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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIENCIAS DA SAUDE

FACULDADE DE MEDICINA

DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM
ACESSIBILIDADE CULTURAL

VERÔNICA DE ANDRADE MATTOSO

GASTRONOMIA ACESSÍVEL E ACESSÁVEL:

CONHECIMENTO E COMENSALIDADE A PARTIR DA ABORDAGEM

E DA PERCEPÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

RIO DE JANEIRO

ABRIL DE 2016
VERÔNICA DE ANDRADE MATTOSO

GASTRONOMIA ACESSÍVEL E ACESSÁVEL:

CONHECIMENTO E COMENSALIDADE A PARTIR DA ABORDAGEM

E DA PERCEPÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Departamento de Terapia Ocupacional da
Faculdade de Medicina do Centro de Ciências
da Saúde da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito à obtenção do título de
Especialista em Acessibilidade Cultural.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Nilton Gomes de Oliveira

RIO DE JANEIRO

ABRIL DE 2016
Dedico

Ao Criador
e
a todos os seus
intermediários

A meus pais,
Vera e Newton
Elisabeti e Paulo
Ivete e José Felipe

A meu marido, Marcio Felipe,


que todos os dias
me ensina novas maneiras
de perceber o mundo

A minha prirmã Christine,


parceria incondicional
neste empreendimento

A toda a minha família

Aos meus amigos

A Claudio Starec,
Lena Vania Ribeiro Pinheiro
e Francisco José de Lima,
faróis do meu trilhar acadêmico

Aos meus alunos,


sem os quais
nenhum conhecimento faria sentido,
em especial, Ernani Lima Morais e João Carlos Pinto Casangel da SIlva

In Memoriam

Aos meus ancestrais


e
a todos que já se foram

A Edy Wilson de Souza


AGRADECIMENTOS

À Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pela oportunidade de


aprendizado.

À Direção e aos membros da Congregação do Instituto de Nutrição Josué de


Castro (INJC) e à Coordenação e aos membros do Colegiado do Curso de
Bacharelado em Gastronomia da UFRJ por terem me permitido investir tempo e
dedicação a este empreendimento acadêmico.

Ao professor Francisco Nilton Gomes de Oliveira, pela orientação desta


pesquisa, confiança e amizade.

À professora Elizabeth Accioly, do Instituto de Nutrição Josué de Castro da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, por ter aceito o convite para integrar a
banca examinadora deste trabalho.

À professora Patrícia Dorneles, pela coragem, iniciativa e empenho para criar


o Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural na Universidade Federal do
Rio de Janeiro e pelo incentivo para que eu abraçasse os estudos da temática. A
todos os professores, palestrantes convidados e colaboradores do Curso e aos
amigos da segunda turma pela parceria incondicional, especialmente Emerson De
Paula e Ivone Angela dos Santos (meus colegas de Curso e orientandos); além de
Ana Letícia, Andrey e Laurene (do Grupo UBUNTU); e Debora, Jadson, Mauana,
Sheila, Izabel, Vania, Renata e, em especial, Risla, pelo presente que fomentou a
realização desta pesquisa: o dossiê “Gastronomia é Cultura?”, organizado por
Carlos Alberto Dória e publicado na Revista Cult no início de 2015.

Aos meus alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ, pelas


conversas, trocas e contribuições – em especial, Gisele Moreno de Barros, Fabíola
da Silva Santos e Danilo Moreira – e todos aqueles que, juntamente com os
professores Mara Lima De Cnop, Denise Diniz, Laura Kyioko, Joyce Cafiero e Marcio
Marques, aceitaram meu convite para, voluntariamente, participar da realização do
primeiro Jantar às Escuras realizado na UFRJ em 13 de maio de 2015, evento de
sensibilização para a questão da acessibilidade: Ana Carolina Ferreira Guimarães,
Andiara do Vale Valdeolivas, André Felipe Cavalcanti Yaakoub, Anna Lara Kapitzky
Dias, Carla Andressa Sousa Reis, Danielle Rezende da Silva, Danilo Silva Moreira,
Eduarda Tantos Costa, Ernani Lima Morais, Fernanda Chueke, Filipe Pessoa dos
Santos, Francisca Andressa Otaviano Do Vale, Francisco Muniz Videira, Guido
Jordan dos Santos, Ítalo de Paula Casemiro, João Carlos Pinto Casangel da Silva,
Juliana Lima de Andrade, Larissa Ferreira Barbosa, Lohane Rianele de Lima, Luiza
Grosso Gonçalves Coelho, Marcos Vinicio da Silva, Mariana dos Reis Santos,
Mariana Munck Gil, Marina Moreira Vicente Gomes, Marllon Dias Archanjo, Michelle
de Souza Pinto, Noemia Cardoso da Silva Gomes, Pamela Chianelli A V Barcellos,
Rafaela Myssen Coelho de Souza, Raquel Oliveira Figueiredo Andrade, Renan
Chriginio da Silva, Sofia Vieira Alves Ferreira, Tamires Christine Pereira da Silva e
Vênus de Mattos e Silva Lobato.

A Márcio José Felipe, consultor em Tecnologia da Informação e em Tecnologia


Assistiva, com quem dividi a concepção de cada uma das etapas do Jantar às
Escuras, desde a captação de parceiros e recursos, planejamento, organização,
realização e avaliação. E que, na continuidade deste TCC, dedicou apoio
incondicional.

A todos que, de alguma forma, tenham contribuído para a realização e


conclusão deste empreendimento, especialmente as pessoas com deficiência visual
que aceitaram participar da pesquisa de campo que deu origem a este Trabalho de
Conclusão de Curso.
Paciência

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma


Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para...

Enquanto o tempo acelera e pede pressa

Eu me recuso faço hora vou na valsa


A vida é tão rara...

Enquanto todo mundo espera a cura do mal


E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência...

O mundo vai girando cada vez mais veloz


A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência...

Será que é tempo que lhe falta para perceber?


Será que temos esse tempo para perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma


Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não...

Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma


Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para...

Lenine
Nunca se deve engatinhar quando o impulso é voar

Helen Keller

Tudo o que se pode pensar, pode existir

Parmênides

Viver de fato é viver com informação

Norbert Winner

É lentíssima a evolução da sociedade nas suas dimensões mais profundas,


comparada à rapidez dos sonhos dos indivíduos.

Herbert Read

Eu sou um intelectual que não tem medo de ser amoroso...


E é porque amo as pessoas e amo o mundo
que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.

Paulo Freire
"Se você veio para me ajudar,
então você pode voltar para casa.
Mas se você vir a minha luta
como parte de sua própria
sobrevivência, então talvez
possamos trabalhar juntos".

Frase de abertura do relatório


1
“Nothing About Us Without Us” ,
publicado pelo
Centro de Vida Independente
da Irlanda, em 1994.

1
Nada sobre nós, sem nós
RESUMO

MATTOSO, Verônica de Andrade. Gastronomia acessível e acessável:


conhecimento e comensalidade a partir da abordagem e da percepção de
pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro. 2016. 207 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Especialização em Acessibilidade Cultural) – Departamento de
Terapia Ocupacional – Faculdade de Medicina – Centro de Ciências da Saúde –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

Pesquisa desenvolvida com o objetivo de destacar a relevância dos estudos da


Acessibilidade em Gastronomia. A partir de uma investigação exploratória de caráter
qualitativo, este trabalho foi realizado por meio de metodologia híbrida reunindo
estudo bibliográfico com base no Paradigma Indiciário; Pesquisa-Ação desenvolvida
com alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ); além de Pesquisa de Campo realizada por meio de
entrevistas a partir do método da Escuta Sensível para conhecer a percepção e o
sentimento de pessoas com deficiência visual sobre o acesso a momentos de
comensalidade em casa e fora de casa, principalmente nos bares, restaurantes e
eventos. O resultado da Pesquisa de Campo revelou o deletério inacesso a
momentos de comensalidade a pessoas com deficiência visual, em casa e fora de
casa. A Pesquisa-Ação evidenciou o interesse dos estudantes pelos estudos da
acessibilidade e, entre outros desdobramentos, o estudo impulsionou a proposição
da disciplina Acessibilidade em Gastronomia no Curso de Bacharelado em
Gastronomia e grupo de pesquisa e de extensão homônimos na Universidade
Federal do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Acessibilidade Cultural. Acessibilidade em Gastronomia.


Conhecimento. Comensalidade. Gastronomia.
ABSTRACT

MATTOSO, Verônica de Andrade. Gastronomia acessível e acessável:


conhecimento e comensalidade a partir da abordagem e da percepção de
pessoas com deficiência visual. Rio de Janeiro. 2016. 207 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Especialização em Acessibilidade Cultural) – Departamento de
Terapia Ocupacional – Faculdade de Medicina – Centro de Ciências da Saúde –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

This research intends to highlight the relevance of Accessibility in Gastronomy.


Based on an exploratory research with qualitative aspects, this term paper has been
carried out by a hybrid methodology combining bibliography studies built on Indiciary
Paradigm; Action Research developed by Gastronomy Bachelors course students of
Universidade Federal do Rio de Janeiro; and also, Field Research achieved through
the interview method called Sensitive Listening to understand the perception and
feelings of visually impaired people about the access in commensality moments at
home and outside, mainly at bars, restaurants and events. The Field Research
revealed the deleterious inaccessibility of moments of commensality to visually
impaired people, at home and outside. The Action Research showed the interest of
students in accessibility studies and, among other development, this investigation
promoted the proposition of a discipline/subject called Accessibility in Gastronomy in
Gastronomy Bachelors course and a namesake group of research and extensions in
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Key-words: Accessibility in Gastronomy. Commensality. Cultural Accessibility.


Gastronomy. Knowledge..
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 13

1 INTRODUÇÃO 19

1.1 OBJETIVOS 29

2. METODOLOGIA 30

2.1 A ESTRUTURA METODOLÓGICA 30

3. PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS E CONTEXTUAIS 48

3.1. ACESSIBILIDADE CULTURAL 48

3.1.1 ACESSIBILIDADE 54

3.1.1.1 58
ACESSIBILIDADE COMUNICACIONAL

3.1.1.2 ACESSÍVEL E ACESSÁVEL 62

3.1.2 A ACESSIBILIDADE CULTURAL 65

3.1.2.1 CONTEXTO HISTÓRICO 66

3.2 GASTRONOMIA 69

3.2.1 A GASTRONOMIA 69

3.2.2 COMENSALIDADE 74

4. ESCUTAR, SENTIR, AGIR – A PESQUISA EMPÍRICA 83

4.1 A PESQUISA-AÇÃO: CONHECER, SENSIBILIZAR E APRENDER 84


4.2 A PESQUISA DE CAMPO: ESCUTAR SENTINDO 112

4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS: PARA APRENDER E AGIR 128

5 CONCLUSÃO: HORA DE AGIR 134

REFERÊNCIAS 139

APÊNDICES 148
13

APRESENTAÇÃO
Com o dente de um garfo descartável atravessado na garganta

Entre os anos de 1997 e 2009, a autora deste Trabalho de Conclusão de


Curso se dedicou à atividade de captadora de recursos e de ledora voluntária para
pessoas com deficiência visual na Audioteca Sal & Luz, no Rio de Janeiro. A
vivência com pessoas com deficiência acabou por acarretar interesse particular não
somente pela busca por melhor qualidade de vida, mas, principalmente, por
inovações que viessem a trazer benefícios àquela parcela da população. Inspirada
pelo pensamento crítico de Paulo Freire – educador brasileiro que não teve “medo
de ser amoroso” e que amou ”as gentes” e amou “o mundo” –, a pesquisadora
também luta “para que a justiça social se implante antes da caridade".
Assim, em 2010, ao optar pelos estudos no Mestrado em Ciência da
Informação no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT)
desenvolvido em parceria interinstitucional com a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), decidiu analisar o potencial informativo da áudio-descrição (AD)1
aplicada a obras de artes visuais bidimensionais. Era o alvorecer daquela
modalidade de tradução intersemiótica no Brasil e interessava saber quais os
impactos e transformações a AD – como um mecanismo de acessibilidade cultural
por meio do qual imagens são traduzidas em palavras – traria, de fato, para a vida
de pessoas com deficiência visual.
“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão”. Reverberando o pensamento de Freire, em busca de respostas
durante a Pesquisa-Ação no Mestrado, estruturou a exposição “Ancestralidade no
Universo: a Força da Origem” realizada na Galeria de Arte Universo – da
Universidade Salgado de Oliveira –, na cidade de Niterói, entre os meses de

1
No Brasil, até o momento de elaboração deste TCC, não há, entre pesquisadores da área, consenso em
relação à grafia do termo: se “áudio-descrição” ou “audiodescrição”. As duas formas definem a técnica de
tradução intersemiótica por meio da qual imagens estáticas ou dinâmicas são traduzidas em palavras para
favorecer o acesso à informação imagética prioritariamente a pessoas com deficiência visual e também a
outros públicos. Em respeito aos autores/pesquisadores, será mantida a forma de grafia adotada por cada um.
A própria autora deste TCC, em sua dissertação de Mestrado, por ter fundamentado seus estudos a partir do
aprendizado com o Prof. Dr. Francisco José de Lima, grafou “áudio-descrição”; neste TCC, opta por
“audiodescrição”, conforme disposto na grade curricular do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
14

novembro e dezembro de 2010. Foi a primeira exposição do estado do Rio de


Janeiro com obras de artes visuais bidimensionais também acessíveis e acessáveis
para pessoas com deficiência visual, na qual foram apresentadas ao público 61
obras com audiodescrição entre pinturas, desenhos, fotografias e elementos táteis.
A população daquela pesquisa foi composta por um grupo de pessoas com
deficiência visual, as quais foram convidadas a visitar a exposição, contribuindo
significativamente para dar origem à dissertação defendida em março de 2012
(MATTOSO, 2012). O que aquelas pessoas não sabiam (tampouco a pesquisadora)
é que mais do que a contribuição para os aspectos da audiodescrição (AD) para
aquela pesquisa, a participação delas em um evento paralelo à exposição – o
almoço – representaria outro marco na vida da pesquisadora.
Na última data para visitação da exposição – 04 de dezembro de 2010 –, o
grupo de pessoas com deficiência visual compareceu à Galeria de Arte Universo.
Considerando que aquelas pessoas passariam todo o dia em função da visita à
exposição, alguns procedimentos específicos foram adotados.
Um ônibus para fazer o traslado dos visitantes de ida e volta para a cidade do
Rio de Janeiro foi equipado com serviço de bordo com lanches e água,
principalmente pela complexidade orgânica de alguns deles devido à diabetes. Ao
desembarcar na exposição, o grupo foi acolhido por recepcionistas capacitadas para
o atendimento a pessoas com deficiência. No meio do dia, um almoço oferecido por
um restaurante da cidade – como Apoio Cultural ao evento – foi servido ao grupo
visitante e também à equipe de produção e recepção. Era um sábado e a
Universidade não dispunha de um ambiente para realização de refeições com todos
os aparatos necessários. Também foi preciso considerar a exigüidade do tempo
para todas as atividades previstas para ocorrer naquela visita, bem como a
complexidade para deslocar as mais de 50 pessoas envolvidas na atividade (entre
equipe de produção e visitantes). Desse modo, foi solicitado ao restaurante que os
almoços viessem prontos para consumo e assim foram entregues: em embalagens
descartáveis aluminizadas individuais acompanhadas de talheres e copos plásticos.
Atenta a todos os detalhes daquele dia, chamou a atenção da pesquisadora o
fato de que, durante o almoço, entre os visitantes com deficiência visual, alguns
sequer abriram as embalagens com as refeições, enquanto outros começaram a
comer e interromperam a refeição sem nada dizer ou reclamar, o que a levou a
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refletir sobre o que teria motivado tais atitudes e buscar compreender por que
parecia que o serviço de alimentação teria deixado a desejar.
Além das perguntas específicas relacionadas à audiodescrição para aquela
pesquisa do Mestrado, o questionário respondido pelos visitantes da exposição
incluía também um tópico com perguntas sobre as ações de hospitalidade
empreendidas para a visita e, sobre este, a maioria dos entrevistados destacou
como excelente, do mesmo modo como também foi avaliado, pela maioria, o
momento do almoço. Entretanto – e ainda bem! –, dois entrevistados apontaram
problemas no serviço de alimentação, principalmente por conta da estrutura
descartável dos equipamentos: a frágil composição dos garfos, facas, copos e
marmitas aluminizadas os impediu de comer com fluidez e, por este motivo, muitos
optaram por não comer ou por abandonar a refeição. Um deles destacou que ao
levar a comida à boca percebeu que faltava um dente no garfo descartável e que,
então, naquele exato momento, optou por parar de comer, afinal, sem enxergar,
como saberia onde estava o dente do garfo? Para não se engasgar, parou de
comer. E, claro, ficou com fome.
Além disso, o mesmo entrevistado também destacou um erro enorme de
planejamento do evento: não foi prevista audiodescrição nem para o momento que
antecedia o almoço e nem durante, impossibilitando às pessoas com deficiência
visual o acesso pleno às informações relativas a aquele momento.
Como o foco da pesquisa naquela ocasião era a audiodescrição de obras de
artes, improvável supor que os problemas que relacionaram Gastronomia e
Acessibilidade vivenciados pela pesquisadora naquele almoço fossem calar tão
fundo por tantos anos e que outros tantos anos depois viriam até que o dente de um
garfo descartável atravessado na garganta se tornasse o primeiro insight para a
realização de uma nova pesquisa, na qual fosse possível relacionar pessoas com
deficiência visual aos conceitos de gastronomia, comensalidade e eventos,
inquietação que voltou à tona em 2014, quando a pesquisadora foi aprovada no
concurso para docente no Curso de Bacharelado em Gastronomia na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Neófita no universo docente do Magistério Superior, a pesquisadora
vislumbrou naquele ambiente a possibilidade de articular os primeiros passos rumo à
sensibilização de alunos, professores e técnicos para questões que relacionassem
Acessibilidade e Gastronomia. Empossada no novo cargo em março de 2014, logo
16

em seguida, por proposição da coordenadora do Curso à época, a Profª Nilma de


Paula Morcerf, e com a aprovação do Colegiado, a pesquisadora – a partir de então,
professora – assumiria a coordenação do “V Fórum Gastronomia, Saúde e
Sociedade” que, naquela edição, com o tema “Gastronomia e Comunicação”, entre
outros tópicos, debateu, por sugestão da Profª Mara Lima De Cnop, a questão da
acessibilidade comunicacional em Gastronomia. Validando a premissa “Nada sobre
nós, sem nós” (CHARLTON, 1998; SASSAKI, 2007a; 2007b), o debate foi
protagonizado pelo Prof. Dr. Francisco José de Lima – docente pioneiro nos estudos
da áudio-descrição no Brasil e pessoa cega – e pela empreendedora Elaine Encinas
– chef de cozinha, empresária do setor gastronômico e pessoa surda. Este foi
também o primeiro evento do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC) realizado
com acessibilidade comunicacional por meio de Libras e audiodescrição ao vivo. A
temática foi apontada como destaque pelos participantes do V Fórum e apresentada
no XII Congresso de Extensão da UFRJ, em novembro de 2015.
Ainda durante o V Fórum, justamente ao final do debate sobre acessibilidade
comunicacional em Gastronomia, a então recém-chegada professora-pesquisadora
foi abordada pelas alunas Gisele Moreno de Barros e Fabíola da Silva Santos na
porta do auditório com a seguinte assertiva: “Professora, é muito importante a gente
aprender mais sobre acessibilidade aqui no curso”. Simultaneamente à proposição
das alunas, reverberava ainda o depoimento de outro aluno do Curso de
Gastronomia, Danilo Silva Moreira, no encerramento do evento:
Depois de tudo o que aprendi neste V Fórum sobre acessibilidade e
comunicação, penso que existem dois tipos de cidadãos: os deficientes e os
ignorantes. Os deficientes são pessoas que, assim como eu, por um déficit
informacional, ainda não sabem como conviver plenamente com todas as
pessoas, inclusive com as pessoas com deficiência. E os ignorantes são
aqueles que além de ignorar (no sentido de desconhecer) as especificidades
do universo das pessoas com deficiência não buscam conhecer, fazem
questão de assim permanecer e em nada contribuem para acabar de vez com
a exclusão.

O momento levou a pesquisadora à nova reflexão à luz de Paulo Freire


(FREIRE, 1987, p.39), para quem “os homens se educam entre si mediatizados pelo
mundo”, e, por fim, como “não há docência sem discência” tampouco “há ensino
sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (FREIRE, 1996), entendendo a necessidade
de ampliar conhecimentos na área da acessibilidade para fazer valer o desejo dos
alunos e o seu próprio, ela buscou novos conhecimentos e, no início de 2015, foi
aprovada para ingressar no Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural do
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Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade


Federal do Rio de Janeiro, fruto da parceria interinstitucional entre a UFRJ e o
Ministério da Cultura, o qual se conclui por meio deste Trabalho de Conclusão de
Curso.
O fato desencadearia o convite da coordenadora do Curso de Especialização,
Profª Drª Patrícia Dorneles, para que a professora-pesquisadora desse vida a um
sonho antigo do Coordenador do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Prof. Dr.
Carlos Vainer: realizar o primeiro Jantar às Escuras na Universidade.
Assim, ainda fundamentada no pensamento de Freire de que “a Educação
qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática”, para
o período 2015.1, nos planos de aula das disciplinas que iria ministrar –
Comunicação em Gastronomia, Gestão de Eventos Gastronômicos e Etiqueta e
Comensalidade – a pesquisadora incluiu uma aula intitulada “Gastronomia para
Todos”, quando, além de referenciais documentais e teóricos sobre acessibilidade,
propôs aos alunos uma dinâmica de cognição corporificada com base nos estudos
de Lakoff e Johnson (2002) e a participação na realização do Jantar às Escuras
como atividade prática das três disciplinas. Resultado: o Jantar aconteceu no dia 13
de maio de 2015 como atividade complementar do III ENAC – Encontro Nacional em
Acessibilidade Cultural – e, além da professora-pesquisadora, que também
coordenou a Comissão Organizadora do evento, contou com a participação de mais
cinco docentes e 34 alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia, alunos estes
tanto das três disciplinas por ela ministradas quanto de outros períodos,
interessados em ampliar seus conhecimentos. Paralelamente às atividades docentes
na UFRJ, a pesquisadora recebeu uma série de convites para palestrar sobre a
noção de “Gastronomia para Todos”, todos aceitos.
Outro fato trouxe ainda mais ênfase à inserção do conceito de acessibilidade
no Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ: faziam parte das disciplinas de
Comunicação em Gastronomia e Etiqueta e Comensalidade, naquele período de
2015.1, dois alunos com limitações visuais, o que levou a professora-pesquisadora a
transformar as estruturas de aulas com base no Desenho Universal e a criar um
grupo de ledores voluntários para tornar acessíveis e acessáveis os conteúdos das
disciplinas para ambos, além de desempenhar diversas atividades relacionadas à
acessibilização de produtos relacionados à Gastronomia, como a criação de um
roteiro de audiodescrição para a fotografia do aluno Leonardo Martins do Curso de
18

Gastronomia da UFRJ, vencedora do concurso “Imagens da Gastronomia” do V


Fórum Gastronomia Saúde e Sociedade, de 2014, acessibilizada em QR Code e
apresentada no VI Fórum, realizado em setembro de 2015.
A cada ação empreendida na UFRJ, por meio das respostas positivas dos
alunos; dos participantes do Jantar às Escuras; da Coordenação do Fórum de
Ciência e Cultura; das coordenações do Curso de Bacharelado em Gastronomia e
do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural; e também do público
presente às palestras; evidenciavam-se as espirais do conhecimento (ROBREDO,
2011) e ganhava amplitude a hipótese da pesquisadora acerca da relevância de
dedicar estudos sobre acessibilidade na área da Gastronomia.
Entretanto, ainda uma lacuna inquietava a partir do conceito “Nada Sobre
Nós, Sem Nós” que preconiza a efetiva participação das pessoas com deficiência
em tudo o que lhes diga respeito: conhecer os níveis de (in?)satisfação de pessoas
com deficiência visual quanto aos aspectos da comensalidade dentro e fora de casa,
em especial nos cafés, bares, restaurantes e eventos.
Objetivando responder às inquietações, além de um levantamento de dados
conceituais, contextuais e teóricos, este Trabalho de Conclusão de Curso fora então
desenvolvido em duas frentes distintas de pesquisa empírica:
1) na Gastronomia: ao destacar a relevância do aprendizado da
acessibilidade com vistas à promoção da comensalidade para todos,
bem como para favorecer o acesso aos estudos da Gastronomia
também a estudantes com limitações visuais;
2) na Acessibilidade Cultural: ao sensibilizar e capacitar futuros
gastrônomos e gastrônomas, com ou sem deficiência, para
protagonizar efetiva transmutação social por meio da promoção do
acesso à Gastronomia, quer como ciência, quer como produto, quer
como cultura, para todas as pessoas.

Retomando o pensamento freireano para concluir esta apresentação,


acreditando a pesquisadora “mover-se como uma educadora porque primeiro move-
se como gente”, está “na mesa” o cardápio dos fatos que impulsionaram a
realização da pesquisa que ora se apresenta e cujos resultados estão explicitados
nas páginas deste TCC.
19

1 INTRODUÇÃO

O princípio é o verbo. E também a ação. Sentir. Fazer. Sentir-se. Sentindo.


Sentido. Sentir fazendo. Fazer sentir. Fazer-se sentir. Fazer sentido. Fazer sentindo.
Sentimentos. Sensações. Sentidos. Todos relacionados à rica experiência da
comensalidade que pode ser compartilhada/comunicada entre profissionais da
gastronomia e comensais neste início do Século XXI. Experiência que deveria estar
ou ser oportunizada a todas as pessoas. Será?
É a pergunta que se pretende responder com a realização desta investigação
em Acessibilidade Cultural, realizada a partir da abordagem e da percepção de
pessoas com deficiência visual. De que modo se dá o acesso à cultura gastronômica
para todas as pessoas, inclusive as pessoas com deficiência? O que isso representa
e que transformações/transmutações promove? Que sentimentos provocam uma
gastronomia inclusiva ou, por outro lado, uma gastronomia excludente? De quem é a
responsabilidade por oportunizar momentos de comensalidade e prazer à mesa para
todos?
O foco de atenção nesta pesquisa é uma ciência capaz de despertar as mais
sublimes nuances do sentimento humano ao longo de toda a vida. Uma ciência
como a que foi proposta há quase duzentos anos pelo advogado e juiz francês da
Suprema Corte de Napoleão, Jean-Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826). Em ensaio
de interesse longevo, ele propôs elevar o “estudo das leis do estômago” ao status de
ciência: A Fisiologia do Gosto – aqui pesquisada a publicação brasileira de 1995 – é
obra fundamental da literatura gastronômica até hoje considerada por muitos
pesquisadores como a certidão de nascimento da gastronomia. Originalmente
publicada em 1825 e traduzida para dezenas de idiomas, é apresentada ao leitor a
partir de Meditações e Aforismos, cuja reunião daqueles últimos Savarin batiza de
“Do professor para servir de prolegômenos a seu livro e de base eterna à ciência”.
Pelo escopo deste trabalho, alguns são aqui destacados para reflexões iniciais:
O Universo nada significa sem a vida, e tudo o que vive se alimenta.
O destino das nações depende da maneira como elas se alimentam.
Dize-me o que comes e te direi quem és.
O Criador, a obrigar o homem a comer para viver, o incita pelo apetite, e o
recompensa pelo prazer.
A gastronomia é um ato de nosso julgamento, pelo qual damos preferência
às coisas que são agradáveis ao paladar em vez daquelas que não têm
essa qualidade.
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O prazer da mesa pertence a todas as épocas, todas as condições, todos


os países; e todos os dias pode-se associar a todos os outros prazeres e é
sempre o último para nos consolar da perda destes.
A mesa é o único lugar onde jamais nos entediamos durante a primeira
hora.
A descoberta de um novo manjar causa mais felicidade ao gênero humano
que a descoberta de uma estrela.
A qualidade mais indispensável do cozinheiro é a pontualidade: ela deve ser
também a do convidado.
Esperar muito tempo por um conviva retardatário é falta de consideração
para com os que estão presentes.
Quem recebe os amigos e não dá uma atenção pessoal à refeição que lhes
é preparada não é digno de ter amigos.
Entreter um convidado é encarregar-se de sua felicidade durante o tempo
todo em que estiver sob nosso teto. (SAVARIN, 1995, p.15-16)

Em suas Meditações, depois de um breve preâmbulo sobre a origem das


ciências, as quais foram por ele batizadas de “filhas do tempo”, Savarin assim se
refere à origem da gastronomia:
A gastronomia acabou surgindo e suas irmãs se reuniram para lhe dar as
boas-vindas. Pois, como se poderia rejeitar aquela que nos sustenta do
nascimento ao túmulo, que faz crescer as delícias do amor e a confiança da
amizade, que desarma o ódio, facilita os negócios e nos oferece, na curta
trajetória da vida, o único prazer que não se acompanha de fadiga e ainda
nos descansa de todos os outros? (SAVARIN, 1995, p. 56).

Apaixonado pelos prazeres da mesa, Savarin traçou em sua obra um


percurso que aproxima sensorial e sensível e convocou todos os sentidos a se
unirem para demonstrar que o gosto não está restrito à boca e sim ampliado no
corpo: o corpo como gabarito para experiências sápidas. E, dimensionando o
escopo do seu empreendimento, expressou que não seria necessário “[...] grande
esforço de inteligência para se convencer de que todas as ciências foram chamadas
para realçar e enquadrar adequadamente os prazeres do gosto [...]. (SAVARIN,
1995, p. 39). E, em seguida, definiu “a nova ciência”:
A gastronomia é o conhecimento fundamentado de tudo o que se refere ao
homem, na medida em que ele se alimenta. Seu objetivo é zelar pela
conservação dos homens, por meio da melhor alimentação possível. Ela
atinge esse objetivo dirigindo, mediante princípios seguros, todos os que
pesquisam, fornecem ou preparam as coisas que podem se converter em
alimentos. (SAVARIN, 1995, p. 57)

Depois de relacionar a gastronomia à história natural, à física, à química, à


culinária, ao comércio e à economia política, Savarin amplia sua abordagem:
A gastronomia governa a vida inteira do homem; pois os choros do recém-
nascido reclamam o seio de sua ama-de-leite, e o moribundo recebe ainda
com prazer a poção suprema que, infelizmente, não pode mais digerir. Sua
influência se exerce em todas as classes da sociedade; pois se é ela que
dirige os banquetes dos reis reunidos, também é ela que calcula o número
21

de minutos de ebulição necessários para que um ovo fresco seja cozido ao


ponto. O assunto material da gastronomia é tudo o que pode ser comido.
Seu objetivo direto, a conservação dos indivíduos; e seus meios de
execução, a cultura que produz, o comercio que troca, a indústria que
prepara e a experiência que inventa os meios de dispor tudo para o melhor
uso. (SAVARIN, 1995, p. 57)

E, por fim, enfatiza o potencial cultural da nova “ciência”:

É a gastronomia que inspeciona os homens e as coisas, para transportar de


um país ao outro tudo o que merece ser conhecido, fazendo que um festim
cuidadosamente organizado seja como um resumo do mundo, em que cada
parte comparece por intermédio de seu representante. (SAVARIN, 1995, p.
59)

Pretendeu-se, portanto, com a realização deste trabalho, revelar uma


Gastronomia que se desdobre em comensalidade para todos. Muito mais do que o
ato de comer junto, que promova sociabilidade e conviviabilidade equânimes, para
que todas as pessoas, com ou sem deficiência, tenham acesso e possam fruir os,
dos e nos momentos à mesa, repletos de ricas trocas, plenos de elementos
simbólicos representativos de hábitos e costumes traduzidos em rituais
gastronômicos que validam a identidade dos mais diversos povos em torno do
mundo; momento que desdobra-se em elemento comunicador, que revela a “comida
como cultura” e ratifica o pensamento de Savarin: “o homem é aquilo que come!”
O ato de comer junto despertou também para observação sobre os aspectos
históricos do comportamento à mesa e, nesta abordagem, outro advogado francês,
contemporâneo de Brillat-Savarin, teve participação determinante nos rumos da
Gastronomia, com obras que deixaram traços marcantes, muitos dos quais
mantidos até os dias atuais: a Alexandre Balthazar Laurent Grimod de La Reyniére
(1758-1838) atribui-se a criação dos concursos, do jornalismo e da crítica
gastronômicos. Foi também o inventor do primeiro sistema de classificação de
restaurantes, cafés e estabelecimentos de produtos alimentícios e seu Almanaque
dos Gourmands tornou-se o precursor dos guias gastronômicos atuais, entre os
quais o Gault-MIllaut, o Guia Michelin e o Fodor´s.
Grimod de La Reyniére escreveu também o Manual dos Anfitriões, obra
originalmente publicada em 1808 (e aqui pesquisada a edição brasileira do ano de
2005), na qual propôs reordenação das normas de conduta à mesa após a
Revolução Francesa, estruturadas no capítulo “Elementos de Civilidade
Gastronômica” por ele classificado como “o código dos deveres recíprocos dos
Anfitriões e dos Convivas” e como “a parte mais importante da obra”, “mais ligada à
22

Moral e ao uso do Mundo do que à cozinha”. (GRIMOD DE LA REYNIERE, 2005, p.


VIII).
Na obra, Grimod (2005, p. 43) destacou que “tudo é recíproco na vida” e que
a manutenção da sociedade se dá, entre outros aspectos, pelo “encadeamento de
deveres respectivos que unem”, entre outros pares, “o Anfitrião ao Conviva” e que
pelo “encadeamento” daqueles deveres é que “a harmonia do corpo social se
mantém sem esforço e que cada um se encontra circunscrito num círculo de
obrigações do qual seria arriscado tentar afastar-se e querer escapar”.
Despertando ainda mais interesse da pesquisadora, segundo consta do texto
de apresentação do Manual dos Anfitriões assinado por José Manuel Bertolote na
edição brasileira, Grimod teve a “desventura de nascer com um grave defeito nas
duas mãos (na esquerda apenas um dedo e o polegar e na direita dois esboços de
dedos ligados por uma membrana) que o obrigou a usar próteses durante toda a
vida e a ser afastado do convívio social da família”, em pensionatos ou em longas
viagens ao exterior. (GRIMOD DE LA REYNIERE, 2005, p. VII).
Pelo escopo deste trabalho na área da acessibilidade e desenvolvido por uma
pesquisadora da Ciência da Informação, causou inquietação imaginar por que, justo
Grimod, afastado do convívio social por causa da deficiência, tivesse o impulso de
“trazer de volta” à França, após a Revolução, os prazeres dos momentos
compartilhados à mesa e por que muito do que foi por ele estruturado e proposto
ainda permanece até os dias atuais? Que aspectos e impactos contribuíram para
que ele se tornasse um gestor de informações ao sistematizar os mecanismos de
classificação de restaurantes, cafés e estabelecimentos de comercialização de
alimentos? Mas esta é, sem dúvida, a proposta para uma outra pesquisa. Quem
sabe para o Doutorado?
Trazendo um olhar contemporâneo para as abordagens da gastronomia e da
comensalidade – recorte de interesse específico neste trabalho –, para estruturação
de aspectos históricos, teóricos e conceituais foram tomados por referencia, entre
outros, os estudos de Franco (2001), Carneiro (2003), Castelli (2005), Hipólito-Reis
(2008) e Dória (2015), sociólogo brasileiro que não só idealizou como reuniu
pesquisadores do Brasil e do exterior e foi o responsável pela organização do dossiê
“Gastronomia é Cultura?”, no qual publica o artigo “O que é a gastronomia hoje”,
problematizando o novo lugar desta na sociedade: “tornou-se um tema cultural tão
23

importante quanto a moda, a sexualidade e a violência” e é “reivindicada como


aparentada às artes” (DORIA, 2015, p. 20).
Especificamente quanto ao conceito de comensalidade, o principal aporte são
os estudos de Castelli (2005): a obra “Hospitalidade: na perspectiva da Gastronomia
e da Hotelaria” – referência basilar por ele próprio batizada com muita propriedade
de “um banquete de palavras” – reúne o pensamento de diversos pesquisadores
sobre o tema e foi dividida em três serviços, sendo o primeiro o de maior interesse
para este TCC e sobre o qual será dedicada especial atenção mais adiante. Cabe
citar:
Os meios de hospedagem e restaurantes, na modernidade, representam
uma das estruturas mais comprometidas com a hospitalidade, exigindo, de
todos os seus profissionais, preparo técnico, psicológico e cultural.
Transformar um meio de hospedagem e um restaurante numa referência de
hospitalidade é um grande desafio. (CASTELLI, 2005, p. VI)

As obras de referência que inspiraram a realização desta pesquisa foram


publicadas no Brasil a partir do momento em que a Gastronomia começou a
despertar o interesse do meio acadêmico. Os primeiros cursos de nível superior
surgiram a partir do ano de 1999 em escolas particulares e a partir do ano de 2005,
com a criação do Curso de Bacharelado em Gastronomia e Segurança Alimentar na
Universidade Federal Rural de Pernambuco, passaram a compor programas nas
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), dentre os quais o Curso de
Bacharelado em Gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, iniciado
em 2011 e que, em 2015, formou sua primeira turma de graduados.
Dois fatos recentes relacionados à Gastronomia também merecem destaque:
em âmbito nacional, a publicação do “Guia alimentar para a população brasileira”
(2014) que dedica todo o Capítulo 4 a destacar a relevância da comensalidade; e,
em âmbito estadual, a sanção da Lei Nº 7180 que institui o Marco Referencial da
“Gastronomia como Cultura” do Governo do Estado do Rio de Janeiro, garantindo,
desde 28 de dezembro de 2015, que a gastronomia carioca possa desenvolver-se a
partir da nova abordagem cultural. (GOVERNO DO ESTADO DO RIO, 2015)
Neste momento em que o Brasil forma seus primeiros gastrônomos nas
universidades federais, ao refletir sobre a acessibilidade, interessa saber: qual o
lugar dos consumidores com deficiência no mercado contemporâneo da
gastronomia? E qual o potencial deste mercado no que se refere à acessibilidade,
caso pessoas com deficiências venham a ser, de fato, consideradas como
24

consumidores? E mais especificamente, e se estes consumidores forem pessoas


com deficiência visual?
De acordo com o mais recente Censo, realizado em 2010, à época a
população brasileira era composta por 190.755.799 habitantes (IBGE, 2011). Hoje,
estima-se que vivam no Brasil cerca de 204 milhões de pessoas. Todas,
supostamente, deveriam ter os mesmos direitos constitucionais, entre os quais o
direito à alimentação. Entretanto, muitos ainda vivem na linha da pobreza e sequer
têm condição de discernir entre fome e apetite. Pelo viés deste trabalho na área da
Acessibilidade Cultural, importante ressaltar que, também de acordo com o Censo
2010 do IBGE, 23,9% da população declararam ter algum tipo de deficiência: eram
45,6 milhões de pessoas, quase ¼ de toda a população. Significa dizer que de cada
quatro brasileiros, um deles teria algum tipo de deficiência. No Estado do Rio de
Janeiro, da população total de 15.989.929 de pessoas, 3.900.870 tinham algum tipo
de deficiência, mantendo-se, portanto, a relação brasileira de um para quatro.
As deficiências podem ser de ordem sensorial (visão, audição, olfato, paladar
e tato), intelectual, motora e física. De todos os tipos de deficiências declaradas no
CENSO 2010, a deficiência visual é a de maior incidência na população brasileira
(3,5%), seguida dos problemas motores (2,3%), intelectuais (1,4%) e auditivos
(1,1%). Isto é: do total de pessoas com deficiência no Brasil, 18,8% apresenta algum
tipo de deficiência visual: são cegos e pessoas com baixa visão em diversos níveis
(IBGE, 2011).
Entre os 6.585.308 de brasileiros que se declararam com algum tipo de
deficiência visual, dos quais 528.624 eram cegos e 6.056.684 tinham baixa visão ou
visão subnormal. Além destes, 29.211.482 pessoas declararam possuir alguma
dificuldade permanente de enxergar, mesmo com o uso de óculos ou lentes.
Das quase quatro milhões de pessoas que viviam no Estado do Rio de
Janeiro, as pessoas com deficiência visual somavam 536.592, sendo 53.178 cegos,
483.414 com baixa visão. Além destas, 2.533.069 declararam ter alguma dificuldade
permanente de enxergar, ainda que com uso de óculos. Ou seja, no Estado do Rio
de Janeiro 3.069.661 pessoas tem algum problema de visão.
Na cidade do Rio de Janeiro os números são os seguintes: 197.887 pessoas
com deficiência visual, sendo 23.594 cegos e 174.293 com baixa visão, além de
1.028.826 que se declararam com dificuldade permanente de enxergar ainda que
25

com o uso de óculos. Isto é, na cidade do Rio de Janeiro 1.226.713 têm algum
problema de visão.
A terminologia utilizada pelo IBGE para a realização do Censo 2010
caracterizou a deficiência visual como incapacidade visual (mesmo com o uso de
óculos ou lentes de contato, se a pessoa usá-los), dividindo a população em:
“incapaz de enxergar (pessoa se declara totalmente cega), grande dificuldade
permanente de enxergar (pessoa declara ter grande dificuldade permanente de
enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato); ou alguma dificuldade
permanente de enxergar (pessoa declara ter alguma dificuldade de enxergar, ainda
que usando óculos ou lentes de contato).” (IBGE, 2011)
Na Classificação Internacional de Doenças, a Organização Mundial de Saúde
divide as funções visuais em quatro níveis: visão normal, deficiência visual
moderada, deficiência visual grave e cegueira, podendo a deficiência ser congênita
ou adventícia. A deficiência visual moderada e a deficiência visual severa são
agrupadas sob o título de "baixa visão". Em relação à variação nos níveis de
acuidade visual, são consideradas cegas aquelas pessoas que não podem enxergar
por não terem percepção à luz. Já as pessoas com baixa visão são aquelas que
apresentam comprometimentos no funcionamento visual mesmo após tratamento
e/ou correcção, todavia, ainda conservam um nível de acuidade visual e de
percepção à luz que lhes permitam usar ou serem potencialmente capazes de usar a
visão para planejar ou executar alguma tarefa. (WHO).
Conforme publicado no Artigo 1 da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), “pessoas com
deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de
condições com as demais pessoas” (ONU, 2006).
Os princípios dos direitos humanos relacionados à deficiência, de acordo com
a Cartilha do Censo 2010 publicada pelo Governo Federal em 2012, são os
seguintes:
• Universalidade e inalienabilidade: os direitos humanos são inerentes ao
ser humano, não podem ser recusados pela pessoa que a eles tem direito,
nem podem ser tomados de alguém.
• Indivisibilidade: os direitos humanos não podem ser separados. Um direito
não pode ser realizado sem a realização dos demais, seja ele civil,
26

econômico, cultural ou ambiental. Eles têm a mesma importância e não


podem ser colocados em hierarquia.
• Interdependência e inter-relacionamento: a realização de um direito
depende da realização dos demais. Os direitos humanos afetam uns aos
outros.
• Igualdade e não discriminação: os direitos humanos são inerentes à
dignidade humana e ninguém pode sofrer qualquer tipo de discriminação.
• Participação e inclusão: todo indivíduo tem direito a participar ativa e
livremente na comunidade em que vive.
• Exercício de poder: processo por meio do qual as pessoas são capazes de
exigir seus direitos, influenciar o desenho de políticas públicas e ser
responsáveis pela própria vida.
• Prestação de conta e respeito pelas leis: identificação daqueles que tem
obrigação de realizar direitos e possibilidade de exigir processos claros e
passíveis de contestação em caso de violação de direitos. (CARTILHA DO
CENSO 2010, 2012, p. 29)

Quanto ao direito à acessibilidade, somem-se, às pessoas com deficiência


aquelas com mobilidade reduzida (grávidas, idosos, obesos, acidentados) e um
grupo não especificado em nenhum dos conteúdos pesquisados: o dos deficientes
ocultos2, quais sejam, pessoas com algum tipo de deficiência que, por medo do
preconceito, do estigma da piedade ou das barreiras atitudinais, fazem questão de
manter “velada” ou de omitir a sua condição, quando esta não é “visível” ou
perceptível, ratificando cada vez mais – ainda que involuntariamente – o desrespeito
à pessoa.
Considerando-se as limitações visuais, amplie-se o olhar estatístico para o
público idoso no Brasil: de acordo com dados do IBGE, em 2012, a expectativa de
vida do brasileiro aumentou para 73 anos.
Dedicando olhar ao mercado contemporâneo da gastronomia no Brasil,
importante observar que deste fazem parte brasileiros e brasileiras com deficiências
e/ou com mobilidade reduzida, os quais figuram como consumidores diretos e em
outras ocasiões/situações como influenciadores de compra e consumo e que, se não
frequentam, estão ávidos por freqüentar bares, restaurantes, eventos e outros tantos
espaços culturais, desde que os ambientes estejam adequados/adaptados e os
profissionais capacitados para bem acolher todas as pessoas.

