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XI Seminário capixaba

sobre o ensino da arte


III encontro de licenciaturas
em artes visuais ead

ANAIS
COMISSÃO CIENTÍFICA

História, teoria e crítica de arte


Ms. Juliana S. Almonfrey (UFES)
Ms. Larissa Zanin (UFES)
Dra. Maria Auxiliadora de Carvalho Corassa (UFES)

Educação em artes visuais ( presencial e a distância)


Dra. Ana Luiza Ruschel Nunes (UEPG)
Dr. Cesar Cola (UFES/ES)
Dra. Lêda Guimaraes (UFG)
Dra. Lilian Ucker Perotto
Dra. Maira Pego Aguiar (UFES)
Dra. Maria Gorete Dadalto Gonçalves (UFES)
Dra. Moema Martins Rebouças (UFES)
Dra. Rosa Iavelberg (USP)
Dr. Ronaldo Oliveira
Dra. Vera de Oliveira Simões (UFES)

Educação não escolar


museus, espaços comunitários, galerias de arte entre outros
Dra. Adriana Magro (UFES)
Ms. Andréia Chiari Lins (UFES)
Dra. Isabela Nascimento Frade
Dra. Stela Maris Sanmartin (UFES)
ORGANIZAÇÃO

Comissão de Logística e Infraestrutura


Larissa Zanin (UFES)
Maira Pego Aguiar (UFES)

Comissão de Apoio
Adriana Magro (UFES)
Juliana S. Almonfrey (UFES)
Alunos do curso de Licenciatura e Bacharelado em Artes Visuais (UFES)

Comissão de Documentação
Andréia Chiari Lins (UFES)

Comissão de Minicurso
Verônica Devens
Stela Maris Sanmartin

Coordenação Geral
Maria Auxiliadora de Carvalho Corassa (UFES)
Maria Gorete Dadalto Gonçalves (UFES)
Moema Martins Rebouças (UFES)

Design
Fábio Barros | Estúdio Dr. Quem
Verônica Dadalto
SUMÁRIO

COMUNICAÇÕES

APRENDER E FAZER ARTE: A EXPERIÊNCIA DO PIBID NA FORMAÇÃO DO


LICENCIADO EM ARTES VISUAIS 6

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE NA MODALIDADE EAD – UAB/UFES 13

A LEITURA DE IMAGENS: ESTEREÓTIPOS E DESVELAMENTOS 25

A PAISAGEM DA TEXTURA E SEUS DESDOBRAMENTOS 30

ANÁLISE DE PERFIL DOS ALUNOS DA SEGUNDA TURMA DO CURSO DE


LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS – SEMIPRESENCIAL / UFES 36

APRECIAÇÃO, VIVÊNCIA E ENSINO DA ARTE CONTEMPORÂNEA NA


DVDTECA ARTE NA ESCOLA 42

‘ARQUEOLOGIA DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA. VESTÍGIOS DE UMA


GÊNESE: O TRABALHO ARTÍSTICO EM SEU MOVIMENTO’ 52

ARTE - EDUCAÇÃO NOS ESTADOS IBERO - AMERICANOS:


LEITURAS E PERCEPÇÕES 59

AÇÃO EDUCATIVA EM ESPAÇOS EXPOSITIVOS: GALERIA HOMERO MASSENA 68

BISPO: ENTRE A ARTE BRUTA E A CONTEMPORÂNEA 76

CORPO PENSANTE: DO CACHO À TINTA, UMA AÇÃO


EDUCATIVA EM ARTES. 84

CUSTOMIZAÇÃO E CUSTOMIZADOS - FORMATIVOS: PRÁTICAS COM


ESTUDANTES E PROFESSORES ( AS ) DE ARTE 93

DISCURSOS SOBRE ARTE E MUSEU: O QUE DIZEM AS CRIANÇAS 98

EXERCITANDO A MEMÓRIA UTILIZANDO O DESENHO


COMO MEIO EXPRESSIVO DA ARTE. 107

EXPERIÊNCIA SENSÍVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


UM ENCONTRO COM A ARTE 118

Experiência: Aproximações entre Passado e Presente 126


IMAGENS E MEMÓRIAS: NARRATIVAS VIVAS NAS PRÁTICAS
EDUCATIVAS EM ( COM ) TEXTOS DE SERRA/ES 134

LEITURA DA OBRA DE ARTE COMO PROPOSTA DE EDUCAÇÃO


ESTÉTICA: CONTRIBUIÇÕES DE MARX E VIGOTSKI 145

LIVRO DE ARTISTA: PROCESSOS DE CRIAÇÃO NO


AMBIENTE ESCOLAR 155

MEMÓRIAS IMAGÉTICAS: POR UMA METODOLOGIA DA


PRESENÇA NO ENSINO DA ARTE 165

MONUMENTOS EM AQUARELA - AS ÁGUAS DA ILHA DE VITÓRIA:


DO CHAFARIZ, DA BAÍA, DO MANGUE E DA TORNEIRA 175

NOVAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE


PRODUÇÃO DE SENTIDOS A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS SENSÍVEIS 185

OLHARES E PERCEPCÕES SOBRE O ENSINO DE MÚSICA NAS


AULAS DE ARTE: TENSÕES E DIVERGÊNCIAS 194

PARA ALÉM DOS MUROS DA UFES: ARTE NA EDUCAÇÃO NÃO


ESCOLAR EM PRÁTICA 198

PROFESSOR DE ARTE, ARTISTA PLÁSTICO E ALUNO DE


PEDAGOGIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL 206

PROJETO DE ARTES – ALFREDO VOLPI 214

Reflexões Sobre o Brinquedo e a Brincadeira


na Infância Contemporânea 224

Relatos de Experiência

UMA APROXIMAÇÃO ENTRE A ARTE E A MORTE –


a visão de alunos do ensino superior em Artes. 233

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NA ARTE MINIMALISTA 243

ARTE NO CURSO DE PEDAGOGIA: CONTRIBUIÇÕES E NARRATIVAS


DAS ( OS ) ESTUDANTES 248

ARTE RUPESTRE: MONTANDO O SÍTIO ARQUEOLÓGICO


CONTEMPORÂNEO 256

O DESENHO COMO EXPRESSÃO E DIÁLOGO 264

O ENSINO DE ARTE E A TECNOLOGIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA 269

OBRAS DE ARTE DO ACERVO DO IFES: PESQUISA, MEDIAÇÃO E


LEITURA DE IMAGEM 275

OLHARES ADOLESCENTES SOBRE AS DIFERENÇAS DO/NO


COTIDIANO ESCOLAR 287
PROCESSOS ARTÍSTICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL 293

PROJETO INTEGRAÇÃO: UMA AÇÃO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL


EM PROL DA INTERDISCIPLINARIDADE 299

reflexões sobre o ensino da Arte na educação


infantil 312

Mesas de Grupo de Pesquisa

A COLEÇÃO DE ARTE DA UFES: VISIBILIDADES POSSÍVEIS

A COLEÇÃO DE ARTE DA UFES: VISIBILIDADES POSSÍVEIS 319

marcas de um tempo: Entre paisagens, cidades,


publicidade e consumo 326

EXPOSIÇÃO TARÔ: INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE


ENTRELAÇANDO SENTIDOS 337

A figura da criança e o tema da infância a partir da


fotografia de Rogério Medeiros 349

Reflexões sobre modos de ensino e aprendizagem em arte

A QUESTÃO DA CULTURA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ARTE 360

A IMAGEM DA PUBLICIDADE – UM OLHAR NECESSÁRIO 369

PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO NA ARTE E NA EDUCAÇÃO –


PESQUISAS EM AÇÃO 375
Apresentação

A ARTE NA VIDA E NA ESCOLA: MODOS DE SER PROFESSOR NA CONTEMPORANEIDADE

A proposta do Seminário e o Encontro de Licenciatura em Artes Visuais se propôs a discutir as práticas escolares de
arte, e as formalizadas em espaços não escolares em que os egressos dos cursos atuam (espaços expositivos, artísticos,
comunitários da área da saúde, entre outros), discussões essas apresentadas nas Comunicaões, Relatos de Experiência
e Mesas de Grupos de Pesquisa, compiladas neste Anais.
As práticas instituídas constituem diferentes modos de ser professor de artes nas escolas, mediador nos espaços
expositivos, tutor na educação a distância, professor comunitário e apontam para as concepções de arte e de educação
em que se encontram imersas.
A arte faz parte da vida de cada um de nós, mas as práticas escolares da arte conseguem promover a reflexão, do
que é viver na contemporaneidade? As práticas escolares atendem aos apelos do que está na ordem do consumo, ou
correspondem a ações que revelam a nossa implicação na ética da vida? Qual(is) são é o(s) papel(eis) atribuído à arte
nos cursos de formação de nossos alunos?
A Arte na vida e na escola: modos de ser professor na contemporaneidade nos faz pensar como interagimos com a
Arte na contemporaneidade, quais relações são estabelecidas entre a Arte e a Cultura, quais as implicações que uma
educação em Arte considera para formação de sujeitos na contemporaneidade, quais as relações que estabeleço entre
a Arte que está no mundo com as práticas da arte na escola, em espaços expositivos e nos demais espaços em que os
egressos atuam, como conciliar uma formação que considere a competência técnica, formativa a e a nossa inserção na
cultura para problematizar a Arte e o seu papel na contemporaneidade?
Comunicações

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APRENDER E FAZER ARTE: A EXPERIÊNCIA DO PIBID NA FORMAÇÃO
DO LICENCIADO EM ARTES VISUAIS
Diego Riberio - UFES
Stela Maris Sanmartin - UFES

RESUMO
Trata da experiência do aluno no processo de formação no curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFES
para a docência em arte no trabalho de graduação com orientação da Profª Drª Stela Maris Sanmartin .
Especificamente será apresentada sua participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à
Docência PIBID que tem como objetivo incentivar o magistério e proporcionar aos alunos de licenciatura a
experiência metodológica e prática docente como primeiro contato do estudante e os saberes acadêmicos
com a realidade encontrada nas escolas.
Palavras-chave: Artes Visuais; Formação do Professor; Professor-Artista; PIBID.

ABSTRACT
This essay deals with the experience of the student during the Graduation in Visual Arts of UFES to teaching
arts, with guidance of Profª Drª Stela Maris Sanmartin. Specifically, will be presented the participation at the
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, PIBID, which was created to promote the teaching
and provide to the undergraduates the methodological experience and teaching practice like first contact of
the student and academic knowledge with the reality detected at the school.
Key words: Visual Arts; Teacher formation; Teacher-artist; PIBID

Introdução
A experiência do ensino ainda durante a licenciatura, conhecendo o ambiente e desafios propostos pelo currículo e
administração escolar, provoca os primeiros enfrentamentos entre os conteúdos pretendidos pelo sistema escolar e o
processo de ensino e aprendizagem na linguagem visual almejada pelo graduando que vive e busca sua poética no
fazer e ensinar arte.
Na escola, onde o potencial pedagógico da arte é por vezes reduzido ao entretenimento ou dispositivo de acesso a
emoções, é importante a compreensão de um currículo centrado na formação humana, tendo no professor um media-
dor que desenvolva práticas coletivas e individuais de criação e reflexão.
A disciplina artes que os professores desenvolvem hoje nas escolas está aquém de inseri-la na vida: baixo do contexto
histórico, psicológico, socioeconômico, filosófico e estético que o nosso aluno necessita para ser cidadão, para melhor
integrar-se, identificar e solucionar os seus problemas, de sua família e da sociedade em que vive.
O presente trabalho busca relatar a experiência vivida no Programa de Iniciação à Docência (Pibid – Artes Visuais),
descrevendo e relacionando as práticas que definiram essa experiência como esclarecedora para a com concepção que
pretendemos de professor-artista, afastando-me da visão dicotômica entre os saberes artísticos e os saberes pedagógi-
cos na formação do licenciado em Artes Visuais, ao tempo que me inspirou em novas linguagens poéticas

Arte na escola
Ao trabalhar com a representação do real, o artista, busca no cotidiano as formas e signos que melhor expressem suas
inquietações, verdades e vontades. Vygotsky (1999) fala da arte como introdutória da ação da paixão, capaz de romper
nosso equilíbrio interno e modificando nossas vontades em movimentos para novos sentidos “... e revive para o senti-
mento aquelas emoções, paixões e vícios que sem ela teriam permanecido em estado indefinido e imóvel.” (VYGOTSKY,
1999, p.316). Tecendo o pensamento de uma arte que não pertence apenas ao seu criador, que expressa e transfor-
ma-se em referências sociais que atinge não apenas seu interlocutor, mas também a aspectos histórico/social.

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Defronte a redução do escopo do termo poética na prática e vida do professor, a possibilidade dessa construção é mas-
carada e escondida entre a necessidade de modos de objetivação de experiência plástica, que fornece ao aluno apenas
uma rasa assimilação de termos com objetivo de criar repertório imagético.
O fazer e a vivência do trabalho na sala de aula, as tentativas, erros e acertos, acaba substituída por momentos que
emulam o processo criativo e de descoberta, apoiando-se na reprodução de sequências didáticas preconcebidas de
uma realidade que privilegia o coletivo em detrimento a experiência do individuo. É retirada do sujeito a possibilidade
da imersão nos processos, desconsiderando a construção do seu percurso autoral.
É fácil observar que a arte é colocada em lugar desprivilegiado no currículo, ao considerarmos a pequena carga horária
atribuída e as “obrigações” que assume frequentemente na escola, como nos eventos, datas comemorativas entre out-
ros.
A arte como as outras áreas do conhecimento pode ser ensinada, pois se constitui como linguagem que possuem
conteúdo específico e portanto, existem metodologias e técnicas para que isso ocorra. A inserção da disciplina arte na
escola formal acontece por meio de lutas políticas, em que valores, tempos e espaços, assim como sentidos são nego-
ciados, gerando movimentos que acabam por refletir-se intimamente nas práticas e nas teorias do ensino da disciplina.
Na formação de professores de arte na contemporaneidade é essencial articular os conhecimentos das práticas ped-
agógicas com os conhecimentos estéticos e vivência das linguagens específicas da arte. Além de metodologias de
ensino o discente deve estimar o fazer e o conhecimento teórico, pois o ensino da arte necessita de abordagens que
apontem para a produção, criação, ampliação de conhecimento e apreciação artística.
Sem pretensão de esgotar o tema, colaboramos com uma reflexão pessoal sobre a vivência no curso de graduação em
licenciatura em Artes Visuais tecendo o texto a partir dos questionamentos: É necessário para aquele que pretende ser
professor vivenciar a experiência poética? É possível uma sólida formação com a convivência harmônica entre conteú-
dos pedagógicos e artísticos? É possível ser artista e professor?
A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394/96 determinando a obrigatoriedade
do Ensino de Arte na Educação Básica não garantiu que a disciplina integrasse satisfatoriamente o currículo. Mas a
escola, como instituição formal, é o lugar para desenvolver capacidades específicas, voltadas para a atuação na socie-
dade em que o/a estudante vive e pertence em que a ênfase seja colocada na herança cultural e na potencialização do
sujeito como ser criador.
Para tanto, a escola e o educador devem criar um ambiente propício ao aprendizado, promovendo uma alfabet-
ização nos diferentes códigos e linguagens da arte, oportunizando assim a compreensão da existência de processos
de criação comuns às culturas, como também a identificação do contexto cultural em que a escola e a família estão
imersas.
O ensino da arte tem se transformado ao longo do tempo e alcanço transformar a perspectiva tradicional da memo-
rização e cópia, da técnica, do ensino focado apenas no processo para um modo de ensinar e aprender que considere
os sujeitos professores e alunos com seus papéis específicos, processos e resultados com igual importância, além de
caminhar na direção da criação e inserção deste sujeito como também produtor de cultura.

Experiência de um aluno -artista e artista- professor


Não tenho muitos desenhos e pinturas da minha infância. Em minha casa a guarda dessas lembranças nunca foi priori-
dade entre as dificuldades enfrentadas. Lembro que a minha mãe comprava umas revistas do Gasparzinho que vinham
com desenhos para colorir e outras atividades. Gostava também de montar quebra-cabeças e depois tentar desenhar a
figura formada.
Ainda, minha primeira lembrança do contato com a arte na escola é negativa. Ao entregar uma pintura sobre um de-
senho mimeografado, a professora depois de acusar-me de relaxado me entregou outro papel para fazer da “maneira
correta”. O desenho era do dia do livro e na figura um exemplar sofria por maus tratos. Refiz o trabalho, “pintei bonito
e limpo”, como a professora havia pedido e deixei de lado o primeiro trabalho no qual tentei representar por meio da
pintura um livro feio, maltratado e sujo.
Comecei o curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo no ano de 2011, depois de terminar minha
primeira graduação em Arquivologia. Relutei até ter coragem de estudar Arte e precisei terminar um curso superior
para perceber que não poderia fugir por muito tempo dessa vontade, desse sonho que parecia tão complicado no pas-
sado.
Precisava desse tempo para pensar, afinal, vivenciei tempos de descoberta e amadurecimento no meu primeiro curso
que mudaram minha maneira de ver o mundo. Hoje, com uma visão mais madura e mesmo assim nem tão acertada,

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busco dentre as dificuldades do viver a experiência de estudar aquilo que me dá prazer, que completa e recicla o su-
jeito Diego Ribeiro. Busco retomar aquilo que me foi tirado, negado e o que me causava medo.
Gosto de imaginar que aprendi a gostar de arte a partir da entrada no curso, em cada nova disciplina, nos desafios, nos
obstáculos que precisava vencer na produção de cada trabalho.
Coloquei-me como “uma criança” na empreitada de estudar/viver o curso de Artes Visuais. Não com ingenuidade, mas
com a capacidade de explorar, de ser curioso e enfrentar os desafios propostos e arrancar das novas vivências, conheci-
mentos.

A experiência com o pibid


Dessa caminhada retiro o extrato que apoia a busca de uma poética que norteia a realização de meus trabalhos e que,
simultaneamente a experiência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência- Pibid, implodem e recon-
stroem diariamente minha visão de mundo, minhas certezas e afetos e me move ao ato de criar, fazer e refletir sobre
arte.
Já conhecendo os meandros do universo acadêmico da UFES, estava preparado com informações sobre estrutura cur-
ricular e peculiaridades como horários, professores mais procurados, linhas de pesquisas e grupos de estudos. Esbocei
um percurso para o curso que privilegiava as disciplinas pedagógicas e participação em grupos de pesquisa.
Acreditava que me dedicando as disciplinas do núcleo pedagógico garantiria uma formação mais sólida como profes-
sor e estaria mais bem preparado para o mercado de trabalho e o desafio da sala de aula.
Os trabalhos desenvolvidos em arte nesse tempo refletiam esse pensamento. Desenhos e pinturas eram desenvolvidos
e demasiadamente atrelados ao que os professores propunham e não ousava, ou me permitia pensar em trabalhos que
explorassem novos suportes. Os únicos questionamentos nesse tempo eram sobre o uso das técnicas e materiais na
escola.
Não me permitia errar, por isso não encontrava espaço para abraçar minhas vontades e desejos durante os processos
de criação. A questão financeira e dos custos dos materiais me prendiam e serviam como muletas em desculpas para
não arriscar.
Nesse momento o Pibid, a sala de aula, entraram em cena. Tendo como objetivo incentivar o magistério e proporcionar
aos alunos de licenciatura a experiência metodológica e prática docente, o Programa Institucional de bolsas de Ini-
ciação à Docência (Pibid) representa o primeiro contato do estudante e os saberes acadêmicos com a realidade encon-
trada nas escolas.
O programa oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao estágio nas
escolas públicas e que, quando graduados, se comprometam com o exercício do magistério na rede pública. O objetivo
é antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o Pibid faz uma
articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas), a escola e os sistemas estaduais e municipais. A
intenção do programa é unir as secretarias estaduais e municipais de educação e as universidades públicas, a favor da
melhoria do ensino nas escolas públicas em que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) esteja abaixo
da média nacional, de 4,4. Entre as propostas do Pibid está o incentivo à carreira do magistério. (BRASIL, 2011)
O Pibid permite que o processo de ensino-aprendizagem seja compreendido como reelaboração dos conhecimentos e
das atividades de ensino, além de desenvolver nos alunos bolsistas a oportunidade de pareamento entre os conteúdos
do currículo escolar e suas aspirações e formação acadêmica.
O programa possibilita trocas entre o professor regente e monitor e desencadeia um processo de reflexão que funcio-
na na ação como partilha de um novo jeito de ensinar e aprender, onde o professor pode rever seu modo de ser e fazer,
oferecendo suas experiências e visão sobre a realidade do cotidiano escolar, da mesma forma enriquece-se com as
concepções teóricas que o monitor traz da universidade, enriquecendo seu conhecimento.
O subprojeto do Pibid – Artes Visuais objetivava abordar a linguagem do desenho como forma de educação geral, que
estendia seus esforços na constatação da dificuldade dos docentes de arte em oferecer conteúdos dentro do currículo
de arte. Quando alguém diz que não sabe desenhar, quando um professor de arte diz que não sabe desenhar, de que
desenhos estão falando?
Trabalhávamos com o pressuposto de que até mesmo entre licenciados em Artes Visuais é verificada a existência de
profissionais com um mau entendimento do conceito de desenho, da não exploração de sua pluralidade como ferra-
menta do pensamento, chegando ao abandono da prática artística, perdendo com isso a prática e exercício sensível
daquilo que ensinam.

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[...] o ato de desenhar, de trabalhar com a prática artística, não é necessariamente fazer artes, desenvolver
potencialidades, sensibilidade humana e estética, e concluiu mostrando que o subprojeto tem como objetivo
trabalhar nessas duas vias, pesquisa plástica e o treinamento das possibilidades do ensino de arte. (PIBID
ARTES VISUAIS, Livro 01, p. 1)
Com essa proposta o trabalho na escola era organizado em dois momentos que exigiam metodologias distintas, divid-
idas entre atividades curriculares e extracurriculares. Sob a supervisão da professora regente atuaríamos em duplas no
tempo regular da disciplina de artes, onde cada dupla teria um dia da semana e turmas determinadas para acompan-
har. No segundo momento, fora do horário escolar, seriam desenvolvidas oficinas que teriam como foco a linguagem do
desenho e outros conteúdos que surgissem das demandas observadas.
Divido o relato dessa experiência do ano letivo acompanhando o desenvolvimento da disciplina entre o período de
observação, interação nas sequências didáticas concebidas pela professora regente e trimestre final com a autoria do
plano de aula que seria aplicado e de responsabilidade da dupla.
No primeiro contato com os alunos, depois de uma reunião com direção e coordenação da escola, estávamos na
posição de observadores passivos. Deveríamos observar a maneira como a professora regente se portava perante as
turmas, principalmente a forma em que organizava os conteúdos e adotava sua didática.
Fomos apresentados como estudantes de Artes Visuais, futuros professores de arte, enfatizando que éramos alunos
da UFES e que estaríamos na escola para “ajudar nas aulas”. No entanto percebo que deveríamos ter explicado melhor
sobre o projeto, seus objetivos e metas e de termos preparado e discutido internamente no próprio grupo do PIBID
como deveríamos seriamos nos posicionar, pois “ajudar nas aulas” me pareceu distante da realidade do nosso estudo
na escola e pouco conclusivo para as turmas sobre nossa presença.
Tínhamos como objetivo a escrita de relatórios que seriam discutidos em reuniões semanais entre coordenador, pibidi-
anos e professora regente. Por razão de conflito de agenda a professora regente não comparecia as reuniões organi-
zadas na universidade. Com isso, tornou-se corriqueiro aos pibidianos uma postura agressiva nas críticas levantadas
sobre o observado na escola.
No primeiro momento participei ativamente das reuniões, com criticas a partir das observações de sala de aula e
outros questionamentos, mas logo percebi que sem a presença da professora regente as explanações apenas refletiam
o nosso despreparo e temor em lidar com a situação e que este caminho não contribuiria para o processo de transfor-
mação das aulas de arte na escola.
Passei a trazer as questões da minha observação para trocas diretas com a professora. Mesmo que ela se esquivasse de
críticas, pude trabalhar com o feedback dessas conversas e aos poucos fui ganhando a confiança e percebendo mu-
danças no lidar com as turmas e com o tratamento dispensado a nossa dupla de observação. Passamos a integrar as
atividades propostas de forma direta e pudemos propor um planejamento a ser realizado com a turma de alunos.
No período determinado para o planejamento do trimestre a ser realizado em dupla tendo como orientação e regra a
confecção de cadernos pelos alunos, obtivemos um retorno negativo dos colegas que começaram antes e abandona-
vam o caderno dando lugar as sequências didáticas que se distanciavam do acordado.
Fizemos então mudanças no nosso plano para melhor aproveitamento do tempo e persistimos na proposta de con-
fecção do caderno ou diário gráfico.

Figura 1. Desenhos utilizando o caderno, 2013.


Foto Arquivo pessoal.

O diário gráfico ou caderno de artista configura importante instrumento de reflexão ao artista em meio ao processo
criativo. Segundo Cirillo (2010) a existência desses cadernos permite acessar as marcas do que conduziu ao ato criador,
repletos de marcas indiciais e signos, que apontam o processo da mente criadora como uma espiral que se movimenta
em contínuo.

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No processo de criação de uma obra são muitos os papéis, anotações, croquis, modelos e outros suportes, que ao fim con-
stituem um rico acervo que dialoga, tanto com a obra final como ajuda a entender o caminho percorrido pelo artista.

Figura 2. Caderno de aluna, 2013.


Foto Arquivo pessoal.

O caderno, por sua natureza, oferece num primeiro momento um sistema de ordenação sistematizado enquanto suporte
da informação. Contudo, Cirillo (2010) aponta que tal ordenação acontece de forma caótica e tende a não linearidade.
A criação e manutenção do registro de ideias pelo artista encontra no diário gráfico uma série de questões que tornam
esse recurso uma fonte preciosa de informação de si e um instrumento preciso no processo de reflexão sobre o seu
trabalho.
O que as crianças precisam aprender nos cursos de arte, em primeiro lugar, é a viver arte. Quando digo viver arte me
refiro a ter uma prática artística criadora, a desenvolver um percurso de criação próprio, com uma marca pessoal, ainda
que alimentado pela cultura, pela diversidade de culturas. A capacidade de desfrutar do universo da arte com com-
petência também é decorrência da aprendizagem. Não se trata apenas de um saber espontâneo. Nesse processo, a
criança desenvolve uma relação com a arte análoga àquela experienciada pelas pessoas que participam do universo
da arte. O artista não deve ser aquela pessoa idealizada, de quem a criança vai conhecer uma ou duas obras, saber o
nome de cor, ele deve ser alguém mais próximo, cujo trabalho acrescenta algo na vida dela. A arte adquire, assim, um
significado como objeto da cultura e também um significado pessoal, um sentido específico que toca cada aluno de
uma maneira particular. (IAVELBERG, 2009, p. 43])
Persistir no trabalho com o caderno/diário possibilitou uma experiência com o desenho que ultrapassou os resultados
pretendidos na sala de aula. Desenhos e ideias e novos cadernos produzidos por alunos, mostraram que o objetivo de
aproxima-los da linguagem encontrou na relação pessoal com os objetos um terreno fértil para novas possibilidades
de expressão e criação.

Figura 3. Caderno integrado ao processo de criação, 2013,


Foto Arquivo pessoal.

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Figura 4. Pintura coletiva, 2013,
Foto arquivo pessoal.

Algumas considerações de um sujeito que aprende, que faz e ensina arte


Realizar um trabalho de conclusão de curso significa uma imersão nos processos vivenciados ao longo da formação e a
necessidade de articular as vivências e experiências de sala de aula com as teorias estudadas.
O curso de licenciatura ainda nos leva a relação direta com a escola e a sala de aula por meio da disciplina de estágio
e do PIBID, oportunidade para exercer regência fundamentada.
No trabalho desenvolvido na escola por meio do PIBID observei que processos por mim vivenciados como aluno foram
fundamentais para a proposição e criação de um caminho para ensinar arte na escola. Além disso, a conquista da par-
ceria com a professora regente somou forças no sentido de transformar a maneira de pensar e fazer arte na escola.
Integrar a linguagem do diário gráfico, desenvolvido particularmente por mim nos meus processos de criação em arte,
na sala de aula para os alunos como metodologia de ensino e instrumento de avaliação, tornou possível compreender
a trajetória individual dos alunos, por um caminho inquieto e impreciso, em busca de reflexão fundamental para o ato
de criação e a construção de conhecimento em Arte.

Referências
BRASIL, MINISTËRIO DA EDUCAÇÃO. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid).Disponível
em:http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=467&id=233&option=com_content&view=article>. Acesso em: 14 mar.
2015.
CIRILLO; José. Geografia íntima: um estudo dos documentos e arquivos nas artes visuais. Letras de Hoje, Porto Alegre, v.
45, n. 4, p. 11-19, out./dez. 2010
IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.
PIBID ARTES VISUAIS. Centro de Artes. Ata da reunião realizada no dia 7 de Janeiro de 2013. Livro 01, p. 1.
VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999

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Diego Ribeiro
dieghor@hotmail.com
Arquivista formado pela Universidade Federal do Espírito Santo e graduando em Artes Visuais.

Stela Maris Sanmartin


stelasanmartin@yahoo.com.br
Artista e educadora, graduada em Artes Plásticas na FAAP (1989), máster em Criatividade pela Universidade de San-
tiago de Compostela (1999), mestre em Artes pela Unicamp (2004) e doutora em Educação pela Universidade de São
Paulo (2013). Atualmente docente do Centro de Educação da UFES.

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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ARTE NA MODALIDADE EAD –
UAB/UFES
Vera Lúcia de Oliveira Simões/DTAM/UFES

RESUMO
Minha tese é resultado de uma pesquisa configurada como um estudo de caso, com o propósito de identifi-
car, no Curso de Artes Visuais/UAB/UFES: as concepções de professor de Arte que norteiam/embasam o Cur-
so de Artes Visuais, modalidade semipresencial, e como elas se manifestam no currículo do curso, nos doc-
umentos oficiais que o normalizam, nos discursos e nas práticas propostas pelos professores/formadores; a
concepção que fundamenta a formação do professor de Arte na modalidade Educação a Distância (EAD); os
conceitos que embasam a legislação/normalização na modalidade EAD sobre o ensino da Arte; o discurso e
as práticas dos professores-formadores presentes nos materiais educativos propostos e na plataforma Moo-
dle; os modos de interação entre professor e tutor, entre professores e alunos, entre tutores e alunos e entre
os tutores presenciais e a distância.
Palavras-chave: Artes visuais. Formação de professores de Arte. Educação a distância. Arte e seu ensino.
Teoria bakhtiniana.

ABSTRACT
My thesis is the result of a research configured as a case study, with the purpose of identifying in the course
of Visual Arts/UAB/UFES: conceptions of Art teacher that guide/base the semi-presential Visual Arts Course
and how they manifest in the curriculum of the course, in official documents which set the standards and
discourses and practices proposed by teachers and instructors; the conception that underlies the formation
of Distance Education (DE) Art teacher; concepts that underlie the DE legislation/standards on the teaching
of art; discourse and practices of teacher-trainers present in educational materials offered on the Moodle
platform; the modes of interaction between teacher and tutor, teachers and students, students and tutors
and between presential and at distance tutors.
Keywords: Visual arts. Formation of Art teacher. Distance education. Art and its education. Bakhtinian theory.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A minha tese defendida no ano de 2013, é resultado de uma pesquisa configurada como um estudo de caso, com o
propósito de identificar na primeira oferta do Curso de Artes Visuais/UAB/UFES:
• Quais as concepções de professor de Arte, que norteiam/embasam o curso de Artes Visuais Modalidade semipres-
encial e como elas se manifestam no currículo do curso, nos documentos oficiais que o normalizam e nos discursos
e nas práticas propostas pelos professores/formadores;
• a concepção que embasa a formação do professor de Arte na modalidade EAD;
• os conceitos que embasam a legislação/normalização na modalidade EAD sobre o ensino da Arte;
• o discurso e as práticas dos professores-formadores presentes nos materiais educativos propostos e na plataforma
Moodle e os modos de interação entre professor e tutor, e entre professores e alunos, e entre tutores e alunos e
entre os tutores presenciais e a distância.
Para tanto, a pesquisa conta com o apoio do referencial bakhtiniano de análise das interações verbais e da construção
dos discursos e saberes. Portanto, a abordagem metodológica está fundamentada nos pressupostos teóricos de Mikhail
Bakhtin, com ênfase no conceito de dialogismo, entendido aqui como a relação que se dá entre os discursos e, portanto
entre o eu e o outro e, no conceito de polifonia considerando a pluralidade de vozes que coexistem e interagem nas
práticas discursivas daqueles que habitam um AVA/Ambiente Virtual de Aprendizagem.

17
Para a realização deste estudo, foi imprescindível dedicar um olhar criterioso aos
eixos que compõem a Matriz Curricular, pois eles são essenciais e conduzem o
O Curso de Artes Visuaisda
desenho é ofertado,
Matriz – em municípios
a estrutura do do Estado
Curso de do Espírito
Artes Santo, em 22 polos
Visuais/UAB/UFES onde também são ofer-
– permitindo,
tados os demais cursos em EAD. Além disso, é preciso considerar a duração e também a estrutura do curso que conta
assim, a análise das diferentes fundamentações que sustentam o curso. Portanto,
com 44 disciplinas e, portanto, 44 professores, pois, mesmo que um professor ministre mais de uma disciplina, deve
ser visto comominha pretensão
outro sujeito, uma foi
vez abarcar
que estaráeminvestido
cada uma delas
de outra a dimensão
postura quededá
e, portanto, conta
outra da
condução para cada
uma das disciplinas ministradas.
totalidade do curso, É preciso
uma veztambém
que o considerar
projeto doa estrutura dessa “professoralidade”
curso apresenta
1
a distribuição das no Curso de Artes
Visuais EAD.
disciplinas de acordo com o eixo e o fundamento no qual ela está inserida, conforme
Para a realização deste estudo, foi imprescindível dedicar um olhar criterioso aos eixos que compõem a Matriz Curricu-
suas
lar, pois eles são características
essenciais estruturais.
e conduzem o desenho da Matriz – a estrutura do Curso de Artes Visuais/UAB/UFES – per-
mitindo, assim, a análise das diferentes fundamentações que sustentam o curso. Portanto, minha pretensão foi abarcar
em cada uma Cadadelas auma das disciplinas
dimensão possui
que dá conta um professor
da totalidade especialista
do curso, responsável
uma vez que o projeto por ela; os
do curso apresenta a dis-
tribuição das disciplinas de acordoalocados
tutores a distância, com o eixonoeNeaad/Ufes,
o fundamento22, noequal
cadaelaum
está inserida,
deles conforme suas
é responsável por características
estruturais.
um polo e realiza a mediação entre o professor, na orientação e diálogo com os
Cada uma das disciplinas possui um professor especialista responsável por ela; os tutores a distância, alocados no
Neaad/Ufes, 22, tutores
e cadapresenciais, que são 44,
um deles é responsável e os
por um poloalunos doa polo,
e realiza no ambiente
mediação virtual na
entre o professor, deorientação e
diálogo com os aprendizagem e nasque
tutores presenciais, viagens
são 44,realizadas
e os alunosaos
do polos,
polo, noeambiente
ainda osvirtual
tutoresdepresenciais
aprendizagem e nas via-
gens realizadas aosrealizam
que polos, e aainda os tutores
mediação presenciaisdos
e a animação queencontros
realizam apresenciais
mediação e semanais
a animaçãocom dos os
encontros presen-
ciais semanais com os alunos.
alunos.

  Professores especialistas

   

  Tutores a Distância TutoresPresenciais


– Neaad/Ufes - Polos
 
   
  AVA – Alunos Alunos e encontros
  presenciais
Visitas
   
 

O primeiro Eixo, denominado de Formação Geral e Pedagógica, trata dos subsídios teóricos e metodológicos associados
às questões pertinentes dos diversos campos conceituais e históricos das artes visuais e correntes pedagógicas. Além
O primeiro Eixo, denominado de Formação Geral e Pedagógica, trata dos
de instrumentar os alunos nos procedimentos em EAD. Este eixo visa despertá-los para atitudes reflexivas e de investi-
subsídiospara
gação, estimulando-os teóricos e metodológicos
a necessidade associados
da associação às questões
dos estudos pertinentes
realizados com suasdos diversos
práticas profissionais. (PRO-
JETO DO CURSO DE ARTES
campos VISUAIS,e2006,
conceituais p. 26, das
históricos grifoartes
dos autores).
visuais e correntes pedagógicas. Além de
 
instrumentar os alunos nos procedimentos em EAD. Este eixo visa despertá-los para
  EIXO 1
atitudes reflexivas e de investigação, estimulando-os para a necessidade da
  FORMAÇÃO GERAL E PEDAGÓGICA
associação dos estudos realizados com suas práticas profissionais. (PROJETO DO
CURSO
   
DE ARTES VISUAIS, 2006, p. 26, grifo dos autores).
NÚCLEO A:
METODOLOGIA NÚCLEO D:
NÚCLEO B: NÚCLEO C: TÓPICOS TEORIAS E
  EAD FUNDAMENTOS EM ENSINO DAS
Fundamentos HISTÓRIAS DA ARTE
DAS ARTES VISUAIS Filosofia da Arte
Estruturais e HUMANIDADES Propostas
  Pedagógicos da História da Arte I, II, III
Antropologia Metodológicas do e IV
EAD Metodologia Visual Ensino da Arte no
da Pesquisa em Teoria das
  EAD
Interações Brasil I e II Linguagens
Culturais Aspectos Legais do Processo de Criação
  Filosofia da Arte Ensino da Arte
   
   
 

O segundo Eixo – Formação Específica - congrega os fundamentos e as


O segundo Eixo – Formação Específica - congrega os fundamentos e as linguagens visuais apresentadas em
linguagens
suas especificidades visuais apresentadas
e características. em os
Pretende-se que suas especificidades
alunos, e características.
sempre assessorados pelo acompanhamento
acadêmico através dos diversos
Pretende-se querecursos metodológicos
os alunos, sempre propostos no curso,
assessorados entrem
pelo em contato com as carac
acompanhamento
acadêmico através dos diversos recursos metodológicos propostos no curso, entrem
1 Termo proposto por Lucimar Bello para designar os diferentes papéis que o professor assume em sua docência.
em contato com as características próprias de cada linguagem visual, aprimorando
18
as suas próprias conexões com os demais conhecimentos adquiridos. (PROJETO
DO CURSO DE ARTES VISUAIS, 2006, p. 27, grifo dos autores)
acadêmico através dos diversos recursos metodológicos propostos no curso, entrem
em contato com as características próprias de cada linguagem visual, aprimorando
as suas próprias conexões com os demais conhecimentos adquiridos. (PROJETO
DO CURSO DE ARTES VISUAIS, 2006, p. 27, grifo dos autores)
terísticas próprias de cada linguagem visual, aprimorando as suas próprias conexões com os demais conheci-
mentos adquiridos. (PROJETO DO CURSO DE ARTES VISUAIS, 2006, p. 27, grifo dos autores)

EIXO 2

FORMAÇÃO ESPECÍFICA

  NÚCLEO F: LINGUAGENS VISUAIS


NÚCLEO E: FUNDAMENTOS Desenho
PLÁSTICOS Pintura
Percepção e Composição Gravura
Sintaxe Visual Poéticas Digitais
Cor e Laboratório de Tintas e Fotografia
Materiais Vídeo
Modelagem Artes da Fibra
Linguagem Gráfica –
 
 

A Prática de Ensino
vivenciado por cadaemaluno
Arte no
compreende
decorrer ascurso.
do Práticas de Ensino, oscomo
Compreendidos Estágios eo
integrantes
A Prática de Ensino em Arte compreende as Práticas de Ensino, os Estágios e o Trabalho de Graduação que, enquanto
Trabalho
componentes do terceiro de
de umaeixoGraduação que,
norteador,
totalidade, enquanto
são entendidos
esses componentes
conteúdos não apenas um
garantem do
comoterceiro eixo
exigências
contato norteador,
necessárias
contínuo são
para a titulação
do educando
como licenciado, mas comonão
entendidos o resultado
apenas teórico-prático do desenvolvimento processual,
comodaexigências vivenciado por cada aluno no
com as questões do ensino arte desde necessárias
o primeiro anopara a titulação
do curso. como
(PROJETO DO
decorrer do curso. Compreendidos como integrantes de uma totalidade, esses conteúdos garantem um contato con-
licenciado,
tínuo do educando com asmas
CURSO DE comodooVISUAIS,
ARTES
questões resultado
ensino teórico-prático
da 2006,
arte p. 28,o grifo
desde do
dos
primeiro desenvolvimento
autores).
ano processual,
do curso. (PROJETO DO CURSO DE ARTES
VISUAIS, 2006, p. 28, grifo dos autores).

EIXO 3

PRÁTICAS DE ENSINO DA ARTE

 
Seminário I Estágio III
Seminário II Estágio IV
Seminário III Pratica de Ensino I
Seminário IV Pratica de Ensino II
Seminário V Pratica de Ensino III
Estágio I Trabalho de Graduação I
Estágio II Trabalho de Graduação II
   

Diante de um universo
Dianteconstituído por quarenta
de um universo e quatro
constituído pordisciplinas
quarenta edistribuídas nos três distribuídas
quatro disciplinas Eixos: Formação
nos Geral e Ped-
agógica, Formação Específica e Prática de Ensino em Arte que estruturam o curso houve a necessidade de um recorte.
três Eixos: Formação Geral e Pedagógica, Formação Específica e Prática de
Escolhi, então, uma disciplina de cada eixo para compor o “corpus” analítico desta investigação. Do Eixo 1, caracterizado
Ensino em Arte que estruturam o curso houve a necessidade de um recorte.
como o eixo da Formação Geral e Pedagógica, a disciplina escolhida foi História da Arte III; no Eixo 2, que correspon-
de à Formação Específica, a escolha recaiu sobre a disciplina Vídeo; e, no Eixo 3, que trata das Práticas de Ensino da
Escolhi,
Arte, a opção se deu então, uma
pela disciplina disciplina
Estágio de cada
em Pesquisa I. eixo para compor o “corpus” analítico desta
Ao escolher essasinvestigação. Do Eixo 1,o caracterizado
disciplinas, primeiramente como
fiz, conforme dito, o eixo
no intuito de da Formação
contemplar, Geral
na análise, e
os diferentes
eixos que estruturam o curso. O aoutro
Pedagógica, motivo que
disciplina me levou
escolhida foia essas escolhas
História da foram
Arte as
III;ementas
no Eixodas2,
referidas
que discipli-
nas, uma vez que elas traduzem os pressupostos e concepções dos eixos aos quais pertencem, o que me levou a crer
corresponde à Formação Específica, a escolha recaiu sobre a disciplina Vídeo; e,
na possibilidade de oferta de disciplinas, componentes da Matriz Curricular de um curso, cujos conteúdos estão em
consonância com no Eixo 3, que
os requisitos trata das para
necessários Práticas de Ensino
a formação de aprofessores
da Arte,
qualitativa opção se dedeuArte
pela disciplina
para atuar na contempo-
raneidade. Estágio em Pesquisa I.
Assim, no intuito de analisar cada uma delas como um todo, como ela se apresenta e é apresentada adotei o seguinte
Ao escolher essas disciplinas, primeiramente o fiz, conforme dito, no intuito de
percurso metodológico:
contemplar,
• Os discursos de montagemna análise, os diferentes
e apresentação eixos que estruturam o curso. O outro motivo
da disciplina;
que me levou
• Como está caracterizada a essas escolhas foram as ementas das referidas disciplinas, uma vez
a disciplina?
que elasatraduzem
• Como está organizada os pressupostos e concepções dos eixos aos quais pertencem, o
disciplina?
que me
• Sobre os discursos levou a e no
nas práticas crerreferencial;
na possibilidade de oferta de disciplinas, componentes da
• No discurso daMatriz Curricular
professora... Quaisde um curso, cujos conteúdos estão em consonância com os
concepções?
requisitos necessários para a formação qualitativa de professores de Arte para atuar
19
na contemporaneidade.
• Nos fóruns... A voz dos estudantes... A voz da tutoria;
• Constatações... Os discursos, as práticas e as concepções que embasam a formação do professor de Arte na modali-
dade EAD.

A disciplina Estágio em Pesquisa 1

A disciplina Estágio em Pesquisa I, do curso de Artes Visuais/EAD/UFES pertence ao Terceiro Eixo de sustentação do
curso denominado, Eixo das Práticas de Ensino da Arte e está estruturada numa abordagem pedagógica que afirma a
necessidade de subsidiar a formação de professores numa prática sustentada nos pilares da pesquisa e da reflexão.
Cujo modelo traduz uma abordagem pedagógica de caráter construtivista, sociocultural, na qual,
[...] A aprendizagem é um modo de gradualmente se ir compreendendo melhor o mundo em que vivemos e de saber-
mos melhor utilizar os nossos recursos para nele agirmos. Uma boa parte das competências hoje exigidas são dificil-
mente ensináveis. E, contudo elas têm de ser desenvolvidas. (ALARCÃO, 2003)
Essa abordagem permeou todas as entradas e interações promovidas pela professora sejam elas nos materiais educati-
vos ou nos modos de interação entre professor e tutor, e entre professores e alunos, e entre tutores e alunos e entre os
tutores presenciais e a distância ocorridos, nos espaços tempo disponibilizados no AVA/Ambiente Virtual de Aprendiza-
gem, dentre os quais escolhi o Fórum para Construir Saberes, pois na disciplina Estágio I, dentre os demais, esse Fórum
está identificado em sua página como um Fórum para acompanhamento e aprofundamento de estudos.
É importante afirmar que os Fóruns, de acordo com as funções designadas pela Plataforma Moodle, quando são criados
trazem consigo, uma estrutura de poder e, essa estrutura pode ser ou não modificada pelo professor especialista. No
caso do Fórum Para Construir Saberes, o controle básico indica que somente ao professor cabe a abertura de tópicos,
mas é dele a decisão sobre quem vai abrir ou conduzir esses diálogos.E é de acordo com as postagens ou aberturas
de tópicos que se pode identificar a decisão ou a utilização pretendida pelo professor quando por exemplo, abre esse
Fórum, para todas as postagens de todos os sujeitos componentes do curso.
As vozes sociais, as vivências, os valores... Vão construindo os sentidos nos discursos proferidos. A palavra reflete e
refrata a densidade do mundo que a produziu, ela se apresenta nos discursos carregada de intencionalidade. Ou seja,
as vozes ali presentes pertencem a sujeitos que querem ser conhecidos e que sejam conhecidas as suas ideias do que
é ser professor ou como deve ser. Assim, nos recortes realizados pudemos identificar a intenção de resposta, a troca
existente neste jogo dialético da palavra ligada à palavra, a interferência do outro na construção do sentido. Assim, o
sujeito falante não é um ser mudo e passivo, apreende o discurso do outro e constrói o seu discurso num processo de
interlocução e interação das suas palavras com as palavras do outro.

20
A disciplina História da Arte III

A Disciplina História da Arte III devido a sua especificidade está entre as disciplinas que compõem o Primeiro Eixo da
matriz curricular, denominado de Formação Geral e Pedagógica, conforme o Projeto do Curso (2006 p.26).
A presença da História da Arte nesse curso tem papel fundamental, que corresponde a uma concepção da Arte e seu
ensino aprendizagem que considera que esta disciplina integra questões da Técnica, da Poética, da Crítica, da Pedago-
gia, da História e da Estética. Portanto, oportuniza uma formação de professores de Arte capazes de empreender em
suas práticas, uma aprendizagem da arte cujo propósito está na compreensão que permita a análise e a crítica da arte
em seu contexto social. Contrariando, portanto o que ocorre em outras práticas como a da “livre expressão”, onde prev-
alece a questão da Técnica, na maioria das vezes, sem as devidas contextualizações.
Contudo, os historiadores em geral e também os historiadores de arte, críticos e estudiosos classificam os períodos,
estilos ou movimentos artísticos separadamente, com o intuito de facilitar o entendimento das produções artísticas, e
também por considerarem mais didática a apresentação da arte por meio da linha do tempo histórica.
No entanto, segundo Buoro (2002) esse modo de apresentação deixa lacunas e expectativas, em especial no educador
brasileiro, que desconhece as concepções que embasam as “construções” das Histórias da Arte. Buoro afirma que outras
abordagens que contemplam os estudos de obras de arte, como a da semiótica apontam, para outras dimensões, pre-
sentes nas próprias obras como fundamentos investigativos tais como os de considerá-las como linguagem. A pesqui-
sadora argumenta que:
[...] Na semiótica discursiva, a expressão e conteúdo são planos interligados na produção de qualquer lin-
guagem, porém, não é bem assim que os leitores, em especial o educador brasileiro de arte no contexto de
ensino formal, parecem compreender essa relação. (2002, p.81)
Pautada na teoria Greimasiana da análise do discurso, a pesquisadora aponta o livro de Gombrich como possibilidade
para a superação dessas lacunas no processo de formação dos educadores e estudantes.
Em sua análise da abordagem do historiador a pesquisadora considera desde a estrutura formal do livro à linguagem
utilizada pelo mesmo e constata que o autor buscou interagir o seu texto com destinatários gerais, e não a um publi-
co especializado em Arte, ou seja, com os conhecimentos e as competências necessárias para a leitura das produções
artísticas presentificadas na História da Arte em geral.
Em contrapartida, na análise que faz sobre o livro de Argan, Buoro ao considerar a abordagem desse historiador a
estrutura formal do livro, e a linguagem utilizada, argumenta que embora não reconheça nele “um historiador rigoro-
samente diacrônico”, reconhece que a publicação não se destina ao leitor comum e nem tão pouco, a um iniciante nos
caminhos da Arte.
A História da Arte contada por Argan (1992), na análise de Buoro (2002) exige um leitor (estudante da arte), que esta-
beleça as relações entre as obras ali apresentadas e os embasamentos filosóficos, artísticos e estéticos que as contex-
tualizam, não como pertencentes a um período, mas numa interação dialógica entre eles.

21
Uma postura que se adequa ao pensamento Bakhtiniano que define o autor contemplador como um componente
externo da obra estética, responsável pelo seu acabamento. Distanciado da obra, é deste lugar exotópico que o espect-
ador atualiza, dá unidade e acabamento ao objeto estético.
E, esses pressupostos foram comprovados na realização das tarefas Analisando Imagens e Banco de Imagens Unidade 1
e, em todas as outras tarefas da Disciplina História da Arte III, que exigiram dos estudantes, competências para a leitu-
ra e compreensão de imagens.
Diante de tal constatação e considerando as duas referências bibliográficas básicas, E. H. Gombrich e Giulio Carlo Ar-
gan, dois historiadores, com direcionamentos e aproximações distintas, surge uma questão: em qual deles a professo-
ra-formadora vai fundamentar o seu discurso e as suas práticas nessa disciplina que aqui analisamos?
São poucos os momentos onde se pode identificar alguma tentativa de mudança por parte da professora no sentido
de buscar alguma interação com os estudantes, respondendo aos questionamentos colocados nos fóruns ou mesmo
passando alguma informação.
Embora a disciplina esteja sustentada na linearidade que é própria da maioria dos modelos como estão organizadas as
disciplinas que tratam da História da Arte ou das Civilizações, ao mesmo tempo, esse modo de apresentar e trabalhar
a História dialoga com os princípios difundidos pelo historiador Argan, que se apoiam no modo relacional de ver e
compreender a História da Arte.
Nesse entrecruzamento de princípios é que ocorre o que pode ser considerado conflito de ideias por parte dos estu-
dantes, pois esses, todos adultos, maioria professores trazem em suas bagagens vivenciais, suas leituras de mundo e
nelas, a história é a história dos fatos e acontecimentos, das datas e não a que as obras em seu plano de expressão
nos contam. E isso se revela no momento do fazer, pois é na tarefa que exige um saber acumulado conforme preconiza
Argan, que os estudantes demonstraram maiores dificuldades, pois ainda não alcançaram o nível exigido para essas
práticas.
Assim, ao analisar os discursos presentes nas webconferências, no Fórum Tira Dúvidas, no Fórum Para Construir Sa-
beres ou mesmo, em cada um dos enunciados de abertura das semanas, para neles identificar algum diálogo que pos-
sibilitasse a identificação do sujeito falante em interação com o outro, no sentido de encontrar respostas caracterizan-
do o pensamento bakhtiniano de enunciado e de atitudes responsivas dos sujeitos identificando assim, a concepção ou
concepções de professor de Arte dos sujeitos que participaram nesses espaços virtuais, me deparei com a prevalência
de enunciados meramente informativos, distantes, cujo objetivo é a informação de um link para visitas virtuais ou
então, as entradas ou respostas, não passaram de agradecimentos ou informações de outros links caracterizando assim,
uma concepção de professor que se apoia numa pedagogia tradicional.

A disciplina Vídeo

A disciplina Vídeo está inserida no Eixo 2 que agrupa as disciplinas referentes à Formação Específica em Arte. As suas
teorias e ações foram organizadas no sentido de atender ao proposto na seguinte ementa que a direciona:
Aspectos da história do vídeo, a sua linguagem e técnica. Etapas necessárias à realização de um trabalho
prático: roteiro, produção, gravação e edição. O vídeo e a TV na Escola. Vídeo, TV e desenvolvimento do aluno
do Ensino Fundamental e Médio - discussão das publicações mais recentes.

22
A identidade da página de acesso à disciplina é construída com a imagem localizada no centro da pá-
gina. Nesse contexto assume o papel de enunciado que para Bakhtin funciona como objeto de estudos da linguagem,
que se constrói com base em um contexto enunciativo.
É um convite a pressionar o botão “PLAY”, para que se descubra o que há por vir, ou melhor, o que há para ser visto, e
desvelado. Bakhtin reforça sobre a necessidade de se valorizar o contexto, pois é ele, que vai possibilitar a atribuição
de significado, no caso a essa imagem tornando-a um texto a ser lido e compreendido, uma vez que as trocas dialógi-
cas realizadas pelos participantes podem gerar enunciações concretas, ou seja, resultar na compreensão desse texto.
A linguagem verbal e gestual adotada pela professora foi o recurso facilitador, que resultou em maior e melhor inter-
ação dos estudantes com os conteúdos e tarefas durante as webconferências, dessa disciplina.
Os assuntos e termos específicos da disciplina, desconhecidos e considerados complexos pelos estudantes foram tra-
duzidos e exemplificados em linguagem mais simples, o que facilitou o entendimento dos estudantes. Uma estratégia
no sentido de estimular a atividade e iniciativa dos estudantes sem, contudo dispensar a iniciativa do professor. Uma
aula expositiva dialógica que não deve ser vista como uma conversação e sim, deve ser entendida, como uma busca
recíproca do saber (Freire e Guimarães, 1982)
Os diálogos vão sendo construídos como resultado da interação permanente com o outro e nesse devir observa-se
o quanto “a palavra é um território compartilhado, quer pelo expedidor, quer pelo destinatário” (Bakhtin, 1981, p.85).
Assim, a professora entra na discussão que está formada trazendo uma nova contribuição. Numa linguagem que lhe é
própria, de maneira simples, coloquial, ela responde conversando com os estudantes, como se estivessem todos sen-
tados numa roda de bate papo. Não se trata de um discurso vazio, mas sim, uma aproximação entre professora e estu-
dantes, que caminham lado a lado na construção do conhecimento, numa postura que reflete o pensamento de Moram
(2004).
A disciplina Vídeo está colocada pelos alunos, como uma das disciplinas com a qual tiveram grandes afinidades e isso
se refletiu no resultado geral, tantos nos aspectos teóricos, quanto práticos. Uma demonstração de que professora e
estudantes fizeram de suas práticas, um campo de reflexão teórica estruturadora da ação (Alarcão, 1996).
Contrapondo-se à concepção bancária de educação, cuja base de sustentação, segundo Freire (2005) é a transferência
de saberes, o autor sugere como recurso no sentido de fomentar a problematização e a colaboração, uma prática ed-
ucativa dialógica, que segundo ele vai possibilitar condições para que as situações problemas sejam analisadas criti-
camente (FREIRE, 2005, p. 193). Na condição de maestro dessa orquestra, que é a “sala de aula” cabe ao professor criar
situações de aprendizagem que envolva por meio do diálogo crítico e participativo, todos os sujeitos do processo na
construção do conhecimento significativo.
Essa comunicação dialógica constituída de múltiplas vozes em interação e numa mesma direção, como assevera Bak-
thin, (2006), vai permitir a compreensão dos significados, atribuição de sentidos e consequentemente levará à apren-
dizagem.
Assim, nesse meu propósito de identificar as concepções de professor de Arte presentes no curso de Artes Visuais
posso dizer que, dentre os aspectos que estruturam e fomentam essa concepção, nos discursos e práticas da professora
que ministrou a disciplina Vídeo está presente a concepção pautada em práticas e estudos, interdisciplinares, nos quais
“associando-se o pensamento não apenas a uma disciplina, mas a um vasto conjunto de saberes disciplinares ou não”
(BARBOSA, 1998: 37), o sentido será atribuído e consequentemente ocorrerá a aprendizagem.

Constatações... Os discursos e as práticas e quais concepções que embasam a for-


mação do professor de Arte no Curso de Artes Visuais na modalidade semipresen-
cial/EAD/UFES?

Conforme esperado identifica-se nesse ambiente virtual, uma profusão de vozes presentes nos enunciados que con-
stituem os escritos sobre a EAD; a legislação que rege a formação de professores, o projeto do curso, a estrutura da
matriz curricular, as práticas dos professores especialistas das disciplinas, as intervenções da tutoria, a interação dos
estudantes.
Os documentos que embasam esse curso, os discursos dos professores especialistas, dos tutores, dos estudantes ou
mesmo dos autores cujas pesquisas serviram de referência para a condução das disciplinas estão impregnados de vari-
adas concepções, conforme a teoria bakhtiniana de que “[...] as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios” (BAKHTIN, 1992a, p. 41).

23
Estão ali presentificadas a concepção tradicional - cujos métodos se baseiam tanto na exposição verbal como na
demonstração dos conteúdos, que são apresentados de forma linear e numa progressão lógica.
E a concepção considerada progressista, denominada crítico-social por José Carlos Libâneo (1989), na qual o professor
é caracterizado como reflexivo por refletir sobre a sua prática, para alcançar o “status” de mediador do processo ensi-
no-aprendizagem pautado na interação e no diálogo com os estudantes.
Portanto, esses discursos traduzem as concepções de professor de Arte de cada um dos sujeitos que agiu e interagiu no
AVA. Então, eles se colocaram na cena, no processo de construção de um currículo e de uma prática “capazes de fomen-
tar uma real transformação social...”, envolvendo muitos “outros” nesse diálogo entre o “eu” e o “outro”, entre muitos “eus”
e muitos “outros”, numa constante alternância de vozes.
Confirmando a teoria bakhtiniana de que é nas fronteiras de interação entre o eu e o outro, na relação entre sujeitos
e a dos sujeitos com a sociedade que se constituem os discursos e se constroem o sentido do texto; mesmo quando a
interação não está tão explícita ou evidente é a partir dela, que os sujeitos se constituem e mostram sua inventividade,
e se tornam responsáveis ou “respondíveis” por suas atividades considerando o lugar e o tempo específico que cada um
ocupa no mundo.
É com essa certeza que chego ao acabamento deste relatório de pesquisa sem, contudo, chegar ao fim, pois acredito
que, com a reestruturação da Matriz Curricular para a oferta da nova turma, novos documentos, novos olhares, novos
atores e, portanto, outros discursos trarão novas leituras e novas contribuições para a pesquisa, uma possibilidade de
acesso ao caminho do conhecimento, que não tem fim. É assim que vejo esta tese – uma entrada ou janela “convidan-
do” a entrar. E ao entrar nesse espaço que é virtual e ao mesmo tempo presencial, o sujeito vai encontrar uma pro-
fusão de vozes oriundas de diversos sujeitos e em interação, porém não poderia ser diferente, pois, nesse espaço, estão
presentes variadas concepções de professor de Arte, algumas vezes percebidas nas práticas e discursos de um mesmo
sujeito.

REFERÊNCIAS
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ALMEIDA, Maria Elizabetti; MORAN, José Manoel (Org.). Integração das tecnologias na educação. Brasília: MEC/SEED,
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VERA LÚCIA DE OLIVEIRA SIMÕES


Doutora em Educação - PPGE/UFES (2013). Mestre em Educação PPGE/UFES (2001). - PPGE/UFES (2001). Concluiu a
Especialização em Formação de Mediadores em EAD - Neaad/UFES (2011). Licenciada em Ed. Artística pela UFES. Foi
professora de Ed. Artística na SEME/PMV. Atuou como Tutora a Distância do Curso de Artes Visuais/EAD/UAB/UFES, de
setembro de 2008 a dezembro de 2013. É Professora concursada no DTAM/UFES.

28
A LEITURA DE IMAGENS: ESTEREÓTIPOS E DESVELAMENTOS
OLIVEIRA, Thaynara Silva. Universidade Federal do Espirito Santo.
MAGRO, Adriana. Universidade Federal do Espirito Santo.

RESUMO
Quando tratamos de leitura geralmente a associamos formalmente a palavra escrita, desconsiderando a
possibilidade de ler o vasto universo que nos rodeia. As imagens também carregam sentidos e por isso po-
dem ser lidas e interpretadas. O processo de ler imagens envolve a habilidade de ver, atribuir sentido e iden-
tificar inter-relações presentes nas imagens com nosso meio, considerando os universos culturais de cada
leitor. Levando em conta a importância do entendimento dos códigos para a compressão das mensagens
contidas nas imagens, este artigo faz considerações sobre autores que desenvolveram estudos sobre leitura
de imagens como Michael Parsons e Robert Ott. A ênfase desse texto se da na importância da apropriação
do referencial acima para ampliar a ação do professor em sala de aula.
Palavras chave: Leitura de imagem; Compreensão; Interpretação.

ABSTRACT
When we are dealing with reading usually we associate with the written word, disregarding the possibility
of reading the vast universe around us. The images also carry senses so they can be read and interpreted.
The process of reading images involves the ability to see , to make sense and identify interrelationships in
the images with midst, considering the cultural universes of each reader. Taking into account the importance
of understanding the codes for compression of the messages contained in images, this article is consider-
ation of authors who developed studies on reading images as Michael Parsons and Robert Ott . The empha-
sis of this paper is the importance of ownership in the reference above to enlarge the action of the teacher
in the classroom.
Key words: Reading picture; Understanding; Interpretation.

Introdução
Esse texto se debruça sobre a importância do ato de ler imagens, em especial na importância do professor se apropriar
do referencial disponível sobre o assunto.
Nosso objetivo foi pensar em ampliar o universo interpretativo do professor a fim de aprimorar sua ação em sala de
aula.
Para tal, escolhemos dois autores que escreveram sobre o assunto; são eles: Ott e Parsons. O primeiro abordou as prin-
cipais ações do desenvolvimento interpretativo; já o segundo acredita em cinco estágios do desenvolvimento estético
do ponto de vista cognitivo.
O interesse dessa pesquisa se deu durante uma experiência em sala de aula, em que atuo como Pibidiana ¹, em uma
escola municipal de Jardim da Penha com uma turma de 9° ano do 2° ciclo do fundamental, em que os alunos , ao
observarem uma imagem, proferiam ‘julgamentos’ estereotipados.

Leitura de Imagem
O processo interpretativo é árduo e pouco usual, em especial quando se trata da interpretação imagens. Considerando
as imagens como textos, defende-se que estas são portadoras de sentidos e por isso podem ser lidas e interpretadas.

29
Quando tratamos de leitura, geralmente a associamos a palavra escrita, ao texto, desconsiderando a possibilidade de
ler algo que não sejam os símbolos convencionais da leitura.
Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas pa-
lavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais
climáticos nas nuvens, lemos o chão. Lemos o mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas
da intenção de descoberta do nosso olhar. (MIA COUTO, 2009)

Segundo Kerwald (2006, p. 24), as imagens necessitam serem lidas, pois um olhar educado para ver perceberá as se-
melhanças e diferenças, fará analogias e por consequência identificara as inter-relações, isto é o intertexto. Sabemos
que os ‘textos’ visuais possuem sim uma sintaxe própria, tais como: o reconhecimento de linhas, pontos, planos, cores,
texturas, formas, volumes e etc. Entretanto, somente reconhecer tais elementos não nos caracteriza como leitores: este
deve interpretar esses elementos, ou seja, construir através deles um conjunto de sentidos, uma semântica que não
se quer absoluta em sua significação, pois sabemos que os universos culturais dos leitores são muitos e podem vir a
interferir nessa leitura. Assim um ‘leitor’ de imagens pode ver além de o simples enxergar, e compreender significados
complexos.
A leitura de imagens se torna mais fácil a partir do contato com as formas artísticas, quanto maior for esse contato,
maior será o aprofundamento nessa linguagem, que permite através do acesso à compreensão da produção estética da
humanidade. Ler é gerar sentido, e cultivar essa prática deveria acontecer com o contato com as obras originais. Sem-
pre que possível o leitor deve estar nas galerias, exposições, museus, teatros ou em qualquer outro ambiente em que
exista o contato real com a obra.
Em uma experiência em sala de aula observei de perto um tipo de leitura, sendo essa uma leitura estereotipada, en-
tendo por leitura estereotipada aquela realizada a partir de uma visão generalizada, não original, que se limita a seguir
modelos conhecidos. Esse fato ocorreu durante uma aula expositiva sobre Surrealismo no 9º ano de uma escola publi-
ca em Jardim da Penha (Vitória/Espirito Santo), os alunos que tinham em média 12 a 14 anos tiveram a oportunidade
de fazer suas leituras de pinturas surrealistas dos artistas Salvador Dali, Rene Magritte e Max Ernest, mostradas em
Power point. Em geral percebi que os alunos gritavam as palavras ‘macumba’ e ‘bruxaria’ em todos os momentos em
que algo na pintura não era para eles totalmente claro, eles costumavam associar personagens inacabados com práti-
cas religiosas que excediam seu entendimento.

Figura. 1 - Salvador Dali, Construção Mole com Feijões Cozidos (Premonição da Guerra Civil), 1936, 100 cm × 99 cm. Fonte: Página Wikipédia

30
Figura. 2- Salvador Dali, Sonho causado pelo sonho de uma abelha ao redor de uma Romã antes de acordar, 1944, 100 cm × 99 cm. Fonte: página Carmo Salva-
dor Dali

Figura. 3- Max Ernest, O anjo da lareira, 114 x 146 cm. Fonte: página Obviousmag

Durante a aula quando apareciam mulheres nas pinturas projetadas os alunos imediatamente gritavam palavras que
remetessem a práticas sexuais, associando diretamente o corpo feminino com um objeto de desejo extremamente
erótico.
A partir desse momento percebi que a leitura das imagens era feita a partir de um raso juízo individual, considerando
relações simples e critérios de beleza tradicionais. Na análise feita pelos alunos aspectos como o tema, a materiali-
dade, a diferença entre as cores e planos, o tratamento de luz e sombra e os volumes foram ignorados.
A leitura feita pelos alunos merece destaque haja vista que a sociedade da atualidade consome imagens a todo o mo-
mento. A televisão, os outdoors, e as redes sociais apelam visualmente o tempo todo. Entretanto a imagem possui seus
códigos, tem uma sintaxe, ou seja, ela é passível de leitura de modo mais sistematizado e não somente empírico. Dai
surgiu meu desejo pela pesquisa.

