Você está na página 1de 11

Pressupostos teórico-metodológicos sobre o ensino de geografia:

Elementos para a prática educativa* 

Jeani Delgado Paschoal Moura * * 


José Alves * **

Resumo
Este ensaio tem como objetivo discutir alguns dos pressupostos teórico-metodológicos sobre o ensino de Geografia,
visando refletir acerca da prática educativa desta disciplina, para a formação política, social e cultural do educando,
situando-o como sujeito social, não só no processo de ensino-aprendizagem, mas, sobretudo, na compreensão da
sua inserção nas diferentes “espacialidades”. Nesse sentido, realiza-se algumas discussões a respeito do histórico do
pensamento geográfico, compreendendo a influência da Geografia européia no desenvolvimento da Geografia brasi-
leira e os seus desdobramentos no ensino escolar. Posteriormente, enfoca-se a questão do entendimento do objeto de
investigação da ciência geográfica como elemento fundamental para a ação docente, nos diversos níveis de ensino,
e, por fim, analisam-se as perspectivas do ensino de Geografia na atualidade.
PALAVRAS-CHAVE: Geografia, Referencial Teórico, Ensino, Professor, Educando Sujeito Social.

THEORETICAL-METHODOLOGICAL PRECONCEPTIONS ABOUT THE TEACHING OF GEOGRAPHY:


ELEMENTS FOR EDUCATIONAL PRACTICE

Abstract
This essay has as an objective to discuss some of the theoretical-methodological preconceptions about the teaching
of geography, attempting to reflect upon the educational practice of this subject for the political, social and cultural
formation of the learner, placing them as a social individual not only in the teaching-learning process but above all
in the comprehension of their insertion in the different “spatialness”. In this sense some discussions concerning the
history of the geographical thought are carried out, understanding the influence of the European geography into the
development of the Brazilian geography and its development in the school teaching. Afterwards, we focus on the is-
sue of understanding the object of investigation of the geographical science as a fundamental element to the teaching
action in the several levels of teaching, and finally we analyse the view of teaching geography in the present time.
KEY WORDS: Geography, Theoretical Reference, Teaching, Teacher, Teaching Social Individual

INTRODUÇÃO cidadão, dando-lhe instrumentos para realizar a


“leitura” da realidade em que vive, e assim vir-a-ser
O mundo atual tem colocado novos desafios um agente de transformação, ou ainda, um sujeito
para a escola e para o ensino que se desenvolve social capaz de construir sua própria história. No
no seu interior, particularmente, o de Geografia, entanto, para que isso seja alcançado no meio
disciplina que pode contribuir significativamente escolar, é preciso buscar no referencial teórico as
no processo educativo, pois sabe-se que ela (jun- bases da ciência que se quer ministrar, bem como
tamente com as outras disciplinas na escola) tem a elucidação de seu objeto, pois será a partir dessa
como objetivo contribuir com a formação do aluno clareza teórico-metodológica que se terá subsídios

* Texto desenvolvido a partir das discussões e reflexões realizadas na disciplina “Metodologia e Prática do Ensino de Geografia:
Estágio Supervisionado”, ministrado pela profª. Jeani Delgado Paschoal Moura, no Curso de Graduação em Geografia da Univer-
sidade Estadual de Londrina – UEL (2001).
Nossos agradecimentos as sugestões feitas pela profª. Dr.ª Alice Yatiyo Asari.

** Professora do Curso de Geografia da Universidade Estadual de Londrina – UEL. E mail: jeani@uel.br

*** Mestrando do Curso de Pós-Graduação em Geografia na FCT – UNESP – Presidente Prudente. E mail: bairral@hotmail.com
Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002 309
para construir uma prática pedagógica significativa até meados do século XVII conseguem incorporar
para o aluno, “cidadão do mundo”. praticamente todas as regiões do planeta ao centro
Nesse sentido, analisar as formulações difusor do capitalismo.
teóricas sobre o ensino de Geografia, torna-se [...] com a descoberta de novas terras torna
fundamental para compreender a situação dessa possível a expansão extra-européia das relações
disciplina em sala de aula, bem como discutir uma capitalistas, a apropriação e incorporação desses
prática de ensino, baseada num processo de ensino- territórios exige o conhecimento de raridade tão
aprendizagem que leve em conta o educando como distintas do quadro europeu como diferenciadas
agente social, sujeito desse processo. entre si. Daí porque, com a exploração colonial,
Para isso, realizar-se-ão algumas discussões o levantamento de informações vai dar de forma
sobre o histórico do pensamento geográfico e sua criteriosa, dando origem a um enorme acervo de
relação com o ensino, de modo a compreender a in- dados (PEREIRA, 1999, p. 84-85).
fluência da Geografia européia no desenvolvimento
da Geografia brasileira e seus desdobramentos no Nota-se que um outro ponto levantado pela
ensino escolar, e, em seguida, discute-se a questão autora, refere-se ao desenvolvimento das técnicas
do objeto da ciência geográfica na tentativa de cartográficas que constitui o instrumento por “ex-
demonstrar a sua relevância no exercício de sele- celência do geógrafo”, pois, conforme a articulação
cionar e organizar os conteúdos em sala de aula. de regiões diferentes e distantes do globo, havia a
Finalmente, analisam-se as perspectivas do ensino necessidade de mapas confiáveis que facilitassem
de Geografia na atualidade. as trocas e propiciassem o real conhecimento da
extensão das colônias pelas metrópoles.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA Quanto à ordem ideológica, a mesma autora
DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO E SUA discute a influência da produção filosófica do Ilu-
RELAÇÃO COM O ENSINO minismo no pensamento científico. Nesse sentido,
“o pensamento científico e a ordem cognitiva do
O entendimento da evolução histórica da século XIX solidificam, através da possibilidade
ciência geográfica é importante para se fazer a rela- racional da intervenção do homem sobre a nature-
ção desse conhecimento com o ensino. No entanto, za e da eficácia científica, uma fé generalizada no
deixa-se claro que o objetivo desse ensaio não é progresso” (PEREIRA, 1999, p. 90).
traçar uma evolução do pensamento geográfico, Na visão da autora, tais pressupostos (mate-
mas sim levantar pontos reflexivos e elementos para riais e ideológicos) foram importantes para conso-
a prática educativa, pois, para entender o ensino lidar o pensamento científico que deu base para a
dessa disciplina, deve-se remeter a análise, ainda estruturação do sistema capitalista e da cristalização
que superficialmente, ao surgimento da Geografia do pensamento da burguesia. Esses pressupostos2
científica da Europa do século XIX, de modo a influenciaram a consolidação da Geografia como
compreender suas influências na Geografia brasi- ciência, uma vez que deram condições de legitimar
leira e seus desdobramentos no ensino. o pensamento burguês da época. Ela surge como
Ao buscar entender a constituição da Geo- ciência na Alemanha, para responder “... duas
grafia moderna, científica, não se pode deixar de necessidades básicas: a unificação do território e a
levar em conta alguns pressupostos gerais para o conquista de um lugar privilegiado para a Alema-
aparecimento dessa. Segundo Pereira (1999, p. 84- nha no conjunto das demais nações [européias].
94), esses pressupostos pertencem a duas ordens E essas necessidades só poderiam ser resolvidas
distintas: materiais e ideológicas. através da criação do Estado nacional e da expansão
No primeiro caso, destacam-se as condições territorial” (PEREIRA, 1999, p. 111).
ligadas à expansão européia1, através das grandes Segundo Moreira (1994, p. 22), se para o
navegações, que capitalismo alemão a Geografia tem esse papel
de dar resposta à unidade do território, para o
capitalismo inglês e francês o papel da Geografia