2
A noção de “deficiente oculto” foi proposta à pesquisadora pelo tecnólogo Marcio José Felipe, consultor em
Tecnologia da Informação e em Tecnologia Assistiva, com quem compartilha a realização de projetos na área
da acessibilidade, incluindo-se as ações empreendidas para este TCC: ao não declarar-se com deficiência, a
pessoa expõe-se à vulnerabilidade em escalas inimagináveis, conforme será explicitado adiante, em
depoimento do aluno do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ, Ernani Lima Morais.
27

Após pesquisas e reflexões sobre os aspectos da legislação em


acessibilidade, observa-se que o Brasil dispõe hoje de um grande número de
dispositivos legais para embasar o direito equitativo de todas as pessoas para o
acesso a produtos, serviços e eventos relacionados à cultura gastronômica.
Portanto, se não por falta de regulação, é possível intuir que, em parte, o entrave
esteja na exiquibilidade da legislação. Mas, não somente.
De acordo com Romeu Kazumi Sassaki (1999), consultor brasileiro na área
de inclusão, natural do estado do Mato Grosso do Sul, a maior complexidade parece
estar nas chamadas barreiras atitudinais que estão em cada pessoa, por medo,
preconceito ou ignorância para lidar/conviver com as pessoas com deficiência. Ou
como esclarecem Lima e colaboradores:
As barreiras atitudinais, portanto, partem de uma predisposição negativa, de
um julgamento depreciativo em relação às pessoas com deficiência, sendo
sua manifestação a grande responsável pela falta de acesso e à
consequente exclusão e marginalização social vivenciada por todos os
grupos vulneráveis, mais particularmente por aquelas pessoas vulneráveis
em função da deficiência (LIMA, GUEDES, GUEDES, 2010, p.3)

Relacionando as duas novas áreas do conhecimento, Gastronomia e


Acessibilidade Cultural, é possível apontar alguns estudos já realizados no Brasil. No
universo acadêmico, o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Acessibilidade
Gourmet”, de Roberta Sá (SÁ, 2010), foi apresentado em 2010 no Curso de
Jornalismo da Universidade de Brasília e o artigo "Acessibilidade em restaurantes e
similares: reflexões introdutórias" (NERI, GIMENES-MINASSE, 2012) é resultado de
um trabalho apresentando em um evento sobre Turismo no Mercosul. Na área
editorial, somente o livro “Acessibilidade: Orientações para bares, restaurantes e
pousadas” da arquiteta Cybele Monteiro de Barros foi lançado pela Editora Senac
Nacional, em 2012 (BARROS, 2012).
No que se refere a títulos específicos relacionando as pessoas com
deficiência às regras de comportamento pode-se apontar “O livro completo de
Etiqueta de Amy Vanderbilt” (TUCKERMAN, DUNNAN, 2000) e “Tudo sobre
etiqueta” (MITCHELL, CORR, 2002), os quais abordam brevemente questões
relativas a práticas de acolhimento das pessoas com deficiências.
Descritas então as inquietações que motivaram a execução este trabalho,
para desenvolvê-lo estruturou-se uma metodologia híbrida reunindo: 1) Pesquisa
bibliográfica para elucidar pressupostos conceituais, contextuais e documentais da
Acessibilidade Cultural e da Gastronomia, os quais pudessem constituir uma trama
28

epistemológica envolvendo as duas emergentes áreas do conhecimento; 2)


Pesquisa-Ação para investigar o interesse pelos estudos da acessibilidade por
estudantes de Gastronomia e 3) Estudo de Campo, para conhecer a percepção e o
sentimento de pessoas com deficiência visual quanto a momentos de
comensalidade vivenciados em casa e fora de casa; as quais estarão
fundamentadas no Capítulo 2.
No Capítulo 3, foram então correlacionados os “Pressupostos conceituais e
contextuais” da Gastronomia e da Acessibilidade Cultural, tendo por ponto de
convergência investigativa a comensalidade (BOFF 2005, 2006; CARNEIRO 2003,
2005; CASTELLI, 2005; COSTA, 2015; FRANCO, 2001).
O Capítulo 4 apresenta a abordagem empírica da pesquisa iniciando-se pela
prática da Pesquisa-Ação (THIOLLENT, 2008; LIMA, 2009; RENÉ BARBIER, 2002),
realizada com universitários do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ nos
períodos de 2015.1 e 2015.2, objetivando conhecer mecanismos que possam dar
vida a um tipo de Gastronomia ainda em construção: uma Gastronomia acessível e
acessável, capaz de “traduzir” uma experiência de fato compartilhada (BONDIA,
2002), uma “partilha do sensível” (RANCIERE, 2005) para todos e por todos. Uma
Gastronomia fundamentada na “Educação da Sensibilidade”, conforme proposto por
Lena Vania Ribeiro Pinheiro (2005) com base no pensamento do historiador da arte,
poeta e filósofo Herbert Read para quem “é lentíssima a evolução da sociedade nas
suas dimensões mais profundas, comparada à rapidez dos sonhos dos indivíduos”.
Ainda na abordagem empírica, foi desenvolvida uma Pesquisa de Campo, a fim de
investigar a percepção e o sentimento de pessoas com deficiência visual quanto ao
acesso aos momentos de comensalidade e quais os desdobramentos de
inclusão/exclusão socioculturais inerentes à experiência do ato de comer junto em
casa e fora de casa, principalmente nos cafés, bares, restaurantes e eventos. Sendo
os cegos e pessoas com baixa visão os representantes do maior percentual dos
brasileiros acometidos pela deficiência, foi este o grupo escolhido para ser “escutado
sensivelmente”, conforme proposto por René Barbier (2002) em seu método “Escuta
Sensível”, por meio de “escutatórias” realizadas em entrevistas individuais, na busca
por compreender o que é necessário fazer de modo que seja possível potencializar
as experiências gastronômicas e os prazeres da mesa para todos. Em outras
palavras: quem está vivo tem pressa; pressa de viver a vida em sua plenitude e ser
feliz. Assim, ainda no Capítulo 4, a partir da Análise dos Resultados obtidos com as
29

duas investigações empíricas, foram encontrados indícios que fomentaram as


“Discussões”, a fim de compreender de que modo gastrônomos e gastrônomas do
Século XXI podem contribuir, na prática, para favorecer às pessoas com deficiência
o acesso a momentos de felicidade (EPICURO) a partir de experiências
gastronômicas.
No Capítulo 5, a “Conclusão” do Mise en Place metodológico, lume desta
investigação científica desenvolvida a partir dos objetivos a seguir.

1.1 OBJETIVOS
Objetivo Geral
Destacar a relevância dos estudos da acessibilidade nos cursos de
Gastronomia

Objetivos Específicos

 Investigar o interesse de futuros gastrônomos pelos estudos da acessibilidade


 Conhecer a percepção e o sentimento de pessoas com deficiência visual
sobre o acesso a momentos de comensalidade em casa e fora de casa, em
especial nos cafés, bares, restaurantes e eventos.

No próximo capítulo será conhecida então a metodologia híbrida, proposta


para a execução deste trabalho.
30

2 METODOLOGIA

É relevante para gastrônomos e gastrônomas do Século XXI apropriarem-se


de conhecimentos acerca da acessibilidade?
Para responder à pergunta que motivou a realização desta pesquisa e
visando o alcance dos objetivos desta investigação, destacam-se neste capítulo as
escolhas metodológicas feitas pela autora para dar conta do empreendimento.
Tanto a Acessibilidade Cultural quanto a Gastronomia são emergentes áreas
de conhecimento no Brasil, portanto, estão ainda em fase embrionária suas
estruturas metodológicas, procedimentos e métodos próprios.
A jornada de vida da pesquisadora, como profissional (jornalista e produtora
de eventos), como pesquisadora nas áreas da Ciência da Informação e da
Acessibilidade e, mais recentemente, como educadora na área da Gastronomia,
parece justificar, então, porque ela se apropriou dos “ingredientes” metodológicos a
seguir e porque os considerou pertinentes ao empreendimento e os organizou no
Mise en Place que deu origem à metodologia híbrida, como será visto a seguir.

2.1. A ESTRUTURA METODOLÓGICA

Tanto o Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural quanto o Curso


de Bacharelado em Gastronomia integram o Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O primeiro, implantado em 2013,
vinculado ao Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina; e o
segundo, implantado em 2011, vinculado ao Instituto de Nutrição Josué de Castro.
Como um desdobramento natural para uma pesquisa em Acessibilidade Cultural
tendo a Gastronomia por objeto de estudo aplicado, deu-se a escolha por uma
investigação qualitativa e, para tanto, buscou-se, sobretudo na área da Saúde,
estruturas metodológicas humanistas, levando-se em conta o fato de que, hoje, a
perspectiva inclusiva suplanta o olhar ultrapassado da deficiência como doença,
fazendo pulsar todo potencial de autonomia e empoderamento preconizado pela
nova forma de perceber as pessoas com deficiência no mundo.
O caráter poliepistemológico das pesquisas desenvolvidas em Ciência da
Informação (área de origem da pesquisadora-autora deste TCC) influenciou
31

sobremaneira a escolha dos métodos e paradigmas propostos, bem como a decisão


pelas estratégias metodológicas a seguir.
O objetivo de destacar a relevância dos estudos da acessibilidade nos cursos
de Gastronomia definiu uma metodologia híbrida composta por três procedimentos
complementares, sendo o primeiro e basilar um levantamento de dados conceituais,
contextuais e teóricos relativos à Gastronomia e à Acessibilidade Cultural (Capítulo 3
deste TCC), seguido de dois procedimentos empíricos desenvolvidos com duas
populações distintas de pesquisa, as quais a autora nomeou de usuários da
Gastronomia: o dos usuários da Gastronomia como ciência, representados por
alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro no ano de 2015; e o dos usuários da Gastronomia como produto cultural,
representados por pessoas com deficiência visual, residentes na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro. A Pesquisa Empírica foi estruturada em duas
etapas, com dados coletados a partir de uma Pesquisa-Ação com o primeiro grupo e
por meio de um Estudo de Campo com o segundo (Capítulo 4 deste TCC).
Conforme será descrito a seguir, as ações empreendidas pela pesquisadora
foram inspiradas na Espiral do Conhecimento de Robredo (2011) e motivadas pela
“Escuta Sensível” de René Barbier (2002), pela “Pesquisa-Com” de Marcia Moraes e
Virginia Kastrup (2010), pela “Educação da Sensibilidade” proposta por Pinheiro
(2005) a partir do pensamento de Herbert Read e pelas noções de “Escutatória” e
“Ubuntu”, as duas últimas conhecidas durante a participação da pesquisadora no
Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural que, pelo escopo deste
trabalho, estão aqui explicitadas.
A noção de “Escutatória” foi proposta pelas colegas de turma da
pesquisadora, a saber: Débora Palmeira de Barros, Ivone Angela dos Santos, Izabel
Cristina da Silveira, Vania Cuenca, Renata Silêncio e Sheila Villas Boas. Por meio
de uma performance desenvolvida como trabalho final da disciplina Exposição
Acessível II, em dezembro de 2015, as autoras propuseram um contraponto à ideia
de “Oratória”. A dicotomia Oratória/Escutatória foi fundamentada na abordagem
Espaço/Tempo/Atenção/Humanidade, validando a constatação dos impactos da
celeridade incondicional a que todas as pessoas estão expostas/impostas neste
início do Século XXI. Para tanto, instigaram as colegas: “Ouve-se falar em cursos de
Oratória. Mas, alguém nesta plateia já fez um curso de Escutatória?”
32

Corroborando para a tão necessária ação de escutar, “Ubuntu” foi uma noção
apresentada à pesquisadora pelo colega Emerson de Paula Silva, a qual nominou o
grupo de trabalho do qual fez parte a pesquisadora, composto também pelos
colegas Ana Letícia Ribeiro, Andrey do Amaral e Laurene Athayde. De
fundamentação antropológica africana, a partir da Teoria da Circularidade, a noção
remete ao compartilhar como mecanismo inclusivo e evolutivo: Ubuntu significa “Sou
quem sou, porque somos todos nós”.
Como forma de investigar o interesse dos futuros gastrônomos e gastrônomas
(usuários da Gastronomia como ciência) quanto à relevância dos conhecimentos
acerca da acessibilidade, a Pesquisa-Ação foi realizada com estudantes do Curso
de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ, alunos da pesquisadora no ano de 2015.
Para o empreendimento, importante considerar, por um lado, a condição da autora
do TCC como aluna do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural e, por
outro, como professora do Curso de Bacharelado em Gastronomia (ambos da
UFRJ), em especial nas disciplinas de Comunicação em Gastronomia, Gestão de
Eventos Gastronômicos e Etiqueta e Comensalidade.
Quanto aos usuários da Gastronomia como produto cultural, interessava
conhecer a percepção e o sentimento de pessoas com deficiência visual quanto ao
acesso à Gastronomia e aos momentos de comensalidade em casa e fora de casa,
principalmente nos cafés, bares, restaurantes e em eventos. E por que as pessoas
com deficiência visual? Por que aquele grupo, em específico? Porque do total de
pessoas com deficiência no Brasil, o maior percentual é representado por aquele
grupo. Desse modo, com base na premissa “Nada Sobre Nós Sem Nós”
(CHARLTON, 1998; SASSAKI, 2007a, 2007b) complementa a investigação um
Estudo de Campo, com “Escutatórias” realizadas a partir de um roteiro
semiestruturado, conforme apresentado no Apêndice 2 deste TCC.
O trabalho está fundamentado na Ciência da Informação, especificamente em
conteúdos que constituíram o aprendizado da pesquisadora durante os estudos
desenvolvidos para o Mestrado (MATTOSO, 2012). Visando “tear um tapete” de
construtos teóricos e contextuais a partir da convergência entre as áreas da
Acessibilidade Cultural e da Gastronomia, tendo por elemento cultural a
comensalidade, tomou-se por norte o Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg
(1989), a partir de referencial teórico de Isa Maria Freire (2001, 2008). Para “tecer a
trama”, um fio condutor é composto por três elementos metodológicos da área: os
33

conceitos de “Informação”, de “Educação da Sensibilidade” e de “Espirais do


Conhecimento”.
Seguem-se, então, cada uma das escolhas teoricamente justificadas.

2.2 PESQUISA EXPLORATÓRIA DE ABORDAGEM QUALITATIVA


A classificação desta investigação a partir de seu objetivo principal apontou
para a pesquisa de caráter exploratório, fundamentada em Antônio Carlos Gil
(2002):
Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o
problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses.
Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o
aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é,
portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais
variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas
pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com
pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e
(c) análise de exemplos que "estimulem a compreensão". (Selltiz et al, 1967,
p. 63 apud GIL, 2002, p. 41).

A abordagem sociocultural da pesquisa em Acessibilidade Cultural tendo por


objeto de estudo a Gastronomia e, em especial, a comensalidade, levou à
fundamentação em Mirian Goldenberg (2004), para quem a pesquisa qualitativa
preza “a dimensão da liberdade e individualidade do ser humano” (p. 11) e busca
trabalhar, numa perspectiva da sociologia compreensiva (p. 10). Nas Ciências
Sociais, os pesquisadores lidam com “emoções, valores, subjetividades” e,
parafraseando o filósofo alemão Wilhelm Dilthey, Goldenberg expressa que “os fatos
sociais não são suscetíveis de quantificação; já que cada um deles tem um sentido
próprio, diferente dos demais, e isso torna necessário que cada caso concreto seja
compreendido em sua singularidade.” Além do mais, na pesquisa qualitativa, “é
natural que cientistas sociais se interessem por pesquisar aquilo que valorizam” (p.
19), validando a escolha para este trabalho:
Partindo do princípio de que o ato de compreender está ligado ao universo
existencial humano, as abordagens qualitativas não se preocupam em fixar
leis para se produzir generalizações. Os dados da pesquisa qualitativa
objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais
apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação
social. Contrapõem-se, assim, à incapacidade da estatística de dar conta
dos fenômenos complexos e da singularidade dos fenômenos que não
podem ser identificados através de questionários padronizados. Enquanto
os métodos quantitativos supõem uma população de objetos comparáveis,
os métodos qualitativos enfatizam as particularidades de um fenômeno em
termos de seu significado para o grupo pesquisado. É como um mergulho
34

em profundidade dentro de um grupo "bom para pensar" questões


relevantes para o tema estudado. (GOLDENBERG, 2004, p. 49-50)

2.3 O PARADIGMA INDICIÁRIO DE GINZBURG

Para esta investigação, a pesquisadora tomou por referência os estudos por


ela desenvolvidos entre 2010-2012 (também na Universidade Federal do Rio de
Janeiro) durante o Mestrado em Ciência da Informação do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Faz-se importante, portanto,
compreender como se fundamenta a metodologia da pesquisa no campo da Ciência
da Informação, conforme esclarece Gonzalez de Gomez:

Em primeiro lugar, a metodologia da Ciência da Informação deve dar conta


de seu caráter poliepistemológico - antes que interdisciplinar ou
multidisciplinar. Com efeito, além de tratar-se de um termo flutuante que, tal
como o de ‘democracia’, produz diferentes efeitos de sentido em diferentes
contextos, “informação” designa um fenômeno, processo ou construção
vinculado a diversas “camadas” ou “estratos” de realização. Formam parte
desses estratos a linguagem, com seus níveis sintáticos, semânticos e
pragmáticos e suas formas plurais de expressão; os sistemas sociais de
inscrição de significados, do papel às redes computadorizadas de
comunicação remota; os sujeitos e organizações que geram e usam
informações em suas práticas e interações comunicativas. (GONZÁLEZ DE
GÓMEZ, 2000, p. 4).

A escolha pelo método do Paradigma Indiciário é validada pelo caráter


interdisciplinar da Ciência da Informação que pressupõe a identificação de conceitos
em diversas áreas do conhecimento. Desse modo, a partir da revisão de literatura,
aos construtos teóricos da Acessibilidade Cultural associaram-se diversos outros
contextos, conceitos, noções, termos e definições, principalmente relativos à
Gastronomia (sobretudo à noção de comensalidade) e à Informação, gerando uma
trama conceitual, para a qual encontrou-se fundamento em Isa Maria Freire:

Ao longo de um processo histórico, o campo científico veio a se tornar um


espaço social com estrutura própria para produção e comunicação de
conhecimentos, com regras e normas de comportamento, redes conceituais
e de relações interpessoais. [...] A Ciência da Informação se propôs a
trabalhar a organização e a comunicação do conhecimento científico,
público e privado [...]. Observamos uma parte do território da literatura em
busca de indícios que possam nos levar a outras incursões sobre a
produção científica (FREIRE, 2008, p. 3).

Freire apresenta a ideia do “modelo epistemológico articulado em disciplinas


diferentes” e que, por volta do Século XIX, “penetrou os mais variados âmbitos
cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas”: o Paradigma
Indiciário.
35

Em meados da década de 1980, o historiador Carlo Ginzburg resgatou do


tesouro de conhecimentos das ciências humanas um modelo
epistemológico que, proposto no final do século XIX, fora “esquecido” e
cujas raízes remontariam aos primórdios da evolução da humanidade, muito
antes da invenção da agricultura. Ele o chama de paradigma indiciário, uma
competência cognitiva originária do tempo em que a sobrevivência da nossa
espécie dependeu fundamentalmente da caça, do conhecimento sobre os
animais a serem caçados, seus hábitos e trilhas nas correntes migratórias.
(FREIRE, 2008, p. 4).

No Capítulo 5 do livro “Mitos, Emblemas e Sinais” (GINZBURG, 1989),


intitulado “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, o historiador cria uma
“imagética”, fazendo metáfora entre uma pesquisa desenvolvida sob o paradigma
indiciário e a tecitura de um tapete, para a constituição do qual os conceitos básicos
são os fios. Após escolher o campo onde pretenda realizar sua investigação, o
pesquisador sai em busca de seu objetivo e, por meio de indícios ou pistas, vê
formar-se uma “trama densa e homogênea”. A trama é o tapete, o paradigma
indiciário sobre o qual será possível verificar a coerência das escolhas teóricas feitas
pelo pesquisador, “percorrendo-se o tapete com os olhos em várias direções”
(GINZBURG, 1989, p.170).
Ginzburg ressalta a importância do “olhar” diagnóstico de um pesquisador/
“caçador”, tomando por referência diversos ícones da Medicina, da História, da
Astronomia, entre os quais Galileu Galilei e Sigmund Freud:
[...] Ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador
limitando-se a por em prática regras pré-existentes. Nesse tipo de
conhecimento entram em jogo [...] elementos imponderáveis: faro, golpe de
vista, intuição. (GINZBURG, 1989, p.177).

A partir dos fundamentos gerados no tapete de fios conceituais, partiu-se à


caça de indícios por meio de experiências empíricas, concretizadas na segunda
parte deste trabalho híbrido: a Pesquisa-Ação e o Estudo de Campo.

2.4 A PESQUISA EMPÍRICA: PESQUISA-AÇÃO E ESTUDO DE CAMPO

A segunda parte desta investigação, de caráter empírico, foi desenvolvida


com duas populações distintas de usuários da Gastronomia:
1) estudantes do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ (aqui
denominados usuários da Gastronomia como ciência) e
2) pessoas com deficiência visual da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(aqui denominados usuários da Gastronomia como produto cultural).
36

2.4.1 A PESQUISA-AÇÃO

Por que investigar o interesse dos alunos do Curso de Bacharelado em


Gastronomia da UFRJ pelos estudos da acessibilidade, por meio da Pesquisa-Ação?

Os autores Michel Thiollent (2008) e João Alberto de Oliveira Lima (2007)


apontam indícios de que esta estratégia metodológica seria a mais adequada à
segunda parte desta pesquisa, ao dispor:

Pesquisa-Ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é


concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a
resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos
de modo cooperativo e participativo. (THIOLLENT, 2008, p. 16)

Aplicada em Ciência da Informação, pode representar uma interessante


combinação: de um lado, resultados práticos alcançados pela resolução
inovadora de um problema, e, do outro, a contribuição para a ciência em
termos de resultados de pesquisa que já foram aplicados e testados no
mundo real. (LIMA, 2007, p. 63)

A Ciência da Informação é uma área de pesquisa caracterizada pela


influência de várias disciplinas e pela predominância da pesquisa aplicada.
[...] Neste contexto, a abordagem Pesquisa-Ação parece ser uma opção
interessante que, quando utilizada de forma criteriosa, consegue equilibrar
os objetivos da ação (problemática a ser resolvida) e da pesquisa (geração
de conhecimento científico). (LIMA, 2007, p 78-9).

Com base em Denscombe, Lima (2007, p. 70) destaca as três características


estruturais da Pesquisa-Ação:

a) Prática: lida com problemas e assuntos do mundo real


b) Mudança: tanto como uma forma de lidar com os problemas práticos,
quanto uma forma de descobrir mais sobre um fenômeno
c) Participativa: as pessoas que estão envolvidas com o problema no
mundo real são cruciais no processo de pesquisa, tendo uma participação
ativa e não passiva. Thiollent (1998, p. 14) lembra que toda Pesquisa-Ação
pode ser considerada Pesquisa Participante, no entanto, o contrário não é
verdadeiro. (LIMA, 2007, p. 70)

Thiollent considera fundamental discernir sobre o que, de fato, diferencia


Pesquisa-Ação e Pesquisa Participante, esclarecendo acerca desta última:

Pesquisa participante é, em alguns casos, um tipo de pesquisa baseado


numa metodologia de observação participante na qual os pesquisadores
estabelecem relações comunicativas com pessoas ou grupos da situação
investigada com o intuito de serem melhor aceitos. Nesse caso, a
participação é sobretudo participação dos pesquisadores e consiste em
aparente identificação com os valores e comportamentos que são
necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado. (THIOLLENT,
2008, p. 17)

E distingue uma e outra:


37

Para que não haja ambigüidade, uma pesquisa pode ser qualificada de
pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por parte das pessoas
ou grupos implicados no problema sob observação. Além disso, é preciso
que a ação seja uma ação não-trivial, o que quer dizer uma ação
problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida
(THIOLLENT, 2008, p. 17).

Lima destaca as etapas da Pesquisa-Ação (planejamento, implementação,


descrição e avaliação) e chama a atenção para outra característica importante deste
modelo investigativo: “a repetição das suas etapas em um processo cíclico que
transita, ora no domínio da pesquisa, ora no domínio da ação” (LIMA, 2007, p. 68).
“Existe um ciclo de retroalimentação no qual os achados iniciais geram
possibilidades para mudanças as quais são então implementadas e avaliadas como
um início para mais uma investigação” (DENSCOMBE, p. 73 apud LIMA, 2007 p.
68).
Por fim, Thiollent valida a escolha por esta abordagem metodológica para o
trabalho que aqui se apresenta, afirmando que a Pesquisa-Ação encontra contexto
favorável quando pesquisadores buscam “pesquisas nas quais as pessoas
implicadas tenham ‘algo a dizer’ e ‘a fazer’ [...] e pretendem desempenhar um papel
ativo na própria realidade dos fatos observados”. (THIOLLENT, 2008, p.18)

PESQUISA-AÇÃO com Estudantes da UFRJ, usuários da Gastronomia como ciência

Com o objetivo de conhecer o interesse dos educandos pelos estudos da


acessibilidade, foi desenvolvida a Pesquisa-Ação com alunos do Curso de
Bacharelado em Gastronomia da UFRJ que cursavam as disciplinas de
Comunicação em Gastronomia, Gestão de Eventos Gastronômicos e Etiqueta e
Comensalidade nos períodos de 2015.1 e 2015.2, todas, à época, ministradas pela
autora deste TCC. Por meio de ações de sensibilização, de acessibilização e de
formação, a autora intencionou demonstrar aos alunos de que forma a cultura
gastronômica pode ser tornada acessível e acessável para todas as pessoas,
inclusive as pessoas com deficiência.

2.4.2 O ESTUDO DE CAMPO

De acordo com Gil (2002), um pesquisador que se apropria do Estudo de


Campo como estratégia metodológica, “procura muito mais o aprofundamento das
38

questões propostas”, já que nessa modalidade a intenção é buscar conhecer o que


pensam sobre o objeto estudado os integrantes de “um único grupo ou comunidade
em termos de sua estrutura social” (GIL, 2002, p. 52). Ele enfatiza que, nesta
modalidade de estudo, é importante que o pesquisador tenha “tido ele mesmo uma
experiência direta com a situação de estudo” (GIL, 2002, p. 53), como é o caso da
autora deste TCC, conforme explicitado na Apresentação deste Trabalho. Ainda
segundo o autor, este “modelo clássico de investigação no campo da Antropologia,
onde se originou” atualmente vem sendo utilizado “em muitos outros domínios, como
no da Sociologia, da Educação, da Saúde Pública e da Administração” (GIL, 2002, p.
53).
A comunidade foco do Estudo de Campo não necessariamente é
caracterizada geograficamente, podendo ser “uma comunidade de trabalho, de
estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana” (p. 53) e a
abordagem não requer “equipamentos especiais para a coleta de dados”.
Por fim, Gil enfatiza para a necessidade da postura ética e isenta do
pesquisador nesta modalidade de estudo: “Como, na maioria das vezes, os dados
são coletados por um único pesquisador, existe risco de subjetivismo na análise e
interpretação dos resultados da pesquisa” (GIL, 2002, p. 53).

ESTUDO DE CAMPO com pessoas com deficiência visual, usuários da Gastronomia


como produto cultural

De acordo com o Censo 2010 (IBGE, 2011), do total de pessoas com


deficiência no Brasil, o maior percentual é composto por pessoas com deficiência
visual. Com o objetivo de conhecer os níveis de (in?)satisfação das pessoas cegas e
das pessoas com baixa visão quanto ao acesso à gastronomia, à cultura
gastronômica e aos momentos de comensalidade em casa e fora de casa -
principalmente nos cafés, bares, restaurantes e eventos –, foi desenvolvido o Estudo
de Campo por meio de entrevistas realizadas para elucidar a percepção e o
sentimento daquelas pessoas sobre os tópicos elencados.
Visando traçar um panorama o mais diverso possível, a população de
pesquisa deveria ser composta por mulheres e homens, moradores de diferentes
localidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com diferentes idades;
níveis socioeconômicos e culturais; e diferentes tipologias de deficiência visual, a
39

partir da seguinte classificação: pessoas com cegueira congênita; pessoas com


cegueira adventícia na adolescência e adventícia na fase adulta; pessoas com baixa
visão congênita; pessoas com baixa visão adventícia na adolescência e baixa visão
adventícia na fase adulta. Também deveria estar representado na população de
pesquisa, o grupo de pessoas com deficiência visual usuárias de cão-guia.
A seleção dos entrevistados com as características acima foi realizada a partir
de contato com dirigentes de uma Organização Não Governamental do Estado do
Rio de Janeiro, a qual reunia, em associação, à época da pesquisa, 67 (sessenta e
sete) pessoas com deficiência visual. A partir do primeiro contato com a presidência
da Instituição, 23 (vinte e três) pessoas com deficiência com os perfis acima
elencados foram contatadas a fim de conhecer seu interesse e disponibilidade para
participar deste estudo. Por fim, 11 (onze) pessoas aceitaram o convite e
concederam entrevistas individuais.

Procedimento de coleta de dados do Estudo de Campo:

A partir de um roteiro semiestruturado, as entrevistas foram realizadas por


telefone, entre a última semana de janeiro e a primeira quinzena de fevereiro de
2016. Todas foram gravadas, incluindo o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido - TCLE (modelo no Apêndice 1).
A seguir, os métodos e elementos metodológicos os quais inspiraram a
Pesquisa Empírica.

2.5 A ESCUTA SENSÍVEL DE BARBIER

O pesquisador e acadêmico francês René Barbier, Doutor em Sociologia da


Educação, também dedica estudos à área da Pesquisa-Ação. A convergência com a
abordagem de Michell Thiollent fora estudada recentemente no Brasil pelos
pesquisadores Ada Bezerra e Laudelino Tanajura (TANAJURA, BEZERRA, 2015).
Para o escopo deste trabalho, a escolha da “Escuta Sensível” de René
Barbier (2002) como possibilidade metodológica, pautou-se pela dimensão
antropológica da abordagem e por este motivo será tomada para as duas
investigações desenvolvidas para a etapa da pesquisa empírica: aplicada à
Educação, em especial na área da docência, está destacada nos estudos de Angela
40

Cancherini (2009). Para além, Barbier é um entusiasta da democratização do


conhecimento e protagoniza inovações na área da pedagogia, tendo sido o
responsável pela criação da área de estudos em Ciências da Educação no Instituto
de Educação à Distância da Universidade de Paris VIII.
Durante conferência realizada em 2002 no Brasil, na Escola Superior de
Ciências da Saúde, em Brasília, Barbier ressaltou que a Escuta Sensível é “um tipo
de escuta próprio do pesquisador-educador, segundo a ‘abordagem transversal’” e
esclareceu que o método preconiza um “escutar-ver” em ciências humanas, apoiado
na empatia (grifo do original de Barbier), por meio do qual “o pesquisador deve
saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro (grifo de Barbier) para
poder compreender de dentro suas atitudes, comportamentos, sistemas de ideias,
de valores, de símbolos e de mitos”. (RENÉ BARBIER, 2002, p.1)
Enfatizou que “a escuta sensível reconhece a aceitação incondicional de
outrem. O ouvinte sensível não julga, não mede, não compara. Entretanto, ele
compreende sem aderir ou se identificar às opiniões dos outros, ou ao que é dito ou
feito” e esclarece que o método é sempre “multirreferencial”, método este que afirma
a congruência do pesquisador, podendo ele, inclusive, “se recusar a trabalhar com
um grupo, se certas condições ferirem o núcleo central de seus valores, sua filosofia
de vida”. (RENÉ BARBIER, 2002, p.1)
Estruturada na referência à teoria sociológica do “habitus” de Pierre Bordieu
e à teoria dos papeis e status da Psicologia Social, a Escuta Sensível de Barbier
demanda do pesquisador muito cuidado e atenção, conforme destaca:
Somos todos reféns de esquemas de percepções, representações e ações
que nos atingem através de nossa família, de nosa classe social e que nos
conduz a um conformismo social inconsciente. É certo, os papéis e statuts
sociais que desempenhamos nas diversas organizações onde nos
encontramos inseridos nos constrangem a não desarranjar a ordem
estabelecida, e nos garantem uma estabilidade ilusória ligada
freqüentemente a um poder que nega nossa angústia de morte, como bem
o perceberam os psicossociólogos franceses Eugène Enriquez e Max
Pagès. Sem dúvida, deve-se saber apreciar o “lugar” diferencial de cada um
dentro de um campo de relações sociais para se poder escutar sua palavra
ou sua aptidão criadora. Mas a escuta sensível se recusa a ser uma
obsessão sociológica fixando cada um em lugar e lhe negando uma
abertura a outros modos de existência além daqueles impostos pelos papéis
e pelo status. Ainda mais, a escuta sensível pressupõe uma inversão da
atenção. Antes de situar uma pessoa em “seu lugar” começa-se por
reconhecê-la em “seu ser”, dentro da qualidade de pessoa complexa dotada
de uma liberdade e de uma imaginação criadora. (RENÉ BARBIER, 2002, p.
2).
41

Para o empreendimento da Escuta Sensível, o pesquisador deverá ter em


mente que o método pressupõe, como destaca Barbier (2002, p.2), não interpretar
e, para tanto, o pesquisador deve “suspender todo julgamento” e aceitar a
possibilidade de “surpreender-se pelo desconhecido que incessantemente anima
a vida” e, por este motivo, clarifica Barbier, a escuta sensível “questiona as ciências
humanas e continua lúcida sobre suas fronteiras e zonas de incertezas”. É
exatamente neste ponto que Barbier referencia a “escuta sensível” muito mais a uma
“arte“ do que a uma “ciência”, pois, segundo o autor “toda ciência procura
circunscrever seu universo e a impor seus modelos de referência, até que se prove o
contrário”. E cria analogia entre o pesquisador e um escultor que “sobre a pedra, que
para fazer aparecer a forma, deve antes passar pelo trabalho do vazio e retirar todo
o excesso para que a forma surja”. (RENÉ BARBIER, 2002, p.2),
Para tanto, Barbier propõe que a escuta sensível se apóie “sobre a
totalidade complexa da pessoa: os cinco sentidos”, afirmando que a postura que
se requer é uma “abertura holística”, assim justificada:
Trata-se na verdade de se entrar numa relação de totalidade com o outro,
tomado em sua existência dinâmica. Alguém só é pessoa através da
existência de um corpo, de uma imaginação, de uma razão e de uma
afetividade, todos em interação permanente. A audição, o tato, a
gustação, a visão e o olfato se aplicam à escuta sensível. (RENÉ BARBIER,
2002, p.4)

No trabalho apresentado no Brasil, Barbier ratificou a Escuta Sensível como


uma prática cotidiana, uma “formação outra” para os profissionais da área da Saúde
aos quais propôs que “em decorrência da mestiçagem generalizada nas sociedades
modernas”, cada vez mais, busquem tanto expandir seus conhecimentos
antropológicos quanto abrir-se a “abordagens de saúde em outras culturas do
mundo, principalmente África, Ásia e regiões ameríndias”, revelando a influência dos
autores orientais em sua prática pedagógica, como o educador e psicólogo hindu
Jiddu Krishnamurti. De forma análoga, Barbier expressa reflexivo olhar cultural sobre
a dicotomia morte/vida, tomando como exemplo a cultura do povo africano, citando
L-V.Thomas:

O que caracteriza a mentalidade africana é que, tudo que existe vive, de


alguma forma. Esta crença caminha junto com a idéia de uma “natureza
onde circula um jogo de forças, ou de um mundo construído à imagem do
homem, ou mesmo do qual o homem (ou antes seu sexo, sede de sua
potência e fecundidade) seria o centro” (L-V.Thomas apud RENÉ BARBIER,
2002, p. 12)
42

Barbier listou (2002, p.16) tópicos para a aplicabilidade da Escuta Sensível no


cotidiano dos profissionais da área da Saúde, dentre os quais, para o escopo deste
trabalho, alguns foram tomados por referência (uns sendo adaptados e aqueles
mantidos na íntegra apresentados entre aspas), a saber: 1) “Sair do ‘eu sei’ absoluto
para reconhecer o ‘eu não sei’ relativo”; 2) Dedicar tempo a escutar o outro; 3) Ter
sempre em mente a influência da família na vida do indivíduo e sua “cultura
específica”; 4) ampliar visão para a importância do trabalho interdisciplinar na área
das Ciências Humanas; além de 5) “Reconhecer que ciências humanas pertencem a
uma dimensão diferente das ciências da natureza”.
Com a “Escuta Sensível” constituiu-se, portanto, a base para a coleta e
análise de dados desta pesquisa. Todavia, considerando que uma das etapas da
pesquisa envolve participação de pessoas com deficiência visual, além da
fundamentação no conceito “Nada sobre nós sem nós” (CHARLTON, 1998;
SASSAKI, 2007a, 2007b) buscou-se aporte também em Kastrup e Moraes (2010).