31
Para a fundamentação desse trabalho procurei dois modos de leitura de imagens, são os métodos dos autores Robert
Ott e Michel Parsons.
As investigações de Ott (1984), e Parsons (1992) servem de apoio para abordagens mais voltadas para as questões
estéticas da interpretação de imagens de obras de arte.
Com o intuito de estruturar a relação do apreciador com a obra de arte, Robert Ott, professor da Universidade da Pen-
silvânia, desenvolveu a metodologia Image Watching (Olhando imagens). Para isso Robert se fundamentou em John
Dewey e Edmund Feldman.
O Image Watching é estruturado em seis etapas harmonizadas e muito bem definidas, através de perguntas o media-
dor leva o fruidor á reflexão obedecendo à sequência pré-estabelecida.
O processo se inicia com o Aquecimento em que o leitor tem sua sensibilidade aguçada frente à obra, é o momento
em que ele é preparado para apreciação.
A segunda etapa é Descrevendo, nesta etapa o leitor usando sua percepção pontua oque está sendo visto. Analisando
é a terceira etapa em que é feita a análise do ponto de vista formal e técnico da obra e também os aspectos conceitu-
ais da leitura da obra de arte.
Na etapa Interpretando o leitor dará suas opiniões pessoais sobre a obra, neste momento são levantadas informações
mais subjetivas que dizem respeito ao que a obra despertou no fruidor.
Na próxima etapa que se chama Fundamentando, o mediador acrescenta informações sobre a obra e o artista, e a sua
contextualização. A ultima etapa é a Revelando, em que o mediado revela o processo de construção vivenciado.
Sobre o Image Watching, Ott afirma:
Cinco categorias compõem o sistema Image Watching e permitem formar um método direcionado ao en-
sino da arte. Essas categorias estão em um tempo verbal que expressa à ação e são conhecidas como:
descrevendo ,analisando, interpretando, fundamentando e revelando. Cada categoria segue uma ordem em
combinação com o estágio preparatório do Thought Watching e proporciona um completo sistema de crítica
de arte perceptivo, conceitual e interpretativo, que gera conhecimento, a partir das obras de arte para serem
expressos nos trabalhos de ateliê. (OTT, 1997, P. 128)

Todas as etapas do Image Watching resultam na etapa Revelando, em que os alunos têm a oportunidade de revelar seu
conhecimento a respeito da arte por meio de um ato de produção artística, mostrando a importância que a leitura de
imagens tem sobre a produção artística do leitor ou fruidor.
Já os estudos de Michel Parsons partem do principio de que o desenvolvimento em certo domínio se realiza em di-
reção a uma maior complexidade do pensamento configurando os estágios desse desenvolvimento.
Ele afirma que o tema, os aspectos formais, a expressão é o juízo, são entendidos de forma mais enredada, do ponto de
vista estético, em cada um dos estágios do desenvolvimento. Entretanto Parsons deixa claro em seus estudos que nem
todos adultos alcançam os estágios mais elevados da compreensão estética, isso depende da familiaridade com as
imagens de obras de arte, e das experiências artísticas de cada pessoa.
São cinco os estágios evolutivos da leitura de imagem classificados por Parsons. No primeiro estágio (narrativo) a
atenção do leitor está focada em um só aspecto da imagem, ela é analisada isoladamente, neste estágio o leitor faz
diversas associações livres, o juízo de valor esta associado a emoções e experiências de cada um, além disso, a criança
tende a reparar somente nas cores e no tema fazendo uma relação com sua própria vida, trata se de uma leitura que
considera somente o próprio ponto de vista.
Já no segundo estágio (construtivo) o leitor começar a fazer relação com os diversos elementos presentes no quadro,
as questões em destaque são a beleza e o realismo, é neste estágio que nascem as reações negativas, muitas vezes o
leitor questiona o porquê daquela pintura, ele julga o tema, os personagens, e o quadro como um todo em um único
juízo, o quadro passa a ser comparado a realidade, no fim desse estágio já se tem os conceitos de imaginação, original-
idade, inspiração e expressão.
No terceiro estágio (classificativo) o que predomina é o subjetivismo, o realismo perde a atração, e o sentir ganha
espaço. Neste estágio as chaves da leitura de imagem são os sentimentos, a emoção, a ideia, a mensagem e o ponto de
vista.
No quarto estágio (interpretativo) a interpretação predomina, a organização é o estilo da obra vão chamar a atenção,
o dialogo com o universo coletivo artístico será fundamental na compreensão e interpretação das obras, que serão
compreendidas de forma diferenciada por cada um.

32
No quinto e ultimo estágio (recriativo) o individuo elabora significações cada vez mais complexas sobre as obras, e so-
bre as imagens, o juízo de interpretação está mais apurado e o grau de autonomia em relação ao que é apreciado au-
menta. Sabemos que existem outras abordagens de leitura de imagens. Priorizamos apenas Ott e Parsons no momento
da pesquisa, por se tratar de uma literatura acessível ao iniciarmos nossa investigação. Sendo assim enfatizamos ainda
que Parsons pensou sua teoria somente para pintura, fato que nos interessa, pois, em sala de aula trabalhamos muitos
objetos artísticos bidimensionais e até mesmo reproduções.
A partir desta pesquisa, e dos métodos de leituras apresentados, considero a necessidade de formar leitores de ima-
gens, indivíduos capazes de reconhecer elementos (cores, planos, texturas, temática...) interpreta-los e através deles
criar sentido, uma semântica que leve em consideração seu universo cultural, a partir dai estes indivíduos poderão ver
o mundo que os rodeia de forma mais crítica e menos estereotipada, compreendendo significados mais complexos.
Acreditamos que a arte é uma linguagem que deve ser aprendida e apreendida, e, feito isso, proporcionar ao leitor um
novo modo de se apropriar do mundo também.

(Endnotes)
1 ¹ Pibidiana: aluna integrante do Programa Institucional de Bolsa de iniciação a Docência.
Figura 1- Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Soft_Construction_with_Boiled_Beans_%28Premonition_of_Civil_War%29 Acesso: Maio de 2015

Figura 2- Disponível em: http://carmosalvadordali.blogspot.com.br/ Acesso Maio de 2015

Figura 3- Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/por_tras_do_espelho/2013/04/a-arte-do-delirio-de-max-ernst.html Acesso Maio de 2015

Referências:

OTT, Robert Wilson. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, Ana Mae. Arte educação: leitura do subsolo. São Paulo,
Cortez, 1997.
PARSONS, Michael J. Compreender a Arte. Lisboa, Presença, 1992
KEHRWALD, Isabel Petry. Ler e escrever em Artes Visuais. 2006.
ROSSI, Maria Helena Wagner. Estágios evolutivos da leitura da imagem segundo Michael Parsons. Oficina de leitura da
Imagem, realizada no Seminário A imagem no ensino da Arte. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Adriana Magro
Possui graduação em Educação Artística pela Universidade Estadual de Londrina (2002), mestrado em Educação pela
Universidade do Oeste Paulista (2006) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (2010).
Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de Artes, com
ênfase em Artes, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, arte educação, semiótica greimasiana, artes
plásticas e ensino das artes visuais.

Thaynara Silva Oliveira


Graduanda em Artes Visuais pela Universidade Estadual do Espírito Santo. Atualmente é bolsista do Programa insti-
tucional de Iniciação a Docência (PIBID).

33
A PAISAGEM DA TEXTURA E SEUS DESDOBRAMENTOS
Alayne Mateini Madeira, Graduanda em Artes Visuais – UFES
Kristal Vago Soares, Graduanda em Artes Visuais – UFES
Thais Souza de Oliveira, Graduanda em Artes Visuais – UFES

RESUMO
A proposta desta pesquisa é fomentar a discussão acerca de conteúdos básicos lecionados na educação
infantil, no caso a paisagem, a textura, e a gravura, para isso desenvolvemos o projeto-oficina ‘A paisagem
da textura e seus desdobramentos’, que aconteceu com uma turma de 30 alunos, de Ensino fundamental em
uma escola da Rede Municipal da Prefeitura de Vitória, dentre esses alunos selecionamos cinco para ser o
nosso grupo focal, com idades entre 9 e 11 anos. Apresentamos uma discussão reflexiva a partir dessa práti-
ca a respeito da importância da experiência estética e criativa no ensino de Artes Visuais. O estudo dessas
temáticas, são essenciais para prática artística, e proporcionam também uma compreensão mais ampla de
assuntos frequentemente abordados e discutidos na atualidade como, por exemplo, o ambiente, dando a
perceber que não só a paisagem, mas também a gravura e o estudo de texturas são frutos de um longo, e
rico aprendizado. Esse contato é fundamental na constituição e formação do indivíduo criativo, e deve ser
repensado e incorporado no ensino de artes na escola.
Palavras-chave: Paisagem; Gravura; educação básica; projeto-oficina.

ABSTRACT
The purpose of this research is to foster discussion about basic contents taught in kindergarten, where the
landscape, the texture, and the picture, for it developed the project workshop “The texture of landscape and
its consequences.” The project took place with a group of 30 students from Elementary school in a school
Municipal Network of Vitória, among these students select 5 to be our focus group, ages between 9 and 11
years. We present a reflective discussion from that practice about the importance of aesthetic and creative
experience in teaching Visual Arts. The study of these issues are essential to artistic practice, also provide
a broader understanding of issues often raised and discussed at present such as the environment, giving
notice that not only the landscape, but also the picture and the study of textures are the result of a long and
rich learning. This contact is essential in the formation and training of the spectator and creative individual,
and should be rethought and incorporated in arts education in school.
Keywords: Landscape; engraving; basic education; workshop.

INTRODUÇÃO
A paisagem é formada por diferentes elementos que podem ser de domínio cultural, econômico, social, e todos se
articulam entre si. A paisagem sofre mudanças constantes por motivo das inúmeras modificações humanas. Para o
geógrafo francês Oliver Dolfuss “as paisagens são frutos da intervenção humana no espaço e as classifica em três
grandes famílias”. Segundo o autor:
• Paisagem natural: não foi submetida à ação do homem.
• Paisagem modificada: é fruto da ação das coletividades de caçadores e de coletores que, mesmo não exercendo
atividades pastoris ou agrícolas, em seus constantes deslocamentos, pode modificar a paisagem de modo irre-
versível, através do fogo, derrubadas de árvores etc.
• Paisagens organizadas: são aquelas que representam o resultado de uma ação consciente, combinada e contínua
sobre o meio natural, como, por exemplo, as cidades, praças etc.

34
Segundo estudos produzidos por Mariela Sobrinho (2014),1 o homem estabelece um envolvimento com a natureza,
desde a antiguidade. Para falar sobre a pintura de paisagem, digamos que o conceito de paisagem está ligado a essa
relação e, mesmo a definição não seja rígida, desde os tempos antigos a natureza é considerada como o ambiente que
.está em nossa volta. Na história da pintura, a paisagem passou de segundo plano para cena principal, ganhando maior

reconhecimento no século XIX com chegada do impressionismo.


No período medieval, com o pensamento cristão, a natureza era vista como parte do ciclo da vida. Sendo um espaço
pecaminoso, nada deveria ser levado em consideração. Mas, aos poucos a natureza começou a representar o divino. A
facilidade de simbolizar permitiu ao homem a atribuição de significados a objetos por meio de símbolos (cristãos). Os
objetos eram apreendidos, cada um tendo referências a qualidades divinas; até que juntos, formariam um todo, sim-
bolizando a perfeição.
Acredita-se que a ideia central de paisagem tenha surgido com um poeta, Francisco Petrarca, ao subir ao Monte Ven-
toux (em 1336, na Provence), onde experimentou o prazer do olhar, admirando a natureza de uma forma diferente em
relação aos medievais, sendo assim, foi considerado o primeiro homem moderno.
No renascimento a natureza era percebida por meios de desenhos e pinturas. A perspectiva, as proporções, e os claros
e escuros apesar de serem recursos utilizados para construir a paisagem de maneira um tanto quanto artificial, pode se
tornar também um dado da natureza.
Na atualidade, o estudo da paisagem na pratica artística compreende noções mais amplas como a de meio ambiente
e ecologia ao passo de que cada dia surgem novas tecnologias, propondo versões perceptivas inusitadas de paisagem,
dando a perceber que a paisagem é fruto de um longo, complexo e demorado aprendizado.
A ideia surgiu a partir de uma aula de gravura, ministrada na Universidade Federal do Espirito Santo, onde o pro-
fessor Rafael Pagatini, mostrou para os alunos alguns exemplos de gravuras feitas com materiais alternativos. Nas
observações que fazemos numa escola da prefeitura municipal de vitória2, A professora regente da escola, já havia
trabalhando com os alunos do 5º ano a questão da textura em uma das aulas que ela ministrou na turma, onde dis-
cutiram sobre as texturas gráficas. A partir disso procuramos uma forma de os próprios alunos criarem uma textura
gráfica, e no decorrer do processo decidimos unir a gravura com os estudos sobre texturas e paisagem. O projeto acon-
teceu com uma turma de 30 alunos, em uma escola da Rede Municipal da Prefeitura de Vitória, dentre esses alunos foi
selecionado 5 alunos para ser o nosso grupo focal, e nele estavam João, Carlos, Marina, Maria e Rebeca,3 com idades
entre 9 e 11 anos.
Ao criar texturas utilizando grãos como feijão, arroz, tapioca, entre outros que estão presentes no dia a dia deles, po-
dem perceber a possibilidade de utilização desses materiais de outras maneiras em seu cotidiano, bem como por meio
da gravura criar sua própria textura gráfica. Nesse sentido, sensibilizar o aluno a ver, perceber e sentir as paisagens
que estão a nossa volta, na cidade em que vivemos. Estimular o trabalho em grupo, pensando o processo e o produto
final, como um trabalho coletivo, onde todos contribuíram para que ele se realize, segundo Vago-Soares e Dias (2011) a
criança interagindo com seus pares compartilha suas experiência e ressignifica seus conhecimentos.
Começamos o projeto-oficina, que encontra-se em andamento, mostrando e identificando os tipos de paisagens im-
pressas, como natureza morta e viva, construções, cidades, entre outras. Fizemos uma conversa coletiva onde eles
tiravam suas dúvidas e expressaram suas opiniões, como, ‘Ah, eu já fui nessa pedra’, ‘Nossa, não acho isso bonito’, ‘tia
nós vamos ir ai?”. Assim, acreditamos que “[...] Não há possibilidade de observar as coisas somente de fora, é da coi-
sa observada que surgem os questionamentos e a trajetória de uma ação educativa que não se fecha nela mesma
[...]’(REBOUÇAS; MAGRO, 2009, p. 11).
Explicamos aos alunos como que se procederia a atividade e sobre o material que seria utilizado, pedimos de solicita-
mos que trouxesse materiais diversos: sementes, cascalhos e grãos de casa ou até mesmos encontrados na rua.
Como o projeto-oficina é aplicado em uma Escola Municipal de Vitória, achamos que seria de grande importância
pedir que eles trouxessem imagens impressas de fotos tiradas por eles mesmos, da Grande Vitória, para que eles
pudessem notar as paisagens que temos no lugar onde estamos e no tempo em que estamos e também para dar-nos
oportunidade de ver através do olhar deles, tendo em vista que ‘[...] a relação do homem com a imagem depende em
grande parte dos processos de produção das imagens, mas também da experiência de visão de quem as produz [...]’
(SCHÜTZ-FOERSTE, 2004, p. 25), assim é uma maneira de eles conhecerem ainda mais as paisagens da realidade na
qual eles vivem.

1 Disponível em: <https://www.epochtimes.com.br/conceito-paisagem-lugar-historia-arte-parte-1/#.VVZXJvlVikq>. Acesso em: 06 de maio 2015.


2 O Pibid é uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a educação básica. Disponível em: <http://www.
capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. Acesso em 06 de maio 2015.
3 Nomes fictícios para preservar as identidades dos alunos.

35
No segundo dia, na sala de aula, pedimos para os alunos se separarem e organizar seus grupos, juntando as mesas, a
sala ficou dividida em quatro grupos dentre eles, escolhemos o grupo focal, em seguida entregamos a cada grupo uma
tela de pintura no tamanho 40x60 (essas telas foram cedidas pelo PIBID de Artes Visuais) e pedimos que desenhas-
sem nela tendo como inspiração a imagem que cada grupo escolheu e fomos mediando esse processo, respondendo
suas dúvidas e resolvendo alguns problemas que surgiam durante a produção do desenho na tela. Sugerimos que eles
desenhassem na tela apenas os traços vazios da paisagem escolhida, (Imagem 1) já que os detalhes não apareceriam
quando a imagem fosse preenchida pelos grãos, sementes e cascalhos.

Imagem 1 – desenhando
Fonte: Acervo Nosso

No terceiro e quarto dia, na sala de artes, os grupos se reunirão para colar as sementes e os grãos, na tela que foi desen-
hada, distribuímos cola e pincéis (cedidos pela própria escola) para eles poderem trabalhar nas telas (Imagens 2 e 3).

Imagens 2 e 3 – As crianças produzindo a colagem


Fonte: Acervo nosso.

Todos contribuíram para a execução da atividade proposta, percebemos que eles ficarão muito animados com a opor-
tunidade de poder trabalhar com telas de pintura, utilizando a técnica de colagem e entre a realidade e o imaginário, os
alunos foram produzindo suas composições de maneira lúdica e prazerosa, tendo em vista que ‘[...] a vida social é um
processo dinâmico, no qual cada sujeito é ativo e em que acontece a interação entre o mundo cultural e o mundo subjeti-
vo de cada um [...]’ (OLIVEIRA, 2010, p. 39). E nessas interações os conhecimentos formais e informais vão se constituindo.
Após as experiências produzidas acerca das texturas com materiais diversos, pretendemos produzir com os alunos
exercícios que tenham como base aspectos relacionados à gravura, já que essa técnica também dialoga com a textu-
ra. Conversaremos com os alunos a respeito da gravura e suas características. A gravura é uma imagem obtida através
da impressão de uma matriz artesanal. O material da matriz pode variar, e classifica o tipo da gravura. A gravação da
imagem é um processo de incisão (riscar, gravar) sobre determinada superfície ou material que se tornará a matriz da
gravura. O resultado de uma ou mais técnicas de impressão, consiste na transferência da imagem da matriz para outro
tipo de suporte, como papel ou tecido.
Na gravura existem várias técnicas e a mesma pode ser trabalhada, se dividindo assim em: Gravura em metal, litografia,
xilografia, linóleo e serigrafia. Alguns detalhes:
- METAL: A técnica da gravura em metal consiste na “gravação” de uma imagem sobre uma chapa de cobre. Para esse mét-
odo é utilizado a ponta seca (instrumento de metal semelhante a uma grande agulha que serve de “caneta ou lápis), com
o mesmo desenha-se sobre a chapa de cobre, os traços formam assim micro cavidades onde entra a tinta, após feita essa
etapa, o desenho será transferido para o papel através de uma forte pressão, saindo assim impresso o desenho.

36
- LITOGRAFIA: Nesta técnica, diferente da gravura em metal, utiliza-se como base uma pedra, e é utilizando um materi-
al oleoso para que se elabore a imagem.
- XILOGRAFIA: Utilizando a base em madeira, na qual se utilizam goivas para fazer o desenho, entalhando, cortando,
que formaram micro cavidades, porém, diferente da litografia e do metal, a parte na qual receberá a tinta é a que está
em alto relevo, à mesma sofrerá uma pressão para ser transferida para o papel.
- LINÓLEO: A matriz utilizada nessa técnica é de material sintético - placas de borracha, chamadas “linóleo”. Assim como
na xilografia a placa de linóleo recebe a tinta que ficará nas partes em alto relevo, e sobre pressão será transferida
para o papel.
- SERIGRAFIA: O processo de gravação consiste em transferir a imagem desenhada para uma “tela de nylon”. O desen-
ho pode ser feito com tinta opaca (nanquim) em material transparente (acetato ou papel vegetal), obtendo-se o “filme”
que servirá para gravar a tela (matriz). A impressão se faz através de rodos que “empurram” a tinta que é posta dentro
da tela de nylon, pelos orifícios deixados em aberto que formam o desenho. É feita numa mesa na qual se fixa a tela
com dobradiças, de modo a permitir que se levante a tela (como quem abre e fecha uma porta) e coloque-se o papel
sempre no mesmo lugar para receber a imagem. O número de impressões é que permite a composição total do desen-
ho, somando as cores e formas a cada nova impressão, assim como quem pinta uma paisagem, e primeiro pinta o tudo
o que é azul, depois o que é amarelo, e assim por diante, e dessa forma chega ao resultado final.
Temos também alguns tipos de matrizes. A Matriz perdida (Imagem 4) é uma técnica da gravura em que uma mesma
matriz dá origem a diferentes estampas em diferentes estágios. Cada nova impressão corresponde à perda da possibili-
dade de fazer uma nova estampa da etapa anterior. Um novo prédio nas paisagens é uma subtração linear na matriz de
madeira. Mudanças na paisagem da gravura, como na real, são permanentes e irreversíveis.

Imagem 4: Matriz Perdida


Fonte: Internet.4

Matriz Perdida Invertida (Imagem 5) é um desdobramento da Matriz Perdida. Carregada dos movimentos da cidade e
dos padrões arquitetônicos das novas metrópoles, ela faz o movimento inverso do primeiro trabalho. Enquanto em Ma-
triz Perdida a imagem vai se configurando a partir de uma paisagem -virgem-, em Matriz Perdida Invertida, é como se a
natureza tomasse de volta o seu espaço. O ambiente urbano vai dando lugar ao céu de antes.

Imagem 4: Matriz Perdida Invertida


Fonte: Internet.5

4 Disponível em: < http://talesbedeschi.blogspot.com.br/2012/07/matriz-perdida-invertida.html>. Acesso em: 11 de maio de 2015


5 Disponível em: < http://talesbedeschi.blogspot.com.br/2012/07/matriz-perdida-invertida.html>. Acesso em: 11 de maio de 2015

37
Em geral uma gravura pode ser feita com apenas uma matriz e uma impressão, isto serve para todas as modalidades
consideradas aqui. Mas a utilização de várias matrizes e várias impressões também é bastante comum, sobretudo
nas Serigrafias. Desta forma, o processo descrito para a gravação da imagem numa matriz, seja no cobre, na pedra, na
madeira, na borracha ou no nylon, é multiplicado pelo número de vezes que o artista precisou para obter sua imagem
ideal. O mesmo ocorre com a impressão. Assim, temos gravuras que resultam de 4, 5, 8 matrizes, e que exigiram o mes-
mo número de impressões. Há casos de Serigrafias com até 30 impressões ou mais.

Considerações Prévias
Ao realizar tal projeto-oficina, observamos que o grupo conseguiu assimilar os conteúdos propostos, assim, os ele-
mentos, trabalhados, como: a textura foi amplamente e, principalmente, vivenciados, marcando uma ação concreta
de aprendizado. Seu desdobramento esperado era o de proporcionar aos alunos uma reflexão crítica em torno dos
saberes específicos da arte e assim, contribuir para a ampliação do universo cultural e do know how de ação desses
alunos.
Sabemos que conteúdos da arte são utilizados em diferentes áreas de conhecimento, entretanto, muitas vezes, nosso
aluno não percebe isso, esvaziando a ação educativa em arte. Nosso objetivo foi alcançado ao trabalharmos com a
capacidade de síntese dos alunos no ato da ação educativa. Isto feito, nos interessa continuar com a prática educativa
consciente e reflexiva de como o ensino de arte perpassa a vida e a história.

REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, M. K. De. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histório. São Paulo: Scipione, 2010.

REBOUÇA, M. M.; MAGRO, A. A Cidade que mora em mim. Vitória: EDUFES, 2009.
SCHÜTZ-FOERSTE, G. M. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.
VAGO-SOARES, M. A.; DIAS, A. Criatividade e imaginário: Ressignificando a Praça João Clímaco. In: SCHÜTZ-FOERSTE, G.
M; FERREIRA, S. M. O.; CONTI, R. F. (Org.). Relendo imagens, atribuindo significados: As cidades que devem ser esqueci-
das. Vitória: GM, 2011.

SITES

http://www.casadacultura.org/arte/Artigos_o_que_e_arte_definicoes/gr01/gravura_conceito_hist.html

http://talesbedeschi.blogspot.com.br/p/gravuras-e-desenhos-woodcut.html

http://www.mundoeducacao.com/geografia/conceito-paisagem.htm

http://historiaearte2.blogspot.com.br/p/pintura-de-paisagem.html

https://www.epochtimes.com.br/conceito-paisagem-lugar-historia-arte-parte-1/#.VVS_DvlVikp

https://www.epochtimes.com.br/conceito-paisagem-lugar-historia-arte-parte-2/#.VVS_rPlViko

http://www.suapesquisa.com/artesliteratura/impressionismo.htm

http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300655135_ARQUIVO_Arte,histepaisagemANPUHM.LuciaK-
ern2011.pdf
http://www.mundoeducacao.com/geografia/a-ligacao-entre-arte-as-paisagens.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Impressionismo

http://www.historiadaarte.com.br/linha/impressionismo.html

38
Alayne Mateini Madeira
Graduanda em Artes Visuais, início 2012/02 - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista do PIBID 2014 /
2015 ‘Programa Institucional de Formação a Docência, gerenciado pela CAPES. Autora do Artigo ‘A Relação da Cultura
Com a Educação’ apresentado no ENALIC 2014 em Natal/RN. Artigo “A Relação da Cultura Com a Educação’ apresentado
no seminário “Relações interculturais” que aconteceu na UFES em 2014.

Kristal Vago Soares


Graduanda em Artes Visuais, início 2012/02 - Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista do PIBID 2014 /
2015 ‘ Programa Institucional de Formação a Docência, gerenciado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior). Professora de Arte na escola COC Lusíadas para o Ensino Fundamental I.

Thaís Souza de Oliveira


Graduanda em Artes Visuais, início 2012/02 - (UFES). Bolsista do PIBID 2013 / 2014 / 2015 - gerenciado pela CAPES.
Estagiária de Artes Visuais do Centro Cultural Sesc Glória 2014 / 2015. Expositora de trabalho artístico, na Biblioteca
Central da UFES (2013). Coautora do Artigo ‘A Relação da Cultura Com a Educação’ ESCOLAR apresentado ENALIC 2014.
Mediadora na exposição’O Mundo Mágico de Escher’, no Centro Cultural Sesc Glória.

39
ANÁLISE DE PERFIL DOS ALUNOS DA SEGUNDA TURMA DO CURSO
DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS – SEMIPRESENCIAL / UFES
Andreia Chiari Lins UFES

RESUMO
Esta comunicação foi desenvolvida a partir de dados coletados para o Curso de Licenciatura em Artes
Visuais – Semipresencial / Ufes e para a pesquisa de doutoramento em Educação (em andamento) junto
ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Ufes e analisa dados coletados a
partir de formulário de pesquisa aplicado aos alunos recém ingressados no Curso, dentro das atividades da
disciplina, As novas tecnologias e a formação do professor na modalidade semipresencial, do Módulo I deste
curso. A análise dos dados permitiu ao curso comparar um perfil idealizado de aluno desenvolvido para o
planejamento e produção das disciplinas do primeiro módulo, com a realidade do corpo discente matricula-
do. Bem como, servirá à pesquisadora, para amparar as análises sobre as mediações imagéticas deste curso.
Palavras-chaves: Perfil discente, planejamento didático, EAD

ABSTRACT
This paper was developed from data collected for the Visual Arts Course – Distance Education / Ufes and
for doctoral research in Education ( in progress) by the Post-Graduate Program in Education of the Ufes,
Education Center, and analyzes data collected from research form applied to recently admitted students in
these Course, within the activities of the discipline: The new technologies and teacher formation in blended
mode, Module I of this course. Data analysis allowed the course compare an idealized profile of student de-
veloped for the planning and production of the subjects of the first module with the reality of the enrolled
student body. As well, serve the researcher, to support the analysis of the imagery mediations of this course.
Key-word: Student profile, didactic planning, Blended mode

Introdução
O Curso de Licenciatura em Artes Visuais – EAD da Universidade Federal do Espírito Santo iniciou sua 2ª turma em
setembro de 2014. O Curso já havia sido ofertado pelo Sistema de Universidade Aberta do Brasil – UAB em 2008 e a
segunda turma foi aprovada no Conselho Universitário da Ufes em novembro de 2010, para atender a comunidade e
professores em exercício conforme previsto pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –
PARFOR / MEC.
Este artigo versa sobre as ações desenvolvidas pelo Curso de Artes na preparação das seis disciplinas de Módulo I,
algumas tomadas de decisão da Coordenação do Curso e Design Educacional quanto aos modos de planejamento das
disciplinas para uso de mídias educativas e algumas verificações a partir das respostas do formulário de perfil dos
alunos. O Curso de Artes (2ª turma) ofertou 360 vagas, em 12 polos UAB do Espírito Santo.

40
Início das atividades
As disciplinas de módulo I estavam em preparação há mais de 1 ano, desde início de 2014. Os professores já estavam
cientes de suas disciplinas e o Curso estava aguardando a finalização dos trâmites de aprovação dentro da Ufes e
autorização de reinício pelo MEC. Somente a partir de março de 2015 houve uma sinalização positiva. Para que iniciás-
semos a produção do material didático e salas virtuais de aprendizagem, tomou-se como base o perfil do alunado do
curso anterior, atualizando esse perfil para 8 anos à frente.
Perfil desenhado para o curso. Definiu-se que o curso atenderia um aluno ainda com dificuldade de conexão e acesso
à Internet, mas com possibilidade de fazê-lo no polo ou na sede de seu município em lan house ou no trabalho. Sendo
que a maioria teria acesso à computador em casa, e uma minoria teria como utilizar esse equipamento no trabalho
ou no polo. A partir de outra pesquisa, verificamos que os polos, possuíam e, sua maioria, os equipamentos, estrutura e
conexões à internet semelhantes à primeira entrada de 2008.
Com isso, delineamos algumas ações: A necessidade de um material impresso, para que o aluno pudesse ter acesso
a leitura e imagens sem estar conectado. Esse material estaria disponibilizado em PDF e seria encaminhado em livro
aos polos. Entretanto, este seria um livro e não um fascículo. Ou seja, seria um material importante, mas de estudo. A
estrutura da disciplina, os enunciados das semanas, as atividades e comunicações seriam feitos pelo Ambiente Virtual
de aprendizagem.
A Ufes dispõe de sistema de webconferência da Rede Nacional de Pesquisa – RNP, entretanto verificamos há pouco
acesso dos alunos nas webconferências enquanto recursos síncrono. E que eram mais utilizadas como vídeos. Então
passamos os conteúdos de explanação dos professores para vídeo-aulas, que ficam disponíveis durante toda à semana,
não exigindo a presença do aluno. E as webconferências sendo usadas para maximizar os espaços de diálogo e pre-
sença docente junto aos alunos. Dirimindo dúvidas e ampliando discussões. E, também, ficando disponíveis nas disci-
plinas. Os professores gravaram antecipadamente as vídeo-aulas, aqueles que julgaram ter necessidade de material
impresso, tiveram que desenvolver ou revisar o material, bem como, preparar as salas.
Enfim, com alguns percalços, iniciou-se o Módulo I em meados de agosto. Para que houvesse algum tempo de adap-
tação à plataforma e aos modos de funcionamento do curso, foi oferecida uma primeira disciplina “As Novas Tecnolo-
gias e a formação do professor na modalidade semipresencial”, ministrada pela Professora de Tecnologia de Imagem
do Departamento de Desenho Industrial (DDI) e Designer Educacional deste Curso Andréia Chiari Lins. A disciplina
iniciou 15 dias antes das demais para apresentar o AVA e os recursos de comunicação com o Curso, bem como algumas
informações sobre os modos de funcionamento do curso e dos estudos.
A disciplina de “Novas tecnologias”, como passou a ser chamada, tinha como missão, além dos objetivos internos à
disciplina, fazer um reconhecimento do perfil do alunado para que o Curso pudesse identificar e priorizar modos de
produção de material didático que fossem mais adequados ao perfil dos alunos e as condições do polo. Estes dados do
levantamento de perfil também poderiam ser utilizados tanto para o Curso, como dados para a tese de doutorado em
Educação desta pesquisadora. Outra missão era perceber os modos de uso de tecnologias pelos alunos e tutores a fim
de sanar as dúvidas mais recorrentes do novo ambiente virtual de aprendizagem, bem como, auxiliá-los num uso mais
emancipador das tecnologias disponíveis.

Dados Coletados
Para conhecer um pouco mais do alunado foi feita uma pesquisa, via questionário do Google Form, com perguntas
abertas e fechadas, que abrangiam apenas alguns aspectos sócio-econômicos mais relevantes para a definição deste
perfil discente. Buscou-se também um formulário de pesquisa que não fosse muito demorado e complexo por não con-
hecermos o perfil do alunado. O formulário de pesquisa foi respondido por completo, ou seja, finalizado por 253 alunos,
sendo que 3 recusaram após as explicações iniciais do questionário. Entretanto, em função da característica do recurso
de pesquisa há valores somatórios maiores que 253, por exemplo, como na pergunta 1.
O questionário ficou aberto durante toda a disciplina. Entendemos que esse percentual corresponde a 65,5% dos
alunos, o que é bastante relevante. E ainda, cientes de que houveram 2 (dois) editais de convocação de suplência
posteriores ao início das aulas. Avaliamos ainda que, é possível que, alguns alunos não tenham respondido voluntaria-
mente ao instrumento de pesquisa ou tenham encontrado dificuldades com o instrumento ou com acesso à Internet.

41
Sobre a pergunta 1, os alunos afirmaram que estudavam nos seguintes Polos UAB:

Polo UAB Alunos %


Afonso Claudio 23 8.7%
Aracruz 16 6.1%
Cachoeiro de Itapemirim 31 11.8%
Colatina 27 10.3%
Domingos Martins 19 7.2%
Itapemirim 20 7.6%
Iúna 20 7.6%
Linhares 16 6.1%
Pinheiros 20 7.6%
Piúma 21 8%
Santa Teresa 23 8.7%
Vargem Alta 27 10.3%
Total 263

Os alunos afirmaram que são moradores dos seguintes municípios: 5 Afonso Claudio; 1 Alegre; 2 Alfredo Chaves; 1
Anchieta; 2 Aracruz; 1 Boa Esperança; 4 Cachoeiro de Itapemirim; 2 Cariacica; 4 Colatina; 1 Conceição do Castelo; 2 Di-
vino de São Lourenço; 2 Domingos Martins; 1 Duque de Caxias; 2 Guarapari; 1 Ibatiba; 2 Iconha; 1 Irupi; 1 Itaguaçu; 4
Itapemirim; 3 Iúna; 1 Jerônimo Monteiro; 1 Laranja da Terra; 5 Linhares; 3 Marataízes; 1 Marechal Floriano; 1 Marilân-
dia; 1 Muqui; 1 Nova Venécia; 2 Pancas; 1 Pedro Canário; 5 Pinheiros; 2 Piúma; 1 Ponto Belo; 1 Rio Novo do Sul; 1 San-
ta Isabel; 1 Santa Leopoldina; 2 Santa Maria de Jetibá; 3 Santa Teresa; 2 São Gabriel da Palha; 1 São Mateus; 2 Serra; 3
Sooretama; 4 Vargem Alta; 1 Venda Nova do Imigrante; 1 Viana; 1 Vila Velha; 1 Vitória. Relatos orais dos tutores pres-
enciais dão conta de que cerca de 1/3 (um terço dos alunos) de quase todos os 12 polos, que se matricularam nesta
turma, são de municípios vizinhos.
223 alunos declararam ser do sexo feminino (84,8%); 40 declararam ser do sexo masculino (15,2%); e 0% de outro
sexo. Nos dados percebe-se que a grande maioria dos alunos tem entre 22 e 50 anos, perfazendo 85,6% dos alunos;
9,9% dos alunos tem até 21 anos e 4,6% estão acima dos 51 anos. Quanto ao estado civil 41,4% são solteiros; 52,5%
são casados ou estão em união estável; 5,3% são separados; e 0,8% viúvos.
Perguntados se trabalham com educação verificamos que realmente o curso atendeu a perspectiva de ter aproxima-
damente 50% de seu alunado da comunidade e 50% de professores em atuação: Ainda não (45.6%); Já trabalhei, mas
agora não mais (9.1%); Sim, há menos de 1 ano (6.1%); Sim, de 1 ano a 3 anos (9.1%); Sim, de 3 ano a 5 anos (6.8%);
Sim, de 5 ano a 10 anos (6.8%); Sim, de 10 ano a 15 anos (7.6%); Sim, há mais de 15 anos (8.7%). Bem como 23,7% tem
mais de 5 anos de docência.
Para aqueles que trabalham na educação foi perguntada qual a função assumida verificamos que os alunos assumem
funções diversas dentro do universo educacional: tais como: Agente de Suporte Educacional; Área Administrativa; Arte
Educador; Assistente de sala; Assistente Educação Especial; Auxiliar de Secretaria Escolar; Auxiliar biblioteca; Auxiliar
de Cmei; Auxiliar de creche (2); Auxiliar de sala; Auxiliar de Serviços Educacionais (2); Bibliotecária Escolar; Biodocen-
te; Cozinheira (2); Cuidadora/mediadora; Diretora; Docente (3); Docente/Disciplina de Ciências e Biologia; Educador;
Educador socio cultural; Educador Social; Estagiário(a) (3); Gestora e Professora de Faculdade; Gestora em escola de
Educação Infantil; Instrutor(a) de Informática (2); Instrutor(a) e diretor de teatro; Monitora (3); Oficineira de artes;
Orientação Pedagógia; Pedagoga (3), Prof. do projeto de Inclusão Digital; Professor(a) (12); Professor de Música; Pro-
fessor series iniciais; Professora de arte(s) (2); Professora de artesanato; Professora de empreendedorismo; Professora
de Música; Professora EJA Séries Iniciais/ Supervisora Escolar SER; Professora Geografia e de Arte; Regente de classe;
Secretária; Servente Escolar; Servidor Público; Setor Administrativo. Daqueles que se declararam docente, 135 alunos
afirmaram que trabalham nos seguintes níveis da educação: Infantil (32) 31.7%; Fundamental (66) 65.3%; Médio (28)
27.7%; Superior (9) 8.9%.
Perguntados se já fizeram outros cursos em modalidade à distância (EAD) 161 afirmaram que não (61,2%), enquanto
102 (38,8%) afirmaram que já estudaram nesta modalidade.
Sobre a formação acadêmica destes alunos: 118 (45,2%) tem nível médio (2º grau); 83 (31,8%) já tinham uma gradu-
ação; 53 (21,5%) possuem especialização; 4 alunos possuem mestrado (1,5%); Não há doutores.
Perguntamos “Em sua residência você tem?” e verificamos para nossa surpresa que 99,6% dos alunos que responderam
a questão tinham computador em casa (255 alunos); 93,8% afirmaram ter Internet em suas residências (240 alunos);

42
43,4% tem escanner (111); 73,8% tem máquina fotográfica digital (189 alunos); 64,1% dos alunos afirmaram ter im-
pressora. Entretanto, sabemos que ter esses equipamentos em casa, não significa saber utilizá-los. Mas, tê-los à dis-
posição facilita o aprendizado pela necessidade. Então fizemos algumas perguntas para verificar possibilidades de uso
de outros meios de comunicação, tecnologias de imagem ou troca de mensagens, conforme apresenta-se abaixo:

Sobre telefone celular:


Não tenho. 0 0%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 2 0.8%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 85 32.4%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 175 66.8%

Sobre aparelho televisor:


Não tenho. 1 0.4%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 1 0.4%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 91 34.9%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 168 64.4%

Sobre DVD Player ou Blue Ray:


Não tenho. 51 19.4%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 5 1.9%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 93 35.4%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 114 43.3%

Sobre Aparelho de Som:


Não tenho. 101 38.8%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 2 0.8%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 66 25.4%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 91 35%

Sobre: máquina fotográfica ou de filmagem digital


Não tenho. 61 23.3%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 2 0.8%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 87 33.2%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configu- 112 42.7%
ração.

Sobre Computador:
Não tenho. 6 2.3%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 2 0.8%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 115 44.4%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 136 52.5%

Sobre Internet:
Não tenho. 16 6.2%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 3 1.2%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 123 47.7%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 116 45%

43
Sobre impressoras:
Não tenho. 89 34.5%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 3 1.2%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 81 31.4%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 85 32.9%

Sobre Escanner:
Não tenho. 130 50.4%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 3 1.2%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 63 24.4%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 62 24%

Sobre Jogos Eletrônicos:


Não tenho. 163 62.5%
Tenho, mas não mexo. Quando preciso alguém faz para mim. 14 5.4%
Tenho. Sei ligar e desligar. Usar o básico. 39 14.9%
Tenho. Sei operá-lo, inclusive com comandos de configuração. 45 17.2%

O que verificamos é que esta turma está bem informatizada ao acesso de computador e internet. Está conectada com
os instrumentos de comunicação e redes. Apesar de sabermos que a Internet é ainda bastante lenta no interior do ES,
isso facilita que o curso, por meio do polo, empenhe-se na produção de materiais educativos digitais, tanto quanto
nos impressos. Outrossim, verificamos que há posse ou disponibilidade de periféricos por cerca de metade dos alunos
tais como: escanners, máquinas fotográficas ou filmadoras digitais e impressora. E não há muito interesse por jogos
eletrônicos.
Para questiona-los sobre as atividades culturais mais frequentes, fizemos uma pergunta de múltipla escolha. Verifica-
mos novamente um perfil com hábitos virtuais bastante intensos, interesse por filmes em casa, música, livros e tele-
visão. E a dificuldade de acesso ao cinema, exposições de arte e teatro no interior do Espírito Santo.

Acessar Internet 240 91.3%


Assistir a filmes (em casa) 223 84.8%
Ouvir música 214 81.4%
Assistir a televisão 195 74.1%
Ler livros 189 71.9%
Ir a eventos culturais (feiras, festas típicas etc.) 168 63.9%
Ler revistas 125 47.5%
Fazer trabalhos manuais (bordados, biscuit, tricô etc.) 97 36.9%
Fazer atividades artísticas (pintura, escultura, dança etc.) 96 36.5%
Ir ao cinema 95 36.1%
Ir à exposições de arte 47 17.9%
Ir ao teatro 38 14.4%

Ponderações finais
Para fins deste artigo buscamos relatar o perfil de aluno que foi idealizado pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais
– Semipresencial (EAD) da Universidade Federal do Espírito Santo para início do desenvolvimento das atividades
de planejamento e produção das disciplinas do Módulo I. E confrontar com os dados revelado na aplicação de ques-
tionário (quantitativo e qualitativo) aos alunos do curso, após o início das aulas.
Verificamos também que nossos alunos são pessoas maduras, em função de sua faixa etária, formação e bens pessoais.
Verificou-se que os alunos têm posse de equipamentos de informática, e um perfil de atividades culturais, também bas-
tante digital, com acesso à Internet e filmes em casa. Por outro lado, esses dados nos revelam que seria necessário um
segundo instrumento, a ser criado e aplicado a frente, para verificar alguns pormenores detectados, tais como: tipos

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de filmes, sites de acesso, programas de televisão, que poderiam indicar as linguagens mixadas a que os alunos estão
mais acostumados. Bem como, se há hábitos de jogos físicos (não eletrônicos).
Confirmamos que o perfil idealizado pelo curso resultou em um planejamento e distribuição em mídias diversificado
que a versão anterior do Curso e adequado ao público alvo desta turma. Mas que ainda pode-se investir tempo e es-
forços educativos em mídias ainda mais variadas, de preferência de acesso assíncrono. Bem como a necessidade de se
pensar e incentivar atividades culturais e artísticas, in loco, nos polos, intercâmbios e viagens.

Referência
DISCIPLINA As novas tecnologias e a formação do professor na modalidade semipresencial do Módulo I do Curso de
Licenciatura em Artes Visuais – Semipresencial / Ufes. Pesquisa sobre perfil dos alunos matriculados no Curso de Artes
Visuais, 2014. Pesquisa realizada com os alunos do Curso com coleta de dados qualitativos e quantitativos. 2015. Dis-
ponível em: https://docs.google.com/forms/d/1y22B68irSXqm3Qfe6RXsA9OQC-a-tU33Yx0_EyMpif4/viewanalytics .

Andreia Chiari Lins


Professora do Departamento de Desenho Industrial / CAR / UFES para a área de Tecnologia da Imagem; Designer Edu-
cacional do Curso de Licenciatura em Artes Visuais – Semipresencial / CAR / SEAD / UFES e Doutoranda em Educação
/ PPGE / UFES. Mestre em Educação pelo mesmo programa. Especialista em EAD pela UCB. Especialista em Adminis-
tração de Empresas Privadas pela UVV. Bacharel em Artes Plásticas pela Ufes.

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APRECIAÇÃO, VIVÊNCIA E ENSINO DA ARTE CONTEMPO-
RÂNEA NA DVDTECA ARTE NA ESCOLA
Elaine Karla de Almeida/SEDU/UFES/ Polo Arte na Escola
Maria da Penha Fonseca/SEDU/Polo Arte na Escola/FNM

RESUMO
Pesquisa desenvolvida a partir da análise dos resultados obtidos pelos professores de Arte em situações de
aprendizagem, elaboração de propostas e/ou projetos pedagógicos e práticas educativas nas Unidades de
Ensino, após ‘Formação Continuada do Professor de Arte na Educação Básica na Rede Pública do Estado do
Espírito Santo’ em parceria com o Polo Arte na Escola/Faculdade Novo Milênio, realizada em 2014, por meio
de ‘Projeto de Extensão Universitária’, com Oficinas Metodológicas da DVDTeca Arte na Escola. A ação forma-
tiva teve como proposta oportunizar um espaço permanente de reflexão sobre a Arte e seu ensino; incenti-
vando a produção de relações entre os potenciais da arte e outros campos do conhecimento; promovendo a
ampliando o repertório cultural dos professores de Arte.
Palavras-chave: Formação Continuada; Ensino de Arte; Arte Contemporânea Brasileira; Educação Básica;
Processos de Criação e Produção.

ABSTRACT
Research developed from the analysis of the results by Art teachers in learning situations , preparation of
proposals and / or educational projects and educational practices in Teaching Units after “ Continuing Edu-
cation Art Teacher in Basic Education in Public Network State of the Holy Spirit “ in partnership with the Polo
Art in the School / College New Millennium , held in 2014 , through” University Extension Project “with the
Methodological Workshop DVD library in Art School. The formative action was to create opportunities pro-
posed a permanent space for reflection on the Art and its teaching ; encouraging the production of relations
between the potential of art and other fields of knowledge ; promoting cultural expanding the repertoire of
Art teachers.
Key words: Continuing Education; Art Education; Brazilian Contemporary Art ; Basic Education; Creation and
Production Processes.

Nesta pesquisa, procuramos analisar e apresentar uma súmula dos resultados alcançados com a ‘Formação Continuada
do Professor de Arte na Educação Básica na Rede Pública do Estado do Espírito Santo’ realizada por meio das Oficinas
Metodológicas da DVDteca Arte na Escola, em 2014.
Tanto a escolha da temática quanto do material se deu para atender a uma demanda sinalizada pelos professores da
rede estadual em uma pesquisa realizada ao final do ano de 2013, quando solicitaram formação continuada e adoção
de material específico para disciplina Arte na Rede Estadual do Espírito Santo.
Por integrarmos a equipe de Técnicos Educacionais da Secretaria de Estado da Educação e termos conhecimento do
material educativo ‘Arte na Escola’, propusemos à Subsecretaria de Educação Básica e Profissional a parceria com o
Polo Arte na Escola/Faculdade Novo Milênio, por meio de ‘Projeto de Extensão Universitária’ para a realização da for-
mação continuada junto aos professores de Arte do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos
e Pedagogos, visando a apresentação do material e orientações metodológicas em diálogo com o Documento Referen-
cial Curricular da Rede Estadual da Educação do Espírito Santo.
Um fato que muito colaborou para a aprovação e realização desta ação foi a distribuição de uma caixa contendo 30
títulos de documentários sobre arte contemporânea brasileira, ao final do ano de 2011, pelo Ministério da Educação
para escolas de todo o território nacional. No entanto, a chegada deste material ficou despercebida por parte de alguns
setores/unidades das secretarias de educação, ocasionando em caixas lacradas e guardadas dentro de armários, mes-
mo após três anos de sua entrega.

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A ação formativa teve como objetivo proporcionar um espaço permanente de reflexão sobre a Arte e seu ensino; in-
centivar produção de relações entre os potenciais da arte e outros campos do conhecimento; promover a ampliação
do repertório cultural dos professores de Arte, avaliação e pesquisa de suas práticas educativas, possibilitando mel-
hor desempenho na realização da transposição didática nas situações de aprendizagem, facilitando a elaboração de
propostas e/ou projetos pedagógicos.
A fim de envolver um maior número de profissionais na proposta formativa, realizamos encontros presenciais nas onze
(11) Regionais de Educação existentes na Rede Estadual, sempre às quintas-feiras, dia de planejamento da área de
Linguagens e Códigos. A carga horária total da formação foi de oitenta (80) horas, sendo: 16 horas presenciais (com
equipe da SEDU/Central e SRE’s); 32 horas para estudos, planejamento, desenvolvimento de ação educativa na unidade
escolar e registro de relato; e 32 horas de participação à distância na Plataforma e-CEFOPE (http://ava.sedu.es.gov.br)
para leituras complementares, apreciação de vídeos, fóruns de debates e postagens de suas ações educativas.

ENTRE O PROPOSTO E A REALIDADE DO ESPAÇO DA ESCOLA

Desde a aprovação da obrigatoriedade do ensino da Arte nas escolas de Educação Básica pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação - LDB 9.394/96, Art. 26, § 2º ‘O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá
componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento
cultural dos alunos’ (LDB, 2013, p. 19) que pesquisadores do Ensino da Arte – se dedicam a estudos sobre como ori-
entar aos professores para desenvolvimento de um ensino que inclua a decodificação da obra de Arte e as reflexões
teóricas acerca desta.
Nos documentos oficiais, as primeiras orientações foram apresentadas aos professores por meio dos Referenciais da
Educação Infantil e Parâmetros Curriculares Nacionais/ARTE, cujo objetivo foi apontar metas de qualidade para con-
tribuir para o desenvolvimento integral do aluno, assim como propiciar o acesso e ampliação dos conhecimentos da
realidade social e cultural. Recentemente, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica expandiram tais
objetivos para a integração entre educação e as dimensões do trabalho e das culturas a eles subjacentes.
Entretanto, quando nos aproximamos do espaço da escola, constatamos que o previsto em lei nacional e nos doc-
umentos referenciais não é efetivamente contemplado, uma vez que nestes espaços há um número significante de
profissionais não habilitados lecionando Arte. Estes apresentam dificuldades de ordem pedagógica, no que se refere
à concepção de ensino de arte, relação entre conteúdos, metodologia e avaliação, produzindo um processo de ensino
precário e limitado, com proposição de atividades dissociadas de um contexto, limitando-se à repetição de técnicas
como, desenho cego, recorte e colagem, nanquim raspado, construção com sucata, confecção de cartões e cartazes. Ou
ainda, confecção de materiais referentes a datas comemorativas, desenhos xerocados para colorir, estudo dos conceitos
de ponto, linha, cores primários e secundários e a abordagem da história da Arte, em ordem cronológica, indo da Pré-
história à Semana de Arte Moderna.
A prática do ensino de arte nesta perspectiva constitui uma das razões para manutenção da disciplina Arte em uma
posição subalterna em relação às outras. Quando consideramos a mudança na legislação e das diferentes nomen-
claturas utilizadas (Educação Artística, Arte-Educação, Ensino da Arte, ou simplesmente Arte), sem reformularmos as
concepções de arte e sua fundamentação, não conseguimos alcançar avanços significativos com relação à qualidade
do ensino de arte.
Para Ferraz e Fusari (1992) ‘o professor de arte precisa saber arte e saber ser professor de arte; saber os conteúdos e os
procedimentos a fim de propiciar a si e a seus alunos momentos de criação e reflexão do/com o objeto artístico’.
Iavelberg corrobora com tal reflexão quando diz que,
[...] a docência em arte feita por pessoas consideradas não capacitadas adequadamente ocorre em prejuízo
para o ensino de arte, o tempo didático costuma ser curto, e se neste tempo não se oferece aos alunos a
oportunidade de aprendizagem, por falta de profissionais preparados, privando-o de participação sócio-cul-
tural informada e de ações criativas, nas quais, sua subjetividade dialoga com as produções individuais, cole-
tivas e de artistas em diferentes linguagens artísticas. Escolhas teóricas inadequadas e orientações didáticas
equivocadas podem imprimir uma visão deformada de arte, sem qualidade artística e estética. Disponível
em: <http://aguarras.com.br/2007/05/04/entrevista-com-rosa-iavelberg>. Acesso em 28/03/2011.
Ou seja, é preciso reconhecer que ensinar arte exige domínio de conhecimentos específicos em arte e dos fundamen-
tos do seu ensino; somente a aquisição dos conhecimentos específicos da arte e do ensino de arte pode possibilitar
ao professor o exercício da sua flexibilidade na articulação dos conteúdos, recursos e técnicas a serem planejados e
trabalhados em sala de aula.

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Compreende-se que a qualidade no ensino de arte na Educação Básica só será possível quando os avanços teóricos
- conceituais e metodológicos ‘ estiverem a serviço de uma efetiva formação dos profissionais, inicial ou continuada,
promovendo assim, uma mudança de atitude perante a complexidade do processo de ensino/aprendizagem em arte. O
professor de arte deve, no mínimo, saber sobre arte, frequentar espaços expositivos de arte, assistir aos espetáculos de
artes visuais, musicais e cênicas, ter rotina de leitura relacionada com literatura e outras artes, saber sobre aprendiza-
gem em arte e ter experiência em processo de criação pessoal.
É necessário que o professor seja um estudante fascinado por arte, pois só assim terá que ensinar e trans-
mitir a seus alunos a vontade de aprender. Nesse sentido, um professor mobilizado para a aprendizagem
contínua, em sua vida pessoal e profissional, saberá ensinar essa postura a seus estudantes (IAVELBERG,
2003, p. 12).
De acordo com a autora, sem fascinação pela arte é difícil empreendermos uma formação continuada. É preciso que
o professor se sinta estimulado para envolver-se com o estudo e a reflexão da arte na escola, e que amplie o pensar
crítico, valorizando as atividades em sala de aula, se disponibilizando em participar de grupos de estudos, desenvol-
vendo práticas de ver e conhecer a arte, assim como frequentar espaços culturais da cidade e/ou o estado.
Neste cenário, consideramos que a formação continuada é mais do que necessária, tanto para viabilizar os momentos
de estudos e construção de novas possibilidades pedagógicas, quanto para a promoção de momentos de partilha de
experiências e vivências artísticas, envolvendo ações formativas integradas ao cotidiano do professor dentro do espaço
escolar, assim como em outros espaços, tais como galerias, museus, teatros, etc. Acreditamos que estas, quando prop-
ositadas de forma participativa, podem tornar-se uma porta de entrada para motivá-lo de forma positiva, despertando
o seu interesse em saber arte e ser professor de arte cada vez com maior propriedade, tanto para formação pessoal
quanto para a proposição de ações com seu grupo de alunos. É importante que o professor reflita sobre sua formação
e seu percurso pessoal em relação ao ensino de arte, pois assim ele exercita a sua autonomia, inventividade e per-
cepção de caminhos possíveis às transformações necessárias em seu percurso de docência.

MATERIAL EDUCATIVO: DVDTECA ARTE NA ESCOLA


A DVDteca Arte na Escola possui um acervo de 160 títulos sobre arte contemporânea brasileira, e está disponível para
empréstimo aos professores e graduandos em licenciatura em Arte nos Polos Arte na Escola localizados em diferentes
regiões do país.
No hotsite: www.artenaescola.org.br/dvdteca o professor pode acessar, consultar, assistir clipes de alguns títulos e
fazer download das cartilhas educativas em formato PDF. A partir do ano de 2014, o Instituto Arte na Escola passou
a disponibilizar na íntegra, no site acima citado, os títulos nos quais recebeu autorização para tal finalidade (direitos
autorais).
No Espírito Santo, o Polo Arte na Escola encontra-se na Faculdade Novo Milênio desde julho de 2013, e tem busca-
do subsidiar ações de Educação Contínua do Instituto Arte na Escola por meio do empréstimo dos materiais como os
documentários da DVDteca Arte na Escola, banco de imagens, catálogos, livros específicos de ensino de Arte e Arte de
diferentes tempos e espaços, com a intenção de contribuir na qualidade do ensino, especialmente o ensino da arte.
Todo o material leva em conta a renovação do estado de conhecimento da Arte. Além de refletir sobre a criação artísti-
ca e os processos de autoria de boa parte dos grandes artistas brasileiros. Cada documentário permite que professor
e aluno conheçam o ambiente do artista, os materiais e técnicas por ele utilizados, além de entrevistas nas quais a
compreensão da Arte torna-se o foco.
A concepção metodológica é a partir da visão de rizoma, de Deleuze e Gatarri, na qual a estrutura do conhecimen-
to não estabelece começo nem fim para o saber, o que viabiliza a interdisciplinaridade. A multiplicidade surge como
linhas independentes que representam dimensões, territórios, modos inventados e reinventados de se construir reali-
dades, que podem ser construídos, desconstruídos e desterritorializados.
Segundo Pelbort (2000, p. 93), ‘num rizoma entra-se por qualquer lado, cada ponto se conecta com qualquer outro, ele
é feito de direções móveis, sem início ou fim, tendo apenas meio, por onde cresce a transborda, sem remeter a uma
unidade ou dele derivar, sem sujeito nem objeto’.
A proposta metodológica apresentada pelas autoras na cartilha educativa a partir da metodologia rizomática possibil-
ita ao professor desenvolver um trabalho interdisciplinar ou transdisciplinar, uma vez que estabelece relações interati-
vas em diferentes áreas de conhecimento e transita nas diferentes linguagens artísticas, forma e conteúdo, saberes es-
téticos e culturais, mediação cultural, materialidade, conexões transdisciplinares, nos processos de criação, sem perder
de vista as questões de patrimônio cultural quando tratam das regionalidades e/ou da arte popular.

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Para Silvio Gallo (apud FONSECA, 2008, p. 106 e 107), ‘fazer uso da transversalidade no paradigma rizomático é aban-
donar os verticalismos e horizontalismos [...] substituindo-os por um fluxo que pode tomar qualquer direção, sem
nenhuma hierarquia definida previamente’.
A metodologia rizomática possibilita e facilita ao professor assumir uma postura de transversalidade, na qual a for-
mação dos alunos é pensada como um processo em diferentes campos do saber, ou seja, dialoga, intervém, transita e
favorece a construção do pensamento, proporcionando o surgimento de práticas pedagógicas facilitadoras de projetos
de trabalho, estudos de meio e projetos de pesquisa.
A transversalidade pode não ser a ‘fórmula mágica’ para os males do ensino, mas fundamentalmente, é uma postura
crítica diante do mundo, do conhecimento e do ensino. Para Fonseca (2008, p.107) a transversalidade ‘é uma possibi-
lidade de propiciarmos a formação geral do educando, pois permite a identificação entre o vivido e o estudado como
resultado das múltiplas inter-relações, das múltiplas experiências’.

OFICINAS METODOLÓGICAS DA DVDteca ARTE NA ESCOLA


No período entre os meses de fevereiro à junho/2014 as Oficinas foram realizadas junto aos profissionais de Arte e
Pedagogia em encontros nas regionais, organizados em dois grupos: Grupo 1 - profissionais dos Anos Iniciais do Ensi-
no Fundamental e Educação de Jovens e Adultos e Grupo 2 - profissionais dos Anos Finais do Ensino Fundamental e
Ensino Médio.
A oficina teve início com a apresentação da proposta da formação continuada utilizando o acervo da DVDteca Arte na
Escola, citando a existência de outros materiais educativos do Instituto Arte na Escola, os quais estão disponíveis no
site www.artenaescola.org.br para consulta e download: Eco Art, Arte br, Viajando com Eckhout e Todo o passado den-
tro do presente.
Observamos que muitos professores e pedagogos residentes na Região Metropolitana de Vitória, já conheciam e uti-
lizavam o material, ou ouviram falar sobre os mesmos, devido participação nos Seminários Capixaba Sobre o Ensino
de Arte/Encontro Polo Arte na Escola/UFES; participação em Grupo de Estudos e Pesquisa do Polo Arte na Escola. Os
profissionais residentes no interior, especialmente os recém-graduados no Curso de Licenciatura em Artes Visuais/EAD/
UFES, haviam trabalhado em algumas disciplinas da graduação com o material ARTE br. e alguns documentários da
DVDteca Arte na Escola. Entretanto, poucos tinham conhecimento da existência dos trinta títulos enviados pelo MEC às
escolas.
Iniciamos a ação formativa usando como sensibilização a dinâmica com a Fita de Moébius. No vídeo documentário, as
autoras Miriam e Gisa usam a fita de Moébius para explicar a abordagem metodológica, mas aqui optamos por experi-
enciar e vivenciar junto aos professores a fim de provocá-los a algumas reflexões de nossas práticas.
Ao finalizarem as fitas de Moébius, promovemos um debate sobre as sensações, reflexões, ideias, relações, etc., e,
aproveitando as muitas definições dadas pelo grupo, relacionamos à metodologia rizomática proposta no material
educativo. Em cada regional este momento foi finalizado com a união das fitas e a realização de uma intervenção no
espaço de utilização para a oficina, obtendo uma grande diversidade nos resultados.
No Grupo 1, optamos por trabalhar com o título “Auto-retrato”, e para inserirmos o conceito da temática, ambientamos a
sala com espelhos de tamanhos diversos e reproduções de autorretratos de diferentes estilos e épocas (Coleção Pina-
coteca CARAS). Solicitamos que os professores caminhassem no espaço e observassem as imagens expostas. Percebe-
mos paradas para apreciação diante do espelho, umas desinibidas e outras mais discretas. Ao perguntarmos sobre
a temática que trabalharíamos, tivemos opções de retratos e autorretratos. Conversamos sobre os conceitos, e após
escolha da temática a ser utilizada na Oficina assistimos ao vídeo.
Em “Auto-retrato: espelho de artista”, Kátia Canton, curadora da exposição no MAC USP, nos apresenta uma visita medi-
ada com leitura comparativa entre representações do autorretrato da arte clássica (Velázquez, Van Gogh, Giotto, Durer,
Rembrandt) à arte contemporânea (Gustavo Rezende, Adriana Varejão, Sandra Cinto, Keila Alaver, Alex Flemming, José
Rufino, Lina Kim entre outros).
O documentário possui vinte e três minutos, divididos em três blocos de aproximadamente oito minutos. No material
do professor, Gisa e Miriam propõem que os professores assistam ao documentário e façam escolhas e relações com o
conteúdo a ser trabalhado com seus alunos, podendo usar o vídeo em sala de aula na íntegra, sem pausas; dividindo
em três aulas, uma para cada bloco; ou somente uma parte.
Após a projeção do vídeo, promovemos um debate e recebemos como resposta, que não tinham ideia de autorretrato
como fora representado no vídeo, mas sim de sua representação por meio de desenhos e pinturas, estilo 3 x 4 (três

49
por quatro) ou busto. No entanto, no documentário, este é apresentado de forma diversificada, por meio de fotografias,
mídias digitais, esculturas, instalações, entre outros. Os artistas contemporâneos não eram conhecidos pela maioria dos
professores. A concepção metodológica adotada possibilitou a integração do conteúdo de Arte com outras discipli-
nas, inclusive com temas transversais. O uso das tecnologias como ferramenta para produção em arte levantou alguns
pontos de debate, uma vez que o uso do celular é proibido na escola. Surgiram então algumas alternativas: apresentar
a Ação Educativa aos pedagogos com antecedência; enviar comunicado oficial aos pais e/ou responsáveis informando
do uso exclusivo do celular e/ou câmera fotográfica para a Ação Educativa proposta; usar equipamento fotográfico
da escola (em caso de existência do mesmo); disponibilizar material próprio e emprestar aos alunos para desenvolvi-
mento da proposta educativa; usar laboratório de informática para edição final. Consideramos este momento de suma
importância para o processo de Formação Continuada do professor, pois além de encontrar soluções para alguns
problemas, o auxiliau a pensar as mesmas questões considerando diferentes pontos de vista, questionando as possibil-
idades de realização da ação ativa de cada um junto ao seu grupo/escola.
Considerando o Mapa Rizomático proposto no material educativo do documentário “Auto-retrato”, abordamos as lin-
guagens artísticas, a forma e conteúdo, os saberes estéticos e culturais, as conexões transdisciplinares, a mediação
cultural e finalizamos com o processo de criação propondo algumas ações educativas como: percepção tátil do rosto
e do corpo, observação diante do espelho (normal, caretas, triste, alegre, preocupada, etc.), elaboração de autorretrato
com colagem de imagens, cores e formas de sua preferência, desenho ou pintura, selfie.
Na finalização das oficinas, fizemos resgate de alguns momentos vivenciados, relacionando-os com as produções dos
alunos expostas no espaço escolar, visitas externas aos diferentes espaços artísticos, valorização da processualidade e
avaliação em Arte.
No Grupo 2, optamos por trabalhar com o título “Macrofotografia” (24min). Apesar da abordagem metodológica ser
diferente da proposta no vídeo “Auto-retrato”, aqui também, as autoras Gisa e Miriam propõem que os professores assis-
tam ao documentário e façam as escolhas e relações com o conteúdo a ser trabalhado com seus alunos. Podendo usar
o vídeo em sala de aula na íntegra, sem pausas; dividindo em três aulas, uma para cada bloco; ou somente uma parte.
No documentário “Macrofotografia”, o fotógrafo Juarez Silva explora os caminhos que percorre pelas matas do Parque
Estadual da Cantareira em São Paulo, mostrando seu trabalho, o modo como registra de perto pequenos cogumelos e
animais como sapos e insetos. A macrofotografia possibilita expor detalhes de pequenos seres que não perceberíamos
com facilidade a olho nu, o que favorece além do seu uso artístico e publicitário, o científico. O fotógrafo destaca a
necessidade de educar o olhar para perceber e trabalhar com este pequeno mundo, compondo imagens com excelente
qualidade visual de (disponível em: <artenaescola.org.br>. Acesso em 20/03/2014).
No debate proposto ao grupo, um dos pontos levantados pela maioria foi em relação ao equipamento fotográfico uti-
lizado pelo Juarez Silva nas gravações. Sugerimos então que observassem a data de realização do documentário (2001)
e fizemos novos questionamentos: Como eram as máquinas fotográficas desta época? Qual máquina fotográfica você
utilizava nessa época? Em 2001 os aparelhos celulares possuíam câmeras fotográficas? Quando adquiriram o primeiro
aparelho celular com câmera fotográfica? Com esses questionamentos foi possível criar estratégias para aguçar o
interesse dos presentes em conhecer mais sobre a história da fotografia. Além disto, pudemos incitar questionamentos
relativos à percepção do mundo, ao entorno, aos detalhes despercebidos no cotidiano, às imagens representadas nos
livros de outras disciplinas, às escolhas de temáticas para produção fotográfica, às relações com literatura e cinema,
entre outras propostas.
O Mapa Rizomático reforça as ideias dos professores ao indicar algumas pistas para desenvolvimento de proposições
pedagógicas: Linguagens Artísticas, a fotografia e a macrofotografia; Forma e Conteúdo, luz, escala, ampliação, com-
posição, enquadramento; Materialidade, procedimentos técnicos e artísticos da fotografia; Patrimônio Cultural, bens
naturais e formas de preservação; processos de criação, ação criadora, a poética pessoal e ambiência de trabalho;
Saberes Estéticos e Culturais, a história da fotografia e os artistas viajantes, além da educação do olhar no território de
Formação de Educadores.
No processo de produção foram realizadas, com os professores, exercícios práticos, entre eles , um ensaio fotográfico
realizado no entorno do espaço físico destinado à oficina, com projeção das imagens capturadas. Ao término do exer-
cício prático, abrimos espaço para comentários e observações, finalizando com a projeção de formas ampliadas utili-
zando retroprojetor - aparelho em desuso em muitas escolas.
Percebemos nos dois grupos, em todas regionais, grande diversidade nas produções e resultados, como acontece nas
salas de aula, com troca de experiências, ideias e proposições para novas práticas em conjunto. Dando prosseguimen-
to, propusemos um momento de apresentação e reflexão da produção realizada, que apesar de ser muito importante,
muitas vezes não conseguimos trabalhar em sala de aula por falta de tempo. A avaliação feita pelos profissionais ao
término da proposta foi muito positiva, sendo observadas as proposições desde a apreciação à produção visual nos ex-

50
ercícios práticos. Ressaltaram as habilidades de cada um com relação ao domínio de técnicas ou linguagens artísticas.
A oficina foi finalizada resgatando alguns momentos vivenciados, fazendo amarração de sentido com as produções dos
alunos, exposições dentro do espaço escolar, visitas externas aos diferentes espaços artísticos, valorização da processu-
alidade e avaliação em Arte.
Após os encontros presenciais, os profissionais envolvidos desenvolveram as atividades propostas para o espaço
escolar; fizeram registro verbal e não verbal, validado pelo pedagogo, diretor e técnico da Regional; participaram do
‘Conexão Arte’ no ava.sedu.es.gov.br, espaço virtual reservado para leituras, apreciações de vídeos, reflexões e partilhas
do processo educativo em Arte.
Nos dias 28, 29, 30/10/2014, as produções plásticas dos alunos de professores que participaram da proposta formativa
foram expostas no espaço do SESC de Guarapari/ES, durante as ‘Finais dos Jogos NA REDE’ e ‘Cultura em Rede’.
Nas produções plásticas realizadas pelos alunos da rede pública estadual expostas durante os ‘Jogos na Rede’ e ‘Cultu-
ra em Rede’, no SESC de Guarapari, postadas no espaço virtual ava.sedu.es.gov.br/conexãoarte e/ou apresentadas nos
relatos dos professores, observamos maior representatividade de produção plástica de alunos da Educação de Jovens
e Adultos - EJA, nas diferentes regionais, o que não ocorria em anos anteriores. Várias propostas educativas transdisci-
plinares, tanto no Ensino Fundamental, quanto no Ensino Médio. Assim como, o uso de materiais artísticos e alternati-
vos, valorização das manifestações artísticas nacionais e regional.
Cada uma das etapas realizadas nas Regionais e Unidades Escolares foram registradas em planilha (APÊNDICE A) -
preenchida pelo professor e pedagogo em forma de relatório, com anuência do diretor da escola e encaminhado à
Superintendência Regional de Educação, aos cuidados do técnico responsável pelo acompanhamento da ação, junto ao
relato de experiência - a fim de comprovar a certificação de participação no processo de formação.
A partir dos relatórios, dos materiais apresentados pelos professores e do acompanhamento das ações desenvolvi-
das, iniciamos investigações sobre o uso dos documentários: títulos utilizados, recomendação de uso dos títulos com
relação à modalidade de ensino e contribuições para o processo de ensino aprendizagem dos alunos. Considerando
o contexto apresentado podemos inquerir: como se configuram os saberes/fazeres desenvolvidos por professores de
Arte após a participação em formação continuada realizada durante o ano de 2014 nas onze Regionais de Educação da
Rede Pública Estadual do Espírito Santo?