310 Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002


é de viabilizar a expansão colonial. Se por um lado O fato de remeter a análise para esse momen-
a Geografia contribuiu para o expansionismo euro- to histórico em que a ciência geográfica se institu-
peu e para a estruturação do capitalismo no mundo, cionalizava, é fundamental para trazer à discussão
buscando descrever os vários lugares das colônias e fatores surgidos nesse momento, que ainda perma-
suas riquezas, por outro, “... nos países europeus a ins- necem na prática educacional como: a questão da
titucionalização escolar da Geografia tem a ver com dicotomia entre a Geografia Física e Humana3 e
interesses em conhecer o próprio território e veicular conseqüentemente o método utilizado para analisar
através da própria disciplina princípios, valores, idéias essa relação do homem com a natureza.
de patriotismo” (CALLAI, 1995, p. 14). Acrescenta- Esse método utilizado no ensino da Geo-
se ainda que na Alemanha a Geografia esteve presente, grafia “tradicional” (a dicotomia entre sociedade
primeiramente, no currículo escolar desde a escola e natureza), e, conseqüentemente, o saber por ela
primária até nos cursos universitários. transmitido, “elimina o raciocínio e a compreen-
Além disso, são e leva à mera listagem de conteúdos dispostos
numa ordem enciclopédica ...” (PEREIRA, 1999,
[...] na França a Geografia também se institucio- p. 30). Segundo Pereira (1999, p. 32-33), esta
nalizou a partir do último terço do século XIX. forma de trabalhar a Geografia não corresponde à
E seguindo a tese levantada por Capel de que o organização humana no espaço, pois não considera
ensino e a escolarização da disciplina a torna ins- que, todo arranjo espacial contém em si relações
titucionalizada e gera o seu desenvolvimento, na
sociais. É importante frisar que a consagração do
França em 1870 o impacto produzido pela derrota
modo dualista de encarar o homem e a natureza,
frente à Alemanha foi decisivo para a reforma do
que ainda é muito marcante nas aulas como nos
ensino. Nesta, a Geografia passou a ter mais pre-
manuais (livros didáticos / apostilas / programas
sença no primário, secundário e na universidade
oficiais), decorre da minimização das relações
(CALLAI, 1995, p. 18).
sociais, e também da separação entre “relações
sociais e relações homem/natureza”. Isso acaba
Nesse contexto, para levar aos alunos o co-
por dificultar a percepção do funcionamento uni-
nhecimento do território alemão que estava se cons-
tário desses dois elementos, fundamentais para a
tituindo, era necessário formar professores, não só
formação do espaço geográfico.
no ensino primário e secundário, mas também criar
Um outro ponto é a memorização de dados
cátedras de Geografia nas universidades.
e a descrição de paisagens que, em outro momento
Segundo Cavalcanti (1998a, p. 19), a história
histórico, foi importante para saber dados sobre
da Geografia, como disciplina escolar no século
os territórios que se organizavam, ou as riquezas
XIX, teve objetivo de contribuir para a formação
dos cidadãos a partir da difusão da ideologia na- das colônias que eram vinculadas ao território
cionalista. Nessa mesma direção, Vlach argumenta das potências européias. Vale lembrar que em
o caráter ideológico da incorporação da Geografia muitas aulas, ainda se reproduz essa Geografia
no currículo escolar, pois: da “descrição dos lugares”, o que leva o aluno ao
processo mecânico de memorização, já que ele
Foi, indiscutivelmente, sua presença significativa não vê relação alguma com o seu cotidiano. Além
nas escolas primárias e secundárias da Europa do disso, a ênfase na memorização do quadro físico,
século XIX que a institucionalizou como ciência, sem entender a relação sociedade e natureza, acaba
dado o caráter nacionalista de sua proposta pe- despolitizando o discurso geográfico, pois retira
dagógica, em franca sintonia com os interesses a capacidade de reflexão e de fazer história que
políticos econômicos dos vários Estados-nações. somente o sujeito é capaz.
Em seu interior, havia premência de se situar cada Assim, para discutir a Geografia brasileira
cidadão como patriota, e o ensino de Geografia e sua relação com o ensino, não se pode deixar de
contribuiu decisivamente nesse sentido, privile- analisar, como se fez, a institucionalização desta
giando a descrição do seu quadro natural (apud disciplina na Europa e a influência deixada por
CAVALCANTI, 1998, p. 19). ela. Desse modo, dentre os fatores que exerceram

Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002 311


influência na Geografia brasileira, pode-se citar: “... [...] os geógrafos que se conscientizaram da exis-
a vinda de mestres e pesquisadores europeus que tência de problemas muito graves na sociedade
tinham o Brasil como um dos lugares interessantes em que vivem e compreenderam que toda a geo-
para serem estudados; o uso do material produzido grafia, tanto a tradicional como a quantitativa e a
pelas pesquisas realizadas no Brasil, os manuais da percepção, embora se apregoando de neutras,
feitos para serem usados no país com base nos tem um sério compromisso com o status quo. (..)
europeus, a estruturação dos cursos de graduação Daí se chamarem de radicais, isto é, de tomarem
com definição da grade curricular com marcas uma atitude que, ao analisar as injustiças sociais
de estudiosos europeus, entre outras” (CALLAI, e os bloqueios a um desenvolvimento social,
1995, p. 32). vão às causas verdadeiras desses problemas, e
No Brasil, a Geografia, institucionalizada na de críticos por assumirem os seus compromissos
década de 1930, pelas Universidades e pelo IBGE, ideológicos, sem procurarem esconder-se sob a
foi baseada na escola francesa. Esta Geografia que falsa neutralidade.
vai ocorrer no país até a década de 1960 teve uma
forma de trabalhar essencialmente descritiva, com O movimento de renovação da ciência ge-
o intuito de conhecer as características e problemas ográfica no Brasil, no qual Milton Santos é figura
do território nacional, o que acabou se estruturando fundamental, fazendo críticas à Geografia “Tra-
nas universidades na mesma linha metodológica. dicional” e Quantitativa terá influência forte no
Já ao final da década de 60 e na década de 70, ensino. Surgiram propostas de incorporar no ensino
ocorrem tentativas de rompimento com a Geografia dessa disciplina reflexões da concepção dialética.
feita e ensinada, isso principalmente pela necessi- Nessa linha, é discutida a necessidade de superar
dade de estudos para embasar o planejamento e a a abstração do ensino de conteúdos geográficos, e
realização de grandes empreendimentos da época. de ter um ensino com papéis politicamente volta-
Essa tendência que teve duração não muito longa, dos para as classes populares, tendo o aluno como
mas com adeptos até hoje, ficou conhecida como sujeito do processo de ensino-aprendizagem no
Geografia Teorética ou Quantitativa (CALLAI, conhecimento do espaço geográfico.
1995, p. 34-35). Destacados os pontos que se julgou relevan-
Conforme Cavalcanti (1998, p. 18-19), após tes, passa-se à discussão e elucidação do objeto de
esse período ocorreram formulações da ciência investigação da ciência geográfica, pois será a partir
geográfica que levaram a significativas mudan- dessa clareza que se terá condições de selecionar
ças no campo do ensino de Geografia, e assim, e organizar os conteúdos que sejam significativos
como acontecia na ciência, o ensino calcado na para a prática de ensino em Geografia.
“Geografia Tradicional” também denunciava sua
fragilidade. Nesse sentido, alguns pesquisadores4 A QUESTÃO DO OBJETO DE INVESTIGA-
propuseram o ensino de uma Geografia Nova, com ÇÃO DA GEOGRAFIA E SEU ENSINO
fundamentos críticos. “No Brasil, o movimento de
renovação do ensino de Geografia faz parte de um A tarefa de definir o objeto da Geografia e
conjunto de reflexões mais gerais sobre os funda- de seu ensino, não é simples, pois há uma enorme
mentos epistemológicos, ideológicos e políticos da controvérsia em torno dessa problemática. A expli-
ciência geográfica, iniciada no final da década de cação mais comum, cotidiana, refere-se à definição
70” (CAVALCANTI, 1998a, p. 18-19). da Geografia como o estudo da superfície terrestre.
Andrade (1992, p. 122) faz menção à Geo- Esta definição apóia-se na própria definição etimo-
grafia Crítica ao se referir no pós meados da década lógica do termo: Geografia – Geo = Terra, grafia =
de 1970 a corrente de geógrafos conhecida como descrição – descrição da Terra, ou, de outra forma,
“crítica ou radical”. Segundo esse autor, a Geogra- como “ciência que tem por objeto a discussão da
fia crítica não forma propriamente uma escola, mas Terra e, em particular, o estudo dos fenômenos
fazem parte desse grupo físicos, biológicos e humanos que nela ocorrem”
(HOUAISS, 2001, p. 1444).