2.6 A PESQUISA-COM DE KASTRUP E MORAES

Desenvolvendo pesquisas que se situam na interface entre os estudos da


cognição e da produção de subjetividade, arte e deficiência visual – por meio de um
grupo interdisciplinar fruto de uma parceria entre a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) – as professoras Marcia
Moraes, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF)
e Virginia Kastrup, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), destacam a importância do compartir entre os envolvidos em um
processo de pesquisa e propõem no livro “Exercícios de Ver e não Ver: Arte e
Pesquisa com Pessoas com Deficiência Visual” (2010), por elas organizado, que a
pesquisa seja feita não sobre um determinado grupo mas com um determinado
grupo. E justificam seu ponto de vista, fundamentado no diferencial que, segundo
elas, “marca a originalidade das pesquisas” realizadas pelo e com o grupo: “pautar o
entendimento da cognição e da produção da subjetividade das pessoas com
deficiência visual em autores que indicam um caminho fecundo e, sobretudo,
positivo”, destacando-se entre eles o pesquisador Francisco Varela (KASTRUP,
MORAES, 2010, p.xv).
43

De acordo com as autoras, o grupo recusa “uma série de proposições


negativas que afirmam que os cegos enfrentam dificuldades” (p. xv) pelo fato de que
80% do conhecimento humano seja adquirido pelo sentido da visão. Acreditar nesta
proposição, seria relegar às pessoas com deficiência visual apenas 20% de
possibilidades de “conhecer” o mundo, quando, de fato, para além do sentido da
visão, sabe-se que os outros sentidos (audição, tato, paladar e olfato), associados à
percepção, revelam inúmeras oportunidades de desenvolvimento.

2.7 INFORMAÇÃO - TRANSFORMANDO ESTRUTURAS

Por fim, a autora deste TCC recorreu novamente aos fundamentos da Ciência
da Informação, sobre os quais pretendeu sustentar principalmente a análise dos
conteúdos desta pesquisa, vislumbrando, como professora-pesquisadora, o
momento de “solidão fundamental” (RICOUER, 1976 apud BARRETO, 2002), um
dos mais belos ritos de passagem (BARRETO, 2002), quando o dado se faz
informação e a informação se faz conhecimento.
Assim, destaca-se o porquê da escolha dos construtos teóricos da Ciência da
Informação para a estrutura metodológica desta pesquisa.

2.7.1 INFORMAÇÃO, ACESSIBILIDADE E USABILIDADE

A Ciência da Informação, como área do conhecimento, responde ao que


designou Harold Borko, em artigo publicado em 1968, momento em que surgia a CI
(naquela época com o status de uma disciplina). Por já trazer explícita em sua
perspectiva o compromisso com a acessibilidade e com a usabilidade, é tomada por
referência neste trabalho. Segundo Borko, à época:

Ciência da Informação é a disciplina que investiga as propriedades e o


comportamento da informação, as forças que regem seu fluxo e os métodos
para processá-la a fim de obter acessibilidade e usabilidade (grifo nosso).
Está interessada num conjunto de conhecimentos relacionados com a
origem, coleta, organização, armazenagem, recuperação, interpretação,
transmissão, transformação e utilização da informação. Inclui a investigação
as representações da informação nos sistemas naturais e artificiais, a
utilização de códigos para transmissão eficiente da mensagem, o estudo de
instrumentos e técnicas de processamento da informação, tais como
computadores e seus sistemas de programação [...] (BORKO, 1968, p. 3)

No documento, Borko apontava que a CI teria a finalidade de “oferecer um


corpo de informações” que levaria “ao aprimoramento de várias instituições e
44

processos, destinados à acumulação e transmissão do conhecimento” (BORKO,


1968, p. 4). Salientou que para “aqueles que trabalham nesta disciplina, dependendo
de suas habilitações e interesses” haverá “lugar para os teóricos e os práticos e,
naturalmente, ambos são necessários. A teoria e a prática estão inexoravelmente
relacionadas, uma alimenta-se do trabalho da outra” (BORKO, 1968, p. 4) e conclui
explicitando que à época a Ciência da Informação era uma “disciplina emergente
importante”, prenunciava a relevante função que o cientista da informação teria “na
nossa sociedade”. (BORKO, 1968, p. 5).
Em 1976, Nicholas Belkin e Stephen Robertson publicaram artigo dedicado ao
estudo da “informação” e a definição estabelecida por eles naquele documento –
considerada entre muitos pesquisadores como a primeira definição de “informação”
em Ciência da Informação –, permanece até os dias atuais como uma das mais
utilizadas em diversos campos e disciplinas. À época, os autores assim se
expressaram: “Informação é o que for capaz de transformar estruturas”3 (BELKIN,
ROBERTSON, 1976. p. 198). Muito do conteúdo discutido no texto está
fundamentado na análise do trabalho desenvolvido por Gernot Wersig e Ulrich
Neveling, publicado um ano antes (1975), no qual estes dois últimos autores
discutem “informação” como “um dos objetos possíveis para a Ciência da
Informação”, analisando o conceito de informação por seis abordagens distintas: 1)
estrutural (orientada para a matéria); 2) do conhecimento, 3) a abordagem da
mensagem; 4) a abordagem do significado; 5) a do efeito (orientada para o
receptor); e finalizam com a 6) abordagem do processo. (WERSIG, NEVELLING,
1975)
Belkin e Robertson também ressaltaram em seu artigo que, até aquele
momento, o foco das definições de “informação” em Ciência da Informação era o
emissor e que seria fundamental destinar mais atenção ao receptor, aquele que
busca encontrar as respostas de que necessita. Relacionando emissor e receptor,
os autores encerram o trabalho, destacando e alertando para as duas categorias da
comunicação humana, sendo a educação a primeira; e a segunda, a persuasão, por
meio da qual o emissor procura mudar a ideia do receptor, deliberadamente, sem
que o receptor disto se dê conta. E concluem que a decisão pela utilização da

3
No original: “Information is that which is capable of transforming structure”
45

informação envolve concepções de caráter ético (BELKIN, ROBERTSON, 1976, p.


203-204).
McGarry contribuiu com diversas abordagens sobre o conceito de
“informação” e define o termo como “algo” que se procura: “pode-se estar
‘sobrecarregado’ dela ou sofrer-lhe a falta. Envolve atividades de gestão e de
tratamento e se pretendemos transferir informação podemos deparar com barreiras
à sua difusão” (MCGARRY, 1984, p. 15). Para o pesquisador, a informação “é
imposta mediante ordenação”; é como “dados postos em ordem” (MCGARRY, 1999,
p. 6). E leva em consideração que “o dia inteiro, todo dia, captamos informações por
meio de nossos órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar, tato etc)”. E do
mesmo modo, “o dia inteiro, todo dia, rejeitamos as informações que julgamos
irrelevantes para nossas necessidades e propósitos.” Portanto, para o autor,
“informação é o termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos com o
mundo exterior ao ajustarmo-nos a ele, e que faz com que nosso ajustamento seja
nele percebido”, fazendo-se fundamental compreender que “reajamos ou não a isso
naquele momento, essa informação pode ser guardada e vir a afetar muito do nosso
comportamento ulterior” (MCGARRY, 1999, p. 6).
A definição de informação de McGarry apresentada a seguir, parece clarear
em muito a análise acerca do termo “informativo” relacionando-o ao processo de
aprendizagem. Nesta abordagem, para o autor, a informação:

[...] pode também ser definida em termos dos seus efeitos sobre o mapa
cognitivo ou mental do indivíduo. Este uso metafórico de mapa é baseado
na assunção de que cada um tem o seu esquema ou plano privado do
mundo que o rodeia. [...] Cada vez que o seu mapa cognitivo é alterado ou
reforçado pode dizer-se que ele ‘aprendeu’, o que indica uma relação íntima
entre assimilação da informação e aprendizagem. (MCGARRY, 1984, p. 17-
18)

O professor Kevin McGarry (1984) prenunciou também os tempos de desafio


a serem enfrentados por aqueles que denominou “profissionais da informação” e, em
1999, apontou o acesso à cultura e à informação como potenciais de transformação
social no Século XXI.
Outro autor da Ciência da Informação que traz olhar interessante, agora
acerca da informação como um fenômeno e complementar ao de McGarry, é Barreto
com a publicação do artigo “A Condição da Informação”, no ano de 2002:
Como elemento organizador, a informação referencia o homem a seu
destino; desde antes de seu nascimento, com sua identidade genética, e
durante sua existência pela capacidade em relacionar suas memórias do
46

passado com uma perspectiva de futuro e assim estabelecer diretrizes para


realizar sua aventura individual no espaço e no tempo. Por conseguinte,
tem-se procurado caracterizar a essência do fenômeno da informação como
a adequação de um processo de comunicação que se efetiva entre emissor
e receptor da mensagem. (BARRETO, 2002, p.70)

Em 2004, o contorno verde amarelo do conceito de informação é reavivado


por Pinheiro com a publicação do artigo “Informação: esse obscuro objeto da Ciência
da Informação”, no qual reviu e atualizou um dos capítulos da tese por ela defendida
em 1997. No artigo, assim referiu-se a autora:

Informação é tradicionalmente relacionada a documentos impressos e a


bibliotecas, quando de fato a informação de que trata a Ciência da
Informação, tanto pode estar num diálogo entre cientistas, em comunicação
informal, numa inovação para a indústria, em patente, numa fotografia ou
objeto, no registro magnético de uma base de dados ou em biblioteca virtual
ou repositório, na Internet. Todos os campos do conhecimento alimentam-
se de informação, mas poucos são aqueles que a tomam por objeto de
estudo e este é o caso da Ciência da Informação. Por outro lado, esta
informação de que trata a Ciência da Informação movimenta-se num
território multifacetado, tanto podendo ser informação numa determinada
área quanto sob determinada abordagem. (PINHEIRO, 2004, p. 1)

Um minucioso estudo desenvolvido por Rafael Capurro e Birger Hjorland, em


2007, dá conta do estado da arte do conceito de “informação” na Ciência da
Informação neste início de Século XXI. A partir de uma análise histórico-filosófica
que se inicia na etimologia do termo e se desdobra sobre abordagens e aplicações
diversas ao longo da História, os autores explicitam o termo: “informação” vem
sendo utilizada na atualidade “no sentido de conhecimento comunicado e
desempenha papel central na sociedade contemporânea”.
Os autores ressaltam que “a CI tem-se voltado para os fenômenos de
relevância e interpretação como aspectos básicos do conceito de informação”.
(CAPURRO; HJORLAND, 2007, p. 149-150) e alertam para o caráter subjetivo do
conceito, observando que os “critérios sobre o que conta como informação são
formulados por processos sócio-culturais e científicos”, ressaltando o fato de que
esta pluralidade conceitual acarreta a necessidade de, cada vez mais, levar-se em
consideração os usuários da informação, “indivíduos em situações concretas dentro
de organizações sociais e domínios do conhecimento” (CAPURRO; HJORLAND,
2007, p. 193), o que também, segundo os autores, se coaduna com o pensamento
de Machlup, para quem “a informação é um fenômeno humano”, que envolve
“indivíduos transmitindo e recebendo mensagens no contexto de suas ações
possíveis” (MACHLUP, 1983, apud CAPURRO; HJORLAND, 2007. p. 161).
47

Capurro e Hjorland simplificam o debate com uma abordagem que corrobora


para nossa reflexão acerca do termo “informativo”. Dizem os autores: “Quando
usamos o termo informação em CI, deveríamos ter sempre em mente que
informação é o que é informativo para uma determinada pessoa”. E complementam
justificando que “o que é informativo depende das necessidades interpretativas e
das habilidades do indivíduo (embora estas sejam frequentemente compartilhadas
com membros de uma mesma comunidade de discurso)” (CAPURRO E HJORLAND,
2007, p. 154-155).
A autora do TCC, docente do Curso de Graduação em Gastronomia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, considera importante evidenciar que nesta
investigação, definido o objetivo de destacar a relevância dos estudos da
acessibilidade nos cursos de Gastronomia, o conceito de informação é objeto de
estudo com vistas ao conhecimento e está associado à ideia de empoderamento
que ganha o contorno verde-amarelo desenhado pelo pensamento de Paulo Freire.
Embora, segundo Baquero, não haja “hoje na bibliografia em língua portuguesa um
termo que traduza de forma fidedigna o sentido da palavra empowerment” utilizada
pelo educador, a noção de empoderamento sustenta-se sob o “ponto de vista de
uma educação crítica”, defendida por Freire e justificada em Baquero, a partir do
qual “os educadores não podem ‘dar poder a pessoas’ mas podem torná-las
capazes de aumentar suas habilidades e recursos para ganhar poder sobre suas
vidas”, associando o termo ao pensamento de Freire (BAQUERO, 2005, p. 71).
Reunindo-se toda a fundamentação teórica referente à Metodologia
apresentada neste Capítulo 2, partiu-se para a prática da pesquisa, cujas ações
serão conhecidas a partir do Capítulo 3, a seguir, intitulado “Pressupostos
Conceituais e Contextuais”.
48

3 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS E CONTEXTUAIS

Duas noções são basilares para nortear este trabalho por nominarem as
áreas do conhecimento, em aporte: Acessibilidade Cultural e Gastronomia.
O estudo bibliográfico, portanto, será apresentado em duas partes. Inicia-se
pela abordagem da Acessibilidade e desdobra-se para a Acessibilidade Cultural. No
segundo momento, inicia-se pela abordagem da Gastronomia e desdobra-se para a
noção de comensalidade, elemento catalisador para a reflexão sobre a expressão
“Gastronomia para Todos” e sobre a noção de Acessibilidade em Gastronomia,
ambas trazidas a partir deste trabalho.
Correlacionadas a novos termos, conceitos, definições, expressões e
contextos, constituem os pressupostos que fundamentam esta jornada de
aprendizado.

3.1 ACESSIBILIDADE CULTURAL

Compreendendo-se que o conceito de Acessibilidade Cultural desdobra-se a


partir do conceito de Acessibilidade, este estudo inicia-se voltando atenção para as
pessoas com deficiência, às quais ambos conceitos estão diretamente relacionados.
Tomou-se por referência pesquisa histórica desenvolvida por Maria Aparecida
Gugel, Subprocuradora do Trabalho e Conselheira do CONADE (Conselho Nacional
da Pessoa com Deficiência), publicizada pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), na plataforma AVA do curso EAD de Acessibilidade em Ambientes
Culturais e também no site da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa
dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência – AMPID, na qual Gugel
relaciona as pessoas com deficiência à história da humanidade. Os dados por ela
levantados serão apresentados sumariamente para, em seguida, desdobrar-se o
estudo para as noções de Acessibilidade e de Acessibilidade Cultural.

3.1.1 A DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Os primórdios
49

Apesar de não haver registros históricos, nos primórdios da humanidade, pela


dificuldade de acesso ao alimento e à vulnerabilidade à exposição às intempéries, é
possível imaginar a grande dificuldade de sobrevivência das pessoas com
deficiência que, segundo Gugel, eram consideradas um “fardo” e, em muitos grupos,
era comum que “se desfizessem” dessas pessoas, ainda na infância.
(GUGEL/AMPID, 2014)
O Egito Antigo
No Egito Antigo, cerca de 5.000 a.C, estudos revelam que as pessoas com
deficiência integravam-se ao meio social, em todos os estratos da escala
hierárquica, o que pôde ser comprovado por registros em afrescos, túmulos e
múmias de faraós, nobres, artesãos, agricultores ou escravos. Além disso, afirma
Gugel, “papiros contendo ensinamentos morais” ressaltavam “a necessidade de se
respeitar as pessoas com nanismo e com outras deficiências”. O Egito Antigo ficou
também conhecido como O País dos Cegos, pois muitas pessoas eram acometidas
por infecções e doenças dos olhos que acarretavam a cegueira (GUGEL/AMPID,
2014)
A Grécia
Na Grécia, tanto Platão (428/427-328/327 a.C) quanto Aristóteles (384-322
a.C) trataram a questão das pessoas “disformes” em suas obras “A República” e “A
Política”, respectivamente, propondo “eliminação”, de acordo com Gugel: deveriam
ser expostas, abandonadas ou atiradas montanha abaixo.
Entre os poetas gregos de maior destaque estaria Homero que, segundo
estudos e, de acordo com Gugel, era cego. A ele é atribuída a autoria dos poemas
épicos “Ilíada” e “Odisséia”, relatando a jornada de Ulisses (Odisseu) na guerra pela
conquista de Tróia (provavelmente ocorrida entre 1.300 a 1.200 a.C) e seu retorno à
Ítaca, após duas décadas de lutas. Ainda segundo Gugel, Homero cria o
personagem mitológico Hefesto, “o ferreiro divino” que, tendo nascido com atrofia
em uma das pernas, teria sido abandonado pela mãe Hera e atirado do Olimpo pelo
pai, Zeus. Na Terra, entre os homens, Hefesto teria “compensado” a deficiência,
tornando-se hábil na metalurgia e nas artes manuais. (GUGEL/AMPID, 2014)

Roma
Em Roma, há registros de que também entre os imperadores havia pessoas
com deficiência como Galba (Servius Sulpicius Galba, 3 a.C. a 69 d.C.) e Othon
50

(Marcus Silvius Othon, de 32 a 69 d.C.), apesar de as leis romanas também não


serem favoráveis às pessoas com deficiência: aos pais era facultado o direito de
matá-las afogadas. Entretanto, destacam os estudos, muitos optavam por
abandoná-las à sorte e, quando sobreviviam, eram exploradas para pedir esmolas
ou tornavam-se “atrações” em espetáculos de entretenimento para os mais
abastados. O tempo das batalhas e conquistas romanas produziu um exército de
amputados, ocasionando precário atendimento no sistema hospitalar.
(GUGEL/AMPID, 2014)
Ainda sob a égide do vitorioso Império Romano, Gugel registra o surgimento
do Cristianismo, cuja doutrina de amor e fraternidade contribuiu para combater a
prática de “eliminação” das pessoas com deficiência: data do Século VI, o
surgimento dos primeiros hospitais de caridade que as acolhiam, além dos
indigentes. (GUGEL/AMPID, 2014)
A primeira universidade para estudos filosóficos e teológicos foi criada em
Alexandria e entre seus mestres estava Dídimo: acometido pela cegueira ainda
menino, prosseguiu nos estudos elaborando um alfabeto em madeira para ser “lido”
pelo sentido do tato. Práticas de mutilação estão registradas nas Constituições do
período do imperador romano Leão III: como forma de conter os “traidores do
Império”, furavam-lhes os olhos ou amputavam-lhes as mãos. Cabe destacar que
registros apontam baixa nos índices de criminalidade à época. (GUGEL/AMPID,
2014)
A Idade Média
No período compreendido entre os Séculos V e o Século XV, “o nascimento
de uma criança com deficiência era compreendido como castigo de Deus”.
Afastadas de suas famílias, eram vistas como bruxas, feiticeiras e com poderes
sobrenaturais e, muitas vezes, transformadas em “atrações” espetaculares. No
período, Gugel aponta a relevante iniciativa de Luiz IX (reinado entre 1214 e 1270)
ao criar o Hospital Quinze-Vingts: quinze vezes vinte é igual a 300, justamente o
número de cavaleiros que tiveram seus olhos vazados na Sétima Cruzada.
(GUGEL/AMPID, 2014)
A Idade Moderna
Deste período, compreendido entre a tomada de Constantinopla em 1453
pelos turcos otomanos e a Revolução Francesa em 1789, merecem destaque as
transformações econômicas, políticas e sociais do feudalismo para o capitalismo e a
51

mudança de pensamento rumo ao Humanismo, em grande parte pela contribuição


do movimento renascentista no Século XVI. Datam deste período algumas iniciativas
para educação das pessoas com deficiência: a primeira delas para comunicação dos
surdos foi empreendida pelo médico e matemático Gerolamo Cardomo (1501 a
1576) que mais tarde influenciaria o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520 a
1584) a desenvolver um método sistemático de ensino e educação para aquele
público. (GUGEL/AMPID, 2014)
Idade Contemporânea
Período estabelecido a partir do advento da Revolução Francesa (1789) até
os dias atuais, iniciou-se sob forte influência dos pensadores iluministas, tornando-
se o Século XIX conhecido como o Século das Luzes, da razão e das ciências.
Naquele século, o acesso à educação sistematizada para as pessoas com
deficiência visual surgiu na ponta dos dedos de Louis Braille. Ele desenvolveu um
sistema de leitura tátil, fundamentado em pontos em relevo, inspirado no sistema de
comunicação noturna desenvolvido pelo capitão do exército de Napoleão, Charles
Barbier. Até os dias atuais, cegos e pessoas com baixa visão em todo o mundo
aprendem a ler e a escrever a partir do Sistema Braille.
Gugel ressalta que, também no Século XIX, surgiram as primeiras instituições
que dedicaram especial atenção aos estudos de cada tipologia de deficiência,
destacando os Estados Unidos e a Alemanha como pioneiros na “reabilitação” de
pessoas com deficiência para o trabalho. Personagens importantes nesta trajetória:
Napoleão Bonaparte, que defendeu a permanência dos soldados mutilados nos
serviços militares com atribuições que lhes fossem possíveis e o Chanceler alemão
Otto Von Bismark que criou leis para instituir as práticas de reabilitação e
readaptação às atividades profissionais.
No Brasil, inspirado pela onda iluminista, o Imperador Dom Pedro II criou, em
1854, no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto
Benjamim Constant - IBC) e três anos depois o Imperial Instituto de Surdos Mudos
(hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES). (GUGEL/AMPID, 2014)
O Século XX
O Século XX trouxe importantes avanços para o benefício das pessoas com
deficiência principalmente no que se refere às ajudas técnicas e aos recursos de
52

Tecnologia Assistiva4. Nos sentidos humanitário, educacional e profissional, entre os


anos de 1902 e 1912, cresceu o movimento em prol das instituições de apoio às
pessoas com deficiência e destacou-se a relevância daquelas pessoas participarem
e integrarem-se ativamente na sociedade.
A Inglaterra realizou a Primeira Conferência sobre Crianças Inválidas. O
primeiro Censo a apurar o número de pessoas com deficiência em um país
aconteceu na Alemanha. Nos Estados Unidos aconteceram: o primeiro Congresso
Mundial dos Surdos para discutir os métodos de comunicação por sinais e o
oralismo; a Primeira Conferência da Casa Branca sobre os Cuidados de Crianças
Deficientes; e, em 1907, a iniciativa privada norte-americana dá o primeiro passo
rumo à defesa dos direitos das pessoas com deficiência ao trabalho, por meio da
Goodwill Industries.
Após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), fez-se necessária a reflexão
acerca dos mecanismos de reabilitação para os ex-combatentes. Em 1919, é
fundada a Organização Internacional do Trabalho – OIT, importante organismo
internacional para tratar da reabilitação das pessoas para o trabalho em todo o
mundo, inclusive as pessoas com deficiência, para as quais, a primeira organização
a se constituir foi a Sociedade Escandinava de Ajuda a Deficientes, atualmente
conhecida como Rehabilitation Internacional.
A Grande Depressão iniciada em 1929 é apontada por Gugel como um dos
mais críticos períodos para a economia mundial. Apesar de, paralelamente, um
personagem destacar-se nos Estados Unidos da América na trajetória dos avanços
sociais para as pessoas com deficiência: o presidente Franklin Delano Roosevelt –
que era paraplégico – personificou a mudança de paradigma acerca do olhar da
sociedade americana sobre as pessoas com deficiência, protagonizando uma
história de respeito e de direito à vida, à independência e ao trabalho.
A Segunda Grande Guerra (1939-1945) traz novos impactos ao universo das
pessoas com deficiência, muitas delas eliminadas pelo Holocausto de Hittler,
juntamente com os judeus e os ciganos. Gugel ressalta a atrocidade em números:
“Estima-se que 275 mil adultos e crianças com deficiência morreram nesse período e

4
A definição de Tecnologia Assistiva será apresentada mais adiante, juntamente com outros termos
relacionados à acessibilidade.
53

outras 400 mil pessoas suspeitas de terem hereditariedade de cegueira, surdez e


deficiência mental foram esterilizadas em nome da política da raça ariana pura.” O
desfecho devastador foi cruelmente assinado pelos Estados Unidos com o
lançamento das duas bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki, matando mais de
220 mil pessoas e “deixando seqüelas nos sobreviventes civis”.
Finda a Segunda Guerra, o mundo estava destroçado em todos os níveis e
carecia de reorganização. Em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas –
ONU com o objetivo de encontrar, junto aos países membros, soluções para os
problemas do presente. Tomaram responsabilidade pelos temas centrais quatro
grandes agências: a ENABLE – Organização das Nações Unidas para Pessoas com
Deficiência; a UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura; o UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância; e a OMS -
Organização Mundial da Saúde.
Em 1948, afirmando que atrocidades como as ocorridas durante as Guerras
jamais se repetiriam, nasce a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU,
1948), cujo artigo 1º estabelece, entre outros, que “todas as pessoas nascem livres e
iguais em dignidade e direitos” e no artigo 25º, apesar de referenciar a pessoa com
deficiência como “inválida”, estabelece o direito a “um padrão de vida capaz de
assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros
casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.”
Gugel encerra seu estudo destacando que “a sociedade mundial continuou
com seus propósitos de evoluir e assim o fez”. Todavia, ressalta a quebra na
trajetória motivada pela Guerra do Vietnã (EUA X Vietnã), entre 1959 a 1975,
período em que novas armas foram desenvolvidas e experimentadas, como as
bombas químicas. Durante o período, um episódio positivo merece luz. Em 1960,
foram realizados os primeiros jogos para atletas com deficiências – os Jogos
Paralímpicos – nos mesmos moldes dos Jogos Olímpicos. (GUGEL/AMPID, 2014)

Olhares complementares a Gugel


O estudo de Gugel deu conta de relacionar as questões da deficiência ao
contexto histórico da evolução da humanidade. Contudo, é importante destacar que,
de acordo com outros pesquisadores, como Sassaki (2005), a origem do termo
54

“acessibilidade” remonta à década de 1940, momento em que iniciou-se a


estruturação de instituições voltadas à reabilitação e integração de pessoas com
deficiência à sociedade e que nos anos 1960 o olhar da integração foi substituído
pelo da inclusão, o qual ainda prevalece, pressupondo que a sociedade deva buscar
adaptar-se e adequar-se para “acolher” as pessoas com deficiência e também
aquelas com mobilidade reduzida.
Também merece destaque o movimento que, sob o lema, “Nothing About Us
Without Us” (Nada sobre nós, sem nós) preconizava que pessoas em situação de
vulnerabilidade buscassem envolver-se em todas as instâncias que lhes dissessem
respeito – política, cultural, social, educacional – e que nada seria feito ou decidido
sem a sua participação. A história do movimento está registrada em livro homônimo
publicado pelo autor americano e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência,
James Charlton5 (1998). Na obra, ele relata ter ouvido a expressão proferida pela
primeira vez pelos ativistas da causa das pessoas com deficiência na África do Sul,
Michael Masutha e William Rowland, e que, por sua vez, teriam ouvido a expressão
de um ativista social do leste europeu, antes da Conferência Internacional dos
Direitos das Pessoas com Deficiência, ocorrida em 1983. Nota: No Brasil, sob o título
“Nada Sobre Nós sem Nós” (AMARANTE e LIMA, 2009), um movimento
relacionando arte e pessoas com deficiência nasceu durante um evento realizado
pelo Ministério da Cultura, no Rio de Janeiro, em 2009.
Marco histórico no inicio do Século XXI, a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, estabelecida pela ONU, em 2006, (há exatamente uma
década) instituiu normas e definiu termos e conceitos, inclusive o de acessibilidade,
como será visto a seguir, levando os países-membro ao início de uma nova era: a de
fazer cumprir-se o que fora pela Convenção estabelecido (ONU, 2006).
.
3.1.1 ACESSIBILIDADE
Abre-se este item sobre “Acessibilidade”, propondo-se reflexão sobre a
etimologia da palavra, conforme estudos desenvolvidos em 2007 por Tangarife sob
orientação de Mont’Alvão na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro: “o
substantivo feminino acessibilidade, segundo o dicionário Houaiss pode significar: 1)

5
CHARLTON, James I. Nothing About Us Without Us: Disability, Oppression and Empowerment.
Berkeley, CA: University of California Press, 1998.
55

uma qualidade ou caráter do que é acessível e, 2) Facilidade na aproximação no


tratamento ou na aquisição acessível. Já a palavra acessível é classificada como um
adjetivo de dois gêneros, podendo significar: 1) a que se pode ter acesso; a que se
tem acesso; fácil de atingir; 2) Que se pode comprar, obter ou possuir; de valor
razoável; 3) O que pode ser facilmente compreendido; inteligível; e; 4) Que permite
aproximação; sociável, comunicativo (TANGARIFE, MONT’ALVÃO, 2007, p. 34).
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006)
dedica todo o Artigo 9 ao tema “Acessibilidade” e, considera-se importante aqui
explicitá-lo:
1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma
independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os
Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às
pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e
comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e
comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público
ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que
incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à
acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:

a. Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e


externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e locais de
trabalho;
b. Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços
eletrônicos e serviços de emergência;
2. Os Estados Partes também tomarão medidas apropriadas para:
a. Desenvolver, promulgar e monitorar a implementação de normas e
diretrizes mínimas para a acessibilidade das instalações e dos serviços
abertos ao público ou de uso público;
b. Assegurar que as entidades privadas que oferecem instalações e
serviços abertos ao público ou de uso público levem em
consideração todos os aspectos relativos à acessibilidade para
pessoas com deficiência;
c. Proporcionar, a todos os atores envolvidos, formação em relação às
questões de acessibilidade com as quais as pessoas com deficiência
se confrontam;
d. Dotar os edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso
público de sinalização em Braille e em formatos de fácil leitura e
compreensão;
e. Oferecer formas de assistência humana ou animal e serviços de
mediadores, incluindo guias, ledores e intérpretes profissionais da
língua de sinais, para facilitar o acesso aos edifícios e outras
instalações abertas ao público ou de uso público;
f. Promover outras formas apropriadas de assistência e apoio a
pessoas com deficiência, a fim de assegurar a essas pessoas o
acesso a informações;
g. Promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e
tecnologias da informação e comunicação, inclusive à internet;
56

h. Promover, desde a fase inicial, a concepção, o desenvolvimento, a


produção e a disseminação de sistemas e tecnologias de informação
e comunicação, a fim de que esses sistemas e tecnologias se tornem
acessíveis a custo mínimo.

Além do 9º, outros artigos da Convenção (ONU, 2006) tangenciam


especialmente a abordagem deste TCC e são aqui destacados:

Artigo 5: Igualdade e Não-Discriminação


Artigo 8: Conscientização
Artigo 10: Direito à vida
Artigo 12: Reconhecimento igual perante a lei
Artigo 15: Prevenção contra tortura ou tratamento ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes
Artigo 16: Prevenção contra a exploração, a violência e o abuso
Artigo 17: Proteção da integridade da pessoa
Artigo 19: Vida independente e inclusão na comunidade
Artigo 20: Mobilidade pessoal
Artigo 21: Liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação
Artigo 22: Respeito à privacidade
Artigo 23: Respeito pelo lar e pela família
Artigo 25: Saúde
Artigo 28: Padrão de vida e proteção social adequados
Artigo 29: Participação na vida política e pública
Artigo 30: Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte

No Brasil, a Lei Nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000 – conhecida como Lei


da Acessibilidade – instituiu normas e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e no Art 2º
estabelece a definição de acessibilidade como sendo a:

possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e


autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das
edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por
6
pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida”.

No mesmo artigo, também é estabelecida a definição e a classificação de


barreiras como:
qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade
de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:
a) barreiras arquitetônicas urbanísticas: as existentes nas vias públicas e
nos espaços de uso público; b) barreiras arquitetônicas na edificação: as
existentes no interior dos edifícios públicos e privados; c) barreiras
arquitetônicas nos transportes: as existentes nos meios de transportes; d)
barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou
impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio
dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, bem
como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação
(BRASIL, 2000)

6
A partir da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência estabelecida pela ONU em 2006, a
expressão “pessoa portadora de deficiência” foi substituída pela expressão “pessoa com deficiência”.
(ONU, 2006)
57

A Associação Brasileira de Normas Técnicas, por meio da NBR 9050, de


2004 e atualizada em 2015, estabelece que acessibilidade é a “possibilidade e
condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e
autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos
(ABNT, NBR 9050, 2004).
Feito o panorama, conclui-se que a noção de acessibilidade está diretamente
relacionada à de inclusão que, para Romeu Kazumi Sassaki, consultor e autor de
diversos livros publicados sobre o tema, tem a seguinte conotação:
Inclusão, como um paradigma de sociedade, é o processo pelo qual os
sistemas sociais comuns são tornados adequados para toda a diversidade
humana - composta por etnia, raça, língua, nacionalidade, gênero,
orientação sexual, deficiência e outros atributos com a participação das
próprias pessoas na formulação e execução dessas adequações.
(SASSAKI, 2009, p. 1)

Sobre o conceito de acessibilidade, assim refere-se Sassaki:

uma qualidade, uma facilidade que desejamos ver e ter em todos os


contextos e aspectos da atividade humana. Se a acessibilidade for (ou tiver
sido) projetada sob os princípios do desenho universal, ela beneficia todas
as pessoas, tenham ou não qualquer tipo de deficiência. (SASSAKI, 2009,
p. 2)

Visando à inclusão, Sassaki (2014) categorizou iniciativas de acessibilidade


em sete “dimensões de acesso”, que tanto podem ser empreendidas uma a uma, de
acordo com o grupo a que se destinem, quanto de modo complementar: 1)
arquitetônica (sem barreiras físicas), 2) comunicacional (sem barreiras na
comunicação entre pessoas), 3) metodológica (sem barreiras nos métodos e
técnicas de lazer, trabalho, educação etc.), 4) instrumental (sem barreiras de
instrumentos, ferramentas, utensílios etc.), 5) programática (sem barreiras embutidas
em políticas públicas, legislações, normas etc.), 6) atitudinal (sem preconceitos,
estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para
com as pessoas que têm deficiência) e 7) natural (sem obstáculos impostos pela
natureza).
Tecnologia Assistiva
Recursos de Tecnologia Assistiva não só facilitam as Atividades da Vida
Diária (AVD) das pessoas com deficiência como favorecem o acesso a produtos e
eventos por meio de mecanismos de acessibilidade, entre os quais os que se
referem à acessibilidade comunicacional.
58

De acordo com Cook and Hussey (2002) “a Tecnologia Assistiva refere-se a


grande variedade de recursos, serviços, estratégias e práticas que são concebidas e
aplicadas para minorar os problemas funcionais encontrados por pessoas com
deficiências”. No Brasil, em 16 de novembro de 2006, a Portaria nº 142 institui o
Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), estabelecido pelo Decreto nº 5.296/2004 no
âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. O
objetivo foi, simultaneamente, “aperfeiçoar, dar transparência e legitimidade ao
desenvolvimento da Tecnologia Assistiva no Brasil”. A expressão “Ajudas Técnicas”
representava até então o que hoje atualmente convencionou-se designar por
“Tecnologia Assistiva” (BRASIL, 2009) que, de acordo com o Comitê de Ajudas
Técnicas, é uma:
área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba
produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que
objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação,
de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando
sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
(CORDE – Comitê de Ajudas Técnicas – ATA VII).

Desenho Universal e Adaptação Razoável


Ainda segundo a Convenção da ONU (2006), a ideia que norteia todos os
aspectos da acessibilidade é a de Desenho Universal, “concepção de produtos,
ambientes, programas e serviços a serem usados, até onde for possível, por todas
as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico”. De modo
complementar, faz parte do documento a noção de Adaptação Razoável:
as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem
ônus desproporcional ou indevido quando requeridos em cada caso, a fim
de assegurar que as pessoas com deficiência possa gozar ou exercer, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais”.

3.1.1.1 ACESSIBILIDADE COMUNICACIONAL


Pelo escopo deste TCC, considera-se importante destacar a dimensão da
acessibilidade comunicacional da qual a matéria prima é a informação, conceito que
neste trabalho está sendo utilizado com base na Ciência da Informação, ou seja,
informação com vistas ao conhecimento.
A comunicação humana é um espectro de possibilidades. Há milênios, vimos
buscando e aprendendo a cada dia novas formas de comunicar. Falar, escrever,
gesticular, cantar, dançar são apenas algumas formas de comunicação. E, até
quando em silêncio ou inerte, o homem comunica. E muito.
59

Estudiosos afirmam que estamos vivendo a Sociedade da Informação, do


Conhecimento e do Aprendizado. Esta nomenclatura leva a refletir sobre de que
modo a informação é comunicada e sobre os aspectos que envolvem a
democratização do acesso ao conhecimento e ao aprendizado. É, de fato, para
todos?
O direito igualitário à acessibilidade comunicacional e, consequentemente, ao
acesso à educação, remete ao âmbito das pessoas com deficiência e aos recursos
de Tecnologia Assistiva.
Pelo escopo deste trabalho que objetiva o acesso à Gastronomia para todos e
tem por população de pesquisa pessoas com deficiência visual, está destacada
neste tópico a audiodescrição, por favorecer o acesso à informação a este grupo de
pessoas, prioritariamente, e também a outros públicos. Apresenta-se também, na
sequência, uma tecnologia que vem sendo bastante utilizada para favorecer a
acessibilidade comunicacional a este público: o QR Code.