ANÁLISE DA AÇÃO FORMATIVA


Ao final de todo o processo, os professores encaminharam seus relatos para apreciação, análise e validação da certifi-
cação da formação.
De acordo com os professores citaram que a qualidade dos documentários é boa e que este possibilita não só a apre-
sentação da arte contemporânea brasileira, apresentando o artista em seu processo e espaço de criação, mas propicia
conhecimentos específicos da arte ao professor também.
Constatamos que apesar de o professor ter conhecimento do material disponível no Polo Arte na Escola, este não tem
tempo ou condições de ir até ao local para fazer a locação. Alguns professores comentaram que se os documentários
estivessem disponíveis no site do Instituto Arte na Escola (IAE) - facilitaria o acesso tanto para o planejamento quanto
para uso em sala de aula com os alunos. Vale ressaltar, que desde o ano de 2014 o IAE vem disponibilizando vídeos
semanalmente em seu site, no entanto, muitos títulos não podem ser disponibilizados, devido a direitos autorais não
cedidos por parte de herdeiros de alguns artistas falecidos.
Para assistir aos documentários disponibilizados na íntegra e visualizar o material educativo em PDF, o professor deve
acessar ao site artenaescola.org.br .
Os títulos de Arte Contemporânea Brasileira foram trabalhados nas diferentes séries da Educação Básica, especial-
mente no Ensino Médio. Neste material observamos que dos 160 títulos que integram o acervo da DVDteca, foram
utilizados 45 vídeos, sendo que os menos trabalhados são os títulos exclusivos do Instituto Arte na Escola e disponibi-
lizados apenas nos Polos à ele vinculados.
De acordo com os relatos recebidos, após a participação na oficina, os professores utilizaram títulos que compunham a
caixa DVDteca recebida do MEC e alguns locaram outros títulos no Polo, conforme pode ser observado abaixo:

51
 
Observamos nos relatos dos professores depoimentos de alunos que o trabalho com o material provocou não só o
olhar apreciativo na arte contemporânea brasileira, mas também possibilitou em muitas situações a apreciação do
espaço do entorno da escola, da cultura local, promovendo reconhecimento de identidade e pertencimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso dos documentários que integram o acervo da DVDteca Arte na Escola, contribui para ampliar as possibilidades
de ensino aprendizagem no Ensino de Arte, proporcionando acesso a conhecimentos específicos sobre arte e os diálo-
gos que esta realiza com outras áreas de conhecimento, estimulando acesso e reconhecimento da realidade social e
cultural dos atores envolvidos no processo ensino/aprendizagem.
Ao analisar os resultados alcançados até o presente, podemos perceber que os saberes/fazeres desenvolvidos pelos
professores de Arte após participação na formação continuada contribuíram para maior valorização dos mesmos pelos
alunos, pais, pedagogos e diretores, melhorando sua autoestima e estimulando a continuidade dos estudos, o que qual-
ifica cada vez mais seu trabalho no ambiente escolar juntamente com a comunidade.
A Exposição de Arte Contemporânea no espaço do SESC de Guarapari/ES, em outubro de 2014, teve grande reper-
cussão entre os alunos e nas unidades escolares, onde os alunos envolvidos foram vistos, e se sentiram valorizados
como protagonistas de um processo criativo, com sentimento de pertencimento, tanto como estudantes, quanto como

52
cidadãos.
Observamos que conseguimos alcançar, com a formação continuada, maiores questionamentos, e consequentemente,
reflexões produtivas sobre o ensino da Arte, desenvolvendo os potenciais dos profissionais envolvidos, o que possibil-
itou melhores desempenhos na elaboração e realização de suas propostas e/ou projetos nas unidades de ensino que
trabalhavam.
Analisando a avaliação das Oficinas Metodológicas desenvolvidas nas Regionais, os profissionais envolvidos (em sua
grande maioria) consideraram sua participação na Formação da Oficina Metodológica da DVDteca Arte na Escola muito
positiva, pois contribuiu para melhorar sua prática pedagógica, dando subsídio para suas ações educativas e agregando
conhecimentos específicos sobre o Ensino da Arte.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae (org.) Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: CORTEZ. 2000. P. 35 a 47).
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte,
Brasília, 1997.
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FERRAZ, Maria F. R. e FUSARI, Maria H.C.T. Arte na Educação Escolar. São Paulo, Cortez. 1992.
FERRAZ, M. H. C. T. Metodologia do Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 1993.
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der arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003) .
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. Campinas: Papirus Editora, 8ª Edição, 2008.
IAVELBERG, Rosa. DISPONÍVEL EM: http://aguarras.com.br/2007/05/04/entrevista-com-rosa-iavelberg/
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, 8ᵃ edição, atualizada
em 08/05/2013. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2762/ldb_5ed.pdf?sequence=1.
Acesso em 19/08/2014.
Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008. DISPONÍVEL EM: www.planalto.gov.br/.../2008/Lei/L11769.htm, Acesso em
22/0402011
MARTINS, Mirian Celeste. Mediação: provocações estéticas. São Paulo: UNESP. 2005, p. 6 a 9.
________. Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 2010.
PELBART, Peter Pal. O Tempo não reconciliado. (in: ALLIEZ, Eric. Gilles Deleuze: uma vida filosófica. Coord. da Tradução
de Ana Lucia de Oliveira. São Paulo: Ed. 34, 2000).
VÍDEO DE APRESENTAÇÃO, Documentários DVDteca Arte na Escola. Disponível em: http://artenaescola.org.br/dvdteca/
Acesso em: 17/01/2014.

53
ALMEIDA, Elaine Karla

Mestrado em Ciência da Arte/UFFRJ; Bacharelado em Artes Plásticas/UFES; Licenciatura em Arte Visuais/Uni-


versidade Metropolitana de Santos. Atualmente trabalha como Técnica Educacional da Secretaria de Estado da
Educação do Espírito Santo, Professora de Arte do Ensino Médio da EEEM Irmã Maria Horta (SEDU/ES) e como
professora Tutora à Distância do curso de Licenciatura em Artes Visuais EAD/UFES. Endereço para acessar este
CV: http://lattes.cnpq.br/9066793984205590

FONSECA, Maria da Penha

Mestrado em Educação - PPGE/UFES; Especialização Lato Sensu: Abordagens Contemporâneas em Arte-Edu-


cação/UFES; Licenciatura em Educação Artística/Artes Plásticas/UFES. Atua como técnica educacional na Secre-
taria do Estado da Educação do Espírito Santo, professora na Faculdade Novo Milênio e Coordenadora do Polo
Arte na Escola/FNM. Acesse este CV: http://lattes.cnpq.br/6644156236926277

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APÊNDICE A

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‘ARQUEOLOGIA DA CRIAÇÃO ARTÍSTICA. VESTÍGIOS DE UMA
GÊNESE: O TRABALHO ARTÍSTICO EM SEU MOVIMENTO’
Stela Maris Sanmartin UFES

RESUMO
Este trabalho nasceu do desejo de entender o processo de criação em artes visuais e apresenta caminhos
criativos, sensíveis que estimulam atitude exploratória e permitem ao artista criar. Algumas perguntas dis-
pararam a investigação: Será que ter consciência sobre o processo criativo esfria e interrompe a trajetória?
A criação em arte está dominada pela intuição? É possível maximizar o potencial criativo individual e usá-lo
intencionalmente na criação em arte? Portanto, a investigação objetivou saber em que medida os métodos
criativos são, mesmo que intuitivamente, usados pelos artistas, permitindo-os gerar materiais significativos
para o fazer artístico e a criação de sua poética. Objetivamos especificamente explorar as dimensões interi-
ores do processo criativo, encarando-o como um diário: obra do tempo contínuo e não linear da criação.
Palavras-chave: Artes Visuais; Criatividade; Crítica Genética; Processos de Criação.

ABSTRACT
This work was born from the desire to understand visual arts creation process and presents creative sen-
sitive ways, that motivates exploratory attitude and allows the artist to create. The research questions that
guide this study are: Does the awareness of the creative process interrupt or cool down the trajectory to
creation? Are art creations mainly guided by intuition? Is it possible to maximize the individual creative
potential and use it intentionally for art creation? Therefore, this study aimed to know to what extend the
creative methods are, even intuitively, used by artists, allowing them to produce meaningful materials to the
art making and their poetic creation. It also explores the inner dimensions of the creative process, facing it
as a diary: result of an ongoing and non linear creation time.
Key words: Visual Arts; Creativity; Critical Genetics, Creation Process.

Introdução

Olhar para o processo criativo é como olhar dentro de um cristal: quando fixamos os olhos numa face, ve-
mos todas as outras refletidas. (Nachmanovitch,1993,p. 23)

‘Arqueologia da criação artística. Vestígios de uma gênese: o trabalho artístico em seu movimento’ é a dissertação real-
izada no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas defendida no ano de 2004.
A docência na disciplina Criatividade permitiu a pesquisadora acompanhar os percursos criativos de alunos de gradu-
ação, bacharelado e licenciatura em Artes Plásticas, despertando o interesse em conhecer mais sobre o processo cria-
tivo. Talvez este interesse pela criação esteja unido, de certa forma, ao sentimento do ser humano que sempre buscou
compreender a sua própria origem, a origem do universo e da vida. Mas o fato é que o ato criador realiza uma com-
plexa ordenação no labirinto da mente humana e o trabalho artístico se constrói ao longo de um processo de apro-
priações, transformações e ajustes.
Para tanto, as teorias da Criatividade foram aproximadas aos processos de criação em arte, a partir dos registros de
processo, dos rastros, vestígios deixados pelo artista, sempre em busca de uma maior aproximação com o percurso,
procurando uma forma de ampliar sua compreensão. Esta busca levou-nos a Crítica Genética¹, que investiga manuscri-
tos literários e, a partir de registros, desvela a trajetória vivida pelo criador.

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A vida do cientista está no desejo de aprender a lição que o universo tem para ensinar. O movimento de busca
em direção a essa meta, quando genuíno, é um processo que está em incessante estado de metabolismo e
crescimento. Ciência em si é um processo vivo que se preocupa principalmente com conjecturas que se estão
articulando ou sendo testadas. A Crítica Genética veio com um forte desejo de penetrar na razão do processo
criativo e encontra-se certamente, em pleno estado de metabolismo e crescimento. (Salles, 1992, p. 13)
Este foi o método de investigação empregado para recolher e analisar o processo criativo de dois artistas contemporâ-
neos que se completou com entrevistas e coleta dos materiais² que permitiram levantar, observar, organizar, analisar e
interpretar os procedimentos de execução das obras apresentadas.
Em termos gerais, esses documentos desempenham dois grandes papéis ao longo do processo criador:
armazenamento e experimentação. Outra função desempenhada pelos documentos de processo é a de
registro de experimentação, deixando transparecer a natureza indutiva da criação. Nesse momento de
concretização da obra, hipóteses de naturezas diversas são levantadas e vão sendo testadas (...) os vestígios
deixados por artistas oferecem meios para captar fragmentos do funcionamento do pensamento criativo.
Uma seqüência de gestos advindos da mão criadora e experienciados, de forma concreta, pelo crítico. Gestos
se repetem e deixam aflorar teorias sobre o fazer. (Salles, 1998, p. 18-19)
Assim este trabalho apresenta caminhos criativos, sensíveis que estimularam atitude exploratória e permitiram aos
artistas criar. Faz menção a trajetória que se edifica ao longo de uma produção de arte, o movimento que o ato criador
exige. Explora as dimensões interiores do processo criativo e encara o processo como um diário: obra do tempo con-
tínuo e não linear da criação.

A Paisagem: pontos de vista


A fundamentação teórica da dissertação foi apresentada metaforicamente como uma ‘paisagem’ e trata sobre ‘algumas
regiões’, consideradas fundamentais para pensar sobre a ação criadora, sobre o processo criativo que culmina em um
trabalho artístico.
A Psicologia Analítica (Jung, 1875-1961) para entender a vida psíquica, fonte da imaginação criadora que culmina na
produção da arte. A Criatividade para entrelaçar as dimensões: pessoa, processo, produto e ambiente (Kneller, 1978),
destacando as fases do processo criativo (Wallas, 1926). Finalmente, a Crítica Genética (Salles, 1992 e 1998) para anal-
isar o processo criativo, dos artistas selecionados para esta investigação, por meio dos vestígios que os registros de
processo indiciam.
Portanto, a Psicologia Analítica foi uma escolha, uma perspectiva possível para olhar a psique humana, para perceber
o trânsito entre a consciência e o inconsciente no processo criativo operando nos processos de criação artística. Para
Jung (1991), todo ser tende a realizar o que existe nele em germe, a crescer, a completar-se. Mas o homem, embora
o desenvolvimento de suas potencialidades seja impulsionado por forças instintivas inconscientes, adquire o caráter
peculiar de tomar consciência sobre esse desenvolvimento e influenciá-lo. Precisamente no confronto do inconsciente
pelo consciente, no conflito como na colaboração entre ambos é que a produção artística se constitui.
Graças a esse poder transpessoal, os artistas, embora usem o idioma de sua terra e de sua época, são capaz-
es de falar diretamente ao coração de cada um de nós, transcendendo as barreiras do tempo, do espaço e da
cultura. (Nachmanovitch, 1993, p. 58)
A Criatividade é um potencial que tem acompanhado o homem em suas buscas, realizações e perguntas desde que
este existe, mas mediante as exigências da vida e do mundo do trabalho, que se complexifica cada vez mais, tem
permitido às pessoas criar respostas novas para velhos problemas e nota-se crescente o interesse em compreender e
desenvolver a criatividade para colocar em prática este fenômeno complexo.
No entanto, o termo foi desgastado principalmente no âmbito da educação, pois por muitos anos, a criatividade foi
tratada como um campo pouco específico, que justificava o espontaneismo, a falta de dedicação, trabalho e seriedade.
A criatividade na escola, especificamente nas aulas de arte, foi confundida com pura fantasia e a tarefa do professor
era encontrar projetos interessantes, que poderiam estimular a imaginação e prover o material através do qual a rica
imagética infantil pudesse ser expressa. Na prática se enfatizava a liberação emocional e o mero deixar fazer ou “lais-
sez faire” no “ateliê livre” focando apenas processo, pois a criança “aprende fazendo”.
Depois dos anos 60, o pouco cuidado em avaliar se os fundamentos do método da livre expressão levaram
inúmeros professores a extremos, onde tudo era permitido. Os professores da linha da livre expressão, ex-
plicitamente, pressupunham que o aluno tem dentro de si um mundo de ‘Obras’ que precisa ser posto para
fora, expresso, mas não exprimido. Entendendo que a expressão dos alunos não podia sofrer qualquer inter-

57
ferência do professor, eliminam até mesmo atividades que na sua opinião prejudicam o “trabalho criativo”.
(Rezende e Fusari, 1992, p. 35)
O fenômeno da criatividade foi reposicionado neste trabalho, considerada a importância de desenvolver o poten-
cial criativo por um lado, mas direcionando à ação criadora como ação qualificada e contextualizada. O sujeito cria-
tivo pode assumir uma postura disponível à experimentação e descobertas, mas não prescinde de repertório e uso
sistemático dos princípios e procedimentos criativos, que além dos processos imaginativos de divergência também
envolvem critérios convergentes de julgamentos e escolha para gerar resultados novos para o campo específico.
A Criatividade sempre foi e continua sendo uma necessidade do ser humano, pois o homem cria em função de sua
sobrevivência, mas também por querer encontrar sentido, realizar-se e dar significado à sua vida.
Se o impulso criador é constitutivo da condição humana, seu estudo reflexivo e científico é recente. No entanto, já
assinala constantes universais, aceitas por uma ampla comunidade científica, no que diz respeito à intencionalidade da
ação, a transformação do meio que ela provoca e a necessidade de comunicar o resultado conquistado. Portanto, estu-
dar criatividade ainda é um campo fértil e promissor para pesquisas e objeto de estudos sistemáticos, pois há muitas
frestas a serem preenchidas.

Algumas Regiões: o homem, o caminho, o destino


A pessoa criativa apresenta algumas características perceptíveis, qualidades que, sem dúvida, permitem a idealização,
realização e comunicação de resultados únicos. O criativo está sempre atento ao presente, é sensível e por isto, con-
segue perceber suas intuições ou reconhecer antecipadamente os problemas. Prefere o complexo, tolera a ambigüi-
dade, tem senso de humor, confia em si mesmo, mantém o gosto pelo risco e a coragem de ousar, além de disposição
e persistência para sempre tentar outra vez. O criador se envolve com os fenômenos considerados óbvios, presentes
no cotidiano, mas ao cultivar sua curiosidade, fluência e flexibilidade de ideias, enxerga o problema sob ângulos difer-
entes. Por meio do uso intencional da imaginação criadora idealiza seus projetos, constrói em seu imaginário o ideal
para sua vida como síntese de tudo o que aspira e toma a atitude de persegui-lo e torná-lo realidade com independên-
cia e autonomia.
O processo criativo, caminho pelo qual o artista percorre para criar, permite que ele experimente com liberdade os ma-
teriais e por meio de linguagem específica abra lugar para o novo. O estudo científico da criatividade em seus primór-
dios recebeu contribuições valiosas de pessoas alheias à comunidade científica psicológica. Wallas (The art of thought)
em 1926 fez a primeira descrição do processo criador baseando-se na experiência pessoal, referida pelo físico alemão
Helmholtz. Descreveu quatro fases para o processo criativo: preparação, incubação, iluminação e verificação, onde na
preparação acontece a definição do problema e a coleta de dados; na incubação, um ‘trabalho inconsciente’ para que
na iluminação surja, ou apareça a ‘boa ideia’ e finalmente na verificação checa-se o resultado.
Posteriormente George Kneller (1978) amplia o modelo de Wallas (1926), incluindo a ‘apreensão’, fase em que o in-
divíduo tem a sensação ou a percepção de que existe um problema a ser resolvido ou sente-se perturbado por algo
que precisa ser solucionado. Assim iniciado o processo e com muitos dados disponíveis: “O inconsciente sem limites,
desimpedido pelo intelecto literal, faz as inesperadas conexões que constituem a essência da criação”. (Kneller, 1978,
p.67)
Na ação, realização da ideia em forma, o homem caminha em direção a um destino, assim passaremos para a análise
do processo de criação, neste artigo, de uma obra intitulada “Mirante” (1997) do artista contemporâneo José Spaniol.

Uma localidade: documentos de processo e obra de José Spaniol


José Spaniol nasceu em São Luiz Gonzaga (1960), RS e mora e trabalha em São Paulo desde o início dos anos 80. Ini-
cialmente produz pintura e gravura, posteriormente nos anos 90 passa a dedicar-se exclusivamente à escultura. Partic-
ipou de várias exposições em instituições brasileiras e algumas no exterior. Recebeu a bolsa Virtuose do Ministério da
Cultura em 1999 e na ocasião desta investigação (2004), o artista era representado pela galeria Nara Roesler.
Em entrevista realizada em maio de 2004³ relata que sempre desenhou muito e com 11 anos, em 1971, visitou por
primeira vez a Bienal de São Paulo e soube que era ‘aquilo’ que queria fazer. Descreve as experiências estéticas viven-
ciadas na exposição, expressando inclusive sensações que ainda guarda na memória.
Para o estudo disponibilizou sua dissertação de mestrado intitulada ‘Anotações de um Processo de Trabalho’ de 2003
sob orientação de Marco Giannotti; dois cadernos de registros, o pequeno de 1997 e o grande de 1994 até 2004, além

58
de dois CDs com imagens dos seus trabalhos. Quanto sua fonte de inspiração, Spaniol diz:
Não tenho muita regra, em geral um trabalho puxa o outro. Geralmente o próximo trabalho já se apresenta
enquanto estou realizando algo, fazendo. Quando tenho a sensação de ter ‘passado do ponto’ é como se eu
estivesse querendo fazer o outro trabalho. (Spaniol, entrevista em 05/05/2004 in SANMARTIN, 2004, p. 129)

Figura 1. Teto Chão, 2002 mármore e latão dimensões variáveis [10 peças],
Foto José Domingues Freitas, catálogo Galeria Nara Roesler, 2002.

Ao descrever a gênese do trabalho “Teto Chão” de 2002, o artista conta que ele surgiu do desenho da chuva. Um dia
observando a névoa, viu os fios da chuva serem carregados pelo vento. Eram fios tão finos que, sem vento, caiam per-
pendiculares e não pareciam reais. Aquela impressão marcou e foi registrada em forma de desenho no caderno e, anos
depois, fez surgir o trabalho “Teto Chão”. Hoje o artista percebe que o trabalho nasceu daquela circunstância, daquela
apreensão sensível de observar a chuva.
Na entrevista, momento de reflexão sobre seu percurso criador, Spaniol imediatamente se lembrou do trabalho intit-
ulado ‘Mirante’ realizado para a exposição Arte Cidade São Paulo em 1997, no terreno da fábrica dos Matarazzo, insta-
lação escolhida para esta análise.
Fomos visitar a fábrica e realmente aquele lugar era muito sedutor, mas também parecia que lá tudo estava
pronto. Não decidi de imediato e ia passear por lá até que, ao ver a fábrica de longe, pensem que poderia
fazer uma construção para que as pessoas pudessem olhar a fábrica de fora, de longe. Olhar a fábrica deste
ponto de vista. (Spaniol, entrevista realizada em 05/05/2004 in SANMARTIN, 2004, p. 129)

Figura 2. Mirante, 1997, taipa de pilão 400x520x520


Foto José Domingues Freitas, catálogo Galeria Nara Roesler, 2002.

59
Figura 3. Várias vistas da instalação Mirante
Foto José Domingues Freitas, catálogo Galeria Nara Roesler, 2002.

Nas anotações do diário, Spaniol define conceitualmente seu trabalho como: “uma pintura feita da própria paisagem,
da terra, de vento e de chuva” (anotações caderno do artista). Para a realização do trabalho assumiu como critério não
levar nem tirar nada do terreno. A construção em taipa de pilão deveria ser executada com terra retirada do próprio
local para integrar-se à paisagem e o trabalho deveria recriar ou criar nova paisagem. Os cadernos do artista registram
inúmeros estudos sobre a posição das paredes, indicações de procedimentos e cálculos, receita da taipa, posição do
relógio solar, entre outros.

Figura 4. Estudo da posição das paredes, caderno do artista, 1997.

Os furos nas paredes recortavam a paisagem e permitiam ver a fábrica de vários ângulos. Os baixos relevos
funcionavam como relógios de sol. Construí um cubo de madeira e os coloquei no lugar. A cada meia hora
fazia o desenho-registro da sombra para estudar quais os ângulos que eu deveria construir os baixos rele-
vos. Havia um momento do dia que o sol não produzia nenhuma sombra e as paredes pareciam lisas, uni-
formes. (Spaniol, entrevista em 05/05/2004 in SANMARTIN, 2004, p. 129)
Depois dos estudos, o projeto estava pronto, mas na hora da execução os imprevistos começaram a aparecer e o artista
passa a levantar alternativas para viabilizar a realização do trabalho.

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Figura 5. Estudos dos cortes/caixas nas paredes que funcionariam como relógio solar, caderno do artista, 1994.

Na hora de construir a matéria nos prega umas peças. As ideias vêm do mundo da imaginação e no projeto
parecia tudo perfeito. Eu havia projetado cavar uns baixos relevos ao lado das paredes que conversariam
com as inscrições das paredes, mas na hora em que começamos a cavar... Aquele terreno era aterro. Havia
uns 40 cm de terra e depois encontramos sacos de entulho. Desta forma, tive que levar vários caminhões de
terra para o local. (Spaniol, entrevista realizada em 05/05/2004 in SANMARTIN, 2004, p.130 )

Ao invés de levar um trabalho para ser exposto, o artista leva terra e constrói um novo espaço para a observação da
fábrica. No Mirante o material escolhido para a construção da obra se funde com a paisagem, mas o interesse em estar
no Mirante não era olhar apenas para dentro e sim para fora, pelos buracos e frestas. Dentro do mirante o especta-
dor, isolado do contexto exterior pelas paredes e chão de barro, tinha como possibilidade olhar o céu e, ao observar as
caixas onde a luz do sol movia a sombra, perceber a passagem do tempo.

Algumas considerações
Retomando as perguntas de partida: Será que o artista se dá conta de seu próprio processo de criação? Ele sente esta
necessidade? Ter consciência sobre os processos esfria ou interrompe a trajetória?
Consideramos que, pelo próprio fato do artista realizar uma dissertação intitulada “Anotações de um processo de tra-
balho”, há interesse pelo processo. A reflexão permite pensar sobre o que está sendo feito ou sobre os trabalhos já real-
izados e desvela as conexões entre os trabalhos na ideação dos projetos. Este resgate é possível a partir dos registros
de processo, portanto verifica-se a importância das anotações dos cadernos, diários para capturar as ideias, bem como
pensar os procedimentos de sua execução. Os cadernos evidenciam a não linearidade, não temporalidade no percurso
criador, mas assinalam as recorrências, as constâncias e a gênese dos trabalhos, a captura das intuições, mas também
os estudos, o planejamento objetivo das ações.
Será que pessoa, processos e produtos artísticos podem ser enriquecidos a partir do desenvolvimento dos princípios e
técnicas da criatividade?
Sobre o uso dos métodos criativos, no caso do artista José Spaniol os cadernos denotam uma apreensão sensível
das ideias e procedimentos lógicos nos estudos, portanto há trânsito entre momentos mais intuitivos (divergentes) e
lógicos (convergentes). Este é o princípio dos métodos criativos, em especial o Solução Criativa de Problemas (modelo
Osborn, Parnes). Observamos também forte presença das metáforas e analogias também métodos clássicos em criativi-
dade. O artista, muitas vezes não conhece o nome do método, mas os usa intuitivamente.

61
Refutamos a hipótese de relacionar o momento de preparação com um movimento de domínio do ego, neste caso es-
pecífico a percebemos como fase mais intuitiva, da “apreensão” e mais exploratória na preparação onde ocorre o levan-
tamento das informações necessárias a execução do projeto.
No trânsito entre inconsciente e consciente salta o impulso intuitivo que captura a ideia e a criação materializa o
desejo em forma por meio do embate corporal com a matéria, conjugando aquilo que é sabido, controlado, esperado,
planejado, com aquilo que se faz surpreender pelos acasos e arbitrariedades, acontecimentos em que o artista inicia,
avança e estende suas percepções, fazendo, formando, originando presença de novos objetos.
Entrelaçar vida psíquica, criatividade e arte tem sentido na direção de encontrar a voz do artista rumo à construção de
sua poética. A natureza fundamental do processo revela que o ato criativo emerge da interação profunda e próxima
dos nossos principais espaços da personalidade, da mente, sentimentos e imaginação criadora fundindo-se com ener-
gias de processos inconscientes e transpessoais sem ignorar as zonas de intersecção entre as escolhas absolutamente
consciente individuais e sua inserção no meio sócio-cultural.

Notas:
1. Sobre Crítica Genética ver mais in SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética: Uma Introdução. São Paulo, EDUC, 1992. A autora desenvolve pesquisa na PUC-
SP estendendo a investigação ao percurso criativo de outras linguagens da arte, como dança, artes visuais, entre outras.
2. Cadernos de artista, CDs com imagens dos trabalhos, cartas, folders, catálogos, entre outros.
3. Entrevista pode ser lida em SANMARTIN, Stela Maris. Arqueologia da criação artística. Vestígios de uma gênese: o trabalho artístico em seu movimento. Disser-
tação [Mestrado]. Campinas, Instituto de Artes, UNICAMP, 2004, anexo 9 (p.129-131)

Referências:
FUSARI, M. F. de Rezende, FERRAZ, M. H. C. de Toledo. Arte na Educação escolar. São Paulo, Cortez, 1992.
JUNG, Carl G. O espírito na arte e na ciência. Petrópolis, Vozes, 1991.
KNELLER, George F. Arte e Ciência da Criatividade. São Paulo, IBRASA, 1978.
NACHMANOVITCH, Stephen. Ser Criativo. São Paulo, Summus, 1993.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis, Vozes, 1978.
SALLES, Cecília Almeida. Crítica Genética: Uma Introdução. São Paulo, EDUC, 1992.
______Gesto Inacabado: Processo de Criação Artística. São Paulo, FAPESP, Annablume, 1998.
SANMARTIN, Stela Maris. Arqueologia da criação artística. Vestígios de uma gênese: o trabalho artístico em seu movimento.
Dissertação [Mestrado]. Campinas, Instituto de Artes, UNICAMP, 2004.
WALLAS, G. The art of thought. London: Jonathan Cape, 1926.

Stela Maris Sanmartin


Graduada em Artes Plásticas na FAAP (1989), máster em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compostela
(1999), mestre em Artes pela Unicamp (2004) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2013). Docente
na graduação e pós-graduação na FAAP (1994-2014). Autora dos livros Criatividade e Inovação na empresa: do poten-
cial à ação criadora 2012 e Criatividade nos processos de coaching 2013.

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ARTE-EDUCAÇÃO NOS ESTADOS IBERO-AMERICANOS:
LEITURAS E PERCEPÇÕES
Luciana Lima Batista / Instituto Federal de São Paulo IFSP/ Capivari

RESUMO
Partindo de informações contidas no relatório elaborado pela Organização dos Estados Ibero-americanos
para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e denominado Educación Artística em Ibero-américa: Edu-
cación Primária, este artigo tem por objetivo fazer uma leitura acerca do documento delimitando os dados
diagnósticos adquiridos nesta pesquisa. Os principais aspectos a serem elucidados são a carga horária de
Educação Artística nas escolas primárias, o perfil dos docentes, os recursos didáticos disponíveis, o currículo
e suas práticas, a avaliação em arte e as percepções dos docentes ante as contribuições da Educação Artísti-
ca na formação social, emocional, cognitiva dos alunos de 6 a 12 anos de escolas públicas e privadas dos
países ibero-americanos.
Palavras-chave: Arte, Educação e Ibero-americano.

ABSTRACT 
Taking as a starting point the report denominated Educación Artística en Ibero-américa: Educación Pri-
maria elaborated by the Organization of Ibero-American States for Education, Science and Culture (OEI),
the present article aims to analyze this document highlighting the diagnostic data raised in that research.
The main aspects to be discussed are: the course load for Arts in primary schools; the teachers’ profiles; the
available teaching resources; the curriculum and its practices; the evaluation in Art; and the teachers’ per-
ceptions in relation to the contribution that Art can bring to the social, emotional, and cognitive formation
of 06 to 12 year-old students in private and public schools from the Ibero-American states.
Keywords: Art, Education e Ibero-americano.

Introdução
Este trabalho parte de indagações vivenciadas em salas de aula do ensino médio relacionadas à condução da discipli-
na Arte nas escolas de ensino fundamental com seus desafios e percursos assertivos.
No início do ano letivo, pus como prática fazer um diagnóstico com os alunos sobre as vivências na disciplina Arte ao
longo do ensino fundamental. Em um instituto federal no interior do Espírito Santo, realizei tal atividade diagnóstica a
fim de compreender quais são as concepções sobre a arte dos alunos, quais os conteúdos já foram trabalhados e quais
as experiências vivenciadas com a arte. Nesse momento, também solicitei que os alunos identificassem quais seriam as
aprendizagens que eles gostariam de adquirir ao longo do ano na disciplina. Nesse instituto, pedi aos alunos que rep-
resentassem esses conteúdos, linguagens da arte ou atividades por meio de desenhos ou textos. Separados em grupos,
estes debateram quais seriam as aprendizagens que o grupo, em consenso, gostaria de adquirir. Posteriormente esses
argumentos dos grupos eram apresentados para todo o coletivo que indicaria os caminhos que iríamos seguir naquele
ano. Durante a apresentação dos grupos, muitos expuseram que não queriam trabalhar mais com desenhos, com lápis
de cor, pois já haviam feito isso durante todo o ensino fundamental. Alguns citavam música, outros teatro e fotografia;
alguns queriam saber mais sobre artistas e a arte. Entretanto, um dos grupos tomou minha atenção quando percebi
que, em seu cartaz, havia o desenho de um coelho com um símbolo associado à placa proibido pintada de vermelho
por cima. Questionei o grupo sobre o porquê daquele desenho, e os alunos me disseram que para eles não importava
muito o que iria ser ensinado, pois não tinham muita ideia do que poderia ser trabalhado na aula de Arte. Mas de uma
coisa eles tinham certeza: não queriam mais pintar coelhinhos da páscoa xerocados, papais-noéis no fim de ano ou
escrever carta para mãe e pai, pois essas atividades tinham sido realizadas ao longo de toda a trajetória da educação
fundamental deles.
Esse grupo era formado por cinco meninos provenientes de uma mesma escola municipal da localidade que tin-
ham vivenciado as mesmas experiências nos últimos três anos. Nesse momento, causou-me espanto saber que, em
2014, ainda havia professores trabalhando desse modo com a arte nas escolas. Quando participamos de congressos

63
e seminários, são apresentadas práticas tão diferenciadas nas escolas de todos os níveis, públicas e privadas, relacio-
nadas à arte, artigos, revistas, sites que nos auxiliam no exercício docente estão disponíveis a todos. Assim, como seria
possível ainda haver esse tipo de atividade?
Levei à turma o questionamento sobre as atividades xerocadas e todos os alunos assinalaram que também haviam
feito esse tipo de trabalho em suas escolas e que os cartazes indicavam justamente que eles gostariam de mudanças,
de aprender outras coisas relacionadas à arte e suas linguagens.
Nesse mesmo ano, parti para outro instituto no Espírito Santo, porém em uma cidade já de médio porte, em que real-
izei o mesmo diagnóstico com vistas a fazer o meu planejamento de aula. E, para minha surpresa feliz, inicialmente o
desenho do coelho não veio à baila, mas os alunos por mim instigados relataram que, em suas antigas escolas, também
eram feitos trabalhos voltados para as datas comemorativas em arte e desenhos xerocados e desenhos livres. Poucos
falaram de peças de teatro em que eles decoravam o texto e apresentavam em festividades e alguns textos ou aposti-
las sobre História da Arte de que eles pouco gostavam. Isso, sinceramente, muito me espantou, pois ali havia alunos de
diversas classes sociais de uma cidade relativamente grande e com mais acesso aos meios da web de informações.
Com as idas e vindas da vida em 2015, transferi-me para o Instituto Federal de São Paulo, também uma cidade do in-
terior de médio porte. No início do ano, ante os diagnósticos anteriores, era grande minha curiosidade em saber como
seria a trajetória formativa em arte dos meus alunos. Essa cidade está situada a aproximadamente 150 quilômetros
de São Paulo capital, cidade que recebe as grandes exposições, peças, grupos de dança, concertos, estreias de todos os
filmes (de blockbuster a cult). Essa perspectiva aumentou meu entusiasmo perante os alunos, pois, em meu pensamento,
estava tudo ali, perto, não havia por que desperdiçar tais oportunidades. Pois bem, ledo engano: mesmo com essa prox-
imidade geográfica das expressões artísticas e culturais, com esse acesso ali pertinho, todos os 80 alunos do primeiro
ano do ensino médio integrado também disseram que, em suas escolas, fizeram as tais cartas para os pais, as bandei-
rinhas da festa junina e os desenhos xerocados durante o tempo escasso da disciplina Arte no ensino fundamental.
Aqui, sim, grande decepção, pois compreendi que, independentemente do ter acesso, de existir material, de haver inter-
net e tantos outros recursos, algumas práticas educativas na disciplina Arte ainda se perpetuam de forma equivocada.
Retornei aos textos de Ana Mae Barbosa, Lucia Gouveia Pimentel, Miriam Celeste, Luiza Christov e tantas e tantos
outros(as) autores(as) que falam sobre essa questão e, mesmo passando quase 20 anos de escrita das legislações,
parâmetros, metodologias e didática sobre o ensino-aprendizagem da arte, alguns estereótipos prevalecem.
Lancei-me na busca, numa vontade de compreender o porquê de tais situações se perpetuarem. E, no início de 2015,
entrei em contato com o documento 1Educación Artística em Ibero-américa: Educación Primária em um congresso e
fiz conjecturas sobre se tal diagnóstico ibero-americano da arte na educação de crianças e pré-adolescentes de 6 a 12
anos poderia aclarar minhas suposições. Longe de responder a todas as minhas indagações, o documento me serviu
como forma de verificar quanto ainda temos que caminhar para que a arte seja lecionada de forma coerente, qualitati-
va, crítica, reflexiva e estética em nossas escolas.
Os dados encontrados e descritos no corpo deste artigo me auxiliaram na percepção de que a arte, mesmo obrigatória
nos currículos, ainda padece de males, tais como: pouco tempo destinado a ela; pouco material e recursos para viabi-
lizar atividades; professores sem ou em formação que lecionam a disciplina; currículos desassociados da prática do(a)
professor(a); pouco contato dos docentes com a arte; e principalmente a sempre necessidade de justificar a importân-
cia da arte nas escolas.
É partindo dessas vivências, angústias e vontades de compreender ainda mais o universo ao qual me dedico que, neste
escrito, me aparto incialmente das reflexões sobre o ensino médio e me volto para o ensino fundamental com o intuito
de compreender o panorama da arte nos países ibero-americanos, olhar para o meu país e as dificuldades do ensino de
arte nele e deixar indagações que tanto nos incomodam quanto nos estimulam como arte-educadores.
O trabalho realizado pelos pesquisadores Andrea Giráldez e Andrés Palacios em parceria com instituições de ensino
nos países ibero-americanos foi realizado entre 2012 e 2013 e teve por objetivo principal auxiliar na compreensão do
ensino das artes nos países ibero-americanos, com o olhar voltado primordialmente para a educação primária, realiza-
da por crianças de 6 a 12 anos. A averiguação consistiu em verificar o que estava funcionando, o que poderia ser mel-
horado e incitar o pensamento sobre como pode ser aprimorado o ensino das artes para crianças e pré-adolescentes
dessas etapas.
O estudo foi proposto pela Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), or-
ganismo internacional governamental que visa promover a cooperação entre países ibero-americanos em alguns temas,
como educação, ciência, tecnologia e cultura. Os países que compreendem os Estados-membros são a Argentina, a Bolívia,
o Brasil, a Colômbia, a Costa Rica, Cuba, o Chile, a República Dominicana, o Equador, El Salvador, a Espanha, a Guatemala, a
Guiné Equatorial, Honduras, o México, a Nicarágua, o Panamá, o Paraguai, o Peru, Portugal, o Uruguai e a Venezuela.
1 Disponível em: http://www.oei.es/InformeArt2014.pdf

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As Metas Educativas 2021: 2La educación que queremos para la generacióm de los bicentenários, aprovadas na 20.ª
Conferência de Ministros de Educação, explicitam a pretensão de oferecer um currículo que incorpore a leitura e o uso
do computador no processo de ensino-aprendizagem e propor que a Educação Artística e a Educação Física tenham
relevância nesse currículo e estimulem o interesse pela ciência, arte e esporte nos alunos. O indicador 17 das metas
traz uma demanda específica para a Educação Artística, que seria a garantia de no mínimo três horas dedicadas a essa
disciplina na educação primária e duas horas obrigatórias na educação secundária. Tais metas explicitadas ainda são
tímidas ante as possibilidades que a arte poderia inserir se seus tempos e espaços nas escolas e currículos fossem
maiores. Entretanto, a garantia obrigatória desse mínimo seria um iniciar efetivo das artes nas escolas.
O estudo denominado Educación Artística em Ibero-américa: Educación Primária faz um panorama acerca do ensino
de arte, aqui citado como Educação Artística, nos países ibero-americanos. Tal estudo serve como diagnóstico para não
somente averiguar se a meta de carga horária está sendo cumprida, bem como ver quais as condições de execução da
Educação Artística em escolas públicas e privadas desses países. Aspectos relativos à formação de professores e perfil
dos profissionais também são citados neste estudo.
Um dado positivo encontrado no estudo é a identificação de que a disciplina Educação Artística pertence à maioria
dos currículos na educação primária. O que se identificou foi a validação da disciplina nos documentos oficiais, entre-
tanto isso não se expressa na qualidade do que se é aprendido e ensinado nas escolas necessariamente. Outro dado
encontrado praticamente nos currículos de todos os países estudados foi a execução da disciplina Educação Artística
na educação primária, realizada de forma integrada, ou seja, todas as linguagens expressivas da arte podem ser min-
istradas apenas por um docente. Nesses países, as linguagens da música e das artes visuais são as mais presentes em
sala de aula ante a preterição do teatro, dança e audiovisual. Em tempos de embate no Brasil, dentro dos movimen-
tos de arte-educadores contra a polivalência, esse é um dado de alerta para docentes com formação distinta para as
linguagens da arte, pois corrobora a ausência de professores com formação específica nas escolas primárias, momento
em que crianças e adolescentes iniciam seus contatos com a arte de forma sistematizada.
Outro aspecto positivo relatado no estudo foi a compreensão das contribuições que o ensino da arte pode trazer para
a criança e seu desenvolvimento, tais como: trabalhar o pensamento crítico, a formação para a vida, a educação estéti-
ca, a resolução de problemas, melhorar a comunicação, a colaboração, estimular a criatividade e a inovação e auxiliar
na melhor aprendizagem de outras disciplinas.
As disciplinas artísticas (dança, música, teatro, artes visuais e audiovisuais) podem contribuir para o desen-
volvimento de experiências educativas singulares que promovem o conhecimento e a aquisição de habili-
dades fundamentais para fazer frente à vida, aos estudos e ao trabalho no século XXI.
A metodologia deste estudo combinou análises de documentos, questionários fechados e entrevistas semiestruturadas
para levantamento de dados qualitativos e quantitativos. A análise documental foi feita por meio de marcos legais e
currículos dos países pesquisados. As entrevistas semiestruturadas foram aplicadas a 43 docentes e visaram melhorar
a compreensão de alguns dados quantitativos, bem como confrontar e contestar esses mesmos dados. Os questionári-
os foram aplicados a 1.687 professores(as) de escolas públicas e privadas de 19 países, sendo a maioria respondentes
atuantes em escolas públicas (87,3%) e em meios urbanos (83,5%). Também foram levantados dados com especialistas
da área em cada país no intuito de trazer também esses olhares para a realidade educativa. A participação do Brasil foi
mediana no documento, pois ficou na oitava posição nessa entrega de questionários para análise das informações.
Neste escrito, vou tratar dos dados coletados para demonstrar as percepções mais abrangentes trazidas no documento.
Os objetivos específicos do estudo são os seguintes: identificar a quantidade de horas destinadas à Educação Artística
na educação primária (6 a 12 anos); delimitar o perfil dos docentes da disciplina Educação Artística dessa modalidade;
delimitar a disponibilidade de recursos didáticos para esta área; identificar práticas e enfoques adotados nas escolas
considerando objetivos e atividades realizadas; averiguar se são feitas avaliações formais com os alunos; e conhecer
atitudes formais dos docentes em Educação Artística.
As perguntas feitas pensando esses tópicos foram as seguintes: Que lugar ocupa a Educação Artística nos currículos
ibero-americanos? Qual o perfil dos docentes que lecionam na área de Educação Artística? Quais recursos humanos e
materiais estão disponíveis na escola? Como consideram e avaliam as atividades artísticas? Existe a colaboração entre
as escolas, os artistas e as instituições culturais? Do ponto de vista dos docentes, como contribui a Educação Artística
para o desenvolvimento acadêmico, emocional e social do aluno?

2 Disponível em: http://www.oei.es/metas2021/libro.htm

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Educação Artística – seus tempos na escola
O dado referente ao tempo dedicado nas escolas primárias para a disciplina Educação Artística demonstrou que, em
geral, são disponibilizadas em média duas horas semanais para essa disciplina. No gráfico apresentado, constata-se
que, no Brasil, a disciplina compreende uma hora semanal nos currículos primários, enquanto, na Bolívia e Costa Rica,
perfaz quatro horas semanais. Em média os dados assinalaram que somente 0,8% dos países dedicam mais de seis
horas semanais a arte, 20,7% indicam uma hora aula semanal e 50,8% afirmar serem disponibilizadas duas horas
semanais para a disciplina. Em nosso país, as autoridades estadual e municipal têm autonomia para definir as cargas
horárias das disciplinas nos currículos do ensino fundamental, conforme podemos verificar na Lei de Diretrizes e Bases
(LBD 9.394/96), em seu cap. II, art. 23:
A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de
períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por
forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomenda.
No art. 24 da mesma legislação, somente se estabelece o quantitativo total da carga horária mínima: I - a carga horária
mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, ex-
cluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.
Nas escolas pouco é justificado o porquê de a disciplina Arte ter uma carga horária tão inexpressiva, entre uma e duas
aulas por ano no ensino fundamental, mas não há uma justificativa legal para esse fato. Qual seria a percepção dos
gestores das escolas e das Secretarias de Educação Municipais e Estaduais diante da arte? Quais seriam os imped-
imentos para aumentar a carga horária? Quais considerações ou desconsiderações sobre a contribuição da arte na
formação humana, estética e crítica do aluno estão sendo erigidas como justificativa para essa quase ausência da arte
e de docentes em suas diferentes linguagens na escola?
Também é citado no documento que o Brasil determinou por decreto a obrigatoriedade do ensino de música nas esco-
las. Contudo, não foi possível confirmar a execução dessa exigência nas escolas primárias. Nós que estamos lecionando,
nas escolas brasileiras, aos mais distintos níveis podemos constatar esse fato em loco. Poucas são as escolas públicas e
particulares que possuem docentes de música em seu quadro funcional. Em sua maioria, nas escolas de ensino funda-
mental, temos professores ou licenciados em Artes Visuais, e até mesmo sem formação, exercendo funções docentes.
Esse é um dado perceptivo por meio do qual se pode verificar, na escrita, o perfil dos nossos educadores em arte.

O (A) professor (a) de Educação Artística: quem somos na educação primária?


Referentemente ao perfil dos docentes que lecionam Educação Artística, os dados encontrados trazem algumas novi-
dades e outras constatações possíveis de identificar no nosso cotidiano. Somos, em maioria, mulheres (72,3%), entre
30 e 50 anos de idade (50,3%), com experiência profissional entre 5 e 30 anos de carreira. Nos anos iniciais do ensino
fundamental, somos majoritariamente professores(as) generalistas, sem formação específica em nenhuma das lingua-
gens da arte nas escolas públicas.
Nas escolas privadas, identificou-se um número maior de docentes com formação específica. Nos países analisados,
com poucas exceções, a maioria dos docentes não teve formação inicial adequada para lecionar arte, e poucas capac-
itações continuadas são ofertadas a eles. A típica falácia de que qualquer um pode dar aula de artes ainda pode ser
ouvida em distintas localizações geográficas em nosso país. Aula de arte não precisa de professor específico: as profes-
soras de História, de Geografia ou de Português, se não estiverem com carga horária completa, poderão lecionar arte
(e por que não?). Essa compreensão equivocada, as poucas vagas ou a falta de universidades de qualidade que formem
docentes na área, o distanciamento dos grupos de pesquisa universitário junto à capacitação de professores e a falta
de comprometimento político também são fatores agravantes dessa situação. São anos de luta em defesa do ensino de
arte nas escolas, de forma qualitativa, e os dados ainda nos mostram uma lacuna na parte fundamental desse proces-
so: a capacitação e qualidade do docente em sala.
As formações continuadas também foram objeto de investigação, e, de acordo com os dados, infelizmente em média
os docentes receberam, nos últimos cinco anos, capacitação de 0 a 20 horas, ou seja, menos de 4 horas por ano, ou 20
minutos formativos por mês. O que é possível aprender e possivelmente colaborar na transformação do lecionar em
sala de aula tendo 20 minutos formativos por mês e pensando num professorado que nenhuma ou pouca base possui
do conteúdo de arte, de suas linguagens, de sua história, de seus processos do fazer? Como cobrar desses docentes um
ensino qualitativo, coerente da arte se eles mesmos poucas oportunidades possuem de entrar em contato com a arte
em formações ou em outros espaços?
Quando esses docentes são questionados sobre temáticas necessárias à formação, eles respondem teatro, dança,
música, em sua maioria. Outros citam formas de trabalhar com um grupo grande de alunos ou como trabalhar com o

66
cinema ou fotografia, ou conhecer técnicas e recursos pedagógicos para lecionar arte. Muitos citaram a necessidade de
haver um currículo especificando quais as matérias a serem lecionadas em arte, acesso a materiais, livros e textos que,
como estratégias, poderiam auxiliá-los na docência.
O acesso a eventos culturais, como visita a exposições, cinemas, museus e concertos, também foi outro fator de inves-
tigação. Sabedores de que o acesso à arte, em suas mais diversas expressões, se compreende como fator fundamental
para a melhoria da curadoria e acervo pessoal, estético, poético do(a) professor(a) de arte, verifica-se que para quase
metade dos docentes de Educação Artística nos países ibero-americanos esses acessos são eventuais ou escassos, o
que é alarmante. Nesse caminho também é citado o dado que delimita a pouca realização de atividades artísticas fora
dos espaços escolares pelos docentes: 55,8% disseram não fazer nenhuma atividade artística a título de contato pes-
soal com a arte. Ou seja, professores(as) com pouca formação, que não entram em contato com a produção artística
em suas localidades (será que estas existem? E como ocorre esse contato com a arte para os educadores?), com pouco
acesso a material, e não dançam, não tocam instrumento, não pintam, não atuam, não experienciam os prazeres e sa-
beres que a arte pode oferecer.

Recursos didáticos e espaços para arte – quais temos, se temos.


Fazendo um diagnóstico sobre os espaços e recursos que viabilizariam melhor ensino-aprendizagem da arte nas
escolas, os entrevistados sinalizaram que somente 27,3% dispõem de sala de aulas apropriadas contra os 72,7% que
não possuem tal espaço. Essa dificuldade nas escolas brasileiras também pode ser verificada, e docentes de arte pas-
sam muitas vezes por situações constrangedoras e são rotulados como agentes perturbadores da ordem, pois fazem
“bagunça” nas salas e trazem o “barulho” para a escola. Qual seria a influência direta dessa falta na elaboração de
planos de ensino que pudessem ser mais diversificados? Escolas sem espaços adequados para o ensino de arte pode
ser um dos fatores que colaboram para o desenvolvimento de atividades repetitivas que demandem poucos recursos
e espaços, como o fatídico caso dos desenhos xerocados explicitados na introdução deste texto? Qual a relação direta
entre essa sinalização e a qualidade da Educação Artística lecionada nas escolas?
A ausência de materiais para o ensino de arte também é considerada como um dos fatores que dificultam o desen-
volvimento de um trabalho de maior qualidade nas escolas. Foram delimitados alguns materiais para que os(as)
professores(as) pudessem identificar sua inexistência ou se são oferecidos de forma completa. Os mais escassos são
recursos de informática e materiais para lecionar música. Dos entrevistados, 39,1% afirmaram que a escola não pos-
sui computadores, projetores e nenhum acesso à internet e 30,5% alegaram que, caso a escola tenha esses materiais,
ocorre uso ocasional destes. Já os equipamentos de audiovisual, como câmeras, gravadores de vídeo e áudio, são con-
siderados como suficientes por um percentual maior de professores. A carência de livros, materiais formativos para o
professor, vídeos, materiais de artes visuais é explicitada no estudo, e esses são fatores que interferem diretamente
na realização das aulas. Mais da metade dos docentes (69,5%) disseram não usar livros de texto nas aulas, o que pode
ter um aspecto positivo, haja vista o fato de o livro didático vir a ser o único condutor das ações, bem como um as-
pecto negativo, pois professores sem formação específica, se tivessem um livro didático de boa qualidade, poderiam
utilizá-lo como um primeiro norte a ser seguido. Alguns professores revelaram, nos questionários, que utilizam muito
material reciclado e alternativo no trabalho em sala com os alunos. Essa também é uma realidade em nossos contex-
tos de ausências de recursos e materiais de qualidade nas escolas brasileiras. Os docentes sinalizaram também o uso
de materiais xerocados e de algumas cartilhas fabricadas por eles, cartazes, enciclopédias e revistas, bem como o uso
da flauta doce (instrumento musical com menor custo) nas aulas de música. Alguns disseram que, para aquisição de
alguns materiais, eles mesmos custeiam as despesas dessa compra. Provavelmente, ao lerem este trecho, muitos de nós
vamos nos identificar com a realidade vivida: os professores que tentam estratégias diferenciadas acabam custeando
os valores dessa experimentação. É absurdo? Agora não, verdade constatada.

Educação Artística e suas atividades – o que fazemos, podemos fazer ou nos desa-
fiamos a fazer?
Inicialmente no relatório, são analisados os currículos de Educação Artística nos países participantes do estudo. São
observados para análise a organização, a integração das linguagens da arte em uma única área, a carga horária e os
objetivos e resultados de aprendizagem previstos no currículo. Os currículos são organizados geralmente pelas au-
toridades educativas regionais com auxílio dos Ministérios de Educação e Cultura. Não há uma homogeneidade nos
currículos, os enfoques são os mais variados e se diferem em cada país. Uma similitude entre os currículos seria um
discurso que pretendesse transcender o ensino de técnicas bem como o pretenso desenvolvimento da criatividade ser
responsabilidade somente da disciplina arte. São mencionados a articulação da arte com outras disciplinas e conhec-

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imentos, a interpretação crítica dos discursos contemporâneos, a relação da arte com a construção social, a vinculação
com o mundo do trabalho, o uso de tecnologias e a valorização dos aspectos históricos da arte.
Pensando no currículo traduzido para a compreensão do(a) professor(a) e deixando em memória a situação formati-
va dos docentes de Educação Artística nos países ibero-americanos, a identificação de direcionamentos diversos e os
enfoques variados e, em determinados momentos, díspares e equivocados na execução do currículo são hipóteses que
se tornam quase certezas de encontrar. Em vista disso, os pesquisadores delimitaram cinco categorias de análise que
poderiam orientar os docentes no momento de falar sobre os objetivos dos processos de ensino-aprendizagem da arte
nas escolas, a saber: aprendizagem de técnicas; desenvolvimento pessoal; desenvolvimento social, sensibilidade es-
tética; e o desenvolvimento da criatividade. O grau de importância explicitado pelos professores foi sequencialmente
em ordem:
• Desenvolvimento da criatividade
• Desenvolvimento social
• Desenvolvimento pessoal
• Sensibilidade estética
• Técnicas artísticas.
Esses dados corroboram o discurso da mudança de perspectiva dos currículos no imaginário dos docentes que não de-
stacaram tanto a importância do ensino de técnicas, e sim uma visão de arte voltada para o desenvolvimento criativo,
social, pessoal, emocional e a criação de uma consciência social e cidadã. Entretanto, o desenvolvimento criativo ainda
é considerado pelos docentes como objetivo da arte. Quase como uma simbiose, arte muitas vezes é compreendida
como criatividade e, consequentemente, missão “exclusiva” desta.
Os objetivos do ensino-aprendizagem da arte foram posteriormente sistematizados em forma de temáticas executadas
como atividades em sala de aula: apreciação estética, processos criativos, aprendizagem e prática de técnicas artísticas,
teoria e história da arte e elaboração de produções audiovisuais e multimídia.
Dessas categorias, os processos criativos obtiveram o percentual mais alto de indicação. Entretanto, o relatório traz
uma ausência e não explica o que seriam esses processos criativos, como e em que linguagem eles seriam realizados,
entre outros. Trabalhar com processos criativos, estimular a tão discutida criatividade e compreender o que esta seria e
como proporcionar disparadores e espaços para o exercício dela não seria uma tarefa simplória principalmente, tendo
em vista a escassa formação inicial e continuada que esses docentes recebem. O relatório justifica que, no imaginário
docente, trabalhar com arte seria desenvolver a criatividade, independentemente de quais caminhos e enfoques ad-
otados. Desse modo, os processos criativos podem ser hipoteticamente entendidos como algo já inerente ao trabalhar
com arte.
Em segundo e terceiros lugares, ficaram respectivamente a apreciação estética e a aprendizagem de técnicas artísticas.
Em confronto com os objetivos que sinalizam uma trajetória com vistas à superação ao ensino de técnicas nos currícu-
los, ainda são utilizadas pelos educadores essas atividades na disciplina. O fazer é visto como parte significativa no
processo de ensino-aprendizagem da arte e como forma importante para o conhecimento, desenvolvimento e criação
no contato com a arte. Todavia, a reflexão a ser deixada é: pensar no fazer não como técnica pela técnica, pois, desse
modo, tal ação pouco poderia contribuir para o desenvolvimento social, crítico, estético do aluno.
Em último lugar, ficaram as atividades relacionadas à história e teoria da arte e a elaboração de produções audio-
visuais e multimídias. A falta de recursos tecnológicos é um impeditivo para 79% dos docentes, diferentemente de
apenas 21% que afirmaram utilizar recursos tecnológicos em suas salas de aula. Quando são utilizados, os(as) pro-
fessores(as) o fazem para reproduzir músicas, ou mostrar imagens, ou ainda para fazer buscas de informações, e rara-
mente com a intenção de trabalhar a criação utilizando tecnologias. Nesse sentido, o relatório indica o pouco trabalho
executado com relação ao audiovisual nas escolas. Mesmo os professores sinalizando que as escolas possuem câmeras
e gravadores, tais recursos (mesmo que simplórios) são poucos utilizados, proporcionando assim uma vaga experimen-
tação com o audiovisual no que tange a sua produção e apreciação. Revisitando a LDB, pude constatar a alteração do
art. 26 em seu § 8.º, que determina: A exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular com-
plementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas
mensais.” (NR) (LDB, 2014)
Esse adendo foi inserido desde 2014 e pode também ser considerado um avanço para o audiovisual brasileiro em
aspectos relativos tanto à produção quanto à exibição desses trabalhos. A escola como local formativo pode ser um
espaço de descolonização cinematográfica, desconstruindo o statu quo de o cinema bom ser somente o norte-ameri-
cano e erigindo um novo olhar para as produções brasileiras. Assim sendo, essa determinação pode também estimular
produções audiovisuais feitas nas escolas por alunos de diversas idades, mesmo com poucos recursos.

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A Educação Artística também é vista de forma integrada, quando são ofertadas somente por um professor todas as
linguagens da arte; entretanto, as mais executadas seriam as artes visuais e a música. Os dados quantificam que 58,6%
dos entrevistados declararam que, em suas aulas, trabalham somente com uma das linguagens da arte, diferentemente
dos 41,4% que disseram trabalhar com todas as linguagens de forma integrada. O relatório coloca o avanço do Brasil
em advogar pela inserção de docentes de música nas escolas que, infelizmente, ainda se encontra em estado de nor-
mativa.
Colocamos nesse trecho os indicadores levantados sobre as parcerias entre escolas, espaços de arte e artistas que
foram delimitados na pesquisa. Compreendendo que o acesso a espaços culturais e artísticos seria também uma ação
no ensino-aprendizagem da arte, os pesquisadores levantaram dados que indicam o pouco diálogo entre escola, ar-
tistas e espaços culturais. Um quantitativo de 60,2% dos(as) professores(as) afirmou que, no último ano, os alunos não
participaram de nenhuma ação artística cultural externa e, quando participam, são visitas a museus e teatros, em sua
maioria. Também foram questionados sobre projetos de parceria entre escola e aristas, e 63,3% disseram não haver tais
parcerias. Para 62,8%, nos últimos dois anos não foram feitas atividades artísticas comunitárias com a participação de
pais e comunidade, e os que responderam de forma positiva disseram tratar-se de atividades artísticas com a comuni-
dade, festas comemorativas em datas específicas, como o Natal.

Avaliação em Educação Artística


Os currículos da maioria países citam a avaliação na disciplina Educação Artística no processo de ensino-aprendiza-
gem. Contudo, são poucos os países que utilizam instrumentos avaliativos nacionais que comtemplem os conhecimen-
tos da arte. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) no Brasil e as respectivas avaliações, como a Prova Bra-
sil, avaliam conhecimentos de Língua Portuguesa e Matemática somente. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
contempla a arte dentro da área de Linguagens e Códigos, mas isso não seria uma garantia de um processo avaliativo
que pudesse dar conta de contemplar as aprendizagens teóricas e práticas adquiridas no contato com a arte, muito
menos o desenvolvimento humano, crítico, estético e social que esta pode proporcionar.
A responsabilidade de avaliar em arte fica a critério do professor, e, na maioria das localidades investigadas, os alunos
são submetidos a algum tipo de avaliação, conforme afirmaram 72,9% dos docentes. Os instrumentos utilizados para a
avaliação seriam provas escritas (51,6% aplicam provas) e atividades práticas (67,9% fazem avaliação prática).
A avaliação é uma temática sempre debatida quando citada no ensino de arte, pois avaliar processos criativos, desen-
volvimento social, sensibilidade estética, criatividade não é um aspecto simples. Como mensurar quanto de sociabili-
dade adquiriu um aluno? Como pontuar a ampliação da criatividade? E a sensibilidade estética pode ser quantificada
somente em notas, letras? Eis as indagações difíceis de responder.
Inserir a arte também em sistemas nacionais de avaliação como mais um conteúdo a ser cobrado é questionável. Seria
esse um caminho para a validação da arte como conhecimento legítimo? Se forem avaliados, em larga escala, os con-
hecimentos da arte, qual seria a tendência destas questões, teoria e história da Arte? Isso não poderia afetar o modus
operandi em sala de aula? E, pensando no aspecto da progressão automática ou a reprovação em arte, temos nesse as-
pecto outros desafios: A não reprovação em Educação Artística conduziria os docentes no caminho que determina que,
na arte, pode tudo porque não reprova? E será o poder coercitivo da reprovação uma escolha assertiva? Todas essas
indagações nos conduzem à necessidade de leituras, pesquisas, debates ante a avaliação em arte, espaço que demanda
um olhar especial.

Percepções sobre a Educação Artística


Finalizando o relatório diagnóstico, os investigadores se propuseram a identificar quais seriam as contribuições que a
Educação Artística poderia ofertar ao desenvolvimento do aluno. As categorias selecionadas foram as seguintes: partic-
ipação das famílias e comunidade; aumento do nível cultural; desenvolvimento social; promover o bem-estar emocio-
nal; e melhoria no nível acadêmico do aluno. O relatório não explica como se chegou a essas categorias para identifi-
car quais seriam as contribuições da arte. Poderiam ser citadas outras tantas contribuições que o ensino-aprendizagem
da arte poderia oportunizar.
Para os(as) professores(as), como categoria de maior concordância seria o aumento do nível cultural. Se, ao longo do
relatório, vimos os mesmos docentes questionarem o pouco contato deles e dos alunos com os meios culturais, as pou-
cas parcerias com instituições artísticas ou com artistas, a falta de alguns materiais, como textos e referências sobre
arte, bem como a pouca realização de atividades ligadas à teoria e história da arte e produção, pensar quais seriam as
percepções dos docentes sobre o que seria esse nível cultural e como ele é desenvolvido ante tantas dificuldades seria
um dado importante e ilustrativo. Certamente tocar em aspectos específicos dentro de um trabalho de diagnose tão
extenso não é simples, mas fica a indagação sobre tal aspecto.

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Nas outras observações, temos o desenvolvimento social, o bem-estar emocional e o aumento do nível acadêmico
como pontos medianos. A exposição final seria a participação da família e da comunidade por meio da arte que, na
opinião dos(as) professores(as), contribui de forma menor.

Deixando pensamentos
O relatório conclui seu diagnóstico delimitando algumas questões necessárias para pensar uma maneira de exequib-
ilidade do ensino-aprendizagem da arte de forma qualitativa que contribua para a formação pessoal, emocional cog-
nitiva e social dos alunos. Inicialmente é determinada a importância do professor nesse processo e a necessidade
da formação inicial e continuada ser assegurada e ter uma carga horária mínima anual com programas de formação
adequados que proporcionem ferramentas para melhor executar as ações educativas em arte. Também se observa a
necessidade desses docentes em adquirir conhecimentos sobre todas as linguagens da arte, para que eles trabalhem
de forma integrada com as linguagens ou, como lutam os arte-educadores no Brasil, a inserção de docentes de lingua-
gens artísticas distintas nas escolas desde os anos iniciais.
Estabelecer formas de acesso e parcerias com instituições culturais e artísticas é outro fator a ser fomentado para o
melhor desempenho de professores e aquisição cultural dos alunos. A atroz distância entre as instituições promoto-
ras de cultura e arte das escolas limita esse acesso. São poucos os museus, galerias, salas de concerto ou companhias
teatrais que se disponibilizam a ir à escola. Não seria levar uma exposição inteira para a escola, mas, quem sabe, ini-
ciar um processo formativo que estimule o aluno e o(a) professor(a) a ir ao encontro desses lugares, abrir um diálogo
convidativo.
As universidades também poderiam contribuir de forma mais significativa se elas se aproximassem e ofertassem ca-
pacitações aos docentes em exercício. Os programas de pós-graduação e seus pesquisadores poderiam estreitar mais
os laços com a escola e com o poder público a fim de diagnosticar a demanda formativa vigente e firmar acordos de
parceria.
A demanda de pensar o ensino da arte pelos governos e promover processos de melhoria no ensino-aprendizagem
dessa disciplina também é citada no documento. Os fatores implicantes para a melhoria qualitativa do ensino-apren-
dizagem da arte, tais como material apropriado, salas, capacitação docente e estruturação curricular, são medidas que
necessitam de verbas a serem disponibilizadas pelas instituições governamentais.
Os desafios e dificuldades encontrados pela disciplina Arte, tanto expressos neste relatório quanto vivenciados por
nós, arte-educadores, no cotidiano das escolas, são fatores que demonstram uma percepção equivocada da arte. A
pouca compreensão sobre as contribuições que a arte pode trazer, a desvalorização dos saberes da arte em detrimento
aos saberes matemáticos ou linguísticos, a falta de perspectiva e de pensamento visionário sobre a arte, a colocação
da arte em um lugar de supérfluo, luxo, ou necessidade desnecessária ante as demandas formativas mercadológicas,
fazem com que a escola se torne um reflexo dessas deturpações.
Em face disso, verificamos que a militância por um ensino de arte qualitativo que realmente traga as contribuições so-
ciais, críticas, estéticas permanece sendo um tema contemporâneo e necessário de ser refletido. Nós, arte-educadores,
sabemos da importância da arte para o desenvolvimento do ser humano e das contribuições que a arte nos traz e nos
transforma, mesmo em meio a bandeirinhas, papais-noéis ou coelhinhos.

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Referências
AGUERRIDA, I.; JIMÉNEZ, L; PIMENTEL, Lucia. Educación artística, cultura y ciudadanía. Espanha: OEI Fundación Santil-
lana, 2009.
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2003.
BRASIL. Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional. Lei 9.394. de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acessado em 08 de maio de 2015.

CHIRSTOV, Luiza H. da S.; MATTOS, Simone A. Ribeiro. Arte educação: experiências, questões e possibilidades. São Pau-
lo: Expressão e Arte, 2006.
GIRÁLDEZ, Andrea; PALACIOS, Andrés. Educación Artpistica em Iberoamérica: Educación Primaria. Espanha: OEI, 2014.
MARTINS, Miriam Celeste. Didática do Ensino de Arte. São Paulo: FTD, 1998.
OEI, Organização dos Estados Ibero-americanos. 2011: Miradas sobre la educación en Iberoamérica . Madrid: OEI, 2011.
OEI.________. Metas Educativas 2021: La educación que queremos para la generación de los bicentenarios. Madrid: OEI,
2011.

Luciana Lima Batista


Mestre em Educação – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Especialista em Ensino de Arte – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Licenciatura em Desenho e Plástica – Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG
Professora de Arte – Instituto Federal de São Paulo IFSP, campus Capivari.

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AÇÃO EDUCATIVA EM ESPAÇOS EXPOSITIVOS:
GALERIA HOMERO MASSENA
Stela Maris Sanmartin [orientadora] UFES
Josy Pereira Silva [aluna] UFES

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo levantar o histórico da ação educativa nos espaços expositivos brasileiros
e especificamente pesquisar o projeto pedagógico realizado na Galeria Homero Massena (GHM) por meio do
encontro com os artistas, das mediações realizadas nas exposições que ocorreram no período de julho de
2013 a maio de 2015, do relato dos educadores, funcionários e ex-funcionários da galeria, construindo uma
reflexão sobre o espaço educativo da galeria.
Palavras-chave: Artes Visuais; Espaços Expositivos; Setor Educativo; Mediação; Galeria Homero Massena.