312 Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002


Moraes (1998, p. 13-20) lembra que outros terrestre, da velha definição da geografia, como
autores vão definir a Geografia como, entre outras, crosta do nosso planeta; e há, igualmente, o espaço
a do estudo da paisagem, onde a análise estaria extra-terrestre, recentemente conquistado pelo ho-
restrita aos aspectos visíveis do real; do estudo da mem e, até mesmo o espaço sideral, parcialmente
individualidade dos lugares, devendo abarcar todos um mistério” (SANTOS, 1996, p. 120).
os fenômenos presentes numa dada área; e uma Diante disso, o espaço que nos interessa é
outra definição seria o estudo das relações entre o o espaço geográfico que é “a natureza modificada
homem e o meio, ou, posto de outra forma, entre pelo homem através do seu trabalho. A concepção
a sociedade e a natureza. de uma natureza natural onde o homem não exis-
Dentre essas concepções, merece destaque a tisse ou não fora o seu centro, cede lugar à idéia de
defendida por Andrade (1992), de que no momento uma construção permanente da natureza artificial
atual as definições e os objetos das ciências não ou social, sinônimo de espaço humano” (SANTOS,
são imutáveis, mas sofrem transformações com as 1996, p. 19).
mudanças que operam na sociedade. Assim, pode- Nesse contexto, ainda conforme Santos
se definir a Geografia como:
O espaço deve ser considerado como um conjunto
[...] a ‘ciência que estuda as relações entre a so- indissociável de que participam, de um lado, certo
ciedade e a natureza’, ou melhor, a forma como arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e
a sociedade organiza o espaço terrestre, visando objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche
melhor explorar e dispor dos recursos da natureza. e os anima, ou seja, a sociedade em movimento.
Naturalmente, no processo de produção e reprodu- O conteúdo (da sociedade) não é independente
ção do espaço, cada formação econômico-social da forma (os objetos geográficos), e cada forma
procura organizar o espaço à sua maneira, ao encerra uma fração do conteúdo. O espaço, por
seu modo, de acordo com os interesses do grupo conseguinte, é isto: um conjunto de formas conten-
dominante e de acordo também com as suas dis- do cada qual frações da sociedade em movimento.
ponibilidades de técnicas e de capital. [...]. As formas, pois, têm um papel na realização social.
(1988, p. 26-27)
Cabe a Geografia, estudando as relações
entre sociedade e natureza, analisar a forma como A partir desses apontamentos se delineia a
a sociedade atua, criticando os métodos utilizados Geografia como “ciência da sociedade”, que tem
e indicando as técnicas e as formas sociais que como objeto de investigação o espaço produzido,
melhor mantenham o equilíbrio biológico e o bem- resultado das múltiplas relações entre os homens e
estar social. Ela é uma ciência eminentemente desses com a natureza, ou ainda, uma ciência que
política, no sentido aristotélico do termo, devendo se ocupa fundamentalmente das marcas produzidas
indicar caminhos à sociedade, nas formas de utili- no espaço como resultado do jogo de interesses
zação da natureza. Daí admitirmos que a geografia de homens concretos, situados historicamente no
é eminentemente uma ciência social, uma ciência espaço-tempo.
da sociedade. (ANDRADE, 1992, p. 14-19) Ao estudar essas relações sociais materia-
lizadas no espaço, a Geografia se coloca entre as
Ainda sobre essa discussão, Santos (1996, p. disciplinas do currículo escolar, capaz de contribuir
117) chama à reflexão quando discute o objeto da efetivamente com a proposta de educar para o
Geografia, que é o espaço, “tal qual ele se apresenta, exercício da cidadania. Mas, é importante ressaltar
como um produto histórico. São os fatos referentes ainda que, numa educação voltada para a forma-
à gênese, ao funcionamento e à evolução do espaço ção cidadã, devem-se redimensionar os conteúdos
que nos interessam em primeiro lugar”. Todavia a escolares como ferramentas que servirão para os
noção de espaço cobre uma variedade tão ampla alunos produzirem seus próprios conhecimentos,
de objetos e significações. “Há o espaço da nação desde que haja sentido e se relacione com a prática
- sinônimo de território, de estado; há o espaço cotidiana e com os demais conhecimentos anterior-

Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002 313


mente construídos por esses sujeitos sociais. Resta, cotidiana, sem esquecer as condições ecológicas,
então, conhecer as perspectivas desse ensino na que são, freqüentemente, um fator de agravamento.
atualidade no interior do processo educativo. Em seguida, é possível mostrar com precisão que
essas contradições locais, que podem ser comple-
PERSPECTIVAS DO ENSINO DE GEOGRA- tamente excepcionais, decorrem de uma situação
FIA NA ATUALIDADE “regional” de conjuntos espaciais mais vastos que
O mundo globalizado, com sua lógica de se caracterizam por contradições, as quais convém
mercado, apresenta uma visão, hoje hegemônica, levam em consideração em termos mais abstratos
onde a escola precisa ser modernizada, não no sen- e mais gerais. É então possível passar à análise
tido de viabilizar caminhos coletivos que vislumbre nacional e internacional, onde as contradições
saídas para diminuir as discrepâncias sociais, mas devem ser expressas num nível mais avançado
preparar indivíduos com habilidades cognitivas de abstração, continuando a ficar solidariamente
e sociais, capazes de responder às exigências do articulado à análise das contradições ao nível re-
mercado de trabalho. Assim, a escola continua a gional e local, dos quais as pessoas têm, ao menos
servir como instrumento útil de dominação, pois em parte, a experiência concreta. (LACOSTE,
o que importa é preparar consumidores e mãos-de- 1997, p. 194-195)
obra que “contribuam” com o futuro das empresas
e a manutenção do status quo.
Mas, se, por um lado, a escola (e com ela o Diante disso, Vesentini discute que o papel
ensino de Geografia) continua servindo como apa- apropriado para a Geografia do século XXI não é
relho reprodutor das classes dominantes, por outro, aquele tradicional no qual se memorizam infor-
constitui-se num local de encontro de diferentes mações sobrepostas, nem muito menos aquele que
culturas, de diferentes sujeitos sociais, capazes de procura “conscientizar’ ou doutrinar os alunos, na
produzirem suas próprias histórias. Não há como perspectiva de que haveria um esquema já pronto
educar para a cidadania se não considerar as lutas de sociedade futura, mas, pelo contrário, o ensino
que se travam no plano das relações concretas, de Geografia
cotidianas. É a partir daí que começa a constru-
ção de uma visão que se impõe à visão de mundo [...] deve ensinar – ou melhor, deixar o aluno des-
neoconservadora, voltada para o reconhecimento cobrir – o mundo em que vivemos, com especial
dos direitos e deveres do cidadão. atenção para a globalização e as escalas local e
Nesse sentido, que se reafirma a importância nacional, deve enfocar criticamente a questão
da Geografia para a concretização da cidadania, ambiental e as relações sociedade/natureza [...],
pois: deve realizar constantemente estudos do meio
[...] e deve levar o educando a interpretar textos,
[...] É preciso que as pessoas estejam melhor fotos, mapas, paisagens (apud CAVALCANTI,
armadas, tanto para organizar seu deslocamento, 1998a, p.23).
como para expressar sua opinião em matéria de
organização espacial. É preciso que elas sejam Para Santos (1995, p. 56), o ensino de Geo-
capazes de perceber e de analisar suficientemente grafia deve encaminhar à reflexão para o presente,
rápido as estratégias daqueles que estão no poder, de forma a propiciar aos alunos o desenvolvimento
tanto no plano local, como no internacional. [...]. de um modo de pensar dialético, que é o pensar em
Para ajudar os cidadãos ali onde eles vivem a movimento e por contradição. Já para Pontuschka
tomar consciência das causas fundamentais que (1995), a Geografia no Ensino Fundamental e
determinam o agravamento das contradições que Médio não tem como objetivo formar geógrafos,
eles sofrem diretamente é preciso, primeiro, fazer mas contribuir para a construção da cidadania, em
a análise em termos concretos e precisos dessas uma sociedade tão desigual na qual se contesta até
contradições tais como elas se manifestam ao mesmo a existência de um cidadão.
nível local, sobre os locais de trabalho e da vida

314 Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002


Nessa perspectiva, Cavalcanti (1998a, p. 24) o seu conhecimento. “Ao construir o conceito o
mostra que o “ensino de Geografia deve visar ao aluno aprende a não ficar apenas na memorização”
desenvolvimento da capacidade de apreensão da (CALLAI, 1999, p. 61).
realidade do ponto de vista da sua espacialidade. Deve-se realizar uma prática pedagógica em
Isso porque se tem a convicção de que a prática da que o conhecimento trazido pelo educando não seja
cidadania, sobretudo nesta virada do século, requer marginalizado em prol do conhecimento ocidental
uma consciência espacial”. sistematizado cientificamente. A vivência destes
Verifica-se que há uma preocupação com um alunos (seja os alunos trabalhadores, meninos de
ensino de Geografia que vai além dos conteúdos, rua, indígenas, entre outros), esse saber não teori-
ou seja, um ensino voltado para a formação polí- zado, “não trabalhado pelas múltiplas linguagens
tica do educando. Para isso, há a necessidade de de cultura”, não deve ser excluído do processo de
considerar o aluno como sujeito do processo de ensino-aprendizado como se fosse um obstáculo
ensino-aprendizagem. É necessário tornar o conhe- “ao verdadeiro saber” (RESENDE, 1989, p. 87).
cimento científico acessível ao educando, “falar a Portanto, se faz necessário que o conhecimento não
sua língua, ou uma língua que ele entenda”. seja dado como algo pronto, mas um “conhecimen-
Nesse sentido, Cavalcanti lembra que to em movimento” que acompanhe as contradições
da sociedade atual. Deve-se buscar discutir em sala
[...] quando se trata de ensinar as bases da ciência, a realidade social que é dialética, que apresenta
opera-se uma transmutação pedagógica-didática, desigualdades sociais que foi constituída historica-
em que os conteúdos da ciência se transformam em mente, e não como um dado pronto, natural.
conteúdos de ensino. Há pois uma autonomia relativa Acredita-se que ao discutir a sociedade atual, a
dos objetivos sociopedagógicos e dos métodos de partir da compreensão de sua espacialidade, o profes-
ensino, pelo que a matéria de ensino deve organizar- sor de Geografia não deve colocar o espaço geográfico
se de modo que seja didaticamente assimilável pelos apenas como palco dos acontecimentos sociais, polí-
alunos, conforme idade, nível de desenvolvimento ticos, econômicos culturais e histórico; mas ir além,
mental, condições prévias de aprendizagem e con- mostrando como a sociedade constrói e reconstrói o
dições. (CAVALCANTI, 1998a, p.22) espaço geográfico conforme os interesses das classes
sociais em um determinado momento histórico.
Nessa linha, é fundamental que se crie Ao abordar a necessidade do professor tra-
condições através de instrumentos para que o balhar a realidade do aluno, não se pode esquecer
educando compreenda e conheça a realidade em de que essa realidade não é somente o estudo do
que vive. Uma das formas mais adequadas é reali- bairro ou da cidade. Tem-se que variar a escala
zar o trabalho de construção dos conceitos, o que de análise para compreender a totalidade da pro-
supera o senso comum, pois é necessário que os blemática espacial dentro de um processo que vai
conhecimentos cotidianos sejam confrontados com “do particular ao geral e retorna enriquecido ao
as formulações teóricas, para que o senso comum particular” (PONTUSCHKA, 1999, p. 133).
seja superado e que o educando consiga entender
e dar explicações da complexidade da realidade. O professor precisa ter consciência da escala em
“As opiniões e o conhecimento que o aluno tem que está produzindo a geografia com seus alunos:
a respeito daquilo que ele conhece e de onde ele local, regional, nacional ou internacional, pois,
vive superam, também, o conceito pronto e trazido como vivemos em uma sociedade desigual do
no livro-texto ou que é ditado pelo professor, em ponto de vista social e econômico, esse aspecto
sala (...)”, pois ao construir o conceito o aluno torna-se importante, já que cada parcela do espaço
aprende realmente a entender o espaço geográfico geográfico não se explica por si mesma. O estudo
em que está inserido. Assim, a realidade em que de qualquer parte da realidade não deve restringir
ele vive passa a ter um outro significado, pois ao aos seus limites, mas estar inserido no interior de
extrapolar suas informações, exercitando a crítica um contexto maior que é social, [cultural] político,
sobre a realidade, poderá teorizar, construindo econômico e espacial.

Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002 315


Desse modo, o jogo racional das escalas é importan- compreender a espacialidade das práticas sociais
te para a compreensão entre os fenômenos sociais para poder intervir nelas a partir de convicções,
da mesma escala e sua articulação com escalas de elevando a prática cotidiana, acima das ações
outras dimensões. (PONTUSCKA, 1999, p. 135) particulares ...
É preciso, portanto, formar uma consciência es-
Diante dessa problemática que se impõe, pacial para a prática da cidadania, o que significa
coloca-se uma questão fundamental para nortear de fato compreender a geografia das coisas, para
a prática pedagógica: Como relacionar conteúdo- poder manipulá-las melhor no cotidiano, quanto
metodologia que satisfaça o papel dessa disciplina conhecer a dinâmica espacial das práticas cotidia-
como formadora de sujeitos sociais? nas “inocentes”, para dar um sentido mais genérico
Com certeza, é significativa a contribuição (mais crítico, mais profundo) a elas (CAVALCAN-
do professor que deverá desfrutar dos conceitos e TI, 1998b, p. 128).
categorias de análise da ciência geográfica, como
também de diferentes instrumentos (jornais, re- Esse educando precisa saber realizar uma
vistas, fotos, teatros, mapas, trabalhos empíricos, leitura crítica do espaço em que vive, pois assim
entre outros) que coloquem o aluno como sujeito ele conseguirá realizar uma interpretação do espaço
do processo de ensino-aprendizagem. geográfico, percebendo que também faz parte dele,
No que se refere à construção de conceitos não sendo um ser alheio (passivo), mas podendo
para a formação de uma linguagem própria da Ge- mudar a realidade a partir das suas ações.
ografia, Cavalcanti (1998b, p.88) discute que: Mas, como pode o professor formar sujeitos,
se ele próprio é objeto? O professor precisa antes
[...] o ensino [de geografia] visa à aprendizagem construir sua autonomia intelectual, ser um “intelec-
ativa dos alunos, atribuindo-se grande importân- tual orgânico” (para usar a expressão de Gramsci,
cia a saberes, experiências, significados que os 1968), pois observa-se que ele reproduz em sala de
alunos já trazem para a sala de aula incluindo, aula os modelos prontos, já que nem sempre é conhe-
obviamente, os conceitos cotidianos. Para além cedor exímio daquilo que se propõe a ensinar.
dessa primeira consideração, o processo de ensino Por isso, o professor tem que ter clareza
busca o desenvolvimento, por parte dos alunos, de teórico-metodológica da ciência geográfica, pois
determinadas capacidades cognitivas e operativa, essa compreensão lhe dará condições de definir os
através da formação de conceitos sobre a matéria objetivos, e daí a seleção do que seja o conteúdo
estudada. Para tanto, requer-se o domínio de con- dessa disciplina no Ensino Fundamental e Médio.
ceitos específicos dessa matéria e de sua linguagem Com isso, estará preparado para trabalhar no espaço
própria. (CAVALCANTI, 1998b, p.88) da sala de aula ou fora dela, “bem mais do que a
geografia-espetáculo, com o desenrolar de suas
A autora segue dizendo que a Geografia de- paisagens”, mas também com “a atualidade que os
senvolveu um corpo conceitual que constitui uma jornais, o rádio, a televisão relatam, dia após dia,
linguagem geográfica, sendo que tais “conceitos e a politização crescente dos jovens” (LACOSTE,
são requisitos para a análise dos fenômenos do 1997, p. 182), além das próprias informações trazi-
ponto de vista geográfico” (CAVALCANTI, 1998b, das e vivenciadas por seus alunos, transformando-
p. 88). Assim, os conceitos destacados são: lugar, as em conhecimento.
paisagem, região, território, natureza e sociedade5. Conforme Callai (1999, p. 58), o professor
Esses conceitos sistematizados, confrontados com tem que fazer “da geografia uma disciplina interes-
o saber cotidiano, trazidos pelos alunos, têm papel sante” que tenha a ver com a vida do educando, e
significativo para a estruturação do raciocínio ge- não trabalhar com informações, dados alheios a
ográfico, de modo a ele. O educando deve perceber que o espaço geo-
gráfico é constituído pela sociedade, como resul-
[...] formar uma consciência espacial [que] é mais tado da interligação entre sociedade e natureza nas
do que conhecer e localizar, é analisar, é sentir, é contradições e desigualdades da sociedade.