A Audiodescrição (AD)
Inicialmente, parece-nos oportuno destacar alguns aspectos conceituais sobre
a temática da audiodescrição no Brasil. Recente no ambiente acadêmico brasileiro,
os estudos sobre a AD abarcam termos, expressões, conceitos e definições, alguns
dos quais há muito vêm ocupando o pensamento de filósofos e pesquisadores,
enquanto outros – em função da própria dinâmica que envolve uma emergente área
de pesquisa científica – são mais recentes. A própria grafia do termo encontra
posicionamentos distintos entre os pesquisadores: alguns grafam “audiodescrição” e
outros “áudio-descrição”. Serão respeitadas as escolhas de cada pesquisador e
mantidas com as respectivas referências. A autora deste TCC segue a forma
definida no Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural: audiodescrição.
Pesquisas apontam que a ideia da audiodescrição foi proposta pela primeira
vez por Gregory Frazier, em 1975, como recurso de acessibilidade para a televisão
destinado a pessoas com deficiência visual, resultado de uma pesquisa de Mestrado
nos Estados Unidos. A proposta era criar uma modalidade de representação oral
que fosse capaz de, em transformando imagens em palavras, minimizar o abismo
existente entre o universo das imagens em movimento e as pessoas que não podem
ver (FRAZIER, 1975).
60

Imagens que falam


“Imagens que falam” é uma expressão metafórica recorrente entre os arte-
educadores brasileiros desde a década de 1990 e ganhou força em 2003 com a
publicação do livro de Maria Helena Rossi (ROSSI, 2003), pela expressão intitulado.
Pioneiro na pesquisa sobre a áudio-descrição no Brasil, o Prof. Dr. Francisco José
de Lima inscreveu a expressão no segmento quando, como resultado de suas
pesquisas, lançou em 2008 a primeira turma do Curso de Formação de Áudio-
descritores “Imagens que Falam”, por ele desenvolvido e coordenado, no Centro de
Estudos Inclusivos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE):
[...] Apesar de a áudio-descrição surgir na academia, a partir de uma
dissertação de mestrado, ela ainda é muito pouco cientificamente
investigada, o que significa que não temos conhecimento basilar suficiente
para a construção de regras normativas que não levem em consideração
pesquisas, técnicas e opiniões dos próprios áudio-descritores, dos
formadores destes e de seus clientes.” (LIMA; GUEDES; GUEDES, 2010, p.
21)

É possível compreender, portanto, que a expressão metafórica “Imagens que


falam” passe a compor estruturas teóricas, permeando conceitos e definições de
áudio-descrição, conforme expressa LIMA (2011), em artigo sobre acessibilidade em
museus, publicado na edição da Revista Diálogos entre Arte e Público, da Secretária
de Cultura do Estado de Pernambuco:

[...] Serviço de tecnologia assistiva que consiste na identificação e elocução


de elementos visuais essenciais à compreensão e apreciação das imagens
presentes nas obras teatrais, cinematográficas, televisivas, literárias,
jornalísticas, científicas, artístico-culturais, entre outras, destinada
principalmente às pessoas com deficiência visual, com dislexia, pessoas
analfabetas, ou que não saibam o idioma em que um filme ou programa
está sendo exibido. (LIMA, 2011, p. 42)

Complementando a noção de áudio-descrição, LIMA ressalta seu objetivo,


recorrendo à ideia das “Imagens que Falam”:

O foco da audio-descrição é oferecer ferramentas para tornar o mundo das


imagens acessível àqueles que não as vêem, tornando tais imagens
significativas, portanto, igualmente relevantes para as pessoas com
deficiência visual, tanto quanto para os indivíduos que enxergam. Na audio-
descrição, as imagens falam aos sujeitos que não as vêem (com a mesma
magnitude e beleza), agora, por meio da voz ou da escrita do audio-
descritor. (LIMA, 2011, p. 42)

A partir do estabelecido pela Convenção das Pessoas com Deficiência (ONU,


2006), as práticas de acessibilidade para aquele público no Brasil foram definidas na
61

Portaria nº 188, de 24/03/2010, do Ministério das Comunicações, na qual a


audiodescrição (AD) foi definida como:

[...] narração, em língua portuguesa, integrada ao som original da obra


audiovisual, contendo descrições de sons e elementos visuais e quaisquer
informações adicionais que sejam relevantes para possibilitar a melhor
compreensão desta por pessoas com deficiência visual e intelectual.
(BRASIL, 2010)

Os organizadores do primeiro livro brasileiro sobre o tema, Lívia Motta e


Paulo Romeu Filho, ampliaram o escopo da AD:

[...] um recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas


com deficiência visual em eventos culturais, gravados ou ao vivo, como:
peças de teatro, programas de TV, exposições, mostras, musicais, óperas,
desfiles e espetáculos de dança; eventos turísticos, esportivos, pedagógicos
e científicos tais como aulas, seminários, congressos, palestras, feiras e
outros, por meio de informação sonora. É uma atividade de mediação
linguística, uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o
visual em verbal, abrindo possibilidades maiores de acesso à cultura e à
informação, contribuindo para a inclusão cultural, social e escolar. Além das
pessoas com deficiência visual, a audiodescrição amplia também o
entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos.
(MOTTA; ROMEU FILHO; 2010, p.7)

Concluimos, a partir do pensamento de Lima, a reflexão sobre a noção de


áudio-descrição, evidenciando as características técnicas do recurso:

A audio-descrição faz parte do campo da tradução visual e é produzida


segundo diretrizes técnicas pré-estabelecidas, dentre as quais a da oferta
de narração dos elementos visualmente observados, nos intervalos/pausas
entre as falas dos personagens, nas imagens contidas em livros e em
legendas descritivas. O propósito da audio-descrição é propiciar às pessoas
com deficiência visual, cegas ou com baixa visão, um quadro mais completo
do que está sendo mostrado, viabilizando-as a participar de uma dada
apresentação com a qualidade permitida a uma pessoa sem deficiência
visual. (LIMA, 2011, p. 42.)

Conhecida a audiodescrição, o próximo recurso a ser apresentado é ao


QRCode.

QR Code: mais um aliado da Tecnologia Assistiva


De acordo com os estudos de Okumura, Júnior e Oliveira (2012), os QR
Codes ou Códigos de Barra 2D podem ser grandes aliados para a Tecnologia
Assistiva. QR Code é o nome em inglês para código de resposta rápida (Quick
Response), um código bidimensional disposto nas direções vertical e horizontal.
Com a possibilidade de utilização em bibliotecas, museus, teatros e qualquer outro
62

equipamento cultural, o QR Code armazena URLs que os direcionam para sites,


blogs, hotsites ou outro endereço de internet. Para o acesso, é preciso utilizar um
aparelho celular que tenha aplicativo para a leitura do código e câmera fotográfica,
como a maioria dos celulares atuais. O procedimento de leitura é relativamente fácil.
O primeiro passo é fazer o download de um leitor de QR Code. Instalado o
aplicativo, basta mirar a câmera para o QR Code e pronto: o programa decodifica a
imagem e direciona para a URL. Importante destacar que, para acessar o QRCode é
preciso ter a funcionalidade de navegação na internet por meio de um plano de
dados pela operadora do celular ou ulitizar a Rede Wi-Fi local.
O QR Code tem conquistado adeptos em diversas áreas devido à praticidade
e funcionalidade que possui. Dessa forma, a facilidade contribui também para a
acessibilidade em outros tipos de ambientes, como salientam os autores
(OKUMURA, JÚNIOR E OLIVEIRA, 2012):
Dentro da área da Tecnologia Assistiva, o código QR poderá estar presente
dando apoio nas atividades do dia a dia, nos ambientes de estudo, trabalho,
esporte e lazer, para explorar e acrescentar nos processos de
desenvolvimento de projetos, cujo viés certamente levará na participação
mais ativa das pessoas com deficiência visual ou com limitação visual na
sociedade promovendo a acessibilidade e a inclusão social.

No que concerne à deficiência visual, o QR Code traz a vantagem de ser uma


ferramenta presente em dispositivos com os quais cegos e pessoas com baixa visão
têm ampla possibilidade de interação, como os celulares. Por meio de outros
softwares de apoio - como os leitores de tela já instalados no aparelho de celular ou
tablet e os programas com recursos de ampliação de tela e alteração de contraste -
a pessoa com deficiência visual pode utilizar o QR Code de forma autônoma. Vale
destacar que a pessoa necessita ter prévio conhecimento do uso de tais
dispositivos. Segundo os autores, além da compatibilidade do programa que lerá o
QR Code com o leitor de tela do celular, é preciso que seja garantida a
acessibilidade no site para onde o código direcionará o usuário.

3.1.1.2 ACESSÍVEL E ACESSÁVEL


Durante estudos do Mestrado, em pesquisa realizada na área da Ciência da
Informação com ênfase no potencial informativo da audiodescrição (MATTOSO,
2012), a autora deste TCC apresentou uma outra abordagem para a palavra
acessível diretamente vinculada à palavra acessável, proposição apresentada
63

também durante o I Encontro Nacional de Estudos da Áudio-Descrição – ENADES,


em janeiro de 2015.
Para a pesquisadora, o termo acessível relaciona-se ao aspecto intrínseco
de determinado produto e/ou serviço e refere-se à técnica, à tecnologia e aos
profissionais especializados envolvidos no processo de elaborar a transformação
destes em estrutura e/ou código específico, visando à acessibilidade e à usabilidade
ótimas, ou seja, estruturando um determinado produto e/ou serviço ao acesso do
público a que se destina, no escopo deste TCC, as pessoas com deficiência visual
(mas, não somente àquelas).
Já o termo acessável relaciona-se ao aspecto extrínseco de determinado
produto e/ou serviço e refere-se à técnica, à tecnologia e aos profissionais
especializados envolvidos no processo de difusão, disseminação, disponibilização e,
por conseguinte, democratização de um determinado produto e/ou serviço que, já
estruturado em código acessível, possa então ser também acessável para
determinado público, por meio de mecanismos, canais e processos.
Importante destacar que tanto para o processo de tornar um produto e/ou
serviço acessível quanto para o processo de tornar acessável, todas as dimensões
de acesso propostas por Sassaki devem ser consideradas (SASSAKI, 2014).
Exemplificando: Para que uma fotografia se torne acessível para uma pessoa
com deficiência visual, esta deverá ser traduzida em palavras por meio de um roteiro
de audiodescrição. Todavia, se a audiodescrição não for difundida, divulgada ou
disponibilizada, a fotografia, apesar de transformada para um código acessível, não
estará acessável.
E por que estes dois termos foram aqui apresentados? Por que esta
dicotomia conceitual integra o título deste TCC, a partir do qual propõe-se
“Gastronomia acessível e acessável: conhecimento e comensalidade na abordagem
e na percepção de pessoas com deficiência visual”.

Lei Brasileira de Inclusão


Retomando a abordagem conceitual da acessibilidade e trazendo a reflexão
para território nacional, o ano de 2015 configura-se como o marco de um novo
tempo na vida dos(as) brasileiros(as): a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão
(BRASIL, 2015) que entrou em vigor em 02 de janeiro de 2016 consolida a etapa de
conquistas pelo direito de acesso à vida.
64

Entretanto, outras batalhas ainda persistem e demandam novo fôlego,


principalmente para tentar vencer as barreiras mais complexas que não estão
suscetíveis aos aspectos do Desenho Universal, tampouco das Adaptações
Razoáveis, tampouco dos recursos de Tecnologia Assistiva. Estão aqui destacadas
as barreiras atitudinais, alimentadas cotidianamente pelo preconceito, pela
ignorância e pelo desconhecimento das potências inerentes a todos os seres
humanos, com ou sem deficiência.
Com a perspectiva humanitária em mente, encerra-se esta etapa de
aprendizado, destacando que um novo símbolo internacional da acessibilidade foi
criado pela ONU e disponível para utilização universal desde 2015. Todos os
detalhes da criação, podem ser conhecimento no link a seguir:
http://www.un.org/webaccessibility/logo.shtml

Para a pesquisadora, o novo símbolo da acessibilidade remete ao Homem


Vitruviano de Leonardo Da Vinci, artista de tantos talentos e cuja obra promoveu
incontáveis transformações culturais. Parafraseando André Malraux, convida a
próxima etapa de estudos sobre Acessibilidade Cultural, com a seguinte reflexão: “a
Cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, durante milênios
capacitou o homem a ser menos escravizado”.
65

3.1.2 A ACESSIBILIDADE CULTURAL

A expressão “Acessibilidade Cultural”, inscrita na história da Universidade


Federal do Rio de Janeiro desde 2013 para nominar uma nova área do
conhecimento, é bastante instigante. Composta por dois termos de grande impacto,
a consiliência gerada pela complementaridade e diversidade de ideias a partir da
união dos dois revela uma potência vital, porque vem minimizar uma imensa lacuna,
ao oportunizar a todos – autores, artistas, produtores e público –, a partir do enfoque
da deficiência, o acesso ao único mecanismo capaz de validar o homem ao seu
tempo e à sociedade em que vive: a cultura. Cabe, portanto, aos novos
pesquisadores da área, grande responsabilidade, pois, decerto, todo produto cultural
ganha nova vida quando tornado acessível e acessável (MATTOSO, 2012).
Sob o aspecto acadêmico-científico, a Acessibilidade Cultural é emergente
área do conhecimento e o Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural:

Nasce da parceria entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através


do Laboratório de Arte, Cultura, Acessibilidade e Saúde, do Curso de
Terapia Ocupacional, e o Ministério da Cultura, através da Secretaria de
Cidadania e Diversidade Cultural. Esta parceira tem como proposta
implementar a formação em acessibilidade cultural para gestores e
trabalhadores da área da cultura, com o objetivo de sensibilizar, estimular,
capacitar e criar processos inclusivos de fruições estética, artística e cultural
nas ações, gestões e políticas culturais para o público de pessoas com
deficiência como produtores ou platéia. O curso apresenta na sua proposta
de formação desde a gestão de políticas culturais, passando pelo campo
das deficiências e suas especificidades no contexto da legislação, da
formação nas diferentes linguagens e nas tecnologias de acessibilidade
cultural, bem como a experiência e aplicabilidade dos conteúdos
apreendidos. Desta forma, o curso tem como proposta desenvolver parceria
com espaços culturais para proporcionar aos alunos o desenvolvimento de
novas soluções para a garantia da acessibilidade, além de praticar as
tecnologias de acessibilidades já conhecidas. (DORNELES)

Pautado na perspectiva da inclusão, o curso possibilita e fomenta o debate


sobre a nova temática, tendo por objetivos:

 Formar especialistas em acessibilidade cultural para atuar no campo


das políticas culturais, orientando e implementando conteúdos,
ferramentas e tecnologias de acessibilidade que proporcionem fruição
estética, artística e cultural para todas as condições humanas a partir
do enfoque da deficiência.
 Oferecer capacitação em acessibilidade cultural a partir de uma grade
de conteúdos que proporcione conhecimento desde a gestão em
políticas culturais, bem como conhecimento sobre as deficiências,
legislação e tecnologias de fruição para a acessibilidade cultural de
pessoas com deficiência.
 Possibilitar a formação e certificação que proporcione atuação
profissional no campo das políticas culturais auxiliando e orientando a
66

implementação de acessibilidade cultural para todas as linguagens


estéticas e artísticas.
 Sensibilizar, a partir da formação, gestores culturais à implementação
de ações culturais inclusivas no campo da fruição estética e da
participação da pessoa com deficiência, nas políticas e programações
de atividades culturais. (DORNELES)

3.1.2.1 CONTEXTO HISTÓRICO

Na semana de acolhimento à segunda turma do Curso, iniciada no dia 13 de


abril de 2015, a coordenadora, Profª Drª Patricia Dorneles, contextualizou a ideia de
criação da Especialização com base nos dados que integram documento público por
ela elaborado, disponível no site do Ministério da Cultura (MINC). (DORNELES)
Iniciou a apresentação expondo seu percurso profissional, desde o
engajamento em políticas culturais para grupos em vulnerabilidade (muitas das
quais na área de Saúde e em especial na área de Saúde Mental) às atuações em
estruturas diversas no Ministério da Cultura (em Brasília), a participação na oficina
do MINC denominada “Nada sobre nós sem nós” (em 2008), a aprovação no
concurso para docente na UFRJ e a posse em 2010 que acarretou a mudança para
o Rio de Janeiro, ano em que teve a ideia de estruturar o Curso de Especialização
em Acessibilidade Cultural (CEAC). Patricia foi enfática quanto à relevância de
iniciativas de acessibilidade serem empreendidas na área acadêmica no Brasil
(ainda que poucas), além dos eventos, como o ENECULT e os que são realizados
pela Casa de Rui Barbosa.
Entre outros tópicos, abordou a cultura da tutela; a invisibilidade das pessoas
com deficiência; dados estatísticos do Censo 2010; consumo cultural; formação de
platéia; a dificuldade de as pessoas com deficiência terem acesso aos espaços
culturais; a importância de formação de público com deficiência em contraponto com
a dificuldade da formação de público em geral; dando ênfase ao fato de haver
sempre a reclamação dos produtores culturais que os eventos são produzidos com
acessibilidade e não há público visitante.
Numa abordagem histórica, Patrícia apresentou os projetos “Artes sem
Barreiras” e “Very Special Arts”, citando a produtora Albertina Brasil e o engajamento
dela em projetos com pessoas com deficiência. Com a morte da Albertina, houve um
rompimento da “Very Special Arts” com a FUNARTE e coube à direção da “Very
Special Arts” a marca “Artes sem Barreiras”. Depois de dez anos de atividades, este
67

projeto deixou de acontecer. Por volta do ano 2000, a FUNARTE recriou o “Arte sem
Barreiras” que prosseguiu sob responsabilidade da instituição até 2007, quando as
iniciativas relacionadas às pessoas com deficiência passaram a ser
responsabilidade da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural, do Ministério
da Cultura, à época sob gestão do ator Sergio Mamberti.
Neste período, Patrícia trabalhava no Ministério da Cultura e, segundo a
coordenadora, “foi quando a gente fez a oficina ‘Nada Sobre Nós Sem Nós’”. A
Oficina contou com cerca de 60 pessoas e teve por objetivo sistematizar as
experiências de interface entre as políticas culturais e as iniciativas desenvolvidas
para e pelas pessoas com deficiência. Foram realizados diversos seminários com
temas específicos. Em seguida, os participantes se organizaram em grupos de
trabalho para fomentar as políticas culturais, a difusão destes produtos, ações e
diretrizes. Os GTs e seus temas foram: cultura, fomento, difusão e patrimônio; além
do GT de Acessibilidade Cultural. “Foi a partir desta proposta do NSNSN que surgiu
a ideia deste Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural”, declarou Patricia.
A oficina gerou um documento depois publicado em livro e vídeo. “Estávamos
acreditando que as pessoas iriam pegar estes documentos e iriam se organizar, se
articular e realizar ações em seus locais de origem. Mas, não. Portanto, este é o
grande desafio de quem está aqui: a mobilização”.
Para Patrícia, o Ministério da Cultura cumpriu o seu papel de desenhar uma
proposta, mas não conseguiu mobilizar os gestores públicos locais para a
importância de realizar iniciativas neste sentido. De toda forma, os conteúdos
produzidos contribuíram para fortalecer o debate sobre o tema apresentado em
conferências municipais, estaduais e federais de cultura, entre outros eventos.
Um tópico importante de reflexão era que a ideia de acessibilidade estava
atrelada à distribuição gratuita de ingressos para pessoas com deficiência. Ampliou-
se então o olhar para a questão estética do direito à fruição das obras por parte das
pessoas com deficiência. Este novo olhar foi resultado da oficina NSNSN, questão
que até então não havia sido colocada em pauta.
Outra abordagem feita por Patrícia dizia respeito à contribuição do curso de
Terapia Ocupacional para as políticas públicas destinadas as pessoas com
deficiência, a partir da necessidade de se constituir uma rede de articulação,
formação e fomento em Acessibilidade Cultural.
68

Enfatizando o caráter educativo do Edital de Seleção para o Curso, que


contempla toda a legislação da área, desde a Constituição Federal, abordou a
lacuna entre a cultura e a educação e a necessária articulação entre estas duas
áreas para que as propostas cheguem a termo. Expôs detalhes que vinculam a
proposta do Curso ao Plano Nacional de Cultura, destacando as metas 16, 28, 29,
enfocando a distribuição territorial das vagas, objetivando promover maior difusão
dos conhecimentos do CEAC, conforme a meta 47 e também destacou os aspectos
que validam a inserção do CEAC no Sistema Nacional de Cultura.
“Acessibilidade é um conceito em evolução. Hoje, o Brasil dispõe de muitos
documentos legais governamentais, mas, a área do conhecimento ainda precisa
refletir muito sobre o tema. Até então, rampa era a norma. Não. Acessibilidade está
para além das perspectivas arquitetônicas”, elucida a coordenadora.
Patrícia destacou a importância de, juntos, corpo docente e corpo discente do
Curso, criarem modelos de conhecimento, os quais poderão ajudar a fortalecer as
iniciativas na área e procurou esclarecer os questionamentos sobre o porquê de o
Curso não ser aberto a profissionais da iniciativa privada: “os recursos são públicos
e o entendimento é o de que é necessário iniciar o processo pelos gestores
públicos”. E concluiu: “Acessibilidade Cultural deve ser entendida como parte das
políticas de cidadania cultural, incluindo-se o direito à fruição estética, tecnologias
(inclusive os recursos de Tecnologias Assistiva) para que as iniciativas possam ser
difundidas, socializadas e comentadas”.

Durante o ano de 2015, como aluna do Curso, a autora deste TCC tomou o
aprendizado depreendido acerca da Acessibilidade Cultural e desenvolve uma série
de iniciativas de sensibilização, de acessibilização e de formação na área da
Gastronomia, entre as quais, o primeiro Jantar às Escuras realizado durante o III
Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural, a convite da Coordenação do Curso.
As demais serão conhecidas no capítulo que trata da Pesquisa-Ação.
A seguir, serão apresentados, os pressupostos relacionados especificamente
à área da Gastronomia, os quais, reunidos aos aspectos da Acessibilidade Cultural,
impulsionaram a elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso.
69

3.2 GASTRONOMIA

Neste tópico, serão abordados os conceitos de Gastronomia e o de


Comensalidade que representa o ponto de convergência para a produção desta
pesquisa sobre Acessibilidade Cultural.

3.2.1 A GASTRONOMIA

Abordar o termo gastronomia passados quase duzentos anos depois do feito


de Brillat-Savarin, conforme expresso na Introdução deste trabalho, exigia critério na
escolha para a atualização conceitual. A pesquisadora levou em conta a premissa
sociocultural da comensalidade aliada ao fato de tanto o Curso de Especialização
em Acessibilidade Cultural quanto o Curso de Bacharelado em Gastronomia estarem
inseridos em unidades acadêmicas no Centro de Ciências da Saúde da UFRJ,
conforme já exposto no capítulo da Metodologia.
Encontrou-se aporte singular nos estudos do médico Cândido Hipólito-Reis,
professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, autor de
dezenas de publicações científicas na forma de artigos e livros. Com particular
interesse pela sociologia médica e desenvolvendo estudos nos domínios da cultura
filosófica contemporânea, em 2008, publica, pela Editora UP, o livro “Vinho,
Gastronomia e Saúde”.
Na obra, além dos tópicos específicos relacionados à excelência da dieta
mediterrânea na qual o vinho tem papel relevante, o autor aponta como novas
perspectivas desta área do saber: a descoberta de que a saúde e a qualidade de
vida dependem em forte medida da alimentação e as evidências antropológicas da
gastronomia em geral.
No capítulo 3, especificamente dedicado à Gastronomia, ele inicia suas
reflexões destacando a importância de um discernimento elementar, o qual
considera-se basilar para o escopo deste trabalho:
O significado da palavra gastronomia (grifo do autor) confunde-se muitas
vezes com o da alimentação e o da nutrição, que também se confundem
entre si, por um processo metafórico, uma vez que algo de sensivelmente
comum se lhes refere. (HIPÓLITO-REIS, 2008, p. 77)

Prosseguindo em sua análise, o professor apresenta a seguinte distinção


entre os termos. Alimentação refere-se aos alimentos, conhecidos como “as
70

substâncias que trazem o ânimo e dão o alento, processos cujas palavras se


relacionam, naturalmente, na originalidade, com alma (anima, em latim), animação e
também animal”. Nutrição refere-se aos nutrientes, substâncias que tanto podem ser
de proveniência externa, se já tomadas como alimento; quanto de proveniência
interna, resultado do metabolismo de compostos com estabilidade e duração que os
caracterizam como estruturais. E sobre a gastronomia, assim a designa:
A gastronomia refere-se à relação sensitiva com os alimentos. É claramente
muito importante no ser humano, situando-se numa “área” intermediária
(grifos do autor) do mesmo processo que integra a alimentação e a nutrição
e se revela na consciência autônoma (por ser reflexa) dos efeitos destas. O
termo consigna uma representação da relação, certamente primordial, que é
a alimentar, em que a sensividade (dos sensos) se insere e prolonga na
sensitividade (dos sentidos), incorporada também na memória somática,
que vão ser não só modeladoras no processo mas também motivadoras no
projecto da ontogênese. (HIPÓLITO-REIS, 2008, p. 79).

Anteriormente à Hipólito-Reis, Câmara Cascudo corroborou para a distinção


entre Gastronomia e Nutrição, referindo-se aos profissionais das duas áreas: “Os
gastrônomos ensinam a ciência do ‘saber comer’, que não é a mesma coisa para
nutricionistas.” (CASCUDO, 1983, p. 36).
Sobre a origem da palavra gastronomia, associou-se ao conhecimento de
Hípólito-Reis (2008) o de Castelli (2005), o qual fundamenta seu pensamento em
Carneiro (2003), Franco (2001) e outros.
Etimologicamente, a palavra “gastronomia” tem origem no grego γαστρονομία:
gastrós deriva de gaster (estômago) e nomía (de nomós + ía), elemento de
composição onde nomós exprime a noção de regra/lei/uso e o sufixo ía designa
conhecimento, profissão. Assim, gastronomia pôde então ser compreendida
originalmente como o estudo das leis do estômago. Derivação para gastrônomo, em
grego γαστρονόμος, aquele que se dedica à gastronomia.
A versão online do Dicionário Primberam da Língua Portuguesa classifica a
palavra “gastronomia” como um substantivo feminino e estabelece seu significado
em dois tópicos: 1) como o “conjunto de conhecimentos e práticas relacionados com
a cozinha, com o arranjo das refeições, com a arte de saborear e apreciar as
iguarias” e 2) como a “arte ou modo de preparar os alimentos, típicos de
determinada região ou pessoa (ex.: gastronomia goesa). E equipara a palavra
igualando-a “= COZINHA”. Como desdobramento do termo, também integram o
Primberam a palavras “gastronomias”, feminino plural de gastronomia.
71

De acordo com Hipólito-Reis (2008), no século IV a.C., teria sido utilizada a


palavra gastrologia, numa publicação do grego Arquéstrato de Gela, que teria vivido
em Siracusa. A palavra gastronomia somente teria sido utilizada, então, depois de
“divulgado um poema de Benchoux, em 1800, com este título” e destaca que
gastrônomo, apenas no final do século XIX, assim como a palavra restaurante,
momento histórico em que viveram Brillat-Savarin e Grimod de la Reyniere.
Dos estudos de Hipólito-Reis, depreendeu-se ainda que abdômen é a palavra
que em latim traduz o grego gaster, trazendo a ideia de acolhimento, agasalho e que
relaciona-se também como a palavra domus, casa, “na acepção de corpo como
casa, habitação ou moradia da alma, intimidade... que o alimento incita”. O autor
chama a atenção para o fato de que, todavia, o termo gastronomia “nunca deixou de
aparecer com caráter ambíguo”. Muitas vezes e durante muito tempo, esteve
associada a nababescos banquetes. Por outro lado, explica Hipólito, a “sacralidade
da vida” levou o sustento ao templo, “também por isso os sacrifícios de animais” e
também por isso “o ditado português a mesa é o altar da casa”. Destacando a
gastronomia como uma das atividades humanas mais significativas, ao lado da
educação, o autor constata que “desde então, embora com cambiantes, o prazer de
comer, até pelas surpresas do gosto, inquieta profundamente o ser humano, hoje
certamente iluminado pela deidade imanente da saúde [...]” (HIPÓLITO-REIS, 2008,
p. 83).
O sociólogo italiano Carlo Petrini (2009) atualiza a abordagem interdisciplinar
da Gastronomia proposta por Brillat-Savarin, bem como para o ato alimentar,
definido pelo filósofo francês Edgard Morin como um “fato humano total”. Para
Petrini a gastronomia é cultura material e imaterial; permite viver da melhor forma
possível e conforme os recursos de que se disponha, estimulando melhoria à própria
existência; é uma ciência por meio da qual estuda-se a felicidade; e é também
educação, estando relacionada às seguintes áreas:
à botânica, à genética e outras ciências naturais, pois classifica
substâncias alimentícias e permite sua conservação; à física e à química,
pois seleciona os melhores produtos e estuda suas transformações; à
agricultura, à zootecnia e à agronomia, pois produz matérias-primas boas
e variadas;à ecologia, pois, para produzir, distribuir e consumir alimentos o
homem interage com a natureza e a transforma em seu favor; à
antropologia, por permitir o estudo da história do homem e suas
identidades culturais; à sociologia, por oferecer instrumentos para o estudo
dos comportamentos sociais do homem; à geopolítica, já que povos se
aliam ou se enfrentam também e, sobretudo para desfrutar os recursos da
terra; à economia política, pelos recursos que oferece e meios de
intercâmbio que estabelece entre as nações; ao comércio, pois pesquisa a
72

maneira de comprar pelo menor preço possível o que consome (utiliza) e de


vender com o lucro mais alto possível aquilo que coloca à venda (produz);à
tecnologia e à indústria, pois procura novas maneiras de transformar e
preservar a comida de maneira barata e conveniente; à cozinha, pela arte
de preparar pratos e torná-los aprazíveis ao paladar; à fisiologia, pela
capacidade de desenvolver sensorialidades aptas a reconhecer o que é
bom; à medicina, pois estuda a maneira mais salutar de comer; à
epistemologia, pois, através de uma necessária reconsideração do método
científico e dos critérios de conhecimento, que nos permitem analisar o
caminho que o alimento percorre do campo à mesa e vice-versa, permite
interpretar melhor a realidade desse nosso mundo globalizado e complexo.
Ou seja, permite escolher. (PETRINI, 2009, p. 61-62).

Ainda sob a abordagem da cultura, os historiadores Massimo Montanari e


Jean Louis Flandrin atribuem à gastronomia a qualidade de elemento comunicador:

A gastronomia é uma forma de representação e um modo de comunicação


de uma cultura. Por meio dela pode-se conhecer um pouco de sua história e
seus costumes. Dentre a gama de meios de comunicação não-verbais da
Idade Média, a refeição era um dos principais sinais que permitiam dar a
conhecer decisões, inovações e mudanças; aqueles que davam tais sinais
comprometiam-se a pôr em prática o que tinham se proposto. Essas
refeições eram organizadas em diversas ocasiões: quando indivíduos ou
coletividades celebravam ritualmente, em datas fixas, a continuidade de
seus laços; quando um acontecimento particular (batismo, casamento,
sagração de um cavaleiro, investidura) exigia que as relações fossem
explicitadas e reforçadas por um comportamento adequado. A refeição era
conhecida e utilizada como sinal de criação ou de reconhecimento de um
laço social. (FLANDRIN e MONTANARI, 1998, p. 301).

Some-se à perspectiva interdisciplinar apresentada por Savarin e atualizada


por Petrini, definida por Montanari e Flandrin como um modo de comunicação e
reconhecimento da identidade social, a abordagem do antropólogo Sidney Mintz, o
qual, assim como Morin, relaciona a gastronomia ao comportamento alimentar que,
por sua vez, está ligado a “como nos sentimos com relação à comida”:
O comportamento relativo à comida liga-se diretamente ao sentido de nós
mesmos e à nossa identidade social, e isso parece valer para todos os
seres humanos. Reagimos aos hábitos alimentares de outras pessoas,
quem quer que sejam elas, da mesma forma que elas reagem aos nossos.
Não é de surpreender, portanto, que o comportamento comparado relativo à
comida tenha sempre nos interessado e documentado a grande diversidade
social. Também não espanta que os antropólogos, desde o começo, tenham
se fascinado pela ampla gama de comportamentos centrados na comida.
(MINTZ, 2001. p.31)

Retomando a abordagem da saúde levantada por Hipólito-Reis, situando o


estudo no cotidiano contemporâneo e destacando o crescente interesse pela ciência
da Gastronomia nos últimos quarenta anos, o sociólogo brasileiro Carlos Alberto
Doria (2015) aponta “a crise de confiança” na indústria como geradora de uma
“angústia alimentar” que provocou uma “grande mudança no status do comer no
73

mundo moderno”, quando põe-se em destaque a “qualidade do que se ingere em


vez da simples quantidade”.
Opinando, inclusive, sobre a obra de Brillat-Savarin (1995) que ele considera
“uma obra de vulgarização científica, como tantas outras ´fisiologias´ então
publicadas” e que teria sido escrita quando a gastronomia “era cogitação de um
pequeno círculo de pessoas, acostumadas a uma vivência aristocrática que incluía
rituais de comilança...”, Dória amplia o escopo para os aspectos culturais que hoje
envolvem o moderno universo gastronômico:
Passados quase duzentos anos, a gastronomia desempenha um papel
completamente novo na sociedade. Tornou-se um tema cultural tão
importante quanto a moda, a sexualidade, a violência. É reivindicada como
aparentada às artes, à simples nutrição, ou mesmo aos negócios. Sua
assombrosa vulgarização parece exigir de cada um de nós que saiba
explicar, a qualquer momento, afinal por que escolheu comer determinada
coisa e não outra. (DORIA, 2015, p. 20)

Prosseguindo em sua análise, Doria cita o professor e sociólogo francês


Lucien Karpik, da École de Mines, em Paris, onde criou, em 1967, o Centro da
Sociologia da Inovação. Karpik critica “a incapacidade da economia clássica para
explicar os fenômenos de escolha” e alerta para os processos que pretendem elevar
um produto ao status de “obra de arte”. Sobre o tópico, Doria converge para: “É uma
atitude assemelhada ao esforço de marketing, hoje tão comum, para apresentar um
simples azeite, arroz, salmão ou o que seja como ‘gourmet’”. E convoca a todos para
situarem-se quanto à realidade atual: “Portanto, não basta ler Savarin [...]. É preciso
reconhecer que o tratamento da alimentação mudou” e hoje se dá em uma tripla
dimensão: a culinária, a gastronomia e a gastronomização, conforme esclarece,
afirmando inclusive que “a ciência, sem dúvida, pode nos socorrer neste
entendimento”, ressaltando:
Em primeiro lugar a culinária (grifo do autor), que nos remete ao conjunto
de transformações materiais por que passam as matérias-primas
alimentares até serem consumidas, incluindo tecnologias, tabus alimentares
etc; em segundo lugar, a gastronomia, entendida como aquele
procedimento comparativo que indica as melhores formas de tratamento de
um determinado produto, dentro de uma determinada sociedade ou grupo
com uma configuração de gosto particular; em terceiro, a
gastronomização, que é a projeção dos valores associados à gastronomia
no território do marketing e demais argumentos de venda de um produto
alimentar. (DORIA, 2015, p. 21)

Observando-se o contexto pelo olhar dos consumidores, Doria ressalta que,


como uma espécie de autodefesa diante do quadro atual, muitas estratégias
surgiram segmentando a gastronomia em muitos “nichos” mercadológicos, frutos da
74

identificação dos indivíduos com determinadas ideologias alimentares de cunho


religioso, de orientação “natural”, social, entre outras. Esta “nichelização” vai dando
origem a um “novo e vigoroso mercado” para oferecer “aos consumidores ávidos, a
porta de acesso a novas práticas que convergem todas para a mesa”. (DORIA,
2015, p. 23)
Traçado o panorama, Doria classifica então os últimos quarenta anos não
somente como o “período de definição de um novo lugar para a alimentação em
nossas vidas”, mas também e principalmente como o período de desenvolvimento
das “ciências da alimentação” (grifo do autor), “de modo a não ficarmos entregues a
um vôo cego que devore nossas melhores energias para entender o que está
acontecendo à nossa volta”. E sugere os estudos de Jean-Pierre Poulain e Claude
Fishler àqueles “que se interessam por estudar o fenômeno moderno da
gastronomia – e não só usufruir dessa diretriz hedonista da moderna culinária”.
Após o panorama sobre a Gastronomia, o estudo prossegue então para o
conceito de comensalidade.

3.2.2 COMENSALIDADE

A noção de comensalidade integra os estudos da Hospitalidade que, segundo


Castelli (2005) é “a essência dos negócios da hotelaria e dos restaurantes da era
moderna”.
Antes mesmo de mergulhar fundo nos estudos do conceito a partir da
abordagem de Castelli, parece relevante a reflexão do antropólogo e professor da
Universidade de Chicago, Michael Dietler:
Perante a diversidade de abordagens e perspectivas de investigação
dedicadas às práticas de comensalidade evidencia-se, desde logo, a
inexistência de uma definição precisa e unívoca. É no entanto possível
inventariar uma série de características comuns aos vários discursos, assim,
a comensalidade tem sido descrita como “…uma forma de atividade ritual
pública, centrada no consumo compartilhado de comida e bebida.
(DIETLER, 2001, p.67). (tradução nossa)

A etimologia da palavra revela que comensalidade tem por origem ‘mensa’,


palavra em latim que deriva para “mesa”. “Então estar em torno da mesa é um
caráter que vai se associar à essência do ser humano e é um exercício dessa
porção social dele”, segundo Denise Oliveira (2013), coordenadora do Programa de
Alimentação, Nutrição e Cultura da Fiocruz Brasília.
75

Recorrer à história é a propensão do pesquisador. Para o feito, a fim de situar


historicamente a “comensalidade” o primeiro aporte é Câmara Cascudo:
De todos os atos naturais, o alimentar-se foi o único que o homem cercou
de cerimonial e transformou lentamente em expressão de sociabilidade,
ritual político, aparato de alta etiqueta. Compreendeu-lhe a significação
vitalizadora e fê-la uma função simbólica de fraternidade, um rito de
iniciação para convivência, para a confiança na continuidade dos contatos.
(CASCUDO,1983,p. 36)

Castelli (2005) relaciona o conceito de comensalidade ao de hospitalidade.


Parafraseando Seydoux (apud Castelli, 2005, p. XII), “a história da hospitalidade é a
história dos homens, dos seus reencontros, dos seus diálogos e de tudo o que eles
criaram ao longo dos séculos, para facilitar a sua aproximação”, ideia corroborada
por Derrida (apud Castelli, p. XII) para quem “não existe nem cultura nem laços
sociais sem o principio da hospitalidade”. Castelli (2005, p.3) destaca ainda que,
desde a antiguidade, a hospitalidade está referenciada a três atos humanos: o de
abrigar-se, o de comer junto e o de deslocar-se. Estes “momentos” representam
“dimensões muitas vezes esquecidas”, entre as quais, a história da arte culinária,
que, para Franco (2001) fora “quase sempre ignorada pela maioria dos
historiadores, sociólogos e etnólogos” e também pelos acadêmicos. O autor aponta
o quão curioso é o fato, destacando que “a alimentação e a arte culinária não podem
ser consideradas aspectos secundários das civilizações”.
Na observação de Franco (2001, p. 234-235 apud Castelli, 2005, p. 4)
“cozinhar é uma atividade que tem sido enobrecida e vão chegando ao fim os dias
em que declarar-se totalmente ignorante em matéria de cozinha poderia conferir
distinção”. Para o historiador, “a culinária, além de arte, é uma ciência, porque
grande parte dos fenômenos que se passam no forno e no fogão pode ser explicada
pelas leis da física e da química”. Ainda segundo o autor, “a história da alimentação
e da cozinha começa, porém, a despertar maior interesse acadêmico” e “graças à
antropologia, sabe-se hoje que a preparação dos alimentos e o comer são também
atividades simbólicas que permitem perceber as sociedades e a sua complexidade.
Nos últimos anos, a mesa e seus rituais representam um campo ativo de pesquisa”.
Carneiro (2003, p.1 apud Castelli, 2005, p.4) corrobora o pensamento de
Franco, afirmando que “a alimentação, além de uma necessidade biológica, é um
complexo sistema simbólico de significados sociais, sexuais, políticos, religiosos,
éticos, estéticos etc.” e “mais do que a história dos alimentos, de sua produção,
distribuição, preparo e consumo, o que se come é tão importante quanto quando se
76

come, onde se come, como se come e com quem se come”. (2003, p.2 apud
CASTELLI, 2005. p.5).
Para Castelli (2003, p. 5), “isto é tão verdadeiro que a história nos mostra que
o homem encontrou, no ato de comer junto, formas ímpares de sociabilidade e de
conviviabilidade, fazendo da refeição um momento que vai além do mero ato de
saciar a fome”. E referencia Visser (1998, p. 2) para quem a refeição “foi
transformada em mais do que ela é, em algo que contenha múltiplos significados
além do seu objetivo básico da nutrição física”.
O vinculo entre alimentação e cultura, na opinião de Franco (2001, p. 249
apud Castelli, 2005, p. 6) está na cozinha: “Encontramos nas culinárias os vestígios
das trocas culturais entre os povos. As cozinhas são produtos de miscigenação
cultural”. A tendência humana de compartilhar alimento, segundo Franco (2001, p.
22 apud Castelli, 2005, p. 11) “ideia básica da hospitalidade, teria se originado
quando o homem desenvolveu a capacidade de matar grandes presas” e o consumo
imediato se dava em função do desconhecimento de métodos de conservação e
cocção, sendo induzido a dividir com outros o produto do trabalho e esperar que o
gesto fosse recíproco: “Teria nascido, assim, a hospitalidade à mesa”. Castelli
(2005, p.12), complemente a ideia de Franco ao afirmar que, com o passar dos
séculos, o homem encontrou à mesa um dos lugares e momentos “mais propícios
para o exercício da hospitalidade”.
O prazer da mesa, de acordo com Franco (2001, p.22 apud CASTELLI, 2005,
p. 12-13), pode estar relacionado a diversas “circunstâncias, fatos, lugares, coisas e
pessoas que acompanham a refeição. É prazer peculiar à espécie humana”. E assim
como também pensavam Brillat-Savarin (1995) e Grimod de La Reyniere (2005),
“pressupõe cuidados com o preparo das refeições, com a arrumação do local onde
será servida e com o número de convivas”. O momento da refeição é, pois, segundo
Castelli, “uma ocasião ímpar para a prática da sociabilidade e da conviviabilidade”.
Do cru ao cozido, de acordo com Flandrin, (1998 apud Castelli, 2005, p. 13),
ao fazer uso do fogo, o homem “teria dado passo significativo para distinguir-se dos
seus ancestrais hominídeos e dos demais animais”. Entretanto, segundo Castelli,
“não é possível precisar o momento exato em que a arte culinária passou ao
domínio dos homens”. Independente disso, certo é que “se constitui, de fato, num
marco importante no processo de hominização”. Com o domínio do fogo, “criou-se
77

também uma nova era para o processo de sociabilidade dos grupos e das
comunidades”. E ressalta:
A maneira de agir e de se relacionar das pessoas diante dos novos tipos de
alimentos mudou as formas pelas quais eram adquiridos e processados, e,
neste contexto, o ato de comer junto ganhou novas dimensões, como a
função social da refeição e o desenvolvimento da comensalidade,
dimensões essas que se fazem presentes desde as mais antigas estruturas
sociais, principalmente nos banquetes, e que desempenharam um
importante papel não somente nas primeiras civilizações como nas
posteriores. (CASTELLI, 2005, p. 13-14).