ABSTRACT
This work has as goal to raise the history of educational activities in brazilian exhibition spaces and specifi-
cally research the education program conducted in Galeria Homero Massena (GHM) through encounter with
the artists, the mediations performed in the exhibitions that took place from July 2013 to May 2015, with
reporting by teachers, employees and former employees of the gallery, building a reflection on the educa-
tional environment of the gallery.
Key words: Visual Arts; Expository spaces; Education sector; mediation; Galeria Homero Massena.

Introdução
Este trabalho originará uma monografia para a graduação do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES), orientada pela Profª Drª Stela Maris Sanmartin com defesa prevista para o segundo
semestre do ano de 2015.
O interesse pelo objeto desta monografia foi despertado no momento em que a aluna integrou como estagiária a
equipe do setor educativo da Galeria Homero Massena (GHM) no ano de 2013. Na GHM interessou-se pelos processos
de mediação e pode participar da elaboração do projeto pedagógico das ações educativas, as quais serão detalhadas
posteriormente. Nesta experiência começa a compreender como visitas a espaços expositivos são percebidas pelos
visitantes e como as mesmas podem ser enriquecidas com a intervenção dos mediadores.
O trabalho pretende discutir a ação educativa nos espaços não formais, embasada nas pesquisas realizadas sobre o
assunto e nas experiências de mediação realizadas.
Especificamente serão analisados os encontros realizados com os artistas que expuseram na GHM, no período ante-
riormente mencionado, com a finalidade de conhecer o processo criativo que direciona a construção das poéticas. Em
outra perspectiva, a partir desta ação também se pretende conhecer os princípios adotados na elaboração do projeto
pedagógico para a ação educativa das exposições realizadas, incluindo a formação de professores. A análise sobre a
ação educativa da GHM pontuará as questões advindas do processo de mediação adotado, bem como as adequações
necessárias.
Consideramos arte uma linguagem inclusiva que proporciona ao público um novo olhar para o mundo, por meio das
formas e temas propostos pelos artistas em virtude da abertura que a linguagem poética propicia. Acreditamos que,
para haver processos de aprendizagem em ambientes não escolares como museus, galerias e espaços culturais, o local
deve adotar como diretriz a liberdade, de maneira que o visitante tenha a oportunidade de pensar e criar sua própria
lógica de questionamentos quanto às formas artísticas. O público na exposição lê as obras com base em suas ex-
periências de vida e, a partir de suas perguntas e/ou interpretações sobre o trabalho, o mediador pode guiar-se para

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agregar novos elementos. Assim é estabelecido o processo de troca, de aproximação do mediador com o visitante de
forma a compreender suas observações para propiciar novas informações e inquietações referentes à obra.
Muito se tem discutido sobre mediação e os projetos educativos dos espaços expositivos como galerias e museus. A
Galeria Homero Massena é um espaço remodelado e adequado para cada necessidade advinda do campo político/
cultural do Estado, carregando as marcas de diversas gestões administrativas, mas com um público sempre presente.
Assim, este trabalho se constituirá a partir das diferentes abordagens de ação educativa dos espaços expositivos bra-
sileiros, bem como o desenvolvimento destas instituições e os materiais de apoio utilizados. Apresentará a GHM e sua
concepção e modelo pedagógico construído ao longo dos anos, com recorte no novo modelo pedagógico de mediação
dos últimos três anos realizado. Ainda serão levantados dados primários nos relatórios e questionários feitos com os
visitantes, funcionários ativos e ex-funcionários. Por fim, colocaremos nossas reflexões sobre o objeto pesquisado e a
sobre a experiência vivida na galeria. Este artigo apresenta a Galeria Homero Massena, as exposições de 2013 a 2015
e as mediações realizadas.

Galeria Homero Massena


A Galeria Homero Massena foi inaugurada em 31 de março de 1977, no Centro Histórico de Vitória, Edifício das
Fundações Cidade Alta, na Rua Pedro Palácios, 99. Administrada pelo governo do Estado do Espírito Santo, nos pri-
meiros anos de sua existência era conhecida como Centro Cultural Homero Massena, administrada inicialmente pela
Fundação Cultural do Espírito Santo e depois pela Divisão de Artes Plásticas Estadual de Cultura (DEC). Atualmente é
gerida pela Secretaria do Estado da Cultura (SECULT) e constitui-se como um dos primeiros espaços criados para expor
os trabalhos artísticos locais.
Apesar de chamar-se galeria, possui acervo constituído antes de sua fundação em 1973. A primeira obra do atual
acervo foi uma gravura em metal, sem título, do artista gravador Evandro Carlos Jardim. A obra foi doada a partir da
exposição individual realizada pela Fundação Cultural do Espírito Santo, no Theatro Carlos Gomes, onde existia uma
sala expositiva que já levava o nome de Homero Massena. Depois desse evento, a cada exposição realizada, o acervo
recebia por doação uma obra do artista expositor. As obras do acervo estão hoje distribuídas em alguns departamen-
tos do governo como Museu de Arte do Espírito Santo – Dionísio del Santo (MAES), Palácio Anchieta, Departamento de
Imprensa Oficial (DIO) e Arquivo Público do Estado. A galeria possui um dos maiores e mais diversificados acervos do
estado, mas, desde o ano de 2013, não recebe novas obras, devido à falta de espaço em sua reserva técnica.
Fundada como um ponto permanente de fomento cultural e sendo um dos primeiros locais abertos às propostas de
arte contemporânea no estado, a Galeria Homero Massena teve um impacto nas produções artísticas locais, promoven-
do exposições, mostras, intercâmbios, oficinas e várias outras formas de integrar os artistas locais, nacionais e interna-
cionais, bem como o público em geral, que pode experimentar as várias faces da arte.
A GHM, como um dos primeiros agentes de difusão cultural do estado, promove e dá visibilidade as exposições, inte-
grando a comunidade às expressões artísticas culturais, por meio do contato direto com as obras e artistas, e ao afir-
mar o espectador como um integrante na mudança do espaço.
O pioneirismo deste espaço expositivo criado no estado do Espírito Santo se configura no cenário cultural capixaba ao
propor uma relação mais próxima entre os artistas e as pessoas que frequentam a galeria, tanto para apreciar, como
para conhecer arte.
As escolas sempre compareceram a Galeria Homero Massena, assim ela é vista pelos professores como um local de
fomento cultural e de formação para discentes e docentes.
A atual coordenadora de artes visuais do espaço, Franquilandia Raft, formou-se em Artes Plásticas na UFES e, desde
o início de sua gestão no espaço, inseriu um trabalho pedagógico com os estagiários/mediadores para capacitá-los
a construir propostas a serem realizadas aos visitantes a cada exposição. O estudo é feito de maneira contínua, para
atender a um público diversificado e cativo que possui questionamentos e indagações sobre arte e o que ela representa.
Sendo um dos primeiros espaços expositivos em Vitória/Espírito Santo, a GHM recebe frequentemente, alunos do ciclo
básico ao universitário, buscando adaptar-se a visão de cada momento, sendo assim tem variado as estratégias de re-
cepção ao longo destes trinta e oito anos com algumas mudanças e adequações para dar suporte ao público.

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Exposições realizadas no período de 2013 a 2015: experiência do educativo
Como dissemos, as exposições realizadas na Galeria Homero Massena serão um dos tópicos da pesquisa, e as ex-
posições realizadas no período de julho de 2013 a maio de 2015, compõem um total de nove exposições, realizadas
por artistas do estado que possuem poéticas diferenciadas. Das exposições observaremos as obras, nas conversas com
os artistas, os processos criadores, para compreender como se dá a composição das ações educativas e os conteúdos
que os educadores querem que chegue ao público.
Serão discutidas três formas de ocupação da galeria, o Edital 2013 que garantia ao artista o espaço da galeria, a fol-
hetaria e o pessoal para ajudar na montagem e recepção dos visitantes, mas sem ajuda de custo; o Edital 2014 em
que a galeria só forneceu pessoal para ajudar na montagem e recepção dos visitantes, ajuda de custo, mas todo o resto
correu por conta do artista; e, por fim, as exposições do acervo e do educativo elaboradas pelos funcionários da galeria
junto com convidados.
Para desenvolver as relações entre os projetos pedagógicos das exposições na GHM, apresentaremos brevemente a
obra, a proposta revelada na conversa com o artista e o projeto educativo desenvolvido em cada exposição.
A exposição Ausência e Presença foi realizada entre 22 de maio e 20 de julho de 2013. O artista André Arçari, capixa-
ba nascido em Linhares em 1990, ainda estudante da UFES no período em que foi realizada a proposta, é pesquisador
de arte contemporânea nas mais diversas áreas. O projeto poético de André Arçari é uma instalação que se baseia em
frames de vídeos fotografados durante sua execução na televisão – congelando novamente as cenas ou os fragmen-
tos –, registros efêmeros de ângulos e observações imagéticas, numa construção de novas formas fotográficas, com
projeção de imagens ao fundo e um áudio. Durante a execução do projeto foram realizadas reuniões entre o artista, a
coordenadora do espaço Franquilandia Raft, Rafael Dias e Ludmila Cayres, do Grupo REDE1, Mariana Gomes e Mariana
Etiely, estagiárias da galeria.
Os encontros com o artista são preciosos para a elaboração da mediação, pois é neste momento que os mediadores
têm a oportunidade de entender o processo criativo do artista, suas referências, sua forma de produzir o objeto de arte
e o que ele pretende com relação ao público. A proposta de mediação coletiva foi relacionar emoções como amor, tris-
teza e dor, a partir das imagens expostas e do áudio executado, e assim criar um diálogo com os visitantes.

Figura 1: Acervo fotográfico GHM, reunião com os mediadores para exposição Ausência e Presença

A exposição intitulada Naquela mesa foi realizada por Thiago Arruda² entre sete de agosto e cinco de outubro de
2013. O trabalho foi realizado em ocogravura/oco relevo3, e retrata ícones vivos da Rua 7, local boêmio do centro da
cidade de Vitória. Este local traz muitas recordações ao artista, pois ali ele viveu sua infância, portanto lhe evoca sen-
timentos de nostalgia. Coincidentemente, a abertura da exposição deu-se na semana do dia dos pais e fazia um ano
em que Glauco Arruda, pai do artista, havia falecido. As pessoas representadas nas gravuras são os velhos boêmios do
samba, amigos de Glauco Arruda. Fez parte permanente da exposição um áudio produzido pelo artista em conversas
com os velhos amigos de seu pai e suas histórias, justaposto com sambas clássicos, incluindo a música que deu nome
a exposição, composta por Sergio Bitencourt e interpretada por Nelson Gonçalves, além de vários sambas antigos que
davam um ar boêmio a exposição.
As reuniões que ocorreram durante o processo de construção da exposição Naquela Mesa, junto ao artista e ao grupo
de elaboração pedagógica Franquilandia Raft, Rafael Dias e Ludmila Cayres, Grupo REDE, Mariana Etiely e Josy Silva,
possibilitaram uma interação tanto com o trabalho do artista, quanto com as obras e fatos históricos da cidade e da

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Rua 7. Assim foi possível conhecer a intenção do artista em expressar a delicadeza da gravura e, com estes elemen-
tos, a proposta de ações para a mediação com visitantes foi elaborada. Como esta exposição se tratava de um resgate
histórico do centro da cidade através das gravuras e da memória sobre a obra, criamos duas formas de trabalho para a
mesma, mas que em muito dependia dos grupos ou público da galeria. A primeira proposta foi de frottage4, uma for-
ma básica de apresentar a gravura, e a segunda um passeio pela Rua 7 no Centro Histórico de Vitória onde moram os
personagens da exposição.

Figura 2: Acervo fotográfico GHM, Oficina grupo Mão na Roda. Exposição Naquela Mesa.

A terceira exposição foi Chronologia Kairológica, realizada entre 22 de outubro e 21 de dezembro de 2013, proposta
de Fabiana Pedroni5. Propôs pensar o tempo e suas variadas formas, o tempo como foi visto e medido ao longo da
história, por meio de uma instalação montada com várias placas de vidro deixadas no tempo para agregar poeira e
umidade, criando uma película do tempo, e uma iluminação mínima concedida pelas velas que a compõem, velas que
trazem uma ideia de tempo.
As reuniões com a artista foram em menor número, porém mais longas para aproveitar o tempo com ela. A problema-
tização sobre a exposição aconteceu sobre a experiência do tempo. Uma proposta poética densa, que permeia não só
a história da arte, como os princípios de física e química quanto a definição do tempo, além do psicológico, a sensação
pessoal sobre a passagem do tempo. Uma ideia simples para perceber a subjetividade da percepção do tempo foi
proposta pela própria artista: o grupo deveria contar, em silêncio, até as trinta e quando chegasse no número trinta,
falar em voz alta. Com essa simples ação de contagem, os visitantes poderiam constatar que cada um tem seu ritmo
próprio para contar o tempo.

Figura 3: Acervo fotográfico GHM, Grupo da terceira idade. Exposição Chronologia Kairológica.

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Ação Educativa da Galeria Homero Massena: abrindo diálogos e construindo significados, realizada no período de 28
de dezembro a 27 de fevereiro de 2014, foi organizada pela Franquilandia Raft, Ludmila Cayres, Rafael Dias e Vanessa
Aparecida de Oliveira, através de um recorte das ações educativas realizadas na galeria.
O recorte foi feito a partir do Edital 2012 e 2013 utilizando o material reunido durante os encontros e oficinas real-
izadas na GHM, de modo a mostrar como é empreendida a ação educativa na galeria e também difundir o trabalho
educativo, estreitando as relações entre a galeria, mediadores, artistas e o público abrindo oportunidade para que pro-
fessores que frequentam o espaço tenham novas ideias sobre os desdobramentos das exposições e temas abordados
pelos artistas.

Figura 4: Acervo da GHM, Exposição Ação Educativa GHM.

Papel do Acervo, realizada entre 31 de março e 14 de julho de 2014, foi uma proposta feita para ter sua abertura no
aniversário de trinta e sete anos da Galeria Homero Massena. As obras foram escolhidas por Franquilandia Raft, Paula
Nunes, museóloga da SECULT, e José Augusto Loureiro, técnico cultural/artista plástico. Assim foram selecionadas vinte
obras, todas sobre papel, o que dá um duplo sentido ao título: ao mesmo tempo em que faz menção ao suporte, ques-
tiona sobre a importância do acervo.
As reuniões foram sempre ricas de personagens e história, uma vez que o funcionário José Augusto está na Galeria Home-
ro Massena desde sua fundação e sabe detalhes sobre cada montagem de exposição, bem como conhece cada artista
que expôs na/frequentou a galeria, além de ter conhecimento sobre as técnicas. Viveu-se uma verdadeira maratona de
conhecimento sobre gravura, serigrafia, arte postal, pintura, desenho a lápis de cor, giz de cera, grafite. A cada reunião José
Augusto e Mariangela Ruiz, também antiga funcionária da galeria, traziam lembranças sobre o passado da GHM.
Assim Rafael Dias, Ludmila, Josy Silva e Wilde Del’ Piero, Amanda Lima estagiários que começaram nesta exposição, es-
tudaram um material diversificado e amplo, o que os proporcionou uma ampliação teórica referente à história da arte.
A ação educativa foi proposta na duplicidade do nome assim colocando o espectador a refletir sobre a necessidade de
um acervo e o patrimônio em geral, e sobre seus acervos pessoais, digitais ou materiais. Junto a esta proposta muitas
outras foram realizadas, por se tratar de uma exposição grande com vinte artistas, matérias e técnicas diferentes. Assim
as mediações foram elaboradas para dar suporte às inquietações sentidas durante a visita ao local.
Por ser uma exposição de contexto histórico, foram proposta rodas de conversa com artistas e professores, para levan-
tar estes questionamentos, criando um diálogo maior com os visitantes.

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Figura 5: Acervo fotográfico GHM, roda de conversa Profª Drª Almerinda Lopes .Exposição Papel do Acervo.

Elementares, exposição realizada entre 30 de julho e 20 de setembro de 2014, foi a primeira exposição individual da
artista Ana de Sena, graduanda em Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo, UFES.
A proposta da artista foi desenvolver o desenho utilizando lápis grafite direto nas paredes da galeria, obra efêmera,
cobrindo-a com imagens abstratas. Realizou ação contínua do dia 8 de julho até o dia 27 de setembro de 2014, quando
terminou seu período de ocupação. As formas abstratas tiveram como base os textos de Carl Jung sobre o inconsciente
coletivo.
Como a artista permaneceu no espaço da GHM durante todo o período da exposição, o contato com o público foi con-
stante, assim as conversas eram um diálogo contínuo, e o grupo André Arçari, Carlos Borges, Rodrigo Hipólito, Gabriel
Borem, Rafael Dias, Ludmila, Wilde Del’ Piero, Franquilandia e Josy Silva, sempre estavam em contato com a artista e
com sua produção no espaço. A ideia de usar um material simples, fez do barbante o material adotado, para a experiên-
cia de mediação para trabalhar com o desenho.

Figura 6: Acervo fotográfico GHM, oficina de desenho com o Grupo Mão na Roda. Exposição Elementares.

Corpora, realizada entre 14 de outubro e 13 de dezembro de 2014 por Mariana Reis6, trouxe a proposta da construção
de um ser imaginário. A artista tem com suporte poético a gravura, na qual cria novas formas unindo diversos animais
e assim cria novas criaturas. A artista cita como referência o livro O livro dos seres imaginários de Jorge Luiz Borges.
A artista propôs para a GHM uma instalação com gravuras parecidas com as de enciclopédias, esculturas e um vídeo,
todas retratando este mesmo ser imaginário, para trabalhar a interpretação do público sobre o ser ali representado. Com
esta proposta de mediação, pretendíamos aguçar a memória sobre outros seres que os visitantes já viram ou leram.

Figura 7: Acervo fotográfico GHM, visita dos aluno do Ensino Médio. Exposição Corpora.

Teatro Estúdio foi a instalação que permaneceu no período de seis de janeiro a sete de março de 2015. Herbert Baioco,
graduado em Música pela UFES, realiza a instalação com materiais retirados do antigo teatro de mesmo nome, hoje
desativado, que funcionou no décimo andar do edifício da Galeria Homero Massena. Portanto, a partir deste resgate

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histórico do teatro criou sua obra.
A proposição do artista foi criar um palco aberto, no qual os grupos de visitantes pudessem fazer suas apresentações
pessoais, sendo eles os próprios atores da obra. Desta forma as performances poderiam ser agendadas ou acontecerem
de maneira espontânea, durante toda a ocupação.

Figura 8: Acervo fotográfico GHM. Leitura da Peça teatral O terceiro Reich. Exposição Teatro Estúdio.

Esta Aporia: uma liturgia do desejo, 24 de março a 23 de maio de 2015, de Nicolas Soares7, traz uma instalação fo-
tográfica que remete ao cenário religioso e evoca questionamentos sobre o ser frágil em meio à natureza, além pro-
porcionar ressignificações do desejo.
O trabalho de mediação já de início contou com a barreira da delimitação de faixa etária, por trazer fotografias de nus,
assim a mediação foi elaborada para trabalhar a relação de paradoxo, por meio das fotografias expostas e as inqui-
etações advindas da obra.

Figura 9: Acervo fotográfico da GHM, visita do Instituto Braille. Exposição Esta Aporia.

Algumas considerações
Neste processo de criação e realização das diferentes ações de mediação é possível observar como o contato com as
obras e com os artistas ampliam o repertório e modificam as intervenções.
Cada proposta traz em si riquezas de aprendizado e amplia a participação do público, cabendo a ele decidir sobre o
que gostaria de descobrir.
Aprender arte deixa marcas significativas e no momento em que se faz parte da construção do que se quer aprender, o
diálogo cresce e torna-se mais fácil refletir, muito mais agradável viver as experiências estéticas (ARSLAN; IAVELBERG,
2006).

78
Notas

1. REDE: Relações, Experimentações e Diálogos sobre Educação.


2. Thiago Arruda: artista capixaba nascido em Vitória em 1982, criado no centro histórico da cidade, graduado em Artes Plásticas pela UFES. Atuou como pro-
fessor no programa de aprimoramento discente na UFES, na disciplina de gravura. Expôs trabalhos no MAES.
3. Ocogravura/oco relevo, gravura em cilindro de cobre, por meio de gravação em material oco de uma prova fotográfica. No entanto o material utilizado foram
chapas de plástico.
4. Frottage, é um método surrealista de produção, baseia-se em friccionar um giz outro material a uma superfície texturizada, obtendo assim uma imagem.
5. Fabiana Pedroni: artista nascida em 1986 em Vila Velha, graduada em Artes Plásticas pela UFES, e, na época, cursando mestrado na Universidade de São
Paulo (USP).
6. Mariana Reis, mestranda em arte pela UFES. Expôs trabalhos no MAES.
7. Nicolas Soares, nascido em Cachoeiro de Itapemirim e mestrando em Artes na Universidade Federal do Espírito Santo, UFES

Referências:
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Moderna, 2003.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. 47º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
Galeria Homero Massena Trinta Anos (Vitória, ES), Galeria Homero Massena – Vitória: catálogo. Departamento Oficial de
Imprensa do Espírito Santo, 2007.
ARSLAN, Luciana Mourão / IAVELBERG, Rosa. Ensino de arte. Coleção Ideias em Ação. São Paulo: Cengage
Learning, 2006.
IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e Formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.
GRINSPUM, Denise. Mediação em museus e em exposições: espaços de aprendizagem sobre arte e seu sistema. Revista
GEARTE: Agosto 2014.

Stela Maris Sanmartin


stelasanmartin@yahoo.com.br

Graduada em Artes Plásticas na FAAP (1989), máster em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compos-
tela (1999), mestre em Artes pela Unicamp (2004) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2013).
Trabalhou na Secretaria do Estado do Menor e da Cultura de São Paulo. Docente na graduação e pós-graduação na
FAAP(1994 a 2014). Autora dos livros Criatividade e Inovação na empresa: do potencial à ação criadora 2012 e Criativi-
dade nos processos de coaching 2013. Atualmente docente do Centro de Educação da UFES.

Josy Pereira Silva


Josy.ps@gmail.com

Graduanda em Artes Visuais pela UFES, mediadora na Galeria Homero Massena.

79
BISPO: ENTRE A ARTE BRUTA E A CONTEMPORÂNEA
OLIVEIRA, Juliana (UFES)
MAGRO, Adriana (UFES)

RESUMO:
O interesse desta pesquisa nasce de uma experiência, no ano de 2014, com pessoas acometidas por sofri-
mento mental, no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS – Cidade), pertencente ao Sistema único de Saúde
a saúde (SUS), localizado na cidade de Cariacica no Estado do Espírito Santo, que resultou no contato com a
produção artística de pessoas com sofrimento psíquico, onde a partir deste momento foi possível perceber
como a arte na saúde mental pode contribuir de forma positiva, simples e criativa para a resolução de con-
flitos internos, pois a arte pode ser entendida como um catalisador que favorece esse processo de transfor-
mação, não de cura, mas de resignificação pessoal para cada um dos envolvidos. O trabalho pretende refletir
sobre o conceito de Arte Bruta, analisando as implicações deste conceito na obra de Arthur Bispo do Rosário,
além de aprofundar algumas questões que dizem respeito como a arte contemporânea .
Palavras-chave: Arte; saúde; Artur Bispo do Rosário.

ABSTRACT:
The interest of this research stems from an experiment in 2014, with people suffering from mental distress,
Center for Psychosocial Care (CAPS - City) belonging to the unique health Health System (SUS), located in
the Cariacica State of the Holy Spirit, which resulted in contact with the artistic production of people with
psychological distress, which from this moment was possible to see how the art in mental health can con-
tribute positively, simple and creative way to solve internal conflicts because art can be seen as a catalyst
that promotes this process of transformation, not cure, but personal reframing for each involved.The work
aims to reflect on the concept of Art Brut, analyzing the implications of this concept in the work of Arthur
Bispo do Rosário, besides deepening of some issues that relate to contemporary art.
Key words: Art; health; Arthur Bispo do Rosário.

1 Introdução
Para desenvolver esta pesquisa o estudo teve com foco os trabalhos Manto da Apresentação e Cama de Romeu e Julieta
de Arthur Bispo do Rosário, nascido em Japaratuba no Sergipe em 1909, conhecido por construir sua narrativa visual
através de visões e sonhos, usava delírios para criar e organizar os desejos Divinos. Portador de sofrimento mental, cri-
ativo e inquieto, suas obras são geradas a partir do encontro da realidade e o delírio místico, considerado como louco
e, futuramente seria celebrado como artista em exposições internacionais.
Esta pesquisa, preve discutir o conceito de Arte Bruta e discute como esse conceito se relaciona ao trabalho de Bispo,
entretanto, participa também do debate, o conceito de Arte contemporânea, no que tange à complexidade da obra de
Arthur Bispo do Rosário.
Nosso entendimento é o de que Bispo atravessa o conceito de Arte Bruta e habita a Arte Contemporânea.
Para tal, trouxemos para o debate, Dantas (2009), Hidalgo (2011) e Jardim (2003). Os autores supra citados colaboram
tanto do debate histórico quanto no debate sobre os conceitos de arte aqui discutidos.

80
2 Desenvolvimento
Arthur Bispo do Rosário articula as informações produzidas no espaço no qual se insere e em sua produção faz uso da
linguagem visual, não se considerava um artista plástico e nunca pensou que um dia pudesse chegar a ser, entretanto,
acreditava estar em uma missão divina. Porém, suas obras concederam um espaço de reflexão sobre o valor artístico
intrínseco de sua produção por meio de poesias visuais e instalações, desse processo artístico nasce o entrelaçamento
das áreas trabalhadas em suas obras que será articulada a arte, a vida cotidiana, tendo sempre a característica marcan-
te do uso da linguagem visual aliada a verbal não esquecendo que como pano de fundo nestes trabalhos o hospital
psiquiátrico será um elemento importante onde Bispo do Rosário encontrá diferentes materiais para seu trabalho.
A comoção em torno da vida deste artista negro, pobre, sergipano e esquizofrênico que ainda bem jovem, partiu de sua
cidade natal, Japaratuba, no estado de Sergipe, onde nascera na primeira semana de julho de 1909 e para onde jamais
retornou para ingressar, é intrigante. Bispo um ex-marinheiro, boxeador, entre 1933 e 1937 trabalhou no Departamento
de Tração de Bondes, na cidade do Rio de Janeiro e trabalhou como empregado doméstico para a conceituada família
Leone, no bairro carioca do Botafogo.
Às vésperas do Natal de 1938 durante um surto psicótico, Arthur Bispo do Rosário é guiado por imagens e vozes e em
uma peregrinação mística, se apresentou no Mosteiro de São Bento como um enviado de Deus com a missão de julgar
os vivos e os mortos e recriar o mundo para o Dia do Juízo Final. Foi então levado pela Polícia Civil para o manicômio
da Praia Vermelha, no Hospital Nacional dos Alienados, onde foi recebido como indigente e diagnosticado como es-
quizofrênico-paranóico.
No início de 1939, foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá onde viveu esquecido por 50 anos, foi
classificado pela psiquiatria como louco, esquizofrênico-paranóico,logo conheceu a realidade da vida no sistema mani-
comial, a instituição era destinada a abrigar os expurgos da sociedade da época; logo, doentes considerados crônicos e
em estado irreversíveis diagnosticados pela psiquiatria da década de 30 eram depositados na Colônia um lugar consid-
erado como caminho sem volta.
Na instituição em que permaneceu por quase meio século, as constantes visões mística e os delírios de grandeza oc-
asionam com que Bispo fosse encaminhado para o pavilhão 11 do Núcleo Ulisses Viana, em meados dos anos 60 esse
espaço da Instituição passou por uma reforma e tornou-se local para abrigar presidiários acusados de insanidade, em
consequência da reforma os antigos pacientes foram remanejados para o pavilhão 10, durante a transferência Bis-
po garantiu para si um novo local para habitar e criar seus trabalhos,a celas fortes,que eram consideradas como um
privilégio para uma “santidade” que no entender de Bispo seria um privilégio que teria sido percebido pelos médicos
psiquiatras que teriam permitido o artista abrigar-se nesta cela forte,um local para que pudesse criar seus trabalhos e
cumprir sua missão na terra .
Por volta dos seus 50 anos de idade, Bispo se fixa para sempre, na Colônia Juliano Moreira,na instituição onde con-
quista o status e o reconhecimento que jamais obteve na sociedade,recebia tratamento diferenciado pelos internos e
funcionários, não enfrentava a fila do refeitório, não fazia a higiene pessoal junto com os outros internos, vivia reclu-
so em seu aposento tecendo um novo mundo com as mãos. Arthur Bispo do Rosário assistiu ao desenvolvimento da
história do tratamento psiquiátrico no Brasil, vivenciou algumas fases duras e cruéis do sistema, foi vítima de algumas
sessões de eletrochoque, porém, escapou da lobotomia, cirurgia que seccionava as fibras nervosas que ligam os lobos
frontais às partes subjacentes do cérebro humano, com o objetivo de obter o alívio das desordens mentais e manter a
“paz e a ordem” nas instituições psiquiátricas, Bispo também resistiu ao tratamento com os medicamentos neurolépti-
cos, medicamentos para reduzir ou anular as manifestações delirantes e as expressões motoras que acompanhavam as
pessoas com transtorno mental grave.
Segundo Hidalgo (2011, p. 136), o ano de 1980 marca o fim do anonimato de Arthur Bispo do Rosário, pois precisa-
mente em 18 de maio de 1980 ele foi apresentado ao Brasil pelo programa Fantástico, da TV Globo, um dos programas
de maior audiência da televisão Brasileira, onde protagonizou o documentário O Prisioneiro da Passagem – Arthur Bispo
do Rosário, do psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart. A partir deste momento personalidades, artistas, muita gente
passou a ir à Colônia na intenção de conhecer sua obra, além disso, o País tomou conhecimento de que não só no De-
partamento de Ordem Política e Social (Dops) estava impregnado de horror e excesso de autoridade, mas que também
a sociedade parecia não incluir aos direitos humanos os indivíduos considerados loucos.
No ano de 1982, o Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro expôs pela primeira vez, parte da obra de Bispo do
Rosário denominada À Margem da Vida, seus trabalhos foram apresentados ao lado de outros pacientes psiquiátricos,
presidiários, menores infratores e idosos.
Ainda em meados dos anos 80, a Colônia Juliano Moreira abriu suas portas e muitos internos partiram, Bispo aprove-
itou a mudança e passou então a ocupar as outras celas com suas obras, afinal, haviam muitos trabalhos bordados,
muitas miniaturas talhadas na madeira e envolvidas nas linhas desfiadas dos uniformes manicomiais dos internos,

81
além da grande quantidade de canecas de alumínio e talheres provenientes do refeitório que ganharam vida nova,
muitos outros dejetos foram reunidos e transformados em objetos de arte. Em sua missão Bispo fez da Instituição seu
lar e de sua cela seu mundo, trabalhava de dez a dezesseis horas por dia sem parar; um processo de criação incessante
e que só chegou ao fim com o fim de sua vida, no dia 5 julho de 1989.
Em 1938 a situação dos portadores de transtorno psiquiátrico no Brasil eram bem diferentes das atuais, as técnicas
psicanalíticas propostas por Freud na virada do século XIX, só chegaram à Colônia Juliano Moreira em 1981, pois antes
disso,a Instituição reproduzia as experimentações que chegavam de centros psiquiátrico europeus que eram ricas em
perversidades.
O eletrochoque, por exemplo, aparato desenvolvido na década de 30 pelo italiano Ugo Cerletti, a partir de uma visita
a um matadouro de porcos, foi muito bem recebido na Colônia Juliano Moreira, tanto que havia uma máquina em cada
Núcleo, a lobotomia uma perversa invenção da psiquiatria chegou a Colônia, em 1952 foi uma técnica utilizada sem
cerimônias, a lobotomia inventada em 1936 rendeu ao seu criador, o neurologista português Egas Moniz, o Prêmio No-
bel de Medicina e Fisiologia, tal pratica produzia estragos irreversíveis,ainda havia uma outra prática considerada na
década de 50 como avanço de tratamento psiquiátrico, eram os neurolépticos,tratamento químico que eram realizados
em paralelo à prática da lobotomia,muitas substâncias foram experimentadas com o objetivo de desencadear uma de-
sconexão cerebral,reduzindo ou anulando as manifestações delirantes e motoras nos portadores de transtorno mental.
Bispo, como por milagre, safou-se de muitas destas armadilhas da psiquiatria de sua época, se não seria mais um da
turba manicomial, teria seu nome apagado da memória da Instituição e não seria citado na história da arte brasile-
ira, porém, curiosamente Bispo era uma pessoa tranquilamente adaptada ao meio, ocupava privilegiadamente lugar
próprio na instituição, tinha respeito tanto de funcionários como de pacientes, contraditoriamente em meio as denun-
cias em relação o péssimo tratamento e precárias condições da Colônia, Arthur Bispo do Rosário era apontado como
um ser plenamente adaptado ao seu meio por pior que fossem as condições.
Na década de 80 uma nova temática é instituída na sociedade, novas abordagens são trazidas pela reforma psiquiátri-
ca, esse novo discurso institui novas perspectivas em relação à Colônia Juliano Moreira e o discurso artístico de Bispo
do Rosário, tornou-se uma discussão que abriu as portas do hospício e provocou uma nova maneira de pensar e de
se entender a loucura, possibilitando novas narrativas a respeito da internação psiquiátrica e da criação artísticas das
pessoas consideradas loucas.
Os portadores de transtorno mental grave colhem, hoje os frutos da conquista da luta antimanicomial em prol da
desospitalização, onde os manicômios, modelos de assistência psiquiátricas tradicionais comprovaram a sua ineficiên-
cia e onde por muito tempo, as pessoas que sofriam de tormentos psíquicos eram excluídas totalmente da sociedade,
obrigadas a viver em regimes de clausura em manicômicos e eram tratadas por terapia quase que unicamente me-
dicamentosa,essas instituições foram ao longo dos anos substituídas, o Sistema Único de Saúde (SUS) passa a adotar
a política de redução gradativa e continuada dos leitos e hospitais psiquiátricos para investir em Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), uma estrutura substitutiva com base na ressocialização das pessoas com sofrimento mental,uma
reforma de um modelo de assistência a saúde psíquica que é comemorada anualmente de 13 a 18 de maio,a Semana
de Luta Antimanicomial que marca a mudança de paradigma no tratamento dispensado a essas pessoas.
Com uma legislação específica sobre a reforma dos serviços de atenção psicossocial em saúde mental, o CAPS,assim
como os NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial), os CERSAMs (Centros de Referência em Saúde Mental) e outros
tipos de serviços substitutivos que têm surgido no país, são atualmente regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de
19 de fevereiro de 2002 e integram a rede do Sistema Único de Saúde (SUS) que está instituído pelas Leis Federais
8.080/1990 e 8.142/1990, tem o horizonte do Estado democrático e de cidadania plena como determinantes de uma
“saúde como direito de todos e dever de Estado”, previsto na Constituição Federal de 1988.Esse sistema alicerça-se
nos princípios de acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde,ou seja,integrando ações, cuidando
e respeitando o indivíduo como um todo e não como um amontoado de partes,voltando-se à questão da sociabili-
zação,oferecendo aos paciententes um serviço público com uma política que objetiva de maior humanização no acol-
himento, no tratamento e no acompanhamento dos seus problemas,a saúde mental passa a incorporar os pacientes na
sociedade e a arte tem o papel de intermediadora em um processo de resignificação do indivíduo nas suas relações
sociais
Um dos maiores desafios da reforma psiquiatra foi a consolidação desses serviços de atendimentos diário, uma ex-
periência que vai aos poucos construindo a convicção de que vale a pena investir nos CAPS, que vêm se mostrando
efetivos na substituição do modelo hospital psiquiátrico de internação, estes novos centros de atendimento social
constituem-se como componente estratégico de uma política que esta consciente a diminuir de forma significativa as
lacunas assistenciais no atendimento a pacientes com transtornos psíquico grave.

82
Os atuais Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) assumem a responsabilidade na articulação estratégica regulando
as redes de serviço de saúde, trabalham em conjunto com as equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de
Saúde nos municípios que estão inseridas, tanto na promoção da vida comunitária quanto na autonomia dos pacientes-
usuários, além disso,fazem o direcionamento local das políticas e programas de Saúde Mental, desenvolvendo projetos
terapêuticos e comunitários, em alguns casos dispensando medicamentos, encaminhando e acompanhando usuários
que moram em residências terapêuticas, assessorando e sendo retaguarda para o trabalho dos Agentes Comunitários
de Saúde e Equipes de Saúde da Família no cuidado domiciliar. Esses direcionamentos atuais da Política de Saúde
Mental para os CAPS possuem a intenção de promover saúde e de cidadania das pessoas com sofrimento mental.
A obra de Bispo cresce à medida que se investiga seu intenso e misterioso processo criativo em contraste com a luta
contra a esquizofrenia, além disso, a obra é um campo livre para a imaginação que intriga estudiosos de varias áreas,
pois sua missão não era propriamente a arte, sua missão era uma obrigação com ordens Divinas, não estava relaciona-
da à estética, não se empenhava na busca pelo sucesso, reconhecimento ou glória que eram comuns aos profissionais
das artes. Porém, Bispo possuía um rico processo criativo que estava visível em seus trabalhos, tais como, os aspectos
de transgressão, o excesso de desejo e sua dimensão trágica na forma a qual estabelece comunicação em seus tra-
balhos, traduzida como arte bruta.
Arte Bruta e denominada por Jean Dubuffet se apresenta como resultado da recusa a um tipo de cultura asfixiante,
nome que deu ao seu texto manifesto publicado em 1968. Contudo, sua defesa da Arte Bruta já existia pelo menos 23
anos antes deste seu mais famoso e provocador escrito. Dubuffet iniciou suas pesquisas sobre arte bruta com internos
de hospitais psiquiátricos e de prisões suíças e francesas no ano de 1945, porém, não abdicando suas próprias ativi-
dades de pintura . Inicialmente a partir das visitas e do contato com estas produções artísticas que começou a elabo-
rar o termo Arte Bruta, e a expô-la em Paris. A primeira apresentação em 1947, foi no Foyer de L’Art Brut, localizado no
subsolo da Galerie René Drouin, onde expôs obras de internos das instituições que estava pesquisando e que ganharam
notoriedade tanto por suas histórias de vida como por suas obras. No ano de 1948, fundou a Compagnie de L’Art Brut,
em Paris, com a participação de André Breton, Jean Paulhan, Charles Ratton, Henri-Pierre Roché e Michel Tapié.
Em 1949 a Compagnie de L’Art Brut apresenta sua primeira exposição, e no catálogo Dubuffet assina o texto L’Art brut
préféré aux arts culturels, no qual expõem sua crítica à arte culta, cultural, erudita,onde conceitua a Arte Bruta que é
aquela produzida por indivíduos que não seguem nenhuma norma, não mimetizam nenhum procedimento ou sequer
modelo. Com a saída de Breton e em função de diversas dificuldades dois anos depois a Compagnie de L’Art Brut se
dissolve.
Jean Dubuffet (1901-1985) foi um dos primeiros a se interessar pela produção artística de pacientes com transtornos
psiquiátricos e de outros despossuídos de formação acadêmica, deixando-se influenciar a ponto de sua própria arte
expressar a estética e o significado das imagens do inconsciente. chamou de arte bruta estas produções consideradas
atípicas inventadas a partir somente dos impulsos do artista, além disso, Dubuffet questionou a forma de se conceituar
a arte de pessoas acometidas por sofrimento mental como algo distinto da arte em si, mostrando a impossibilidade de
se esperar dela um modelo de conformidade e considerando a loucura inicialmente como um meio produtivo e fecun-
do, primordial para a produção artística.
No Brasil, o médico Osório Cesar em 1929 publicou vários artigos sobre a expressão artísticas dos alienados, já nos
anos 40, Nise da Silveira lutava contra tratamentos psiquiátricos violentos, acreditava na terapia através da arte, não
separava a arte da vida. Na década de 30 trabalhou como médica no Centro Psiquiátrico Pedro II e mesmo tendo um
trabalho importante na instituição acabou sendo deslocada, considerada subversiva por criticar os horrores cometidos
foi presa,quando retorna no ano de 1946 funda a Seção Terapêutica Ocupacional e Reabilitação, ateliês de pintura e
modelagem no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, no Rio de Janeiro, com o objetivo de compreender o processo psicótico e
o valor terapêutico. Neste processo Dr.ª Nise conseguiu extrair de pacientes que não se comunicavam mais de nenhu-
ma forma começar a se expressar, ficando claro que longe disto não era apenas atividade para ocupar os internos. Para
utilizar estes trabalhos como fonte de pesquisa e também guardá-los, Nise fundou o Museu de Imagens do Inconsci-
ente, em 1952,com um equivalente à coleção criada por Jean Dubuffet.
Arthur Bispo do Rosário não chegou a conhecer a Dr.ªNise da Silveira e participar da Seção Terapêutica,pois na noite
de 27 de janeiro de 1948 quando com sintomas de alienação mental foi levado ao Hospital Pedro II foi recusado por
motivo de uma superlotação nos pavilhões,sendo conduzido a Colônia Juliano Moreira,no entanto mesmo sem con-
hecer Nise Bispo emitia sua crítica a psiquiatria e suas obras abriram espaço para um instigante e polêmico debate
sobre a produção plástica dos insanos.
Seu manto da apresentação,com o qual pensava que seria enterrado quando morresse,foi todo bordado com fios das
roupas dos internos, além disso, é a peça que mais se destaca em sua coleção, por possuir uma riqueza de bordados,
colorido e um grande alcance simbólico, possuía uma certa poética gestual.

83
Nessa obra, Bispo registrou o mundo em forma de bordados, deixando fortes indícios de sua presença e participação
no Dia do Juízo Final ,no interior do manto bordou nomes de pessoas de seu convívio que já teriam sido previamente
julgadas e escolhidas para salvação para irem com ele ao encontro de Deus,a obra era a certeza de que a arte de Bispo
do Rosário estava em diálogo com Deus. O Manto da Apresentação envolvia o corpo de Bispo do Rosário deixando de
ser um cobertor comum como tantos outros da Colônia, quando estava coberto pelo manto seu corpo era local de
comunicação do mundo com o sagrado ao mundo externo, a estrutura da obra presente no corpo de Bispo pode ser
considerada como o próprio ato expressivo, pois permitia ao artista a incorporação mística de todos os elementos que
existiam na peça, estes bordados não estavam distanciados em relação ao ambiente, espaço e ao próprio Bispo, o corpo
não era somente o suporte da obra, era a incorporação da obra no corpo e do corpo na obra.

Manto da Apresentação
Fotografia de Fernanda Magalhães
Fonte:HIDALGO,Luciana.Manto da Apresentação.2011.

O Manto da Apresentação é uma obra caracterizada por uma rica gama de cores que trazem a memória dos movimen-
tos das mãos das bordadeiras da cidade natal de Bispo, que no passado foi conhecida pela qualidade de seus bordados,
esse manto é constituído de um sistema simbólico muito complexo, originado do agrupamento de elementos do sin-
cretismo religioso, da religiosidade católica, da cultura afro e da cultura indígena, ou seja, dos fragmentos das tradições
culturais herdadas por Arthur Bispo do Rosário. O manto é uma resposta e recriação de elementos do passado, da
história pessoal do artista, das festividades religiosas e populares brasileiras, nas quais o homem negro, pobre, num
momento de êxtase festivo, é coroado e cortejado como rei, ou seja, um momento de inversão de valores e de condição
social, abolição do que foi vivenciado no passado.
A obra de Bispo do Rosário é considerada renomada por críticos de arte, exposta na Bienal de Veneza (1995) e na
Mostra do Redescobrimento em São Paulo (2001), possibilitou a criação do Museu Bispo do Rosário, que possui como
principal objeto o manto da apresentação, mas também apresenta outras peças das coleções de objetos de Bispo que
fazem parte do acervo do Museu, são 802 obras entre acumulações, vestimentas e objetos recobertos por fio azul, é o
resultado de cinquenta anos de reclusão e trabalho desse artista missionário em sua catalogação do seu mundo a ser
apresentado no dia do juízo final.
A Cama de Romeu e Julieta uma das obras de Bispo, foi planejada para a encenação da peça Romeu e Julieta, de Shake-
speare, Bispo no papel de Romeu e Rosângela Maria, a estagiária de Psicologia e por quem Bispo tinha grande afeição,
no de Julieta. É uma obra que merece destaque, representa a morte de si mesmo, mais que um leito nupcial, um leito
de morte, lugar onde os personagens de Shakespeare cairiam num sono ambíguo, misto de morte passageira e sono
eterno, porém a encenação não ocorreu como na de Shakespeare.

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Cama-Nave ou Cama de Romeu e Julieta
Fotografia de Walter Firmo
HIDALGO,Luciana.Cama - Nave ou Cama de Romeu e Julieta.2011.

Essa obra pode ser descrita como uma cama de madeira, com um véu decorado com fitas,fios e flores de crochê em um
suporte de mosqueteiro,com um colchão de capim coberto por uma colcha,essa obra possuía uma rica simbologia,uma
poética destinada a passagem da vida para a morte. Para Bispo havia uma associação entre vida e morte, que estava
ligada a morte maternal, a morte do renascimento, a redenção, seus trabalhos estavam ligados ao mistério de vida e
morte. O leito, cama ou nave é uma urna funerária que abriga a morte passageira de todas as noites e é também asso-
ciada a uma cavidade coberta, semelhante ao túmulo, sarcófago e ao ventre materno, lugar para se aconchegar e para
morrer, expressando a imagem de quem quer se esconder,se proteger,mas que um dia renascerá.
Bispo do Rosário parecia considerar estar louco como uma questão relativa,criava seus objetos tendo como preocu-
pação à estética para ser apresentada no dia do juízo final,pois esse mundo precisava de ordem,assim todo material
feito pelo homem era importante,porém necessitava de sentido, de organização, de finalidade,dessa forma na con-
strução do seu mundo estabeleceu ordem entre os objeto,enumerou, catalogou. Utilizou a escrita nas obras como
elemento pulsante e assim ao recorrer a essa linguagem manipulou signos e brincou com a construção de discursos,
fragmentando a comunicação em códigos privados, passando pela a oposição entre razão e loucura no que se refere à
linguagem.
Segundo Jean Dubuffet os escritos brutos se justificam a uma produção de textos que escapam a tradição literária,
esses escritos brutos que também podem ser encontrados nas produções de Arthur bispo do rosário quando borda tex-
tos, palavras e figuras sobre lençóis e cobertores, do mesmo modo que manipulou materiais para suas obras,também
manipulou palavras organizando seus pensamentos e os arquivos de sua memória,Bispo convivia em uma inversão
de poder,sua escrita revelava uma angústia e uma linguagem em crise,o artista tinha compromisso com suas próprias
fantasias,mas ele era criador e criatura,pois suas mensagens destinavam-se a um único receptor ,o próprio artista que
tinha uma missão, mas que também se identificava com o ser divino e supremo,o rei dos reis, o Cristo.
Quanto ao conceito de arte contemporânea, vemos que Arthur Bispo do Rosário realizou seus trabalhos em um hos-
pital psiquiátrico,produziu uma grande quantidade de objetos recriando o cotidiano em que vivia,sendo sua produção
umapropriamente o que se pode chamar de historiografia do seu cotidiano, Bispo se projeta no circuito de arte con-
temporânea com sua rica quantidade de obras,com bordados,objetos e assemblages,além disso cobre-se de palavras e
frases em tecido,fruto de um delirio que o conduz a um desespero em meio a escria que seria narração de si mesmo,u-
ma materialidade que não permite a separação de obra e criador,reclama seu reconhecimento místico como enviado
de Deus ,porém hoje é exaltado como artista contemporâneo com alcance internacional.
Bispo confecciona entre a realidade e o delirio sua produções rompendo com o senso etético hegemônico de sua épo-

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ca, alcançando uma percepção diferente do que é socialmente aceito pela sociedade como um padrão normal,nesse
contexto a arte assim como a loucura exercem um papel de negação em aceitar padrões pré estabelecidos pela cultura
dominante,ambas passam pelo viés subversivo e revolucionário como vemos nas obras de Bispo,onde o artista estava
desvinculado de qualquer movimento artístico e era fiel apenas a sua missão,assim os objetos do dia-a-dia estavam
longe da função original, havia neste contexto um deslocamento entre espaço e objeto,combinações inusitadas e orig-
inais feitas por Bispo que viveu em seu próprio espírito artístico de sua época.

3 Considerações
A concepção de Arte Bruta caracterizada por Dubuffet, um dos primeiros a demonstrar grande interesse na produção
artística de pacíentes psiquiátricos e de tantos outros despossuídos de formação acadêmica,é reconhecida como
uma produção importante no mundo das artes e ocorreu primeiramente na Europa,no Brasil Arthur Bispo do Rosário
foi intitulado como principal representante da arte bruta.Fruto de uma maneira de se produzir de forma original suas
criações,transformações e invenções de si não devem ser consideradas somente como resposta de um iternamento
psiquiátrico,mas de uma vontade criadora de um ser humano em tentar se reelaborar de tal forma que sua própria
existência fosse uma obra de arte.
Vislumbramos a Arte Bruta presente na obra de Bispo do Rosário transitando no território da arte contemporânea,o
que antes era entendido somente como arte bruta,produção de um paciente de uma instituição psiquiátrica diagnósti-
cado com esquizofrenia paranóide passa a ser considerado como um artista genuino com criações ricas de imaginário
formidável,que surpreende por ter em suas produções referências da arte contemporânea, entretanto tem sua imagem
ocilando entre a arte e a loucura.
Bispo consegue dar sentido a sua vida e a suas obras se movimentam pelo mundo em exposições conceituadas por
críticos de arte,além disso estão frente a tantos outros artistas contemporâneos, a mente delirante de Bispo tornou-se
anseio de criação,sendo a atitude de negar a arte presente na fala do Artista um rico posicionamento contemporâ-
neo,seus trabalhos encontram-se expostos em um espaço que ao longo da história da arte foi destinado a privile-
giados,aquilo que algum dia foi considerado como loucura agora torna-se arte ao olhos dos espectador e do crítico de
arte,por fim Arthur Bispo do Rosário em sua genialidade torna-se um artista quando em sua loucura e em sua missão
delirante resignifica o conceito de arte para as gerações futuras.

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REFERÊNCIAS
DANTAS, Marta. Arthur Bispo do Rosário: a estética do delírio. 2002.São Paulo: UNESP,2009.
HIDALGO, Luciana. Arthur Bispo do Rosario: O Senhor do Labirinto. Rio de
Janeiro: Rocco, 2011.
JARDIM, Marilena de Pinho Monteiro. A estética do lixo no contexto da loucura. 2003. 147 f. Dissertação (Me-
strado em Artes) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Campinas, SP: [s.n.], 2003.

Juliana Oliveira
Graduanda em Artes Visuais, realizou pesquisa teórico prática no CAPS Cidade sob orientação da professora Adriana
Magro.

Adriana Magro
Professora da Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutora em Educação, Especialista em História da Arte
com enfase em Modernidade e Pós Modernidade. Realizou estudos aprofundados na L’Università di Roma em 2009.

87
CORPO PENSANTE: DO CACHO À TINTA, UMA AÇÃO
EDUCATIVA EM ARTES.
Adriana Magro Universidade Federal do Espírito Santo UFES
Elisa Trés Universidade Federal do Espírito Santo UFES
Marcelle Veloso Universidade Federal do Espírito Santo UFES

RESUMO
No presente artigo relatamos nossa experiência em oficinas de arte em espaço não-escolar, com as
quais pudemos constatar a importância de valorizar a arte além da educação formal, já que esta não
vem cumprido por completo seu papel como integrador das várias áreas da vida e promotora da inte-
gralidade do ser humano, corpo e mente. Agindo nos lugares de interação entre arte / saúde e arte /
comunidade lançamos sementes para o deslocamento do olhar para si, sobre a vida de cada indivíduo
participante das oficinas realizadas.
Palavras-chave: Arte; saúde; comunidade; corpo e mente.

ABSTRACT
In this article we describe our experience in art workshops in non-school environment, with which we have
seen the importance of valuing art beyond formal education, since this is not fulfilled completely its role as
integrator of the various areas of life and promoting the integrity of the human being, body and mind. Acting
in places of interaction between art / health and art / community, we sowed seeds for the shift toward each
other, about the life of each individual participant of workshops held.
Key-words: Art; health; community; body and mind.

INTRODUÇÃO
Durante a disciplina de Arte na Educação Não Escolar, do curso de Artes Visuais, na Universidade Federal do Espirito
Santo (UFES), discutimos diferentes abordagens de ensino de artes em espaço não-escolar. A disciplina prevê três lug-
ares de debate, são eles: saúde, museu e comunidade. Nossa intervenção partiu da discussão nos lugares arte e saúde;
arte e comunidade, a partir da ideia de corpo pensante.
Ao iniciarmos esse debate, se fez necessário, de antemão, conceituar o que seria o ensino não-escolar e os espaços
onde ele acontece. Assim, entende-se por espaço não-escolar todo local que pode promover, de modo não formal, o
ensino aprendizado da arte, tais como museus, centros culturais, hospitais, asilos, empresas, centros comunitários entre
outros locais que não tenham preocupação de promoção seriada, mas como proposta, atender de modo prioritário ao
indivíduo, em relação as suas necessidades de desenvolvimento complexo, e ainda assim não deixando de localizar
esse indivíduo na relação entre eles a mais ampla do coletivo através de vivências e oficinas artísticas. Daí se deriva o
termo ensino não-escolar.
[...] Nesse sentido, é importante salientar que o campo da educação não-escolar (informal e não-formal)
sempre coexistiu com o campo da educação escolar, sendo mesmo possível imaginar sinergias pedagógicas
muito produtivas e constatar experiências com intersecções e complementaridades várias [...] (AFONSO,
2001, p.32)
É fácil notar que através dos anos a educação escolar foi incumbida de realizar várias funções no processo educativo
de um indivíduo. Entre essas funções se destaca o progresso cultural, científico e técnico, e a construção da libertação
social e pessoal. Parte desse processo não foi realizado com sucesso, muito devido à forma de abordagem metodológi-
ca que envolve esse espaço educativo. Comumente, ocorre uma constante homogeneização de ações para o ensino da
arte o que proporcionou à educação formal uma disseminação de conhecimento cultural de massa com pouco espaço

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para a individualidade do sujeito envolvido no processo, o que muitas vezes pode gerar uma deficiência na assimilação
dos conceitos da arte e de seu potencial como mecanismo de integração da cultura e das diversas vivências. Este dado,
nos foi apresentado em outras experiências de ação e participação na escola em estágios regulares, momentos estes,
em que foi possível verificar, pelos planos e pelas ações, a constante pedagógica homogeneizante dita anteriormente.
Por outro lado, podemos caracterizar a educação não-formal como aquela que se preocupa com a relação do indivíduo
com o saber. Sempre atenta a “pessoalizar” a relação com a arte, de forma que o desenvolvimento cognitivo, moral e
social seja priorizado individualmente, mas sem se esquecer da relação com o meio e suas peculiaridades. Abordando
assim a questão sensível na arte e seus saberes específicos.
Por entendermos todas as possibilidades que o ensino não-formal da arte nos proporciona, optamos por desenvolver
uma oficina em espaço não-escolar: uma empresa privada. Escolher uma empresa partiu do nosso desejo de buscar um
novo campo de pesquisa; optamos pelo Cachos e Cia – Instituto de Beleza.

INTENCIONALIDADES EDUCATIVAS
Cachos e Cia – Instituto de Beleza, embora tenha uma relação bem íntima com o belo idealizado (como forma, equilí-
brio, harmonia, unicidade etc) e uma forte ligação com a cultura afro-brasileira (trata-se de um salão para tratamentos
de cabelos especificamente cacheados), se encontrava distante dos conceitos da arte como vemos na academia.
O Cachos e Cias – Instituto de Beleza, é um espaço com profissionais especializados em diferentes técnicas para cuida-
dos específicos, para cabelos cacheados, ondulados e crespos. Tendo com missão o aprimoramento da imagem pessoal
de suas clientes, com estilo e criatividade.
O salão conta com uma ampla estrutura física para o atendimento das clientes, com ambiente climatizado e diversas
salas organizadas por áreas de tratamento. Seus espaços são todos pensados para que, ao entrar, cada cliente tenha
uma relação com a marca, tendo um grande investimento em ambientação do espaço, decoração e atendimento com
um perfil único da marca e cultura valorizada naquele ambiente.
Seu quadro de funcionários é composto exclusivamente por mulheres (cerca de 45), desde as funções de recepcionis-
tas, cabeleireiras e técnico-administrativas. Trata-se de um trabalho de concepção fordista¹, cada setor é influenciado
pela qualidade do funcionamento do setor anterior. Assim todas as funcionárias criam uma relação de dependência
entre si. O trabalho é totalmente manual diretamente no cabelo de cada cliente, entre várias etapas dos procedimen-
tos realizados até chegar ao resultado final.
Pensando na missão do salão em proporcionar a suas clientes uma experiência de criatividade e estilo ao passar por
um dos procedimentos oferecidos pelo espaço e nos desgastes físicos que as diversas funções causam em suas fun-
cionárias nossa proposta foi focada em uma vertente específica do âmbito da educação não-formal: arte, comunidade
e saúde, desse modo, para fundamentarmos este trabalho, foi necessário recorrer a alguns teóricos, estes das áreas da
saúde / arte e comunidade / arte.
Da ênfase em comunidade Von Simson nos aponta a necessidade de abordar a arte em espaços de vulnerabilidade
pessoal ou social. O Cachos e Cia – Instituto de Beleza não se enquadra regularmente nesse aspecto, entretanto, como
sistema fordista que utilizam, se retificam como sujeitos que não participam das ações de modo completo, apenas
vivem a ação do trabalho de modo parcial, fazendo-se também como ferramenta.
Assim, a ênfase em comunidade, buscando ações integradoras são passiveis para o espaço não-escolar escolhido.
Já o referente em arte e saúde, nos servirá Noemi Kon no texto que versa sobre a psicanálise e a arte, momento em
que a autora afirma a íntima relação da ação de escuta como momento de autoconhecimento e de, porque não, cura.
[...] A clínica psicanalítica deve guardar em si esse parentesco com a atividade artística: sendo um fazer que
se dá no próprio ato da feitura, sendo invenção de valores originais, criação de uma nova realidade. Só no
fazer é que a psicanálise é encontrada, concebida e inventada. Não se trata mais de descoberta de subterrâ-
neos enterrados, mas de criação de uma multiplicidade de sentidos, da construção de novas realidades [...]
(KON, 2001, p.45)
Noemi Kon acredita que o ato de ouvir estabelece um “lugar” para os sujeitos envolvidos na ação, assim, cabe discutir
saúde no Cachos e Cia – Instituto de Beleza.
Desse jeito, não nos interessa as lesões por esforço repetitivo que, por ventura, as funcionárias do salão têm ou terão,
mas sim estabelecer outra relação de vivência com o espaço e com as pessoas ali envolvidas.
Desse modo, estimular o ato de feitura da atividade artística, poderá levar a um momento pessoal de autorreflexão
sobre a realidade do meio, assim, porque não, estimulando o desejo de viver melhor.

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Desse modo, partimos do básico que compreendemos ser necessário para iniciar o trabalho. Entendemos que o “corpo”
é a “ferramenta” básica para o trabalho no salão, entretanto, nosso entendimento da questão do corpo, perpassa mais
do que a fisicalidade.
Compreendemos que saber, a construção, elaboração e amadurecimento do saber, perpassa o corpo. É nele, e por ele,
que pensamos. Assim, o espaço em discutir um “corpo pensante” se justifica pela necessidade de quebra da perspectiva
fordista e ampliação da reflexão do que se alcança no trabalho realizado ali pelas funcionárias. Nosso objetivo, nesse
momento, foi estabelecer (ou reestabelecer) a conexão corpo/mente assim:
[...] Me explica porque a escola separou o corpo da mente, o sensível do inteligível, fragmentou o pensar e o
fazer, o trabalho e o brincar? Me explica porque as grades curriculares, as rotinas das instituições educacio-
nais expressam tão claramente concepções e praticas educativas que revelam essa dicotomia? [...] (MAR-
TINS e PICOSQUE, 2012, p.12)
Por muito tempo o encorajamento da separação entre mente e corpo, razão e sentimento, presente na sociedade
proporcionou ao ambiente de modo geral e também no escolar um desprezo pelo corpo, suas características sensíveis
e contribuições para o aprendizado. Hoje, porém, sabemos que o cérebro só responde as circunstancias, pois o corpo
lança conteúdos sensíveis e o envolve de laços cognitivos que o alimenta de modo completo.
Gisa Picosque e Mirian Martins e seu texto Revelação do corpo: estesia, conhecimento, nos revela que o que é o corpo:
[...] Ossos, músculos, nervos, ligamentos, células, sangue. Visto assim de dentro, virado pelo avesso, o corpo
é mexeção interna, uma rede inteligente conectada, interagindo, trocando informações, crescendo de forma
contínua, ininterrupta... ou atrofiando. O corpo é pensante [...] (MARTINS e PICOSQUE, 2012, p.13)
Por pensar assim percebemos que somos preparados para sermos um ser sensível que transforma toda a captação
sensorial em informações. Promovendo uma metamorfose de sentir em processos cognitivos de grande significação. É
por esse entendimento do sensível que desenvolvemos nosso imaginário, que é impulsionado pelas sutilezas das per-
cepções do corpo. Assim mente e corpo, aprendizado e corpo, arte e corpo estão interligados de modo complexo.
Desse modo, permear a ação educativa pelo corpo foi nossa ação inicial, entretanto, tronou-se fundamental.

DA AÇÃO
Tendo em mente esses conceitos, entendemos que o ensino da arte baseado em uma valorização do sensível, e dos
aspectos subjetivos de um indivíduo, proporciona uma vivência ampla e rica. E pensar na arte como facilitador social
é apenas um desdobramento de uma oficina bem elaborada a respeito do fazer artístico. Entendemos que o fazer
artístico foi o foco principal da oficina proposta. Por entender todo campo sensível e afetivo que a arte pode atingir, a
proposta levada para o Cachos e Cia – Instituto de Beleza seguiu, por tanto, a linha de uma educação através de ex-
periência estético-sensível. Tento em mente a relação arte/saúde e comunidade/arte, processos de criação e a relação
arte e meio.
Foi uma oficina planejada em duas etapas de fazeres artísticos, em que cada etapa teve o seu objetivo específico e,
assim, movimentamos algumas áreas relacionadas aos conceitos de arte (técnicas, texturas, cor, composição, desenho,
entre outras), além de trabalhar alguns aspectos de motivação do trabalho em equipe, a união do grupo, sintonia entre
as funcionárias, relação com o feminino, o bem-estar e saúde.
A oficina proposta foi realizada em um dia de funcionamento normal do salão, para que isso ocorresse da melhor
forma, separamos o quadro de funcionários em dois grupos de, cerca de, 20 a 23 funcionárias. Contamos também com
todo apoio logístico da equipe administrativa do salão ao reorganizar os setores de atendimento e isolar uma das
salas para que nossa oficina acontecesse sem nem nenhum contratempo.
Embora o espaço tenha sido reservado e preparado, como não é costume da empresa realizar experiências com ofic-
inas de arte, contamos um uma sala pequena e com pouca flexibilidade para a reorganização espacial, isso tudo nos
influenciou no momento de escolha das vivências de arte propostas.
Nosso processo para impulsionar a criatividade e aguçar o desejo de participação começou uma semana antes da data
marcada para a realização da vivência, colocamos cartasses por todo o espaço estimulando as funcionárias a pensarem
sobre o que poderia acontecer naquele espaço.
Também optamos por fazer uma pequena intervenção no espaço para o dia da oficina, assim todas saberiam que algo
diferente, criativo, lúdico, inovador e inspirador aconteceria naquele espaço e naquele dia. Tendo o objetivo de desper-
tar ainda mais curiosidade e estimular a participação de todas. Colocamos na porta da sala reservada para nós uma
lata de tinta, feita de cartolina, sendo que dela várias gostas de tinta caiam e se espalhavam pelo espaço, deixando
marcas e localizando o ambiente em que tudo aconteceria.

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Localização do ambiente

Localização do ambiente

Para o começo dessa experiência foi organizada uma oficina com os pés. Com um tecido de algodão (suporte para a
oficina) forrando no chão e bisnagas de tinta guache de diversas cores. Convidamos as participantes a tirarem os sapa-
tos e iniciar de uma pintura coletiva, usando apenas os pés com ferramenta, estourando as bisnagas de tintas e espal-
hando pelo suporte de tecido. Essa etapa teve como objetivo trabalhar os conceitos de corpo pensante, expressividade
corporal e pintura, além de ser uma proposta relaxante (já que propusemos a retirada da tensão das mãos, ferramenta
diária de trabalho) e de forte interação do grupo por meio de trabalho coletivo.

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Primeira etapa: pintura com os pés

Ao entrarem na sala muitas participantes ao perceberem as tintas ficaram extremamente animadas e entusiasmadas,
como a participante 1, que disse em meio à algazarra das outras colegas - “tudo que é diferente elas gostam”. Deixamos
que se acomodassem em volta do tecido e fizemos uma apresentação do nosso trabalho, do porque estávamos lá e como
a ação aconteceria. Depois das devidas apresentações e da explicação, algumas questões foram levantadas de imediato,
como por exemplo, a participante 2: “essa tinta mancha a roupa?” ou a participante 3: “mais como a gente vai sair daqui
com o pé sujo? Não vai espirrar tinta?”; o que nos mostrou como a atividade estava sendo um momento muito diferente
da rotina da empresa. Assim que todas as dúvidas foram esclarecidas foi dado início a pintura com os pés.
Nos dois grupos o tecido rapidamente foi pintado por completo, essa pintura esteve acompanhada de grande descon-
tração e união de todo o grupo. Por fim questionamos o que elas tinham sentido durante o processo, e descobrimos
que uma das meninas havia saído assim que a primeira bisnaga de tinta foi estourado, os relatos ouvidos foram - “nos
sentimos como crianças arteiras”, “Me senti livre”, “fiquei em pânico, com medo de ficar até tarde suja de tinta, ai sai”,
“queria mais”. Ao final nos despedimos e as provocamos falando que nos veríamos no dia seguinte, isso causou grande
expectativa entre todas.

Pintura com os pés

92
Pintura com os pés

Já em nossa segunda etapa da oficina, trabalhamos uma técnica de estamparia². Com a tinta própria para estamparia
em tecidos sintéticos (aquarela silk), lenços em tecido 100% poliéster e sal grosso e fino, proporcionamos as funciona-
ria a criação de um lenço para o cabelo. Essa etapa teve como objetivo o aprendizado e vivência de uma técnica artís-
tica, conceitos de composição desenho e pintura, bem como sendo um trabalho de alto índice de satisfação pessoal,
motivador, encorajador para novos desafios e de fazer tranquilo.

Segunda etapa: Estamparia

Por conta da experiência realizada no dia anterior, fomos recebidas no salão com uma verdadeira onda de perguntas
acerca do que faríamos. Fomos questionadas a respeito da arte e da nossa proposta de oficina - “Ei, que trabalho de
arte vamos fazer hoje?”, “Eu sempre quis fazer faculdade, é muito difícil passar para artes?”, “Em que lugar a gente faz
esse curso de artes?” ou “Nós vamos pintar mais hoje?”. Depois de tantas perguntas e nosso ambiente preparado para
receber as participantes demos início a mais uma experiência.
As participantes (dividida em seus devidos grupos) sentaram no chão, envolta de uma área demarcada para atividade
ser realizada. Após uma breve explicação sobre a técnica de estamparia que seria vivenciada pelas meninas. Foi dis-
ponibilizado o material: tintas, pinceis, água, sal refinado e grosso, além do lenço para ser pintado. No momento em
que sentaram no chão para começar a pintar outros questionamentos foram feitos - “mas isso é sal? Para que?”, “não
sei desenhar”, “black, já perguntei se tem que tirar o chinelo?”. Novamente as explicações de como a atividade seria
realizada e as dúvidas a respeito do material foram sanadas. Tudo era motivo de diversão, o que nos deixar bastante
satisfeita, já que a atitude positiva das participantes demonstrou um grande interesse pelas atividades e acabamos
escutando - “esse grupo vai ganhar”, “quero pintar meu cabelo de azul”, “ah eu amo pincel, eu amo pincel, eu amo pincel
e caneta”.
No fim fizemos como que elas pensassem sobre arte, e se colocasse como produtores de arte e conhecimento. Quan-
do nos despedimos fomos muito questionadas se voltaríamos, explicamos que não e agora elas poderiam pensar um
outro modo para dia a dia da empresa, fazendo cada experiência única e sempre pensando de modo corporalmente
complexo a partir das experiências vividas nas oficinas.

