardo (Coord.). Nada sobre Nós sem Nós. Relatório
final. / Oficina Nacional / Coordenado por Paulo Amarante e Ricardo Lima. Rio de
Janeiro. s.n., 2009. 125 p.
BOFF, L. Virtudes para um outro mundo possível. Vol. III. Comer e beber juntos e
viver em paz”. Petrópolis: vozes, 2006.
BORKO, H. Information Science: what is it? American Documentation, v.19, n.1, p.3-
5, Jan. 1968.
BRASIL. Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite,
Decreto 7.612, de 17/11/2011.
FRAZIER, Gregory. 1975. The autobiography of miss Jane Pitman: an all audio
adaptation of the teleplay for the blind and visually handicapped. San Francisco: San
Francisco State University. MA- Thesis.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2002.
GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e sua relação com a história da
humanidade. Disponível em: http://www.ampid.org.br/v1/wp-
content/uploads/2014/09/A-pessoa-com-defici%C3%AAncia-e-sua-
rela%C3%A7%C3%A3o-com-a-hist%C3%B3ria-da-humanidade-1.pdf . Acesso em:
março 2015.
KASTRUP, Virgina; MORAES, Marcia. (orgs). Exercícios de ver e não ver: arte e
pesquisa com pessoas com deficiência visual / Rio de Janeiro: Nau, 2010. 288 p.
LIMA, F.. Introdução aos estudos do roteiro para áudio-descrição: sugestões para a
construção de um script anotado. Revista Brasileira de Tradução Visual, América do
Norte, 7, jun. 2011. 2011
MITCHELL, Mary; CORR, John. Tudo sobre Etiqueta. Barueri - São Paulo: Editora
Manole, 2002.
MONTANARI, M. Comida como cultura. Ed. Senac SP: São Paulo, 2008.
145
MOTTA, Lívia Maria Villela de Mello; ROMEU FILHO, Paulo. (org). Audiodescrição:
transformando imagens em palavras. São Paulo: Secretaria dos Direitos da Pessoa
com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010.
PETRINI, C. Slow Food: princípios da nova gastronomia. Ed.SENAC SP: São Paulo,
2009.
PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro. Ciência da Informação entre sombra e luz: domínio
epistemológico e campo interdisciplinar. Orientador: Gilda Braga. Rio de Janeiro:
IBICT; Escola de Comunicação da UFRJ, 1997. Tese.
ROSSI, Maria Helena Wagner. Imagens que falam: leitura da arte na escola. Porto
Alegre: Editora Mediação, 2003.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Nada sobre nós, sem nós: Da integração à inclusão –
Parte 1. Revista Nacional de Reabilitação, ano X, n. 57, jul/ago. 2007a, p. 8-16.
APÊNDICE 1
Prezado(a):
Benefícios. Esta pesquisa trará maior conhecimento sobre o tema abordado, com
benefício direto para você, tipificando as reais necessidades informacionais sobre o
acesso à gastronomia para todas as pessoas, com ou sem deficiência.
Consentimento
Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem penalidades ou prejuízos. Eu receberei
uma cópia desse Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra
ficará com o pesquisador responsável.
_______________________________
Nome:
_______________________________
AGRADECEMOS A COLABORAÇÃO
151
APÊNDICE 2
Apêndice 2:
2.1 Você conhece este conceito? Quem é você como anfitrião, conviva e/ou
comensal?
3) Comensalidade em casa:
APÊNDICE 3
JANTAR ÀS ESCURAS
ATIVIDADE COMPLEMENTAR
ALUNOS DO CURSO DE GASTRONOMIA DA UFRJ
156
Participantes da Reunião
Marca aprovada
158
Dados do evento
Evento institucional – parte do III ENAC
Dia: 13 de maio de 2015
Hora: das 19h às 22h
Local: CBAE – Colégio Brasileiro de Altos Estudos
da UFRJ – Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo – Rio
de Janeiro (ao lado do Instituto Fernandes
Figueira). Antigo prédioda UNE – União Nacional
dos Estudantes. Mesmo prédio onde funciona o
Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ
159
O prédio do CBAE
160
ATENÇÃO!
Próximo ao Metrô Flamengo
Não tem estacionamento no local
Estacionamento + próximo, na mesma rua do
CBAE, a cerca de 300 m do local
R$ 5,00 a hora/ R$ 40,00 a diária
Link com mais infos sobre o local
http://www.panoramio.com/photo/56042896
161
Acolhimento: Orunmilá AD
162
Justificativa
Similaridade cultural África/Brasil - sincretismo religioso: culto
aos Santos e aos Orixás
“Orunmilá” é uma obra de arte visual bidimensional da artista
plástica Teresa Moura. Para a obra, já foi produzida AD (áudio-
descrição). O roteiro é de Daniel Falcão e já foi aprovado por
pessoas com deficiência visual na exposição “Ancestralidade
no Universo – A Força da Origem”, realizada em 2010.