Importante refletir, a partir de Montanari, sobre os aspectos culturais que


envolvem os grupos que consomem alimentos crus e toda a carga simbólica que
também carregam. Pensando nestes grupos, Montanari ressalta que o fogo e a
cozinha nem sempre coincidem, pois se assim o fosse, seriam excluídas culturas
nas quais grande parte de suas preparações alimentares cruas. Como exemplo, cita
o consumo de peixe cru, na cultura asiática que, no raciocínio do autor, também
constitui-se de um ato culinário, mesmo com a ausência do fogo (MONTANARI,
2008, p. 58).
É possível afirmar, com base em Castelli (2005, p. 15), que a história da
alimentação revela fatos que propiciam “delinear a contribuição que o ato de repartir
a comida e a bebida teve na formação cultural dos povos ou das sociedades” e
destaca que os estudos dos primórdios da humanidade promovem rico aprendizado
acerca da hospitalidade: “Trata-se da capacidade de as pessoas juntarem-se num
abrigo e repartir, entre si, os alimentos”.
O ato de compartilhar o alimento está, portanto, associado ao “princípio
básico da hospitalidade”, como expressa Paula (2002, p. 73 apud CASTELLI, 2005,
p. 15): “o prazer de satisfazer as necessidades dos outros que, explicado por teorias
psicológicas, gera uma recompensa acima de tudo emocional e que faz parte da
condição humana”.
Ressaltada a contribuição da comensalidade na formação cultural de diversos
povos e sociedades em todo o mundo, conclui Paula:
[...] na literatura gastronômica, a descrição do alimento, sua técnica de
preparo e apresentação do cardápio permitem, dentre outros aspectos,
deduzir as relações de poder e subordinação das sociedades mais remotas
até as contemporâneas; entender as relações sociais e econômicas
mantidas entre os povos de diferentes regiões; conhecer a história do
apetite, dos hábitos e do gosto dos indivíduos; preservar a tradição e origem
dos experimentos na gastronomia, dentre outros”. (PAULA, 2002, apud
CASTELLI, 2005, p. 15)
78

Corroborando, Castelli (2005, p.16) destaca: “Repartir a comida, a bebida e o


espaço é praticar, pois, o ato da hospitalidade, um dos fundamentos da condição
humana” e cita Scherer: “a hospitalidade não é um acidente da condição humana,
mas faz parte da sua essência”. Em outras palavras, diz Castelli, “nenhum homem é
uma ilha. É da sua natureza o desejo de abrir-se para o outro”.
De acordo com Ornellas (2003, p. 37 apud Castelli, 2005, p. 22), na Índia,
muito mais que um ato alimentar, a refeição é um ritual e, no Japão, quase um ato
místico, exemplificando a chanoyu ou cerimônia do chá: “Todo o tranquilo desenrolar
do ritual leva, em cada gesto, à evocação de uma tradição milenar procurando fixar
a importância da meditação, falta de pressa, amor ao detalhe, que leva à perfeição”,
sobre o que Castelli conclui: “Não se trata, pois, de simplesmente beber chá, mas,
sobretudo, de efetuar um mergulho num contexto cultural bem mais profundo”.
Os gregos trouxeram para a comensalidade um destaque maior como valor
da vida civilizada, segundo Montanari (1998, p. 108 apud Castelli, 2005, p. 31), e
que deveria fundamentar-se em mais outros três valores: os tipos de alimentos a
serem consumidos, além da cozinha e a dietética. Assim refletindo, Franco (2001, p.
21 apud Castelli, p. 33), destaca que “o homem logo inventou um ritual social básico
que é a refeição e, mais adiante, o festim, este frequentemente realizado para
ganhar a proteção e o favor dos deuses”. A participação nos festins determinou
novas estruturas para a comensalidade e o comportamento à mesa. Na opinião de
Castelli (2005, p.33) apoiado em Visser (1998, p. 62) “esse comportamento
educado, ao longo da história, vai se consolidando sob a forma de ética e de
etiqueta, formadas por um conjunto de paradigmas, de alinhamentos e
cerceamentos que tornam possível a vida em grupo ou em sociedade”.
Castelli (2005, p. 33) destaca ainda que todas essas reflexões contribuem
“para definir o perfil de uma determinada sociedade num momento histórico. E esse
perfil não é estático. Sofre influência de outras culturas e de novos contextos,
passando a formar um novo desenho das sociedades”. E, refere-se aos banquetes,
considerados pelos gregos como “momentos de civilidade, ocasião em que
praticavam a comensalidade, não bastando somente conhecer as boas maneiras
exigidas para portar-se bem à mesa, mas também saber colocá-la em prática”.
Complementando o raciocínio, “as boas maneiras à mesa e saber conviver em
público, tão enfatizados pelos gregos, passaram a fazer parte da educação de todos
os povos, constituindo-se em pressupostos básicos da hospitalidade”.
79

A valorização do culto à hospitalidade por parte dos gregos teve grande


impacto na cultura ocidental, segundo Castelli (p.33) que cita Franco, para destacar
a ritualização das refeições também em família, que passaram a representar:
um ritual propício à transmissão de valores. Por meio da aprendizagem de
maneiras, sobretudo das de mesa, desenham-se para a criança os
contornos do mundo ao qual ela pertence e as atitudes aprovadas pelo seu
grupo social são assimiladas como norma (FRANCO, 2001, p.23)

O pensamento de Franco é corroborado por Carneiro (2003) e Poulain (2004)


para os quais o convívio à mesa tem potencial transformador na estruturação da
organização social e no cotidiano. Assim, pode-se compreender, então, o impacto do
compartir o alimento na constituição da família como grupo social.
Some-se o pensamento de Leonardo Boff (2006), para quem, entre as
principais características da comensalidade estão a cooperação e a solidariedade.
Nos momentos de comensalidade os homens colaboram uns com os outros,
construindo interações e relações durante milênios. Ainda segundo Boff (2005), para
concretizar-se a comensalidade plenamente é necessário que às refeições estejam
vinculadas às seguintes virtudes humanas: a hospitalidade, a acolhida e a
convivência.
Se o compartir do alimento é do que trata a comensalidade, não se pode
prescindir de refletir um pouco mais sobre normas de hierarquia social e mesmo de
identidade que podem advir e de cujos atributos pode-se destacar a manutenção de
uma rede de relações e a imposição de limites sociais, políticos, religiosos, entre
outros, como destaca Carneiro:
Ao longo das épocas e regiões, as diferentes culturas humanas sempre
encararam alimentação como um ato revestido de conteúdos simbólicos,
cujo sentido buscamos atualmente identificar e classificar como “políticos”
ou “religiosos”. O significado desses conteúdos não é interpretado pelas
culturas que o praticam, mas sim cumprido como um preceito
inquestionável, para o qual não são necessárias explicações.” (CARNEIRO,
2005, p.71-72)

Sobre a dinâmica das mudanças ocorridas no percurso histórico que une o


homem ao alimento, Costa (2015) alerta para o fato de que a cultura contemporânea
está modificando o sentido da comensalidade. Tais mudanças criaram novas formas
de consumo alimentar, como o Fast Food, por exemplo, cuja primazia da
lucratividade está fundamentada na falta daquele que é considerado o maior
patrimônio que se possa almejar: o tempo. Consequentemente, alteram-se os
modos de comer, de conviver e de compartilhar a mesa.
80

Os novos “Territórios do Comer” vem merecendo reflexões de estudiosos


como Ursula Verthein e José Antonio Vasquez-Medina, ambos da Universidade de
Barcelona, na Espanha:
As interpretações sobre o consumo de alimentos como um aspecto do
comportamento cultural, nos ensinaram que em nenhuma sociedade foi
permitido comer qualquer coisa, em qualquer lugar, de qualquer maneira ou
em qualquer momento [...] Nesse sentido, o conjunto de representações,
crenças, conhecimentos e práticas alimentares compartilhadas no interior
de uma cultura é considerado como uma forma importante de identificação
coletiva. Comer de determinada maneira nos ajuda a estabelecer fronteiras
entre o próprio e o alheio: criamos noções de pertencimento ao mesmo
tempo em que estabelecemos de forma mais clara as diferenças em relação
àqueles que não somos. (VERTHEIN, VAZQUEZ-MEDINA, 2015, p. 26)

De acordo com os autores, a “hipermodernidade alimentar” levou os


modernos comensais a modificarem a relação com o ato de comer. “Nós
desritualizamos a comida” ao flexibilizar o horário, o tempo, as companhias
(raramente comemos em família e muitas vezes comemos sozinhos), bem como os
lugares também variam: já não nos sentamos à mesa, “comemos fora de casa, no
trabalho, na rua, no parque, no transporte público, no sofá, em frente à televisão”.
Além do que, trocamos a “comida de verdade” pelos petiscos.
Os autores recorrem a Poulain, que corrobora sobre o pensamento acerca
desta flexibilização que, segundo ele, seria conseqüência de dois fatores principais.
O primeiro seria o crescimento do individualismo na sociedade, acarretando
mudança do eixo coletivo para o individual. O outro seria a “redução dos
formalismos sociais (de tempo, espaço, sociabilidade) relacionados ao comer”.
(POULAIN, 2006, apud VERTHEIN, VAZQUEZ-MEDINA, 2015, p. 27)
O comensal contemporâneo, na opinião dos autores, se vê permanentemente
diante de desafios cotidianos relacionados ao comer e some-se ao panorama o
consumo e o produto a ser consumido que deve ser: “saudável, saboroso, capaz de
saciar a forme, prático, portátil, sustentável e funcional”, agregando benefícios tanto
no âmbito corporal como também social. Some-se ainda a indústria da beleza à qual
associam-se os diet, light, zero açúcar e sem gordura. (p. 28)
O cenário atual possibilita ao consumidor ampliar suas escolhas, segundo os
autores. E também a uma gama de informações e normatizações que certamente
“regem as nossas maneiras de comer”: “Nòs enfrentamos agora uma grande
diversidade de filtros que condicionam as nossas práticas e os significados que
atribuímos à comida e às maneiras de comer”. (p. 28)
81

Tudo isso leva o novo comensal a reformular “os valores e as atribuições dos
territórios físicos (casa, trabalho, transporte público) e simbólicos [...] de produção,
distribuição, preparação e consumo de alimentos”. Diante deste panorama, os
autores incitam à reflexão:
Como então o consumidor-comensal define agora a sua identidade
individual? E a identidade coletiva? Como redefinimos os nossos momentos
de socialização associados ao comer? Que novos desafios se apresentam
para nós quando escolhemos o quê, quando e onde comer?
((VERTHEIN,VAZQUEZ-MEDINA, 2015, p. 29)

As mesmas perguntas motivaram a realização deste TCC, tomando-se por


referência os comensais contemporâneos pela abordagem da deficiência. O fio das
respostas parece iniciar-se com a conclusão de Verthein e Vazquez-Medina: “Cabe
a nós agora ter consciência da existência de todos esses processos que
condicionam atos tão cotidianos como decidir o quê e como vamos comer”.
(VERTHEIN,VAZQUEZ-MEDINA, 2015, p. 29).
Conclui-se esta etapa de estudos sobre os conceitos de gastronomia e de
comensalidade trazendo luz para a realidade brasileira e considera-se importante
fazer dois registros.
O primeiro deles, de abrangência nacional, destaca a iniciativa do Ministério
da Saúde ao inscrever o conceito de comensalidade nas políticas públicas do Brasil,
por meio da publicação do “Guia alimentar para a população brasileira”, o qual
dedica um capítulo inteiro ao tema, trazendo “orientações sobre o ato de comer e a
comensalidade, abordando as circunstâncias – tempo e foco, espaço e companhia –
que influenciam o aproveitamento dos alimentos e o prazer proporcionado pela
alimentação” (BRASIL, 2014, p. 12). Observa-se o conceito de comensalidade
vinculado à saúde e ao valor nutricional do ato alimentar, convergindo para as
perspectivas apontadas por Hipólito-Reis (2008) e Doria (2015).
O segundo registro é a sanção do Marco Referencial da “Gastronomia como
Cultura”, agora em escala estadual, no Estado do Rio de Janeiro, instituindo e
garantindo, desde dezembro de 2015, que a gastronomia carioca possa
desenvolver-se a partir da nova abordagem cultural. (GOVERNO DO ESTADO DO
RIO, 2015)
Reunidos todos os pressupostos até aqui estudados, projeta-se, por meio
deste Trabalho, uma real possibilidade envolvendo a acessibilidade e a gastronomia
82

e, para tanto, uma análise acerca de estudos desenvolvidos sobre esta


convergência conceitual é imprescindível, como será visto a seguir.
É crescente a divulgação de projetos, pessoas e profissionais que objetivam a
convergência entre os conceitos de gastronomia e acessibilidade na prática e suas
iniciativas em prol desta conquista vem merecendo cada vez mais espaço na mídia
e na internet, bem como a difusão das obrigatoriedades legais específicas do setor.
No universo acadêmico, foram encontrados os seguintes documentos.
De autoria de Marcela Sá, o Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo
da Universidade de Brasília intitulado “Acessibilidade Gourmet” foi publicado em
2010. Dá conta da criação de um projeto piloto para produção de um guia homônimo
que categorizava os restaurantes das Asas Norte e Sul de Brasília a partir da
abordagem da acessibilidade. (SÁ, 2010)
Durante o VII Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul, realizado em
2012, foi apresentado o trabalho "Acessibilidade em restaurantes e similares:
reflexões introdutórias" de autoria de Luciana Neri (bacharel em Turismo,
Especialista em Gestão Ambiental / UFPR, Mestre em Gestão Pública do Turismo /
Universidad Internacional de Andalucia e Doutora em Turismo e sustentabilidade) e
Maria Henriqueta S. G. Gimenes-Minasse (bacharel em Turismo/UFPR, Especialista
em Planejamento e Gestão do Turismo/UFPR, Mestre em Sociologia/UFPR e
Doutora em História/UFPR). (NERI, GIMENES-MINASSE, 2012)
Na área editorial, contribuindo para fundamentar estudos e capacitar
empreendedores nas áreas da gastronomia e da hotelaria, o livro “Acessibilidade:
Orientações para bares, restaurantes e pousadas” da arquiteta Cybele Monteiro de
Barros foi lançado pela Editora Senac Nacional, em 2012. Além do foco na
acessibilidade arquitetônica, a autora amplia a abordagem para os aspectos da
hospitalidade e do acolhimento às pessoas com deficiência, visando contribuir para
romper barreiras atitudinais e comunicacionais (BARROS, 2012).
Relacionando as pessoas com deficiência às regras de etiqueta, foram
encontrados estudos em “O livro completo de Etiqueta de Amy Vanderbilt”
(TUKERMAN, DUNNAN, 2000) e no livro “Tudo sobre etiqueta” (MITCHELL, CORR,
2002), ambos abordando questões relativas ao acolhimento de pessoas com
deficiências físicas.
Assim, encerra-se o capítulo de Pressupostos Conceituais e Contextuais e
passa-se então à etapa prática deste TCC: a Pesquisa-Ação.
83

4 ESCUTAR, SENTIR, AGIR – A PESQUISA EMPÍRICA

No capítulo anterior “Pressupostos Conceituais e Contextuais” apresentou-se


a primeira etapa da metodologia híbrida proposta para realização deste trabalho: o
levantamento de dados bibliográficos.
Neste capítulo, inicia-se a apresentação da pesquisa empírica que compõe a
segunda etapa da metodologia: a Pesquisa-Ação e a exposição dos conteúdos das
entrevistas realizadas com as pessoas com deficiência visual.
As ações empreendidas pela pesquisadora, com base na Espiral do
Conhecimento de Robredo (2011), foram motivadas pela “Escuta Sensível” (RENÉ
BARBIER, 2002), pela “Pesquisa-Com” (KASTRUP, MORAES, 2010), pela
“Educação da Sensibilidade” (READ apud PINHEIRO, 2005) e pelas noções de
“Escutatória” e “Ubuntu”, as duas últimas conhecidas durante a participação da
pesquisadora no Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural que, pelo
escopo deste trabalho, estão aqui explicitadas.
A noção de “Escutatória” foi proposta pelas colegas de turma Débora
Palmeira de Barros, Ivone Angela dos Santos, Izabel Cristina da Silveira, Vania
Cuenca, Renata Silêncio e Sheila Villas Boas durante apresentação do trabalho final
da disciplina Exposição Acessível II. Como um contraponto à ideia da “oratória”, a
dicotomia foi fundamentada na abordagem Espaço/Tempo/Atenção/Humanidade,
validando a constatação dos impactos da celeridade incondicional a que todas as
pessoas estão expostas (impostas) neste início do Século XXI. Para tanto,
instigaram as colegas: “Ouve-se falar em cursos de oratória. Mas, alguém nesta
platéia já fez um curso de escutatória?”
Corroborando para a tão necessária ação de escutar, “Ubuntu” foi uma noção
apresentada pelo colega Emerson Paula da Silva e nominou o grupo de trabalho do
qual fez parte a pesquisadora, composto também pelos colegas Ana Letícia Ribeiro,
Andrey do Amaral e Laurene Athayde. De fundamentação antropológica africana – e
a partir da Teoria da Circularidade – a noção remete ao compartilhar como
mecanismo inclusivo e evolutivo: Ubuntu significa “Sou quem sou, porque somos
todos nós”.
Com a alma tatuada pela perspectiva do “sensível” nas mais diversas
vertentes de aprendizado, partiu a pesquisadora para a ação.
84

4.1 A PESQUISA-AÇÃO: CONHECER, SENSIBILIZAR E APRENDER

As iniciativas que integram esta Pesquisa-Ação, a seguir apresentadas, foram


desenvolvidas a partir do que a pesquisadora ouviu dos alunos do Curso de
Bacharelado em Gastronomia da UFRJ após a realização do V Fórum Gastronomia,
Saúde e Sociedade, em setembro de 2014: “Professora, precisamos estudar mais
sobre acessibilidade aqui no curso”.
Ampliando a relevância da promoção e da difusão da acessibilidade para fora
dos muros da universidade, iniciativas associaram-se para atender à parceria com
outras universidades e também com empreendedores de diversos segmentos do
mercado.
Com base na premissa “Nada sobre nós sem nós”7 foram desenvolvidas
iniciativas de sensibilização, de acessibilização, de promoção/difusão da
acessibilidade, além de ações de aprendizagem.
A título de organizar a apresentação das ações neste trabalho, levou-se em
consideração as atividades desempenhadas pela pesquisadora, iniciando-se pela
docência/discência e a atividade de cidadania.
Assim, estão classificadas na seguinte ordem: 1) ações pedagógicas e
acadêmicas, 2) ações de aprendizagem, 3) ações de capacitação e 4) ações de
cidadania. Todas as iniciativas levaram em conta as sete dimensões de acesso de
Sassaki (2014): atitudinal, comunicacional, instrumental, programática,
metodológica, física (arquitetônica) e natural.
Pelo escopo do trabalho, serão detalhadas e analisadas as que foram
desenvolvidas na UFRJ. As outras figuram, a título de registro.
Ao final de cada tópico serão feitas análises específicas dos resultados das
ações. Uma análise ampla de todas as atividades empíricas desta etapa da
pesquisa será feita no final do capítulo.

4.1.1 AÇÕES PEDAGÓGICAS E ACADÊMICAS

4.1.1.1 Para e com os alunos da UFRJ

7
Todas as iniciativas foram desenvolvidas a partir do conceito Nada Sobre Nós Sem Nós, em parceria com
Marcio Felipe, profissional da área de Tecnologia da Informação e usuário de recursos de Tecnologia Assistiva.
85

4.1.1.1.1 Gastronomia para Todos

Com a inserção da aula “Gastronomia para Todos” nas disciplinas de


Comunicação em Gastronomia, Gestão de Eventos Gastronômicos e Etiqueta e
Comensalidade a partir do período 2015.1, a pesquisadora teve por objetivo
promover e difundir a noção de acessibilidade, iniciando-se um percurso de ensino a
partir de uma ação de sensibilização – ou educação da sensibilidade (READ apud
PINHEIRO, 2005) –, levada a cabo por meio de uma dinâmica estruturada pela
perspectiva da cognição corporificada, fundamentada na experiência metafórica
(LAKOFF, JOHNSON, 2002).
Considerando-se que a deficiência visual é a de maior incidência no país
(CENSO, 2010), os alunos foram convidados a usar vendas e “vivenciar no corpo”,
durante o tempo de aula, a experiência (BONDIA, 2002) da “partilha do sensível”
(RANCIERE, 2005).
Escutatória Sensível: Muitos alunos, ao longo da vivência, paralisaram.
Alguns choraram. Outros tiveram tonteira. Suaram frio. No momento em que lhes era
oferecida a oportunidade de compartilhar o que sentiram, muitos preferiram calar.
Outros traziam a público o fato de ter alguma pessoa com deficiência na família ou
algum conhecido, destacando a importância do acesso à acessibilidade, como forma
de despertar para uma realidade que, apesar de estar dada, parece “invisível”.

4.1.1.1.2 Adaptação Razoável de conteúdos pedagógicos

A descoberta de dois alunos com limitações visuais nas turmas do período


2015.1 acarretou ações para que lhes fosse garantido o mesmo direito de acesso a
todos os conteúdos organizados para as aulas, em igualdade com todos os outros
colegas. Usa-se a palavra “descoberta” propositalmente. Por medo do preconceito,
da exclusão e do estigma da piedade, ambos alunos adotavam a condição de
deficientes ocultos (noção expressa na Introdução deste trabaho).
Cumprindo o papel mediador do professor, a pesquisadora expôs a cada um
deles, em particular, que havia percebido em ambos algo diferente no que se referia
ao sentido da visão: durante as aulas, eles espremiam os olhos, baixavam e
levantavam os óculos repetidamente e quando olhavam o celular o faziam bem de
pertinho, colocando o celular bem próximo ao nariz.
86

Um deles tinha glaucoma (pressão ocular) e o outro era monocular devido à


ceratocome (doença que provoca visão distorcida). Constatadas as limitações – mas
sem nada explicitar aos outros alunos – fazendo-se cumprir o que estabelece a Lei,
para favorecer-lhes o acesso aos conteúdos de aula, com base na Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) e também em outros
documentos relacionados à acessibilidade, a ação de acessibilização resultou em
um Modelo de Aula elaborado em contraste, com fundo escuro, letras claras e com
fonte Arial, corpo 26, em Power Point, tornando os conteúdos acessíveis. A fim de
que fossem também acessáveis (proporcionando o retorno aos conteúdos para
depreendê-los) era necessária a utilização de programas sintetizadores de voz de
livre acesso como o DOS-VOX (INTERVOX) e o NVDA, por exemplo, para uso em
PCs; ou o TalkBack para uso em dispositivos móveis como os celulares Android e o
VoiceOver para IOS. Também os programas foram disponibilizados pela professora-
pesquisadora aos alunos e orientados quanto a baixar os aplicativos para
dispositivos móveis, todos gratuitos.
Pelos conhecimentos da pesquisadora-professora das técnicas da
audiodescrição, as imagens utilizadas na elaboração dos conteúdos de aulas eram
“traduzidas” ao vivo, aula a aula.
Escutatória Sensível: Em sala de aula, o novo desafio transformou-se em
grande aprendizado para todos, a partir das necessidades específicas dos alunos
com limitações visuais. A adaptação dos conteúdos que, em princípio, parecia
apenas um compromisso para favorecer o acesso a eles, acabou revelando-se
visualmente mais confortável também para os demais. Segundo expresso por eles, o
Power Point com fundo claro “estoura no quadro também de fundo branco” e
desconforta a visão de todos. Além disso, a ampliação do tamanho das letras
favoreceu todos os alunos, não somente nas estruturas expositivas das aulas, mas
principalmente nas provas: muitos expressaram o desconforto de uma prova
elaborada com um “corpo de letra tão pequeno que mal dá pra ler”.

4.1.1.1.3 Ledores Voluntários: criação e participação


Esta iniciativa é complementar à anterior e será justificada. Ao longo do ano
de 2015, as crises de glaucoma se agravaram e a dificuldade de acesso de um dos
alunos aos conteúdos disponibilizados nas disciplinas motivou a criação de um
grupo de ledores voluntários composto tanto por alunos do curso de Gastronomia
87

como também por pessoas de fora da universidade que se dispuseram a contribuir


para que ele pudesse dar conta dos estudos. O foco para as leituras foram os
capítulos de livros, considerando-se que documentos científicos, quando em formato
Word ou PDF-OCR, possibilitam a leitura sonora por meio dos programas
sintetizadores de voz.
Esta prática coletiva de acessibilização para tornar acessíveis e acessáveis
conteúdos relacionados à Gastronomia, além de criar uma rede de mobilização,
contribuiu também para a formação de uma base de dados de conteúdos sonoros
que, a qualquer momento, podem vir a ser disponibilizados não só para os alunos da
UFRJ como para alunos com deficiência visual de outras instituições, fazendo valer
a Responsabilidade Social da Ciência da Informação que, de acordo com Pinheiro é
“levar conhecimento a quem dele necessite” e, a partir da experiência vivenciada, da
forma que necessite.

4.1.1.1.4 Jantar às Escuras na UFRJ

A possibilidade de coordenar a realização do primeiro Jantar às Escuras


elaborado em ambiente acadêmico na Universidade Federal do Rio de Janeiro
configurou-se, para a pesquisadora, como excelente oportunidade de ver cumprir-se,
na prática, a perspectiva freireana na Espiral do Conhecimento de Robredo.
A integração de professores e alunos da Gastronomia com docentes do
departamento de Terapia Ocupacional da UFRJ, com colegas do Fórum de Ciência
e Cultura da UFRJ, com empresários e representantes de empresas da iniciativa
privada, todos, objetivando o ótimo atendimento a pessoas que aceitaram o desafio
de passar três horas com os olhos vendados para viver no Jantar às Escuras uma
experiência metafórica relacionada à questão da acessibilidade foi uma excelente
oportunidade pedagógica.
Acrescente-se o fato de, entre os comensais, haver também pessoas com
diversos tipos de deficiência: cegos, cadeirantes, surdos e pessoas com mobilidade
reduzida. No escopo da gastronomia, vários convivas apresentavam alergia ou
intolerância alimentar, o que demandou muito mais atenção por parte da equipe de
atendimento. Importante destacar que do evento, coordenado pela pesquisadora,
participaram voluntariamente cinco professores e 34 alunos do Curso de
Bacharelado em Gastronomia, os quais merecem ser destacados. Na Comissão
88

Organizadora e executiva, os professores Mara Lima De Cnop, Joyce Cafiero, Laura


Kiyoko, Denise Diniz e Marcio Marques e os alunos:

1. Ana Carolina Ferreira Guimarães


2. Andiara do Vale Valdeolivas
3. André Felipe Cavalcanti Yaakoub
4. Anna Lara Kapitzky Dias
5. Carla Andressa Sousa Reis
6. Danielle Rezende da Silva
7. Danilo Silva Moreira
8. Eduarda Tantos Costa
9. Ernani Lima Morais
10. Fernanda Chueke
11. Filipe Pessoa dos Santos
12. Francisca Andressa Otaviano Do Vale
13. Francisco Muniz Videira
14. Guido Jordan dos Santos
15. Ítalo de Paula Casemiro
16. João Carlos Pinto Casangel da Silva
17. Juliana Lima de Andrade
18. Larissa Ferreira Barbosa
19. Lohane Rianele de Lima
20. Luiza Grosso Gonçalves Coelho
21. Marcos Vinicio da Silva
22. Mariana dos Reis Santos
23. Mariana Munck Gil
24. Marina Moreira Vicente Gomes
25. Marllon Dias Archanjo
26. Michelle de Souza Pinto
27. Noemia Cardoso da Silva Gomes
28. Pamela Chianelli A V Barcellos
29. Rafaela Myssen Coelho de Souza
30. Raquel Oliveira Figueiredo Andrade
31. Renan Chriginio da Silva
32. Sofia Vieira Alves Ferreira
33. Tamires Christine Pereira da Silva
34. Vênus de Mattos e Silva Lobato

Em caráter documental e a título de esclarecimento, publica-se a notícia


prévia sobre o evento divulgada no site da Gastronomia e do Instituto de Nutrição
Josué de Castro da UFRJ. O texto está apresentado em itálico, para diferir do corpo
do texto do TCC.

Alunos do Curso de Gastronomia da UFRJ vão realizar,


89

no dia 13 de maio de 2015, um “Jantar às Escuras”


em homenagem à influência africana na diversidade cultural brasileira 8

Mais de 30 alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia, do Instituto de


Nutrição Josué de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vão
realizar, no dia 13 de maio, no Colégio Brasileiro de Altos Estudos, no Flamengo, um
“Jantar às Escuras” com cardápio africano desenvolvido em finger foods. O evento
institucional – para convidados – faz parte do III Encontro Nacional de Acessibilidade
Cultural, atividade do Curso de Pós-Graduação em Acessibilidade Cultural
promovido pelo Ministério da Cultura, Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Fórum de Ciência e Cultura, sob coordenação da Profª Patrícia Dorneles do Curso
de Terapia Ocupacional da UFRJ.

A realização do “Jantar às Escuras” é uma atividade complementar do Curso


de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ e está sendo desenvolvida pelos
professores Mara Lima De Cnop, Joyce Cafiero, Laura Kiyoko, Denise Diniz e Marcio
Marques, sob coordenação da Profª Verônica Mattoso que além de professora do
Curso de Gastronomia é, atualmente, aluna do Curso de Pós-Graduação em
Acessibilidade Cultural. Para a realização do evento, o grupo de professores contou
com o Apoio Cultural dos seguintes profissionais e empresas: Agência Papel
Couchê Comunicação e Publicidade, Alexandre Macedo Fotografia, Arlete Reis
Equipamentos para Mise en Place, Arte Rio Viagens e Turismo, Cais de Icaraí
Vinhos e Espumantes, Chef Alexandre Perez, Flamboyant Eventos, Floreal de
Duques Paisagismo, João Calheiros Produções Temáticas, Leques Personalizados,
MAC Iluminação Decorativa, Queen Doces e Rappanui Gastronomia.

8
O release acima foi produzido para divulgação à imprensa e também publicado à época nos sites do
Curso de Bacharelado em Gastronomia e do Instituto de Nutrição Josué de Castro INJC, por ocasião
de realização do evento. Ambos os sites sofreram alterações de estrutura tecnológica e, atualmente,
a matéria não mais faz parte dos conteúdos disponíveis para visualização. Por este motivo foi aqui
explicitada.
90

O objetivo do “Jantar às Escuras” é sensibilizar os convidados para o


cotidiano das pessoas com deficiência, a partir de uma experiência sensorial de
comensalidade às cegas, quando todos vão jantar com os olhos vendados. De
acordo com o Censo 2010, atualmente, no Brasil, há mais de 46 milhões de pessoas
com algum tipo de deficiência e o maior percentual é de pessoas com deficiência
visual.

Por conta da data para a qual o “Jantar às Escuras” foi marcado – quando se
comemora a abolição da escravatura no Brasil –, como forma de homenagear a
influência dos negros africanos na diversidade cultural brasileira, o cardápio será
temático cabo-verdiano. Para preservar todos os aspectos sensoriais a serem
vivenciados pelos convidados, o cardápio somente será conhecido ao longo do
evento e, portanto, não será divulgado.

A escolha do cardápio temático tem justificativa: toda a estrutura do evento foi


elaborada em sala de aula, a partir da troca de conhecimentos com o aluno africano
Ernani Morais, natural de Cabo Verde, estudante do Curso de Bacharelado em
Gastronomia da UFRJ. Além do intercâmbio cultural que vem permitindo a todos
(alunos e professores) um vasto aprendizado sobre as similaridades gastronômicas
entre Brasil e Cabo Verde, Ernani tem contribuído muito também para o aprendizado
coletivo quanto aos aspectos da acessibilidade comunicacional em Gastronomia e
para a quebra de barreiras atitudinais: acometido pelo glaucoma, Ernani é uma
pessoa com perda moderada da acuidade visual e chegou ao curso como um
“deficiente oculto”. Agora, empoderado, compreende a atitude das pessoas com
deficiência que, no Brasil, fundamentam suas iniciativas a partir do conceito “Nada
sobre nós sem nós” e se diz pronto para viver todos os aspectos que envolvem o
cotidiano de uma pessoa consciente de sua própria realidade.

O logotipo do evento
91

O logotipo do “Jantar às Escuras” ilustra este release e está disponível com


áudio-descrição, recurso de acessibilidade comunicacional que permite o acesso às
informações a pessoas com deficiência visual. O texto abaixo é acessável pelas
pessoas com deficiência visual por programas sintetizadores de voz, transformando-
se em áudio. Conheça o recurso que permite às pessoas com deficiência visual
“ouver” imagens:

Descrição do logotipo do evento “JANTAR ÀS ESCURAS”

Notas proêmias:

O logotipo do “Jantar às Escuras” é criação da designer Gabriela Teixeira da


Agência Papel Couchê Comunicação e Publicidade, do Rio de Janeiro, empresa que
concedeu apoio cultural ao evento. Foi elaborado para identificar o evento em
homenagem à influência dos negros africanos na diversidade cultural brasileira,
pelas comemorações do Dia da Abolição da Escravatura. O evento faz parte do III
Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural. Abaixo, roteiro para áudio-descrição
elaborado pela Profª Verônica Mattoso, com a consultoria do tecnólogo em redes de
computadores Marcio José Felipe.

Roteiro para Áudio-descrição:

Sobre um retângulo horizontal de fundo preto, medindo oito centímetros de


largura por cinco centímetros de altura, estão dispostos, na cor branca, os seguintes
elementos. Próximo à borda lateral esquerda, na posição vertical, o desenho de um
92

garfo; à direita, o de uma faca com a cerda virada para o lado de dentro. Entre o
garfo e a faca, um desenho estilizado de uma corda se inicia próximo à ponta da
faca, faz duas circunferências quase sobrepostas e termina com outra ponta, à
esquerda do observador, próximo ao cabo do garfo. Ao centro, estão inscritas, de
cima para baixo, com a mesma fonte, em letras maiúsculas, as três palavras
JANTAR ÀS ESCURAS, com a última palavra em destaque.

O “Jantar às Escuras” pelo mundo

Uma rápida pesquisa no Google com a tag “Dinner in the Dark” revela o
amplo interesse pelo tema, dando conta de mais de 210.000 resultados. Amplia-se o
escopo ainda mais, se utilizadas as expressões correlatas “Jantar às Escuras” e
“Jantar às Cegas” em português ou, nos idiomas inglês e francês, por exemplo,
“Dine in the Dark”, “Taste of darkness”, “Blind Dinner”, “Dark Table”, “Dans le noir”,
apenas para citar algumas.
A origem do conceito é creditada a diversas pessoas. Sob o título “Dark/Noir”,
o conceito teria sido apresentado ao público pela primeira vez em 1993 no festival
de teatro de Avignon, na França, por Michel Reilhac (ator, escritor, produtor e diretor
de teatro), influenciado pelo projeto “Diálogos no Escuro”, desenvolvido por Andreas
Heinecke desde 1989, na Alemanha, para reabilitar pessoas cegas. A ideia evoluiu
para a proposta “Dinner in the Dark”, uma jornada gastronômica que desafiava o
paladar e o comportamento à mesa, com garçons cegos servindo um jantar
surpresa, composto por quatro pratos, em completa escuridão.
No final da década de 1990, na Suíça, mais especificamente na cidade de
Zurique, o pastor Jorge Spielmann – que era cego – organizou um jantar às escuras
em casa: ao receber amigos videntes, propôs a eles vivenciar a experiência da
comensalidade de olhos vendados.
Logo, os jantares fechados evoluíram para o conceito de restaurantes às
escuras, como o O.Noir, fundado por Moe Alamedinne, no Canadá, o primeiro na
cidade de Montreal (2006) e o segundo em Toronto (2009), cuja equipe de
atendimento no salão é composta por garçons cegos e deficientes visuais.
Apesar de considerada uma atividade recente, ninguém duvida da dimensão
global desta modalidade de evento que pressupõe inusitada experiência sensorial
aos convidados: iniciativas vêm sendo empreendidas por todos os cantos do
93

planeta, do Oriente ao Ocidente, em países como Japão, China, Índia, Singapura,


Alemanha, Áustria, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Itália, Espanha e França.
Na América do Sul, destacam-se a Argentina e o Brasil com eventos realizados nas
cidades de Salvador, Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, entre outras.