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Oficina de estamparia

Oficina de estamparia

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciarmos a ação “CORPO PENSANTE: DO CACHO A TINTA, UMA AÇÃO EDUCATIVA EM ARTES”, tendo em mente o
objetivo de proporcionar um deslocamento do olhar e, com isso, uma ação de mudança na perspectiva do trabalho e
da relação que aquele grupo mantém com o trabalho, sabíamos que esse tem que ser um trabalho constante, mas a
intenção nesses encontros foi provocar um questionamento.
Todo sujeito reificado pelo trabalho, torna-se, de um modo, peça do trabalho, “engrenagem”. O deslocamento do olhar
desse sujeito nos interessa considerando esse nosso objetivo. Quando objetivamos discutir arte e saúde, proporciona-
mos um local de diálogo diferente daquele habitual que permeia o salão, a busca de um corpo pensante passa pela
consciência corporal e, em nosso caso, também pela arte.
Assim, um espaço de janela, de escuta foi estabelecido e vivenciado com as participantes. Acreditamos que a ação de
escuta, permite a subjetividade e a recriação/atualização da história do indivíduo, podendo ser então, sua história em
seu ambiente de trabalho. Não queremos, com isso, alterar o curso da vida desses sujeitos em seu ambiente de tra-

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balho, mas sim, acreditamos que as ações reflexivas em arte e corpo podem proporcionar autorreflexão e quiçá, desejo
de viver melhor, ou seja, com mais consciência.
Isso se ratifica pelas falas: “eu sempre quis fazer faculdade, é muito difícil passar para artes?” e “em que lugar a gente
faz esse curso de artes?”.
Do mesmo modo a ação tendo se realizado em grupos no salão, trabalhou a relação arte / comunidade no espaço
próprio do trabalho, lançando sementes para a promoção de um trabalho coletivo e cooperativo mais harmônico. Isso
pode ser percebido no trabalho de pintura com os pés, onde as participantes durante os questionamentos finais com-
pletavam as falas umas das outras.
A pesquisa “CORPO PENSANTE: DO CACHO A TINTA, UMA AÇÃO EDUCATIVA EM ARTES” ocorreu em 2014, entretanto, se
atualiza em diferentes espaços de nosso cotidiano, isso nos mostra a urgência de estabelecer outros pontos de contato
entre a arte e a intencionalidade educativa presente na ação então descrita. Concluímos esse texto considerando-o um
espaço aberto para tantos outros diálogos que podem surgir a partir dele.
Durante essa pesquisa não ansiávamos estabelecer um espaço de ensino aprendizagem da arte em seus formatos
acadêmicos ou institucionais e sim dialogar com a arte no âmbito da saúde. Acreditamos ter estabelecido esse ponto
de contato quando subvertemos a logica fordista pela complexidade contemporânea estabelecida nos debates corpo e
mente/ arte e saúde/ arte e comunidade.

¹ Fordismo, termo criado por Henry Ford, em 1914 refere-se aos sistemas de produção em massa e gestão, idealizados em 1913. Trata-se de uma forma de
racionalização da produção capitalista, baseada em inovações técnicas e organizacionais que se articulam tendo em vista, de um lado a produção em massa e,
do outro, o consumo em massa.

² O Tachismo é um estilo de pintura abstrata que se desenvolveu na França entre os anos 40 e 50 como um equivalente do expressionismo abstrato norte-a-
mericano. Também utilizado para estampar tecidos. É uma técnica que faz uso do sal grosso ou fino sobre a tinta para a criação da abstração.

REFERÊNCIAS
AFONSO, A.J., Os Lugares da Educação. In Educação não-formal: cenários da criação. Olga R. de Moraes von Simson,
Margareth B. Park e Renata S. Fernandes, organizadoras. Campinas, SP: Editora da UNICAMP/ Centro de Memória, p. 29-
36, 2001.
Kon, M. N. – “Entre a psicanálise e a arte” in A invenção da vida, arte e psicanálise. (Sousa, E. A. L. e Tessler, E. e Slavutzky,
A. orgs.), Porto Alegre: Artes e Oficios, 2001
MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G. Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. 2. ed. São Paulo: Intermeios,
2012. 162 p.

95
WEBGRAFIA
Informações sobre Cachos e Cia – Instituto de Beleza. Disponível em <http://www.cachosecia.com.br/cachos> Acesso
em: 11 de Maio 2015.

Adriana Magro
Professora do centro de educação da UFES. Doutora e Mestra em educação. Especialista em história da arte: moderni-
dade e pós-modernidade. Realizou estudos aprofundados na L´Università di Roma.

Elisa Trés
Graduanda do 8º período de Licenciatura em Artes Visuais da UFES. Professora substituta de Artes no Centro Educacio-
nal União de Professores.

Marcelle Veloso
Graduanda do 8º período de Licenciatura em Artes Visuais da UFES. Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID/CAPES).

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CUSTOMIZAÇÃO E CUSTOMIZADOS-FORMATIVOS: PRÁTICAS COM
ESTUDANTES E PROFESSORES(AS) DE ARTE
Maria da Penha Rodrigues de Assis, Graduada em Educação Artística – UFES
Maria Angélica Vago-Soares, Doutoranda em Linguagens – PPGE/UFES – Bolsista Capes

RESUMO
O artigo trata de discussões a partir de experiências acerca do Ensino da Arte e seus desdobramentos, tendo
como foco o Projeto Serra Sustentável: Customização. As práticas tiveram início nas aulas de Arte, com alunos
das 7ª e 8ª séries do ensino fundamental/séries finais, matriculados nos anos de 2013 e 2014, na Escola
Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Sônia Regina Gomes Rezende Franco, localizada no bairro Serra
Dourada I, Serra/ES. Se desdobraram em momentos formativos com professores(as) de Arte do município,
tendo em vista uma metodologia colaborativa de cunho qualitativa, em parceria Escola e Secretaria de Edu-
cação Municipal.
Palavras-chave: Projeto. Customização. Momentos Formativos.

RESUMEN
El artículo se ocupa de las discusiones de experiencias sobre la educación artística y su desarrollos, cen-
trándose en el proyecto Serra Sostenible: personalización. Las prácticas comenzó en las clases de arte con
los estudiantes de séptimo y octavo grados de la escuela primaria/años finales, inscrito en los años 2013 y
2014, la Escuela Municipal Primaria Sonia Regina Rezende Gomes Franco, ubicada en el distrito de Serra yo
oro, Serra/ES. Se desarrolló en momentos formativos con los profesores(as) del Arte del municipio, con miras
a la metodología de colaboración de carácter cualitativo, en la escuela de la asociación y el Departamento
de Educación Municipal.
Palabras- clave: Proyecto. Personalización. Tiempos formativos.

INTRODUÇÃO
O artigo trata de discussões a partir de experiências acerca do Ensino da Arte e seus desdobramentos, tendo como
foco o Projeto Serra Sustentável: Customização, desenvolvido nas aulas de Arte, no ano de 2013 e 2014. O Projeto teve
início a partir de conversas com os estudantes das sétimas e oitavas séries da Escola Municipal de Ensino Fundamen-
tal (EMEF) Sônia Regina Gomes Rezende Franco, localizada no bairro Serra Dourada I na cidade de Serra/ES.
A partir do assunto sustentabilidade fomos mediando as conversas para perceber o que os estudantes já sabiam so-
bre o tema. Apresentamos alguns projetos sustentáveis e algumas propostas de exercícios acerca do assunto. Ficamos
surpresas, pois o entusiasmo foi geral quando puderam ver, através de imagens, um exemplo de oficina de restauro e
reaproveitamento de roupas. Assim, surgiu o Projeto Customização.
O objetivo geral foi sensibilizar os estudantes para ampliar olhares, para que pudessem ter um olhar diferenciado
quanto ao consumismo, tão presente na atualidade, bem como provocar atitudes de valor e reaproveitamento, pois
observamos que os mesmos tinham atitudes consumistas e que às vezes sem condições para tal, desfilavam com suas
roupas de marcas (mesmo genéricas) só pelo fato da marca ser da “moda”. Entendemos que,
O modismo sugerido pelos meios de difusão alteram o sentido da beleza, Em curto espaço de tempo, tudo
fica ultrapassado e antiquado. É a capacidade de persuasão que age na mente humana, colocando em jogo a
qualificação do homem como meio e não como fim, alterando e condicionando valores (SANS, 2005, p. 89).
Nesse sentido, a proposta esteve permeada por construção de conhecimentos, com os estudantes, para percepções
sustentáveis quanto ao consumo de roupas. De forma lúdica, as aulas de Arte, foram mediadas, pois acreditamos que

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“[...] a perda do lúdico provoca na criança o envelhecimento precoce e atrofia da espontaneidade [...]” (SANS, 2005, p.
21). Corroborando com Sans (2005), entendemos a fase adulta como continuidade da infância, “[...] elas não são duas
formas distintas, mas se completam e se integram, pois fazem parte da unicidade que é a pessoa (SANS, 2005, p. 21),
assim, mesmo que as práticas tenham sido em parceria com adolescentes, entendemos que a infância os constitui, e a
ludicidade é uma maneira de provocar inquietações e reflexões mais espontâneas, nas discussões propostas.
Numa perspectiva metodológica colaborativa de cunho qualitativo onde “[...] o dado é frequentemente verbal e é
coletado pela observação, descrição e gravação [...] (MOREIRA; CALEFFE, 2008, p. 73), o projeto foi dimensionado com
a participação dos estudantes e, também numa intenção interdisciplinar, com as professoras de Língua Portuguesa, Lu-
ciana e de Arte, Adriana. A professora Luciana produziu, com os alunos pesquisas e produção de textos sobre o assunto,
tendo como foco o consumismo e a imagem de crianças e adolescentes na publicidade, tendo em vista que “[...] as im-
agens nesse espaço são crescentemente revestidas de um discurso persuasivo e simbólico. Comprometido não apenas
em apresentar produtos, cumprindo um papel de promotoras de consumo [...]” (SHÜTZ-FOERSTE, 2004, p. 73).
A partir das pesquisas feitas com a professora Luciana, buscamos com os estudantes observar imagens de obras de
arte que fizessem links com a temática, muitas foram as descobertas e as leituras produzidas, que geraram muitas dis-
cussões e interesse das turmas. Os alunos sentiram o desejo em produzir, havia uma inquietude e ansiedade, no senti-
do de “vamos fazer?”.
Depois das descobertas conversamos e fizemos uma relação de coisas que poderiam ser reaproveitadas e decidimos
então customizar roupas. “[...] a arte mexe com a expressão, cuja natureza é fugidia e as manifestações que provoca, in-
tensas [...]” (TATIT; MACHADO,2004, p. 9). Cada estudante, em sua casa, começou a selecionar as peças que iria customi-
zar e segundo algumas falas deles, antes até pensavam em descartar. Além das parcerias já estabelecidas, buscamos a
colaboração do diretor da escola Sr. Amarildo Gobbi, que não mediu esforços para comprar o que precisávamos.

Vamos fazer?...
Começamos o Projeto com tingimentos, aplicação de acessórios (botões coloridos, gliter, retalhos de tecidos, lantejou-
las, tachinhas...), pintura com spray e tintas de tecido, enfim tudo para mudar a cara da roupa, dando um novo look, de
acordo com o visual que cada aluno queria criar.
Alguns estudantes experimentaram várias técnicas, outros optaram por apenas uma. Muito interessados fizeram a
customização a partir de seus desejos, refletindo suas singularidades. As trocas eram constantes, eles apreciavam os
trabalhos dos colegas e reelaboravam suas ideias para a produção das novas peças (Imagens 1, 2 e 3).

Imagem 1 e 2 – Estudantes fazendo customização com pintura


Fonte: Acervo de Maria da Penha R. De Assis

Imagens 3 e 4 - A turmas (re)produzindo suas novas roupas


Fonte: Acervo de Maria da Penha R. De Assis

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Em um momento de conversa, surgiu o interesse pela customização a partir da técnica do tie-dye1, que um dos estu-
dantes disse ter visto em uma das buscas pelo assunto. Pesquisamos novamente e começamos as novas oficinas. Mais
uma vez fomos surpreendidas, pois não parava de chegar roupas para serem customizadas: camisa do pai, calça da
mãe, roupas dos irmãos e as deles com frequência.
A mistura dos materiais foi bem interessante... Na bancada da sala de Arte, os alunos misturavam tinta guache e tinta
de tecido (Imagens 4 e 5), mergulhando as peças, já amarradas nessa mistura. Ficavam ansiosos para ver os resultados
ao desamarrarem as roupas e muito surpresos, por conta da gradação da cor, que causou uma nova motivação e novas
ideias.

Imagens 4 e 5 – Experimentando a técnica do Tie-Dye


Fonte: Acervo de Maria da Penha R. De Assis

Nesse mesmo ano, a Prefeitura da Serra fez uma proposta às escolas municipais para que apresentassem os projetos
trabalhados na Mostra Artística Cultural e Cientifica da Serra MACC2, cujo tema foi “Projeto Escola Sustentável”3, apre-
sentamos a proposta do Projeto e os estudantes ficaram muito felizes em poder participar da Mostra, tendo em vista
que “[...] a arte não pode se tornar algo sem vida, mecânico [...]” (EISNER, 2008, p. 82). Fizemos um grande desfile de
modas, com roupas que eles já haviam customizado nas aulas de Arte, que foi o ponto culminante do nosso trabalho.
Não ganhamos prêmio algum, porém o que ganhamos em nossa comunidade escolar foi fantástico! Ver os alunos en-
volvidos a ponto de fazermos oficinas com as famílias e com outros grupos sociais. As relações foram estreitadas entre
os estudantes, professores, famílias... Tivemos até que propor uma hora de parar, senão nem férias teríamos.
Então, quando pensamos que tinha acabado... Quem disse? Outra surpresa! Em 2014, fomos procuradas pelos alunos
que disseram o seguinte: Professoras, vamos fazer camisas de tie-dye para a Copa do Mundo? Então recomeçamos o
projeto em 2014, logo no começo do ano letivo, pois é um projeto longo (já sabia) e quando então chegou a Copa to-
dos na escola já tinham camisas, não só uma, como várias.
Em entrevista/conversa com os estudantes, eles reiteram a ideia de que trabalhar com projetos na escola é importante
para a construção e saberes formais e informais. Identificamos que a prática da customização foi um exercício que en-
cantou, em suas falas percebemos que ficaram muito felizes por poder reelaborar suas roupas. Momentos de expressão
e criação estiveram presentes em todos os momentos de produção e reelaboração. As trocas de experiências foram
marcantes no processo de aprendizados, é fato que cada aluno, “construindo seu universo particular no interior de um
universo maior “[...] é capaz de resgatar uma compressão polifônica do mundo [...]” (SOUZA, 1994, p. 160).

Momentos customizados - formativos com os (as ) professores (as ) de Arte


A partir da apresentação na MAAC/2014, fomos convidados pela Secretaria de Educação da Serra para colaborar em
momento formativo com professores(as) de Arte do município. Em parceria com Secretaria de Educação da Serra, pro-
movemos um momento formativo com os professores de Arte, no Centro de Formação Pedro Perez Valadão, onde acon-
tecem a maioria das formações continuadas com os professores(as) do município de Serra, no horário de planejamento
(PL)4 dos(as) professores(as). As formações são oferecidas nos dois turnos (matutino e vespertino) para que todos possam
participar, pois temos professores que trabalham na rede de ensino de Serra em um horário e em outra rede em outro.

1 do inglês “amarrar”(tie) e tingir(dye) é, sobretudo, uma forma de arte. É criar padrões de cor no tecido das mais variadas formas, utilizando as cores que você
bem entender, para alcançar resultados quase sempre improváveis e com ótimas surpresas no resultado final. Seja dobrando, amarrando, costurando, amassan-
do ou fazendo de qualquer outra maneira que você imaginar, o objetivo final é inibir o fluxo do corante nas dobras do tecido, esse é o fundamento de toda a
técnica. Disponível em: http://www.mundotiedye.com.br/o-que-e-tie-dye/. Acesso em 25 de set. 2013.
2 Disponível em: <http://app.serra.es.gov.br/redeca/index.php?target=seduMacc>. Acesso em 20 de jan. 2014.
3 Disponível em: < http://www.serra.es.gov.br/secom-secretaria-de-comunicacao/2013/08/inscricao-de-projetos-para-a-macc-ate-dia-30 >. Acesso em 20 de
jan. 2014.
4 No município de Serra, é solicitado à direção das unidades de ensino, que concentrem as cinco aulas de planejamento do professor de Arte, nas quartas-fei-
ras, para contribuir com a organização dos momentos formativos coletivos.

99
Para iniciar as conversas formativas tínhamos em mãos, sugestões dos(as) professores(as) de Arte, feitas anteriormente
por outros colegas mediadores ligados mais diretamente ao Centro de Formação, sobre as temáticas que queriam dia-
logar nos momentos formativos. Tendo em vista as sugestões deles(as), percebemos que tinham o desejo de conhecer
e/ou rever as discussões a respeito das propostas para o ensino da arte no município de Serra: Orientação Curricular:
de Educação Infantil e Ensino Fundamental: articulando saberes, tecendo diálogos5, produzido em 2008, com os pro-
fessores da rede e professores/pesquisadores da Ufes.
Preparamos o material para o momento formativo, tendo em vista revisitar alguns aspectos do documento curricular e
compartilhar o Projeto Customização. Na EMEF Sônia Regina Gomes Rezende Franco, fizemos uma breve entrevista/con-
versa (áudio-visual) com os três estudantes que participaram do projeto: Samara, Maria Eduarda e Thiago (Imagem 6).

Imagem 6 – Da esquerda para a direita: Professora Penha, Samara, Maria Eduarda, Thiago e Angélica
Fonte: Acervo Vago-Soares

Nesse momento as conversas foram mediadas com o intuito de perceber suas percepções sobre o projeto. Samara,
relatou que pegou roupas que não usava mais e customizou, colando lantejoulas e pintando. Thiago fez a oficina com
outros sujeitos, em um espaço que frequenta, Maria Eduarda disse que pode fazer um short com acessórios que estão
na moda. A conversa com eles foi bastante relevante, mostraram como o projeto teve importância do projeto na vida
deles.
Assim, já tínhamos como pontos de partida o documento curricular, o Projeto Serra Sustentável: Customização e a en-
trevista/conversa com os estudantes para iniciar os diálogos com os(as) professores(as) de Arte. Na primeira parte, os
diálogos foram estabelecidos sobre as propostas para o ensino da Arte a partir do documento referência do município
e a seguir fizemos o relato do Projeto Serra Sustentável: Customização, mediamos os diálogos a partir das práticas
desenvolvidas, escutando os(as) colegas e respondendo aos questionamentos feitos por eles, concluindo com a apre-
ciação e reflexão a respeito das falas dos estudantes na conversa/entrevista. Após as discussões e um breve intervalo,
fizemos uma Oficina Customizados-formativos, dividindo os(as) professores(as) em equipes, cada equipe recebeu uma
camiseta e elementos diversos para o exercício (linhas, agulhas, tecidos, cola, lantejoulas, botões, etc (Imagens 7).

Imagem 7 - Professoras produzindo customização


Fonte: Acervo Vago-Soares

Após as produções, apresentaram para os(as) colegas e agilizamos a exposição juntos. Nessa perspectiva, “[...] o narrador
retira o que ele conta da experiência: de sua própria experiência ou da relatada por outros. E incorpora, por sua vez, as coisas
narradas à experiência de seus ouvintes [...]” (BENJAMIN, 2012, p. 217), e de narrativas individuais passaram a ser coletivas,
ampliando as coleções de memórias.

5 SERRA, Prefeitura Municipal da. Orientação Curricular: de Educação Infantil e Ensino Fundamental: articulando saberes, tecendo diálogos.
Secretaria Municipal de Educação/Departamento de Ensino. Serra: ABBA Gráfica e Editora, 2008. Disponível em: <www.serra.es.gov.br/downloadwm/
edital_001_2012_diretrizes.pdf>. Acesso em 20 de jan. 2015.

100
Considerações
Reconhecer que as práticas educativas devem se conectar aos discursos internos e externos, nas memórias e no dia a
dia de professores (as) e estudantes, pensando na produção de conhecimentos sem estarmos atrelados apenas à con-
teúdos preestabelecidos, é pensar uma educação contemporânea, que contribuirá para que os sujeitos sejam mais críti-
cos e reflexivos em suas ações presentes e futuras. A escuta então, foi fundamental para essas interações e percepções.
O fato é que, produzir ações sem escutá-los, é não escutar as práticas vividas, que tem realmente significados para eles,
compreendendo as práticas educativas “[...] não apenas como uma lista de conteúdos a serem ministrados a um deter-
minado grupo de sujeitos, mas como criação cotidiana daqueles que fazem a escola [...]” (OLIVEIRA, 2007, p. 9).
Crianças, professores(as) e pesquisadores em constantes interações com aspectos relacionados ao seus cotidianos, es-
tarão em processo de reflexão e possíveis transformações em suas práticas, já que somos atores sociais e com desejos
diversos e singulares, que devem ser pontos de partida nas propostas pedagógicas.
Nessa perspectiva, é necessário pensar em práticas, tendo em vista as intertrocas, ocorridas e as transformações dos
espaços ao longo da história, já que a escola, o bairro, a cidade são espaços “[...] de trocas, de contatos e contratos so-
ciais, políticos e culturais [...]” (REBOUÇAS; MAGRO, 2009, p. 13), que se modificam e contribuem para a transformação
dos sujeitos que fazem parte dela.
Os momentos de trocas de saberes foram muito proveitosos. Estamos aprendendo a cada novo encontro formativo,
cada nova customização. E ainda esse ano pretendemos retomar as oficinas, pois já tem aluno pedindo assim: Vamos
pintar camisas professora? Bem como, têm professores(as) de Arte interessados em compartilhar suas experiências.

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. 8 ed. São Paulo; Brasil-
iense, 2012.
EISNER, E. Estrutura e mágica no Ensino da Arte. In: BARBOSA, A. M. Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cor-
tez, 2008.
MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina,
2008.
OLIVEIRA, I. B. de. As artes do currículo. In: OLIVEIRA, I. B. de (Org.). Alternativas emancipatórias em currículo. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2007.
REBOUÇAS, M. M.; MAGRO, A. A Cidade que mora em mim. Vitória: EDUFES, 2009.
SANS, P. de T. C. Fundamentos para o Ensino das artes plásticas. Campinas, São Paulo: Alínea, 2005.
SCHÜTZ-FOERSTE, G. M. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004.
SOUZA, S. J. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.
TATIT, A.; MACHADO, M. S. M. 300 propostas de artes visuais. São Paulo: Loyola, 2004.
VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

Maria da Penha Rodrigues de Assis


Graduada em Educação Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes (2003). Pós-graduada em Psi-
copedagogia pela Faculdade Fase (2007) e Professora de Arte na Prefeitura Municipal de Serra/ES.

Maria Angélica Vago Soares


Graduada em Educação Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes (2004), em Pedagogia pela Multiv-
ix (2013). Mestre em Educação pela Ufes (2012), Doutoranda em Educação pela Ufes. Professora de Arte da Prefeitura
Municipal de Serra/ES.

101
DISCURSOS SOBRE ARTE E MUSEU: O QUE DIZEM AS CRIANÇAS
Ivana de Macedo Mattos – UFES

RESUMO
Este artigo é um recorte da dissertação de mestrado, “Museu e escola: Espaços de sentidos”, realizada pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Essa investigação
visou a compreender como o museu de arte (MAES) atua na produção de sentidos dos estudantes, a partir
das relações estabelecidas com a escola, e, nesse proceder, como o museu compreende a arte e a escola
como destinatárias de suas ações. Tal recorte investigativo se deteve a mapear, como e quais os sentidos são
apontados pelas crianças para conhecerem o que elas dizem sobre a arte e sobre um museu de arte (antes
da realização de sua primeira visita a esse espaço, o que elas conhecem e qual a compreensão que elas têm
da arte). Utilizou-se a semiótica discursiva como metodologia analítica, com ênfase na análise semântica do
discurso.
Palavras-chave: ensino de arte, museu e escola, semiótica discursiva.

ABSTRACT
This article is an excerpt of the dissertation, “Museum and School: Spaces senses” conducted by Postgradu-
ate Program in Education of the Federal University of Espírito Santo. This research aimed to understand how
the art museum (MAES) operates in the production of senses of the students, from the relations established
with the school, and in this proceeding, as the museum understands the art and the school as a recipient of
their actions. Such investigative cut stopped the map, how and which way are appointed by the children to
know what they say about art and about an art museum (prior to his first visit to this space, what they know
and what understanding they have of art). We used the discursive semiotics as an analytical methodology,
with emphasis on speech semantic analysis.
Key words: teaching art, museum and school, discursive semiotics.

Os sujeitos dessa investigação foram 98 crianças, de quatro turmas do 5º ano do Ensino Fundamental I, na faixa etária
de 09 e 10 anos, que na ocasião eram meus alunos regulares na disciplina de arte. Como a pesquisa previa investigar
alunos que ainda não haviam participado de uma visita mediada a um museu de arte, essa aproximação permitiu-me,
após uma sondagem, detectar que essa série adequava-se ao perfil proposto. Pude, a partir desse momento, convidá-los
para a participação na pesquisa, o que foi atendido de pronto.

Com esse propósito, iniciei a construção de um instrumento produzindo um pequeno questionário, com cinco questões,
que foi apresentado e respondido em uma aula de Arte. Como os destinatários eram meus alunos regulares da referida
disciplina, inseri uma pergunta sobre Manifestações Artísticas (questão dois), assunto que estavam estudando, como
previsto em meu planejamento regular da série.

As perguntas foram assim estruturadas:


1 - O que é arte?
2- O que é manifestação artística? Cite algumas que você estudou.
3 - O que é um museu? Quais tipos de museu você conhece?
4 - Já visitou algum museu de arte?
5- O que você imagina que tem lá e qual a expectativa para essa visita?

102
Dos alunos que responderam a todas as questões, já retirando dessa contagem os que faltaram, dos 98 alunos, coletei
88 questionários das quatro turmas (5º A e 5º B) - 43 estudantes, do turno matutino, e (5º C e 5ºD) - 45 alunos, do turno
vespertino. Desses 88 alunos, foram coletados:
• No 5º A: 20 alunos - 12 meninos e 08 meninas.
• No 5º B: 23 alunos - 12 meninos e 11 meninas.
• No 5º C: 24 alunos - 14 meninos e 10 meninas.
• No 5º D: 21 alunos - 09 meninos e 12 meninas.

Gráfico 1 – Relação de meninos e meninas por turma.

Para essa análise dos discursos das crianças, baseando-me nas respostas do questionário proposto, foi utilizada a
semiótica francesa e/ou discursiva como metodologia analítica, com ênfase na análise semântica do discurso. Com-
preendo que essa teoria é pertinente, uma vez que nos mostra o ‘que’ e ‘como’ os textos produzem sentidos a partir das
análises dos procedimentos que os estruturam e os tornam um todo de sentido.
Essa concepção de texto é definida por Barros (1988) e também por Fiorin (2013). Este reitera que a semiótica, embora
não ignore que o texto seja um objeto histórico, enfatiza o conceito de texto como objeto de significação, e, por con-
seguinte, tem sua principal preocupação no estudo dos mecanismos que o engendram e que o constituem como uma
totalidade de sentido.
Os textos, segundo Rebouças e Magro (2009), encontram seu lugar entre os objetos culturais inseridos numa socie-
dade; desse modo, não podem ser analisados como estruturas fechadas, mas devem estabelecer uma relação com o
contexto sociocultural que os envolve.
Segundo Fiorin (2013), essa teoria é concebida como sintagmática, geral e gerativa. Ela é sintagmática porque tem
como objetivo estudar a produção e interpretação dos textos. É geral porque se interessa por qualquer tipo de texto,
independentemente de sua manifestação, seja ela visual, verbal ou ainda verbo-visual. É uma teoria gerativa, porque
concebe o texto como um percurso gerativo, que percebe o texto do simples e abstrato ao mais complexo e concreto,
num processo de enriquecimento semântico.
O percurso gerativo de sentido não tem um estatuto ontológico, ou seja, não se afirma que o falante na
produção de seu texto passe de um patamar ao outro num processo de complexificação semântica. Ele con-
stitui um simulacro metodológico, para explicar o processo de entendimento, em que o leitor precisa fazer
abstrações, a partir da superfície do texto, para melhor entendê-lo. (FIORIN, 1995, p.20)
O percurso gerativo de sentido, sob o olhar de Fiorin (1994), é um simulacro metodológico, com a função de explicar o
processo de entendimento em que o leitor precisa fazer abstrações a partir da superfície do texto, para melhor enten-
dê-lo. Este é constituído de três níveis ou patamares: o nível fundamental, o narrativo e o discursivo.
O nível fundamental abriga as categorias semânticas que estão na base de construção de um texto, é uma categoria
que se fundamenta na diferença, na oposição; apesar disso, para que os dois termos possam ser apreendidos conjun-
tamente, é preciso que tenham algo em comum e é nesse traço comum que se estabelece a diferença, como preconiza
Fiorin (2013).

103
O mesmo autor diz que, no nível narrativo, o sujeito assume a ação e realiza transformação de estados. A narrativida-
de é componente de todos os textos e pode ser definida como transformação situada entre dois estados sucessivos e
diferentes.
No nível discursivo, a narrativa é assumida por um sujeito da enunciação. Esse nível é aquele em que se revestem as es-
truturas narrativas e abstratas, a tematização e a figurativização. No nível sintático, um sujeito da enunciação converte
em discurso os esquemas narrativos, por meio dos mecanismos de instalação da pessoa, do espaço e do tempo, ou seja,
um eu, aqui, agora, ou ele, lá; então, o primeiro, da objetividade; o segundo, de distanciamento.
O conceito de discurso na semiótica “é o patamar do percurso gerativo de sentido em que um enunciador assume as
estruturas narrativas e, por meio de mecanismos de enunciação, actorializa-as, temporaliza-as de temas e/ou figuras”.
Fiorin (1994, p.30). Nesse sentido, os temas e as figuras são níveis de concretização de sentido.
De acordo com Fiorin (2013, p.91), “os ‘temas’ são um investimento semântico de natureza conceitual, que não se
remetem ao mundo natural, mas são categorias que se organizam, categorizam, ordenam os elementos do mundo
natural”. O autor exemplifica, por exemplo: elegância, vergonha, raciocínio, orgulhoso, etc. Já as ‘figuras’, conforme Fiorin
(2013, p.91), “são todos os conteúdos de qualquer língua natural ou de qualquer sistema de representação que tem um
correspondente perceptível no mundo natural”, como, por exemplo: árvore, vagalume, sol, corrida, brincadeira, azul, frio,
dentre outros.
Também no percurso da análise semiótica pretende-se observar as questões ligadas à isotopia, presentes nos discur-
sos. A isotopia, conforme Fiorin (2013) é a coerência semântica, e o que faz dele uma unidade é a reiteração, a redun-
dância, a repetição, a recorrência de traços semânticos ao longo do discurso.
“Em análise do discurso, isotopia é a recorrência de traços semânticos ao longo do texto. Para o leitor, a
isotopia oferece um plano de leitura, determina um modo de ler o texto.” (...) “A recorrência de traços semân-
ticos estabelece a leitura que deve ser feita. Essa leitura não provém da fantasia do leitor, mas está inscrita
no texto” (FIORIN, 2013, p. 113).
A análise das cinco questões foi feita separadamente, na procura de observar, no discurso, não só o que mais foi reiter-
ado (as isotopias), como também os distanciamentos. Por ter feito a pesquisa nas quatro turmas dos 5os anos A, B, C e D,
e ter muitos questionários, tabulei os dados separadamente para melhor apresentar os dados coletados. Em algumas
perguntas, achei pertinente manter a análise, por turma, porém, em outras, considerei que podia fazer uma análise
geral. Inicio com a pergunta:

1- O QUE É ARTE?
Nessa questão, fiz uma análise por turmas e também separei os meninos das meninas, por compreender ser uma per-
gunta mais aberta e, consequentemente, perceber respostas diferenciadas entre as turmas e também entre os gêneros
masculino e feminino. Observei que os meninos responderam de forma mais rápida, foram mais diretivos, e as meninas
exploraram mais as minúcias e as emoções. Iniciaremos as análises pelos meninos.
Para nove dos doze meninos da turma do 5º A, a Arte foi tematizada, e houve reiterações de traços semânticos. Para
esses meninos, a arte é compreendida como “forma de expressão” e “forma de expressar sentimentos”. Um aluno se dif-
erenciou, expondo que a arte pode ser: ”forma de expressar cultura”. Dois alunos figurativizaram os modos de como a
arte se manifesta e reiteraram que a arte pode ser “expressa por meio de pinturas, esculturas e desenhos”, técnicas essas
pertencentes às artes visuais.
Na turma do 5º B, o resultado foi bem semelhante; dos doze meninos, oito perceberam a Arte de forma temática, o que
mais emergiu foi que a arte é: ”Expressar sentimentos” e “Uma bela forma de expressão”. Dois alunos disseram que a
arte: “pode ser expressa por meio da imaginação” e “com muita cor e imaginação”. Apenas dois alunos figurativizaram, pon-
tuando, em seus discursos verbais, que a arte pode ser representada “por meio de desenhos, pinturas, esculturas, colagem”,
desse modo, novamente os textos verbais perpassam a forma de expressar somente técnicas das artes visuais.
A Arte, para seis dos quatorze meninos da turma do 5º C, foi tematizada e reiterada pelo adjetivo “legal”, este com
algumas variações que foram: “representações legais”, “tudo que é legal”, “coisas muito legais” e, ainda, figurativizada nos
discursos como “pinturas legais”, “pinturas, músicas e grafites legais” e “imagens legais”. Foi a única turma a usar esse adje-
tivo, bem genérico, e reitera “o estranhamento” desse grupo de meninos que não estava muito interessado em respond-
er ao questionário nesse dia, alguns até perguntaram: “Tia, a gente não vai desenhar hoje?” Apenas um aluno percebeu a
arte como forma de “expressar sentimentos”. Emergiu, de forma recorrente, por cinco alunos, que a arte se manifesta por
meio de figuras como o “desenho, pintura, escultura, filmes, danças e pinturas”, um número um pouco maior que as duas
turmas já analisadas.

104
Dois alunos se distanciaram dos demais com os discursos: “Arte é cultura” e “Arte é quase a vida de algumas pessoas”. Em
relação às especificidades da arte, no que se refere à forma e ao conteúdo, o discurso desse último aluno dialoga com
a relação proposta pelo filósofo Luigi Pareyson (1989), que relaciona arte e vida. Ele reafirma que não há separação
entre as manifestações da vida, da história, o que se reflete nas manifestações do homem, educando-o, e nas suas man-
ifestações artísticas. “A arte é influenciada pela vida de seu autor, mas dela emerge e se distingue, com especificação,
natureza, finalidade e caracteres próprios”. (CORASSA E REBOUÇAS 2009, p.34).
[...] o artista afirma a própria personalidade humana, sobretudo no fazer arte, isto é, no dedicar-se à tarefa
que ele escolheu para a sua própria vida, de modo que não é possível compreender a fundo a arte de um
autor sem dar conta do que foi para ele sua arte. (PAREYSON, 1989,79)
Nesse sentido, “Se existe continuidade entre uma e outra, o artista extravasa na arte a sua vida, sendo suas obras doc-
umentos dela. Goethe afirma que suas poesias são confissões. Por outro lado, a vida do artista, sua formação e cultura
refletem-se em suas obras” (CORASSA E REBOUÇAS, 2009, p.32).
Para sete dos nove meninos da turma do 5º D, “forma de expressar sentimentos” e “arte é expressão” foi reiteradamente
tematizada. Observou-se ainda que, para dois alunos, a arte é: “Tudo que é criativo” e “Jeito de uma pessoa se manifestar”.
OSBORNE (1968) diz que a arte tem como principal função a comunicação da expressão; desse modo, as obras de arte
são consideradas objetos expressivos e concretizam situações que o artista experimentou. Nesse sentido:
“Os que partilham dessa teoria expressiva na arte sustentam, não raro, que é caráter qualitativo da emoção
sentida que se exprime nas obras de arte, só nelas, ou, pelo menos, muito mais adequadamente nelas do que
em qualquer meio de comunicação.” (OSBORNE, 1968, p.213).
Para as oito meninas da turma do 5º A, as respostas foram bem diferenciadas, apenas duas tematizaram. Para elas, arte
é “demonstrar o que sente”, “forma de se expressar”, ou seja, com respostas próximas às dos meninos. Porém, observa-se
que, no discurso das outras seis meninas, os temas e figuras aconteceram conjuntamente, e elas já conseguiram per-
ceber a arte com um sentido mais amplo, não ficando presas somente às artes visuais, englobando algumas de suas
outras vertentes, como se pode ver nos discursos a seguir: “Expressar sentimentos por meio da pintura, escultura, música,
teatro, grafite, dança e poemas”; “Arte é uma inspiração que os artistas têm e colocam em forma de alguma coisa, podem ser
pinturas, esculturas, poemas, grafite”; “Arte é a compreensão de algo, é demonstrar sentimento, uma forma de expressão, mais
do que só desenhar”.
A isotopia temática foi observada por meio de recorrências para seis das onze meninas do 5º ano B, como “Forma de
expressar sentimentos e emoções”, porém, duas falas se diferenciaram: “Arte é a maneira de expressar sentimentos, os
gostos, as culturas através da imaginação” e “Arte é uma inspiração que acontece dentro de você”. No discurso dessa aluna,
emergem características do período do Romantismo¹. “Para os Românticos, a inspiração era função do subconsciente,
não racional, agindo involuntariamente pelo artista.” (CORASSA E REBOUÇAS, 2009, p.27).
Percebe-se, além disso, no discurso de três meninas, a reiteração de temas e figuras: “Arte é uma forma de expressar sen-
timento, se você estiver triste pode fazer um desenho sombrio”; “Arte é a maneira de expressar emoções e sentimentos, que
podem ser pinturas, esculturas, arte de rua (grafite), dança e música.”; “Arte é uma forma de se expressar sentimentos deixan-
do sua marca em uma pintura ou outro tipo de arte”. Isso revela que ”(...) não há texto figurativo que não tenha um nível
temático subjacente, pois este é o patamar de concretização de sentido anterior à figurativização.” (FIORIN, 2013, p.94).
Da mesma forma, a noção de sentimento e de expressão expressa pelos discursos das alunas está associada à Arte, sob
o ponto de vista também do Romantismo, que valoriza a inspiração como força interna, como um gênio artístico que é
dotado de vocação e, por isso, “sentia uma necessidade compulsiva de exteriorizá-la e concretizá-la numa determinada
forma de arte” (CORASSA E REBOUÇAS, 2009, p.27).
Na turma do 5º ano C, das 10 meninas, somente duas alunas tematizaram “forma de expressar sentimentos” e “ter uma
grande inspiração”; as outras oito meninas utilizaram figuras como forma de representar a arte e, também, foram redun-
dantes as diversas manifestações artísticas e técnicas das artes visuais: “música, teatro, dança, instalações, exposições,
artes plásticas, desenho, pintura, escultura”. Uma aluna ainda frisou que “arte não é só pinturas e desenhos, depende de
cada gosto, também pode ser música, pinturas, teatros, instalações, shows e muito mais”. Percebe-se que, nessa turma em
particular, reforçada por meio dos discursos das próprias crianças, que elas têm um repertório mais ampliado sob o
ponto de vista do cultural e artístico.
Em relação às doze meninas do 5º ano D, seis meninas figurativizaram de forma reiterada: “Arte é desenho, pintura, gra-
fite, dança”, e as demais tematizaram com os discursos: “Maneira de se expressar”; “Expressar sentimento”; “Arte é uma coisa
profunda, que vem do coração, é muito bonita”; “Arte é tudo que uma pessoa cria” e “Arte é expressar sentimento e o que você
sente por dentro”.

105
Percebe-se, nessa análise, que foram encontrados textos figurativos e temáticos. Em consonância com Fiorin (2013),
precisamos entender que “texto quer dizer tecido”.
“O que interessa, pois, em uma análise textual, é esse encadeamento de figuras, esse tecido figurativo. Ler
um texto não é apreender figuras isoladas, mas perceber as relações entre elas, avaliando as tramas que as
constituem.” (FIORIN, 2013, p.97).
Nessa perspectiva, esse percurso figurativo é formado pela rede relacional de figuras. Figuras essas que são da arte, ou
seja, as crianças compreendem a arte a partir de linguagens que conhecem, como o desenho, a pintura e o grafite.

2- O QUE É MANIFESTAÇÃO ARTÍSTICA? CITE ALGUMAS QUE VOCÊ ESTUDOU.


Essa questão pôde ser analisada de forma geral, pois os discursos das quatro turmas do 5º ano A, B, C e D foram bem
próximos. Na análise da questão: O que é manifestação artística? Detectei que boa parte das crianças entendeu que a
Arte relaciona-se a temas, como: “expressão”, “sentimento”, e manifestação artística às figuras, isto é, relacionaram as
vertentes das artes bem como as técnicas das artes visuais: “Pintura, escultura, grafite, dança, teatro, dentre outros”.
Entretanto, ainda encontrei alguns alunos que utilizaram temas e figuras como percebemos no exemplo: “Manifestações
artísticas são tipos de arte que expressam emoções e sentimentos por meio de pinturas, esculturas, arte de rua (grafite),
dança e música”. Percebi também que algumas crianças não responderam a essa pergunta ou ainda repetiram pratica-
mente a mesma resposta, uns disseram: “Tia, mas arte e manifestação artística é quase a mesma coisa...”.
Em relação à segunda parte da questão: Cite algumas (manifestações artísticas) que você estudou, percebi que foram quase
unânimes as respostas: “grafite” e “grafite x pichação”. Isso se deu, pois esse estudo foi proposto no livro de Língua Por-
tuguesa, e as professoras pediram que eu realizasse um trabalho interdisciplinar, em Arte. Desse modo, os estudantes
pesquisaram sobre os grafiteiros brasileiros, e o livro destacava “Os Gêmeos”, fotografaram grafites da cidade e trouxeram
para a sala de aula, desenharam, pintaram e, assim, ficou mais marcado e forte nos discursos das crianças. Temas também
citados, com menos repetição, foram: “Carnaval”, “Hip-hop”, “Semana de Arte Moderna”, “Cultura” e “Festa Junina”.

3 - O QUE É UM MUSEU? QUAIS TIPOS DE MUSEU VOCÊ CONHECE?


Iniciei com a primeira parte da pergunta: O que é um Museu? Em primeira análise, nos discursos das crianças das qua-
tro turmas, percebe-se o museu considerado um lugar. “Lugar” é um substantivo masculino, que vem do latim LOCALIS,
referente a uma posição, o LOCUS.
Foi tematizado, nas quatro turmas, o museu como cinco tipos de lugares:
• Lugar onde se guardam coisas. 5os A, C e D.
• Lugar de exposições. 5os A, B, C e D.
• Lugar que tem história. 5os A, B e D.
• Lugar de apreciação. 5º B.
• Lugar de aprendizado. 5º C.

Gráfico 2 – Museu como lugar apreciado por turmas.

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A seguir, temos alguns discursos das crianças sobre o museu enquanto lugar, de acordo com as temáticas apresentadas:

LUGAR ONDE SE GUARDAM COISAS:


O museu enquanto monumento que guardam: “coisas importantes”; “coisas antigas”; “coisas valiosas”; “coisas que passam
a fazer parte da história”; “Lugar em que guardam coleções de música, quadros, roupas de pessoas importantes e suas coi-
sas”; “É um centro histórico onde guardam obras e peças antigas”; “Coisas históricas”; “Lugar onde guardam artefatos históri-
cos, pinturas, etc.”; “Guardam esculturas e fósseis”; “Guardam grandes obras”. “Lugar onde guardam quadros”; “Guardam coisas
antigas, pré-históricas”.

LOCAL DE EXPOSIÇÕES:
O museu também foi destinado a ser: “É um lugar com exposições de acordo com seu tema”; “Onde a arte é
apresentada ao público, pode conter coisas do passado e presente”; “Um museu é onde ficam em exposição as obras que
uma pessoa fez”; “Museu é uma construção onde ficam diferentes tipos de exposições, não só de arte, existem também os
museus históricos onde falam de fatos que aconteceram por lá”, “Lugar onde se expõem coisas antigas, esculturas, pinturas,
todas as obras de arte”.

LUGAR QUE TEM HISTÓRIA:


Foi visto como: “lugar que conta a história de algum lugar ou arte de alguns artistas”; “recordações históricas, artísticas,
geográficas e científicas”; “onde encontram antiguidades, coisas importantes como roupas e outras coisas como, por exemplo,
de D. Pedro I e II”; “Lugar onde se guarda a história”; “Lugar onde ficam coisas históricas e que marcaram o povo”; “Local em
que você pode encontrar coisas antigas, artes, animais empalhados e muitos outros objetos”.

LUGAR DE APRECIAÇÃO:
Foi compreendido apenas por um aluno como: “Lugar onde você pode apreciar as coisas”.

LUGAR DE CONHECIMENTO E APRENDIZADO:


Foi visto como: “Lugar onde demonstram seu talento para todo mundo”; “Fonte de sabedoria, não um lugar de coisas vel-
has”; “É uma fonte de aprendizado”.

Para a aferição da segunda parte da questão: Quais tipos de museu você conhece? , O resultado foi organizado em uma
tabela, com a intenção de mostrar todos os museus citados e a recorrência deles nas turmas. Vale ressaltar que algu-
mas crianças citaram mais de um museu, e outras não citaram, pois responderam apenas à primeira parte da questão,
e ainda outras disseram não conhecer nenhum museu, o que também foi tabulado. Esse “conhecer” teve a conotação de
ter visitado. A seguir pode ser observado os museus citados:

Gráfico 3 – Museus citados pelos alunos.

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Com esses dados tabulados, percebe-se que o Museu de história foi o mais visitado, seguido pelo de Arte e o de Ciên-
cias. O número de alunos que não visitou nenhum museu foi bem significativo, ficando em segundo lugar se compara-
do ao de História, que foi o mais visitado. Dois alunos citaram o Museu de Biologia Melo Leitão, referência na área de
Biologia e que se encontra em Santa Tereza, no interior do estado. Observou-se também que somente quatro alunos
foram ao MAES, e três ao Museu Vale, museus esses que se encontram em nossa cidade, revelando não ser de costume
das famílias propiciar a seus filhos o acesso a museus na vida cotidiana. Entretanto, constatou-se também que alguns
museus como MASP, Museu do Futebol, Louvre, Malba, Museu Imperial, dentre outros, foram mencionados e nos fazem
crer que, enquanto turistas em viagens pelo Brasil ou pelo exterior, esses espaços devam fazer parte do roteiro cultural.

4 - JÁ VISITOU UM MUSEU DE ARTE?


Nessa pergunta, foram tabuladas quantitativamente as 88 respostas do questionário, primeiro em gráfico por turmas e,
posteriormente, em porcentagem geral das quatro turmas, para visualizar os que visitaram ou não um museu de arte.

Gráfico 4 – Relação por turma dos alunos que já visitaram museu de arte.

Gráfico 5 – Porcentagem geral dos alunos que visitaram um museu de arte.

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5- O QUE VOCÊ IMAGINA QUE TEM LÁ E QUAL A EXPECTATIVA DA VISITA?
Na primeira parte da pergunta: O que você imagina que tem lá? , foi reiterado figurativamente nos discursos das cri-
anças das turmas do 5º A, B, C e D, que encontrariam obras das artes visuais, visto ser o MAES um museu de arte. Nesse
sentido, foram figurativizados: quadros, pinturas, esculturas, objetos, fotografias, dentre outros.
“Eu imagino que tenha pinturas, talvez esculturas”; “Muitas pinturas diferentes, bonitas e interessantes”; “Eu imagino que
tenha vários quadros, suas histórias”, “Pinturas diferentes”, “Imagino que lá tem pinturas e fotografia”; “Eu imagino que lá vai
ter obras de arte, fotografias muito bonitas e talvez esculturas”.
Dois discursos se diferenciaram: Um aluno achou que encontraria coisas antigas: “Imagino encontrar muitas coisas an-
tigas”. E um aluno disse que encontraria (mediadores) que iriam apresentar a exposição. “Imagino que terão as artes e
pessoas que vão nos apresentar a arte”.
Dos 88 alunos que responderam ao questionário, apenas 23 alunos expressaram sua opinião sobre a segunda parte
da pergunta: Qual a expectativa da visita? Não posso afirmar o motivo que levou a essa conduta, mas acredito que, em
função da faixa etária, já estavam um pouco cansados, sendo essa a última questão. Desse modo, fiz uma análise geral
das quatro turmas.
Os discursos das crianças revelaram bastante expectativa e empolgação, dado o calor dos preparativos e, principal-
mente, pelo ensejo de estarem saindo da escola para uma visita de campo, o que é sempre muito significativo para
elas, em decorrência dos novos encontros, surpresas, pelo aguçar da imaginação, como pode ser aferida em algumas
falas de determinadas crianças:
“Minha expectativa é que vou encontrar um lugar cheio de quadros e que teria um mistério, quadros abstratos e muito mais”;
“Acho que a visita vai ser bem legal”; “Estou feliz, pois nunca fui a um museu”; “Imagino ter muitas pinturas bonitas lá, eu es-
tou muito empolgado”; “Estou com uma expectativa grande”; ”Eu imagino que lá tem muitas obras de artista e eu vou adorar
a exposição”; “Acho que será legal e inspirador”; “Imagino que terá coisas bem bonitas, eu estou muito animada para ver o
que tem lá”; “Minha expectativa é que a exposição seja muito colorida e interessante”; “A minha expectativa para a visita ao
museu de arte é que vai ser muito interessante”; “Espero curtir essa visita”; “Eu estou muito animada para ver o que tem lá”;
“Vai ser bem divertido”.
Concordo com Martins (2009) no artigo “Expedições instigantes”, quando diz que pequenos deslocamentos em nosso
cotidiano, quando nosso ‘corpo/olhar’ se faz sensível e atento, mesmo que seja para visitar uma praça próxima, ir à es-
cola, ou mesmo à casa do vizinho, identificamos as semelhanças e diferenças do modo de ver e pensar, que nos trazem
expectativas e o gosto pelas descobertas, pequenos deslocamentos que podem gerar novas percepções dos outros, de
nós mesmos e do mundo que habitamos. Desse modo, também se refere a uma visita ao museu:
“Imagine o que é viajar para um lugar preparado para visitas a territórios desconhecidos, ou pouco desconhecidos,
descobrindo novas paisagens e objetos, novos modos de habitar nosso planeta. É assim quando entramos num museu,
seja qual for o acervo, se patrimônio guardado cuidadosamente e revelado aos corpos desses viajantes da cultura. Tra-
zendo a tona o desejo humano pelo que não se sabe, não se conhece e não se viu, vamos viajar por meio das palavras
desse texto”. (MARTINS, 2009, p.9)
A fala de uma aluna traduz de forma significativa e sensível essas questões: “Para mim, museu é onde ficam artes famo-
sas, eu estou doida para chegar o dia 30, pois eu vou conhecer pela primeira vez um museu e porque eu adoro arte”.

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NOTAS:
¹ No Romantismo, as figuras artísticas são associadas aos sentimentos que as animam e à sua expressão individual, re-
legando, na arte, a representação de modelos externos e convencionais. É uma antítese da arte desde o Renascimento
e a formação de uma arte pela arte. Se antes tínhamos a estética da forma, no Romantismo temos a estética do con-
teúdo. (CORASSA E REBOUÇAS, 2009, p.10).

REFERÊNCIAS:
BARROS. Diana L.P.de. Teoria do discurso. 3. ed. São Saulo: Humanitas: FFLCH/USP, 2001.
CORASSA, Maria Auxiliadora; REBOUÇAS, Moema Martins. Propostas metodológicas do ensino da arte I. Edição – Vitó-
ria, ES: Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de educação Aberta e a Distância, 2009.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. 15. ed. São Paulo: Contexto, EDUSP, 2013.
__________. A noção de texto na semiótica. In : Organon, Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 23. Porto Alegre: UFRGS, 1995.
__________. Polifonia Textual e discursiva. In: Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo:
EDUSP,1994, p.29 a 36.
MARTINS, Mirian Celeste. Expedições Instigantes. In MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para
professores andarilhos da cultura. 2 ed. São Paulo: Intermeios, 2012.
OSBORNE, Harold. Apreciação da Arte. São Paulo: Cultrix, 1970.
PAREYSON, Luigi. Os problemas da estética. São Paulo: Martins Fonrtes, 1989.
REBOUÇAS, Moema Martins & MAGRO, Adriana. A cidade que mora em mim. Vitória: EDUFES, 2009.

Ivana de Macedo Mattos.


Arte/educadora da Rede privada de ensino, atuante no ensino fundamental e médio há 18 anos. Mestranda em Edu-
cação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Abordagens Contemporâneas em arte/educação,
Bacharel em Artes Plásticas e Licenciada Plena em Educação Artística.

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EXERCITANDO A MEMÓRIA UTILIZANDO O DESENHO
COMO MEIO EXPRESSIVO DA ARTE.
Tania Valena da Silva Noronha

RESUMO
O presente trabalho visa exercitar a memória a partir da valorização da oralidade como modo de aquisição
de conhecimento e desenvolvimento de processos criativos por meio do desenho. A proposta metodológica
para atingir aos objetivos esperados inclui o contar, ouvir e registrar histórias através da fala, da perfor-
mance durante a narrativa e dos desenhos.
Palavra-chave: Memória, história, desenho, oralidade

ABSTRACT
This work pretends to exercise the memory based on the valorization of orality as a way of acquiring knowl-
edge and developing creative processes through drawing. The methodology propose to achieve the expect-
ed goals that include the counting, listening and registering stories through speech, and performance during
the narrative of drawings.
Key words: memory, history, design, orality

INTRODUÇÃO
Este artigo constitui parte de minha monografia, defendida em dezembro de 2014, no Centro de Artes da Universidade
Federal do Espírito Santo – UFES, que teve como por objetivo a valorização da história oral como forma de conhecer e
desenvolver processos criativos, utilizando memórias familiares, em tradição oral e iconográfica. O objeto deste tra-
balho é transpor técnicas de memória e oralidade em linguagem própria para crianças em idade pré-escolar, fornecer
material para pintura e desenho, sugerir temas, contar e ouvir histórias. Através de desenhos e pinturas idealizados e
executados por crianças, pretendo desenvolver nas mesmas a curiosidade e estímulo para suas criações, de acordo com
o sentimento de cada uma delas.
Foi decidido, então, adotar por um plano de trabalho que preconize atos de efeitos agradáveis e estimulantes nas
atividades de criação, priorizando brincadeiras e conversas informais, de maneira a não causar o cansaço prematuro do
aluno, enquanto acontece a oficina.

O objetivo geral de nosso trabalho é utilizar informações sobre artes visuais, memórias culturais, princípios de orali-
dade e toda sorte de ícones e leituras visuais disponíveis (telas, fotografias, dentre outros, para formar um volume de
conhecimento direcionado ao desenvolvimento criativo da criança submetida ao procedimento de educação artística.
O propósito do projeto educacional artístico é promover estímulos espontâneos no educando, na condução de sua arte,
e ao mesmo tempo apresentar conceitos técnicos de artes visuais, sem, no entanto, confrontar ou direcionar a criativi-
dade do aluno.
Levando em conta que o desenho é uma linguagem para ser utilizada em qualquer faixa etária, constitui-se então em
excelente ferramenta para trabalhar a memória. Seguindo esse raciocínio, foi utilizado a linguagem gráfica e verbal
para planejar um projeto de memória a ser aplicado em crianças de quatro a sete anos de idade.

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JUSTIFICATIVA
A seleção de um público alvo de natureza infantil é sustentada pelo fato da criança estar em seu processo de cria-
tividade potencial e estar aberta à novos conceitos, diferente dos adultos que costumam ser menos flexíveis à novos
conceitos, fato esse que facilita a absorção espontânea de informações, enriquecidas com o próprio sentimento de
percepção do belo. Sobre esse potencial, Vygotsky discorre que:
O desenvolvimento dos processos que acabam por gerar a formação dos conceitos começam durante as
fases mais precoces da infância, mas as funções intelectuais que, em determinadas combinações formam a
base psicológica da formação dos conceitos amadurecem, tomam forma e desenvolvem-se apenas durante a
puberdade. (Vygotsky, cap. III).1.

À partir do momento em que a criança aprende a segurar o lápis, ela dá início ao desenho, riscando o papel com linhas,
conhecidas como garatujas. Mais tarde, ela já começa a dar forma nos seus rabiscos, criando as suas primeiras imagens.
JNa “garatuja nomeada” a criança passa do movimento sinestésico, motor, ao imaginário, ou seja, através de
um objeto concreto tenta representar sua imagem de forma gráfica. (Larissa Oliveira Lopes, 2011).2

Além de considerar o grafismo da criança, é importante ouvi-la e deixar fluir sua imaginação ao contar histórias. A
formulação de perguntas deve ser de forma contida, conferindo liberdade ao seu pensamento, no que tange às suas
lembranças e aspirações. Bosi diz que “A memória é um cabedal infinito do qual só registramos um fragmento”. (BOSI,
1994, pg. 3)

QUADRO TEÓRICO
Falar de memória nesse trabalho é fundamental para compreensão das narrativas orais e visuais que serão apresenta-
das, e promover debates, enriquecidos pelas lembranças suscitadas.
É importante valorizar o exercício da memória, estimulada por lembranças pessoais e cooptadas, seja em pesquisas de
acervos ou meras narrativas, em detrimento de fontes tecnológicas. Com isso, Benjamin expõe que:
Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes.
A razão é de que os fatos já nos chegam cheios de explicações. Em outras palavras, quase nada está a
serviço do que acontece está a serviço da narrativa e quase tudo está a serviço da informação. (BENJAMIN,
1985, p. 203). 
A busca da memória na oralidade consiste na imaginação tanto do narrador quanto do ouvinte. A narrativa não se
prende a fatos lapidados, é produto bruto, misto de crença e emoção. A fantasia se torna realidade. A narrativa não tem
as amarras da veracidade, e seu elo principal é a e empatia. Bosi traz o entendimento que:
Pela memória, o passado não só vem a tona das águas presentes, misturando-se com as percepções ime-
diatas, como também empurra, “desloca” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória
aparece como força subjetiva, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora.
(BOSI, 1994, pg. 47)
A pesquisa tradicional necessita do lustro da credibilidade, da comprovação científica e de provas cabais para ser
aproveitada. A memória pesquisada em fontes tradicionais, como jornais internet e livros, é de natureza fria, desprovida
da emoção incontinenti da descoberta compartilhada.
Uma questão fundamental no exercício da memória é a prática da oralidade, que vêm decaindo no esteio das tecnolo-
gias disponíveis na vida moderna. É inebriante constatar a disposição dos mais velhos em narrar histórias com vívida
disposição e sentimentos, de alegria ou tristeza. Os mais vividos são detentores de maior experiência que os imberbes,
fato validado pela observação abaixo:
O narrador é um mestre do ofício, que conhece seu mister: ele tem o dom do conselho. A ele foi dado
abranger uma vida inteira. Seu talento de narrar lhe vem da experiência; sua lição, ele extraiu da própria dor,
sua dignidade é a de contá-la até o fim, sem medo. Uma atmosfera sagrada circunda o narrador (BOSI, 1994,
pg. 91).

1 Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html#ind8>. Acesso em: 21 out. 2014.


2 Disponível em: < http://www.crc.uem.br/pedagogia/tcc_2011.html> . Acesso em 10 fev. 2014.

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Antes do surgimento da tecnologia em massa em nossas vidas, era habitual as pessoas conversarem, trocarem infor-
mações e se cumprimentarem pessoalmente. Também era comum pais e avós, sentarem-se com filhos e netos e narrar
histórias que vivenciaram quando jovens. Os mais novos ouviam com atenção as narrativas, vivências e conselhos,
ditados pela sabedoria da idade.
Acredita-se que o exercício da oralidade pode ser intensificado e sua prática valorizada. Bosi expressa abaixo sua
preocupação com a decadência da oralidade:
Por que decaiu a arte de contar histórias? Talvez porque tenha decaído a arte de trocar experiências. A
experiência que passa de boca em boca e que o mundo desorienta. A Guerra, a Burocracia, a Tecnologia
desmentem cada dia o bom senso do cidadão: ele se espanta com sua magia negra, mas cala-se porque lhe
é difícil explicar um Todo irracional. (BOSI, 1994, pg. 84)
Então, seguindo o raciocínio de Bosi, no conceito de Halbwachs, que entende trabalho como sonho e que cada lem-
brança possibilita a uma nova releitura, devo mencionar que este tem sido o caminho de nossas pesquisas, onde cada
história contada remete a uma nova leitura, utilizando os signos narrados oralmente, em conjunto com informações
documentais, como fonte de conhecimento e de pesquisa, sem estreito compromisso com a exatidão dos fatos. O recur-
so do uso da memória social é destacado por Bosi, na citação:
Halbwachs não vai estudar a memória, como tal, mas os quadros sociais da memória. Nessa linha de pesqui-
sa, as relações a serem determinadas já não ficarão adstritas ao mundo da pessoa (relações entre o corpo
e o espírito, por exemplo), mas perseguirão a realidade interpessoal das instituições sociais. A memória do
indivíduo depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com
a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo. (BOSI,
2010, p. 54)
Sendo assim pode-se deduzir que determinadas impressões são potencialmente ressaltadas quando provém de rela-
cionamentos pessoais com grupos de nosso próprio cotidiano.
Despertar o interesse pelo aprendizado infantil é o objetivo principal de qualquer trabalho educacional, porém seduzir
e reter o foco da criança no exercício da criação artística é fundamental para o aproveitamento desse projeto.
A ideia é buscar um diferencial do ensino empregado em escolas tradicionais, onde, regularmente se faz uso de méto-
dos de leitura que valorizam a memorização de textos específicos, e que pouco induzem à reflexão. Esse transbordo da
metodologia convencional é manifestado por Bosi, que afirma:
 A arte de narração não está confinada nos livros, seu veio épico é oral. O narrador tira o que narra da
própria experiência e a transforma em experiência dos que o executam.” (BOSI, 1994, pg. 85).
Sendo assim, é necessária a aplicação de um mapa de ação, visando agregar ao ambiente, fatores de atração, inerentes
a temas que sensibilizem o aluno, e que são imprescindíveis para alcançar os objetivos preliminarmente definidos,
empregando de sensibilidade própria, conforme observado no texto a seguir:
Não há receitas de como promover atividades significativas. É a formação e sensibilidade do professor que
está na base de todas as questões, uma formação que ultrapassa o universo dos livros e das palestras e
invade as esferas sociais e familiares. (Ana Teixeira - Arte Educadora) 3
Sendo assim, compete exclusivamente ao educador estabelecer a cordialidade inicial, que presumivelmente irá nortear
e facilitar o conjunto de ações que se estabelecerão no desenvolver das atividades.

METODOLOGIA
O foco inicial do projeto é a aglutinação dos temas memória, desenho e história em um pacote único, e dispor dess-
es elementos no intuito de trabalhar a memória da criança, transformar cada uma delas na personagem principal da
própria história. Para tanto, é necessário utilizar recursos orais e visuais, através de histórias e lembranças, e também
apresentar desenhos de minha autoria, a serem trabalhados. O resultado a esperar é estimular a imaginação e desper-
tar o interesse da criança no desenvolvimento da história proposta,

3 Disponível em: <http://turmadaivonne.blogspot.com.br/2009/03/atividades-artisticas-na-educacao.html>. Acesso em: 14 out. 2014.

113
CRIAR VÍNCULO
A oficina didática aplicada em ambiente infantil exige de princípio que se estabeleça uma relação de cordialidade
entre arte educador e seu público, portanto é essencial impactar a abordagem inicial com atos ou movimentos que
produzam efeitos de captação de atenção da classe, pois são nos primeiros minutos de aula que essa atenção está
mais ativa. Evidentemente, um professor carrancudo terá dificuldades para estabelecer essa empatia, portanto bom hu-
mor e psicologia infantil fazem parte da lógica didática, principalmente na área de artes. Alcançado o clima de atração,
inicia-se a distribuição do material preparado para a aula.
Na medida em que as crianças expõem as ideias sobre os temas apresentados, as personagens recebem formas, cores
e características, conforme os desejos de cada um deles, criando momentos de reflexão e aprendizado conjuntos. Essa
forma de empatia construtiva é enfatizada por Bosi:
O principal esteio do meu método de abordagem foi a formação de um vínculo de amizade e de confiança
com os recordadores. Este vínculo não traduz apenas a simpatia espontânea que se foi desenvolvendo
durante a pesquisa, mas resulta de um amadurecimento de quem deseja compreender a própria vida. (BOSI,
1994, pg. 37)
Conforme ocorre o enriquecimento das histórias pelos detalhes sugeridos pelos pequenos, o ambiente se descortina
em momentos de descontração, risos e cumplicidade, tanto do corpo docente quanto do discente. Esse ambiente fa-
vorece de sobremaneira o aprendizado.

CAUSAR INTERAÇÃO
O clima de empatia se torna generalizado e a inserção de conversas informais, buscam enfatizar experiências partic-
ulares e familiares dos alunos, e provocar a interação coletiva da classe, no relato de preferências, gostos e vontades,
expressados pelos mesmos. A soma desses sentimentos e anseios são processados pelo educador e catalisados em
direção ao objetivo de incutir na memória do aluno as informações pertinentes ao ensino artístico.
A criança recebe do passado não só os dados da história escrita; mergulha as suas raízes na história vivida,
ou melhor, sobrevivida, das pessoas de idade que tomaram parte de sua socialização. Sem estas haveria ape-
nas uma competência abstrata para lidar com os dados do passado, mas, não a memória. (BOSI, 1994, pg. 73) 
Nesse contexto, ressalto a importância do empenho em conduzir relatos para o meio familiar da criança, incluindo
personagens de seu convívio, como pais, parentes e amigos da família.

AREMATAR PROCESSOS
Após discutir e analisar o conteúdo resultante dos temas apresentados até então, o educador deve fornecer material
apropriado (papéis, tela, tintas, canetas, lápis e pincéis) para os alunos expressarem sua euforia criativa, em temas
livres, arbitrados pelas próprias crianças.
Sem estabelecer censuras, é natural e de bom senso cercar-se de certos cuidados para que as ideias concebidas não
se desviem da proposta original, e terminem por convergir para assuntos não desejáveis, como exaltar preconceitos ao
homossexualismo, cultuar violência ou qualquer manifestação de agressividade social.
Cumprida essa fase intermediária, e com os trabalhos concluídos, cabe então ao educador compilar, comparar e anali-
sar o universo criativo à sua disposição, de forma coletiva ou particular, conforme seu diagnóstico. Essa etapa do pro-
cesso é bastante complexa, exigindo do educador sensibilidade na inspeção dos trabalhos e principalmente em trans-
mitir aos alunos sua opinião sobre os resultados dessa análise, considerando particularidades, até mesmo ansiedades
individuais.
É importante o registro fotográfico das etapas dos eventos, como forma de reforçar e estimular os alunos, e de
transmitir a importância da participação no processo educacional artístico.
Tão importante quanto a apresentação inicial, é a finalização do evento, de forma amigável, evitando causar impressão
de que se concluiu uma obrigação, e sim uma agradável atividade.

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PLANO DE AULA A APLICAR
Como aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais, elaborei um plano de aula que transformei em experiência de
projeto de memória e desenhos, aplicado em crianças na faixa etária de 04 a 07 anos de idade, no ano de 2013, no
CRIARTE - UFES. Neste projeto foquei quatro temas: memória, desenho, histórias e lembranças. O objetivo seria estimu-
lar a memória das crianças através de linguagem oral e visual.
A importância do desenho como exercício da memória para integração...
O desenho é uma linguagem para ser utilizada em qualquer faixa etária, constituindo-se em excelente ferramenta para
trabalhar a memória. Seguindo esse raciocínio, utilizei de linguagem gráfica, verbal e visual com as crianças do grupo,
criando e introduzindo histórias de seu próprio cotidiano, somada a uma coletânea de desenhos de meu acervo partic-
ular, no intuito de desenvolver a imaginação de cada um deles, na construção de personagens em uma narrativa que
iniciarei.
O passo seguinte seria incentivar o desdobramento da história apresentada inicialmente, em narrativas de conteúdo
próprio, de acordo com a imaginação desencadeada, de forma particular ou em grupos, conforme socialização e inter-
ação natural da classe.
No exercício de elaborar e contar suas histórias particulares, as crianças expressam através de lembranças passadas,
seus desejos presentes e anseios futuros, energizados por sentimentos de curiosidade e vontade de aprender.
Acredito que a criança ou o jovem, que submetido às experiências de caráter criativo, seja por meio de histórias, ima-
gens ou processos tecnológicos contemporâneos, habilita-se a interagir futuramente, no meio social com maior natu-
ralidade e desenvoltura.