316 Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002


CONSIDERAÇÕES FINAIS quisas empíricas (trabalhos de campo), inventários,
análise de vídeos, mapas, cartas geográficas, grá-
A relação que se fez entre o histórico do ficos, fotografias, teatro, tabelas, e, se possível, o
pensamento geográfico e o ensino foi importante uso de fotografias aéreas, levantamento do espaço
à medida que trouxe à discussão fatores surgidos feito por sensoriamento remoto, além da utilização
naquele momento, que influenciaram na formação nas pesquisas dos recursos oferecidos pela infor-
da Geografia brasileira e se mantêm como prática mática.
de ensino em muitas aulas de Geografia hoje, qual O educador, comprometido com a transfor-
seja, a questão dicotômica entre a Geografia Física e mação social, precisa buscar, nas dificuldades dos
Humana, ainda não superada e, conseqüentemente, seus educandos, uma didática que surja dessa ação,
a permanência no ensino atual da Geografia “tradi- e que, na prática educativa, o diálogo gerado entre
cional” e o saber por ela transmitido, estruturado na educando e educador possa mostrar caminhos para
memorização de dados e na descrição de lugares. a construção de uma pedagogia crítica e comprome-
Quanto à descrição, não se fazem críticas, pois se tida com a parcela da população marginalizada pelo
sabe que representa uma etapa importante no pro- sistema capitalista de produção. Assim, através da
cesso de conhecimento, o problema é que o ensino socialização do saber, que a escola passe a cumprir
encerra-se nessa etapa. melhor seu papel, contribuindo com o desenvolvi-
Vê-se que, em sua trajetória, a Geografia mento social, econômico, cultural, tecnológico e
evoluiu muito, porém os avanços dessa ciência têm político de toda a sociedade.
demorado a se consolidarem na escola, através da
reorganização dos conteúdos e métodos de ensino. NOTAS
Repensar o papel da Geografia na atual sociedade é
uma prática fundamental para aqueles que procuram 1
Segundo Sodré (1989, p. 23-24) a “expansão
contribuir com a melhoria do ensino no país. Tem-se geográfica, que importa em extraordinária acumu-
consciência da dificuldade da tarefa de contribuir lação de conhecimento e em sua extrema variedade,
na formação de cidadãos, mas considera-se essen- anuncia ou instala a etapa inicial do colonialismo:
cialmente necessária para compreender a sociedade as relações das áreas incorporadas ao <mundo do
“globalizada” em que se vive. conhecido> com o Ocidente europeu são relações
Para isso o professor de Geografia tem que de dependência. Esse traço de dependência influi
ter clareza dos pressupostos teórico-metodológicos poderosamente no lançamento dos alicerces da Ge-
que orientam essa ciência e norteiam sua aplicação ografia, quando começa a separar-se de outras áreas
como disciplina escolar nos níveis Fundamental e do conhecimento e, conseqüentemente, a definir-se
Médio. É fundamental esse domínio teórico para como dotada de métodos próprios e, mais do que
que o professor possa ter autonomia no saber fazer isso, de área própria. (...) Ora, os conhecimentos
Geografia, seja numa “prática formal”, em sala de geográficos lentamente acumulados e, agora, con-
aula, ou “informal”, por meio da educação popular, sideravelmente acrescidos, anunciavam, na divisão
e, partir daí, selecionar seus objetivos, conteúdos, dos campos de estudo e pesquisa, condições para se
metodologias, com uma perspectiva política, dan- constituírem em disciplina especializada”.
do sentido ao ensino dessa disciplina. O educador 2
Além desses pressupostos que deram base para a
precisa ter claro o que seja o objeto da Geografia consolidação da Geografia enquanto ciência, não
para entender o que seja a disciplina e, a partir daí, se pode deixar de mencionar que antes do século
saber fazer a correta transmutação para o saber a ser XIX já existia uma “Geografia”, embora não da
ensinado, tornando-o acessível para a construção de forma sistematizada como ocorreu nesse período.
conceitos e de conhecimentos que levem em conta Esse período anterior, “preliminar, preparatório da
a experiência cotidiana do educando. Geografia”, Sodré (1989, p. 23-24) denomina de
Desse modo, é fundamental a utilização de “pré-história da Geografia”, no qual designava-se
diferentes linguagens6 que facilitem a apreensão como geografia, relatos de viagens, compêndios de
do conhecimento geográfico, e que partam de pes- curiosidades, áridos relatórios estatísticos de órgãos

Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002 317


de administração, agrupamentos de informações REFERÊNCIAS
sobre fenômenos naturais, entre outros.
3
Mesmo não aprofundando essa temática, vale ALMEIDA, Rosângela Doin de. A propósito da
lembrar que para a Geografia conseguir um status questão teórica metodológica sobre o ensino de
científico ocorreu uma fragmentação entre Geo- geografia. In: RIBEIRO, Wagner Costa (org.).
grafia Física e Humana, o que acabou por gerar um Prática de ensino em Geografia. São Paulo: Ed.
dualismo. Esse fato ocorreu naquele momento de Marco Zero / AGB, 1991.
divisão do conhecimento com base no positivismo. ALVES, José; DORES, Júlia L. P. das; MOU-
Mas antes disso, não se pode deixar de mencionar, RA, Jeani D. P. O uso da fotografia no ensino de
que os trabalhos dos precursores da Geografia Ritter Geografia. In: ___. FUSCALDO, Wladimir C.;
e Humboldt tinham uma visão abrangente, sem essa MARANDOLA JR. Eduardo. “Quem tem medo do
dicotomia (Pereira, 1999, p. 95). interior?” – urbano rural que espaço é esse?: con-
4
A autora cita trabalhos de autores como: A. Olivei- tribuições científicas da XVII Semana de Geografia
ra; Vesentini; Resende; Moreira entre outros. da Universidade Estadual de Londrina. Londrina :
5
Vale aqui ressaltar que não faremos uma discussão Ed. UEL, 2001.
enfocando cada um desses conceitos, pois esta pode ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ci-
ser encontrado no trabalho já citado de Cavalcanti ência da sociedade: uma introdução à análise do
(1998b), no qual, a autora faz uma reflexão sobre pensamento geográfico. São Paulo : Atlas, 1992.
a utilização da linguagem geográfica falada por _____. O livro didático de Geografia no contexto da
alunos e professores em sala de aula, normalmente prática de ensino. In: ___. Caminhos e descaminhos
a cotidiana, e a linguagem científica, podendo-se da Geografia. Campinas : Papirus, 1989.
ao contrapô-las, avançar nos entendimentos de CALLAI, Helena Copetti. O ensino da geografia:
problemas do ensino da Geografia. Neste trabalho, sua constituição no espaço-tempo. In: ______.
a autora enfoca as diferentes abordagens de tais Geografia – .um certo espaço, uma certa aprendi-
conceitos na ciência geográfica, seja na geografia zagem. São Paulo : FFLCH, 1995. Tese (Doutora-
humanística, na geografia crítica e na perspecti- do). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
va pós-moderna. Um outro ponto analisado é o Universidade de São Paulo, 1995.
confronto desses conceitos sistematizados com _______. O ensino de geografia: recortes espaciais
os trazidos pelos alunos da sua vida cotidiana, de para análise. In: CASTROGIOVANNI, Antônio
modo a aprimorar o raciocínio geográfico do edu- Carlos (org.). Geografia em sala de aula: práticas
cando. Nesta perspectiva, o conhecimento trazido e reflexões. 2. ed. porto Alegre: UFRGS, 1999.
pelo aluno é reconhecido dentro da sala de aula CAVALCANTI, Lana de Souza. Ciência geográfica
(ou fora desta) na prática pedagógica de forma a e ensino de geografia. In: ______. Geografia, escola
ser (re)elaborado e ampliado com base em conhe- e .construção do conhecimentos. Campinas, SP :
cimentos sistematizados. Além disso, essa prática Papirus, 1998a. p. 15-28.
que leva em conta o educando como sujeito, dá ao _______. Geografia escolar e a construção de con-
mesmo a oportunidade de praticar o ato da cidada- ceitos no ensino. In: ______. Geografia, escola
nia, para que o debate crítico possa acontecer de e .construção do conhecimentos. Campinas, SP :
forma fundamentada com uma visão de conjunto Papirus, 1998b. p. 87-136.
da realidade. GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a Orga-
6
A este respeito, ver entre outros, os trabalhos de nização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização
Alves, Dores e Moura (2001): O uso da fotografia Brasileira, 1968.
no ensino de Geografia; Oliveira, Takeda, Góes HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portu-
e Moura (2001): A utilização do teatro e da lin- guesa. 1ª. ed. Rio de Janeiro, 2001.
guagem teatral no ensino de Geografia; Andrade LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em pri-
(1989), O livro didático de Geografia no contexto meiro lugar, para fazer a guerra. 4. ed. Campinas:
da prática de ensino. Papirus, 1997.

318 Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002


MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: RESENDE, Márcia Spyer. O saber do aluno traba-
pequena história crítica. 16ª. ed. São Paulo : HU- lhador e o ensino de geografia. In: VESENTINI,
CITEC, 1998. José William (org.). Geografia e ensino. Textos
MOREIRA, Ruy. O que é Geografia. 14ª. ed. São críticos. Campinas, SP : Papirus, 1989.
Paulo : Brasiliense, 1994. SANTOS, Douglas. Conteúdo e objetivo pedagó-
OLIVEIRA, César A.; TAKEDA, Marcos; GÓES, gico no ensino de Geografia. Caderno Prudentino
Patrícia; MOURA, Jeani D. P. A utilização do teatro de Geografia, Presidente Prudente, n. 17, p. 20-61,
e da linguagem teatral no ensino de Geografia. In: jun. 1995. [Dossiê: Geografia e Ensino]
___. FUSCALDO, Wladimir C.; MARANDOLA SANTOS, Milton. Metamorfose do espaço habi-
JR. Eduardo. “Quem tem medo do interior?” – tado: fundamentos teóricos e metodológicos da
urbano rural que espaço é esse?: contribuições Geografia. São Paulo : HUCITEC, 1988.
científicas da XVII Semana de Geografia da Uni- _____. Por uma Geografia nova: da crítica da
versidade Estadual de Londrina. Londrina : Ed. Geografia a uma Geografia crítica. 4 ed. São Paulo
UEL, 2001. : HUCITEC, 1996.
PEREIRA, Raquel Maria Fontes do Amaral. Da SODRÉ, Nelson Werneck. Introdução à Geografia:
Geografia que se ensina à gênese da Geografia mo- Geografia e ideologia. 7ª. ed. Petrópolis : Vozes,
derna. 3. ed. Florianópolis : Ed. da UFSC, 1999. 1989.
PONTUSCHKA, Nídia Nacib. O perfil do professor
e o ensino/aprendizagem da geografia. In: Cader-
nos CEDES. N.º 39. Campinas : Papirus, 1995.
_______. A geografia: pesquisa e ensino. In :
CARLOS, A. F. A. Novos caminhos da geografia.
São Paulo : Contexto, 1999.

Geografia - Volume 11 - Número 2 - Jul/Dez. 2002 319

Você também pode gostar