Release elaborado pela Profª Verônica Mattoso, com quem podem ser obtidas mais
informações em: veronicamattoso@uol.com.br

FIM DO RELEASE

Para a realização do Jantar às Escuras tomou-se por base a estrutura a


seguir. No que tange às legislações e normas relativas à acessibilidade, para esta
ação tomou-se por referência, entre outros, no espectro internacional, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e a Convenção Internacional dos
Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) ratificada pelo governo brasileiro
por meio do Decreto Nº 6.949, de 25 de Agosto de 2009. Em âmbito nacional, a
Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), o Plano Nacional
dos Direitos da Pessoas com Deficiência – Viver sem Limite (BRASIL, 2011) e,
especialmente sobre a legislação brasileira relativa à acessibilidade, entre outras, as
leis nº 10.048 e 10.098, ambas do ano 2000, regulamentadas pelo Decreto 5.296, de
2004 (BRASIL, 2004); as normas NBR 9050\2004 e 15.599\2008 da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2004; ABNT 2008) a Lei nº 11.126/2005 (que
garante o direito de acesso e permanência das pessoas com deficiência em
ambientes de uso coletivo com o cão guia); na premissa “Nada sobre nós sem nós”
(CHARLTON, 1998; SASSAKI, 2007a, 2007b; AMARANTE e LIMA, 2009) que
pressupõe a participação das pessoas com deficiência em todas as iniciativas que
lhes digam respeito; e, por fim, no Guia de Acessibilidade em Eventos (INSTITUTO
MARA GABRILLI, 2012) publicado pelo Instituto Mara Gabrilli sob avaliação técnica
da Prefeitura da Cidade de São Paulo e a Cartilha de Orientação para o
Atendimento a Pessoas com Deficiência (REDE DE REABILITAÇÃO LUCY
SANTORO, 2009), iniciativa da Rede de Reabilitação Lucy Montoro em parceria
entre o Governo do Estado de São Paulo e publicada pela Áurea Editora.
94

Visando o acolhimento igualitário a todas as pessoas durante o Jantar ás


Escuras, a partir de compilação de dados de publicações diversas do IBDD –
Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (2008), do Instituto Mara
Gabrilli (2012a, 2012b) e da Rede de Reabilitação Lucy Santoro (2009), foram
realizadas diversas dinâmicas com os alunos, propondo melhores maneiras de
acolhimento visando minimizar as barreiras atitudinais. Foram as seguintes as 10
ORIENTAÇÕES NOTA 10:

10 ORIENTAÇÕES NOTA 10

1) Três características são imprescindíveis para quem vai desempenhar


atividades no acolhimento a pessoas com deficiência: naturalidade, paciência
e atenção.
2) É importante que todas as pessoas estejam preparadas para atender e se
comunicar com as pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida:
recepcionistas, seguranças, pessoal de limpeza, mediadores, entre outros. As
pessoas com deficiência devem ser recebidas e tratadas com a mesma
naturalidade com que se deve receber e tratar o público em geral. Elas não
são diferentes de nós, a não ser pelas eventuais limitações que a deficiência
lhes confere. Em geral, são independentes e prezam pela igualdade no
convívio (esperam ser tratadas sem diferenças). Se tiver dúvida sobre como
agir, pergunte.
3) Ajude se solicitado ou se observar que a pessoa está com alguma dificuldade.
4) Você jamais vai “colocar” ou “por” uma pessoa com deficiência em algum
lugar: no máximo irá conduzi-la e acomodá-la. Lembre-se: pessoas não são
objetos ou peças decorativas.
5) Em ambientes estruturados para audiovisual, as pessoas com deficiência
devem ter igualdade de acesso às informações como todas as outras
pessoas.
6) Com uma pessoa com deficiência visual: se quiser chamá-la, não pegue na
pessoa; apenas fale com ela própria e não com o/a acompanhante. Lembre-
se: esta pessoa somente tem um déficit no sentido da visão (a menos que
seja uma pessoa surdo-cega). Se for guiar uma pessoa com deficiência
95

visual, aborde-a oferecendo-se para que ela pegue no seu braço e disponha-
se sempre um passo à frente. Avise sobre obstáculos no caminho, orientando
degraus, direita, esquerda, em frente, ao centro e diagonal. Ao conduzi-la a
uma cadeira, indique o braço, o assento e o encosto. Se for conduzi-la ao
toillete, importante verificar a estrutura do ambiente e descrevê-la, orientando
o mictório, o vaso sanitário e a pia, alertando principalmente para pisos
molhados. Se estiver conversando com a pessoa com deficiência visual, avise
se for sair do local. Não acaricie um cão guia: o animal está trabalhando e a
carícia pode desviar-lhe a atenção.
7) Com uma pessoa com deficiência auditiva: apenas toque levemente em seu
braço se quiser falar com ela; não adianta falar mais alto e muito menos gritar.
Pergunte se ela lê os lábios, falando devagar e fazendo sinal apontando para
a boca. Se a resposta for positiva, fale normalmente (não precisa gritar),
lembrando-se de deixar sua boca visível, posicionando-se de frente e
utilizando também gestos e expressões faciais. Se for negativa, comunique-se
com ela por sinais ou por escrito. Se a pessoa estiver acompanhada de um
intérprete, mesmo assim, fale voltando-se diretamente a ela. Se você não
tiver fluência na Língua Brasileira de Sinais (Libras), não tente inventar uma
nova língua: certamente você não será compreendido (a), pois ao invés de
favorecer a comunicação, terá criado ruídos, gerando desinformação.
8) Com pessoas com deficiência física: só empurre uma cadeira de rodas se for
solicitado. Procure caminhos sem obstáculos. Se for ajudá-las a descer uma
rampa inclinada demais, prefira a marcha ré, evitando que a pessoa perca o
equilíbrio e caia para a frente. Mas somente faça isso se tiver conhecimento
para tal; jamais coloque a pessoa em risco. Não se apóie na cadeira: ela é
como uma extensão do corpo da pessoa que a utiliza e você pode atrapalhar
os movimentos dela. Jamais retire a pessoa com deficiência da cadeira de
rodas, pois, além de riscos de ocasionar transtornos ou quedas, você pode
estar sujeito a causar ou sofrer constrangimentos. Numa conversa rápida,
você pode se abaixar até a altura da cadeira; se a conversa for prolongada,
sente-se. Nas duas situações, o objetivo é ficar no mesmo nível do olhar da
pessoa que faz uso da cadeira de rodas.
96

9) Com pessoas com deficiência intelectual: dirija-se a elas normalmente;


dependendo do nível de deficiência elas poderão compreender plenamente.
Caso seja necessário, dirija-se ao acompanhante.
10) Na comunicação com as pessoas com deficiência, não se intimide em utilizar
palavras como “ouça”, “veja”, “olhe” e “corra”: elas compõem expressões com
as quais este público lida e utiliza cotidianamente.

Capacitados para acolher o público no Jantar às Escuras, alunos e


professores partiram para a realização do evento, a partir do Documento Final de
Pré-produção (Apêndice 3).
A seguir, apresenta-se a entrevista concedida pela pesquisadora à Rádio
MEC do Rio de Janeiro, pouco minutos antes de o evento se iniciar.
QRCODE DA ENTREVISTA CONCEDIDA À RÁDIO MEC
POUCOS MINUTOS ANTES DE INICIAR O JANTAR ÀS ESCURAS

Em caráter documental, publica-se o texto da matéria publicizada no site do


Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, logo após a realização do evento. Como na
publicação anterior, este texto também está em itálico.

Matéria sobre o Jantar às Escuras publicada no site do Fórum de Ciência e


Cultura da UFRJ

Uma luz de acesso no Jantar às Escuras


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as-escuras

Publicado em Segunda, 18 Maio 2015 21:51 - Site do Fórum de Ciência e Cultura da


UFRJ

Paladar, tato, olfato, audição, o aspecto sensorial e os sentidos complementares à


visão puderam ser vivenciados por cerca de cinquenta convidados durante um
Jantar às Escuras promovido por alunos do curso de gastronomia da UFRJ, dia 13
de maio, e que fez parte do III Encontro Nacional de Acessibilidade Cultural, no
Fórum de Ciência e Cultura.

Durante duas horas, todos permaneceram com os olhos vendados – desde a


entrada no salão do evento até o final do jantar - experimentando o cotidiano das
pessoas com deficiências visuais. As barreiras físicas como um simples sentar à
mesa ou posicionamento dos copos para o alcance das mãos tornaram-se tão
inusitadas quanto descobrir quem e quantas pessoas estavam ao seu redor, à mesa.

O cardápio temático cabo-verdiano ia sendo conhecido pelos convidados à medida


que os garçons (alunos de gastronomia) serviam, sempre no conceito conhecido
como finger foods (pequenas porções). A escolha da culinária foi alusiva à data do
evento – 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura no Brasil – homenageando a
influência africana na diversidade cultural brasileira. E, especialmente, incentivando
a troca de experiências com o aluno do curso de gastronomia, Ernani Moraes,
responsável pela elaboração dos pratos, que é de Cabo Verde e apresenta perda da
acuidade visual.

A adaptação à nova realidade, mesmo que momentânea, suscitou reações as mais


inesperadas. Perguntas como: "Já fui servido?", "É pra comer com a mão mesmo?",
"O que estou comendo?", se repetiam por todas as mesas.
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Em meio aos gestos comedidos e robóticos, muitas salvas de palmas e sensação de


vitória pessoal quando cada um acertava os ingredientes de cada prato que acabara
de ser servido, e que eram revelados pela professora Verônica Mattoso.

Ao final do “Jantar às Escuras”, aliviados por removerem a venda, emoção e


confraternização entre todos e uma certeza expressa nas felicitações ao chef Ernani:
a compreensão sobre as infinitas possibilidades do ser humano.

FIM DA MATÉRIA

Escutatória Sensível: De acordo com os alunos, a participação no Jantar às


Escuras foi a maior oportunidade de vivência que tiveram em termos de aprendizado
relacionando a gastronomia à abordagem da deficiência. E a resposta a este
impacto foi trazida nas provas e nos trabalhos realizados em grupo logo após a
realização do evento gastronômico de sensibilização.
Zero de perda: Importante destacar que, neste evento, não foi quebrado nem
um copo sequer. Chamou a atenção o fato de que, em estando com os olhos
vendados, as pessoas tiveram atenção redobrada!

4.1.1.1.4 Acessibilidade em Gastronomia pela primeira vez no XII Congresso de


Extensão da UFRJ

Ainda na UFRJ, outras ações foram empreendidas, como a orientação para


apresentação do trabalho número 347 no XII Congresso Extensão sobre o destaque
da acessibilidade comunicacional no V Forum Gastronomia, Saúde e Sociedade. A
apresentação foi feita pela aluna Mariana Santos que participou da equipe
organizadora do V Fórum como voluntária.
No V Fórum, entre outros temas, debateu-se a Acessibilidade
Comunicacional em Gastronomia com enfoque principal dado à necessidade de
informação para o rompimento de barreiras atitudinais quanto à participação e
inclusão das pessoas com deficiência no universo da Gastronomia, tanto sob os
aspectos mercadológicos quanto acadêmicos.
A “Mesa da Acessibilidade” foi composta pelo Prof. Francisco José de Lima
da Universidade Federal de Pernambuco – pioneiro nos estudos da áudio-descrição
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no Brasil – e pela chef surda (como ela própria se designa) Elaine Encinas – gestora
de uma empresa de gastronomia de eventos na qual todos os colaboradores são
surdos.
Pela quebra de paradigmas e pelos esclarecimentos trazidos por ambos, a
“Mesa da Acessibilidade” conquistou a preferência do público participante do evento
que, pela primeira vez, contou com os recursos de LIBRAS e áudiodescrição.

4.1.1.1.5 Imagem da Gastronomia, acessível e acessável

Nesta atividade, a pesquisadora atuou como audiodescritora, na produção de


roteiro para audiodescrição, gravação e publicização da fotografia “Temperos”,
vencedora do Concurso de Fotografia “Imagens da Gastronomia” realizado durante
o V Fórum Gastronomia, Saúde e Sociedade. Esta ação envolveu o aluno Leonardo
Martins, autor da fotografia. A produção técnica para criação do QR CODE e
publicização da fotografia acessível e acessável foi desenvolvida em parceria entre a
pesquisadora e a colega do Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural, a
jornalista Ana Letícia Ribeiro.

4.1.2 OUTRAS AÇÕES ACADÊMICAS

Apresentadas as ações empreendidas na UFRJ, seguem listadas outras


atividades desempenhadas pela pesquisadora, fora dos muros da Universidade, a
saber: palestra “Gastronomia, Eventos e Acessibilidade” na Universidade Augusto
Motta (UNISUAM), no Rio de Janeiro, no dia 26 de maio de 2015 e a apresentação
de trabalho no I Encontro Nacional de Áudio-Descrição em Estudos, ocorrido em
Colatina, Espírito Santo, em janeiro de 2015.

4.1.3 AÇÕES DE APRENDIZAGEM

Objetivando novos conhecimentos, com vistas à prática pedagógica e


atividades de cidadania a partir da abordagem da deficiência, além da participação
em diversos encontros e eventos acadêmico-científicos relacionados à
acessibilidade, entre as Ações de Aprendizagem destaca-se o ingresso da
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pesquisadora no Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural da UFRJ. Os


primeiros resultados desta ação estão explícitos nas páginas deste TCC.

4.1.4 AÇÃO DE CAPACITAÇÃO

Representando uma Ação de Capacitação, destaca-se a realização de uma


dinâmica para profissionais de uma empresa de gastronomia de eventos objetivando
o atendimento igualitário a todos os participantes de um casamento realizado no Rio
de Janeiro no dia 27 de dezembro de 2014: além da noiva ser uma pessoa com
tetraplegia, grande parte dos convidados eram pessoas com algum tipo de
deficiência. A atividade ganhou destaque na mídia local.

4.1.5 AÇÕES DE CIDADANIA

Encerram as atividades da pesquisadora em ação, outras duas Ações de


Cidadania: a palestra “O Gosto de Agosto para todos os Gostos”, realizada para
empresários do setor de gastronomia da cidade de Saquarema (RJ), por ocasião da
abertura da VIII edição do evento “O Gosto de Agosto” (julho de 2015) e a palestra
de sensibilização para a questão da acessibilidade realizada na empresa ARE
Embalagens, no Rio de Janeiro, por ocasião da SIPAT – Semana de Prevenção aos
Acidentes no Trabalho.

A seguir, a pesquisadora analisa esta primeira parte da pesquisa empírica.

4.1.6 ANÁLISE DA PESQUISA-AÇÃO

Seguindo o que fora anunciando no capítulo 2, da Metodologia, a


pesquisadora se apropriaria do conceito de informação como ferramenta
metodológica, o fio por meio do qual iria constituir o “tear epistemológico”
(GINZBURG, 1989) para a análise dos conteúdos da pesquisa empírica, em busca
dos indícios para sustentar suas inquietações quanto à relevância dos estudos da
acessibilidade nos cursos de gastronomia, em especial, no Curso de Bacharelado
em Gastronomia da UFRJ, conforme apresenta-se.
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A análise está focada no aspecto da aprendizagem dos alunos que com a


pesquisadora participaram das ações apresentadas nesta parte do trabalho, em
especial o Jantar às Escuras, pelo impacto ocasionado no corpo discente.
Como expressou Savarin: “O Universo não é nada sem a vida. E tudo o que é
vivo se alimenta”. E se o homem, para manter-se vivo se apropria de substâncias
para alimentar o corpo, ele também o faz para alimentar a alma. Sendo a
Gastronomia, ao lado da Educação, uma das mais significativas atividades
humanas, conforme expressou Hipólito-Reis, é certo afirmar que justifica-se a vida
também a partir do que disse Norbert Winner: “Viver de fato, é viver com
informação”.
Traçando um paralelo a partir da noção de comensalidade, é possível afirmar
que o resultado das ações empreendidas reunindo todos os agentes envolvidos em
prol da acessibilidade, caracterizam uma nova forma de comensalidade, a partir da
abordagem da cultura e de todo o potencial que dela emana: uma “comensalidade
informacional”, fruto do aprendizado compartilhado por todos como alimento da
alma. Todavia, a “comensalidade informacional” impulsiona. Para agir. Para
transformar. Para transmutar. Agir demanda demasiada responsabilidade.
O que se pode depreender do que fora vivenciado nesta etapa da pesquisa
empírica, desdobra-se a seguir, sob abordagem conceitual da Ciência da
Informação.
O “fluxo informacional” tem sido objeto de estudos permanentes na Ciência da
Informação por diversos pesquisadores, entre os quais Michel Menou (1995).
Contudo, para esta pesquisa, tomou-se por referência, principalmente, o
pensamento de Barreto, para quem a condição da informação é a de harmonizar o
mundo (2002, p. 70).
O “fluxo informacional” é composto pelos seguintes elementos destacados por
Barreto: dado, informação, conhecimento, inteligência e saber.
Os dados podem ser caracterizados por “fatos, idéias e produtos de
sensibilidade humana, institucionalizados ou não, que se transformam em um
estoque de informação”. A informação seria um “instrumento modificador da
consciência do homem” que, “quando adequadamente apropriada, produz
conhecimento e modifica o estoque mental de saber do indivíduo; traz benefícios
para seu desenvolvimento e para o bem-estar da sociedade em que ele vive”.
Barreto entende por conhecimento, “um fluxo de acontecimentos, isto é, uma
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sucessão de eventos” que “se realizam na mente de algum ser pensante e em


determinado espaço social. É um caminho subjetivo e diferenciado para cada
indivíduo”. (BARRETO, 2002, p. 68-70)
Sobre inteligência, Barreto assim se refere: “supõe-se a ação de introdução
dinâmica de um conhecimento assimilado na realidade do receptor; pode ser
caracterizada como uma ação social, política, econômica ou técnica”. Acredita o
autor que a inteligência “representa um conjunto de atos voluntários pelo qual o
indivíduo re-elabora seu mundo e tenta modificar seu espaço”. O saber caracteriza-
se pelo conhecimento que o indivíduo “aceitou e acumulou nos recipientes de sua
mente. É um estoque que se pode chamar para re-elaborar. É um acervo pessoal;
mas em uma comunidade adiciona-se, implicitamente, para dar sinais do estado de
aprimoramento ou desenvolvimento social e cultural atingidos. (BARRETO, 2002, p.
68)
Barreto (2002, p.71) esclarece que nos extremos deste fluxo informacional, há
dois momentos, quais sejam, “o da criação e o da assimilação da informação” e
evidencia o que acontece nesta situação: “estes dois momentos traduzem um
desenrolar ritualístico; fazem parte da essência mais rara e surpreendente da
transferência da informação: a (in)tensão da passagem e a solidão fundamental”,
esta última caracterizada por Barreto – fundamentado em Ricoeur (1976) – como
uma condição de todo ser humano. E desenvolve seu pensamento:
O ritual de passagem de uma estrutura de informação de seu agente
emissor para o receptor é um acontecimento admirável, pois se relaciona a
uma intenção de passagem e a solidão fundamental de todo ser humano. O
momento de intencionalidade aparece como atributo de uma mensagem de
informação ao ser propositadamente direcionada, de ser arbitrada para
atingir seu destino; esse direcionamento intenso produz tensão, que é
criada pela interação de competências distintas existentes nos diferentes
mundos: o mundo do emissor da mensagem e o mundo de referências do
receptor, colocado em sua realidade de convivência e para onde o
conhecimento se destina. (BARRETO, 2002, p. 71)

O pesquisador relaciona o ritual de passagem da informação a uma cerimônia


com ritos próprios:

É por meio da informação produzida, com a ajuda de um sistema de signos,


que o homem procura relatar sua experiência vivenciada para outras
pessoas; espalhar a outros sua experiência, que foi experimentada só por
ele; que se processou no âmago de sua condição privada de criação
individual e que se desloca para a esfera pública de uma significação, que
se deseja, seja coletiva. Todo ato de conhecimento associado ao conteúdo
simbólico de uma estrutura de informação é uma cerimônia com ritos
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próprios, uma passagem simbólica, mediada por uma condição de solidão


fundamental tanto para o emissor quanto para o receptor da informação,
uma cerimônia que acontece em mundos diferentes. (BARRETO, 2002, p.
71)

Considerando todo o exposto por Barreto – e relacionando os conceitos


apresentados ao que aqui denominou-se fluxo informacional – é possível
compreender o pensamento do autor no que tange à transmutação social, refletida
pelos alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia que participaram das ações
para este trabalho desenvolvidas:

A transmutação social ocorre quando há formação de nova espécie por


meio de mutações, pode ser vista como uma reconstrução de estruturas
significantes; uma transformação que ocorre mediante uma reação de
mudança de uma estrutura em outra. Alcançada em sua plenitude quando
muda o modo de pensar do indivíduo, seu grupo ou uma sociedade através
da difusão de um novo conhecimento. [...] Como no mito de Orfeu, a
informação em seus momentos de passagem é cidadã de dois mundos,
com direção, mas carregando enorme tensão no ritual de passagem. No
entanto, é nos momentos de passagem que o fenômeno da informação
apresenta sua característica mais bela, pois transcende ali a solidão
fundamental do ser humano: o pensamento se faz informação e a
informação se faz conhecimento. (BARRETO, 2002, p. 70-71)

É possível afirmar, portanto, que o ritual de Barreto se fez no grupo de ações


empreendidas pela pesquisadora para e com os alunos da UFRJ (e para e com
outros “agentes parceiros”, todavia somente serão especificadas as primeiras, pelo
escopo do trabalho).
O ritual iniciou-se quando a professora-pesquisadora a partir de seu
“conhecimento tácito” (NONAKA, TAKEUCHI, 1997, p. 68) buscou sensibilizar os
alunos para a questão da acessibilidade e, simultaneamente, na oportunidade de
aprender, na prática, a adequar os conteúdos de aula para os alunos com limitações
visuais. Por tratar-se de adequações de estruturas somente possíveis de serem
“apreendidas” pelo sentido da visão, os recursos do Power Point acessível e da
audiodescrição constituiram-se como mecanismos capazes de tornar os conteúdos
acessíveis e acessáveis, em função da limitação sensorial.
Para criar as novas estruturas acessíveis, empenhou-se a pesquisadora em
realizar uma análise detalhada dos conteúdos a serem adaptados, reestruturados
como nova fonte de informação, para então ser disponibilizada (a pesquisadora no
papel do emissor – conhecimento tácito). Em sua solidão fundamental – tendo
apreendido todo o conteúdo relevante a ser reestruturado – codifica e emite o que
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deveria ser compartilhado com os alunos, dando origem a um primeiro documento


de representação, codificado com base no Desenho Universal em palavras
apresentadas com fontes grandes para representar o conteúdo informacional
(mensagem). Aqui percebe-se o conhecimento explícito (NONAKA, TAKEUCHI,
1997, p. 68) de modo acessível.
A segunda etapa consistiu em “socializar” (NONAKA, TAKEUCHI, 1997, p.
69-71) compartilhar, em sala de aula, com o receptor o documento codificado.
Como criadora de um novo “Bem Cultural”, a pesquisadora personifica diante
dos alunos o “Saber Fazer”, e “amplia”, desse modo, a experiência de “ver” e
“traduzir” entre os diversos envolvidos na tarefa de tornar um produto/aula acessível
e acessável.
“Combinando” os olhares e escutares de todos os envolvidos foram
minimizados os impactos do inacesso aos conteúdos da cultura gastronômica e
minimizados os potenciais erros de “leitura” pela exclusão. Portanto, a conclusão
desta etapa é a externalização (NONAKA,TAKEUCHI, 1997, p. 75-77): a emissão de
uma nova mensagem agora codificada de modo acessível e acessável.

A partir das novas estruturas, todo o processo pode então ser “internalizado”
(NONAKA,TAKEUCHI, 1997, p. 77-79), re-inserido no fluxo informacional.
Concluído o processo, todos os envolvidos podem apropriar-se do novo
aprendizado acerca da acessibilidade e compartilhar, socializar. Quando um novo
“agente do conhecimento” se apropriar é possível dizer que inicia-se uma espiral
(ROBREDO, 2011): por meio do conhecimento tácito de um determinado indivíduo,
a noção de acessibilidade foi socializada, externalizada, combinada, internalizada e
agora, explícita, poderá chegar a outras pessoas que também darão inicio a um
novo processo de socialização, externalização, combinação, internalização,
gerando, o que Nonaka e Takeuchi definem também, assim como Robredo, como a
espiral do conhecimento. (NONAKA,TAKEUCHI, 1997, p. 82).
Volta-se a Nonaka e Takeuschi (1997), para refletir acerca de uma importante
dimensão que jamais pode ser desconsiderada em qualquer empreendimento,
principalmente no que se refere à inovação: o tempo. Tempo remete a evento.
No escopo da acessibilidade, o Jantar às Escuras, como um evento cultural
gastronômico - portanto, informação – trouxe grande impacto para os envolvidos.
Havia naquele evento, muitos itinerários a serem percorridos, mas o grupo,
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empoderado, habilitado, assumiu o desafio. E transmutou. E promoveu a


possibilidade de acesso à informação cultural que caracterizava a ponte entre Brasil
e Cabo-Verde diante de todos expressa pela gastronomia. É possível dimensionar
esta espiral? Ocasionada por um único evento? Quantos envolvidos? Quantos
potenciais de transformação?

McGarry contribui para esclarecer a noção de evento:

Em geral, usamos o termo para algo que acontece em um breve espaço de


tempo. Nossas vidas são relativamente curtas se comparadas com o mundo
ao nosso redor, por isso tendemos a notar coisas que mudam rapidamente,
ou que possuem um tempo de existência muito menor que o nosso.[...] Na
maioria dos casos são pacotes de informações ou estímulos que a realidade
impõe à nossa percepção. (MCGARRY, 1999, p. 7)

Fazendo distinção entre eventos internos e externos, propondo que um


evento interno pode ser, por exemplo, o ronco do estômago de uma pessoa,
enquanto um evento externo é quando alguém chama a atenção para uma
determinada coisa, segundo McGarry, os exemplos podem até parecer tolos à
primeira vista, contudo, “uma parte essencial de nosso desenvolvimento quando
criança está em poder distinguir entre nós e nosso meio ambiente, distinguir entre
eventos no mundo interior e exterior. Assim começamos a organizar os eventos da
experiência em internos, externos, do passado recente ou do futuro antecipado”
(MCGARRY, 1999, p. 8).

Equiparando o Jantar às Escuras a uma exposição cultural gastronômica, faz-


se necessário refletir sobre o conceito, como apresenta Carvalho apoiada em Véron
e Levasseur:
[...] A mídia exposição pode ser caracterizada como um dos “massmedia”
cuja ordem dominante, aquela que define sua estrutura de base, é a ordem
metonímica: a exposição se constitui como uma rede de conexões no
espaço, temporalizada pelo corpo significante do sujeito, logo passível de
apropriação. (VÉRON; LEVASSEUR, 1989, p. 27 apud CARVALHO, 2000,
p. 133).

Fazendo analogia entre o Jantar as Escuras e uma “obra de arte”, do ponto


de vista da Memória e sob a abordagem da comunicação, remete-se a Carvalho que
complementa seu pensamento acerca do conceito de exposição, destacando o
compromisso do idealizador/realizador com a “obra de arte” em destaque, a partir de
um outro autor: “segundo Horta, ‘no processo de comunicação museológica, os
objetos não falam por si’, a realidade da peça não existe em si, depende do sentido
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que o idealizador da exposição lhe atribui e depende de como ela é apreendida pelo
visitante”. (HORTA, 1994, p. 24 apud CARVALHO, 2000, p. 133)

Apresentadas as noções de exposição como evento e de exposição como


meio de comunicação, restavam ainda reflexões sobre as características do público
que teria a oportunidade de fruição a partir do acesso ao Jantar às Escuras.
Retomamos a Carvalho para a noção de público/visitante de uma exposição, o qual,
para a autora, “é o receptor das mensagens elaboradas pelos curadores da
exposição”. Para desdobrar os aspectos das mensagens dirigidas ao público-
visitante pelos curadores, Carvalho busca aporte teórico em Knez:

A fim de trazer o máximo de clareza à mensagem verbal, um exibidor


também emprega meios complementares tais como diagramas, mapas,
fotografias, modelos, todos entrelaçados aos objetos do museu
cuidadosamente selecionados para proporcionar mensagem satisfatória.
Por meio de habilidades artísticas e de design, o impacto da mensagem –
sua cognição intelectual e força emocional – é significantemente
intensificada. Num museu aberto a todos os recursos agora disponíveis
para enriquecer a cognição intelectual e a cognição intuitiva, o visitante é
premiado com o tipo diferente de comunicação que só museus podem
proporcionar. (KNEZ, 1970, p. 209 apud CARVALHO, 2000, p. 134)

Tomada a decisão pela realização do Jantar às Escuras, como uma etapa


desta pesquisa acadêmica, ainda que a pesquisadora reunisse experiência em
produções culturais e alguma vivência com pessoas com deficiência visual, partiu-se
em busca de indícios que norteassem a montagem do evento, fazendo-se
necessário, portanto, refletir acerca das particularidades que poderiam envolver os
aspectos organizacionais e comunicacionais.

A escolha pela realização de um evento cultural gastronômico objetivando a


de sensibilização para questões da acessibilidade colocou todo o grupo diante dos
desafios impostos pelas inovações advindas das TICs neste início de Século XXI,
como já havia prenunciado McGarry (1984, p. 150): “o âmago dos nossos problemas
contemporâneos de informação é a crescente complexidade da sociedade [...].
Quanto mais coesa e intrincada for a sociedade, mais informação se gera;
reciprocamente, mais informação se torna necessária para lubrificar as engrenagens
da sociedade e salvaguardar os direitos e o bem-estar de seus membros”.

Para McGarry, “a mensagem pode ser imediata” comparando-a com a


“comunicação direta”; ou pode ser “mediata, como na escrita, gravação musical ou
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obras de artes” (MCGARRY, 1984, p. 20). Para que possa chegar ao receptor, “a
informação, portanto, deve ter alguma forma de veículo”, o qual “deve possuir um
atributo essencial para que possa ser compreendido pelo receptor. Deve ser
discriminável”. McGarry assim traduz: “é preciso que o receptor possa distingui-lo
dos fenômenos que o cercam”. E classifica os sinais, os signos e os símbolos como
veículos para a transmissão de informações (MCGARRY, 1999, p. 12).

Especificamente relacionada ao objeto de interesse desta etapa da pesquisa,


de acordo com McGarry, podemos compreender o Jantar às Escuras como um
veículo ou um canal por meio do qual “transitaram” símbolos, “um tipo especial de
signo” que “representam um objeto, ideia ou evento” e cuja “intenção é causar o
mesmo tipo de reação emocional, como se o que representam estivesse presente”.
McGarry enfatiza que, “ao contrário do signo, o símbolo destina-se a ter significado
duradouro, que o transcende” e aponta que “o aspecto fundamental a respeito de
símbolos é que são representações, culturalmente construídas e aceitas, de coisas,
ideias e aspirações. Seus significados dependem inteiramente do grupo social que
os utiliza” (MCGARRY, 1999, p. 13)

Para o que se pretendia com a realização do Jantar às Escuras, mergulha-se


um pouco mais profundo:

A relação entre o símbolo e seu referente é em geral arbitrária, ou seja, ele


pode não ter qualquer semelhança com o que representa. Os símbolos
icônicos são exceções que, como a raiz ICOM indica, tem uma semelhança
sensorial com o que representam[...]. O uso de símbolos é uma
exclusividade do cérebro humano (isso é discutível). Podemos transformar
informação sensorial em formas simbólicas: a música e as artes em geral
são provas deste poder criativo. Por conseguinte, podemos posicionar-mo-
nos fora de nós mesmos e tomar consciência de nosso efeito sobre outras
pessoas. O homem é o historiador de suas próprias experiências. A criação
de um mundo de experiências registradas implica compartilhar experiências.
Esta experiência não pode ser compartilhada a não ser que seja
comunicada por meio de signos ou símbolos.” (MCGARRY, 1999, p. 14)

O primeiro desafio vivido pelo grupo era organizar o canal por onde os
elementos simbólicos do “Jantar às Escuras” deveriam “transitar”, a fim de que
chegassem às pessoas de modo a, de fato, sensibilizá-las. Volta-se a McGarry para
iluminar o percurso: “ordem é a primeira lei do universo, escreveu Alexander Poppe,
poeta do século XVIII”, enquanto “desordem é a própria antítese de informação”.
Assim, “localizar um evento no tempo e no espaço é o primeiro passo essencial para
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colocá-lo em ordem. Esta ordenação ‘espacio-temporal’ forma a base das


classificações do conhecimento e das informações humanas, qualquer que seja a
forma que assumam.” (MCGARRY, 1999, p. 8)

Tempo e espaço são, portanto, “os contextos básicos dos processos de


raciocínio”; “a essência de nossa humanidade”, segundo McGarry. E sobre o tempo,
em especial, ele traça diversas características: é a “nossa mais fundamental e
primitiva experiência do mundo” que significa transformação; “um fluxo unidirecional
que aponta como uma flecha para o futuro. O tempo é uma experiência a ser
ordenada”. (MCGARRY, 1999, p.8).

E por que devemos dar tanta atenção à organização das experiências?


Segundo McGarry, porque “experiências ordenadas são as que suscitam o menor
número de dúvidas em nossas mentes”. Ao contrário, se as experiências estiverem
desordenadas, “simplesmente, as transferimos para uma categoria que rotulamos
insignificante [...]” (MCGARRY, 1999, p.8).

“Os Seis Criados Honestos” do famoso escritor do Século XIX, Rudyard


Kipling, são citados por McGarry, trazendo mais uma pista ao processo de
organização do Jantar às Escuras: “Tenho seis criados honestos; ensinaram-me
tudo que sabia. Seus nomes são: que e porque, quando e como e onde e quem”.
(MCGARRY, 1999, p. 8).

Importante ressaltar que os criados de Rudyard também fundamentam a


estrutura dos textos jornalísticos relativos ao Jantar às Escuras. Entretanto, com
relação ao fluxo informacional e comunicacional que envolve uma produção cultural
gastronômica, por exemplo, acreditamos importante refletir sobre a possibilidade de,
aos seis criados, jamais nos esquecermos de associar mais um: o “para quem”,
representado pelo usuário da informação, como aliás, já havia sido proposto pelo
próprio McGarry, em 1984, quando discorreu sobre à tríade
tecnologia/informação/necessidade social, à tendência, à fragmentação e à
diferenciação da experiência: “O objetivo duma profissão de informação não deveria
consistir em utilizar os seus meios para criar um consenso uniforme monolítico, mas
para engendrar uma simpatia informada entre aqueles que partilham um espaço e
um tempo comuns, e que, em última análise, dependem uns dos outros”
(MCGARRY, 1984, p. 154). E complementa: “Um programa futuro terá de basear-se
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num entendimento interpretativo do pensamento das pessoas; de como e por que


procuram elas a informação; as necessidades de informação não devem ser
separadas das necessidades habituais do indivíduo nas sociedades”. (MCGARRY,
1984, p.158).

Conclui-se então a reflexão sobre a organização do Jantar às Escuras, a


partir de um pensamento simples de McGarry (1999, p. 11). Segundo ele, “o bom
senso é um dos mais poderosos sistemas de ordenação que possuímos.[...] É muito
procurado e estudado por cientistas, historiadores e cientistas sociais”.
Num amplo espectro, analisando os fatos, a Espiral do Conhecimento
envolveu de modo eficaz todos os que participaram das ações desta etapa da
pesquisa. As respostas vieram nas provas e nas páginas dos trabalhos realizados
em grupo: desde que iniciaram-se as ações de sensibilização para a questão da
acessibilidade, sempre houve algum grupo (ou vários, ou todos de uma mesma
turma) que abordasse os aspectos da acessibilidade, ainda que a abordagem não
fosse solicitada como requisito.
Num recorte especial, favorecida a interação entre os alunos com limitações
visuais e os demais colegas de Curso, é possível afirmar o emergir de um ambiente
de aprendizado enriquecido pela inclusão. A partir de atitudes tão simples, foram
quebradas as barreiras atitudinais e comunicacionais. Empoderados, os dois alunos
com limitações visuais reverteram a condição de “deficientes ocultos” e agora rumam
em direção a um futuro mais justo e igualitário para todos. Juntos, estão escrevendo
esta página na história de suas vidas, mediados pelo aprendizado da paciência, do
diálogo e da compreensão.
Sobre o impacto humano advindo do acesso às práticas de acessibilização,
publica-se no final deste capítulo o depoimento do aluno Ernani Morais. O estudante
africano, de Cabo Verde, veio para o Brasil a partir do projeto “UFRJ Sem
Fronteiras”, exclusivamente para cursar Gastronomia, estando hoje no quinto
período. Ainda aprendendo a codificar e expressar o pensamento com o “português
que se fala no Brasil”, o texto de Ernani segue na íntegra, sem edições, como forma
de aprendizado, pois que revela uma forma de expressão cultural que mistura
também o crioulo cabo-verdiano:
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“Eu sou Ernani Lima Morais, nacionalidade caboverdiano, 27 anos, estudante do


curso de barcharelado em gastronomia na Ufrj. Tenho glaucoma (pressão ocular),
então no meu caso é hereditario. Tenho varias pessoas na minha familia que
perderam a visão jovem e adultos. Na minha infancia via a deficiência como algo
que numca podia me atingir , mas com 15 anos de idade passava por vários
problemas de saúde, dor de cabeça, o que era já corriqueiro no meu dia a dia devido
ao glaucoma.
Assim me passaram para consultar no oftalmologista. Esperei um ano na fila para
essa consulta. Assim, consultei com doutora Lidia que fez exames e detetou que
era glaucoma. Naquela época jovem no meio de um depressão, ela me receitou
colirio, oculos de grau entre as devidas recomendações, acompanhamento que
demorava muito tempo devido a fila porque Cabo Verde tem muitas pessoas com
perda e outras com deficiencia visual e poucos profissionais da aérea.
Mesmo assim conclui o decimo segundo ano, consegui a vaga para vir estudar no
Brasil, tentava fugir da minha rotina quer dizer do glaucoma, da pena, de ser visto
pelos outros como coitado. Vi essa oportunidade como o ideal (deixar de ser
coitado) quando fui aprovado para a UFRJ. Assim, para vir, resolvi deixar os oculos,
o colírio, os exames medicos em Cabo Verde sonhando que tudo ficaria para traz o
medo de alguem aqui ter pena também pesava, para não ser inferior aos meus
colegas queria esconder tudo e escondi.
Mas me custou, no final do segundo periodo da faculdade perdi uma disciplina e
tava quase perdendo todo o periodo comprometendo minha vaga e perdi minha
bolsa, porque era muita dor de cabeça, passava muito mal, isso me afetava muito
emocionalmente que emagreci muito não tinha apetite. Foi para o hospital varios
vezes fiz um pilha de exame viram que tinha gastrite gastrica nervosa, mas eu não
falava do glaucoma para não ouvir essa palavra ´´cuitado como vai ser seu futuro
não tem cura´´ .
Mas foi para são paulo porque estava muito mal, ai tinha alguém que ja me conhecia
perguntou dos meus oculos pronto hora da verdade, falei que deixei la, ai teve que ir
para um oftalmologista na mesma hora, fiz exames ai vem oculos, colirio e receita
para pedir que eu fosse tratado 4 em 4 meses no HU o que não consegui.
Assim fiquei sem fazer tratamento comecei o terceiro periodo com aquelas mesma
historia não falava nada , mas sofrendo com os artigos com letras muitos pequenas,
pawer point com fundo claro e letras em negrido sofrendo muito,``falo nada, não
111

quero encomodar vai que eles me mande de volta´´ e além de perder aquel eu
idealizado que trouxe comigo.
Assim na disciplina de comunicação em gastronomia e a disciplina de etiquetas
algumas coisas foram mudando, eu sem falar nada, até um dia foi chamado pela
professora. Ela me perguntou tenho visto voce limpando lagrimas, baixando a
cabeça, tirando os oculos e colocar de novo, tá com algum problema, eu falei sem
dar muito aprofundamento. A professora criou um jantar as escuras (pratica de
acessibilidade em gastronomia) onde era trabalho da turma de etiquetas junto com a
professora escolher o cardapio .
Por unanimidade foi escolhida o cardapio cabo-verdiano sugestão de um aluno
também da turma nossa foi a minha salvação vi como tudo o pessoal interesou pelo
projeto, a preocupção de todos como fazer o que fazer .
Conheci o marcos felipe que não ve que meche com a informatica, aquilo foi um
empurão, também os conteodos das aulas, os materiais, a preparação desde a
estrutura do local ate o serviço em que tudos tiveram que pensar e atraves de leis
vigentes, literaturas, espriença proporcionada a cada um da turma com um venda
nos olhos e circularam pelo bloco N para ver o que era estar sem a visão. Foi
muitos tabus que cairam por terra ali.
O jantar foi um sucesso trabalho de todos, professores que disponibilizaram, alunos,
colaboradores em fim meses de empenho e dedicação, ´´eu ´´prestando atenção em
tudo e todos.
No meio de todo isso foi abrindo com a professora, mostrando as dificuldades e ela
começou a interferir diretamente no meu caso, me apresentou os progras de
assecibilidade na internet, instalou nvda, drok box no meu computador, começou
aprocurar ajuda para que eu podesse ser atendido pelo oftalmologista, mas uma
colega da sala mesmo falou com a tia dela ai comecei a tratar onde deparam com
um pressão bem alta nos meu olhos.
Ja naquele periodo a professora se desponibilizou em ler e gravar os texto para que
eu podesse aconpanhar os texto em pdf que o programa não conseguia ler. No
quarto periodo logo no inicio ela pegou os meus textos, não sei como mas ela
organisou grupo de ledores eu recebia os texto para escutar no meu email.
Pedi para outros professores alguns atenderam o meu pedido de aumentar a letra
dos texto o que nas de etiquetas e comunicação era feite desde o iniçio.
112

Hoje posso dizer estou desconstruído o meu eu idealizado e deixado o meu proprio
eu avançar. Essas ferramentas que me forram dadas foi a agua no meio do deserto
ja estava desanimado pensando em desistir, mas me reerguerram. Varios pessoas
usam palavras desmotivantes com... não posso fazer, não sei, na faculdade tem que
ler, cara se não consegue e melhor desistir ou seja as pessoas não estão
preparadas e não procuram se informar e auto-formar para o tal ja que eles se sente
bem, mesmo estando mais dificiente do que o que possui algum impedimento ou
mobilidade redosida de execer algo.
Posso falar isso porque estava cego de pré-conceito, me isolanndo, não permitiu ter
glacoma já que queria ser um pessoa perfeita imagem idealizado em varios
momentos colocando a minha visão e vida em risco. Esse conceito de perfeição que
alguns de nós temos nos torna deficiente e portador de deficiências, arrogante,
mesquinhos e derrotados, sem entrar na batalha. Vejo que foi isso que tava fazendo
com essa pessoa que estou conhecendo agora: ´´EU´´.

Finda a análise sobre a Pesquisa-Ação desenvolvida no universo acadêmico


da Gastronomia da UFRJ, parte-se para a segunda etapa da pesquisa empírica: a
exposição descritiva e análise do conteúdo das entrevistas feitas pela pesquisadora
para conhecer o sentimento das pessoas com deficiência visual sobre os aspectos
que envolvem os momentos de comensalidade dentro e fora de casa, principalmente
nos bares, restaurantes e eventos, pessoas estas que, futuramente, poderão ocupar
o lugar de clientes dos futuros gastrônomos e gastrônomas, agora sensibilizados
para a questão da acessibilidade em Gastronomia e da inclusão.