PLANO DE AULA
O plano de aula foi a plicado no Centro de Educação Infantil – CRIARTE – UFES com carga horária de 50 minutos para
crianças de cinco anos de idade, tendo como tema, a memória, o desenho e a história. O objetivo deste projeto foi:
- Observar atentamente a História sobre a vida de Ana que será contada através de imagens coloridas realizadas pela
própria estagiária;
- Lembrar de cenas que foram apresentadas pela estagiária no momento em que ela contava a Historinha;
- Elaborar desenhos da história de cada um individualmente;
- Contar a sua história.
Aula discursiva dialogada com os alunos e apresentação de imagens coloridas. Debate em sala de aula, onde os alunos
poderão falar sobre cada imagem apresentada e sobre a história. Elaboração de desenhos livres sobre a história de
cada um dos alunos, podendo ser a lembrança de seus pais ou de um objeto de sua casa que ele goste;
A ideia consiste em atiçar o desejo de observação, de audição e de imaginação destas crianças através da história e
das imagens, assim como o de buscar em lembranças imagens relacionadas às suas histórias.
Espera-se que no final a criança possa ser capaz de dialogar entre os seus coleguinhas e com a comunidade sobre
questões importantes para a sua vida social, observar detalhes que andam despercebidos e atiçar o interesse em quer-
er saber mais.
A avaliação foi de comentar o que eles acharam dos desenhos deles mesmos.

RELATO DO RESULTADO DA APLICAÇÃO DO PROJETO CRIARTE


No dia combinado, de manhã, juntei os desenhos e pintei cada um com giz de cera e caneta colorida, e enquanto
estava colorindo-os, imaginava detalhes da história criada para apresentar às crianças. Por volta das 13:00 horas eu
estava na CRIARTE, preparada para aplicação do programa.
As crianças estavam espalhadas pela sala de aula, distraídas com suas brincadeiras, quando as convoquei para contar
uma história, despertando o interesse geral. Organizei um círculo, e de mãos dadas, incluindo as auxiliares da creche,
iniciei a narrativa.

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Mencionei que em nossa história haveria uma menina de cabelos cacheados, mostrei o desenho da menina, apre-
sentando-a pelo nome de Ana, iniciando um diálogo:

Tânia: - Esta é a Ana, o que ela tem de bacana?


Alunos: - Os cabelos encaracolados.
Tânia: - Que mais vocês gostaram?
Alunos: - O vestido rosa.

Apresentei outro desenho, de um menino, e continuei:


Tânia: -E este, alguém saberia dizer seu nome?
-Pedro, respondeu um aluno, e assim o menino ficou batizado.
Tânia: -O que o Pedro tem diferente da Ana?
Alunos:-O cabelo é amarelo.
Alunos:-Sua roupa é azul.
Alunos:-Ele não tem perna.
Respondi que o menino possuía pernas, mas que não apareciam na figura. Constatei então a percepção infantil na visu-
alização de pequenas diferenças, e anotei mentalmente para futuras experiências.
Substituí o personagem pela imagem de uma escola, presumidamente frequentada por Pedro e Ana, indagando o que
achavam.
As respostam foram comparativas com sua própria escola, em comentários animados, como a quantidade de brin-
quedos na CRIARTE era maior, que havia areia para brincar e que faziam diversas atividades recreativas, enfim estava
ocorrendo a descontração pretendida.
O próximo passo foi apresentar a eles o pai de Ana, um personagem com um grande bigode, despertando risos. Houve
quem comentasse o pai também possuía um bigode grande. Quando inseri a figura da mãe de Ana, surgiu comparação
dos cabelos cacheados da mãe com os da filha.
Um aluno comentou:
-Olha! Ela tem um arco-íris na cabeça!

Perguntei a outras alunas o que seria o objeto na cabeça e as respostas foram que era uma tiara ou uma faixa colorida,
denotando as diferentes percepções de meninos e meninas à imagem em questão.
As próximas imagens foram um sofá em perspectiva e uma TV. Comentei que Ana apreciava se acomodar no sofá para
assistir seus desenhos prediletos.
Um dos alunos percebeu que eu desenhei o personagem Cebolinha na tela da TV e comentou:
-Ela tava vendo a turma da Mônica!
Após uma série de comentários estimulados, continuamos a conversa:
Tania: - Ana não fica só assistindo TV, ela também aprecia brincar com sua bola.
As crianças ouviam atentas, e emitiam opiniões sobre seus gostos para brincadeiras, alguns comentavam que gostavam
de jogos eletrônicos e outros se divertiam com folguedos infantis inerentes às próprias idades. Houve até quem falou
sobre usar o computador da mãe para se divertir.
Nesse momento criei um clima de suspense para a exibir a próxima figura, e dando algumas dicas, apresentei a gravu-
ra de uma árvore, dizendo que Ana brincava bastante em torno e na sombra da mesma.
Com participação cada vez mais intensa, os meninos ajudavam a construir a história, fazendo comentários e emitindo
opiniões:
Alunos: - A árvore tem frutas, são maçãs!
Alunos: - Ela é colorida!

116
Contei que nas proximidades da árvore havia um ambiente mágico, com um brilho tão intenso, que tudo iluminava: Era
um brilho tão carregado de energia, que resplandecia nos objetos e nas pessoas, como um sol particular e próximo de
Ana e Pedro.
Uma criança se levantou e perguntou:
- Só brilha de dia, e a noite?
Eu já havia mostrado o sol, então apresentei o desenho com a lua, rodeada de estrelas, comentando:
- À noite a lua e as estrelas brilham sorrindo para o mundo todo!
Por fim, mostrei o desenho da casa de Ana, e de seus pais juntos.

Para dar um tom de festa, disse que era aniversário de Ana, e sua mãe preparou um saboroso bolo, que ela havia ganho
muitos presentes, mas o que a fazia mais feliz era o carinho dos pais, com beijos e abraços amorosos.
Nesse ambiente descontraído, falamos sobre as festas de aniversários de algumas crianças, com muita animação e
interação das mesmas, permeado com brincadeiras e bastante risos.

Figura 1- Contando História – 2013

117
Figura 3- Contando História – 2013

Finalmente, concluí a história, rememorando detalhes sobre as gravuras apresentadas, propondo às crianças que elabo-
rassem uma série de desenhos, com temas referentes às histórias vividas em suas casas, ou mesmo na própria escola,
em uma praça ou em outro local, algo que estivesse em suas lembranças e que eles pudessem colocar no papel em
forma de desenho. Enquanto as auxiliares da creche acomodavam as crianças sentadas à mesa, distribuí folhas de pa-
pel sulfite A4, e material para desenho e pintura – lápis e giz colorido.
Todos participaram do exercício, sem tema sugerido, onde cada criança desenhava o que determinava ser importante,
conforme escolha própria. Selecionei alguns desenhos para compor esse trabalho, conforme mostrado a seguir:

Figura 5Aluno segurando seu desenho - CRIARTE – 2013

118
Figura 6 Desenho de João (5 anos) - CRIARTE - 2013

Figura 8Figura 5 Desenho de Luiz Antônio (5 anos) - CRIARTE - 2013

À partir da história contada percebemos o envolvimento da criança, em acordo com seus próprios gostos e conforme
sua vontade, facultar sua participação como sujeito desse momento. Ferreira, de sua dissertação salienta de:

119
Ao contarmos uma história, conduzimos o leitor a interpretações diversas. As imagens podem ser represen-
tadas por narrativas diversificadas e cada criança, na sua particularidade, pode fazer essas leituras partindo
das mediações, das experiências prévias e das trocas em seus pares, (FERREIRA, 2011, pg. 84)
Cada criança possui forma própria de se expressar. Sua participação na narrativa nos remete ao que discorre Ferreira,
sobre a importância de deixa-la a vontade para falar, criar e executar o que tiver em mente. O processo de executar em
Ferreira Apude Freire:
(...) é algo que vai muito mais além que a possibilidade auditiva de cada um (...) o executar denota a di-
sponibilidade permanente por parte do sujeito que executa para a abertura à falar do outro, do gosto do
outro, a diferença do outro” (Ferreira Apud Freire, 2011, pg. 85).
Ferreira Apud Freire discorre sobre a pesquisa qualitativa no uso das narrativas. Nos trabalhos apresentados, procu-
ra-se ouvir as crianças na construção coletiva da história, na identificação de personagens, e no desenvolvimento dos
seus desenhos, Ao finalizarem, buscamos atentar e entender suas impressões sobre os registros imagéticos que con-
struíram. Em Ferreira apud Flick: “a pesquisa qualitativa trabalha com dois tipos de dados: os dados verbais, que são
coletados em entrevistas semiestruturadas e em narrativas. (FERREIRA, 2011, pg. 48), como no caso aqui em questão.
O escopo do projeto aplicado com crianças, é poder, à partir de gravações de suas falas sobre os desenhos elaborados,
realizar análises desses registros, e obter assim uma leitura imagética o mais fidedigna possível, nessa transcrição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho é resultado de minha monografia do curso de Licenciatura em Artes Visuais, tendo como orientadora a
Professora Ma. Fabíola Veloso Menezes e foi fundamentada em experiência proporcionada pela aplicação de projeto
sobre arte educação com crianças na faixa etária de quatro anos de idade, na CRIARTE, em espaço físico da UFES.
Devo ressaltar que o ambiente familiar foi fator primordial de influência em minha opção pelo universo das artes,
sendo que na infância os primeiros contatos com pinturas e desenhos foram transmitidos por minha mãe, com suas
produções, me estimulando a desenhar e a pintar, desde tenra idade.
Eu produzia esboços em casa, na igreja e na escola. Certa vez, quando cursava ensino fundamental, a professora de
português ditava uma história para os alunos reproduzirem nos cadernos. Eu, ao invés de escrever, desenhei uma
história em quadrinhos. A professora percebeu, ao passar por minha carteira de estudos, parou, observou e deu con-
tinuidade ao ditado. Para minha surpresa, corrigiu os desenhos da mesma forma que os trabalhos grafados com letras
alfabéticas.
Esse exercício, que poderia ser considerado um capricho infantil, se estabeleceu fortemente na vida adulta, no hábito
de desenhar histórias. Ao ouvir uma narrativa busco memorizar instantaneamente as imagens, transpondo para o papel
símbolos e esboços, ao invés de letras.
Reproduzo abaixo uma pintura realizada com tinta caseira, fabricada por minha mãe (confeccionada com anilina de
confeitar bolos). Este é um de meus registros de pintura sobre papel, realizado durante a infância, com 11 anos de
idade. Procurei retratar nesse quadro a praia da Sauna, em Coqueiral de Aracruz, para onde um irmão havia se mudado
recentemente.
Dotada de nata curiosidade, procurei assimilar o melhor possível os ensinamentos ministrados por meus pais, a fim de
fomentar embasamento sólido para meus projetos futuros.
Revendo minha trajetória, resolvi aplicar um projeto abrangendo memória e desenhos, em crianças da CRIARTE, com
plano de aula elaborado na intenção de estimular a captação de informações no seio familiar, conduzindo a uma visão
interna de seus hábitos, e com isso estimular a leitura, a narrativa e a pesquisa pessoal.
A linha de ação desse projeto foi buscar transmitir a ideia que a pintura representa uma linguagem viva, e que a ex-
periência de ouvir e transladar a narrativa para um plano de desenho ou pintura não é particularidade apenas do
artista, e se encontra ao alcance de qualquer indivíduo, independentemente da idade, com sensibilidade e criatividade
para tal.
Desenvolver o senso de compreensão e ajudar a aguçar a curiosidade para novas experiências são ações embutidas
nos dogmas desse projeto, considerando que a arte não é só pintura ou desenho, trata-se de uma ciência e como tal,
necessita da ação contínua de pesquisadores.
O passado reflete no presente, e o presente é referência para o futuro.

120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação Contemporânea: Consciências Internacionais, 3 ed., São Paulo: Cortez, 2010.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas - Magia, Técnica, Arte Política – Ed. Brasiliense, 3ª edição, 1985;
BOSI, Ecléa, Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos, Ed. 1994;
CHAUÍ, M. Conformismo e Resistência. São Paulo - SP. Brasiliense. 1989.
FERREIRA, Sonia Maria de Oliveira. A Imaginação de Palácio e a Mediação das Imagens da Cidade na Educação Infantil
de Vitória. Dissertação de Mestrado. Vitória – ES, UFES, 2011.
LOPES, Larissa Oliveira. O processo de significação do desenho infantil. (Trabalho de Conclusão de Curso). Disponível
em <http://www.crc.uem.br/pedagogia/tcc_2011.html> . Acesso em 10 fev. 2014.
MARTINS, R. Valor Educacional Da Arte. In: Porto Arte – Revista do Instituto de Artes da UFRGS, Nº 1, Ano 1, Maio 1990,
p.62-65.
SMOLKA, Ana Luiza, Imaginação e criação na infância, Ensaios Comentados, 1ª Ed, São Paulo, Ed. Ática, 2010.
VIGOTSKY, L.S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, 9. ed., São Paulo: Ícone,
2001.
VIGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003a.
VIGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html#ind8>. Acesso em: 21
out. 2014.
TEIXEIRA, Ana: Qual a importância de trabalharmos datas comemorativas? Disponível em: <http://turmadaivonne.
blogspot.com.br/2009/03/atividades-artisticas-na-educacao.html>. Acesso em: 14 out. 2014.

TANIA VALENA DA SILVA NORONHA


Graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES/2014; estudou RTV pela Associação
Educacional de São Pedro – FAESA/2000. Tem experiência em desenhos de observação e croquis; vídeos animados
com inserção de desenhos, objetos recicláveis e colagens; criação de stop motion; roteirista, produtora de vídeos de
curta e de média-metragem. Diretora e produtora de vídeo documentário; ilustradora de histórias infantis; experiência
com edição de imagens, contação de histórias, pesquisa genealógica da família em acervos particulares de familiares e
acervos públicos.

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EXPERIÊNCIA SENSÍVEL NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
UM ENCONTRO COM A ARTE
Dulcemar da Penha Pereira Uliana (UFES)

RESUMO
A pesquisa tem como sujeito a criança pequena em uma instituição de educação infantil e investiga proces-
sos de formação mediados pela experiência sensível com as artes visuais. A educação infantil é lugar das
interações, das brincadeiras e da educação estética, sensível. Por meio de intervenção, propõe um elo entre
a criança, sua cultura e seu meio, sugerindo um contato mais próximo com as múltiplas linguagens e com a
educação estética. Investiga a educação infantil como o lugar da experiência, da brincadeira e da formação
do ser humano em sua totalidade. Busca analisar os possíveis efeitos dessa experiência estética no cotidia-
no das crianças, observando como afetam e geram interlocuções com a comunidade escolar e com a família.
Palavras-chave: Infância. Educação estética. Educação sensível.

ABSTRACT
The research is subject to small child in an institution of child education and training investigates processes
mediated by sense experience with the visual arts. Early childhood education is place of the interactions, the
games and the aesthetic, sensitive education. Through intervention, proposes a link between the child, their
culture and their environment, suggesting a close contact with the multiple languages and the aesthetic
education. Investigates early childhood education as the place of experience, the fun and the formation of
human beings in their entirety. Seeks to analyze the possible effects of aesthetic experience in the children’s
daily life, observing how they affect and generate dialogues with the school community and family.
Keywords: Childhood. Aesthetic education. Sensitive education.

Essa pesquisa tem como sujeito crianças de 0 a 4 anos que participam da rotina de uma instituição de educação
infantil no município de Vitória. A participação em um espaço educativo insere a criança em um meio social que se
distingue do meio familiar, nesse espaço ela estabelece relações com seus pares, que são as outras crianças de mesma
idade ou de idade diferente e com os adultos que ali trabalham. Apoiados no pensamento de Vigotski (2010), consid-
eramos que as relações sociais desenvolvidas num processo histórico e a relação do homem com o mundo acontece
por meio da mediação realizada por sistemas simbólicos. Os sistemas simbólicos são estruturas complexas que inter-
medeiam a relação do homem com o mundo, assim como lemos na citação de Oliveira (1993), a seguir.
[...] a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas uma relação mediada, sendo os
sistemas simbólicos os elementos intermediários entre o sujeito e o mundo. Esses sistemas simbólicos são
estruturas complexas e articuladas que se organizam por meios de signos e instrumentos, estes últimos
chamados elementos mediadores. (OLIVEIRA, 1993, p. 24).
O sujeito inserido em um processo sócio-histórico, que se apropria do conhecimento pela mediação com o meio e com
o outro, remete nosso olhar ao discurso da criança com o seu entorno, com o meio cultural em que está inserida e bus-
ca a incorporação dessa criança as experiências estéticas da sociedade por meio de uma educação sensível.

Educação Estética e Educação Sensível


A educação, como processo formativo do ser humano, tem no ensino e aprendizagem as suas bases. Duarte Júnior
(1988, p. 26) diz que “Todo processo de conhecimento e aprendizagem humana se dá sobre dois fatores: as vivências (o
que é sentido) e as simbolizações (o que é pensado)”.

122
Para Herbert Read (2001, p. 1), “[...] a arte deve ser a base da educação”. Considera que a educação busca a unidade
entre o indivíduo e seu meio social, o que torna fundamental a educação estética, a educação pela Arte, mas que não
está contida somente na Arte, mas numa educação sensível, que valorize os sentidos.
Read (2001) faz um estudo sobre a educação estética e seus objetivos, que são: permitir todos os modos de percepção
e sensação; coordenar as diversos jeitos de percepção e sensação entre si e em relação ao ambiente; e possibilitar a
expressão, de maneira comunicável, dos sentimentos e de toda a experiência mental.
Vigotski (2010) apresenta a vivência estética como uma vivência intensa, que cria uma atitude sensível para atos
posteriores, deixando vestígios em nosso comportamento, acumulando energia para ações futuras que terão um novo
sentido, observadas com um novo olhar. Afirma também que, em toda a estimulação estética, traz consigo certo es-
tímulo motor. Ackerman (1996, p. 340) diz que “O estímulo de um sentido estimula outro: sinestesia é o nome técnico,
do grego sym (junto) + aisthanesthai (perceber)”.
Vigotski (2010, p. 343) traz o prazer provocado pela obra de arte que pode “[...] exercer influencia educativa no proces-
so das nossas sensações”. Expõe a natureza catártica da Arte e propõe uma educação estética pautada na tarefa de ed-
ucar a criação infantil, exaltando as possibilidades criadoras. Para isso apresenta o desenho infantil que “[...] ensina a
criança a dominar o sistema de suas vivências, a vencê-las e superá-las” (VIGOTSKI, 2010, p. 346). Traz o conhecimento
da técnica como facilitador na percepção da obra de arte. Propõe utilizar uma técnica que vai além da técnica e propi-
cia um aprendizado criador. E, por último, permite a inclusão das crianças na rede mais ampla possível da vida, incorpo-
rando-a a experiência estética da sociedade humana. A importância da educação estética em toda sua complexidade
é atual. Em Vigotski encontramos orientações que nos mostra o quanto esse saber foi negligenciado e convida-nos à
reflexão.
Conduziremos essa questão por meio das palavras do próprio Vigotski (2010, p. 351):
Por último, até bem recentemente a questão da cultura das percepções artísticas continuou sendo a menos
elaborada, porque os pedagogos nem suspeitavam de toda a sua complexidade e nem imaginavam que era
aí que estava o problema. Observar, ouvir e sentir prazer parecia um trabalho psíquico tão simples que não
necessitava de nenhuma aprendizagem especial. E não obstante é aí que está o objetivo principal e o fim da
educação geral.
A criança deve ser incorporada, por meio da educação estética presente no sistema de educação geral, a experiência
estética da sociedade humana. Uma das possibilidades é pela “leitura lenta” das obras de Arte. Vigotski (2010, p. 352)
compreende que ela é “[...] a chave para a tarefa mais importante da educação estética: introduzir a educação estética
na própria vida”.
Enfim, a educação estética deve ser introduzida na própria vida, não como adorno, mas como elaboração criadora da
realidade, promovendo as vivências cotidianas em vivências criadoras. Leite (2005, p. 97) apresenta a essência da edu-
cação estética
A Educação Estética, então, visa contribuir para a superação do “olhar ingênuo”, que gera resistência, para as-
sociando o olhar aos demais sentidos, provocar a reflexão crítica, num movimento permanente de sucessivas
rupturas e desacomodações.
Ao organizar as suas experiências por meio da Arte, a criança começa a compreender a si e a se expressar, estabelecen-
do um diálogo com o meio social em que está envolvida. Dessa maneira, ocorre com o processo artístico, o desenvolvi-
mento social dessa criança, no qual a Arte se apresenta como um elemento de compreensão e comunicação com o
mundo a que ela pertence, gerando um sentimento de consciência social. É importante ajudá-la no desenvolvimento
de uma consciência estética não apenas com regras e normas para uma apreciação da Arte, mas como uma via de
desenvolvimento total da criança, como nos explica Duarte Júnior (1988).
Assim, consciência estética significa, em nossa atual civilização (profundamente antiestética), a busca de
uma visão global do sentido da existência; um sentido pessoal, criado a partir de nossos sentimentos (sig-
nificados sentidos) e de nossa compreensão (racional, lógica) do mundo onde vivemos. Significa uma capaci-
dade de escolha, uma capacidade crítica para não apenas submeter-se à imposição de valores e sentidos, mas
para selecioná-los e recriá-los segundo nossa situação existencial (DUARTE JÚNIOR, 1998, p. 115).
Ao longo do nosso percurso para o entendimento da necessidade de uma educação estética no sentido de uma ed-
ucação sensível, entendemos que, ao propor o desenvolvimento da criança em sua totalidade, estamos indicando o
acesso a uma linguagem que proporcione seu desenvolvimento pessoal e social por meio de atividades práticas e
contemplativas, em um exercício de criação de si e do mundo. Apresentamos este recorte em Vigotski (2010, p. 462)
como um ponto que não pretende ser final, mas que pode e deve continuar a se desenvolver: “O que agora se realiza
nos campos estreitos da arte mais tarde penetrará toda a vida e esta se tornará um trabalho criador”.

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A Infância, o Tempo e a Experiência
Ser criança é estar inserido em um tempo determinado como infância, mas afinal o que é a infância? Buscando a
origem do termo encontramos a palavra latina infantia que designa a “ausência da fala”. Isso dá à infância uma deter-
minação histórica do lugar da não fala, o não lugar, a ausência, o que não é, o que está por vir. Com o passar do tempo,
o reconhecimento da infância como um período distinto da vida adulta dá início à busca desse espaço a ser assumido
pela criança, indicando como deve agir a família e a sociedade diante dessa infância moderna, escolarizada. Vigotski
(2010) apresenta a criança não como um ser acabado, mas como um organismo em desenvolvimento, o seu comporta-
mento social se modifica intensamente não apenas pela interferência do meio, mas também “[...] em função de certos
ciclos ou períodos do desenvolvimento do próprio organismo infantil” (VIGOTSKI, 2010, p. 289), que ocorrem de forma
ondulatória e não é dividido em etapas rigorosamente distintas.
A infância é um tempo, porém não um tempo determinado cronologicamente, com início e fim. Apoiado no pensa-
mento de Walter Benjamin que, no início do século XX, anuncia a desapropriação da experiência ao homem moderno
após viver os horrores da guerra, Agamben (2005) traz o conceito de experiência e do seu empobrecimento em nosso
meio. A incapacidade do homem moderno de narrar as experiências que vive na variação dos eventos do cotidiano,
como acontecia nas gerações anteriores já não se traduz em uma tarefa comum. Aproximando o conceito de infância
do conceito de experiência, afastamo-nos da ideia de uma etapa cronológica da vida e passamos a entender a infância
como um lugar potente, lugar da novidade, da experiência.
Walter Benjamin (1995) atualiza a sua infância com memórias que afetaram a sua emoção. Embora adulto, une passa-
do e presente em um movimento que mostra o menino que vive no adulto do presente. Apresenta a infância como um
tempo que pode ser retomado, atualizado.
O reconhecimento da infância e a inserção da criança, como sujeito histórico e de direitos no movimento da vida indi-
vidual e social, passa por meio da experiência. São inúmeras as experiências que acontecem com a criança, privilegia-
remos o estudo da experiência sensível por meio da arte.

Experiência Estética e Experiência Sensível


Ao proporcionar experiências sensíveis na educação infantil, por meio da Arte, propomos a realização de experiências
estéticas como possibilidade da formação do ser em sua totalidade.
O termo estética vem do grego aisthesis e significa percepção, sensação e passa a ser autônomo com o filósofo alemão
Baumgartem, que unifica os estudos de aisthesis a estudos no campo de duas disciplinas da Antiguidade: a poética,
encarregada dos estudos das obras de Arte, e a retórica, a teoria da expressão sensível, encarregada dos estudos sobre
a linguagem. Para Baugartem, o objetivo da estética é a beleza. O filósofo alemão Immanuel Kant no séc XVIII apre-
senta a estética como essencialmente a ciência de todos os princípios da sensibilidade. A maioria dos pesquisadores
no século XX trouxe compreensões diversas do conceito estético.
Renato Barilli (1992) considera que qualquer experiência pode ser estética, mesmo que ela seja uma simples refeição.
A partir do momento em que existe a criação de objetos físicos, o nível estético que envolve ação e comportamento
passa para o artístico. A atitude estética, para Barilli (1992), está centrada no comportamento humano, de forma geral.
A atitude artística pressupõe a produção de objetos ligados ao comportamento estético e unifica os estudos de aisthe-
sis aos da poética e da retórica.
Eagleton (1993) apresenta o pensamento de Marx ao retomar as questões estéticas no período moderno, segundo
Eagleton (1993), Marx afirma que a linguagem, expressão vital do pensamento, é natureza sensível e assegura que a
percepção sensível é a base de toda a ciência.
A experiência estética acontece no nosso encontro sensível com o mundo, com o que está em nosso entorno, propomos
então proporcionar uma aproximação da linguagem artística, como uma maneira de estabelecer contatos sensíveis
com o mundo. Por meio da Arte concluímos que podemos ter experiências estéticas e quando essas experiências são
sistematizadas na escola, podem integrar o que chamamos de educação estética.
A experiência que o indivíduo faz do mundo é, segundo Bakhtin (2010), uma experiência que se constitui nas relações
sociais. É nas interações por meio da linguagem que o sujeito toma consciência de si. O texto, objeto de pensamento
e de pesquisa, deve ser entendido como “[...] qualquer conjunto coerente de signos” (BAKTIN, 2010, p. 307). As obras de
Arte são textos e, como todo texto, são únicas. O artista, ao realizar uma obra, exprime a si mesmo e, a partir da percep-
ção do outro estabelece um encontro dialógico.
O entendimento da experiência que passa pelo outro e da obra de Arte como um texto em Bakhtin (2010), das expe-
riências que precisam ser socializadas por meio de narrativas e as memórias da infância em Benjamin (1995; 1996),

124
além da experiência que é uma das condições da imaginação em Vigotski (2010) afirmam a necessidade de proporcio-
nar à criança experiências estéticas para a ampliação do seu entendimento de si e do mundo.
Vivemos em uma sociedade moderna que, como adverte Benjamin (1995), teve suas experiências empobrecidas. Uma
sociedade que na modernidade constrói o sentido de infância e, a partir dos estudos da Sociologia, ouve a criança e a
institui como sujeito de direito. Araújo (2005, p.113) alerta para as experiências que são proporcionadas às crianças.
Num mundo social onde as experiências das crianças aparecem minimizadas e classificadas como subalter-
nas em relação às populações adultas, faz-se necessário persistir na luta pelo reconhecimento da criança
como sujeito de direitos, portadora de uma linguagem ética e estética que articula práticas individuais e
coletivas, cultura e história, particularidade e pluralidade.
Leite (2005, p. 101) fala sobre a necessidade de ampliar as experiências estéticas das crianças, pois “Ampliar as ex-
periências estéticas das crianças é base para sua apropriação de novas experiências. A criança está no mundo e tem
que poder, desde bebê, explorá-lo”.
Entendendo as crianças como sujeitos criadores e transformadores de cultura, que interagem com o adulto e com o
outro seu igual, considerando a escola e o processo educativo como processo de reprodução (e de produção) da ma-
neira como os homens concebem o mundo, devemos pensar em um sistema educacional mediador entre o sujeito e a
sociedade, que possibilite o conhecimento e a participação na vida cotidiana, gerando indivíduos críticos e conscientes,
com capacidade para analisar e transformar as experiências sociais e utilizá-las segundo seus propósitos.
Duarte Júnior (1995) afirma que, por meio dos desenhos, pinturas, esculturas, encenações, as crianças organizam suas
experiências infantis, percebendo-se como um ser integrado e relacionado com seu ambiente.
A arte é importante para a criança. É importante para seus processos de pensamento, para seu desenvolvi-
mento perceptual e emocional, para sua crescente conscientização social e para seu desenvolvimento
criador (DUARTE JÚNIOR, 1995, p.112).
O empirismo nas ações das crianças conduz à descoberta do mundo por meio dos sentidos: o olhar que rapidamente
se transforma em tato ao tocar e pegar os objetos e levá-los à boca no ato de sentir o sabor e o seu aroma por meio
do olfato. Todos os sentidos agem simultaneamente sem distinção; não há separação do momento de observar, do
momento de tocar, de degustar ou sentir o perfume. As experiências vividas são traduzidas em expressões de conten-
tamento ou descontentamento. Com o passar do tempo, com a aquisição da linguagem verbal, as expressões passam a
ser acompanhadas pelas palavras.
O início do domínio da linguagem verbal facilita o entendimento dos desejos da criança, porém é necessário prestar
bastante atenção, principalmente quando se trata dos profissionais que mantêm contato com a criança no espaço edu-
cativo, nas suas ações e reações, pois são veículos de expressão e comunicação das crianças e elas falam muito mais
por expressões do que conseguem traduzir em palavras.
A linguagem possibilita o desenvolvimento da comunicação, expressão e apropriação do conhecimento constituído
historicamente, tornando o indivíduo um ser cultural. A linguagem constitui uma atividade humana, um processo social,
um fenômeno comunicativo, por isso onde há comunicação, há linguagem.
A criança, na idade em que nos dispomos a pesquisar, está realizando a descoberta da linguagem verbal, por isso
abriremos um parêntese aqui para falar sobre a linguagem e perceber a sua importância, principalmente nessa fase da
vida da criança. A linguagem é um fenômeno comunicativo e muitas são as linguagens que nos permeiam e nos cons-
tituem como seres humanos produtores de conhecimento no mundo. Como existem várias linguagens, devem existir
várias possibilidades de leitura. Franco e Franco (2010) advertem para a necessidade de proporcionar às crianças
meios para ler o mundo de maneira sensível. “É essencial à criança e ao jovem o desenvolvimento de um olhar voltado
ao mundo para que possam aprender a lê-lo de forma sensível” (FRANCO; FRANCO, 2010, p.106).
O sujeito se constitui e é constituído pela linguagem. Ele se comunica, se expressa e se posiciona diante do mundo
utilizando o discurso que é vivo e dialógico à medida que vai ao encontro do discurso do outro em uma interação
ativa. A comunicação discursiva, segundo Bakhtin (2010), é um processo complexo e ativo que envolve o falante e o ou-
vinte que, ao compreender o significado do discurso, assume uma “[...] ativa posição responsiva: concorda ou discorda
dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.” (BAKHTIN, 2010, p. 271).
É a alternância dos sujeitos do discurso que define o enunciado como uma unidade de comunicação discursiva, assim
o falante passa a palavra ao outro ou dá lugar à compreensão ativamente responsiva. Nem toda resposta é imediata
como acontece com uma ordem militar; algumas podem apresentar-se como compreensão responsiva silenciosa, que
será respondida no discurso ou no comportamento do ouvinte em outro momento. Essa é uma atitude ativamente
responsiva de efeito retardado que geralmente é suscitado pelos gêneros da complexa comunicação cultural.

125
Vigotski (2010) alerta para a necessidade de realização de uma educação estética não como ilustração da regra moral,
ou como estudo da realidade, ou como fonte de prazer, mas como exercício complexo da percepção da obra de Arte, de
vivência estética, que não se reduz ao primeiro momento que envolve a percepção sensorial da forma, esse é o mo-
mento inicial que desencadeia uma série de atividades complexas como já vimos acima e envolve não só o que veem,
ou ouvem, ou tocam, mas também o que não veem, não ouvem e não tocam.
Quando está em pauta esse saber sensível encerrado pelo nosso corpo, essa estesia que nos orienta ao lon-
go da existência, inevitavelmente o fenômeno artístico deve vir à baila – não nos esqueçamos que estesia
e estética originam-se da mesma palavra grega. Ou seja: é através da arte que o homem simboliza mais de
perto o seu encontro primeiro, sensível, com o mundo (DUARTE JÚNIOR, 2001, p. 22).
Uma educação estética que apresenta a Arte como estímulo não pode ser concebida apenas a partir de artistas e obras
consagradas ao longo da história da humanidade, mas, diante da banalização da imagem no mundo cotidiano, deve ter
a função de despertar o olhar para as coisas comuns, dar a elas um novo e diferente sentido. A experiência sensível
não é um momento em que a criança terá uma “aula” de Arte, ou que obras e grandes artistas serão apresentadas como
história cultural da humanidade, mas a experiência sensível que acreditamos é aquela que desinstala, faz refletir, ques-
tionar, proporciona um novo olhar e novas atitudes diante do vivido, por mais trivial que ele seja procurando atribuir
novos sentidos e proporcionar novas experiências.
Ao entender a criança como sujeito de direitos e o espaço educativo como ambiente propício ao seu desenvolvimento
e à transformação do saber, acreditamos que o espaço da educação infantil é um lugar privilegiado para oferecer ex-
periências estéticas às crianças, que devem ser atendidas dentro e fora de seu espaço físico, em uma ação que priorize
a educação do sensível.
Com o desejo de perceber como a Arte pode aproximar as crianças da educação infantil de experiências sensíveis,
optamos por realizar algumas ações que promovessem a aproximação da criança com as artes visuais. Planejamos a
aproximação das crianças com expressões artísticas por meio do encontro com a artista plástica e com visitas a es-
paços expositivos. O programa das ações priorizou a participação ativa de todas as professoras da instituição, cada
uma acompanhando as crianças do grupo em que atuava. Quatro foram os momentos planejados: uma visita à ex-
posição “Estética do Futebol e outras Imagens” no Museu da Arte do Espírito Santo Dionísio Del Santo (MAES), em
julho de 2013; a presença da artista plástica, professora Drª Maria Regina Rodrigues, propondo uma experiência com
“argila”, ou seja, um encontro com o material plástico a “argila” em setembro de 2013; visita à exposição “Por território
e lugares” no Maes em novembro de 2013; visita à exposição “Regina Chulam, Desenhos e Pinturas” no Museu Vale em
dezembro de 2013.
A visita ao MAES chamou a nossa atenção para o olhar da criança que sai do espaço educativo e socializam os seus
conhecimentos com os colegas e observaram o que de novo se apresentava ao longo do deslocamento. Analisando
esse fato, percebemos a experiência que se dá no processo e entendemos esse acontecimento como uma experiência
sensível que se concretiza por meio do corpo que se desloca, percebe, vê, ouve, sente e realiza experiência estética.
Observamos que as crianças expressaram as suas experiências a partir da linguagem verbal, demonstrando a con-
sciência do lugar em um exercício de memória que se desenvolve na interação social. Ao buscarmos a observação e
o entendimento da influência das artes visuais nas experiências das crianças, compreendemos que a percepção das
formas, da luz, das cores, dos espaços e movimentos suscitam memórias que são socializadas a partir de diálogos que
promovem a passagem do conhecimento particular ao conhecimento compartilhado. As crianças, ao perceberem, no
percurso realizado, indícios de suas vivências, realizam um exercício de socialização de suas percepções, apresentam
seus conhecimentos e se interessam pela vivência do outro.
Ao chegar ao museu, as imagens começam a provocar novos diálogos, muitas vezes por meio de exclamações de ad-
miração: Olha a bola! Tá jogando futebol. É o jogador. Os mediadores, que a princípio demonstraram estranhamento
com a idade das crianças, começaram a interagir e provocar a percepção dos trabalhos expostos questionando se eles
conheciam aqueles jogadores, se sabiam onde jogavam.
No espaço com a instalação “Olé”, de Maruzza Valdetaro, as crianças brincavam descobrindo as possibilidades que
aquela instalação proporcionava. A proposta inicial de andar sobre as borrachas não era tão importante, não havia
erro ou acerto e, assim como Aganbem (2005) apresenta no romance “Pinóquio”, de Collodi, o tempo estava suspenso
e ali apenas reinavam a brincadeira, o divertimento e o jogo. Atenta às descobertas das crianças, após o retorno, a
professora do Grupo 3, Márcia Cristina de Oliveira, realizou o planejamento de seu projeto pedagógico a partir da ex-
periência com a Arte que vivenciou com as crianças no museu.
O desejo de aproximar as crianças das práticas das artes visuais para além das já adotadas pelas professoras no es-
paço educativo, conduziu-nos a um encontro com a artista plástica e ceramista professora Drª Regina Rodrigues, que
trabalhou com as crianças que participavam em grupos que permaneciam um tempo aproximado de uma hora na sala

126
de atividade que foi organizada para esse fim. A primeira turma a participar foram as crianças de 3 anos, que incen-
tivados pela professora Regina, tocavam a argila para, entre outras possibilidades, perceber a sua textura, ao sugerir
que a modelagem partisse do assunto que eles estavam trabalhando com a professora Márcia Cristina, eles rapida-
mente começaram a falar sobre a natureza e tudo o que poderiam modelar: tartaruga, jacaré, pássaros, entre outros.
Bastou um dos colegas afirmar que iria modelar uma pizza, que todos começaram a imitá-lo modelando pizzas. Obser-
vamos que as crianças seguem a sugestão do amigo livremente, mas os caminhos percorridos por elas foram diversos
e diferenciados. Salientamos que a imitação foi apenas o ponto de partida e que, ao longo da criação, cada criança
apresentou liberdade diante sua obra.
A tarde seguiu com experiências em argila com as crianças de 2 anos, que a partir da orientação de realizar rolinhos
e bolinhas com o material plástico, começam a identificar formas de avião e a relatar lugares. Ao utilizarem a lingua-
gem como meio de comunicação, assumem uma ativa posição responsiva, como encontramos em Bakhtin (2010), pois
concordam e discordam num processo de compreensão da fala viva que suscita uma resposta, transformando o ouvinte
em falante. O repertório das crianças demonstra a vivência em lugares que vão além de suas casas. Esses fatos deno-
tam o repertório em que as crianças estão envolvidas, suas marcas sociais, as múltiplas vozes que as constituem, suas
vivências e experiências.
As crianças de um ano ou menos foram convidadas a manipular o material, alguns resistiram, uns precisaram de me-
diação da professora de sua turma e outros exploraram o material com segurança. Com esse grupo de crianças ficou
claro a estreita relação entre o cuidar e o educar. Sentir-se acolhido e envolto em um ambiente amistoso, que oferece
respeito, é primordial para a criança, assim como ouvir seus desejos e estabelecer com ela uma relação de confiança.
Foram realizadas mais duas visitas a museus, uma ao Maes, com a exposição: “Por território e lugares” e uma no Museu
Vale, à exposição da artista plástica Regina Chulan. Na visita ao Maes retorna entre as crianças o diálogo ao longo
do caminho, agora repleto dos novos elementos da viagem anterior. As informações do percurso que já haviam feito
deram nova configuração ao diálogo, os relatos do percurso passado eram lembrados e questionados pelos amigos. Ao
chegar ao museu as crianças assumiram a postura de contemplação das obras, perceberam que apesar de ser o mes-
mo espaço, não continha a mesma informação, falavam em voz alta que eram outras cores e não tinham imagens do
futebol.
A obra “Museu-ecrã, 2013”, de Ivo Godoy apresentava imagens de museus de Arte Contemporânea na América do Sul,
América do Norte e Europa. As crianças rapidamente associaram as imagens projetadas com o espaço do museu.
Quando questionadas sobre como sabiam que eram museus aquelas imagens projetadas, eles responderam demon-
strando que era parecido com o que conheciam.
As respostas das crianças demonstram que elas traziam um conhecimento prévio, uma memória visual do espaço que
frequentaram e que foi subsídio para a percepção dos espaços que se apresentaram semelhantes. Percebemos que o
referencial museu já existia no repertório das crianças. Essa visita proporcionou à professora Márcia Cristina a real-
ização de outro trabalho, agora com gravura, a partir da observação da obra Projeto Mutantes, de Mariana Reis.
No Museu Vale destacamos a ação da mediadora, que a princípio ficou encantada com o tamanho das crianças e foi
explicando que nunca havia acompanhado uma turma com crianças tão pequenas, mas ia tentar estabelecer um diálo-
go com elas. Ainda na parte externa, ela se apresentou, quis saber o nome de cada uma das crianças e, em seguida,
perguntou se eles gostavam de desenhar e de pintar. Todos responderam com um sonoro sim. Ela, então, explicou que
a exposição que eles iriam visita era composta de desenho e pintura e mostrou o letreiro com o nome da exposição e
da artista na entrada do museu, pedindo a todos que repetissem o nome da artista, o que eles fizeram com rapidez e
alegria.
A mediadora, ao se apresentar, demonstrou o desejo de saber o nome de cada um, explicou o que elas iriam ver e
mostrou o nome da exposição, estabelecendo um diálogo que demonstrou respeito pela criança. Ao escolher suas
palavras construiu, segundo Bakhtin (2010), um enunciado ativo para provocar uma ativa compreensão responsiva
pelas crianças, que apesar da grandiosidade do galpão do museu, não saírem correndo como imaginávamos. Assim
que passaram a porta de entrada, a mediadora provocou os olhares para o reconhecimento das imagens, a percepção
do movimento nelas contido, realizando os movimentos com o próprio corpo e convidando as crianças a realizarem
o mesmo. Pediu às crianças que sentassem diante de uma das obras expostas e começou a realizar uma leitura com
questionamentos sobre o que estavam vendo, como estava o tempo e se ali havia movimento.
Após esse diálogo, ela pediu que as crianças fechassem os olhos para sentir o vento do lugar retratado. Todas se en-
volveram vivenciando aquele momento, trabalhando os sentidos por meio da imagem. Assim, ela manteve as crianças
o tempo todo atentas às obras. Elas não correram, elas brincaram com o olhar, realizaram talvez o que Vigotski (2010)
chama de “leitura lenta” e, nesse momento, pudemos pensar na ludicidade que existe na contemplação de uma obra de
Arte.

127
O reflexo da mediação descrita acima pôde ser percebido durante visita no ano seguinte da exposição “País Tropical”
de Heidi Lieberman, no MAES, quando as crianças, começam a repetir os gestos da mesma maneira que realizaram ao
contemplar as obras da Regina Chulan. Observamos Maria Júlia em um desses momentos, imitando a figura da menina
que aparece na obra.
Percebemos também, por meio de entrevista estruturada com a família, o reflexo das experiências estéticas vivencia-
das, como exemplo, mostramos a foto do Lorenzo com 04 anos na época da pesquisa, fazendo um desenho no pedacin-
ho de parede que ganhou para desenhar à vontade.

Considerações Finais
Verificamos que a infância não é um tempo cronológico, mas o tempo intensivo da experiência e da potência; e a
sensibilidade, o lugar de origem da experiência. A apresentação da pesquisa moveu nossos pensamentos a muitas
percepções. O recorte no tempo visou a tornar possível uma observação mais específica das ações que envolvem as
crianças, a Arte e o meio em que atuam.
Ao propormos a realização de experiências estéticas como possibilidade de desenvolvimento do ser em sua totali-
dade, criamos caminhos que pudessem proporcionar a essas crianças o contato mais próximo com a Arte, pelo fazer e
do contemplar. Ao estabelecerem contato com a Artista Plástica Regina Rodrigues por meio do fazer artístico, exper-
imentando a matéria plástica – a argila –, as crianças vivenciaram linguagens expressivas de comunicação e social-
izaram suas vivências e desejos, apresentaram seus repertórios e o ampliaram na interação com seus pares e com o
adulto, em um processo dialético por meio de uma experiência pessoal.
Ao serem apresentadas ao material plástico, cada criança reagiu de uma maneira e rapidamente começou a explorar e
perceber sua maleabilidade, textura, viscosidade e a possibilidade de modelagem e impressão. Esse processo ocorreu
por experimentação. Ao tocar e agir sobre a argila, as crianças foram criando formas que puderam ser transformadas
intencionalmente ou não.
A presença da professora e artista plástica Regina Rodrigues foi muito importante e mostrou o respeito ao plane-
jamento e à condução do momento do fazer artístico a partir do interesse da criança. A sua atuação não aconteceu
isoladamente, mas contou com a participação das professoras, das crianças e das auxiliares dos grupos, para que todos
pudessem se apropriar da linguagem por ela apresentada.
O conhecimento em Arte, em educação e a consciência da necessidade de um trabalho em unidade com todos os
profissionais envolvidos no processo educativo foram pontos importantes percebidos a partir da experiência com a
professora Drª e ceramista Regina Rodrigues. Diante do vivido, acreditamos que o trabalho com educação estética,
que priorize a percepção sensível do entorno por meio da Arte, necessita da inserção de um profissional da área de
Arte atuando no espaço educativo.
Nossas considerações não propõem um professor de Arte e um horário para que as crianças tenham uma “aula” espe-
cífica de Arte, mas consideramos que a Arte, como área de conhecimento, precisa permear todo o trabalho pedagógico
desenvolvido com a criança, contribuindo para uma educação estética.
As experiências compartilhadas em novas vivências são observadas nas visitas aos museus. Iniciam-se não no mo-
mento em que as crianças estão diante das obras, mas muito antes, quando questionam sobre a visita e imaginam o
que irão encontrar no museu. O percurso até o museu mostrou ser um momento rico em trocas de experiências, uma
noção de pertencimento àquele lugar que habita e transpõe os limites de sua percepção gerando novos repertórios.
Essa vivência na pesquisa nos mostrou a importância de a instituição de ensino estar aberta à cidade, provocando nas
crianças a percepção do pertencimento aos espaços de cultura, lazer e demais lugares que a compõem. A chegada ao
museu e a interação lúdica das crianças com os espaços, com as obras, com os diversos ambientes e com os media-
dores despontaram como material potente de conhecimento.
O retorno para o espaço educativo é o último ponto que queremos destacar em nossas considerações finais. As provo-
cações levantadas pelas professoras, pelas crianças e os trabalhos desenvolvidos a partir dessas vivências apresentam
uma forte via de aprendizagem e desenvolvimento. Concluímos que, além das crianças, é necessário proporcionar
também ao professor da educação infantil vivências estéticas, por meio de formações, visitas a exposições, museus, ga-
lerias e outros tipos de manifestações artísticas, aguçando o senso estético em um trabalho uníssono com o professor
especialista em Arte.
As experiências provocam a expressão das crianças para além dos seus conhecimentos, por meio de vivências estéti-
cas, geradoras de experiências sensíveis. A presença da artista plástica e professora Regina Rodrigues ecoou nas ações
das crianças e nas percepções posteriores, assim como o olhar sobre a Arte e seus materiais. Os retornos foram en-

128
viados pelos pais, quando, por exemplo, relatam que Pedro Eugênio, de repente, em casa, fala que deseja pintar como
Portinari; quando Lorenzo reúne almofadas, cadeira e “constrói uma Arte”.
O espaço educativo, institucionalizado, deve se abrir ao meio social em que se insere e ampliar na criança a noção de
pertencimento a esse espaço, com a participação nas manifestações culturais, proporcionando experiências sensíveis,
estéticas, formando a consciência de ser humano atuante e afetado por seu meio social. Esse trabalho não encerra
aqui as discussões sobre a Arte e sua inserção na educação infantil, mas provoca novos olhares sobre a importância de
a linguagem visual estar inserida com responsabilidade no espaço educativo dedicado a crianças pequenas.

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Dulcemar da Penha Pereira Uliana


Bacharel em Artes Plásticas, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES;
Especialista em Formação de Mediadores em EAD – UFES;
Formação de Tutores: Orientação Pedagógica em EAD – UEPB;
Mestre em Educação – UFES;
Tutora à distância: Sead – UFES; dulcemaruliana@hotmail.com

129
Experiência: Aproximações entre Passado
e Presente
Thalyta Botelho Monteiro – PPGE-UFES
Gerda Margit Schutz Foerste – PPGE-UFES

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre os conceitos de experiência e vivência de Walter Benjamin
de modo a dialogar com o cinema de animação e as atuais tecnologias de imagens, com o propósito de
compreender como tais conceitos estão inseridos na infância contemporânea. Imersas no universo tecno-
lógico, muitas crianças podem deixar de narrar e de compartilhar experiências e vivências se não forem
estimuladas a ressignificarem suas ações. Parte do diálogo em que passado e presente podem relacionar-se
de modo a construir um aprendizado voltado a mediação e a valorização do sujeito.
Palavras-chave: Experiência; Vivência; Cinema de Animação; Tecnologias.

ABSTRACT
This article aims to reflect on the concepts of experience and experience of Walter Benjamin in order to di-
alogue with the animated film and the current imaging technologies, in order to understand how these con-
cepts are embedded in contemporary childhood. Immersed in the technological world, many children may
fail to narrate and share experiences and experiences if they are not encouraged to ressignificarem their
actions. Some of the dialogue in which past and present can relate to in order to build a learning oriented
mediation and the appreciation of the subject.
Key words: Experience; experience; Animated Film; Technologies.

O senso comum considera como experiência tudo aquilo capaz de ser dado e potencializado pelo adulto. No entanto
as leituras de Walter Benjamin apresentam as dificuldades da sociedade em transmiti-la por considerar a inexperiência
da infância e da juventude.
O autor expressa uma experiência que se perde em função do ato de narrar. Atualmente as pessoas não narram, não
contam suas histórias, e assim estas se perdem tornando as tradições escassas. Os textos do autor ensaiam elabo-
rações e reflexões sobre novas experiências. Neles, pode-se constatar narrativas sobre a experiência, quando relata que
esta é obtida com o tempo. No entanto, o que leva em conta são as narrativas, as histórias que não são mais reveladas
na contemporaneidade. Abandonamos nosso patrimônio humano e o empenhoramos em nome do “atual” (BENJAMIN,
1994).
A experiência deve, contudo, deve ser provida de espírito e conteúdo. Entretanto, o mundo globalizado, com suas
inúmeras atividades, pessoas e artigos tecnológicos, vislumbra o desaparecimento da coletividade em favor da individ-
ualidade. Parece irônico falar em desaparecimento da coletividade ao citar um mundo globalizado, visto que estamos
conectados e cheios de informações. Porém as diversas possibilidades não nos permitem prestar atenção em uma ou
outra coisa.
Vivemos mais individualmente do que no coletivo; os valores são voltados mais para o “eu” do que para o “nós”. As
emoções causadas pelas experiências não são mais contadas. Vive-se isolado, em pleno século XXI, rodeado por todo o
mundo.
Benjamin (1994) menciona que a sociedade moderna não reconhece a juventude porque não reconhece o envelheci-
mento. Para Benjamin, a criança é pertencente à sociedade, logo, compartilha com ela e com o que há nela; não é um
ser neutro que se apresenta como resultado das transformações sócio-históricas.

130
Desse modo, é importante ressaltar o conceito de experiência e vivência na concepção de Walter Benjamin para assim
compreendermos suas reflexões a respeito da sociedade moderna.

Erlebnis e Erfahrung: Um diálogo entre a infância e a contemporaneidade


A Erlebnis e a Erfahrung são dois conceitos que regem a obra de Walter Benjamin e que retratam a vivência e
a experiência do indivíduo. A princípio, estes se confundem por estarem próximos das concepções que regem a
participação do homem na sociedade e a intervenção que esta lhe proporciona.
Essas análises não consistem em delimitar ou definir a Erlebnis e a Erfahrung, mas sim, refletirmos sua importância na
contemporaneidade e possibilitar um diálogo com esses conceitos.
Bredariolli (2007), no texto “Educação como experiência: uma narrativa sobre a formação de professores”, publicado
nos anais do 7.º Seminário Capixaba sobre o Ensino da Arte, define os conceitos de Erfahrung e Erlebnis:
A “experiência” torna-se, como diz o próprio Benjamin, “um elemento de sustentação” em muitas de suas
“coisas”. Um tema caro distinguido em dois conceitos: um deles é a Erfahrung, a “experiência” coletiva, cuja
matéria é o acervo dos acontecimentos pertinentes a uma dada comunidade. Seu “corpo”, feito de memória,
edifica-se de narrativa responsável pelo elo entre as gerações. O outro é a Erlebnis, a “experiência” pró-
pria do indivíduo, decorrência de seu embate isolado com o mundo. A primeira diz respeito à “experiência”
comum a várias gerações, supõe, portanto, uma “tradição compartilhada e retomada na continuidade de uma
palavra transmitida de pai para filho”; por ela, o passado se enlaça com o presente, estabelecendo a identi-
ficação daquele que ouve com aquele que narra. A Erfahrung engendra a identificação do sujeito com a sua
comunidade pela voz do narrador. Guardião de uma tradição, “o narrador retira da experiência o que ele con-
ta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas a experiências de seus
ouvintes”. Este tipo de “experiência” coletiva, por pertencer à continuidade e temporalidade das sociedades
“artesanais”, foi degradada, segundo Benjamin, pela sociedade moderna, movida por um “tempo deslocado
e entrecortado do trabalho no capitalismo moderno”. O mundo moderno aparta o sujeito dos seus pares
sociais, alheia-o de sua comunidade, o dilui no anonimato criado pelo conjunto dos muitos outros anônimos.
Neste isolamento forçado, o indivíduo busca por si, procura por um “espelho”. Este contexto gera um outro
tipo de “experiência”, segundo Benjamin, a Erlebnis, “particular e privada”, também relacionada ao passado,
agora não mais trazido por outrem, mas desperto por uma “rememoração espontânea”, no embate solitário
do sujeito com seu mundo. Trata-se de uma procura individual e solitária pelo sentido de pertencimento,
que não mais se estabelece pela identificação a uma comunidade. A Erlebnis promove o religamento do
indivíduo solitário com o mundo. Diferente da Erfahrung, não mais especificamente com uma comunidade,
mas desperta o sujeito para a consciência de estar, pertencer e agir no mundo, mesmo que já diluído, pelo
desligamento a um lugar e a uma comunidade específicos (BREDARIOLLI, 2007, p. 23-24).

A autora reflete sobre o conceito1 de forma simples e clara. Estabelece relação entre ambos e suas discrepâncias. Se
a “experiência” coletiva é baseada nas informações de uma comunidade, a “experiência” particular é voltada para as
impressões daquele que pertence a ela. No entanto, Benjamin não trata a Erlebnis como subjetividade, mas como uma
forma de absorver as experiências de modo pessoal e transmiti-las dentro de suas especificidades sociais e históricas,
estando a todo momento relacionadas. Bredariolli (2013) acrescenta ainda ao refletir sobre o conceito de Experiência
em Benjamin: “Experiência não é gerada no homem; o homem, a mulher, a criança... Vivem uma experiência, única,
singular, porque é apenas sua, mas que reverbera em comunidade, em coletividade, se compartilhada.
Ao dialogarmos com os autores vimos que, a Erlebnis é a experiência individual, fragmentada, e um conjunto de vivên-
cias particulares é “estar em vida”.
Analisar o conceito benjaminiano de experiência (erfahrung) pressupõe fazê-lo em oposição ao conceito de
vivência (erlebnis). O termo vivência (erlebnis), na acepção benjaminiana, origina-se do verbo alemão erle-
ben que significa estar ainda em vida quando um fato acontece. Pressupõe a presença viva e o testemunho
ocular a um evento. A erlebnis contém, por um lado, a provisoriedade do erleben, do viver, do estar presente
e, por outro, o devir que se produz. Conjuga a fugacidade do evento e a duração do testemunho, a singulari-
dade do ato de vida e a memória que o conserva e transmite. Erlebnis é a vivência do indivíduo isolado em
sua história pessoal, apegado unicamente às exigências de sua existência prática, à sua cotidianidade, é a
impressão forte que precisa ser assimilada às pressas, que produz efeitos imediatos (KONDER, 1989, p. 72). O
homem moderno vive o presente sem laços com o passado, atropelado pelo excesso de apelos que a so-

1 Não cabe aqui categorizar o conceito de Benjamin a respeito da Erlebinis e da Erfrahung, mas esclarecermos suas concepções teóricas.

131
ciedade de consumo oferece, assim como na teoria freudiana do choque que inviabiliza a impressão mne-
mônica e o seu consequente traço duradouro. Tais características estão essencialmente presentes na atual
sociedade da informação, em que a velocidade induz ao esquecimento, não havendo espaço para a memória.
(MEINERZ, 2008, p. 18)

Erlebnis vem do verbo alemão Erleben, que significa estar ainda em vida quando um fato acontece. Pressupõe a pre-
sença viva e o testemunho ocular de um evento (MEINERZ, 2008, p. 17), visa então ao indivíduo e a suas particulari-
dades, suas vivências pessoais, diferenciando-se de Erfahrung. Podemos ter experiências coletivas que se acumulam,
um sujeito que se integra a uma comunidade, uma experiência que se prolonga, que se desdobra e, alimentada pela
memória, propicia a transmissão do conhecimento. Benjamin ressalta que a “modernidade” faz com que o homem se
aproprie mais da Erlebnis, de uma experiência vivida, de característica de um indivíduo solitário (BENJAMIN, 1994, p. 9),
esboçando uma reflexão sobre a necessidade da memória e da socialização desta.
Nessas concepções de Erfahrung e Erlebnis entendemos a importância da memória, pois esta é o elo entre passa-
do-presente-futuro. Por ela ressignificamos e possibilitamos novas experiências, impedindo a sua repetição, para não
cairmos em uma concepção “filisteia” de seu significado, que consiste em apenas repetir sem nenhuma reflexão.
Já a erfahrung é o conhecimento obtido através de uma experiência que se acumula, que se prolonga, que se
desdobra, como numa viagem (e viajar em alemão significa fahren); o sujeito integrado numa comunidade
dispõe de critérios que lhe permitem ir sedimentando as coisas com o tempo (KONDER,1989, p. 72). Significa
o modo de vida que pressupõe o mesmo universo de linguagem e de práticas, associando a vida particular à
vida coletiva e estabelecendo um fluxo de correspondências alimentado pela memória. (MEINERZ, 2008, p. 19)

É necessário, então, refletirmos sobre a era digital e suas consequências quanto à “perda” da Erlebnis e da Erfahrung.
A Erfahrung é uma experiência do indivíduo em contato com as narrativas da tradição, com a possibilidade
de construir sua própria individualidade. É uma relação que se estabelece entre o que foi e o que é. Na
Erlebinis essa condição de formação da individualidade é subsumida pela completa perda de contato com
as narrativas, com a memória coletiva e dessa forma o sujeito é envolvido pela lógica de uma espécie de
palavrório vazio, fugaz. O que vale não é o contato com o que foi, com a memória histórica da coletividade,
mas sim com o consumo fugaz, com a vivência do momento, do aqui e agora: “Pois qual o valor de todo o
nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?”, é a pergunta que Benjamin (1994) faz
em Experiência e pobreza (1933). Para ele, a pobreza da experiência não era mais privada, mas de toda a hu-
manidade. O conceito de experiência ele interpreta a partir de dois substantivos da língua alemã: Erfahrung
e Erlebinis. O primeiro advém de fahren, que significa conduzir, guiar, levar e também pode ser traduzido por
viajar, no sentido do verbo reisen. Erfahren diz respeito a chegar a, saber; sofrer, versado, esperto, experimen-
tado. Erfahrung, segundo Benjamin, vincula-se ao conhecimento obtido por meio de uma experiência que
se acumula, prolonga-se e desdobra-se, como em uma viagem (fahren). O sujeito, integrado em uma comu-
nidade dispõe de critérios que lhe permitem sedimentar as coisas com o mesmo universo de linguagem e
de práticas. Ele associa a vida particular à vida coletiva e estabelece um fluxo de correspondência/relações
alimentado pela capacidade da memória que lhe foi herdada pela geração que dele cuidou. Para Benjamin,
sob os auspícios do capitalismo tardio, devido ao domínio da dimensão técnico-instrumental que move a
existência pragmatizada, há uma pobreza da experiência, o que significa uma incapacidade para narrar, contar
(Erzahlen), compartilhar experiências/estórias.(LOUREIRO, 2013, p. 03).
Vivemos em uma sociedade rodeada de informações e acessibilidades, muito diferente da de uma década atrás, quan-
do ainda mandávamos cartas, lembrávamos datas de aniversários e convivíamos pessoalmente com as pessoas. Hoje,
em função do crescimento industrial e tecnológico, criamos novas formas de ver e viver a vida: priorizamos as reuniões
online, em razão da falta de tempo; encaminhamos e-mails que se perdem em meio a tantos outros; as datas comem-
orativas ficam por conta dos lembretes das redes sociais. Não criticamos, pois conhecemos a importância das tecno-
logias. Poucas são as pessoas que ainda têm o hábito da conversa, das lembranças, logo, da memória. São muitas as
informações, os amigos, as imagens... Memórias ficam esquecidas e não são mais transmitidas, perdendo-se inúmeras
histórias e culturas.
O excesso de estímulo que caracteriza a experiência do choque nasce e desenvolve-se na esfera da erlebnis,
a experiência vivida, que necessita ser absorvida ou incorporada imediatamente. As excitações sensoriais em
demasia (visuais, auditivas, táteis, etc.) das pessoas nas cidades, produzem efeitos imediatos e constantes
na consciência. Por questão de sobrevivência, não há tempo nem espaço para degluti-las, mas sim, deve-se
assimilar tais impressões o mais depressa possível, já que estas se sucedem simultaneamente num ritmo

132
frenético. Portanto, abrandados e polidos pelo consciente, os choques não se fixam na memória profunda,
são acervo das lembranças conscientes tornando-se, segundo Benjamin, estéreis para a experiência poética. .
(MEINERZ, 2008, p. 48)

Benjamin demonstra o enfraquecimento da “Erfahrung” e toma como antípoda o conceito de “Erlebnis”, que
significa vivência, característica do indivíduo solitário. Ele esboça uma reflexão sobre a necessidade de sua
reconstrução para garantir uma memória e palavra comuns apesar da desagregação e do esfacelamento
do social nos tempos modernos. Tempos nos quais até o romance perde a capacidade de narrar a experiên-
cia. Erlebnis conjuga a fugacidade do ato de vida e a memória que o conserva e transmite. É a vivência do
indivíduo isolado em sua história pessoal cotidiana e ordinária, a impressão forte que precisa ser assimilada
às pessoas e que produz efeitos imediatos. Tudo a ver com o capitalismo tardio. É uma vida sem laços com o
passado, atropelada pelo excesso de apelos da sociedade de consumo.(LOUREIRO, 2013, p. 03)

Benjamin critica a falta de comunicação entre passado e presente, entre a infância e a maturidade; adultos que privile-
giam um “acúmulo de experiências”, mas que não as transmitem aos jovens. Em consequência, estes valorizam apenas
o trabalho, a profissão, desprezando tudo o que possa sedimentar-se na sensibilidade e na imaginação. Com isso, o
adulto rememora sua autoridade sobre a juventude julgando-se mais experiente em função de um tempo linear. Assim
o autor a caracteriza como “pobre”.
É importante ressaltar que as vivências individuais podem estar ligadas às experiências coletivas e assim possibilitar a
criação do novo, mas, para que isso ocorra, Benjamin considera a necessidade da tradição e, com ela, o ato de narrar.
Para Benjamin, as informações encontram-se em maior evidência que o relato, que a narrativa; assim temos respostas
sem pensarmos na pergunta. Atualmente a internet nos sobrecarrega de informações e não recorremos mais às biblio-
tecas ou às pessoas para tirarmos dúvidas. Não conversamos sobre os assuntos inerentes à sociedade, “sabemos que”
sem “refletirmos sobre”.
O empobrecimento da experiência significa, em Benjamin, a perda da capacidade de narrar, de contar es-
tória, de lembrar, de trazer à tona a dor, o sofrimento reprimido que aguarda o momento propício para se
revelar em barbárie. O silêncio que toma conta da vida urbana é acompanhado da cacofonia ensurdecedora
promovida pelas máquinas, buzinas, sirenes e as conversas das massas que falam, dos filmes e programas
de televisão que nada têm nada a dizer e, alucinadamente reverberam na audição regredida da experiência
moderna.(LOUREIRO, 2013, p. 03)
Com a inserção das tecnologias, é evidente a ressonância da Erlebnis. Tanto crianças como adultos têm cada vez mais
vivências particulares, em um tempo presente, sem nenhuma pretensão à memória e, assim, ao passado; logo um pen-
samento voltado ao futuro. Cada vez mais corroboram o isolamento proporcionado pelas redes sociais que os tornam
pertencentes a um mundo em que estão sós. Contudo, se pensarmos pessimistamente, criticaremos as redes sociais e
as tecnologias e logo não veremos saída para nossa sociedade.
O diálogo com Walter Benjamin apresenta-nos uma ampla visão da importância da memória e da experiência. Refle-
tindo, assim, com nossas memórias, é necessário ressaltar que não nascemos na era digital e enxergar o “isolamento”
de uma sociedade, uma comunicação que se dá pela interface de uma máquina, quando vivemos preterindo o encontro
com amigos, os recados e convites feitos pessoalmente. Atualmente, ver uma juventude “estática”, que se estabelece
e se identifica no digital, faz-nos pensar na infância que se constrói nesta era e com ela constitui, entre suas marcas
sociais e históricas, suas experiências e vivências nesse espaço virtual.
Tanto experiência quanto vivência são sedimentadas pela memória, e o excesso das informações faz com que optemos
por uma ou outra lembrança que se estabelece na vida. Com a utilização das tecnologias e dos meios digitais temos a
acessibilidade e a velocidade dos fatos que se modificam a milésimos de segundo; quilômetros que se aproximam por
meio de uma tela. No entanto, o acúmulo de informações e acontecimentos nos permite, de forma diferenciada, a ex-
periência coletiva, a Erfahrung, e a experiência individual, a Erlebnis, que fica somente com o indivíduo, que é própria,
mas que se constitui também das experiências coletivas. Constituímos experiências com a utilização das tecnologias,
porém estas são, em sua maioria, individuais. A coletividade fica desprestigiada, mesmo estando conectada a tudo, pois
sabe superficialmente dos fatos. Contudo, o autor ressalta que “[...] o modo pelo qual se organiza a percepção humana,
o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente” (BENJAMIN, 1994, p.
169). Assim entendemos que o processo histórico da humanidade criou mecanismos para a postura do homem quanto
aos meios digitais e à sua participação como ser ativo e reflexivo.
Percebemos nesses diálogos que damos menos importância aos relatos, que os processos de tradição ficaram de lado.
Criamos contatos com diferentes culturas, mas não as presenciamos nem as vivemos e, “no momento em que a ex-

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periência coletiva se perde, em que a tradição comum já não oferece nenhuma base segura, outras formas narrativas
tornam-se predominantes” (BENJAMIN, 1994, p. 14). O uso das tecnologias constitui, assim, uma forma de narrativa, pos-
sibilitando novos modos de narrar, no entanto, por não ser bem abordada, permanece superficial. Narramos nas redes
sociais aquilo que é positivo. Escolhemos fatos para narrar e postar. Com base em filmes, cada qual possui sua narrati-
va, sua linguagem específica, constituindo novas formas de contar sobre a vida, o cotidiano e as ficções.
É nesse sentido que buscamos em Walter Benjamin suas concepções de criança e de sua importância como ser
participativo de uma cultura e de uma sociedade. O processo histórico da infância contemporânea nos apresenta
outras formas de narrativa que são criadas mediante a utilização exacerbada das tecnologias.
Podemos perceber, ao longo da história, como a criança é identificada: de ser frágil e ingênuo a miniadulto. O diálogo
com Walter Benjamin orienta-nos a refletir sobre a criança e a infância de modo a valorizarmos suas experiências e
vivências, individuais ou coletivas, e com elas promover e dar ênfase aos relatos, às narrativas, ao compartilhamento do
conhecimento e das afetividades.
A criança exige dos adultos explicações claras e inteligíveis, mas não explicações infantis, e muito menos as
que os adultos concebem como tais. A criança aceita perfeitamente coisas sérias, mesmo as mais abstratas e
pesadas, desde que sejam honestas e espontâneas [...] (BENJAMIN, 1994, p. 236-237).