O roteiro de AD do Orunmilá está em fase de gravação
para produção da exposição “Orixás Acessíveis e Acessáveis”,
comcuradoria da Profª Verônica Mattoso
Imagem com direito de utilização cedido pela artista plástica
163
Acolhimento: Leques
164
Justificativa
O salão onde o “Jantar às Escuras” vai
acontecer não tem ar refrigerado
A peça promocional cumpre o papel de
difundir o conceito “Gastronomia para
Todos”, proposto pela Profª Verônica Mattoso
na abordagem da Acessibilidade em
Gastronomia
165
O SALÃO
Área da planta baixa, a seguir,
onde estão demarcadas as mesas
com círculos em vermelho e branco
Planta Baixa
167
Áreas de Produção
Haverá duas áreas de produção:
1) está marcada na planta baixa
como Centro de Pesquisa
2) está marcada como Restaurante
173
Estrutura de atendimento
Jantar Finger Food
Fundamentação teórica para a escolha do
tipode jantar em:
LEITE, André. Finger food: sabor e
sofisticação em miniporções. Rio de Janeiro:
Senac Nacional, 2014. 156p. Fotos (sugestão
de referência apresentada pelo aluno Marcos
Vinicio – 4º período)
178
Estrutura de atendimento
Cardápio temático cabo-verdiano
64 participantes (agentes de cultura)
8 mesas de 8 lugares cada
Toalhas longas adamascadas marfim
2 taças (1 bicode jaca para Sumo + 1 cristal para água)
Lavanda
Minisousplats forrados de juta
Guardanapos de linho branco c/ guipure
Guardanapos de papel Rappanui G e P
Todo o serviço será disposto em louças brancas, à
exceção dos docinhos da minissobremesa
179
Mise en place
180
Cardápio
Jantar às Escuras Finger Food cabo-verdiano
Produção:
professores e alunos do
Curso de Bacharelado em Gastronomia
UFRJ
181
Cardápio Cabo-verdiano
Sugestão de composição
Profª Laura Kyioko – imagem acervo pessoal
185
Montagem da Entrada
186
Entrada
"Crêcheu de salteado vegano e pasta"
Sugestão de composição
Foto Google
188
Montagem do Crêcheu
189
Primeiro Prato:
"Cachupa Cabo-verdiana"
Sugestão de composição:
foto Google
191
Segundo Prato:
"Mariscada Crioula"
Arroz com mariscos (camarão, lula, polvo esururu)
As águas que banham o arquipélago de Cabo Verde
oferecem grande diversidade de frutos do mar. Além do
Português como língua oficial, o crioulo cabo-verdiano é
outra língua originária do país e reúne elementos de
diversas culturas, promovendo grande diversidade nos
aspectos dacomensalidade. Uma expressão de
acolhimento cabo-verdiana demonstra isso:
Sugestão composição
"Mariscada Crioula“ Foto: Google
194
Minissobremesa: “Morabeza”:
este item será produzido pela Queen Doces
Minissobremesa: “Morabeza”:
produção Queen Doces
197
Sugestão de composição
modelo: brigadeiro salgado Rappanui em base de finger food
198
BEBIDAS
(além de água com e sem gás)
Cardápio harmonizado
com itens à base de maçã
sugestão Luiz Antonio Barros
enófilo e sommelier - Cais de Icaraí
200
Sumo
bebida típica de Cabo Verde, produzida à base de
maçã ácida. Espécie de chá gelado. Produção:
professores e alunos do CBG UFRJ
201
Atenção
Bardoco
ORIGEM: São Joaquim – SC – Serra Catarinense.
TIPO DE MAÇA: Fugi e Gala
GRAD. ALCOÓLICA: 11% vol.
ALTITUDE: 1.100 a 1.300 m.
CLIMA: Montanhoso, frio.
COLHEITA: Manual com seleção das frutas.
PRENSAGEM: Suco extraído a baixas temperaturas através de
centrifugação
PRIMEIRA FERMENTAÇÃO: Tanque de aço inóx com controle de
TC.
SEGUNDA FERMENTAÇÃO: Tanque aço inox resistente a
pressão - Autoclave
NÚMERO DE GARRAFAS: 13.500.
203
Bardoco
ESTILO: Elaborado pelo método Charmat, o fermentado de maçã traduz toda a
qualidade de uma bebida suave e refrescante, onde seu teor alcoólico (11%) se
equilibra com o sabor da fruta fresca e o desprendimento das borbulhas
vibrantes.
Bardoco
DESCRIÇÃO DO PRODUTO
OUTRAS INFOS:
206
Realização
Montagem: 12 de maio, terça, das 13h às 17h