4.2 A PESQUISA DE CAMPO: ESCUTAR SENTINDO

No tópico anterior “Escutar, Sentir, Agir: a Pesquisa-Ação” foi apresentado o


primeiro tópico da segunda etapa da metodologia híbrida proposta para este
trabalho.
Neste tópico, apresenta-se a compilação do conteúdo das entrevistas
realizadas com as pessoas com deficiência visual, desenvolvido a partir do método
da “Escuta Sensível” de René Barbier, da Pesquisa-Com de Kastrup e Moraes e do
conceito de “Educação da Sensibilidade” (Read apud Pinheiro), já apresentados
anteriormente.
113

4.2.1 COMPILAÇÃO DO CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS

O conteúdo das entrevistas foi sistematizado em dois grandes eixos da


comensalidade: em casa e fora de casa.
Em casa, estão organizados tópicos que relacionam as pessoas com
deficiência visual a Atividades da Vida Diária (AVD), especificamente realizadas na e
em função da cozinha (como produtores de comida) e na sala (especialmente à
mesa, como comensais e como anfitriões).
Fora de casa, estão organizados tópicos que relacionam as pessoas com
deficiência visual como convivas e comensais em restaurantes, bares, lanchonetes e
eventos.
Cabe relembrar que a população de pesquisa foi composta por 11 (onze)
pessoas residentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, classificadas por
gênero, idade e tipo de deficiência, sendo:
H65BVS – Homem 65 anos, Baixa Visão Severa
H72CAA – Homem 72 anos, Cegueira Adventícia fase Adulta
H66CAA – Homem 66, Cegueira Adventícia fase Adulta
H51CAACG – Homem 51 anos, Cegueira Adventícia na fase Adulta, usuário de Cão
Guia
M32CAA – Mulher 32 anos, Cegueira Adventícia na fase Adulta
M37CAI – Mulher 37 anos, Cegueira Adventícia na Infância
M43CAA – Mulher 43 anos, Cegueira Adventícia na fase Adulta
M59CAA – Mulher 59 anos, Cegueira Adventícia na fase Adulta
M63CAA – Mulher 63 anos, Cegueira Adventícia na fase Adulta
M63CC – Mulher 63 anos, Cegueira Congênita
M37BVC – Mulher 37 anos, Baixa Visão Congênita

A partir da Escuta Sensível, como percepção da pesquisadora, cabe


documentar: sem perder em nenhum momento a característica ética de seriedade
que demanda um estudo desta natureza, merece destaque o tom bem humorado
impresso pela população pesquisada, cuja ênfase será dada no documento por meio
de expressões que caracterizem a alegria por eles expressa.
114

4.2.1.1 COMENSALIDADE EM CASA

4.2.1.1.1 LUGAR DE CEGO É NA COZINHA!

A população entrevistada derrubou o mito construído pelo senso comum de


que as pessoas com deficiência visual não possam, não devam ou não saibam
cozinhar, retificando e ratificando: lugar de cego é na cozinha! Entretanto, como
alerta H62BVA, “os cegos somos nós; as facas não”. Resguardadas as devidas
precauções quanto aos utensílios, equipamentos e eletrodomésticos, a maioria dos
entrevistados “freqüenta” a cozinha e, em especial, o fogão, produzindo comida: as
mulheres todas; os homens, alguns. Os que produzem dão conta não só de seu
próprio sustento como de toda a família. Os que não produzem, enfatizam que
participam de atividades complementares como lavar as louças, por exemplo, e
fizeram questão de destacar sua maior contribuição: comer! (risos)
Dos que atualmente produzem comida, à exceção dos cegos congênitos, a
maioria aproximou-se da gastronomia depois de serem acometidos pela deficiência
visual, destacando a atividade como uma forma de demonstrar o amor que sentem
pelas pessoas com as quais compartilham a vida.
Minha participação na cozinha é total. Aliás, na casa toda. Sou a dona da
casa. Faço almoço para a minha família, meus amigos. Criei meus filhos.
Alimentei meus filhos. Mas hoje, a minha filha (M32CAA) é a cozinheira da
casa. Recém-casada, a gente fica muito entusiasmada, não é? O meu
marido também era deficiente visual. Quando me divorciei as crianças eram
pequenas. Me lembro de as pessoas chegarem na minha casa e se
surpreenderem: Nossaaaa! Sua casa nem parece casa de deficientes
visuais. Eu escolhia tudo. Ele era uma pessoa muito pró-ativa. Ele me
ajudava em tudo e nossa vida era totalmente normal. Quem não interage
com a gente, pensa que nossa vida é diferente. Hoje aqui em casa somos
três cegos e um tio de 77 anos que mora com a gente. E todo mundo sem
enxergar. Mas nem por isso a gente deixa de ter a visão das coisas.
(M63CC)

Nunca gostei muito de cozinhar. Quando enxergava, eu não gostava e meu


marido adorava. Mas, ele gostava de fazer coisinhas no fim de semana. A
gente tinha filhos, então, eu fazia porque era obrigada, mas, fazia direito.
Até que fiquei cega. Hoje, moro sozinha e dou conta não só da minha vida
como dos eventos em família. Feijoada. Angu a baiano. Comidaria mesmo.
Pra muita gente. Prefiro fazer sozinha. Quando o povo chega, já está tudo
pronto. Estou gostando mais de cozinhar agora depois que eu fiquei cega.
Sei lá... Parece que tem mais carinho... É muito gostoso! (M63CAA)

Cozinha? Eu era ajudante. Nunca fui de fazer nada lá. Até que minha mãe
teve um problema sério de saúde por causa da diabetes. Ainda assim, ela
comia tudo o que queria, aí ficou doente. Bom, tivemos uma empregada. Eu
fazendo compras. De repente, cá estou eu na cozinha. Hoje eu cozinho.
115

Hoje eu gosto muito de cozinhar! A gastronomia começou a ter a força na


vida depois que me vi nesta situação de ter que cuidar da minha mãe. A
vida impõe situações a nós que acabam por nos impulsionar... Para coisas
boas... Hoje eu gosto de cozinhar! Fiz até alguns cursos (M59CAA)

Depois que fui acometido pela deficiência visual, comecei a preparar o café
da manhã e isso já entrou no fluxo diário. Eu tenho um neto de sete anos
(que nasceu em plena perda de visão minha), ele fica muito conosco. Ele
toma café conosco. Ele gosta de coisas diferentes. Ele gosta de tapioca,
omelete... Quando vou dormir, já deixo tudo pronto. Além disso, mora
conosco a minha sogra de 90 e poucos anos. Como na época em que eu
tinha um Buffet aprofundei conhecimentos em congelados, uma vez por
mês eu tiro um dia para ir para a cozinha e faço as comidas à base de
carnes. O que for possível congelar. Facilitamos a nossa vida dessa forma.
80% do que se produz aqui em casa, sou eu quem produz. Em épocas
festivas, eu também estou à frente de tudo, mas, a participação da família é
em tudo. Minha mulher compete comigo na qualidade das coisas que faz.
Tem um conto do Rubem Alves que fala da preparação da comida: o mais
importante da comida no domingo não é a comida, mas, o modo como ela é
produzida: a convivência na cozinha, a participação das pessoas. Você
passa uma manhã inteira preparando algo que vai ser consumido em meia
hora. A troca em família é tão grande. Tão importante! Conviver e trocar! O
quanto de cultura a gente absorve... (H65BVS)

Adoro ter a família cozinhando junto. Ajudo. Adoro. É muito bom! Meus
amigos fazem as coisas aqui em casa e eu participo. Cozinhar feijão, carne
assada. Só não uso panela de pressão. Acho perigoso. A panela de
pressão preocupa a pessoa com deficiência visual. Sempre preparo coisas
junto com outras pessoas. Nunca sozinha. Mas adoro a companhia delas na
cozinha! Me deixa feliz! (M37CAI)

Perdi a visão com 25 anos. Depois disso, eu me isolei muito. Hoje, na minha
casa, eu faço as coisas, agito tudo, sirvo minha filha e meu marido e,
somente depois que eles acabam é que eu vou comer. Eu até prefiro. Mas,
com isso, eu acabei desenvolvendo um hábito muito ruim: o de deixar
comida, mesmo ainda querendo comer eu digo que não quero mais. Minha
filha é o meu termômetro. Ela fala: Mamãe, você está empurrando a comida
para fora do prato. Já a minha mãe me desconforta sobremaneira. Ainda
hoje ela tira os talheres da minha mão, ajeita a comida no meu prato e aí eu
perco a fome. Ela me trata como se eu fosse uma idiota e eu detesto isso. O
momento de me alimentar, eu não gosto não. (M43CAA)

4.2.1.1.2 A MESA REVELA E NIVELA: EDUCANDO PARA A IGUALDADE

Foi unânime a ênfase quanto à necessidade de as pessoas com deficiência


visual serem educadas em casa para o convívio social e/ou habilitadas para uma
nova realidade, quando a deficiência é adventícia.

Papai era muito preocupado com a saúde. Fomos muito bem formados
quanto a isso. Aprendemos a gostar das coisas boas para a saúde.
Refeições em família. Até com lugares marcados. Não tínhamos pressa. A
regra era mastigar bastante. Não comíamos vendo TV. O momento
116

alimentar era exclusivo. Aprendi a usar os talheres, xícaras. Aqui em casa,


eu nunca tive mole não... Aprendi a me comportar. Porque o mundo vai te
cobrar um comportamento adequado, principalmente à mesa. A gente vive
em sociedade. Essa coisa de deixar as coisas escaparem do prato... Não...
Aqui em casa diziam: atenção, a comida está fugindo... sempre em um tom
bem humorado que contribuiu em muito para o meu amadurecimento diante
da vida. Agradeço muito, principalmente a meu pai por isso. Ele não me deu
mole... (M59CAA)

Com relação à minha família, fico sempre muito bem. Opino sobre as
escolhas do cardápio. Mas, minha esposa é quem comanda o espetáculo
com muito amor! Sentamos sempre juntos à mesa para fazer as refeições e
me utilizo das mesmas estruturas que utilizava antes de perder a visão:
garfo, faca... tudo igual. É muito difícil equilibrar a comida no garfo sem a
gente ver. Mas, a gente aprende e depois é só degustar! (risos) (H72CAA)

Muitas pessoas são muito “paparicadas” demais. Gente que não interage.
Isso não é positivo. Recentemente recebi um amigo deficiente visual na
minha casa. Ele é do interior e não conhecia nada. Ele nunca tinha
interagido com outras pessoas com deficiência. Ficou uma semana aqui em
casa. Eu percebi que muitas coisas ele não aprendeu porque não teve
quem o orientasse no aspecto do comportamento. Às vezes, quando a
pessoa fica deficiente, não tem recursos para aprender, não é? Fiquei
constrangida de abordar, mas, comportamento é tudo! O fato de ele nunca
ter freqüentado nenhuma reabilitação. Mas também há pessoas que fogem
do aprendizado. O quanto a gente aprende à mesa. Tudo a gente aprende à
mesa. E a maneira como a gente se comporta revela quem nós somos e
nivela a gente também. Até os 14 anos eu não conhecia nenhum deficiente.
Mas, quem me educou, me ensinou. Foi muito importante ter sido educada.
O mundo cobra. (M63CC)

Aproveitando o contato com a pesquisadora, alguns entrevistados


expressaram o desejo de aprender mais sobre Etiqueta à Mesa, principalmente
enfatizando a importância dos aspectos estéticos e funcionais do Mise en Place e da
ornamentação “linda” (principalmente segundo as mulheres) com louças, taças e
talheres ordenados. “Quando a gente veste uma mesa a gente simboliza a nossa
identidade, do mesmo jeito quando a gente veste uma roupa. Comida é cultura! Com
certeza!” (M59CAA)
Mais uma vez quebraram paradigmas ao esclarecer que as pessoas têm por
hábito associar a beleza exclusivamente ao sentido da visão. Não. “Nada disso”.
Segundo os entrevistados, “a beleza se mostra para as pessoas com deficiência
visual por todo o corpo. Por meio de todos os sentidos. Come-se não somente com
o paladar, mas também com o olfato, com a audição, com o tato... todos juntos, ao
mesmo tempo” (M63CC). Parecem responder a Savarin e trazer jus ao que ele
pensava sobre o fato de ser a visão o mais etéreo dos sentidos que, ao lado do tato,
117

merecem ainda muita pesquisa por parte daqueles que se dedicam aos estudos e à
ciência da Gastronomia.
Sendo assim, cabe registrar a promessa da pesquisadora em atendê-los em
um futuro breve.

4.2.1.1.3 ELETRODOMÉSTICOS

Quando questionados sobre os principais desafios a enfrentar quanto à


gastronomia do lar, foram unânimes: os eletrodomésticos não favorecem às pessoas
com deficiência visual e carecem de adaptações razoáveis sonoras e táteis, algumas
já postas em prática com a colaboração de familiares e amigos.
E foram veementes: o microondas é um grande parceiro na cozinha das
pessoas com deficiência visual, contribuindo até para revelar muitos talentos
gastronômicos, como destaca H72CAA: “meus melhores produtos são o Brigadeirão
e o Bolo de Caneca, ambos produzidos com a ajuda do microondas!”
Panela de pressão, tenho medo. Acho um utensílio bastante perigoso para
pessoa cega. Quando começa a sair vapor, acho que a casa vai cair.
Utensílios muito bons: sanduicheira, Air Fryer, espremedor de suco,
microondas (o meu é todo marcado, minha filha marcou para mim. Usamos
uns adesivos em alto relevo, uns carocinhos no numero 5 e no botão de
ligar). (M43CAA)

4.2.1.1.4 COMPRAS? CLARO QUE FAÇO

Para os entrevistados, o que há de mais complexo com relação à gastronomia


do lar é a questão da aquisição dos insumos: encontrar e abordar alguém no
supermercado, na quitanda, no açougue que se predisponha a auxiliar nesta tarefa é
um episódio que, por vezes, “seria cômico se não fosse trágico”. “Mas a gente não
desiste”, enfatiza H65BVS. “Nunca aprendi a escolher os alimentos na infância. Eu
só ia na rua para comprar pão na padaria lá perto de casa e isso hoje me faz falta”.
(M59CAA)
Todavia, alguns entrevistados fizeram questão de destacar que há sim locais
que cujos gestores já têm consciência de que todas as pessoas são consumidores
em potencial e se preocupam em favorecer o acesso às pessoas com deficiência
visual neste momento de compra de insumos. Alguns, inclusive, destacam
colaboradores exclusivamente para esta atividade no local ou para atendê-las por
telefone e fazer a entrega.
Ano passado eu queria levar um bacalhau e perguntei ao atendente como o
peixe estava. Sabe o que ele me respondeu: “O bacalhau ta aí. Se quiser
levar, leva; se não...” Exatamente neste tom... Então esse tipo de situação
denota uma falta de preparo para lidar com as pessoas. Ele deveria estar no
118

mínimo disposto a atendê-lo. Acessibilidade atitudinal, péssima. Mas, não


podemos generalizar: por outro lado há outros funcionários exemplares que
até se excedem na gentileza a conosco colaborar. Já aconteceu de um
funcionário fazer toda a compra comigo. O que poderia ser o ideal,
considerando que o nosso maior problema é localizar onde estão os
produtos. (H65BVS)

Outro aspecto relativo ao momento das compras foi apontado por M37BVC: o
posicionamento das etiquetas que dispõem a informação acerca dos produtos nas
gôndolas dos supermercados. Por vezes, nos produtos dispostos na parte mais
baixa das gôndolas, é impossível para uma pessoa com baixa visão, ainda que com
auxílio de lupas de aumento, obter as informações sobre estes, visto que, estando
tão próximos do chão, não favorecem a acessibilidade comunicacional, nem para as
pessoas que enxergam, tampouco para quem tem limitações visuais. Fica a
sugestão para que a disposição de produtos e etiquetas informativas seja repensada
nos supermercados.

4.2.1.1.5 ORDEM NA DISPENSA E NO FREEZER

A dificuldade de identificação dos produtos para organização da dispensa, da


geladeira e do freezer também foi apontada. Os vidros que acondicionam os
produtos têm padrões muito semelhantes. Por exemplo, os vidros das azeitonas
pretas e verdes de uma mesma marca são idênticos. Como identificar uma e outra?
E polvinho? Qual é o azedo e o doce?
Na conversa com a pesquisadora, EUREKA! Quem sabe o QR Code seja
uma solução? Não só para a dispensa como também para o freezer, considerando
que muitos dos entrevistados destacaram que utilizam produtos congelados. Com a
utilização do celular, o acesso pode ser facilitado, por exemplo, com o uso de
aplicativos como o CamFind.
A pesquisadora comprometeu-se em envolver alunos para dedicar atenção ao
tema.

4.2.1.2 COMENSALIDADE FORA DE CASA

4.2.1.2.1 UM POUCO MAIS DE PACIÊNCIA


Sobre os aspectos que impactam de modo positivo ou negativo nos
momentos de comensalidade fora de casa, os entrevistados foram unanimemente
119

enfáticos: é preciso um pouco mais de paciência! O impacto das barreiras


atitudinais no aspecto da comensalidade na vida das pessoas com deficiência visual
pode ser claramente ilustrado:
Assim que saí para trabalhar fora, eu só comia quando eu chegava de volta
em casa de noite. Eu não saía para comer. Nunca saí. Fiquei muitos anos
sem comer... Mais de 20 anos fiquei sem comer. Depois levava uma fruta...
Só bem mais tarde é que passei a fazer e a levar meu próprio alimento,
porque no local foi estruturado um refeitório. Sei que me impus esta
condição. Mas, era o seguinte: o pessoal não tinha a menor paciência. O
mundo não acolhe a gente quando a gente é deficiente. Eu me amarrei.
Amarras invisíveis. Se o mundo não te abre os braços, você vai se abrir pra
quem? As pessoas tinham pressa. Muita pressa. Outra coisa: eu vinha de
uma realidade familiar onde a mesa era fundamental na nossa vida. Comer
em casa era um prazer. Então, as pessoas iam saindo, saindo, correndo... E
eu ficava. Constrangida de pedir pra me esperar, passei 20 anos sem
comer. E nunca me ajustei à situação de comer sozinha fora de casa. Até
hoje. Você acredita?” (M59CAA)

Tive uma experiência espetacular numa churrascaria: dois garçons ficaram


atendendo a minha mesa. As carnes já poderiam vir cordadas, mas eles
todo o tempo perguntaram qual o tamanho eu queria. Excepcional? No
espeto, ele cortava e colocava no meu prato. (H65BVS)

Eu me modifiquei. Eu mesmo criei preconceitos. Achava que pelo fato de ter


me tornado um deficiente, eu estaria nos lugares e as pessoas não me
dariam atenção, estaria sendo tratado de maneira diferente. Como eu tinha
uma vida social muito ativa, continuei sendo convidado para muitos
momentos. Mas, eu evitava. Depois que fiquei deficiente visual, eu nunca
experimentei esta sensação de entrar em um restaurante sozinho. Eu
sempre estou acompanhado de alguém. Se não da minha esposa, estou
sempre com alguém, algum amigo... Já se vão sete anos. Nunca comi
sozinho fora de casa! (H72CAA)

Perdi um pouco da minha autonomia. Um pouco. Num serviço á La Carte, o


primeiro serviço é feito pelo garçon. A sequência a gente se vira, mas, seria
legal que as pessoas pudessem estar sensíveis a isso. Eu freqüento,
normalmente. Com colegas nem tanto. Em família, na rua, as pessoas
percebem que tem que ajudar mais. Meu irmão hoje tem um cuidado sobre-
humano comigo. No restaurante, ele me cuida. Na verdade, eu mesma
acabei me afastando. Muito mais um comportamento meu do que das
outras pessoas. No principio a gente dá uma desanimada. Normal, não é?
(M32CAA)

Tenho muita opinião. E as pessoas as vezes reagem mal a quem se coloca.


É comum eu ouvir: ah, você é cega, mas, come tudo separadinho...
hummmm... Muito chique... Você imagina isso? Os garçons dizem: “a
senhora sabe de tudo... de vez em quando até aparece um deficiente visual
aqui, mas, nem quer levantar da cadeira. todos deveriam ser assim como a
senhora”. Quer saber o que eu penso? No fundo, tenho a sensação de que
as pessoas estão esperando que a gente faça alguma coisa errada à mesa,
que deixe cair comida para fora do prato... E quando a gente não faz, a
gente se torna um espetáculo. Agora você vê? (M63CAA)
120

4.2.1.2 NEM FANTASMA NEM E.T: O ESTIGMA DA INVISIBILIDADE


Os entrevistados disseram não saber definir o que é pior: a invisibilidade, a
indiferença ou a distorção preconceituosa de comportamento a partir da constatação
da deficiência.
A acessibilidade está diretamente relacionada à ética. Os profissionais
precisam também aprender Ética. Antes de aprender sobre acessibilidade.
Os cursos precisam incluir ambos os conteúdos. A gente tá cansado de ser
visto como um E.T. Quando a gente chega, parece que eles levam aquele
susto... Acho que ficam com medo de serem abduzidos. Menina... É uma
coisa... (risos) (M59CAA)

Estou cansada de ser invisível. Vivo no momento “Ghost”. Poxa... Só se


dirigem a quem está me acompanhando... E ainda responsabilizam o meu
acompanhante pelo meu acesso à comida. O restaurante pra mim é um
momento em que eu viro um “ser místico”. A pessoa passa por mim, não me
vê, não fala comigo, mas, fala com a pessoa que está comigo. Eu não
existo. Eu não tenho vontades. Eu não sou um sujeito de direitos. Eu não
sou mais um sujeito de escolhas. Eu perco totalmente o meu poder de
decisão. A equipe de atendimento não se dirige a mim. Mas, ainda tem uma
coisa ainda bem pior: é quando eles me vêem. E aí eles ficam assim:
“Quem é que vai atender?” “Acho que é a sua vez!” Ou então de eu ter que
ficar ali: “Garçon” “Garçon” “Garçon”... E nada... O olhar de indiferença
destinado à pessoa com deficiência é que nos torna invisíveis de fato. O
outro nos olha sempre como aquele que ele não é e pensa que jamais vai
ser. Essa invisibilidade é quase paupável. As pessoas chegam ao absurdo
de dizer: Ah..Graças a Deus que eu não sou cego... (M43CAA)

4.2.1.2.3 DE OLHO NO TOILLETE


Ainda sob uma abordagem geral da comensalidade fora de casa, apenas
fizeram menção especifica a um aspecto da acessibilidade arquitetônica: os
banheiros. Foi muito enfatizada a necessidade de que os estabelecimentos
comerciais dediquem mais atenção a este item, principalmente no que se refere aos
pisos. Os homens pedem que, na medida do possível, sejam colocados mictórios,
conforme destaca-se:
Os gestores dos empreendimentos tem zero de preocupação quanto a isso.
O pior de tudo dentro de um banheiro é espelho. A primeira vez que eu
parei em um banheiro, desses de estrada, eu dava um passo, o cara dava
também (risos) Quando eu saio, eu digo pra minha mulher: o meu amigo
estava lá dentro. (risos) A gente não quer esbarrar na pessoa e a pessoa é
você mesmo. Além disso, o mictório é super importante. A preocupação é o
famoso pingo na tábua. É verdade. Mas, nada comparado a um banheiro de
avião pra pessoas com deficiência visual. (H65BVS)

Todo empreendimento gastronômico deveria ter um guia para conduzir os


cegos internamente e que fossem pessoas, de fato, preparadas para esta
função. Se possível, que os banheiros fossem estruturados fisicamente com
espaço para circulação. Com relação à estrutura física, uma coisa é muito
importante: o banheiro masculino tem que ter um mictório. Isso é
121

fundamental. Sabonete para lavar as mãos e papel toalha para secar.


Temos muita resistência a utilizar banheiro na rua. (H72CAA)

4.2.1.2.4 LACUNAS INFORMACIONAIS NOS CARDÁPIOS

Na abordagem dos aspectos específicos relacionados à comensalidade fora


de casa, a acessibilidade comunicacional é enfatizada, no que tange à lacuna
informacional entre o que está escrito nos cardápios e o que, de fato, será
apresentado ao cliente como produto gastronômico.
Pedi um sanduíche de filé com queijo. Aí veio um prato esteticamente lindo!
(me disseram) Com os alimentos dispostos da seguinte maneira: duas fatias
de pão abertos, o filé ao centro, um ovo do outro lado e um monte de fritas +
um garfo e uma faca. Eu mandei embrulhar pra levar pra casa. Não tinha
condição de comer um sanduíche daquela maneira. Eu fiquei com tanta
raiva que eu fui ao banheiro e quando saí, acabei esquecendo o sanduíche
lá. Você acredita? Ficou uma lacuna informacional, pois quando a gente lê
“sanduíche”, pressupõe um alimento rápido que eu posso pegar com as
mãos, com a utilização de um guardanapo. Resumindo: eu acabei me
sentindo uma inútil. Chorei muito naquele dia. E o pior de tudo é que eu não
estava só. E ainda por cima, estava com um cara que estava desagradável
na minha mesa que com a boca maior do que um jacaré disse: o seu prato
já chegoooouuuuuuu! (M43CAA)

4.2.1.2.5 GASTRONOMIA ACESSÍVEL E ACESSÁVEL

Importante que os empreendimentos gastronômicos estruturem de modo


acessível e acessável seus canais de comunicação com base no Desenho Universal
ou criando Adaptações Razoáveis para que todos possam ter acesso a seus
produtos e serviços. Como exemplo, os entrevistados citaram o fato de que para
irem a algum lugar, as pessoas com deficiência dificilmente se aventuram: tem por
hábito primeiro buscar saber se o local está adequado do ponto de vista da
acessibilidade.

4.2.1.2.6 SELF? COMO SERVE-SE?

A estrutura self service da maioria dos restaurantes contemporâneos


demanda muita atenção, principalmente quando um terceiro vai servir o cliente.
Todos os entrevistados reclamam que os profissionais de atendimento não estão
capacitados: “as pessoas não sabem colocar a comida pra ninguém.” Destacam
que, principalmente, a questão da escolha dos alimentos é muito negligenciada. E
são assertivos ao afirmar seu direito de escolha!
Os entrevistados revelaram uma situação que, segundo eles, pode parecer
incrível: vivem situações como esta inclusive em instituições específicas para
122

atendimento a pessoas com deficiência visual. E que, em função desta situação,


muitas vezes preferem sair da instituição e comer fora. Ou seja, cadê a
acessibilidade? O respeito e o direito não são valores que norteiam estas
instituições?

4.2.1.2.7 ADEQUAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS

A saga do pudim é um clássico! (risos) Quase todos os entrevistados fizeram


questão de contar os episódios vivenciados diante da simples vontade de consumir
uma sobremesa e sugerem que o pudim seja servido em estruturas que melhor
favoreçam o consumo e que, preferencialmente, não sejam descartáveis.
Dia desses em um restaurante bastante renomado em um Shopping, eu e
minha esposa pedimos um espagueti e, pasmem, tudo era descartável.
Comecei a comer e, claro, o garfinho quebrou o dente. E aí? Como eu iria
continuar comendo com um dente do garfo quebrado dentro do meu prato?
Outras vezes, os talheres são de metal, o prato de louça. Mas, na hora da
sobremesa, vem num potinho descartável... Ai ai ai... (H72CAA)

4.2.1.2.8 DESCRIÇÃO DO SERVIÇO

Uma recomendação dos entrevistados é que os profissionais do serviço do


salão se comuniquem com as pessoas com deficiência visual. Simples assim! Sem
barreiras atitudinais ou comunicacionais, por favor! “Quando os garçons trouxerem
bebidas ou a comida, por favor, nos avisem”. E por que? Se deixarem a comida na
frente de uma pessoa que não vê e não disser nada, esta pessoa, simplesmente,
não vai saber. Se colocar o copo e não disser onde o copo está, além de não saber,
correm o risco de derrubar. Portanto, o ideal é colocar o copo sempre no mesmo
lugar. E há ainda um agravante, destacado pelo amantes da cerveja: “O chopp
esquenta, poxa (risos)... E outra: muitas pessoas falam “com as mãos”,
gesticulando... Aí... Tragédia. Os garçons precisam ser orientados. Dica de sucesso:
“Os estabelecimentos que se prepararem para atender as pessoas com deficiência
vão conquistar clientes muito fiéis”. (H72CAA)

4.2.1.2.9 CARDÁPIO EM BRAILE OU OUTRO RECURSO DE T.A

Apesar de estabelecido por lei, poucos restaurantes tem cardápio em braile...


E quando tem... Os entrevistados enfatizam a condição em que o cardápio braile é
apresentando: ensebado. “Só de passar a mão, a gente percebe”. Os entrevistados
123

sugerem que, então, se faça uso também de outros recursos de Tecnologia


Assistiva para criar cardápios digitais, por exemplo, em QR Code “pra gente ter
acesso via celular. Todo mundo tem celular... Além disso, ficando armazenado em
nosso celular, vai facilitar até uma venda futura delivery, por exemplo”.
Outro aspecto importantíssimo relativo a cardápio é o fato de trazer
informações fidedignas sobre a estrutura dos pratos, considerando a condição das
pessoas alérgicas, com intolerância ou restrições de consumo relacionadas a uma
determinada substância. Um grão de gergelim, uma bolinha de alcaparra ou um
pedacinho de carne que tenha sido amaciada com abacaxi, por exemplo, pode
fechar a glote e matar. E, como a pessoa não está vendo, a situação se agrava
ainda mais.

4.2.1.2.10 O QUE HÁ DE MAIS GROTESCO

Inacreditável. É a palavra que melhor representa o que vários entrevistados


fizeram questão de ressaltar. Como se não bastasse o estado de atenção
permanente a que todas as pessoas com deficiência visual estão sujeitas em função
da limitação sensorial, ainda é preciso redobrar a vigilância, justo nos últimos
instantes da comensalidade vivida nos restaurantes: a hora de pagar a conta.
Segundo os entrevistados, é muito freqüente que o valor não confira com os
itens solicitados. Destacam, inclusive, que há restaurantes aos quais jamais
retornam, dado o aviltante abuso. Ninguém espera que um cego vá pedir para
conferir a conta. Isso os aborrece sobremaneira. Acaba com toda a felicidade que
havia sido proporcionada naquele momento de comensalidade. E ainda tem o
agravante: é preciso pedir ao garçon para ler todos os itens, situação que,
normalmente, deixa os profissionais revoltados. Se pedirem a nota fiscal, então...
Esta é uma situação que reflete por diversos ângulos o que sejam as barreiras
atitudinais. E concluem: isso é chegar ao aspecto mais grotesco do ser humano.

4.2.1.3 EVENTOS

Segundo os entrevistados, nos eventos, prossegue a cegueira social e o fato


de não serem “vistos” acarreta situações que podem inclusive comprometer-lhes a
saúde, visto que a muitos a cegueira acometeu, por exemplo, em função da
diabetes: muitas vezes, passam todo o tempo de um evento sem nada comer.
124

Chamam a atenção também para o total despreparo dos profissionais que


trabalham no salão, ressaltando inclusive situações de escárnio e deboche.
Um elemento de satisfação unânime entre os entrevistados são as modernas
finger foods! Além de favorecerem em muito o acesso à comida para pessoas com
deficiência visual, as pequenas porções são também apontadas como um elemento
representativo da informalidade que caracteriza a cultura do povo brasileiro.
Outro detalhe: em evento, a cegueira não é privilégio das pessoas com
deficiência: “ninguém vê ninguém” (M59CAA) É uma grande correria. Em evento,
todo mundo tem pressa. Nos corporativos, de grande porte (mais de 500 pessoas)
então, que junta muita gente... O momento do almoço é um clássico: as pessoas
tendem a achar que as pessoas com deficiência vão dar trabalho. “As pessoas
fogem da gente e a gente sabe o que elas estão pensando: eu que não vou ser a
vítima” (M59CAA). “Quando a gente se apercebe, BUFFFFF: está feito o clarão...”
(M63CC) E ainda tem uma outra coisa: “quem te presta ajuda, vai ficar escravizada,
porque ninguém mais se coloca numa de colaborar”(M63CAA). As pessoas não se
aproximam. Com o tempo a gente aprende! (M59CAA) Ah... e tem um outro detalhe:
o monólogo. É muito comum também as pessoas saírem do papo e deixarem o cego
falando sozinho. “Isso é horrível! Além do que, nos eventos grandes, na hora do
coffeebreak, outra tragédia. Colocam as coisas em mesas enormes e ninguém pra
orientar: como a gente vai se servir? Fora as vezes que pegam um bolinho com a
mão e trazem pra gente sem um guardanapo sequer. (H72CAA)

4.2.1.4 ESPIRAIS DO CONHECIMENTO

Da interação com os entrevistados, muitos aprendizados foram revelados e


estão aqui compartilhados, ampliando as Espirais do Conhecimento (ROBREDO,
2011).

4.2.1.4.1 OUTRA MESA, TERRITÓRIO NEUTRO

“Minha casa é um lugar sagrado e a mesa, do mesmo modo, é uma extensão!


A vida inteira, sempre que precisei tratar de assuntos sérios com meus filhos,
escolhia um restaurante, uma pizzaria, um barzinho pra gente conversar. Desse
modo, todas as coisas ditas (às vezes não tão boas) ficavam ali, naquela mesa, que
não era a da nossa casa. A nossa ficava, assim, preservada de qualquer energia
125

que não nos parecesse boa. Quando voltávamos para nossa casa, a energia era a
mesma. Não tinha essa de não querer voltar: fosse o que fosse, havia ficado lá,
naquele território neutro.” (M63CC)

4.2.1.4.2 ALERTA CONTRA A CEGUEIRA EMPRESARIAL

Um empreendimento gastronômico exige muito aprendizado. Exatamente em


todos os níveis que hoje os cursos de gastronomia oferecem: hospitalidade, gestão
e prática! “Por isso, quero deixar um recado para os futuros gastrônomos. Eu ainda
era vidente quando decidi investir em um restaurante. Naquela época, a minha
cegueira era tão somente na área empresarial. Resultado: falimos! Portanto,
aproveitem a oportunidade que estão tendo. E dediquem-se a esta área que tanta
felicidade pode trazer para tantas pessoas...” (H72CAA)

4.2.1.4.3 RIMA RICA PELA CULTURA: ACESSIBILIDADE E COMENSALIDADE

Alguns entrevistados fizeram questão de destacar – e pediram que, se


possível, fossem divulgados, a título de aprendizado – os locais onde foram melhor
acolhidos, dentro e fora do Brasil. Aqui estão: na Argentina, o restaurante El Senhor
Tango (M59CAA); em Fortaleza, bares e restaurantes de modo geral (M63CAA); no
Rio de Janeiro, Restaurante Flor da Urca (H72CAA) e em Niterói, uma cafeteria que
fica bem na entrada do Niterói Shopping (M43CAA)

4.2.1.4.4 COMIDA COMO CULTURA


As reflexões sobre comportamento à mesa e comensalidade deram asas à
imaginação dos entrevistados, o que em muito enriqueceu o resultado desta
investigação. Um dos tópicos que de modo particular merecem destaque, justifica a
publicação do depoimento. Ao ser informada pela pesquisadora sobre a sanção do
Marco Referencial da “Comida como Cultura” no Rio de Janeiro, exclamou:
Demorou muito! Nós somos fruto de três povos que sabiam comer: os
índios, os portugueses e os negros. Juntos, inscreveram na nossa
identidade uma rica diversidade cultural gastronômica. E a gente está
perdendo isso, a gente está se americanizando até na comida... Deus do
céu... Há muito tempo, aliás com o fast food. Mas não é só isso... A gente
precisa resgatar a nossa identidade e a gastronomia como um elemento
cultural é de suma importância para esse resgate. (M59CAA)
126

4.2.1.4.5 GASTRONOMIA: RESGATE E NOVAS ESPIRAIS

Tendo ficado cego após uma grave infecção nos olhos causada por uma
bactéria, H65BVS, que antes de perder a visão tinha sido proprietário de um Buffet,
voltou à vida por meio da gastronomia: hoje, dá aulas de culinária, de modo
voluntário, revelando novos caminhos a outras pessoas que também perderam a
visão. Desde então, faz questão de destacar: “A Gastronomia tem se mostrado
como elemento propulsor para a retomada da vida de muitas outras pessoas, não só
as pessoas com deficiência visual, mas, todas que da vida delas fazem parte”,
principalmente aquelas a quem a deficiência acometeu tardiamente, na fase adulta.
Há exemplos de pessoas cegas que já estão, inclusive, empreendendo, fazendo
bolos, doces, tortas e outras delícias.
Tem sido uma experiência estupenda. Primeiro a experiência do
voluntariado: fazer algo sem esperar nada em troca. Isso me dá muita
satisfação. Principalmente por saber que se eu não tivesse ficado deficiente
eu jamais saberia o que é um deficiente visual, um cego... As dificuldades
que essa pessoa tem... O que passa, como supera... Então, o conjunto
dessas situações... É um processo que traz retorno para a própria pessoa.
(H65BVS)

Pegando carona na vibe do empreendedorismo, entre as inovações


gastronômicas, M32CAA faz questão de se colocar à disposição de quem quiser
para ensinar a receita do seu “Velado de Carne Seca”. Cansada de ser enganada
quando procurava os recheios no Escondidinho, decidiu criar um prato que tem
muito mais recheio do que massa... (risos)

4.2.1.4.6: HUMANO COM ANIMAL

A partir do depoimento de H51CAACG, importante destacar a relevância de


gastrônomos e gastrônomas estarem cientes quanto ao Decreto 5.904 de 2006 o
qual regulamenta a Lei Nº 11.126 de 2005 (BRASIL, 2006) que, dentre outras
providências, garante à pessoa com deficiência visual o direito de “ingressar e
permanecer em ambiente de uso coletivo acompanhada de cão-guia”. Significa dizer
que, em nenhuma circunstância, pelo fato de estar com o cão-guia, uma pessoa com
deficiência visual pode ser preterida ou impedida de vivenciar plenamente o
momento sagrado da comensalidade, onde quer que esteja, se em um restaurante,
um bar ou em um evento.
127

4.2.1.4.7 UMA SÓ PALAVRA

Ao final das entrevistas, a pesquisadora desafiava os entrevistados a revelar


por meio de uma só palavra o que a gastronomia e a comensalidade representavam,
hoje, em suas vidas:

PRAZER. A Gastronomia é hoje um dos maiores prazeres da minha vida.