Propor ludicidade no aprendizado da criança não é florear sua linguagem, e sim apresentar formas simples e claras,
que visem a um aprendizado e a um desenvolvimento que seja compatível com a infância sem desmerecê-la.
Diferentemente de alguns adultos, a criança é capaz de (re)construir sua experiência por meio da criação, da fantasia e
da imaginação. Esses elementos podem estimular o novo e assim proporcionar novas vivências e recriar experiências,
como sensibilidade, e ressaltar o caráter social da aprendizagem infantil. A criança não está apenas imersa no meio,
mas pertence a ele. Com isso contribui para a constituição desse meio e absorve tudo o que há nele.
Para o autor, a criança é um ser social; participa, contribui e está imersa em inúmeras imagens que se dão repetida-
mente em meio à era digital mediante as redes sociais, a internet, e também o cinema e o desenho animado, que a
expõem apenas como espectadora.
Erlebnis e a Erfahrung vêm a perder-se com o acúmulo de informações colocadas de forma desordenada, sem
direcionamento. Assim, cabe ao adulto mediar as relações e ações que rodeiam as crianças. Proporcionar a elas refle-
xões e direcionamentos. Torná-las seres ativos e participativos.

Experiência e Vivência e as Tecnologias de Animação de Imagens


Os diálogos com Walter Benjamin nos permitem refletir sobre experiência e vivência. A primeira, referindo-se à coletiv-
idade, algo que é possível de ser compartilhado, e a segunda, identificando-se por sua singularidade, sendo unicamente
do indivíduo.
Atualmente, com o acesso às tecnologias digitais e às facilidades providas por elas, esses conceitos são ratificados. Ao
mesmo tempo em que conversamos com amigos do outro lado do mundo, compartilhamos mensagens e fotografias, ri-
mos de situações em postagens da internet sem expressá-lo facialmente, experienciamos essas situações com pessoas
e somos capazes de narrá-las, mas entre estas experiências há aquelas que guardamos apenas para nós, algo inenar-
rável, que se mistura ao histórico de vida, sociocultural.
No interior dos grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma
ao mesmo tempo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio
em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente (BENJAMIN, 1994,
p. 169).
Desse modo, concordamos com o autor, que relaciona nossos processos de experiência e vivência a fatores históricos. É
relevante considerarmos a utilização das tecnologias, focadas aqui nas tecnologias de animação de imagens visto que
estas pertencem à nossa cultura.
O histórico do cinema de animação ajuda-nos a compreender, além da formação da imagem em movimento, seus
processos técnicos e estéticos. A animação pode ser realizada desde a criação de desenhos a imagens predefinidas que,
em sequência, garantem o movimento.
Pela primeira vez no processo de produção da imagem a mão foi liberada da responsabilidade artística mais
importante, que agora cabia unicamente ao olho. Como o olho aprende mais depressa do que a mão de-
senha, o processo de reprodução das imagens experimenta tal aceleração que começou a situar-se no mes-

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mo nível que a palavra oral. Se o jornal ilustrado estava contido virtualmente na litografia, o cinema falado
estava contido virtualmente na fotografia (BENJAMIN, 1994, p. 167).
Com as tecnologias de animação de imagem percebemos que cabe não apenas à mão o processo de criação, mas tam-
bém aos olhos, que interpretam as imagens. Essas imagens transmitem mensagens, comunicam-se mesmo sem a fala.
Mecanismos como o flipbook criam e recriam desenhos que, ao serem passados rapidamente, se tornam linguagem. No
entanto, vistos separadamente, são apenas desenhos2. Juntos contam continuamente histórias.
Estamos imersos em tecnologias e em animações que não se limitam apenas aos desenhos animados, mas se aplicam
também às propagandas publicitárias, às vinhetas e aos filmes produzidos por técnicas mistas, que usufruem das técni-
cas modernas de animação gráfica e, em alguns casos, das tradicionais.
Benjamin (1994, p. 94) ressalta: “[...] depois de mergulharmos suficientemente fundo em imagens assim, percebemos
que também aqui os extremos se tocam: a técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um
quadro nunca mais terá para nós”.
Esse fragmento nos fez refletir sobre o encantamento que temos ao sermos expostos a exibições de animações. Per-
guntamo-nos: Como foram feitas? Como criaram tais efeitos especiais? Em quanto tempo? questionamentos que não
são realizados com tanta intensidade em relação a outras obras. O cinema permite-nos essa magia e o cinema de
animação coloca em prática tudo o que humanamente não é possível.
Ao falarmos de produção de cinema é importante reconhecer que, mesmo relatando situações reais, as imagens exibi-
das são o fragmento do olhar do diretor ou do câmera, algo que é manipulado. São imagens projetadas a partir de um
ângulo estabelecido por uma determinada pessoa em função de um tema específico. A realidade nesse caso é ilusória.
O cinema vale-se de diferentes recursos para apresentar a personalidade de um personagem: de acordo com o ângulo
de câmera, um ator de estatura mediana pode aparecer na tela como alto e imponente, se filmado de baixo para cima, ou
frágil e submisso, caso a câmera esteja posicionada de cima para baixo; aproximar lugares a pessoas: dependendo do tipo
de lente utilizada, é possível distanciar ou afastar uma pessoa da outra; ilusões de ótica entre tantos truques viáveis: uma
criança pode ficar da altura de um adulto se posicionada à frente dele, regulando-se o ângulo da filmagem. “A natureza
que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado con-
scientemente pelo homem um espaço que ele percorre inconscientemente (BENJAMIN, 1994, p. 94).
A questão de realidade e ilusão no cinema pode ser exemplificada ao sermos fotografados. Ao nos depararmos com
uma câmera fotográfica ou filmadora, é “natural” melhorarmos a postura. As mulheres, principalmente, ajeitam os cabe-
los, fazem poses. Modificamos a realidade a instantes de ilusão. E mesmo essa suposta realidade é fragmentada pelo
olho de quem fotografa e, necessariamente, não a representa.
Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo que existe de planejado em seu comportamento, o obser-
vador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a centelha do acaso, do aqui e agora, com
a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda
hoje em minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo olhando para
trás. A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substi-
tui um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente.
Percebemos em geral, o movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada
percebemos de sua atitude na mais exata fração de segundos em que ele dá um passo. A fotografia nos
mostra essa atitude através dos seus recursos auxiliares: câmara lenta, ampliação. Só a fotografia revela
esse inconsciente ótico, como só a psicanálise revela o inconsciente pulsional. Características estruturais,
tecidos celulares, com os quais operam a técnica e a medicina, tudo isso tem mais afinidades originais com
a câmara que a paisagem impregnada de estudos afetivos, ou o retrato que exprime a alma do seu modelo.
Mas ao mesmo tempo a fotografia revela nesse material os aspectos fisionômicos, mundo de imagens habi-
tando as coisas mais minúsculas suficientemente ocultas e significativas para encontrarem um refúgio nos
sonhos diurnos, e que agora, tornando-se grandes e formuláveis mostram que a diferença entre a técnica e a
magia é a variável totalmente histórica (BENJAMIN, 1994, p. 94).

Falarmos de invenções normalmente nos remete a descobertas. Objetos nunca antes criados. Atualmente nos depara-
mos com inúmeros mecanismos tecnológicos que são “repaginados”.

2 Não é intenção desta pesquisa criticar os desenhos feitos isoladamente, mas estabelecer uma comparação entre um desenho criado separadamente
e aqueles realizados de forma sequenciada para dar assim a ilusão do movimento.

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Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imita-
do por outros homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para a
difusão das obras, e finalmente por terceiros meramente interessados no lucro. Em contraste, a reprodução
técnica da obra de arte representa um processo novo, que se vem desenvolvendo na história intermitente-
mente, através de saltos separados por longos intervalos, mas com intensidade crescente (BENJAMIN, 1994,
p. 166).

Temos muitas criações, porém as ressignificações são maiores. Com base nas tecnologias, ampliamos as funções de
aparelhos antigos, melhoramos e diminuímos espaços. As imagens hoje vinculadas tanto a redes sociais quanto a
filmes são reprodutíveis, ou melhor, muitas vezes utilizamos as mesmas imagens, as mesmas estruturas. Como exem-
plo, citamos a própria história da animação que cria artifícios para baratear e agilizar o trabalho usufruindo da celu-
loide. Esse meio auxilia o animador, fazendo com que o desenho de um personagem possa ser utilizado várias vezes.
Aqui, não apenas personagens, mas cenários que, desenhados sobre esse material, permitem sobreposição e também
recriações. Entendemos que as recriações são novas formulações e que estas estão diretamente relacionadas a um
processo histórico, mas que não deixam de ser repetidas e reproduzidas.
Walt Disney teve papel relevante na animação, optou pelo aprimoramento da técnica e pela estética, tornando suas
obras mais completas e complexas, contudo mais caras. Outros estúdios decidiram facilitar o traçado para agilizar e
baratear os custos e assim conseguir conquistar o mercado televisivo, como fizeram a Warner Brothers e a UPA. Os
estúdios Disney investiram em técnicas. Uma delas foi o incentivo ao desenho realista com a rotoscopia; criaram meios
de transpor as expressões de forma que as imagens pudessem ser sobrepostas. Esse mecanismo pode ser visto nos
“Templates Disney”3, animação que apresenta a dança de diversos personagens de diferentes desenhos. Ao vermos a
exibição, percebemos que os estúdios Disney usam a mesma estrutura de dança, com as mesmas expressões e gestos,
apenas modelando os personagens sobre a área. Mesmo utilizando-se de uma mesma estrutura, dedicam-se à re-
criação de novos personagens. São muitos os filmes de princesas e animais que falam.
A animação de imagens e os desenhos animados de modo geral não vendem apenas aparências, senão outros estúdios
não se teriam estabelecido com traços simples e com modesta tecnologia. Promovem magia e fantasia. E, mesmo com
o lucro gerado pela lotação das salas de cinema, não conseguiremos narrar as sensações e emoções de uma criança
quando os assistem. Gostando das exibições a criança as quer de novo, e estas se tornam diferentes para ela a cada vez
que vê.
O autor relata o desdobramento de uma obra de arte e, para a criança, o filme torna-se extensão de suas brincadeiras e
possibilidades de criação e imaginação.
Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência
única no lugar em que ela se encontra. É nessa existência única, e somente nela, que se desdobra a história
da obra. Essa história compreende não apenas as transformações que ela sofreu, com a passagem do tempo,
em sua estrutura física, como as relações de propriedade em que ela ingressou. Os vestígios das primeiras só
podem ser investigados por análises químicas ou físicas, irrealizáveis na reprodução; os vestígios das segundas
são o objetivo de uma tradição, cuja reconstituição precisa partir do lugar em que se achava o original.
O aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e nela se enraíza uma tradição que identifica
esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto, sempre igual e idêntico a si mesmo. A esfera da autentici-
dade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica, e naturalmente não apenas à técnica (BENJAMIN, 1994, p. 167).
A obra cinematográfica não depende de condições externas, mas sim imediatas (BENJAMIN, 1994, p. 172), sendo capaz
de transmitir informações a muitas pessoas ao mesmo tempo. Benjamin menciona ainda que o filme é uma criação
coletiva, pois, em função do valor da produção, uma pessoa que compraria uma pintura pode não ser capaz de garantir
financeiramente meios para produzir um filme, mas pode visualizá-lo em salas de cinema.
Não cabe a esta pesquisa discutir pontos relacionados à massificação, mas não podemos deixar de citar que, depen-
dendo da mediação produzida pelo adulto, a criança será capaz de refletir criticamente ou não sobre o que vê.
Vimos, no decorrer da história da humanidade e nas leituras em Benjamin, que recebemos um quantitativo imensu-
rável de informações, eventos que chegam impregnados de explicações implicando os relatos.
A experiência com cinema de animação e suas exibições vem a promover reflexões a respeito das tecnologias por ele
utilizadas. Com a narrativa de tais exibições, constituímos e ampliamos histórias e vivências. Percebemos que, se
a produção cinematográfica se cria na coletividade, esta também ocorre na individualidade e vem a ampliar nos-
sas experiências e, assim, nosso processo imaginativo.

3 Disney Templates (Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=uh1sNIzBJkc>).

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Referências
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994.
______. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, 2002.
BREDARIOLLI, Rita Luciana Berti. Educação como “experiência”: uma narrativa sobre formação de professores. In:
MAGRO, Adriana; CORASSA, Maria Auxiliadora; REBOUÇAS, Moema Martins (Org.). Multiplicidade e diversidade. Vitória:
Edufes, 2007.
______.Parecer de Dissertação. Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pòs-Graduação em Educação.
Vitória:2013.
LOUREIRO, Robson. Educação e cinema no GT 16 da ANPED: considerações sobre o cinema em Adorno e Benjamin. In:
REUNIÃO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, 26, 2003, Poços de Caldas, MG.
Anais... Poços de Caldas: ANPED, 2003. [GT 16 Educação e Comunicação]. Disponível em: <http://www.anped.org.br/
reunioes/26/inicio.htm>. Acesso em: 30 jan. 2012.
_______. Parecer de Dissertação. Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pòs-Graduação em Educação.
Vitória:2013.
MEINERZ, Andréia. Concepção de Experiência em Walter Benjamin. Programa de pós-graduação em Filosofia. Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Dissertação de Mestrado, 2008.
MONTEIRO, Thalyta Botelho. CINEMA DE ANIMAÇÃO NO ENSINO DE ARTE:
A EXPERIÊNCIA E A NARRATIVA NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA EM CONTEXTO CAMPESINO. 2013. 209 f. Dissertação (Me-
strado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013.

Thalyta Botelho Monteiro


Licenciada em Arte Visuais, Especialista em Artes na Educação, Especialista em Mediação de Educação à Distância, Me-
stre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES. Atualmente é professora da Faculdade de
Venda Nova do Imigrante e professora de Arte do Ensino Fundamental e Médio da rede Estadual de Ensino do Espírito
Santo. Pesquisa as tecnologias de imagens em movimento, Ensino da Arte e inclusão.

Gerda Margit Schutz Foerste


Possui graduação em Licenciatura Plena Em Educação Artística, mestrado em Educação, doutorado em Educação e
Pós-Doutorado na Universidade de Siegen-Alemanha. Atualmente é professora assistente IV da Universidade Federal
do Espírito Santo. Integra o Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado em Doutorado em Edu-
cação e compõe a Linha de Pesquisa Educação e Linguagens.

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IMAGENS E MEMÓRIAS: NARRATIVAS VIVAS NAS PRÁTICAS
EDUCATIVAS EM (COM)TEXTOS DE SERRA/ES
Maria Angélica Vago-Soares - Ufes
Marcelo da Rocha Soares - Ufes

RESUMO
O artigo traz a apresentação do projeto de Doutorado, que pretende discutir o intercâmbio de culturas
tradicionais nas práticas educativas. Parte de diálogos com professores(as) e crianças da rede municipal
de ensino da Serra/ES. O objetivo principal, consisti em desvelar histórias e memórias serranas, a partir do
encontro das culturas tradicionais. A investigação tem como objeto de estudo analisar e discutir acerca das
narrativas vivas de crianças, professores(as) e outros sujeitos, em (com)texto educativo de Serra. As ações
serão delineadas nas práticas dentro e fora da escola, a partir de mediações e intervenções, em parceria com
os sujeitos da pesquisa. Estaremos direcionados a explorar as características dos sujeitos, dos espaços e das
práticas ocorridas, tendo em vista um estudo de caso, será investigação qualitativa e interventiva de cunho
colaborativo/parceiro.
Palavras-chave: Imagens. Memórias. Culturas. Práticas educativas. Narrativas.

RESUMEN
El artículo cuenta con la presentación del proyecto de tesis doctoral, que tiene como objetivo discutir el
intercambio de culturas tradicionales en las prácticas educativos. Parte de las conversaciones con los profe-
sores(as), los niños y otras personas de las escuelas municipales de la Serra/ES. El objetivo principal, consisti
en develación de las historias y memorias, desde la reunión de las culturas tradicionales. La investigación
tiene como objeto de estudio analizar y discutir acerca de los relatos de vida de los niños, los profesores(
as) y otros sujetos en (con)texto educativo de la ciudad de Serra. Las acciones se describen en las prácticas
dentro y fuera de la escuela, de las mediaciones y las intervenciones en colaboración con los sujetos de
investigación. Será dirigido a explorar las características de los sujetos, espacios y prácticas que ocurrieron a
la vista un caso de estudio, será una investigación cualitativa y intervencionista y colaborativa/socio.
Palabras clave: Imágenes. Memorias. Culturas. Las prácticas educativas. Narrativas.

Para início de conversa...


O artigo trata de uma breve contextualização a respeito da pesquisa de Doutorado,1 que encontra-se em andamento.
Discutimos o intercâmbio de culturas tradicionais nas práticas educativas. Partimos de diálogos na comunidade es-
colar2 popular Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Sonia Regina Gomes Rezende Franco, localizada no
Bairro Serra Dourada I, Serra/ES. Os sujeitos parceiros nessa investigação são: a professora de Arte Maria da Penha
Rodrigues de Assis, o professor Expedito Marques dos Santos e a professora Janisse Soares, ambos de História, a turma
de 6o ano A (matutino) e outros sujeitos dessa comunidade, que estiverem dispostos a colaborar com as discussões.
A escolha da professora Penha, se deu devido a parcerias já estabelecidas em momentos formativos que mediamos,
para os professores de Arte do município de Serra, bem como por ser a única professora de Arte participante do Curso

1 O projeto é na área de Educação e Linguagens, orientado pela professora Gerda Margit Schütz-Foerste, no Centro de Educação, Programa de Pós Graduação
da Ufes.
2 uma comunidade escolar popular da cidade de Serra, a expressão utilizada, dialogando com Brandão (1984) é uma aproximação que fizemos com a edu-
cação popular, uma educação do povo, que o autor baseou-se nos princípio do Método Paulo Freire de Alfabetização de adultos “[...] falo sobre como o método
educa enquanto se constrói e, portanto, falo de um método como um processo, com as sequencias e etapas que ele repete a cada vez; como uma história
coletiva de criar e fazer, que é a sua melhor ideia [...]” (BRANDÃO). Disponível em: <http://www.sitiodarosadosventos.com.br/livro/images/stories/anexos/
oque_metodo_paulo_freire.pdf>. Acesso em 20 de mar. 2015.

138
de Extensão: Imagens Aqui do Meu Lugar: Diálogos com Infância(s) e Juventude(s),3 em 2014, do qual também fomos
mediadores. Os professores Expedito e Janisse estão conosco a convite da Penha e a turma foi selecionada pelos pro-
fessores em questão.
Nos inquieta pensar e refletir a partir da seguinte questão: Como as narrativas vivas4 – imagens e memórias na comuni-
dade escolar popular: EMEF Sônia Regina Gomes Rezende Franco, a partir do encontro de suas culturas tradicionais, podem
ser intercambiadas nas práticas educativas?
Então, temos como objetivo geral discutir, refletir e construir práticas educativas com sujeitos pertencente à EMEF Sô-
nia Regina Gomes Rezende Franco, para desvelar as imagens, memórias e histórias, a partir dos encontros das culturas
e tradições dessa comunidade escolar popular.
Nesse sentido, acreditamos que, esse estudo será novo,
[...] porque, qualquer que seja a situação atual do grupo popular, ele possui o seu sabe: a) as suas técnicas
de vida e de trabalho; b) suas normas culturais de controle do comportamento nas relações sociais; c) sua
ideologia, ou seja, o seu modo próprio – embora imposto por outras classes sociais – de compreender o seu
mundo e participar em sua sociedade [...] (BRANDÃO, 1984, p. 55).
Assim, os sujeitos têm particularidades, têm culturas e tradições individuais e coletivas, que serão desveladas no pro-
cesso da pesquisa de forma parceira e colaborativa. Estaremos direcionados a explorar as características dos sujeitos,
dos espaços e das práticas produzidas, tendo em vista uma investigação qualitativa e interventiva de cunho colaborati-
vo/parceiro. É fato que não existe um caminho apenas para seguir em uma pesquisa, porém sabemos que é importante
ter uma direção, para que o percurso seja feito de maneira organizada e estruturada. Teremos como direcionamento
a Pesquisa Exploratória que “[...] tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias [...] Os
exemplos mais comuns são os levantamentos bibliográficos e documentais, entrevistas não padronizadas e estudos de
casos [...]”. (MOREIRA; CALEFFE, 2008, p. 69, grifo nosso). Assim, propomos como balizador da investigação o estudo de
caso “[…] caracterizado por ser um estudo intenso e profundo a respeito de qualquer assunto em relação a uma uni-
dade social […]” (LEITE, 2008, p. 66), já que teremos como foco uma comunidade escolar.
Os estudos de casos apresentam algumas características, destacadas por (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), entre elas é inter-
essante ressaltar as seguintes: Visam à descoberta; Enfatizam a interpretação do contexto; Buscam retratar a reali-
dade de maneira completa; Usam variedade de fontes; Utilizam linguagem mais acessível do que outros relatórios
de pesquisa. Esses aspectos apontam para um estudo que se preocupa com a constante reformulação das ações. Pro-
pomos uma investigação de cunho qualitativo, que “[...] explora as características dos indivíduos e cenários que não
podem ser facilmente descritos numericamente [...]” (MOREIRA; CALEFFE, 2008, p. 73).
Também estaremos estabelecendo parcerias com os sujeitos que se dispuserem a colaborar nesse processo investiga-
tivo. Nesse sentido, estaremos construindo metodologias em parceria com os sujeitos da pesquisa, que é uma prática
ou tendência que está emergindo aos poucos, em diferentes contextos formativos (FOERSTE, 2005) para estabelecer os
diálogos durante os momentos interventivos, possibilitando interações constantes entre sujeitos pesquisados, pesqui-
sador e os artefatos culturais com os quais estaremos estabelecendo relações dialéticas.
Faz-se necessário desenvolvermos um trabalho fundamentado em três momentos: 1. conhecer a realidade do contexto
pesquisado, por encontrarmos no ambiente educacional grupos de profissionais altamente heterogêneos e cada um
ter uma compreensão diferenciada a respeito da concepção da educação e do ensino a partir das narrativas vivas; 2.
discutir a respeito dos elementos básicos relativos à pesquisa e fomentar com os parceiros as propostas de ações; 3.
Possibilitar as constantes reelaborações das ações e produções, a partir das trocas de experiências e percepções du-
rante o processo investigativo. Nessa perspectiva entendemos que “[...] a pesquisa pode gerar perguntas sobre como
ensinar e como aprender, explorar, testar teorias e explicações existentes, como pode também ser usada para desvelar
áreas difíceis e problemáticas na sala aula e na escola [...]. (MOREIRA; CALEFFE, 2008, p. 19).
Nos apropriaremos de vários recursos para os registros produzidos por nós e pelos sujeitos parceiros: diário de campo,
entrevistas orais dentro e fora da escola, documentos da escola, fotografias, vídeo-gravações, entre outras fontes que
surgirem nas interfaces do cotidiano da pesquisa. Estaremos mediando os momentos para que as ações aconteçam
com a intervenção e envolvimento de todos os parceiros. Teremos então, não uma metodologia, mas metodologias,
caminhos traçados de forma não lineares, definiremos as propostas para iniciar a produção, mas o percurso será dire-
cionado a partir de relações parceiras e dialéticas.

3 Disponível em: <http://siex1.ufes.br/siex/AuditarCurso.do?id=4165>. Acesso em 20 de mar. 2015.


4 Trataremos as narrativas vivas como o arcabouço cultural de cada sujeito, que é repleto de imagens, memórias e histórias.

139
A cidade de Serra/ES
A cidade de Serra, no mapa (Imagem 1) está localizada no Estado do Espírito Santo, na Região Sudeste do Brasil, próxi-
ma dos principais centros comerciais do País, como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador.
A urbe está ao norte de Vitória, capital do Estado, e abriga 476.428 habitantes, possui uma área de 551,687 Km2 con-
forme o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),5 em 2014. Faz divisa com os municípios de
Fundão ao Norte, Cariacica e Vitória ao Sul, Santa Leopoldina à Oeste e com o Oceano Atlântico ao Leste.

Imagem 1– Mapa de Serra/ES. Fonte: Internet.


Disponível em: <http://www.clerioborges.com.br/mapaserra.jpg>.Acesso em: 20 de dez. 2014.

De acordo com a Lei Municipal no 2229 de 8 de novembro de 1999, a Serra possui 118 bairros,6 embora estejam
surgindo novos aglomerados, ainda não reconhecidos por lei. Neles encontramos muitas culturas e tradições, de acordo
com as especificidades dos locais, entre elas lendas, poesias, congadas, festas típicas anuais, comidas, etc.
A história de Serra teve início, no mesmo século em que o Brasil foi descoberto. Os índios Temiminós foram trazidos do
Rio de Janeiro para a cidade e, como quase todos os outros municípios do Espírito Santo pelos jesuítas portugueses.
Assim, com a Igreja Católica na organização, foi feita uma Missa, no dia 8 de dezembro de 1556, para celebrar a coloni-
zação da urbe, que foi fundada com o nome de Aldeia de Nossa Senhora da Conceição. Mais tarde, passou a se chamar
Nossa Senhora da Conceição, depois passou a ser conhecida como Conceição da Serra, devido ao grande monte Mestre
Álvaro e os vários morros geminados (BORGES, 2009). Hoje é chamada apenas por Serra e, onde foi feita a Missa que
celebrou sua fundação, temos a igreja Nossa Senhora da Conceição.
É uma cidade que possui culturas e memórias em textos bem diversificados. Entendemos que texto “[...] é linguagem
em uso, confecciona-se numa rede de nós e malhas de linguagem e cultura e se desdobra numa cena de leitura que
não cessa de reinventar [...] texto cultural é tudo aquilo que pode ser lido sociocultural e historicamente [...]” (ALMEI-
DA, 2012, p. 32), assim, lendo e relendo os (com)textos7 que frequentamos, estabelecemos conexões com as práticas
educativas, tendo em vista que “[...] a relação do homem com a imagem depende em grande parte dos processos de
produção das imagens, mas também da experiência de visão de quem as produz e recebe, ou seja, da visão de mundo
preponderante em uma dada cultura e momento histórico” (SCHÜTZ-FOERSTE, 2004, p. 25). A Serra é rica em tradições
e também belezas naturais, destacando-se o maciço monte Mestre Álvaro, com 833m de altitude, possui 23 km de
praias (Carapebus, Bicanga, Manguinhos, Jacaraípe e Nova Almeida), duas lagoas (Jacunén e Joara) e áreas de proteção
ambiental – remanescentes de Mata Atlântica, restingas e mangues.
Como a maioria das cidades, sofreu e sofre modificações ao longo dos anos. Segundo Borges (2009), Serra começou a
sofrer transformações a partir de 1960, passando a abrigar várias indústrias no Centro Industrial Vitória (Civit), também
teve a construção de Portos Internacionais de Tubarão e Praia Mole e, em 1983 começou a funcionar a Companhia
Siderúrgica de Tubarão (CST), hoje Arcelor Mittal Brasil, que é uma das principais siderúrgicas da América Latina. Além
desses espaços geradores de empregos e que contribuem com o seu desenvolvimento, tem um comércio bastante
diversificado relacionado à construção civil, turismo, shopping centers, bares, supermercados, enfim comércios diversos.

5 Órgão pertencente ao Governo Federal.


6 Disponível em: <https://www.leismunicipais.com.br/a/es/s/serra/lei-ordinaria/1999/223/2229/lei-ordinaria-n-2229-1999-denomina-os-bairros-do-municip-
io-de-serra>. Acesso em 20 de mar. 2015.
7 Escolhemos essa forma de escrita, para representar duas expressões: com os textos e com os contextos, para chamar a atenção aos contextos e os diversos
textos e sujeitos que o caracterizam.

140
Segundo o documento Serra em Números: Indicadores Sociais e Econômicos do Município da Serra (p. 09):8
[...] Sua posição geográfica privilegiada facilita o abastecimento de matérias primas e o acesso a mercados
emergentes, colocando-o como principal Município industrial do Estado, com as seguintes características:
Interligado ao Corredor de Transporte Centroleste, através da Estrada de Ferro Vitória Minas – EFVM;
Integrante do Complexo Portuário, mais funcional, moderno e competitivo da América Latina composto pe-
los Portos de Tubarão, de Praia Mole, Vitória, Capuaba e Paul;
Presente na malha rodoviária federal com a BR 101 que une as regiões Nordeste e Sul do País, atravessando
a faixa litorânea do Estado e a BR 262 que liga Vitória a Corumbá (MS), passando por Mi nas Gerais;
Presente na malha rodoviária estadual e municipal através da Rodovia ES 010 (Rodovia do Sol) – e Rodovia
Norte Sul, paralela à BR 101, que corta todo o Centro Industrial;
Centro Industrial – CIVIT fica a 12 km de distância do Aeroporto de Vitória.

Assim, com tantos atrativos, a cidade recebe muitos imigrantes de outros municípios do Espírito Santo e de outros
estados brasileiros, justificando seu crescimento constante.
Devido a esse crescimento, o município têm ampliado sua rede escolar. Hoje possui 1279 unidades de ensino público
que atendem a população serrana. São 68 escolas de ensino fundamental (séries iniciais e finais) e 59 centros de edu-
cação infantil. Algumas escolas foram construídas, outras reformadas e ampliadas encontrando-se em excelente estado
estrutural, mas ainda há algumas que estão sendo construídas e outras que precisam de ampliação e reformas. Assim, a
urbe se constitui e é constituída pelos sujeitos que percorrem seus espaços, sejam eles moradores ou visitantes, pro-
duzindo culturas e tradições que possibilitam aos professores e professoras, desenvolverem práticas educativas imbri-
cadas aos (com)textos serranos.

A comunidade escolar popular EMEF Sônia Regina Gomes Rezende Franco

Imagem 2 – Panorâmica da EMEF Sônia Regina


Fonte: Acervo Vago-Soares

Segundo o Projeto Político Pedagógico da escola (PPP)10, a instituição (Imagem 2) antes com o nome EMEF Serra
Dourada, foi fundada e inaugurada em 18 de Fevereiro de 1982. De acordo com o Diretor atual Amarildo Gobbi, a es-
cola em 2012, passou a ter o nome Sônia Regina Gomes Rezende Franco, para homenagear a professora da escola de
Língua Portuguesa, que faleceu em 2008. Estudantes e funcionários a chamam apenas por EMEF Sônia Regina.
Ainda de acordo com o PPP da escola, está localizada na região de Civit, Serra/ES, na Avenida Vitória, s/nº, Bairro Serra
Dourada I.
[...] a princípio, a escola iniciou suas atividades apenas com a pré-escola e séries inicias (1ª a 4ª séries). Hoje,
se caracterizando como Educação Infantil e Ensino Fundamental séries iniciais. Em 1988 foram implantadas as
séries finais do Ensino Fundamental e Supletivo, para atender as demandas da população. A partir de 2000, a
escola deixou de atender aos alunos de Educação Infantil. E, em Junho de 2007, a escola foi contemplada com
uma nova sede, porém com as instalações ainda em fase de término de obras” (PPP da escola, p. 04).

8 Disponível em: <http://app.serra.es.gov.br/info_municipais/download/serra-numeros-ed1.pdf>. Acesso em 13 de jan. 2014.


9 Disponível em: <http://www.serra.es.gov.br/sedu/educacao_do_cidadao>. Acesso em: 20 de mar. 2015.
10 Quando solicitamos o PPP da escola, de imediato o Diretor nos enviou, via e-mail. Falou-nos que o documento está sendo atualizado. Nos propomos a
contribuir, junto aos funcionários, com os redimensiomentos.

141
Quanto aos dados físicos:
No térreo funcionam: sala de direção; sala de projetos; sala dos pedagogos; sala de artes; sala dos profes-
sores; secretaria; arquivo; laboratório de ciências e informática; 02 banheiros para alunos (com três sanitári-
os) e 02 banheiros para professores; refeitório; biblioteca, sala de apoio pedagógico; pátio coberto; cantina;
depósito e almoxarifado. No 2º andar funcionam: 15 salas de aula; 01 sala para coordenação; 01 salão de
reunião/vídeo e 02 banheiros (com dois sanitários cada) (PPP da escola, p. 04).

A escola atende alunos distribuídos em 03 turnos: matutino que funciona de 7h às 12h; vespertino de 13h às 18h e o
noturno de 18h às 22h30min. Outros dados estaremos produzindo, com os funcionários e estudantes no decorrer da
pesquisa.

Alguns caminhos estabelecidos


Dialogando com Benjamin (2012), estaremos pensando as contribuições para refletir e analisar a respeito das práti-
cas educativas intercambiadas às narrativas vivas. Levaremos em consideração a questão que perpassa nossas dis-
cussões, para desvelar as imagens, memórias e histórias tradicionais na comunidade, teremos na interface as seguintes
questões: Quais narrativas vivas têm no seu bairro, sua escola? Quais consideram importantes cultivar?
Estamos fazendo observações, leituras, conversas e escutas sensíveis, intervenções e análises, tendo em vista
[...] a experiência que passa de boca em boca é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as
narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros
narradores anônimos [...] (BENJAMIN, 2012, p. 214).
O autor nos direciona a refletir para pensar as narrativas vivas, numa proposta de escutar os sujeitos da comunidade
escolar popular, para perceber os encontros da culturas e tradições e seu imbricamento às práticas educativas, que
reelaboradas vão intercambiando as experiências com os sujeitos, com os com(textos).
Sabemos que é preciso sensibilidade para que as escolhas metodológicas, sejam apropriadas, o ângulo e a distância
sejam pensados para observar/apreciar o objeto de pesquisa e suas nuances, fazendo com que os detalhes não nos
escapem ou se misturem com essa velocidade cotidiana e passem despercebidos, ficando invisibilizados em nossos
escritos. Assim, nos apropriaremos da arte de narrar, que para Benjamin, se dá no processo da observação/apreciação e
em “[...] intercambiar experiências [...]” (BENJAMIN, 2012, p. 213), quanto mais o leitor participa da narrativa, com mais
propriedade estabelece diálogos, rememora suas experiências11 e relaciona com outros textos, dialetizando, reelabo-
rando, significando... Temos então, um convite a rever nossa maneira de narrar e, como pesquisadores, pensar se real-
mente estamos nos permitindo as experiências no campo educativo, escutando os (com)textos e seus protagonistas.
Defendemos que o encontro de culturas e tradições, intercambiadas às práticas educativas de uma comunidade esco-
lar popular, são narrativas vivas – imagens e memórias - que possibilitam meios de conhecimento de si, das famílias,
da sua comunidade, produzindo o sentimento de pertença entre os sujeitos, que estarão mais motivados a promover
mudanças nos espaços em que vivem e frequentam, aperfeiçoando suas práticas e saberes em prol de seus contextos.
Muitos estudos têm apontado a preocupação com temáticas relacionadas à educação. Dentre elas, há pesquisadores
que têm se preocupado com as temáticas: culturas - Interculturalidade, práticas educativas, narrativas, imagens e
memórias.
Manuel Jacinto Sarmento é um dos pesquisadores que investiga sobre a sociologia da infância e as culturas que a
permeiam. Traz em seus textos, uma visão abrangente sobre a temática, para ele “as culturas da infância nas encruzilha-
das da 2ª modernidade” trata de alguns pontos que nos faz refletir sobre a criança e as suas produções culturais, “[...]
conhecer as nossas crianças é decisivo para a revelação da sociedade, como um todo, nas suas contradições e complex-
idades” (SARMENTO, 2002, p. 1). Partindo desse princípio, as narrativas das infâncias das crianças, intercambiadas às
infâncias dos adultos, estarão dinamizando os intercâmbios culturais, logo as práticas educativas.
Sarmento e Pinto (1997, p. 22) propõem, a partir de um olhar para as infâncias e as crianças no sentido de com-
preendê-las como categorial social, que se distinguem de outros grupos e alertam que uma [...] categoria que define
pela idade é muito mais do que um conceito para dar conta da totalidade das pessoas que ainda não completaram 18
anos. Há fatores sociais específicos, isto é, transversais à posição de classe, ao gênero, à etnia ou à cultura, que per-
mitem pensar a infância como construção social [...]. Nesse sentido escutar as crianças, percebendo as particularidades
de seus mundos sociais, atravessados pelas culturas nos dará melhor entendimento dos seus modos de interagir com
os seus pares e com nós adultos, levando em consideração a mistura dos mundos: real e imaginário com os quais con-
11 Entendemos, dialogando com Benjamin, que a experiência se dá nas relações entre o homem e o mundo. Uma experiência autêntica é coletiva, é aquela
que se acumula, se prolonga e se desdobra.

142
stroem seus conhecimentos. Compreender como essas construções se estabelecem é desafiador, já que segundo Sar-
mento (2003) o processo de produção interpretativa é singular e produzido por cada criança, de maneira única.
Falar dos processos de produção de conhecimentos é falar do imbricamento de culturas. É fato que as narrativas estão
em constantes redimensionamentos, pois são repletas de imagens e memórias, de diferentes fontes, formatos, cores,
sabores... As culturas estão em todos os lugares e nesses espaços podemos compartilhar e dialetizar, reelaborar e
produzir novas culturas que não se concluem, não têm um ponto final, estão sempre em movimento, interferindo em
nossas práticas, em nossas culturas e tradições. E, “[...] o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não
estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam […]” (ROSA,
J. G., Grande Sertão: Veredas)12.
O desafinar conectamos ao momento de estranhamento, tendo em vista que não conhecemos todas as culturas e todas
as práticas produzidas no contexto escolar. Nessa perspectiva, elas se aproximam ou distanciam de nosso pensar e,
muitas vezes não nos sentimos pertencentes a elas na primeira aproximação e talvez nem depois de conhecê-las e
tentar o afinamento. Os momentos de intercâmbios, de diálogos, de “intertrocas” (BRANDÃO, 2007)13 nos permite esse
afinar e desafinar intercultural e, cada um lida de maneira peculiar com esse fato. Compreendemos como
o espaço da ‘interculturalidade’ e deste deriva a ideia de que essa relação ‘entre’ culturas também deve ser
concebida com um enfoque normativo que permita abrir um espaço a favor de um novo modo de articular
as diferenças em nossas sociedades [...] (TAPIAS, 2013, p. 128).
Esse novo modo de articular as diferenças em nossa sociedade, nos faz refletir sobre a comunidade escolar popular, re-
pleta de sujeitos com culturas e tradições diversificadas. Assim, conhecer e respeitar as diferenças na escola, no sentido
de perceber que estamos rodeados de sujeitos com diferentes modos de pensar, de ser, de agir, de sentir, de tocar, de
olhar, enfim de estabelecer diálogos com os (com)textos, é entender que a interculturalidade é esse lugar de ser e estar
no mundo.
Para pensar as culturas, recorremos a alguns documentos, entre ele a Enciclopédia EINAUDI14, que apresenta a palavra
cultura a partir de várias vertentes. Nos atemos ao fato de pensá-las de modo “[...] a adornar a nudez do corpo humano
[...] uma vez que as peças de vestuário são intercambiáveis, também a cultura e as parcelas de culturas (traços cul-
turais) poderão existir no plural” (EUNAIDI, 1985, p. 102). Muitas vezes esses traços culturais, que são a cara da escola
ficam invisibilizados, escondidos, guardados em núcleos de memórias, sejam eles apenas em nossas lembranças ou
conservados em sua materialidade – fotografias, roupas, adornos e outros elementos, que fazem parte da escola e nos
fazem recordar de nossas histórias. Compreendemos que é relevante levar em consideração, as perspectivas: histórica,
dialética e estética para dialogar sobre as culturas e tradições. Corroboramos com Marx, na perspectiva histórica,
[...] a revolução industrial que tivera lugar na Europa Ocidental, ao longo do período 1750-1850, era uma
verdadeira revolução, no sentido em que tinha criado um novo sistema de relações sociais e econômicas, e
em um novo conjunto de instituições sociais, sem precedentes históricos [...] (EUNADI, 1985, p. 117).
Assim, os novos redimensionamentos sociais não cessam de acontecer e interferem em todos os espaços, iniciando na
entidade mais fundamental da sociedade: a família, pois a partir dos acontecimentos históricos as rotinas são reelab-
oradas. Acerca do contexto posto por Marx, um dos redimensionamentos na família, foi a entrada da mulher no mer-
cado de trabalho, surgindo novos modos de lidar com a rotina doméstica, bem como promoveu a entrada das crianças
mais cedo nas escolas, para que as mães pudessem ir trabalhar.
Quanto a questão dialética, o pensamento marxista “[...] sustenta que aquilo que compreende como realidade é de-
terminado pelas categorias do pensamento humano [...]” (EUNADI, 1985, p. 118), nas relações sociais, onde os sujeitos
vivem e trabalham. Tendo em vista o espaço escolar, falamos do intercambiar de ideias entre os(as) professores(as),
crianças e outros sujeitos, sempre reinventando suas práticas.
No campo estético, as culturas podem ser vistas em seus aspectos econômicos, históricos e funcionais, bem como em
seu simbolismo, que nos mostra uma perspectiva ampla, sem restrições ou reservas, se colocando entre o real e o
imaginário. As culturas vistas como linguagens, sem linearidade ou segmentação, têm os sentidos como fatores indis-
pensáveis para que se estabeleçam as relações na mistura entre prática e teoria, impregnadas de imagens, memórias,
logo narrativas vivas. Despir e vestir, afinar e desafinar, é perceber a práxis educativa como processo, como algo que
precisa ser descoberto e construído nos movimentos, nas relações históricas, sociais, culturais (SILVA, 2009) e estéticas.

12 Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/frase/NTM0MTQ4/>. Acesso em 02 de jan. 2015.


13 BRANDÃO, C. R. Documentário: Cultura popular e educação. Entrevista realizada em 2007. Disponível em: <http://www.tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/en-
trevista.asp?cod_Entrevista=34>. Acesso em 12 de jan. 2015.
14 Enciclopédia EUNAIDI, 5. Anthropos-homem. Impresa Nacional – Casa da Moeda: Gabinete Editorial da IN-CM, 1985.

143
Para Bosi (2008)15 a definição de cultura é difícil, já que pode ser vista a partir de várias perspectivas, dependendo
do ponto de vista. Corroborando com o autor, a palavra cultura, não deve ser rotulada a partir de um significado,
mas como um conjunto de significados produzidos a partir dos (com)textos, tendo em vista que vivemos em es-
paços repletos de possibilidades.
É se permitir escutar, tocar, degustar, cheirar e olhar os (com)textos... Dessa maneira,
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores
(Alberto Caieiro)16

O poeta, nos faz refletir sobre o quanto é necessário ter sensibilidade e se permitir utilizar todos os sentidos ao ser
atravessado pelas culturas e tradições, nesse espaço de interculturalidade. Conhecer para respeitar e valorizar esse
arcabouço intercultural, promovendo “[...] o resgate da cidadania dos excluídos das cidades e do campo [...]” (MERL-
ER; FOERSTE; SCHÜTZ-FOERSTE, 2013, p. 17) é proposta para perceber através dos sentidos os movimentos e as nu-
ances imbricados com os sujeitos e (com)textos serranos. As escutas são cheias de imagens e memórias, pois um fio
puxa outro e outro... Assim, é buscar “[...] sentir o sentido de vida [...]” (PINEL, 2003, p. 155)17 no cotidiano escolar, nas
relações e mediações com (com)textos educativos.
A criança e o(a)professor(a), vistos por nós, como sujeitos protagonistas de suas histórias, trazem emaranhados de
tramas culturais vivenciadas e, reconhecer-se como parte desse todo, em seus bairro, em sua comunidade é relevante
para o cultivo das culturas e tradições, pois sabemos que muitas culturas ficam à margem do cotidiano escolar, quando
o destaque é para a valorização de culturas, que um determinado grupo quer propagar e que, muitas vezes, somente a
partir de (com)textos distantes, de lugares aos quais não nos sentimos pertencentes.
Reiteramos para o fato de que as culturas são diferentes e entendemos que não existe hierarquia cultural (BRANDÃO,
2007), dessa maneira não devemos desqualificar qualquer que seja a cultura ou tradição, pois não existe cultura ou
tradição melhor ou pior, apenas diferentes. Reconhecer que as práticas devem se conectar às narrativas trazidas pe-
las crianças, muitas vezes invisibilizadas por nós professores(as), que ainda hoje, nos permitimos estar amarrados aos
(com)textos dos livros didáticos produzindo práticas sem escutar as crianças, e muitos de nós, ainda acredita que é per-
da de tempo esse momento de escuta, fazendo das aulas espaços de aquisição de conhecimentos e não de construção
de saberes, já que as práticas educativas, devem ser compreendidas “[...] não apenas como uma lista de conteúdos
a serem ministrados a um determinado grupo de sujeitos, mas como criação cotidiana daqueles que fazem a escola
[...]” (OLIVEIRA, 2007, p. 9) diariamente. Nesse sentido, pensar e repensar as ações, para que a escola seja todos os dias,
espaço de reflexões e produções de mudanças para transformar a realidade, percebendo que a transformação deve
começar nós mesmos, para produzir as mudanças em uma comunidade escolar popular. Logo, cabe a cada professor(a),
possibilitar momentos de escutas, onde os narradores do cotidiano escolar possam expressar-se, com o intuito de des-
velar histórias e compartilhar imagens e memórias, tendo em vista o cultivo das suas culturas e suas tradições.
Pensaremos a respeito do narrador e da arte de narrar, que para o autor se dá no processo de observação/apreciação
e em “[...] intercambiar experiências [...]” (BENJAMIN, 2012, p. 213) logo, quanto mais o leitor/apreciador interage com
a narrativa, com mais propriedade poderá estabelecer diálogos, rememorando suas experiências18 ou de outros, pos-
to que as interações fazem parte das aproximações entre os sujeitos e (com)textos. Benjamin estuda e discuti a obra
literária de Nikolai Leskov e faz análises bem interessantes, uma delas é considera-lo um grande narrador, devido ao
fato de colecionar muitas experiências, próprias e/ou alheias durante a sua trajetória de vida. Desse modo, a aproxi-
mação do narrador com os (com)textos, pode ser uma maneira de produzir escutas que sejam link’s entre o narrador
em sua eficácia viva e a arte de narrar. A partir de alguns apontamentos sobre a obra de Benjamin: O narrador, consider-
ações sobre a obra de Nikolai Leskov, estaremos buscando aproximações com essa arte de narrar.

15 BOSI, A. A origem da palavra cultura. Disponível em <http://pandugiha.wordpress.com/2008/11/24/alfredo-bosi-a-origem-da-palavra-cultura/>.Acesso em:


12 jun. de 2014.
16 Disponível em: <http://arquivopessoa.net/textos/1122>. Acesso em 20 nov. de 2014.
17 Educadores da Noite: Educação Especial de Rua, Prostituição Masculina e Prevenção das DST/AIDS, 2003. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.
pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/Pedagogia/hiran_tese_psicologia_2000.pdf>. Acesso em 25 de fev. 2015.
18 Entendemos com Benjamin, que a experiência se dá nas relações entre o homem e o mundo. Que uma experiência autêntica pode ser individual e/ou cole-
tiva, transmitida de geração em geração, é aquela em que se acumula repertórios, se prolonga e se desdobra, sem se esgotar.

144
A arte de narrar
Nunca entendi e não entendo até hoje os sermões da imprensa dizendo
que é preciso estudar o povo.
É preciso simplesmente conhecer o povo como a própria vida,
não estudando, mas vivendo-a
(Nikolai Leskov)19

Nesse nunca entender o “estudar o povo”, que em sua época era tão fomentado, Leskov também nos faz refletir e rela-
cionar com a escola, de maneira a viver o cotidiano educativo, não apenas estudá-la para pensar esses (com)textos, mas
produzir reflexões a partir das narrativas vivas dos sujeitos que constituem esse espaço. Afinal, entendemos que “[...] a
educação é alguma coisa que existe no povo, mesmo quando não há escola, em tudo o que ele faz e cria para ensinar
e aprender [...]” (BRANDÃO, 1984, p. 90), nos fazendo ancorar em propostas metodológicas, como já mencionamos, que
tenham como princípio a parceria com os sujeitos da escola, já que uma “[...] investigação da ação do pensar do povo
não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito do seu pensar” (FREIRE, 1981, p. 119), protagonista das práti-
cas educativas.
Para Benjamin, o bom narrador traz em seu repertório experiências de suas culturas, tradições, ou seja, de experiências
próprias e alheias. Na primeira perspectiva, o autor relaciona com o camponês sedentário que supera suas dificuldades,
se esforça, não desiste e continua no seu lugar de origem, conhece as histórias e tradições que foram transmitidas
pelos antepassados, enfim as culturas de si, do povo, logo de seu(s) lugar(es) de pertencimento(s). Na segunda, esta-
belece relações com o marinheiro comerciante, que a partir das viagens que faz para vender seus produtos, tem em seu
repertório muitos fatos e muitas imagens para contar e recontar suas histórias.
Os estudantes, sejam eles crianças ou adolescentes e os(as) professores(as), em suas brincadeiras, jogos, situações
cotidianas, aproximando das perspectivas do camponês sedentário e o do marinheiro comerciante. Consideramos ess-
es sujeitos - camponeses sedentários - já que, apresentam suas tradições e culturas, e no mundo macro, criam o seu(s)
pequeno(s) mundo(s) estabelecendo diálogos entre os signos culturais presentes nos (com)textos que transitam e
estabelecem diálogos. No intercâmbio com os (com)textos da escola em que estão inseridos, ampliam suas narrativas e
se aproximam da comunidade escolar popular, não desistem e permanecem na instituição de ensino, conhecendo suas
particularidades, fragilidades e potencialidades, podendo assim produzir ações que sejam a cara da escola.
Bom, e o marinheiro comerciante? As viagens, considerando ainda os sujeitos do espaço educativo, pensamos numa
perspectiva de que estão em constante ir e vir, fazendo viagens em (com)textos com os quais estabelecem diálogos - as
leituras e releituras de mundo: as apreciações de filmes, de novelas, de propagandas, de desenhos animados, de passei-
os virtuais, das avalanches de informações nas redes sociais, de desenhos animados, de jornais, de revistas, etc. Enfim,
com os elementos culturais diversos e sujeitos, que se deparam no dia a dia.
Conhecimento de mundo e aproximação com seus (com)textos constituem o bom narrador. Benjamin diz que Leskov,
quando trabalhou como agente russo em uma firma inglesa viajou pela Rússia, e “[...] essas viagens enriqueceram tan-
to seu conhecimento do mundo como o familiarizaram com as condições russas [...]” (BENJAMIN, 2012, p. 215). Articu-
lando esse fato também com o pesquisador, podemos dizer que o nosso ir e vir aos espaços da pesquisa, aos sujeitos,
aos documentos etc., são momentos de encontros e desencontros com o objeto de pesquisa e podemos entender que,
é uma maneira de produzir os dados e as análises com mais propriedade, bem como ampliar os conhecimentos a res-
peito do que investigamos e contribuir com a escola.
Quanto a relação das crianças e dos professores(as) em (com)textos educativos e as mediações a partir dos elementos
textuais diversos para buscar desvelar as memórias, junto aos sujeitos da pesquisa, buscaremos estabelecer diálogos
com Schütz-Foerste (2004, 2010, 2013), Ciavatta (2001, 2007, 2009, 2010) e Almeida (2012). As imagens são expressões
que estão a todo momento em nossa volta. Arquivamos em nossas memórias aquelas que fizeram sentido para nós,
compreendendo-as como expressão do homem em tempos e lugares distintos e nesses tempo e lugares guardam
histórias datadas e localizadas (SCHÜTZ-FOERSTE, 2004). A partir de mediações “[...] visão historicizada do objeto
singular, cujo conhecimento deve ser buscado em suas determinações mais gerais, em seus universais, assim como
situado no tempo e no espaço [...]” (CIAVATTA, 2009, p. 134), possibilitarão as reflexões a respeito das relações e me-
diações entre crianças, professores(as) e outros sujeitos. Pensando ainda as mediações e as relações entre os sujeitos
a pesquisa e os objetos, com Schütz-Foerste (2013) estaremos dialogando, afim de “[...] compreender que os homens e
os objetos, sobretudo aqueles que são produto do seu trabalho e de suas reflexões sobre o mundo, estão em situação
de relação [...]”. Dessa forma, as relações e mediações, sejam com as imagens ou com outras formas de expressão, são
meios de possibilitar a articulação dos fatos sociais, sejam eles presentes ou passados, tendo em vista que

19 VÁSSINA, E. Nikolai Leskov, o mais original dos escritores russos. In: A fraude e outras histórias. São Paulo: Editora 34, 2012. (p. 213).

145
[...] o presente é concebido como momento de um processo histórico não concluído, aberto, suscetível de ser
potencializado em sua própria objetividade, à qual pertencem as práticas sociais com capacidade de impri-
mir direção aos processos sociais (CIAVATTA, 2009, p. 17).
Nesse sentido, o processo histórico está em constante acabamento, que tem como parte significativa os (com)textos
educativos em espaços que frequentamos, a família, a escola... Percebemos então, esses e outros espaços como nú-
cleos de memórias, pois os arquivos familiares e os arquivos das escolas são “[...] ‘celeiros da história’ e depósitos de
memória coletiva [...]” (CIAVATTA, 2009, p. 105). As fotografias e as memórias diversas, atuam como elementos de legit-
imação das memórias de uma comunidade, elas expressam o entendimento a partir da percepção dos protagonistas
do processo histórico, seus modos de ser, as relações que estabelecem com os acontecimentos diários, buscando con-
stitui-se como parte interativa da história, tendo em vista que “[...] a partir do materialismo dialético compreende-se
que o homem, enquanto ser social, interage com o meio e o transforma, assim como a si mesmo, constantemente [...]”
(SCHÜTZ-FOERSTE, 2013, p. 175).
Entendemos essas relações estabelecidas de maneira dialética, caracterizando-se a partir das apropriações “[...] tanto
no campo epistemológico, em que deve haver um enfrentamento aberto da razão com a realidade, como no teórico, em
que o processo de apreensão e compreensão da realidade se completa pela explicação da própria estrutura do real [...]
(CIAVATTA, 2009, p. 133) e nessas apropriações se faz necessário recorrer às mediações com o intuito de buscar signifi-
cações para os fatos e produção de novas realidades em seus espaços.
Com Foerste (2005, 2013) estaremos pensando sobre a importância da parceria para produção de projetos com os su-
jeitos, bem como sobre a importância do imbricamento das práticas às culturas da comunidade escolar popular, tendo
em vista a interculturalidade. Acreditamos que as práticas são atravessadas pelas culturas e que a parceria será impor-
tante nesse contexto, pois ela
[...] introduz uma dinâmica que favorece a construção coletiva [...] em cuja base se evidenciam possibil-
idades concretas para uma gradativa superação da racionalidade técnica [...] assim, pode-se dizer que a
parceria consiste como prática emergente de colaboração, cooperação, partilha de compromissos e respons-
abilidades entre diferentes instituições e/ou grupos [...] (FOERSTE, 2013, p. 107 ).
Nesse processo colaborativo/parceiro, de acordo com a investigação produzida por Foerste (2013) com estudantes,
coordenadores e professores do Curso Pedagogia da Terra/ES, aponta para a satisfação deles, quando as práticas prees-
tabelecidas podem ser redimensionadas, pois há a possibilidade de
[...] múltiplas alternativas reflexivas que colocam saberes acadêmicos valorizados pela Universidade e sa-
beres da prática dos professores de assentamento em diálogo, abrindo alternativas para a construção cole-
tiva de um novo projeto curricular vivido, marcado pelas condições concretas de vida dos sujeitos envolvidos
no processo [...] (FOERSTE, 2013, p. 100-101).
Assim, corroborando com o autor, reiteramos que escutar os protagonistas do espaço escolar, é propor pensar as re-
flexões sobre práticas, já que a partir dos momentos formativos podemos nos expressar, produzir, reproduzir e nos sen-
tir pertencente às narrativas, rememorando fatos e colecionando outros repertórios na escuta de nossos pares, já que
“[...] somente um currículo construído a partir de pressupostos da práxis pode levar a uma nova postura dos indivíduos,
favorecendo mudanças necessárias [...]” (FOERSTE, 2013, p. 106) e nesse processo de produções parceiras, buscaremos
delinear as metodologias que serão estabelecidas para o andamento da pesquisa.
Com Almeida (2012) estaremos pensando os textos como “[...] linguagem em uso, confecciona-se numa rede de nós e
malhas de linguagem e cultura e se desdobra numa cena de leitura que não cessa de reinventar [...]” (ALMEIDA, 2012,
p. 32). A autora traz contribuições para pensarmos os (com)textos podem ser lidos e estão imbricados aos processos
históricos e culturais. Almeida (2012, p. 32) trata por textos culturais “[...] aquilo que pode ser lido sociocultural e his-
toricamente [...], portador de sentidos simbólicos, sentimentais, estilos, crenças e valores. Também dialogaremos com a
autora a respeito de pensar o termo texto, “[...] como híbrido de texto, som, imagem [...] (ALMEIDA, 2012, p. 31).
Estimular discussões e reflexões sobre pertencimentos aos espaços, a escola e a cidade, percebendo-se como sujeito
interativo/ativo e protagonista de sua história implica imbricar o arcabouço cultural dos sujeitos aos (com)textos para
contemplar um ensino mais significativo. E nessas muitas interações/ações os professores(as) e estudantes vão se con-
stituindo e percebendo-se nesse novo espaço de interculturalidade, repleto de culturas e tradições, sem deixar esqueci-
das as suas raízes sociais, culturais, históricas e estéticas.

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Maria Angélica Vago Soares
Graduada em Educação Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes (2004), em Pedagogia pela Multiv-
ix (2013). Mestre em Educação pela Ufes (2012), Doutoranda em Educação pela Ufes. Professora de Arte da Prefeitura
Municipal de Serra/ES.

Marcelo da Rocha Soares


Graduado em Direito pela Faculdade Nacional – FINAC, em Filosofia nível licenciatura pela Faculdade Evangélica do
Meio Norte – FAEME. Participante do Grupo de pesquisa Imagens, Tecnologias e Infâncias (Ufes), colaborador nos pro-
jetos de pesquisas.

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LEITURA DA OBRA DE ARTE COMO PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
ESTÉTICA: CONTRIBUIÇÕES DE MARX E VIGOTSKI
Priscila de Souza Chisté - IFES

RESUMO
O artigo sinaliza uma proposta de Educação Estética, a partir de pesquisa bibliográfica, em diálogo com
estudos de Marx e Vigotski. De acordo com as teorias marxianas apresenta reflexões sobre Estética no
contexto contemporâneo e com Vigotski busca compreender pressupostos da Educação Estética. Sugere um
caminho, por meio das Artes Visuais, para se educar esteticamente a partir do conceito de leitura lenta da
obra de arte. Considera que uma das possibilidades para alcançar tal intento é proporcionar intensos, di-
versificados e contínuos encontros com obras de arte; mediar leituras de imagens que evidenciem tanto os
aspectos poéticos e intertextuais quanto os formais dessas obras, ampliados pelo conhecimento do universo
do artista e dos modos de legitimação e divulgação das obras e, por fim, propor assuntos relacionados com
os interesses dos educandos.
Palavras-chave: Educação Estética; Leitura de Imagem; Arte; Vigotski; Marx.

ABSTRACT
The article signals a proposal for Aesthetic Education, from literature search, in dialogue with studies of
Marx and Vygotsky. According to the Marxist theory presents reflections on aesthetics in the contemporary
context and seeks to understand Vygotsky assumptions of Aesthetic Education. Suggests a path through the
visual arts, to educate aesthetically from the concept of slow reading of the artwork. Considers that one of
the possibilities to achieve such intent is to provide intense, diverse and ongoing encounters with works
of art; mediate readings pictures that show both poetic and intertextual aspects as formal of these works,
magnified by the knowledge of the artist’s universe and the legitimation modes and dissemination of works
and, finally, to propose matters relating to the interests of students.
Keywords: Aesthetic Education; Image Reading; Art; Vygotsky; Marx.

INTRODUÇÃO
A Educação Estética constitui-se como desafio frente à sociedade capitalista. Marx nos ajuda a pensar sobre essa
questão quando pontua que a crescente instrumentalização da humanidade afasta cada vez mais os indivíduos das
vivências sensíveis. Com o intuído de contrapor esse fato, o artigo em tela sinaliza um possível caminho para a Edu-
cação Estética, por meio das Artes Visuais e a partir de pesquisa bibliográfica referente aos estudos de Marx e Vigotski.
Na primeira seção, apresenta contribuições dos estudos marxianos para reflexões sobre Estética no contexto contem-
porâneo. Já na segunda, aponta a contribuição de Vigotski para os estudos sobre a Educação Estética, sob a luz das
ideias marxianas. A seguir, na terceira seção, sugere uma proposta de Educação Estética por meio das Artes Visuais, em
especial, a partir do conceito de leitura lenta de Vigotski.

149
1 CONTRIBUIÇÕES DOS ESTUDOS MARXIANOS PARA AS REFLEXÕES SOBRE A ESTÉTICA NO
CONTEXTO CONTEMPORÂNEO
No dia a dia, em diferentes contextos, é muito comum ouvir falar sobre estética, principalmente relacionada com
a beleza física, a um bom corte de cabelo, uma maquiagem da moda ou cuidados mais intensos com o corpo, como
ginástica, massagens, tratamentos com cremes e cirurgias plásticas.
Para a filosofia, estética relaciona-se com o estudo do belo e do sentimento que esse suscita nos homens. A estética
aparece ligada à noção de beleza e, por isso, a arte tem lugar privilegiado nessa reflexão, pois, durante muito tempo,
ela teve como função exprimir a beleza de modo sensível.
Etimologicamente, a palavra estética origina-se do grego, aisthesis, com o significado de faculdade do sentir, com-
preensão pelos sentidos, percepção totalizante, reafirmando a ligação da estética com a arte. Assim, o objeto artístico é
aquele que se oferece ao sentimento e à percepção. Segundo Santaella (1994), a raiz aisth, do verbo aisthanomai, quer
dizer sentir com os sentidos, ou seja, com a rede de percepções físicas.
Para o Dicionário Básico de Filosofia de Japiassú e Marcondes (2008), estética é um dos ramos tradicionais da filosofia.
O termo foi criado por Alexander Von Baumgarten, no século XVIII, para designar o estudo da sensação, a ciência do
belo, e referia-se à empiria do gosto subjetivo, àquilo que agrada aos sentidos, com fins à elaboração de uma ontologia
do belo.
Vários foram os filósofos que se debruçaram sobre o tema. Contudo, no final do século XIX, a partir das ideias schil-
lerianas, Marx ao criticar o capitalismo industrial, as capacidades atrofiadas, os poderes dissociados e a totalidade da
natureza humana arruinada introduz questões que constituíram a base da estética marxiana.
Ele nasceu em 1818 e foi um estudioso que exerceu grande influência sobre o pensamento filosófico, social e histórico
da humanidade. Para Marx, o objetivo da vida é a felicidade ou o bem-estar. A sua obra é uma investigação extensiva
sobre as condições materiais necessárias para realizar esse objetivo. Nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844,
esboçou uma concepção humanista do comunismo, um comunismo que tinha como objetivo final a existência humana.
Nessa ocasião, Marx, influenciado pela filosofia de Feuerbach, baseava-se no contraste entre a natureza alienada do
trabalho no capitalismo e uma nova sociedade comunista na qual os seres humanos desenvolveriam livremente sua
natureza em produção cooperativa.
Para Marx, a raiz do homem seria o próprio homem, pois o homem é uma constante tensão entre a sua genericidade
humana, entre o seu ser genérico e a sua singularidade. O que é próprio do ser humano é existir como ser singular.
Essa singularidade imediata que nos constitui é insuprimível; ela se transcende e se resolve na genericidade humana.
Ele considera que o homem é constituído de toda a sua referencialidade cultural, pois é o horizonte da cultura que o
transcende e do qual ele é portador. O homem só se expressa singular e genericamente na medida em que é um ser
objetivo. É aquele que só se mantém enquanto tal na medida em que se objetiva. A objetivação1 é a condição da ex-
istência humana. Ela se dá por meio de formas pouco perenes como o gesto, o riso, o movimento, a fala cotidiana, mas
também por meio de formas mais privilegiadas, como a Ciência, a Arte, a Literatura etc. Esse conjunto de objetivações,
que é o acervo da humanidade, deve ser apropriado pelos indivíduos, precisa ser subjetivado pelos indivíduos. Porém,
o objeto produzido só se torna uma objetivação da humanidade quando o homem não se perde mais nele, ou seja, o
objeto só existe para o sujeito na medida em que o sujeito desenvolveu a faculdade necessária à apreensão do objeto.
Vê-se como, em vez da riqueza e da miséria da economia política existe o homem rico e a necessidade
humana rica. O homem rico é ao mesmo tempo aquele que tem necessidade de uma totalidade de manifes-
tações humanas da vida. O homem para quem a sua própria realização existe como uma necessidade interi-
or, como uma carência (MARX; ENGELS, 1986, p. 26).
Para Marx, a objetivação elementar que constitui o ser social é o trabalho. O trabalho é uma atividade ontológica,
estruturante do ser social que proporciona a participação legítima nos benefícios da riqueza social. Esses benefícios se
distinguem das formas históricas e alienantes de exploração do trabalhador, presentes na produção capitalista. A con-
cepção ontocriativa de trabalho não se reduz à atividade laborativa ou ao emprego, mas refere-se à produção de todas
as dimensões da vida humana. Por meio dos estudos de Marx compreendemos o trabalho como práxis que possibilita
criar e recriar, não apenas no plano econômico, mas no âmbito da arte e da cultura (MARX, 2001).
Contudo, com a crescente instrumentalização da natureza e da humanidade, o processo do trabalho afasta cada vez
mais os indivíduos das vivências sensíveis. “Esta mutilação do homem, ou perda do humano, se dá precisamente no tra-
balho, na produção material, isto é, na esfera na qual o homem deveria se afirmar como tal e que tornou possível a pró-
pria criação estética” (VÁZQUEZ, 1968, p. 52). Nesse sentido, a estética é uma esfera essencial para a busca do humano

1 Contudo, nem sempre as potencialidades criativas humanas são eficazes em termos de bem-estar. Isso se deve ao fato de que algumas capacidades humanas
podem ser destrutivas, como a construção de campos de concentração que também foi uma realização dos poderes humanos (EAGLETON, 1993).

150
perdido. Ela pode esclarecer quanto o homem perdeu com a sociedade capitalista e vislumbrar uma nova sociedade na
qual dominem relações verdadeiramente humanas.
Diante desses pressupostos, defendemos a ideia de que a Educação Estética é fundamental no processo educativo. E,
nesse contexto, a arte precisa ser compreendida como mediação na formação omnilateral dos sujeitos. Uma formação
voltada para o desenvolvimento total, completo e pleno. A arte surgiu por intermédio do trabalho, quando a fabricação
dos instrumentos se sofisticou e possibilitou a elevação do domínio do homem sobre a matéria. Foi quando os obje-
tos passaram a ter valor para além da utilização, mas pela materialização da alta possibilidade criadora do homem
(VÁZQUEZ, 1968). Assim, partimos do pressuposto de que a obra de arte é um objeto no qual o sujeito se expressa, se
exterioriza e se reconhece.
Ela possui a função de humanizar o próprio homem, pois é no curso das relações sociais que os indivíduos produzem,
se apropriam e transformam as diferentes atividades práticas e simbólicas em circulação na sociedade em que vivem,
e as internalizam como modos de ação/elaboração próprios, constituindo-se como sujeitos. Desse modo, como disse-
mos, para o indivíduo se constituir como ser humano, é preciso que internalize as produções humanas que foram siste-
matizadas na trajetória da humanidade (a arte é um exemplo dessas produções). Nesse contexto, para se conhecer um
objeto, como a obra de arte, é preciso revelar sua estrutura social, apresentar o mundo das mediações, dos processos
sociais (econômicos, políticos, científicos, culturais etc.) em que o objeto está inserido. Nesse sentido, a arte constitui-se
como mediação entre o homem e o mundo. Portanto, é elemento mediador que permite a explicitação e o reconheci-
mento coletivo da relação dialética do homem e a realidade.
A Arte (e com ela as imagens) é produto do homem inserido em um contexto social dinâmico e plural. Produzi-
das pelo trabalho humano, as imagens estão referidas ao modo de produção e às relações de classe e interess-
es sociais dos homens que as criaram. Dessa forma, o desafio de analisá-las pressupõe o desvelamento de sua
materialidade histórico-social, ou seja, sua reconstituição histórica (SCHÜTZ-FOERSTE, 2012, p. 173).
No entanto, o homem, muitas vezes, é manipulado pela sociedade capitalista pela via da arte. Um dos modos de manip-
ulação se dá por meio da arte de massas, ou pseudoarte. É uma “arte” que deixa o homem na superfície ou na margem
das coisas e que se distingue por utilizar uma linguagem astutamente fácil, que corresponde à sua falta de profundi-
dade humana (VÁZQUEZ, 1968). Nesse sentido, na sociedade capitalista contemporânea, pode-se dizer que a obra de
arte, e não a pseudoarte, tem uma função muito importante, tendo em vista que o mundo é regido pelo consumo e
pela alienação do homem. A arte, por ser expressão e objetivação do homem, “[...] é um dos caminhos mais valiosos
para reconquistar, testemunhar e prolongar a verdadeira riqueza humana” (VÁZQUEZ, 1968, p. 127). Assim, a função
social da arte é tornar possível uma vivência estética cada vez mais profunda e humana, pois ela é um dos meios mais
fecundos que o homem possui para elevar-se enquanto tal. Toda obra de arte, por ser produto do trabalho do homem,
estabelece, por essência, um diálogo com as particularidades de época, classe, nação, com os homens de ontem, hoje e
amanhã. Portanto, para compreender a gênese da produção da obra de Arte é necessário considerá-la como produto da
história e do cotidiano, imersa pelos conflitos sociais.
Acreditamos, desse modo, que a arte pode contribuir para a educação dos sentidos humanos. Porém, o ensino da arte não
pode ser considerado o único responsável pela Educação Estética, pois essa deve permear todos os conhecimentos abor-
dados na escola no que chamamos de uma educação integral/omnilateral. Além disso, consideramos que imagens artísti-
cas podem ser mediadoras de um conhecimento sensível, um conhecimento pouco explorado na escola tradicional.
Diante desses pressupostos e reflexões, na próxima seção, apresentaremos as ideias de Vigotski sobre Educação Estética.