(M59CAA)
PRAZER! Fonte de prazer. Prazer pelo paladar, pelo olfato, por todos os sentidos. O
prazer por estar ao lado de. Penso que prazer sintetiza isso. (H65BVS)
DESPREZÍVEL. Eu só como porque tenho que ficar em pé. Se eu não comer, vou
morrer. (M43CAA)
GOSTO. Gosto muito de comer e dos momentos de comer. Porque estou viva!
(M63CAA)
ALEGRIA. (M37CAI)
FESTA. A gastronomia hoje é a minha festa! É a festa da minha vida! (M32CAA)
HÁBITO ALIMENTAR. (H72CAA)
UNIÃO. Quando você está ali junto com as demais pessoas, compartilhando aquilo
que você fez... é muito gratificante. A Gastronomia é uma forma de união. (M63CC)
CULTURA: Comida é cultura. A Gastronomia faz a gente viajar! (M37BVC)
HARMONIA: (H51CAACG)
BEM-ESTAR: (H66CAA)

4.2.1.4.7 AGRADECIMENTO E FÉ NA VIDA

Todos os entrevistados, ao final das conversas, agradeceram muitíssimo a


oportunidade de participar das entrevistas, enfatizando a importância de a
acessibilidade ser tema de pesquisas acadêmicas: “Se não houver curiosidade na
academia, não há conhecimento e muito menos ciência”. (M59CAA)
Foram enfáticos também quanto a oportunidade de serem ouvidos, fazendo
conexão com o empoderamento: “A gente precisa se colocar. A gente precisa se
expressar. Sem estarmos empoderados, o mundo não vai partir para uma
perspectiva, de fato, inclusiva”. Somente dessa forma, “o humano vai aprender a
respeitar outro ser humano. E assim, todos serão também respeitados”. (M63CAA)
128

Ressaltaram também que grande parte dos pontos negativos que envolvem e
comprometem a comensalidade são questões de ordem atitudinal e comunicacional.
Sendo assim, “se tudo está na comunicação e no bom senso, são coisas muito
simples de fazer: é só querer!” (M43CAA)

4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS: PARA APRENDER E AGIR


Os fatos anteriormente explicitados constituem o resultado dos dados
compilados das entrevistas feitas com as pessoas com deficiência visual (usuários
de produtos e/ou serviços gastronômicos) e apontam indícios quanto à relevância
dos estudos da acessibilidade nos cursos de Gastronomia.
De acordo com o grupo entrevistado, há especialmente dois grupos de
barreiras (ONU, 2006) a serem urgentemente eliminadas para que se favoreça a
todas as pessoas o direito igualitário à experiência da comensalidade e o pleno
acesso à cultura gastronômica. Em escala de relevância, destacam-se as de ordem
atitudinal, seguidas das de ordem comunicacional (Sassaki, 2009, 2014).
Os dois grupos de barreiras têm um elemento comum: a informação. A que se
transmite (ou não) por meio de atitudes (ou a falta delas). Informação, que, como
destacou Barreto (2002), tem por condição harmonizar o mundo. Mas a que mundo
refere-se esta pesquisa? Ao mundo humano, suas vicissitudes e idiossincrasias.
Reunindo-se as duas modalidades complementares de pesquisas empíricas
aqui empreendidas – quais sejam a Pesquisa-Ação (relacionando a pesquisadora
aos alunos do Curso de Bacharelado em Gastronomia da UFRJ) e a Pesquisa de
Campo por meio do levantamento de dados nas entrevistas, é possível perceber o
caráter de vulnerabilidade a que estão expostas as pessoas com deficiência, em
destaque as que têm comprometimento visual, neste trabalho representadas tanto
no grupo dos educandos da gastronomia quanto no grupo dos
“consumidores/comensais”. Portanto, torna-se fundamental refletir: de quem é a
responsabilidade por esta mudança de paradigma? A quem cabe o impulso de
querer transformar a realidade dada?
Ainda que a existência humana não seja privilégio de quem enxerga, as
pessoas que podem ver (videntes/normovisuais) são responsáveis em grande parte
pela organização do mundo e suas estruturas políticas, econômicas, científicas,
sociais e culturais, todas também com impacto direto nos aspectos que relacionam o
129

homem à comida. Portanto, é preciso refletir sobre o fato de que mais do que
organizadas para e pelas pessoas que podem ver, estas estruturas afetam
diretamente os cegos e as pessoas com baixa visão. Coutinho contribui com a
seguinte abordagem:
Historicamente o deficiente visual é vítima de estereótipos e discriminações,
rotulado como desviante do que se considera o padrão de normalidade dos
seres humanos. Conforme Ventura (2001), expressões como “tão bonitinho
e cego”, “pobrezinho, coitado” e “coitado do ceguinho” mal disfarça o
sentimento de superioridade, mesmo que involuntário, de quem as
pronuncia. Conseqüentemente, essas pessoas vêm sendo tratadas como
“[...] objetos da ação e de piedade social” (PINHEIRO, 1997, p.145).
Construções históricas arraigadas nas representações da população em
geral, de discriminação, preconceitos, terminologias, nomenclaturas e
piedade, são conferidas aos deficientes visuais, ocasionando processos de
informações contraditórias ao se referir às questões que os envolvem.
(COUTINHO, 2011, p. 28)

Considerando as pessoas com deficiência visual como usuários da


informação gastronômica, recorre-se a McGarry, a fim de saber de que modo esta
informação deverá ser estruturada para tornar-se acessível e acessável:

A informação deve ser ordenada, estruturada ou contida de alguma forma,


senão permanecerá amorfa e inutilizável. A razão disso recai em nossa
qualidade de seres humanos, isto é, nas limitações do nosso aparelho
sensorial. Somos incapazes de transcender o limite de nossos sentidos –
com todo respeito aos místicos e adeptos da percepção extra-sensorial. A
informação deve ser representada para nós de alguma forma e transmitida
por algum tipo de canal. (MCGARRY, 1999, p. 11-12)

Some-se à sutileza que envolve o fluxo informacional e os elementos básicos


da comunicação (emissor, receptor, mensagem, canal, feedback e ruído) que
favoreçam o acesso à felicidade a partir da experiência da comensalidade, uma
característica imprescindível ao processo de transformar para transmutar: a vontade
humana.
Quem sabe dirigindo a reflexão para o berço da gastronomia, ao traduzir do
português “gastrônomo” para o francês, chega-se a epicure e naturalmente ao
filósofo do prazer de viver. Em sua Carta sobre a Felicidade, escrita ao aluno
Meneceu, Epicuro deixa pistas de aprendizado para aqueles que a partir de agora
terão em suas mãos a oportunidade de reverter uma realidade que configura
distante, principalmente quando fora de casa, a felicidade implícita nos momentos de
comensalidade almejada pelas pessoas com deficiência. Diz Epicuro ao aluno: “as
virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade é inseparável delas”.
130

Sobre o aspecto da aceleração da vida e ao clamor por paciência explicitado


pelas pessoas com deficiência visual, encontra-se aporte em Câmara Cascudo:
Vivendo como vivemos, sob o signo da Velocidade e a égide da Angústia
(de tempo, de espaço residencial, de alimentos, de tranqüilidade, de alegria)
estão os homens da desintegração, atômica, perdendo a legitimidade do
paladar. Um alimento fartamente divulgado no mundo daria mais sossego e
júbilo que toda a trovejante conquista espacial que nos trouxe rancor,
rivalidade e ódio concorrente. No seu tempo, Brillat Savarin estava
convencido que la découverte d’un mets nouveau fait plus le bonheur du
genre humain que la découverte d’une étoile. Para a tranqüilidade
fisiológica, e decorrentemente psicológica, da população terrestre, a
deglutição de uma boa feijoada é mais útil que a posse da Lua”. (CAMARA
CASCUDO, 2016, p. 361)

Volta-se então a Savarin e ao sonho da Academia dos Gastrônomos, neste


tempo concretizada e a aqueles que a personificam:
Eis aí, em linhas gerais, o domínio da gastronomia, domínio fértil em
resultados de toda espécie, e que só poderá crescer com as descobertas e
os trabalhos dos cientistas que irão cultivá-los; pois é impossível que, dentro
de poucos anos, a gastronomia não conte com seus acadêmicos, seus
cursos, seus professores e suas indicações de prêmios (SAVARIN, 1995, p.
61)

E qual é o perfil do gastrônomo ou da gastrônoma que, apropriando-se dos


conhecimentos acerca da acessibilidade, poderá favorecer a todos os que se
envolvem com a realização dos momentos de comensalidade a rara oportunidade de
viver feliz? Justamente aquele ou aquela que reúna características do perfil sonhado
por Savarin e que seja uma pessoa de bom senso, bem articulada entre as esferas
público e privada e que, de fato, esteja empenhada em realizar e transformar. Um
gastrônomo que:

realizará em sua casa encontros periódicos, onde os pesquisadores teóricos


se reunirão aos artistas para discutir e aprofundar as diversas partes da
ciência alimentar. Em seguida (e é a história de todas as academias) o
governo irá intervir, regularizar, proteger, instituir e aproveitar a ocasião para
compensar o povo de todos os órfãos que o canhão produziu, por todas as
Ariádnes que uma convocação à Guerra fez chorar. Feliz o homem público
que ligar seu nome a essa instituição tão necessária! (SAVARIN, 1995,
p.61)

Assim, do mesmo modo como quando Savarin “convocou” todos os sentidos


para que “unidos” dessem vida ao gosto, ampliando a potência do “sentir” o sabor
para todo o corpo, isto é, com todos os sentidos unidos para promover o melhor
acesso ao prazer da gastronomia, ciência que nascia a partir da reunião de muitas
outras ciências, não diferente observa-se que também a Acessibilidade Cultural
reúne recursos e mecanismos de toda a ordem e convoca diversas outras
131

modalidades de acessibilidade que possibilitem a eliminação de barreiras atitudinais,


comunicacionais, programáticas, metodológicas, instrumentais, físicas e naturais,
objetivando viabilizar o acesso igualitário à cultura, caracterizando a dimensão de
sua abrangência agregadora, ou seja, o seu caráter consiliente.

Após os estudos empreendidos nesta pesquisa, é possível reconhecer,


portanto, que como um desdobramento, veja-se surgir uma Acessibilidade em
Gastronomia, podendo então ser compreendida como a modalidade de
Acessibilidade Cultural desenvolvida em prol da promoção e da difusão de uma
Gastronomia acessível e acessável para todos.

Refletindo sobre o fato de as barreiras atitudinais – e sua correlação direta


com as barreiras comunicacionais – terem sido apontadas pela população de
pesquisa deste trabalho como o principal entrave para o acesso aos produtos e à
cultura gastronômica, naturalmente, remeteu-se a pesquisadora à sua área de
atuação profissional – a Comunicação Social – e à área originária de suas pesquisas
acadêmicas, qual seja, a Ciência da Informação, bem como a seus cientistas
representantes, a fim de aprofundar o olhar para o fenômeno que se revela.

Borko (1968), nos primórdios da C.I, nos anos de 1960, anteviu e apontou
para a relevância de articular a informação com vistas à acessibilidade e à
usabilidade. Diante do fato, hoje o farol que norteia a ação é: “Somos o que
fazemos” e, a partir de McGarry, faz-se fundamental compreender que a
exeqüibilidade da acessibilidade é um esforço comum e que para tanto
“dependemos uns dos outros” para dar vida às perspectivas de Pinheiro quanto à
Responsabilidade Social da Ciência da Informação e sobre a Educação da
Sensibilidade: “levar conhecimento a quem dele necessite”.

Toma-se por reflexão mais uma vez o pensamento de Sassaki, “o conceito de


acessibilidade deve ser incorporado aos conteúdos programáticos ou curriculares de
todos os cursos formais e não-formais existentes no Brasil”. É preciso modificar o
pensamento e ter em mente que, atualmente, “a acessibilidade não mais se
restringe ao espaço físico, à dimensão arquitetônica”. Sua aplicabilidade está
implícita em todos os ambientes e para que a inclusão social seja, de fato, efetivada,
faz-se imprescindível agir reunindo todas as dimensões: a natural, a arquitetônica, a
132

comunicacional, a metodológica, a instrumental, a programática e a atitudinal. “Se


faltar uma, compromete as outras” (SASSAKI, 2014).
Inicia-se a conclusão desta análise a partir de Pinheiro (2005), acreditando-se
no poder transformador da Acessibilidade Cultural e nos impactos benéficos à
contribuição da gastronomia (enquanto ciência) e seus representantes (docentes e
discentes) poderão trazer a vida das pessoas com deficiência. Sobre a “Educação
da Sensibilidade”, assim formula Pinheiro, apoiando em Takahashi, a sua reflexão:
[...] Educar em uma sociedade da informação significa muito mais que
treinar as pessoas para o uso das tecnologias de informação e
comunicação: trata-se de investir na criação de competências
suficientemente amplas[...]. Trata-se também de formar indivíduos para
‘aprender a aprender’, de modo a serem capazes de lidar positivamente
com a contínua e acelerada transformação da base tecnológica
(TAKAHASHI, 2000 apud PINHEIRO, 2005, p.53).

A cientista aponta para a abordagem do conceito de inclusão social proposto


por Rattner (2002), para quem a viabilidade da “educação como nucleadora das
discussões” se dá “somente quando, através da participação em ações coletivas,
excluídos são capazes de recuperar sua dignidade e conseguem – além de emprego
– acesso à moradia decente, facilidades culturais e serviços sociais como a
educação”. Para o pequisador, “não basta pesquisar e construir teorias para induzir
ações transformadoras. Os eventuais resultados terão que ser combinados com um
aprendizado social que incorpore elementos de ação coletiva, experimentação social
e políticas públicas inovadoras...” (RATTNER, 2002 apud PINHEIRO, 2005)
Por fim, Pinheiro aborda a importância de na “Educação da Sensibilidade”
pensar-se em rede e recorre à metáfora das “portas que se abrem” por meio do
aprendizado, como o que agora se constitui a partir deste Trabalho de Conclusão de
Curso na área da Acessibilidade Cultural:
Na abertura de portas ou, quem sabe, no ultrapassar muros e montanhas,
alguns empecilhos sejam enfrentados. Em primeiro lugar, o antigo problema
das “duas culturas” que Snow (1997) há tanto tempo (1959) percebeu e que,
apesar da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade hoje tão estudadas, é
difícil na sua passagem para ação, mesmo hoje existindo “áreas de
confluência”. Ainda não foi conseguido, na prática e na medida do necessário,
anular a distância entre a “cultura humanística” e a “cultura científica”, ou
entre ciências físicas e naturais e as artes, ou mesmo entre engenharias e
tecnologias e as humanidades. As propostas teóricas, como informação em
arte, ainda muito nova, e educação pela arte e “educação da sensibilidade”
trazem para o centro do processo arte e educação, de forma articulada,
muitas vezes periféricas e dispersas na implementação de políticas públicas.
Para que a inclusão social seja plenamente alcançada, o essencial é que
idéias inovadoras sejam incorporadas e ações integradas e integradoras
permeiem todo o processo, até que o conhecimento e a consciência possam
guiar verdadeiros cidadãos. (PINHEIRO, 2005, p. 55)
133

Diante de tanto aprendizado, mas ainda com fome de saber e de aprender, a


pesquisadora encerra este tópico retomando a Savarin, como numa espiral, para
uma última reflexão quanto à relevância de uma Gastronomia para Todos:
A gastronomia é um dos principais vínculos da sociedade; é aquela que
amplia gradualmente aquele espírito de convivência que reúne a cada dia as
diversas condições, funde-as num único todo, anima a conversação e suaviza
os ângulos da desigualdade convencional. (SAVARIN, 1995, P. 144)
134

5 CONCLUSÃO: HORA DE AGIR

Este trabalho inscreveu-se na encruzilhada de novos paradigmas nas áreas


da Acessibilidade Cultural e da Gastronomia. No centro do encruzo do tempo de
renovar está a passagem entre os anos de 2015 e 2016. De pé, em alerta, a
pesquisadora. É preciso total atenção para a aporia que o novo representa: partir
rumo ao “salto” ou observar o rio de Heráclito que corre, inexoravelmente?
Sob o aspecto da Acessibilidade Cultural destacam-se dois fatos, um deles
em escala mundial; outro, nacional. Simbolicamente, desde 2015, o mundo passa a
referenciar a acessibilidade a partir de um novo símbolo, de concepção
antropocêntrica, criado pela ONU, e que, à pesquisadora, remete ao Homem
Vitruviano de Leonardo Da Vinci, ícone do Renascimento. No Brasil, no mesmo ano,
é sancionada a Lei Brasileira da Inclusão, em vigor desde 02 de janeiro de 2016.
Sob o aspecto da Gastronomia, é sancionado, no Rio de Janeiro, o Marco
Referencial que institui a “Comida como Cultura”.
Iniciou-se esta pesquisa sob a hipótese da relevância dos estudos da
acessibilidade nos cursos de Gastronomia – em especial o Curso de Bacharelado
em Gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – acreditando-
se que, ao ampliar o conhecimento para além da abordagem da deficiência,
estariam os futuros gastrônomos e gastrônomas capacitados a favorecer a todas as
pessoas melhor acolhimento, acesso aos prazeres da mesa e à cultura
gastronômica e, consequentemente, a inclusão sociocultural, contribuindo para
melhorias significativas na qualidade de vida de todos os envolvidos. Ao final da
pesquisa, todos os indícios parecem validar a hipótese.
Um dos objetivos específicos apontava para a intenção de evidenciar
pressupostos, noções, terminologias e construtos teóricos da Acessibilidade Cultural
e da Gastronomia visando a constituir-se um “tear epistemológico” a partir do
conceito de comensalidade, o que fora alcançado no Capítulo 3.
Também pretendeu-se, por meio de ações de sensibilização, de
acessibilização e de capacitação/formação, demonstrar de que forma a cultura
gastronômica pode ser tornada acessível e acessável para todos. Diversas ações
foram empreendidas pela pesquisadora juntamente com os alunos do Curso de
Bacharelado em Gastronomia da UFRJ e, além de uma série de produtos
acessibilizados, também resultaram na concretização do primeiro Jantar às Escuras
135

realizado na UFRJ e acarretaram muitos aprendizados do ponto de vista da


inclusão, devido, em parte, à participação de dois estudantes de Gastronomia da
UFRJ com limitações visuais, os quais fizeram parte de todas as ações
empreendidas: foram ampliadas as perspectivas de aprendizado de todo grupo,
resultando em novas iniciativas, formando-se uma espiral de novos conhecimentos e
de novas ações, dentre as quais destaca-se a criação de uma audioteca de
conteúdos acadêmicos específicos da Gastronomia. Envolvidos em processos de
aprendizagem que reuniram teoria e prática por meio de métodos inovadores, como
o da cognição corporificada, os alunos responderam positivamente ao aprendizado
acerca da acessibilidade, o que fora internalizado e demonstrado nos documentos
de avaliação como as provas e os trabalhos realizados em grupo. A inclusão efetiva
no grupo potencializou o empoderamento dos dois alunos com limitações visuais, o
que fora ilustrado neste trabalho por meio de depoimento de um deles.
Complementando-se a pesquisa empírica, ao investigar a percepção e o
sentimento de pessoas com deficiência visual – cegos e pessoas com baixa visão –
sobre o acesso à cultura gastronomia e aos momentos de comensalidade em casa e
fora de casa, foram reveladas situações que caracterizam a vulnerabilidade a que
estão, involuntariamente expostas, todos os dias, aquelas pessoas. Imediatamente
foram eliciadas novas reflexões, agora relativas à vulnerabilidade de pessoas com
outras tipologias de deficiências e também as pessoas com transtornos... Quantas
pesquisas futuras?
Os principais resultados da investigação realizada para este TCC revelaram a
Acessibilidade Cultural para além da condição de acesso: revelou-se uma
acessibilidade que é também condução de acesso. Apenas uma letra capaz de
alterar um termo e, consequentemente, dirigir à ação fundamentada em uma
concepção, de fato, “universal”. A constatação ratifica a urgência e o momento
demanda sensibilidade. Pois como já fora dito na abertura deste trabalho, quem está
vivo tem pressa, pressa de viver a vida em sua plenitude.
Impulsionada pela urgência da vida e apropriando-se de todo o aprendizado
deste percurso, a pesquisadora toma para si o professor no papel de mediador da
informação com vistas ao conhecimento e encarna o compromisso primeiro de
educar, refletindo Paulo Freire: revelar, para motivar o educando a tirar de dentro de
si o novo, capaz de potencializar a transformação.
136

Apropriando-se da perspectiva da “Educação da Sensibilidade”, objetiva


ratificar a Acessibilidade em Gastronomia não como uma condição para um grupo
específico de pessoas, mas como uma condução inclusiva, capaz de, no escopo
deste trabalho, unir pensamentos e esforços em prol de uma “Gastronomia para
Todos”.
Iluminando a encruzilhada, o chamamento da coordenadora do Curso de
Especialização em Acessibilidade Cultural, Profª Drª Patrícia Dorneles, conforme
registrado na página 68 deste trabalho: “Acessibilidade Cultural deve ser entendida
como parte das políticas de cidadania cultural”. Como resposta, propõe-se a criação
da disciplina eletiva Acessibilidade em Gastronomia e o grupo de pesquisa
homônimo, ambos no Curso de Bacharelado em Gastronomia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. A estrutura da disciplina apresenta-se a seguir.

Disciplina Acessibilidade em Gastronomia


Professora responsável: Verônica de Andrade Mattoso

Ementa: Dar a conhecer construtos teóricos, dispositivos legais e práticas de


acessibilidade, a fim de que futuros gastrônomos e gastrônomas possam apropriar-
se de conhecimento com vistas à promoção do acesso à gastronomia para todas as
pessoas, inclusive as pessoas com deficiência, favorecendo-lhes o acolhimento, o
acesso aos prazeres da mesa e à cultura gastronômica e, consequentemente, a
inclusão sóciocultural, contribuindo para promover melhorias significativas na vida de
todos os envolvidos.

Conteúdo Programático: 1) Contextualização histórica do Movimento pelos Direitos


das Pessoas com Deficiência e panorama atual brasileiro. 2) Noções, conceitos,
definições e estruturas legais de acessibilidade. 3) Dimensões de acesso. 4)
Acessível/Acessável: Desenho Universal, Adaptações Razoáveis, Tecnologia
Assistiva e Tecnologias da Informação e da Comunicação. 5) Cognição
Corporificada: dinâmica de sensibilização para as deficiências. 6) Conhecendo a
realidade das pessoas com deficiências congênitas e adventícias (relatos de
experiências). 7) Práticas da Gastronomia Acessível e Acessável na promoção da
comensalidade e da cultura para todos!
137

Carga horária: 45 horas, divididas em 3 (três) horas cada.

Plano de Aulas:

Aula 1: História do Movimento pelos Direitos das Pessoas com Deficiência –


objetivo: contextualização

Aula 2: Acessibilidade – estruturas conceituais e legais – objetivo: conscientização e


mobilização

Aula 3: A Gastronomia e as Dimensões de Acesso – objetivo: caracterização

Aula 4: Gastro Acessível/Acessável: Des Universal/Adap Razoáveis/ T.A+T.I –


objetivo: instrumentalização

Aula 5: Avaliação 1

Aula 6: Entrega de notas e revisão de conteúdo

Aula 7: Cognição Corporificada (parceria T.O) – objetivo: sensibilização

Aula 8: Conhecendo a realidade das pessoas com deficiência (relatos) – objetivo:


vivência

Aula 9: Práticas de uma Gastronomia Acessível e Acessável para todos – objetivo:


instrumentalização (Prancha Fácil, QRCode, audiodescrição, LIBRAS, convite
sonoro, cardápio em braile, cardápio sonoro etc)

Aula 10: Eliminando barreiras atitudinais e comunicacionais na prática – objetivo:


instrumentalização prática (Excertos dos Guias de Eventos)

Aula 11: Construindo um novo olhar acerca das possibilidades de acesso – objetivo:
criação em grupo e compartilhamento
138

Aula 12: Atividade 2 – Comensalidade Informacional – apresentação dos trabalhos


criados

Aula 13: Entrega de notas da Atividade 2 e revisão de conteúdos

Aula 14: Prova final

Aula 15: Entrega de Notas

As referências para a disciplina serão compiladas deste trabalho.

Cabe destacar que tanto a criação do grupo de pesquisa quanto a


implementação da disciplina Acessibilidade em Gastronomia estão condicionadas à
aprovação do Colegiado do Curso de Bacharelado em Gastronomia e à
Congregação do Instituto de Nutrição Josué de Castro.
Enquanto aguarda os desdobramentos, ávida por novas possibilidades de
aprender acerca da Acessibilidade Cultural, da Gastronomia e da Acessibilidade em
Gastronomia, a pesquisadora encontra lenitivo na prece do professor Hilton Japiassu
(1994) e curva-se diante do compasso do tempo: “Fome nossa de cada dia, nos dai
hoje!”
139

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SASSAKI, Romeu Kazumi. A sete passos da inclusão. In: Um difícil caminho.


Revista Ensino Superior. Edição 183. p. 38-41. 2014.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação.


Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, a. 12, p. 10-16, mar./abr.
2009.

SAVARIN, B. A Fisiologia do gosto. Trad.: Paulo Neves. Ed Companhia das Letras:


São Paulo, 1995.

TANAJURA, L L Castro; BEZERRA, A A C. Pesquisa-Ação sob a ótica de René


Barbier e Michel Thiollent: Aproximações e Especificidades Metodológicas.
Rev.Eletrônica Pesquiseduca, Santos, v. 07, n. 13, p.10-23, jan.-jun.. 2015

TANGARIFE, Timóteo; MONT’ALVÃO, Cláudia (Orientador). A acessibilidade nos


websites governamentais: um estudo de caso no site da Eletrobrás. Rio de Janeiro,
2007. 394p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Artes e Design, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 16 Ed. São Paulo: Cortez,


2008. (Coleção Temas Básicos de Pesquisa-Ação).

TUCKERMAN, Nancy e DUNNAN, Nancy - O livro completo de etiqueta de Amy


Vanderbilt (The Amy Vanderbilt Complete Book of Etiquette) Trad. de Marta Rodolfo
Schimidt. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2000.

VERTHEIN, U; VAZQUEZ-MEDINA, J.A . Os territórios do comer. In: Dossiê Cultura


e Gastronomia. REVISTA CULT. Edição 198. Ano 18. Fev 2015. p. 26-29

WERSIG, Gernot; NEVELLING, Ulrich. The phenomena of interest to Information


Science. The Information Scientist, v. 9, n. 4, p.127-140, dec. 1975.

WHO. World Health Organization. Disponível em:


http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs282/en/.
148

APÊNDICE 1

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


149

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ACESSIBILIDADE CULTURAL

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Título do estudo: Gastronomia acessível e acessável: conhecimento e


comensalidade na abordagem e na percepção de pessoas com deficiência visual

Pesquisador(es) responsável(is): Verônica de Andrade Mattoso

Instituição/Departamento: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de


Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina, Departamento de Terapia Ocupacional,
Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural

Telefone para contato: (21) 7816-4768

Local da coleta de dados: Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Prezado(a):

 Você está sendo convidado(a) a participar, de forma voluntária, de uma


pesquisa acadêmica, por meio de uma entrevista.
 Antes de concordar em participar desta pesquisa, é muito importante que
você compreenda as informações e instruções contidas neste documento.
 Os pesquisadores deverão responder todas as suas dúvidas antes que você
decida participar.
 Você tem o direito de desistir de participar da pesquisa a qualquer momento,
sem nenhuma penalidade.

Objetivo do estudo: Destacar a relevância dos estudos da acessibilidade nos


cursos de Gastronomia, em especial o Curso de Bacharelado em Gastronomia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Procedimentos. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder às


perguntas elaboradas pela pesquisadora durante uma entrevista sobre a temática
em abordagem.
150

Benefícios. Esta pesquisa trará maior conhecimento sobre o tema abordado, com
benefício direto para você, tipificando as reais necessidades informacionais sobre o
acesso à gastronomia para todas as pessoas, com ou sem deficiência.

Riscos. A participação na entrevista não representará qualquer risco de ordem física


ou psicológica para você.

Sigilo. As informações concedidas por você serão confidenciais e de conhecimento


apenas dos pesquisadores responsáveis. Os sujeitos da pesquisa não serão
identificados em nenhum momento, mesmo quando os resultados desta pesquisa
forem divulgados.

Divulgação. Os resultados da pesquisa podem ser amplamente divulgados pelos


pesquisadores responsáveis em quaisquer meios, acadêmicos ou não.

Com quem você deve entrar em contato em caso de dúvida:

Você poderá esclarecer dúvidas sobre o estudo ou algum dado relacionado à


pesquisa entrando em contato com a aluna do Curso de Especialização em
Acessibilidade Cultural da UFRJ, Verônica de Andrade Mattoso (e-mail:
veronicamattoso@uol.com.br ou pelo celular 21 7816-4768) ou com o professor
orientador Francisco Nilton Gomes de Oliveira (email: niltonoliveira@superig.com.br
e celular (21) 99547-7604), respectivamente pesquisadora e orientador desta
pesquisa.

Consentimento
Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem penalidades ou prejuízos. Eu receberei
uma cópia desse Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a outra
ficará com o pesquisador responsável.

Rio de Janeiro, ___________de _________________________de 2015

_______________________________

Assinatura do(a) participante

Nome:

_______________________________

Assinatura do(a) orientador(a) da pesquisa

Nome: Francisco Nilton Gomes Oliveira

AGRADECEMOS A COLABORAÇÃO
151

APÊNDICE 2

Roteiro semiestruturado para Escutatória


com Pessoas com Deficiência Visual
(usuárias da Gastronomia como produto cultural)
152

Apêndice 2:

Roteiro semiestruturado para Escutatórias com Pessoas com Deficiência Visual


(usuárias da Gastronomia como produto e como cultura) residentes na Regi8ão
Metropolitana do Rio de Janeiro

1) Perfil: Idade, Gênero, Estado Civil

2) Introdução ao conceito de comensalidade

2.1 Você conhece este conceito? Quem é você como anfitrião, conviva e/ou
comensal?

2.2 De que forma a comensalidade está presente na sua vida:

a) Em casa: no cotidiano e em ritos de passagem

b) Fora de casa: nos cafés, bares, restaurantes e eventos

3) Comensalidade em casa:

3.1: Quem cozinha na sua casa?

3.2: Quem faz as compras de supermercado? Como é esta vivência?

3.3: Você frequenta feiras livres, sacolões ou hortifrutis? Como escolhe os


itens de seu interesse?

3.4: Os eletrodomésticos são adequados para sua utilização? Ou tem que


fazer adaptações?

3.5: E os momentos à mesa, em família? São bons ou maus momentos?

3.6: E nas datas festivas? Como é a vivência em família? Quem prepara os


pratos principais?

3.7: Você aprendeu regras de etiqueta à mesa? Se não, gostaria?

4) Comensalidade fora de casa

4.1: Nas cafeterias?

4.2: Nos bares?

4.3: Nos restaurantes? A La carte e Self Service?

4.4: Nos eventos?

ASPECTOS: Acessibilidade Atitudinal e Acessibilidade Comunicacional:

Acolhimento: profissionais capacitados para acolher pessoas com deficiência?


153

Qualidade do atendimento dos garçons? Barreiras atitudinais?

Informações sobre o que está sendo servido?

Cardápios em braile, audiodescritos ou com QRCode?


154

APÊNDICE 3

Documento Final de Pré-Produção do Jantar às Escuras


155

Documento produzido em 09.05.15


após definições estabelecidas na reunião de pré-produção
ocorrida em 08.05.15 – 11h - Bloco N – sala 202 - CCS – UFRJ
Profª Verônica Mattoso

JANTAR ÀS ESCURAS
ATIVIDADE COMPLEMENTAR
ALUNOS DO CURSO DE GASTRONOMIA DA UFRJ
156

Participantes da Reunião

 Alunos envolvidos no projeto (não todos)


 Professores do Curso de Gastronomia: Mara
Cnop, Laura Kyioko, Marcio Marques, Denise
Diniz e Verônica Mattoso
 Profª Patricia Dorneles, Coordenadora do
Curso de Pós-Graduação em Acessibilidade
Cultural e coordenadora do III ENAC, do qualo
Jantar às Escuras faz parte como atividade
complementar.
157

Marca aprovada
158

Dados do evento
 Evento institucional – parte do III ENAC
 Dia: 13 de maio de 2015
 Hora: das 19h às 22h
 Local: CBAE – Colégio Brasileiro de Altos Estudos
da UFRJ – Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo – Rio
de Janeiro (ao lado do Instituto Fernandes
Figueira). Antigo prédioda UNE – União Nacional
dos Estudantes. Mesmo prédio onde funciona o
Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ
159

O prédio do CBAE
160

ATENÇÃO!
 Próximo ao Metrô Flamengo
 Não tem estacionamento no local
 Estacionamento + próximo, na mesma rua do
CBAE, a cerca de 300 m do local
 R$ 5,00 a hora/ R$ 40,00 a diária
Link com mais infos sobre o local
http://www.panoramio.com/photo/56042896
161

Acolhimento: Orunmilá AD
162

Justificativa
 Similaridade cultural África/Brasil - sincretismo religioso: culto
aos Santos e aos Orixás
 “Orunmilá” é uma obra de arte visual bidimensional da artista
plástica Teresa Moura. Para a obra, já foi produzida AD (áudio-
descrição). O roteiro é de Daniel Falcão e já foi aprovado por
pessoas com deficiência visual na exposição “Ancestralidade
no Universo – A Força da Origem”, realizada em 2010.
 O roteiro de AD do Orunmilá está em fase de gravação
para produção da exposição “Orixás Acessíveis e Acessáveis”,
comcuradoria da Profª Verônica Mattoso
 Imagem com direito de utilização cedido pela artista plástica
163

Acolhimento: Leques
164

Justificativa
 O salão onde o “Jantar às Escuras” vai
acontecer não tem ar refrigerado
 A peça promocional cumpre o papel de
difundir o conceito “Gastronomia para
Todos”, proposto pela Profª Verônica Mattoso
na abordagem da Acessibilidade em
Gastronomia
165

O SALÃO
Área da planta baixa, a seguir,
onde estão demarcadas as mesas
com círculos em vermelho e branco

Fotos obtidas na tarde do dia 080515,


em visita ao local quando ocorria a
desmontagem de uma exposição
166

Planta Baixa
167

Porta de acesso ao Salão: lateral


esquerda da planta baixa
168

Mesma porta de entrada, agora


fotografada pelo lado interno do Salão
169

Trio de portas que dão para o pátio


descoberto (marcado com pontilhado vermelho na planta baixa)
170

Trio de portas que dão para a VARANDA


COBERTA da planta baixa , voltada p/ rua
171

Porta lateral à direita na planta baixa


172

 Áreas de Produção
Haverá duas áreas de produção:
1) está marcada na planta baixa
como Centro de Pesquisa
2) está marcada como Restaurante
173

Área de Montagem: para saída de bebidas e finger foods


frias (marcada na planta com o nome de Centro de Pesquisa,

depois do Pátio Descoberto)


174
Outra foto da Área de Montagem: para saída de
bebidas e finger foods frias
175

Outra área de produção para saída das finger


foods quentes: marcada como Restaurante na
planta baixa
176

Outro ângulo: Restaurante


177

Estrutura de atendimento
 Jantar Finger Food
Fundamentação teórica para a escolha do
tipode jantar em:
LEITE, André. Finger food: sabor e
sofisticação em miniporções. Rio de Janeiro:
Senac Nacional, 2014. 156p. Fotos (sugestão
de referência apresentada pelo aluno Marcos
Vinicio – 4º período)
178

Estrutura de atendimento
 Cardápio temático cabo-verdiano
 64 participantes (agentes de cultura)
 8 mesas de 8 lugares cada
 Toalhas longas adamascadas marfim
 2 taças (1 bicode jaca para Sumo + 1 cristal para água)
 Lavanda
 Minisousplats forrados de juta
 Guardanapos de linho branco c/ guipure
 Guardanapos de papel Rappanui G e P
 Todo o serviço será disposto em louças brancas, à
exceção dos docinhos da minissobremesa
179

Mise en place
180

Cardápio
Jantar às Escuras Finger Food cabo-verdiano

Produção:
professores e alunos do
Curso de Bacharelado em Gastronomia
UFRJ
181

Jantar às Escuras Finger Food


cabo-verdiano

 Amuse-buche: "Quintal de Santos e Orixás -


Chega Bo, entra!“
 Entrada: "Crêcheu de salteado vegano e pasta“
 Primeiro Prato: "Cachupa Cabo-verdiana“
 Segundo Prato: "Mariscada Crioula“
 Minissobremesa: “Morabeza”
182

Justificativa para a escolha


do cardápio

Jantar às Escuras Finger Food cabo-verdiano


 Em homenagem à influência dos negros africanos para a
diversidade cultural brasileira, no dia em que se
comemora a abolição da escravatura no Brasil
 Temos no corpo discente do Curso de Gastronomia da
UFRJ um aluno natural de Cabo Verde, Ernani Morais,
com quem estamos aprendendo diversos aspectos da
comensalidade daquele país.
183

Cardápio Cabo-verdiano

 Amuse-buche: "Quintal de Santos e Orixás -


Chega Bo, entra!"
 Trio de mini legumes recheados com couscouz
marroquino (cebolinha echalote, tomatinho cereja e
miniabobrinha).
 Os elementos da terra compõem a base do cardápio
de Cabo Verde. Além disso, em todas as festividades,
em função do sincretismo religioso, é praxe pedir
bênção tanto aos Santos quanto aos Orixás para a
abertura dos eventos.
184

Sugestão de composição
Profª Laura Kyioko – imagem acervo pessoal
185

Montagem da Entrada
186

Entrada
"Crêcheu de salteado vegano e pasta"

 Berinjela, cenoura, cebola, chuchu, brócolis


com mini-penne colorido integral.
 Legumes e verduras norteiam a cultura
gastronômica de Cabo Verde.
 A palavra "Crêcheu", em crioulo cabo-
verdiano, significa “Acolhimento".
187

Sugestão de composição
Foto Google
188

Montagem do Crêcheu
189

Primeiro Prato:
"Cachupa Cabo-verdiana"

 Principal prato típico de Cabo Verde

 Elaborada à base de milho e com


feijãobranco, feijão rosinha, feijão
carioca, vegetais e carne de porco.
190

Sugestão de composição:
foto Google
191

Sugestão de Montagem Cachupa


192

Segundo Prato:
"Mariscada Crioula"
 Arroz com mariscos (camarão, lula, polvo esururu)
 As águas que banham o arquipélago de Cabo Verde
oferecem grande diversidade de frutos do mar. Além do
Português como língua oficial, o crioulo cabo-verdiano é
outra língua originária do país e reúne elementos de
diversas culturas, promovendo grande diversidade nos
aspectos dacomensalidade. Uma expressão de
acolhimento cabo-verdiana demonstra isso:

“Kasa pekenin, ma crozon é grande” 



193

Sugestão composição
"Mariscada Crioula“ Foto: Google
194

Sugestão montagem Mariscada


195

Minissobremesa: “Morabeza”:
este item será produzido pela Queen Doces

A minissobremesa encerra o serviço do Jantar Finger Food.


É composta por um trio de docinhos de festa produzidos à
base de frutas: mamão, banana e goiaba

Tradicionalmente, os doces de frutas encerram as refeições


em Cabo Verde.

A palavra "Morabeza" é também utilizada no sentido


de“Acolhimento”, porém, representando um trio de
sentimentos nobres: afeto, carinho e amor.
196

Minissobremesa: “Morabeza”:
produção Queen Doces
197

Sugestão de composição
modelo: brigadeiro salgado Rappanui em base de finger food
198

Sugestão montagem “Morabeza”:


colherinhas coloridas como referência à
multiplicidade de cores da África
199

BEBIDAS
(além de água com e sem gás)

Cardápio harmonizado
com itens à base de maçã
sugestão Luiz Antonio Barros
enófilo e sommelier - Cais de Icaraí
200

Sumo
bebida típica de Cabo Verde, produzida à base de
maçã ácida. Espécie de chá gelado. Produção:
professores e alunos do CBG UFRJ
201

Bardoco - Vinho Frisante de Maçãs

Atenção

As flutes para este


serviço não compõem o
Mise en place e serão
trazidas pelo garçon na
entrada do serviço do
frisante .
202

Bardoco
 ORIGEM: São Joaquim – SC – Serra Catarinense.
 TIPO DE MAÇA: Fugi e Gala
 GRAD. ALCOÓLICA: 11% vol.
 ALTITUDE: 1.100 a 1.300 m.
 CLIMA: Montanhoso, frio.
 COLHEITA: Manual com seleção das frutas.
 PRENSAGEM: Suco extraído a baixas temperaturas através de
centrifugação
 PRIMEIRA FERMENTAÇÃO: Tanque de aço inóx com controle de
TC.
 SEGUNDA FERMENTAÇÃO: Tanque aço inox resistente a
pressão - Autoclave
 NÚMERO DE GARRAFAS: 13.500.
203

Bardoco
 ESTILO: Elaborado pelo método Charmat, o fermentado de maçã traduz toda a
qualidade de uma bebida suave e refrescante, onde seu teor alcoólico (11%) se
equilibra com o sabor da fruta fresca e o desprendimento das borbulhas
vibrantes.

 GASTRONOMIA: Gaseificado naturalmente segundo o método Charmat a


bebida, como o espumante, está associado a festas e comemorações, devido ao
apelo sensorial do desarrolhar e do líquido borbulhante, tão comuns nas
explosões de alegria que marcam os momentos especiais. Reunindo estas
mesmas propriedades, o Bardoco se revela uma bebida de amplas possibilidades
de utilização, acompanhando com elegância as mais diversas harmonizações em
happy hours, coquetéis e refeições leves, e especialidades da confeitaria como
croissant, strudel (torta de maça), mil folhas, crepes, panetones e bolos.
Temperatura 6 a 8°C.
204

Bardoco
 DESCRIÇÃO DO PRODUTO

 VISUAL: Divertido, da cor jovial amarelo claro e verdoso,


desprendem-se borbulhas finas e persistentes que formam um
colar na superfície do copo.

 AROMA: Elegante, no olfato os aromas surpreendentes da


mistura de maçãs Fuji e Gala se concretizam no prazer singular
do paladar refrescante e levemente adocicado.

 BOCA: A presença do gás carbônico e a acidez equilibrada


colocam o Bardoco como uma bebida perfeita para a pausa
necessária em uma refeição, preparando o paladar para a
próxima garfada, tornando as refeições ainda mais saborosas.
205

OUTRAS INFOS:
206

Realização
 Montagem: 12 de maio, terça, das 13h às 17h

 Evento: 13 de maio: das 13h às 22h

 Desmontagem: 13 de maio: das 22h30 às 24h

 Devolução de materiais: 14 de maio


207

Obrigada e até lá!

Profª Verônica Mattoso


Coordenação Geral do Jantar às Escuras
Nextel 21 7816-4768 ID 24*20335
E-mail : veronicamattoso@uol.com.br

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