3 CONTRIBUIÇÃO DE VIGOTSKI PARA OS ESTUDOS SOBRE EDUCAÇÃO ESTÉTICA


A história da educação moderna é marcada pela presença da racionalidade instrumentalizadora, pragmática e burgue-
sa e também pela ausência da racionalidade sensível.
O pleno sentimento da vida implica em que tentemos capturá-la e, assim, compreendê-la, de todas as ma-
neiras possíveis — lógicas e estéticas, intelectuais e estésicas, científicas e artísticas. Não há porque privile-
giar-se uma única e exclusiva maneira de contato com a realidade, feito intentado pela lógica da moderni-
dade ao longo desses últimos séculos (DUARTE JÚNIOR, 2000, p. 192).
Nesse sentido, é necessário ampliar os modos academicamente aceitos de se conhecer a vida. Isso consiste numa
discussão mais ampla da vida e do mundo. De modo contrário, uma educação centrada sobre as faculdades humanas
isoladas,
[...] como intelecto ou a sensibilidade, só pode mesmo resultar em indivíduos dotados de um profundo e
básico desequilíbrio: ao sensível e ao inteligível devem ser propiciadas condições equânimes de desenvolvi-

151
mento, sob a pena da produção de seres humanos arraigadamente desequilibrados, como lhe soe acontecer
nos dias em que vivemos (DUARTE JÚNIOR, 2000, p. 174-175).
Tal separação entre as faculdades humanas deveria ser algo impossível de acontecer porque essas dimensões huma-
nas são, em tese, inseparáveis.
Diante dessas questões, cabe indagar como seria possível pensar a Educação Estética, uma Educação do Sensível no
contexto da escola. É possível pensar que, apesar da consolidação de várias leis que regulamentaram a educação brasi-
leira, a formação humana integral não se consolidou. Cada vez mais fica evidenciada a busca por uma educação volta-
da para a técnica, distanciada do conhecimento sensível. Estudos realizados pelos pesquisadores da área (CIAVATTA,
2005; DUARTE JÚNIOR, 2000), mostram quão longe estamos da formação humana integral.
Por isso, é preciso propor modos de negar/desconstruir/resistir aos sistemas opressores que integram a sociedade capi-
talista e que abafam a sensibilidade humana. Destarte, a importância da Educação Estética como modo de contribuir
com o desvelamento dos sistemas opressores, fragmentadores e insensíveis. Vislumbramos possibilidades de discutir
sobre essa problemática a partir das ideias de Vigotski (2010), pois ele problematiza de modo muito interessante a
Educação Estética na escola de seu tempo.
Antes de apresentar tal discussão, cabe apontar que Vigotski2 parte das ideias de Marx para compor uma nova psico-
logia do desenvolvimento humano. Considera que organismo e o meio exercem influência recíproca, portanto o bio-
lógico e o social estão sempre associados aos processos de desenvolvimento dos sujeitos. Parte da premissa de que o
homem se constitui como tal por meio das interações sociais. Percebe-o como alguém que transforma e é transforma-
do nas relações produzidas em uma determinada cultura. Nesse sentido, é na interação dialética do homem com seu
meio que se originam suas funções psicológicas superiores.3 Essa relação do homem com o mundo não é uma relação
direta, mas sim mediada por meios que se constituem nas ferramentas auxiliares da atividade humana. É por intermé-
dio desses instrumentos e signos que os processos de funcionamento psicológico são fornecidos pela cultura.
Dessa forma, só ocorre o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores quando o aprendizado se
efetiva. Esse aprendizado se dá a partir da interação dos indivíduos e também no âmbito da educação escolar. Para
Vigotski (1987), a escola4 oferece conteúdos, desenvolve modalidades de pensamento bastante específicas e tem papel
insubstituível na apropriação das vivências5 culturalmente acumuladas. A escola é um elemento imprescindível para a
realização plena do desenvolvimento dos indivíduos, já que promove um modo mais sofisticado de analisar e generali-
zar os elementos da realidade. Nela ocorrem, pelo menos em tese, atividades educativas6 sistematizadas intencionadas
em tornar acessível o conhecimento formalmente organizado.
Para o psicólogo russo, um dos modos de os sujeitos se apropriarem da vivência culturalmente acumulada acontece
por intermédio da Educação Estética. Contudo, muitas vezes as concepções acerca do papel da estética na vida do su-
jeito são vistas na escola de modo antagônico. Quase sempre essas concepções não tratam a Educação Estética como
um objetivo em si, mas apenas como um meio para atingir resultados pedagógicos estranhos à estética. Assim, para
Vigotski, a escola procura, muitas vezes, enquadrar qualquer vivência estética em um conhecimento do dogma moral
sem assimilar esse dogma, sem suspeitar que o texto artístico frequentemente não ajuda a apreendê-lo, ao contrário,
infunde uma concepção moral de ordem justamente oposta. Sob essa concepção, a obra de arte perde qualquer valor
autônomo, torna-se uma espécie de ilustração para uma tese moral de cunho geral; toda a atenção se concentra preci-
samente nessa última, ficando a obra fora do campo de visão do educando.
Um outro equívoco, apontado por Vigotski é pensar que a arte é uma espécie de cópia da realidade. Para ele, ao ade-
rirmos à concepção de que a arte é reflexo direto da realidade, arriscamo-nos “[...] não só a ficar com uma concepção
falsa da realidade como também a excluir inteiramente os momentos puramente estéticos no ensino” (VIGOTSKI, 2010,
p. 330). Isso se explica pelo fato de que muitas vezes o artista possui outras reações ao seu contexto e se vale apenas
de um material comum para atender a diferentes necessidades.

2 Cabe colocar que os livros de Vigotski chegaram ao Brasil recentemente, na década de 80, traduzidos de versões americanas que censuraram muitas das
suas ideias ligadas ao marxismo. Algumas reflexões sobre os problemas de tradução na obra de Vigotski e suas repercussões no campo da Educação foram
sistematizadas por Zoia Prestes (2010).
3 As funções psicológicas superiores consistem no modo de funcionamento psicológico tipicamente humano, como a capacidade de planejamento, memória
voluntária e imaginação. Esses processos mentais são considerados superiores, porque se referem a mecanismos intencionais, ações conscientemente contro-
ladas, processos voluntários que dão ao indivíduo a possibilidade de independência em relação às características do momento e do espaço presente. Vigotski
(1987) e seus colaboradores buscaram a comprovação dessas ideias por meio de experimentos com crianças e de investigações das formas de organização dos
processos mentais em indivíduos de diferentes culturas. Esse estudo permitiu a definição de diversas linhas de pesquisa.
4 É preciso lembrar que a presença na escola não é garantia de que o indivíduo se aproprie dos conhecimentos. O acesso ao saber dependerá de fatores soci-
ais, políticos, econômicos, tendo em vista que a escola não é uma instituição independente, ela está inserida em uma trama social.
5 Para Prestes (2010), algumas traduções dos textos de Vigotski substituíram a palavra vivência pela palavra experiência. Contudo, a palavra experiência não
corresponde ao significado que é atribuído pelo psicólogo russo ao conceito de vivência que se relaciona com viver uma determinada situação, deixando-se
afetar profundamente por ela.
6 Na sociedade contemporânea, a exclusão, o fracasso e a evasão escolar impedem a apropriação do saber sistematizado, da construção de funções psicológi-
cas mais sofisticadas, de instrumentos de atuação e transformação de seu meio social e de condições para a construção de novos conhecimentos (REGO, 1995).

152
Mais um erro cometido pela pedagogia tradicional ocorre quando se reduz a estética ao sentimento do agradável, ao
prazer pela obra de arte, com um objetivo em si. Isso “[...] reduz todo o sentido das emoções estéticas ao sentimento
imediato de prazer e alegria que elas suscitam na criança” (VIGOTSKI, 2010, p. 331). Para Vigotski, nessa concepção, a
arte é vista como um meio de despertar reações hedonísticas (fonte de prazer), que tem com concorrentes uma gulo-
seima ou um passeio aprazível.
Sobre as concepções relativas à estética, Vigotski pontua que, durante muito tempo, manteve-se o ponto de vista de
que a percepção estética é uma vivência passiva, entregue à impressão, é a cessação de qualquer atividade do orga-
nismo. Os psicólogos acreditavam que a condição indispensável para a possibilidade de realização da reação estética
partia do desinteresse, da contemplação desinteressada, da ausência de qualquer posição pessoal em face do objeto
estético. Essa concepção liga-se às ideias de Kant que considera a obra de Arte7 desinteressada, universalmente recon-
hecida por um sentimento ao mesmo tempo individual e coletivo.
Vigotski critica essa tendência ao dizer que é uma noção que compreende uma meia-verdade, pois fornece uma ideia
falsa da natureza da reação estética no seu conjunto. Para o autor, a obra de arte não é percebida quando o organis-
mo está em completa passividade e não só pelos ouvidos e os olhos, mas também em atividade interior complexa, na
qual o contemplar e o ouvir são apenas o primeiro momento, o primeiro impulso, o impulso básico, ou seja, o momento
inicial da vivência estética.
Para perceber a obra de arte, faz-se necessário um complexo trabalho de memorização e associação de pensamento
para se entender, por exemplo, que homem ou que paisagem estão representados no quadro, em que relação estão as
suas diferentes partes. Todo esse trabalho necessário pode ser chamado de síntese criadora secundária, porque requer
de quem percebe reunir em um todo e sintetizar os elementos dispersos da totalidade artística. Para o autor,
[...] se uma melodia diz alguma coisa a nossa alma é porque nós mesmos sabemos arranjar os sons que nos
chegam de fora [...]. Todo o conteúdo e os sentimentos que relacionamos com o objeto da arte não estão
contidos nela mas são por nós incorporados, como que projetados nas imagens da arte, e os psicólogos de-
nominaram de empatia o próprio processo de percepção (VIGOSTKI, 2010, p. 334).
Na tentativa de entender o sentido biológico da atividade estética, o autor compreende, a partir da elucidação da psi-
cologia da criação do artista e na aproximação entre a percepção e o processo de criação, que a criação8 é uma neces-
sidade do nosso psiquismo. Parte do conceito da psicologia moderna de que a criação é sublimação, ou seja, transfor-
mação de modalidades inferiores de energia psíquica, que não foram utilizadas nem encontraram vazão na atividade
normal do organismo, em modalidades superiores.
Para Vigotski, realiza-se na vida do homem apenas uma parte de todas as excitações que surgem no sistema nervoso,
e a criação cobre inteiramente o resíduo que fica entre as possibilidades e a realização, o potencial e o real na nossa
vida. De acordo com autor, ser Shakespeare e ler Shakespeare são fenômenos diversos pelo grau, mas idênticos pela
natureza: “O leitor poder ser congenial ao poeta e, ao percebermos uma obra de arte, nós sempre a recriamos de forma
nova. É legítimo definir os processos de percepção como processos de repetição e recriação do ato criador” (VIGOTS-
KI, 2010, p. 338). O que o autor russo diz é de suma importância para a Educação Estética. Indica que é fundamental
promover momentos de criação artística, pois assim o indivíduo canalizará e desviará suas pressões interiores por via
da arte.
Sobre a Educação Estética e o talento, Vigotski afirma que não se deve perguntar por que uma pessoa tem mais ou
menos talento, uma vez que um alto grau de talento original do ser humano é um fato básico em todos os campos do
psiquismo e, consequentemente, são passíveis os casos de explicação, os casos de diminuição e perda de talento. Por-
tanto, a tarefa da Educação Estética
[...] deve partir da existência de um alto talento da natureza humana e da hipótese da existência de gran-
diosas potencialidades criadoras do ser humano e, assim, dispor e orientar as suas interferências educativas
de modo a desenvolver e preservar tais potencialidades. O talento se torna também uma tarefa da educação
(VIGOTSKI, 2010, p. 363).
Nesse sentido, encontrar talentos, evidenciar talentos, não é função da educação, pois todos os indivíduos possuem as
mesmas potencialidades criadoras. Marx já apontava para esse caminho.
Para Vigotski, a possibilidade criadora, para que cada um de nós se torne um coparticipante de Shakespeare em sua
tragédia e em Beethoven em suas sinfonias, é o indicador mais nítido de que, em cada um de nós, existem um Shake-
speare e um Beethoven. Vigotski vai às máximas alturas da potencialidade da criatividade humana. A partir das ideias

7 As exigências kantianas ficam difíceis de serem cumpridas no século XXI, pois, neste momento, já não se pode mais conceber os juízos estéticos como puros
e desinteressados; eles são, na maior parte das vezes, ditados por interesses mercadológicos. Na contemporaneidade, a arte cada vez mais servirá aos interess-
es múltiplos, como a busca desenfreada pelo lucro, a espetacularização e a diversão.
8 Segundo Prestes (2010), Vigotski refere-se à criação como um processo e não como uma qualidade ou característica de quem é criativo (criatividade).

153
marxianas, ele declara o potencial criador existente em todos seres humanos e apresenta de que modo isso pode ser
valorizado pela escola do seu tempo.
Diante desses apontamentos, de acordo com o autor russo, a relação da vivência estética com a educação se dilui em
três questões:
a. Educar a criação – o desenho ensina o sujeito a dominar o sistema das suas experiências e a vencê-las e su-
perá-las. Ensina a ascensão ao psiquismo. Por exemplo: a criança que desenha um cão vence, supera e coloca-se
acima de experiência imediata. A correção do desenho significa uma grosseira interferência na estrutura psicológi-
ca da vivência da criança e ameaça servir como obstáculo a tal vivência. Por isso, o autor defende a plena liberdade
da criação infantil, a renúncia à tendência a equipará-la com a consciência do adulto e o reconhecimento da sua
originalidade. Existe a tendência da criança à liberdade e à independência em relação ao desenho real dos objetos.
Isso não significa que a criança não consegue ver os objetos como eles são, mas que ela deforma os aspectos
secundários do objeto em proveito dos aspectos mais importantes dele.
b. Ensinar as habilidades técnicas da arte – para Vigotski, é impossível penetrar na obra de arte alheio à técnica de
sua linguagem. Por isso, defende que seja oportunizado na educação o mínimo conhecimento técnico da estrutura
de qualquer obra. “Neste sentido agem de forma integralmente pedagógica aquelas escolas nas quais o domínio da
técnica de cada arte se torna condição indispensável da formação” (VIGOTSKI, 2010, p. 350). Complementa ao falar
que o ensino da técnica deve ser combinado com a própria criação do sujeito e da cultura das suas percepções
artísticas. Assim, só será útil aquele ensino da técnica que vai além da técnica e que ministra um aprendizado cri-
ador, ou de criar, ou de perceber.
c. Educar o juízo estético, ou seja, as habilidades para perceber e vivenciar obras de arte – o autor critica alguns peda-
gogos que pensavam que observar, ouvir e sentir prazer fosse tão simples que não necessitava de nenhuma apren-
dizagem especial. Contrário a essa opinião, Vigotski considera que esse é o objetivo principal e o fim da educação
geral.

O sistema geral da educação social visa a ampliar ao máximo os âmbitos da experiência pessoal e limitada,
estabelecer contato entre o psiquismo da criança e as esferas mais amplas da experiência social já acumu-
lada, como que incluir a criança na rede mais ampla possível da vida. Essas finalidades gerais determinam
inteiramente também os caminhos da Educação Estética. A humanidade acumulou na arte uma experiência
tão grandiosa e excepcional que qualquer experiência de criação doméstica e de conquistas pessoais parece
ínfima e mísera em comparação com ela. Por isso, quando se fala de Educação Estética no sistema de edu-
cação geral sempre deve-se ter em vista essa incorporação da criança à experiência9 Estética da sociedade
humana: incorporá-la inteiramente à arte monumental e através dela incluir o psiquismo da criança naquele
trabalho geral e universal que a sociedade humana desenvolveu ao longo dos milênios, sublimando na arte
o seu psiquismo (VIGOTSKI, 2010, p. 351-352).

Assim, a interpretação da obra de arte é o procedimento que exige um aprendizado especial, “[...] a elaboração de
habilidades específicas de recriação das obras de arte e, neste sentido, as aulas de observação de quadros e leitura
lenta, introduzidas em algumas escolas europeias, são um modelo de Educação Estética” (VIGOSTSKI, 2010, p. 352, grifo
nosso).
Com base nas contribuições de Vigotski para a Educação Estética, o que podemos pensar sobre as práticas que temos
na escola? Como pode a Educação Estética contribuir com a formação dos alunos tendo em vista todo o processo de
racionalização instrumental que a escola sofre a partir da ciência moderna e da sociedade capitalista?
Para pensar sobre essas questões, faremos o resgate de algumas ideias aqui apresentadas na perspectiva de tê-las
como pressupostos indispensáveis para essa discussão.
a. É preciso ajudar o indivíduo a desenvolver a criticidade, conduzindo-o à capacidade de refletir sobre as
ideologias dominantes, postas principalmente pela mídia que compõe a grande Indústria Cultural ou, nos modos de
dizer de Vázquez, a arte de massa. Faz-se necessário, então, refletir, negar, problematizar os meios de comunicação, os
produtos da mídia e outros meios de alienação para contribuir com uma educação emancipadora.
b. É preciso ajudar o educando a se apropriar das objetivações humanas, pois, como Marx apontou, isso só ocorre
de homem para homem, ou seja, pela interação.
c. É preciso ampliar ao máximo a vivência do aluno a partir do que a humanidade acumulou de grandioso na arte.
Para uma Educação Estética, deve-se incorporar a vivência do sujeito à estética da sociedade humana.
9 Vide nota de rodapé 6.

154
d. O alto talento da natureza humana é comum a todos os homens, cabe à educação desenvolver tais potenciali-
dades.
e. Para uma Educação Estética, é preciso: educar para a criação e reconhecer a originalidade da criação; ensinar
habilidades artísticas combinadas com a própria criação do sujeito e da cultura das suas percepções artísticas; educar o
juízo estético e ensinar a observar e ler lentamente as obras de arte.
Diante desses pressupostos, na seção que segue, apresentaremos uma proposta de Educação Estética por meio das
Artes Visuais tendo como foco específico a ideia de se propor leituras lentas das obras de arte.

3 UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO ESTÉTICA POR MEIO DAS ARTES VISUAIS: A LEITURA
LENTA DA OBRA DE ARTE
Todos os aspectos apresentados sobre as ideias de Vigotski sobre a Educação Estética são fundamentais. Contudo, no
artigo em tela elencaremos um desses aspectos e faremos uma ampliação/aprofundamento relacionado ao que o au-
tor intitulou de leitura lenta da obra de arte.
Entendemos a partir de Vigotski (2010) e das nossas vivências no campo do ensino da arte, que para ocorrer uma
leitura lenta é preciso que se tenha um tempo para ver a obra de arte. Porém, não adianta colocar a imagem na frente
do aluno e deixá-lo perceber isso sozinho. Isso seria reiterar a crença de que a percepção estética é uma experiência
passiva, como alerta Vigotski (2010). Assim, é preciso ajudar o educando a analisar criticamente a obra de arte para
perceber múltiplas relações intrínsecas a elas, que passam pelos aspectos contextuais, formais10 e por outros diálogos
estabelecidos entre a imagem lida com outras obras de arte.
Desse modo, é necessário refletir sobre o contexto de produção da obra, o que não significa somente ir atrás de uma
história pessoal de vida e de um trabalho artístico ou imaginar as reações de um leitor ansioso por completar lacunas
de uma possível interpretação do texto lido. Entendemos que a imagem é o ponto de partida para que se possa com-
preender o contexto histórico no qual ela está inserida. É preciso interligar o contexto aos aspectos formais, sem dividir
a leitura no que é contexto e o que é forma. Além disso, é importante colocar a obra analisada em diálogo com outras
imagens do mesmo artista e/ou de outros. Por conseguinte, interligar a temática do artista com outros textos, como
reportagens de revistas, músicas ou poesias para criar, a partir da leitura, uma rede de significações. Essa proposição
reforça o fato de que todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é a absorção e transformação
de um outro texto e, nessa ciranda de significações, o sujeito amplia o seu repertório cultural e sensível e se aproxima
cada vez mais do universo do artista.11
Esta relação dialógica entre vozes no interior de uma obra de arte relaciona-se com o conceito de polifonia adotado
por Bakthin (2000). Com base nessa ideia, é possível pensar que o artista, assim como os leitores, estão impregnados
por diferentes textos visuais e/ou verbais vistos e lidos que vão compor os seus repertórios criativos. Desse modo,
compreendemos que, para que a leitura de uma obra seja realizada de modo aprofundado, é preciso, além dos outros
fatores citados, observar os indícios da presença de outras vozes e outros textos (os intertextos) na imagem analisada
e, a partir dessas tramas, atribuir sentido a essas conexões. Como se, ao ler, pudéssemos traçar um possível caminho
polifônico subjetivo e relativo a cada leitura de imagem realizada e também a cada leitor.
Indissociáveis à análise dos aspectos contextuais e intertextuais estão os aspectos formais, ou seja, a visualidade da
imagem. A forma é uma mediação necessária para o conteúdo estético, “[...] pois este só surge a partir da relação total-
mente estruturada, elaborada dos materiais” (FREITAS, 2003, p. 43).
No caso de uma pintura, desenho ou gravura, por exemplo, é necessário explorar as expressões das formas e de sua
disposição no espaço, das cores, dos materiais empregados e dos contrastes plásticos como recursos capazes de cons-
truir significados. É preciso considerar as possibilidades de combinações de cores; se elas instalam ou não movimento
e ritmo na composição criada pelo artista. Cabe identificar como foi realizado o emprego dessas cores: se são puras,
complementares, análogas etc; a utilização ou não de tonalidades; os graus de saturação da cor; a variação ou a manu-
tenção cromática e tonal; a luminosidade em seus graus variados e nos jogos entre claro/escuro.
Além de analisar as relações cromáticas estabelecidas, é necessário perceber como as combinações de linhas, volumes
e cores superpostas proporcionam efeitos diferentes de simetria ou de perspectiva, por exemplo. Outros pontos a se-
rem observados dizem respeito à materialidade e à técnica utilizada para criar a obra de arte. Quando se trata de uma
pintura, podem-se observar as pinceladas, as marcas do gesto do artista, ou seja, a decisão do artista de deixar percep-
tível o ritmo impresso na obra que produziu, a espessura da pincelada, o modo como recobriu o suporte camada por
camada ou a decisão de deixá-lo perceptível, o ritmo impresso pela maneira de fazer e, por fim, o relevo ou a textura
10 No caso da obra bidimensional seria, por exemplo, a linha, a cor, a textura, a forma, a composição e a técnica.
11 Trata-se do contexto de produção do artista, as suas referências para a criação, seus gostos, histórias etc.

155
que o gestual do artista cria na superfície pictórica. Nesse caso, a cor e a forma desencadeiam diferentes efeitos de
sentido e são consideradas como marcas deixadas no ato de pintar. No campo ainda da pintura, podem-se perceber as
pinceladas: se são contidas, soltas, descendentes, ascendentes, diluídas, pastosas, lisas ou rugosas.
Outro ponto a ser observado é a posição e a orientação das formas que geram ou não movimento no suporte escolhi-
do pelo artista, como elas se relacionam e que efeito essa organização composicional proporciona. Além disso, cabe
observar o efeito proporcionado pelos diversos tipos de suporte que podem ser utilizados pelo artista, como madeira,
tela, metal, papel etc. (REBOUÇAS, 2003).
Mais dois aspectos importantes de serem analisados, no caso da pintura, são o título da obra e a assinatura do artis-
ta. Segundo Oliveira (2004), quando um artista dá à sua obra um título verbal, ele a reelabora numa outra linguagem,
a verbal. É como se o artista nos desse uma chave para entrar na obra de arte por ele produzida. Em contrapartida,
existem artistas que não dão nomes às obras. “O não nomear ou a ausência dum nome num outro sistema já é por si
mesmo uma espécie de título que guia o observador na tarefa de reconstruir a significação da obra” (OLIVEIRA, 2004,
p. 130). Oliveira pontua que a assinatura do pintor é um dos modos de presença na tela. “Ele, que se presentifica no ato
mesmo de organizar o seu discurso, aparece com essa outra marca, a da assinatura” (OLIVEIRA, 2004, p. 130). A assina-
tura é o selo do pintor que, ao terminar a obra a identifica como sua e a envia do seu ateliê (mundo privado) para o
mundo público. A assinatura é colocada quando não há nada mais a ser feito. Ela é o ponto final, ou a obra acabada.
Além disso, o modo como essa imagem foi distribuída e legitimada é fundamental e precisa ser analisado. Sobre esse
assunto, Foerste (2012, p. 177) coloca que
[...] ler imagens constitui-se num desafio cotidiano de desvelamento de práticas e concepções humanas
imbricadas na materialidade da imagem. Os modos particulares de produção, distribuição e recepção das
imagens desafiam-nos a estudá-las como objeto que não se esgota em si mesmo, mas que está referido ao
complexo campo de relações de que são produto, são preservadas, divulgadas e/ou recebidas. Percebe-se,
então, que já não é possível ler imagens sob bases unicamente formalistas de análise, mas que essa análise
implica encontro dos sujeitos. Trata-se do encontro do homem com o homem, mediados pelo objeto das
intervenções humanas no mundo.
Nesse sentido, cabe perguntar: Onde a imagem analisada está localizada? Como se deu o acesso a essa imagem? Quem
legitimou essa produção como obra de arte? Por que essa obra está no museu ou no livro, e não outra? Desse modo, seria
incentivada uma postura crítica em relação aos Sistemas de Belas-Artes,12 para que os alunos se habituem a essa práti-
ca e se sintam capazes de fazer suas próprias escolhas culturais.
Assim, é possível pensar que estabelecer relações entre esses aspectos de modo indissociável pode colaborar com
a leitura lenta proposta por Vigotski e ampliada por nós. Isso não significa que essa é uma fórmula que, se repetida,
logrará êxito e proporcionará uma Educação Estética. É muito mais do que isso, envolve complexidade, reiterações e
processualidades. Portanto, consideramos que a leitura lenta deve integrar – além de momentos de análises formais,
conceituais, históricas e intertextuais – períodos de suspensão, um tempo entreimagens que possibilite uma reflexão
profunda e vagarosa. Não em um momento pontual, mais em vários momentos que constituem um processo de con-
vívios e de encontros com as obras de arte, um processo catártico.
Esses momentos de encontro e de convívio com as imagens integram duas possibilidades de trabalho. A partir de
reproduções das imagens (cópias de boa qualidade) ou com visitas aos espaços expositivos (ateliê do artista, museus,
galerias de arte, centros culturais, entre outros).
Além disso, mais um fator pode colaborar com a Educação Estética é propor assuntos relacionados com os interesses dos
alunos. Pensamos que a escola precisa se constituir como um espaço de debate, diálogo e de autoria. Muitas vezes os
assuntos discutidos não são apreciados pelos alunos. Isso resulta, em alguns casos, numa desmotivação e num desin-
teresse em aprender. Não se trata de reiterar o conhecimento cotidiano do aluno, mas propor ampliações a partir de
questões que emerjam da prática social do educando.
Não adianta disponibilizar o mais interessante objeto artístico a uma pessoa, se ela não tiver, além de estímulo e
curiosidade, a capacidade de compreender de todos os modos, sentir com outras capacidades humanas (inclusive o
raciocínio) esse objeto. Caso isso não seja proposto, a pessoa será incapaz de se reconhecer no objeto artístico, ficará

12 Para Reis (2006, p. 3), a tarefa primordial do Sistema de Belas-Artes “[...] é identificar, classificar e qualificar um objeto quanto ao seu valor artístico segun-
do um conjunto de parâmetros e critérios teleológicos previamente definidos”. O Sistema de Belas-Artes é o mantenedor e controlador do capital cultural da
classe dominante. Para esse autor, a origem do Sistema de Belas-Artes surgiu e confunde-se com o processo de consolidação da burguesia brasileira, devido à
necessidade de se estabelecer parâmetros úteis para os mecenas e compradores de objetos artísticos nos mercados existentes, para que assim fosse elaborado
um código contendo noções gerais de Estética que serviam para “[...] balizar o valor artístico de uma obra, a produção geral de um artista e as suas qualidades
enquanto tal” (REIS, 2006, p. 3). Em frente às demandas dos séculos XVIII e XIX, foi preciso estabelecer um estatuto epistemológico para a arte, desenvolver
uma visão crítica da arte, vê-la como um dos dispositivos produtivos e ideológicos sob o controle, muitas vezes, das classes dominantes. Isso nos coloca diante
do senso de urgência quanto a operar o aparato conceitual e sensível da arte. Dessa forma, é preciso desenvolver na escola propostas que problematizem a
história da arte brasileira e mostrem aos alunos as concepções ideológicas que estavam permeando as buscas por uma identidade artística brasileira.

156
impossibilitada de estabelecer uma relação propriamente humana – sensível – com a obra de arte. Como diz Marx, os
sentidos são historicamente constituídos. Eles se refinam e se humanizam a partir de um processo que é inerentemen-
te social. No campo da educação, é possível pensar que esse processo pode acontecer na escola e precisa contar com
diversificadas, intensas e sensíveis mediações.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas seções anteriores apresentamos reflexões sobre a Estética e seu aspecto educativo, por meio das ideias de Marx e
Vigotski. A partir de um dos pilares apontados por Vigotski quanto à Educação Estética, a leitura lenta, propusemos um
aprofundamento que pode ser considerado como uma possibilidade de se educar esteticamente. Assim, consideramos
que ao proporcionar intensos, diversificados e contínuos encontros com obras de arte; mediar leituras de imagens que
evidenciem tanto os aspectos poéticos e intertextuais quanto os formais dessas obras, ampliados pelo conhecimento
do universo do artista e dos modos de legitimação e divulgação das obras; e, por fim, propor assuntos relacionados
com os interesses dos educandos, seria possível pensar em um modo de se contribuir com a Educação Estética do
sujeito.
Consideramos que quanto mais intensas e sistematizadas forem as leituras de imagens maior será o nosso repertório
cultural para sentirmos e significarmos o mundo e fazermos a leitura do que nos rodeia e nos acontece (LEITE, 1998,
2005). Como diz Vigotski (2009, 2010), a imaginação se alimenta e se realimenta de materiais tomados/apropriados da
experiência vivida por nós. Quanto mais rica for a vivência humana, maior será o material disponível para a imaginação.
Diante dessas ideias é possível pensar em uma Educação Estética como um modo especial de formação dos sentimen-
tos e dos gostos que possibilite o princípio criador em todas as atividades humanas e contribua com a formação de
identidades, subjetividades e alteridades. Que busque ampliar, por meio da leitura lenta das imagens, o olhar do sujeito
sobre o mundo, a natureza e a cultura, que diversifique e enriqueça suas vivências sensíveis – estéticas. Uma Educação
Estética que possa estimular outras necessidades e interesses, que promova outras buscas no sentido de transforma-
ção daquilo que é oferecido pelas mídias, por exemplo, por meio do estranhamento e da inversão do olhar que permita
e que busque intensamente a ação criadora.

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Priscila de Souza Chisté


Possui doutorado e mestrado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. É graduada em Educação
Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo e em Pedagogia. Atualmente é professora de Arte do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo. Atua também nos Programas de Pós-Graduação do Ifes
nos cursos de Mestrado em Ciências e Matemática (Educimat) e de Letras (Profletras).

158
LIVRO DE ARTISTA: PROCESSOS DE CRIAÇÃO NO
AMBIENTE ESCOLAR
Tathiana Campos Martins - UFES
Dianni Pereira de Oliveira - UFES

RESUMO
Esse artigo é uma apresentação do meu trabalho de conclusão de curso em Artes Visuais, o qual se config-
ura em um Estudo de Caso cujo diálogo perpassa as teorias da crítica genética enquanto abordagem met-
odológica, para relatar uma experiência de criação de livros/cadernos de artista em uma turma de 5º ano do
Ensino Fundamental II, em uma escola da rede particular do município de Vitória-ES. O trabalho pretendeu
expor a relação entre criador e criatura da poética de se construir um objeto artístico através da linguagem
do livro de artista em contraponto ao olhar crítico e processual da criança como protagonista desse proces-
so. Trata-se de uma investigação do campo da Arte Educação que busca construir conhecimento acerca de
um assunto relativamente pouco divulgado e estabelecer uma proposta de linguagem inovadora para os
alunos desta faixa etária.
Palavras-chave: Arte Educação; Crítica Genética; Livro de Artista

ABSTRACT
This paper is a presentation of my course conclusion work in Visual Arts, which is configured in a Case Study
whose dialogue permeates the theories of genetic criticism as a methodological approach, to report an
experience of creation of books / artist notebooks a group of 5th year of the high school, in a private colege
in the city of Vitória-ES. The work tried to outline the relationship between creator and creature of poetic of
building an artistic object through the language of the artist’s book as opposed to critical procedural and
look of the child as the protagonist of this process. It is an investigation of the Art Education field that seeks
to build knowledge about a subject relatively unheralded and establish a proposal for innovative language
for students of this age group.
Key words: Art Education; Genetic Criticism; Artist Book

Introdução
A pesquisa que deu origem ao trabalho de conclusão de curso surgiu na busca de uma literatura capaz de dar sig-
nificado às imagens infantis (produzidas por crianças) através do uso da linguagem do livro de artista. É sabido que
atualmente existe uma larga produção acadêmica / literária sobre imagens e produção de Arte da criança, no entanto,
publicações acerca do processo criativo infantil ainda são pouco discutidas e difundidas, sendo que somente uma lite-
ratura mais panorâmica do ensino das Artes no universo educacional sobre a infância está disponível, tanto comercial-
mente quanto academicamente.
Foi pensando nas experiências desenvolvidas pelos alunos desta pesquisadora que nos ocorreu trabalhar a linguagem
do Diário Artístico com o objetivo de investigar o que compõe o processo criativo do aluno. Qual o caminho percorrido,
suas influências, frustrações, avanços, entre outros.
A escolha da turma do 5º ano do Colégio Faesa Mata da Praia foi o ponto de partida deste projeto, instituição com a
qual mantemos um vínculo como professora de Artes; no entanto, resguardamos certo “distanciamento pedagógico”
ao elegermos esta unidade, pois nela as aulas são ministradas por uma colega de disciplina, a professora Silvia Lyrio.
Escolhemos essa turma por ser uma classe muito participativa, sensível e receptiva a qualquer projeto que lhe é pro-
posto. Trabalhar o tema sobre processo de criação, respaldadas em nossa experiência como Arte educadora, somente
seria possível numa turma que estivesse aberta a trabalhar com diferentes meios de construção de poéticas pessoais.
Propusemos uma abordagem bem ampla que contemplasse todas as possíveis linguagens artísticas que estivessem ao
alcance do entendimento da turma e que fizesse parte do seu cotidiano. A ideia era de que houvesse um entendimento

159
do que é processo de criação artístico e isto, no ponto de vista prático, fosse introduzido no seu próprio fazer. Duran-
te a execução do projeto, os alunos imprimiram toda a sua carga imagética, podendo encontrar seu próprio processo
assim como o fazem muitos artistas como Picasso¹, contando com uma série de “insights” que são trabalhados e esco-
lhidos (ou não) para tomarem parte em seus trabalhos artísticos.
Desse modo, buscamos desenvolver nos encontros uma metodologia com uma gama de diferentes linguagens e técni-
cas artísticas tais como fotografia, pintura, desenho, música, colagem, entre outros; contemplando os conteúdos desen-
volvidos pelas educadoras na instituição. Todo o percurso foi desenvolvido pela turma, desde a proposta inicial até o
trabalho finalizado.
Acerca dos eixos temático, discutindo o conceito de livro / caderno de artista e processo de criação, balizados pe-
los escritos de Cecília Salles, José Cirillo e Maria Regina Rodrigues. Alem disso, buscamos dissertar sobre a produção
gráfica da criança em ambiente escolar, tendo no caderno / livro produzido por elas o objeto de estudo desta pesqui-
sa. Também buscamos estabelecer diálogo com os escritos de Ana Mae Barbosa, Cecília Salles e Fayga Ostrower para
compreender a análise das produções dos alunos envolvidos na pesquisa, através dos pressupostos abordados na Arte
Educação.
Nossa pretensão é que este relato contribua com comunidade acadêmica, em especial os alunos de Licenciatura em
Artes Visuais, bem como a todos os interessados, com uma produção acadêmica diferenciada que relaciona o fazer
artístico da criança com ênfase em seus processos de criação.

Quanto à estrutura da pesquisa


Durante nossa investigação acadêmica, buscamos ampliar o conhecimento artístico e estético por meio da análise e
construção de imagens, da linguagem do livro / caderno de artista, proporcionando ao aluno sua inserção no processo
de criação através de seus desejos e escolhas, desenvolvendo no nível prático associações criativas com represen-
tações imagéticas e de construções de novas formas de entendimento da Arte. Norteamos nossa prática docente na
busca por estabelecer relações entre as linguagens artísticas e a produção de Arte da criança, ampliando os conheci-
mentos já adquiridos para uma melhor elaboração plástica. Também incentivamos a criatividade e o entendimento do
que é processo de criação, enquanto trabalhávamos pela sensibilização do olhar crítico diante das criações artísticas
dos educandos, dando ênfase ao processo de criação, utilizando suas próprias experiências artísticas como mediadora.
Contamos com 29 alunos, sendo 15 do sexo feminino e 14 do sexo masculino, numa faixa etária entre 10 e 11 anos.
Quanto à metodologia, ao propor uma sequência didática que possibilitaria o trabalho e o processo de criação tanto
individual quanto em grupo, elegemos o Estudo de Caso como método de pesquisa, que segundo Marli André (2005, p.
13) são metodologias usadas frequentemente “em diferentes áreas de conhecimento tais como: sociologia, antropolo-
gia entre outros”. Compreendemos, pelo viés da pesquisa, que o processo de criação estudado pela crítica genética nos
traria importantes contribuições enquanto abordagem metodológica, para melhor compreender os processos criativos
da criança.
Desse modo, trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa (LUDKE, 1986, p. 11) visando a possibilidade de estreitar as
relações advindas das experiências realizadas.
Entendemos, baseadas em nossa prática docente, que o desinteresse do aluno pelas aulas de Artes, especialmente pelo
desenho, tem muita relação com o espaço do qual ele participa. Uma escola / ambiente que desde o início estimula
seus alunos a produzir, criticamente, ampliando gradativamente sua capacidade de criação, teria como resultado um
bom número de alunos que não responderiam de forma negativa à propostas de criação espontânea.
O próprio caderno de desenho, tão comum no cotidiano escolar e por inúmeras vezes pouco aproveitado, apresenta-se
como uma poderosa ferramenta de baixo custo, quase como um ateliê portátil que possibilita a quem o utilizar, reunir
esboços, projetos, croquis, estudos e desenhos do dia a dia. É possível levá-lo a qualquer lugar, a qualquer tempo. Na
escola, propriamente dita, ele se situa conceitualmente entre o diário pessoal e a lição de casa. Nele é possível desen-
volver uma interlocução entre o que se vê e o que se produz, podendo ser em forma de desenho, pintura e colagem.
Ainda que o caderno seja usado pela escola como forma de avaliação, é possível que para as crianças menores seja o
momento “mais livre” de toda a sua rotina escolar. Lá seria um espaço onde ela estabelece códigos visuais através de
sua criação infantil.
Herbert Read (2005, p. 47) comunga da mesma ideia de que a atividade artística liberta e promove o crescimento cog-
nitivo da criança quando nos atesta que “[...] a arte de uma criança é seu passaporte para a liberdade, para a fruição
plena de todos os seus dotes e talentos, para a sua felicidade verdadeira e estável da vida adulta. A arte transporta a
criança para fora de si mesma [...]”.

160
Compreendemos que existe um paralelo entre a Arte que a criança produz e o objeto sensível produzido pelo artista,
tendo como elo condutor a sensibilidade, conforme nos diz Fayga Ostrower.
Como processo intuitivo, os processos de criação interligam-se intimamente com o nosso ser sensível. Mes-
mo no âmbito conceitual ou intelectual, a criação se articula principalmente através da sensibilidade. Inata
ou até mesmo inerente à constituição do homem, a sensibilidade não é peculiar somente artistas ou alguns
poucos privilegiados. Em si, ela é patrimônio de todos os seres humanos. (OSTROWER, 1978,p.12)
Ou seja, o fazer Arte ou os processos criativos também fazem parte da vida infantil, não apenas dos artistas. Nesta
linha utilizamos uma linguagem que embora faça parte, a priori, do universo adulto, também pode ser utilizada no uni-
verso escolar e a partir deste ponto trazer contribuições à literatura, sobre processos criativos sob o olhar específico do
público infantil. A criança até por sua postura em se apropriar das atividades, fazeres e pensamentos do mundo adulto
(BENJAMIN, 1994), estaria também na Arte buscando este referencial. O livro de artista possibilita uma nova perspecti-
va de material a ser explorado, sendo que tal objeto de trabalho e pesquisa potencializa a percepção do aluno quanto
a uma relação efetiva e afetiva com o suporte. Ao permitir que os alunos participem do processo de criação e con-
struam a parte dos seus desejos e escolhas, há uma possibilidade de domínio da linguagem: notamos que o caderno
e seus registros não estão separados do processo. A proposta primordial desta investigação é trabalhar os conteúdos
apreendidos e ampliá-los através do objeto “livro de artista”.
Concordamos com Salles (2004, p.13) que nos orienta que a crítica genética utiliza-se do percurso da criação para
desmontá-lo e, em seguida, colocá-lo em ação novamente. Em especial nesta investigação acadêmica nos propomos a
observar o processo de criação das crianças, deslocando-nos enquanto espectadores, no intuito de ordenar e realocar
esta produção como uma forma de decodificar seus significados a partir de sua gênese, a qual, segundo Grésillon
Do objeto da crítica genética até agora só se disse isto que é feito de documentos escritos, geralmente man-
uscritos, que, agrupados em conjuntos coerentes, formam a ‘pré-história’ de um texto e constituem o traço
sensível de um mecanismo criativo. (GRÉSILLON, 2002, p. 155)
Deslocando este pensamento para nosso campo de estudo, a saber, a Arte Educação, o objeto livro de artista, embora
desordenado em primeira instância, vai ganhando contornos que nos dão pistas de como o sujeito projetou sua linha
criativa. Concordamos com Biasi (2002, p. 236) que nos oferece embasamento teórico quanto às escolhas metodológi-
cas para este trabalho, no tocante ao interesse pelo processo criativo do aluno, mais que a obra por ele finalizada, pois,
segundo o autor
O campo das artes plásticas, como o da música, possui uma antiga tradição de estudos genéticos. A ideia de
se ler rascunhos de escritores é uma atitude recente, enquanto que o interesse pelos croquis, esboços, es-
tudos, portfólios, arrependimentos e desenhos preparatórios dos grandes pintores e escultores é quase tão
antigo quanto o interesse por suas obras acabadas.
Tal abordagem metodológica pareceu-nos melhor indicada para analisar um grupo na faixa etária entre 10 (dez) e 11
(onze) anos, pertencente à turma do 5º ano do Ensino Fundamental. Com a possibilidade de lidar com os conceitos
adquiridos, iniciamos o trabalho em sala de aula apresentando à turma toda a ideia inicial para que a construção do
processo de criação pudesse ser entendida e aplicada, pois, segundo Salles, (2014, p.16) “A crítica genética é uma in-
vestigação que vê a obra de arte a partir de sua construção.”

Livro de Artista para e pela criança


Percebemos que a abordagem do ensino da Arte, deslocando a produção do livro de artista para o âmbito escolar,
provocou uma curiosidade bastante peculiar nos alunos, já que a proposta de se utilizar de uma linguagem até então
somente praticada e difundida pelos adultos, serviu como ponto de partida para essa proposta. Sabemos que o desen-
ho, sendo parte fundamental da atividade cognitiva da criança, pode ser um instrumento capaz de dar razão ao seu
pensamento e “corpo” às suas experiências visuais, fazendo com que ao executá-lo a criança adquira com discernimen-
to uma maior compreensão do mundo a sua volta. Segundo Barizon (2013, p.20), uma vez que pensamento e conheci-
mento se articulam, o ato de desenhar é uma atividade gráfico-cognitiva.
Embora o desenho infantil seja tão amplamente estudado, diagnosticado e investigado há mais de um século, escol-
hemos para este trabalho dialogar com a produção gráfica da criança para além de linhas e pontos, pensando-a na
amplitude de sua dimensão plástica. A narrativa gráfica corresponde, neste trabalho, à representação na composição do
livro de artista como linguagem artística. No Brasil, a literatura sobre o tema é restrita1, destacando-se o estudo con-
duzido por Duarte (1995) que se dedicou a investigar o entrelaçamento entre a linguagem plástica-visual e a lingua-
1 Baseamo-nos em pesquisa prévia ao Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Consulta 2014/2015) por palavras-chave: livro de artista, processo de criação
infantil, bem como acervo das bibliotecas da Universidade Federal do Espírito Santo, tanto em publicações de periódicos, quanto trabalhos acadêmicos e livros.

161
gem verbal no desenho de narrativas pré-adolescentes. A narrativa gráfica possui uma natureza infinitamente universal
e variada e pode ser definida como representação do real ou de eventos fictícios numa sequência de tempo. Quando a
imagem é seu principal recurso ela é denominada narrativa visual (BARIZON, 2013).
No processo de criação do livro de artista na sala de aula, encontramos seu caráter primordial: o simples fazer artísti-
co articulado a uma projeção de conteúdos não só artísticos, mas da própria vivência e experiência do aluno. É certo
que para a criança produzir algo que esteja ligado à Arte é sempre um convite para que ela a produza, sem nenhuma
censura, o que lhe convém. Diante disso, observamos que dentro do contexto escolar, sob a mediação do professor
como interlocutor e moderador dos processos, a criança no papel de aluno está sempre reproduzindo algo que lhe fora
pedido, direcionado. Mas à margem do que entendemos por uma estrutura convencional, a criança liberta-se de para-
digmas e produz simplesmente, visto que
[...] a atividade artística é considerada uma atividade, sobretudo criativa, ou seja, a noção de criatividade
é desligada da ideia de trabalho, o criativo tornando-se criativo justamente por ser livre, solto e isento de
compromissos de trabalho. (OSTROWER, 1997, p. 31)
Justamente por acreditarmos que o trabalho de sala de aula, muitas vezes atrelado a uma rotina e até mesmo aten-
dendo às exigências do conteúdo e currículo escolar, acaba por interferir no processo criativo do aluno, pensamos o
espaço da sala e o momento da aula de Artes como um meio de expressão criativa desvinculada de direcionamentos e
entraves à inventividade da criança.
Pois acreditamos que, para além de modo de expressão, a “Arte é qualidade e exercita nossa habilidade de julgar e de
formular significados que excedem nossa capacidade de dizer em palavras”. (BARBOSA, 2005 p. 4).
A partir do contexto escolar entendemos que para produzir qualquer conteúdo artístico basta somente um motivo para
que a criança manifeste toda sua potência criadora e libere essa energia em produções.
Nas crianças, a criatividade se manifesta em todo seu fazer solto, difuso, espontâneo, imaginativo, no brincar,
no sonhar, no associar, no simbolizar no fingir da realidade e que no fundo não é senão o real. Criar é viver,
para a criança. ( OSTROWER, 1999, p. 127)
Criar faz parte da vida da criança, é seu modo de experimentar e conhecer o mundo do qual faz parte. Do ato criador
(da criança e do artista) surge(m) o(s) modo(s) de se relacionar com o mundo, os fenômenos, os pares, as questões
próprias. 
Diante disso, compreendemos que a criança, a partir de suas próprias vivências e experiências, produz em sala de aula
conteúdos artísticos que, embora direcionados pelos educadores, são capazes de um transbordamento para além de
suas fronteiras imaginativas, reinventando modos de apropriação e ressignificação do que vê e percebe, seja de origem
artística ou não. Sendo assim, a criança exercitará sua liberdade de criar e, invariavelmente, trará
[...] as marcas do entorno e do contexto sócio histórico do qual faz parte, não como mero espectador, mas
como sujeito produtor e ressignificador das culturas e artefatos dela que lhe chegam a todo momento, até
mesmo quando não estão atentas a isso. (OLIVEIRA, 2012 p. 52-53)

A produção gráfica realizada nos cadernos/livros de artistas apresentados nessa pesquisa, considera não apenas o
desenho como ponto de partida na maioria das produções, mas também as colagens, pinturas e escritas, presentes no
espaço de trabalho e sobre suportes variáveis. Nessas narrativas gráficas, os alunos puderam trazer à tona boa parte
de sua subjetividade, além de serem protagonistas no processo de criação, utilizando esses materiais para experimen-
tação de técnicas e possibilidades do fazer artístico.

Registros do processo de criação


A prática do ensino de Arte contempla entre muitos aspectos a possibilidade do diálogo e interlocução de conheci-
mentos que fogem do contexto da sala de aula. O espaço de produção que em muitos momentos nos foi útil, neste
processo em questão se expandiu, para além das paredes da sala de aula, chegando a outros locais da escola como a
biblioteca e o pátio, bem como fora da escola, como as residências, o jornal, as revistas.
A sala de Artes ficava no 2º andar de um prédio de 3 pavimentos, possuía uma boa iluminação.O fato de contar com
um espaço de Arte, figurou de maneira positiva no processo de execução dos trabalhos, visto que, era-nos possível
trabalhar com qualquer tipo de material, suporte e metodologia sem interferir no espaço formal da sala de aula. Outro
fator importante era a existência de um espaço específico para a disciplina, o que trouxe uma postura diferente dos
alunos em sua relação com o espaço, notoriamente observado por esta educadora/pesquisadora. As formas como os

162
alunos se dispunham espacialmente modificava-se a cada encontro. Os grupos se alternavam em seus lugares, o que
fomentava a troca de ideias e experiências no uso dos materiais disponíveis para o trabalho.
Esta educadora/pesquisadora circulava entre as mesas, discutindo as ideias e assumindo uma postura mais dinâmica
em sala de aula, evitando fixar-se em determinado ponto, agindo como uma mediadora entre os saberes dos alunos
e os conteúdos específicos da disciplina. Quanto à forma como eles produziam/criavam, observamos que em alguns
momentos sentavam-se em suas cadeiras, em outros ficavam mesmo de pé, em grupos ou individualmente, sempre
conversando e partilhando do processo criativo verbalmente.
Tínhamos apenas 1 (um) encontro por semana com duração de 1 (uma) hora e aproveitávamos ao máximo o tempo dos
alunos em sala de aula. Essa experiência foi vivenciada em 5 (cinco) encontros, tendo início no mês de agosto e térmi-
no no mês de setembro de 2014, no Colégio Faesa Mata da Praia, no município de Vitória, Espírito Santo. Demos início
aos encontros, sempre dialogando sobre o trabalho produzido e planejando as aulas seguintes, na medida da resposta
dada pelos alunos, configurando-se num processo de reescrita da proposta de ação educativa de acordo com os inter-
esses dos educandos.
No primeiro encontro discutimos sobre caderno/livro de artista, o que eles pensavam ou achavam, o que poderia ser
além de uma breve interlocução dessa linguagem com a Arte contemporânea como recurso plástico na produção
artística de alguns artistas. Esta pesquisadora/professora, em parceria com a professora de Artes dessa turma, apresen-
tou diversas referências de livros de artistas com suas respectivas reproduções. Em seguida vieram as primeiras ind-
agações: “Nós poderemos fazer como eles?” “Que tipo de material iremos utilizar?” “Vamos utilizar nossa imaginação ou será
dado algum tema?”2 Sanadas as dúvidas, entregamos aos alunos o caderno/bloco, material produzido por esta profes-
sora/pesquisadora para este trabalho, o qual consistia num bloco de vários tipos de papeis, de diferentes gramaturas,
cores, texturas, que estavam encadernadas por um fio de plástico. Pensamos em dar este material já confeccionado,
visto que não havia tempo hábil para construção do caderno e posteriormente sua produção.

IMAGEM 1. Bloco entregue aos alunos3

A turma recebeu o material e percebemos uma aceitação rápida da proposta do trabalho. Muitos deles já se encontra-
vam fazendo interlocuções com seus pares e colegas de outros grupos sobre o que fazer. Pensamos, nesse mesmo en-
contro, como seria o próximo e nos foi sugerido pelos alunos um momento fora do espaço da sala de aula. Indagamos
o porquê da sugestão e nos fora relatado que era “para abrir nossa percepção” “para trazer mais criatividade4”. A sugestão
foi aceita e no encontro seguinte iniciamos o processo de criação livre e individual no caderno de artista.
Alguns alunos sentaram-se em grupos, outros sozinhos. Todos, em princípio, bastante empolgados com a ideia de con-
struir por si mesmos sua própria “história”. Percebemos que durante a aula, alguns alunos sentiram a necessidade de
partir de algum referencial para construir seu discurso imagético. Sendo assim, sentamos em círculo, discutimos como
essa questão afetava a produção individual e foi explicado que a proposta da criação no caderno era justamente o
contrário: cada um deveria colocar o que desejasse enquanto discurso artístico. Quaisquer materiais e técnicas poderi-
2 Registros orais. Caderno de anotações de campo de pesquisa. 2014
3 Acervo pessoal da pesquisadora.
4 Relato oral. Caderno de registros da pesquisadora. 2014.

163
am ser utilizados sem que houvesse interlocuções entre as produções obrigatoriamente. O caderno teria cunho pessoal e
individual. Como sentimos que havia ainda alguma dúvida, ou mesmo insegurança para iniciar os trabalhos, propusemos
falar sobre sonhos, desejos. “O que cada um sonhava para si? Qual era seu desejo? É possível sonhar, projetar?”5 A partir
daí desenvolvemos um fio condutor, ainda que não obrigatório, para todos e notamos uma mudança de postura nos par-
ticipantes dessa pesquisa. A inserção de um “tema”, ainda que amplo e subjetivo, possibilitou que suas percepções fossem
mudando. Questionamentos e perguntas foram surgindo no decorrer do processo, sempre no intuito de entender e com-
preender como funcionava a construção daquela linguagem: “E se eu usar uma letra de música tem a ver?6”
No encontro seguinte os alunos trouxeram de casa materiais diversos, letras e recortes, além de utilizarem os recursos
disponíveis em sala de aula. Muitos deles já tinham a ideia estabelecida para início da produção dos cadernos. Pudem-
os observar que a grande maioria já tinha entendido que a proposta não era simplesmente encher as folhas do cader-
no de técnicas diversas e esvaziadas de sentido e ficamos muito satisfeitas; até porque, a pesquisa só teria alcançado
seu objetivo se houvesse esse entendimento inicial do que se tratava o livro de artista. A produção se iniciou a todo
vapor, com os alunos mesclando técnicas diferentes e discutindo sempre sobre o processo. Num determinado momen-
to houve uma nova indagação: se a produção aconteceria somente em sala de aula ou se haveria outra possibilidade
de continuação em outros espaços não escolares, como em casa. Conversamos com a turma e chegamos à conclusão
que os alunos poderiam levar seus cadernos para casa, para que pudessem continuar suas produções ou até mesmo
pensar sobre o processo, trazer mais referenciais, entre outros. Pensamos durante o encontro o quanto da experiência
havia do seu dia a dia, o quanto isso influenciava em suas escolhas de material, além de suas vivências, emoções, tudo
o que era aplicado ao caderno.
No quarto encontro ouvimos músicas que eles gostavam de ouvir e algumas referências musicais trazidas por nós.
Conversamos sobre como a música afetava o trabalho que eles estavam produzindo, se gostavam ou não de ouvi-las
e o que as músicas diziam para eles. As respostas eram variadas. Desde o sonoro “não gosto, acho sem graça” a “até que
é bonita, acalma, abre nossa cabeça7”. Percebemos que, no geral, o processo de criação fruíra de forma bem tranquila e
interessante. É claro que houve momentos nos quais ouvimos do grupo frases do tipo: “Ah não tenho mais ideias, está
ficando feio”, mas sempre fazíamos a mediação nesse ponto, assumindo o papel de orientação da temática sem interfer-
ir no processo criativo, permitindo que o aluno pudesse confrontar-se com sua própria criação. Explicamos que muitas
vezes o sentimento de frustração, vazio e fuga de ideias faziam parte do processo do artista e que isso deveria também
estar registrado de alguma maneira no seu caderno.

IMAGEM 2 sujeito da pesquisa: Alunos do Colégio Faesa Mata da Praia.


Detalhe: Produzindo o livro/caderno de artista. 2014.8

Vimos em alguns casos o estabelecimento de um vínculo com a obra. Aquilo definitivamente fazia parte do aluno e
por isso as reações eram provadas. Nesse momento sentimos que a proposta inicial estava alcançando um nível muito
mais elevado de resultados para a pesquisa. Cirillo e Rodrigues (2010, p. 30) pontuam esse fenômeno ao afirmarem
que

5 Caderno de anotações de campo de pesquisa. 2014


6 Relato oral. Caderno de registros da pesquisadora. 2014.
7 Idem 5.
8 Acervo pessoal da pesquisadora, 2014.

164
Os cadernos de artista [...], ainda que fragmentados, fornecem uma visão dos mecanismos e esquemas mentais que
envolvem o próprio processo de criação. Esses cadernos possibilitam o acesso ao texto visual (obra de arte) em seu
estado de gênese – anterior a exibição pública [...] Nessas extensões da mente criadora, os documentos do processo
podem ser localizados, evidenciando os esquemas mentais expressos, principalmente, na forma de desenhos e seus
códigos portadores de alto grau de subjetividade [...]

Tais sentimentos reverberam nas relações do artista em relação a sua obra através do processo de criação, onde estão
contidas as marcas, os registros de tudo o que ele acionou no momento do seu ato criativo. Sem dúvida esse “víncu-
lo” com o caderno mostra tal relação com seu processo individual. O sentimento de pertencimento dos alunos em
relação ao caderno estava muito maior do que pensávamos no início. Havíamos calculado que produziriam como mais
uma tarefa e logo se desfariam dele. Mas nesta proposta, fato que a própria professora relatou, “nunca os vira tão en-
volvidos com as aulas como agora, até mesmo os mais desinteressados se propuseram a fazer os cadernos e colocaram suas
experiências no papel”.9
Em nosso último encontro fizemos a tradicional exposição para os colegas de sala e todos discutiram o que a propos-
ta havia trazido de novo para eles e vários relatos foram feitos. Os alunos apontaram como a possibilidade de utilizar
uma linguagem e de fazerem uso dela livremente, construindo com autonomia, foi para eles o que mais os instigou.
Alguns educandos relataram que se emocionaram, sentiram vergonha, orgulho, por fazerem algo que possibilitou tra-
balhar com seus próprios desejos e com temáticas diversas. Concordamos com Fayga Ostrower (1977) quando nos diz
sobre a elaboração do processo criativo do homem através de sua intuição e como ele trabalha essa questão, agindo,
transformando, configurando, intuindo. Ela ainda nos diz que a todo momento o artista em questão irá se perguntar
se está certo ou não sobre seu processo e este movimento de indagações não se esgota, “(...) pois por mais lúcida que
seja, é uma busca que integra formas de ser” (OSTROWER, 1977, p.70). Ainda segundo a autora, com relação a essa bus-
ca, o indivíduo não sabe quanto tempo poderá durar, nem exatamente onde ela o levará, até mesmo porque o processo
de criação é um fluxo contínuo de idas e vindas, de um infinito imaginar algo, mas ao mesmo tempo perceber que o
que pensamos está muito distante entre os fatos que o trabalho artístico apresenta.
Percebemos então que a angústia produzida pelo processo de criação do aluno no caderno segue este viés; até porque,
o caderno tornou-se uma obra aberta a mudanças constantes em sua conjectura imagética, a todo tempo era possível
modificá-lo. Então, como lidar com os sentimentos dos alunos frente à questão da finitude do trabalho? Quando pro-
pusemos essa ação educativa em Artes, pensamos tão somente na produção e na descrição do processo de criação e
não esperávamos que a finalização do mesmo trouxesse tantas reflexões e questionamentos sobre os participantes.
Mesmo cientes de que participariam de um trabalho que estaria sujeito à exposição das imagens produzidas, uma
pequena parte do grupo declinou em relação à mostra dos trabalhos, por “ter ficado pessoal demais” (momento íntimo
e individual). Respeitamos o sentimento dos alunos e não expusemos seus cadernos e imagens. Sobre este aconteci-
mento OSTROWER (1977, p. 72) novamente nos convida à reflexão para dizer que
Talvez seja esse momento final o momento da inspiração. É sem dúvida um momento sumamente decisivo
e criativo – o desfecho do fazer. Nascido do trabalho, das tentativas que o precederam, das lutas dos anseios
íntimos, o final é indissolúvel dos momentos anteriores porque a conseqüência é necessária.
Pensar nesse momento como um desfecho para a narrativa do processo de criação desses alunos que se mostraram
tão sensíveis ao convite, só reforça o que foi proposto bem no início deste trabalho. Esta pesquisadora/professora
sente-se bastante feliz em saber que não só de fórmulas prontas e metodologias de aulas de Arte se faz um currículo
para o ensino dessa disciplina. Compreendemos que alcançamos nossa proposta inicial de trazer uma linguagem que
rompesse com a prática do aluno de apenas preencher folhas em branco para serem expostas nas paredes e murais de
escolas, mas, tão somente permitir a este aluno se conhecer e fazê-lo perceber que é capaz de ir além do simples fazer
em sala de aula. Permitir a esse aluno mostrar suas capacidades artísticas, sem a preocupação do que é certo e errado,
mas sim, acertando o “erro” e projetando o “acerto”.

Analisando um diário: livro de artista por R.


Para facilitar a ordenação das análises, esta subdivisão do capítulo traz a seguir as imagens do trabalho final de R. (ver
imagens 23 a 28), com sua descrição e discussão relativa ao livro de artista. Incluímos também relatos da própria alu-
na, que nos ajudarão a construir e possivelmente formular sentidos referentes aos resultados. O trabalho realizado por
R. é composto por 6 folhas de diversos papéis com gramaturas, cores e texturas diferentes, no qual a autora mescla
diversas técnicas passando por desenho, colagens, texturas, recortes , monocromia e relevo. Segundo Salles, (2004,

9 Relato oral. Caderno de registros da pesquisadora. 2014.

165
p.36) “os artistas encontram diversos meios de armazenar informações, que atuam como auxiliares no percurso de
concretização da obra e que nutrem o artista e a obra em criação”. No trabalho de R. percebemos que ela encontrou a
narrativa visual como meio de contar suas histórias.
No conjunto, R. projeta em suas produções o que fora discutido em um dos encontros na sala de aula, que versava so-
bre o que desejavam. Na primeira folha ela se utiliza da palavra, (imagem 23) sentimentos e projeções de sonhos como
ela mesma relata:
Para eu criar o livro do artista foi botar meus pensamentos em uma simples folha de papel, poder expressar com
apenas desenhos sem ser julgada pela minha forma de pensar ou até mesmo agir.10

Isso se afirma na imagem 25, quando ela novamente escreve e projeta seu sonho com muita certeza quando diz “posso
ser o que eu quero”11. Nota-se que a projeção destes desejos casa-se ao lirismo de outra produção, um pequeno urso
(imagem 26) retoma a ideia de que há uma dualidade da criança, que está na transição de sua infância para a adoles-
cência. O desenho do urso, nesse contexto, representaria a infância nesse movimento. As duas últimas imagens (27 e
28) confirmam esse desejo. As figuras de adolescentes e modelos sorrindo recortadas associadas às palavras “passo
a passo”, mostram esta menina-mulher neste percurso natural da infância para a adolescência que é um rito de pas-
sagem. A associação de frases em todo o caderno realça a presença de palavras com teor amoroso e com indagações
adolescentes, típicos de quem passa por essa fase da vida. A aluna comenta: “Fiz algo que é só meu e que tem a ver
comigo”12 reforçando esse momento.
A imagem associada ao texto: “[...] funcionam na verdade, como sensações alimentadoras da trajetória, pois
são responsáveis pela manutenção do andamento do processo e, consequentemente pelo crescimento da
obra. (SALLES, 2004 p.57)

Salles nos orienta em sua fala e dá pistas ao nosso olhar quando percebemos que nas produções de R. toda sua narra-
tiva visual quer nos contar este rito de passagem, ainda que de forma subjetiva e não linear. Na última imagem vemos
que, num carro seguindo em frente, a aluna/artista se coloca como personagem dessa imagem que trilha esse caminho
em direção à adolescência. Verificamos nessas produções uma grande diversidade de materiais como colagens, re-
cortes, utilização de objetos e o desenho, assumindo aqui o papel de uma narrativa gráfica.

IMAGEM 3 IMAGEM 4

10 Relato da aluna. Diário da pesquisadora, 2014.


11 Idem 35.
12 Relato oral. Caderno de registros da pesquisadora. 2014.

166
IMAGEM 5 IMAGEM 6

IMAGEM 7 IMAGEM 8

Considerações Finais

Nossa proposta na pesquisa com a produção do caderno/livro de artista visou a participação do aluno como protago-
nista nesse processo e não somente isto, a interlocução dele com seu próprio percurso criador incentivando a criati-
vidade e o trabalho em equipe, para proporcionar um maior entendimento do conceito, sensibilizando o olhar crítico
diante das leituras de imagens, estabelecendo relações de mediação entre o discurso e a produção.
Alcançamos nossos objetivos quando propiciamos o diálogo entre o conteúdo de Arte aprendido no 5º ano,
especificamente nesta escola, dando ênfase ao processo de criação, utilizando suas próprias experiências artísticas
como mediadoras nessa proposta. Ficamos felizes em perceber que dentro do universo da sala de aula foi possível
realizar em pouco tempo a aplicação de uma linguagem que para nós num primeiro momento era uma novidade, mas
que aos poucos, junto aos alunos nos foi possível construir um saber novo. Compreendemos que ainda há muito que
se pesquisar e aprofundar quanto aos conceitos acerca do livro de artista, principalmente no que se refere ao universo
escolar, mas temos a certeza de que o primeiro passo foi dado em busca desse entendimento. Os desdobramentos do
livro de artista por hora deixam conceitos teóricos inconclusos, que consideramos apenas uma mola impulsionadora
de outras reflexões que visam um maior aprofundamento no conceito e nomenclatura de livros de artista. O relato do
presente trabalho respondeu a questão principal deste estudo que demonstra a elaboração de cada processo de cria-
ção. Assim, ao mostrar estas diferenças, concluímos que a individualidade em cada produção mostra-se diversa no seu
produzir. Cada ser é complexo e esta particularidade se reflete no ato criador.
Por fim aprendemos muito com essa experiência, na certeza de que é possível trabalhar conteúdos inovadores em sala
de aula; afim de que, cada um, dentro de sua experiência individual, possa construir seu próprio percurso criativo.

167
Referências Bibliográficas
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Tathiana Campos Martins

Formada em Artes Plásticas e em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo, atua como professora de
Artes da rede particular de ensino de 2006 a 2014 e na rede municipal de Vitória como professora efetiva desde 2013
até a presente data.

Dianni Pereira de Oliveira


Mestra em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação / UFES e licenciada plena em Artes Visuais pela
Universidade Federal do Espírito Santo, atuou como professora de Artes na rede particular de ensino de Vitória de
2007 a 2010. Professora substituta de Didática e Estágio do Ensino das Artes no Departamento de Educação da UFES,
pesquisa relações de experiência e memória presentes nos desenhos de crianças que assistem desenhos animados.

168
MEMÓRIAS IMAGÉTICAS: POR UMA METODOLOGIA DA
PRESENÇA NO ENSINO DA ARTE
Fernanda Monteiro Barreto Camargo (UFES)
Gerda Margit Schutz Foerest(UFES)

RESUMO
O presente trabalho trata da temática “modos de ser professor na contemporaneidade” na medida em que
apresenta reflexões de uma proposta metodológica mediada pela presença e parceria entre o professor
de arte e o professor regente. Trata-se dos resultados parciais da pesquisa de doutorado, iniciadas no ano
de 2010, sobre a presença do professor de artes na sala de aula atuando em conjunto com o professor de
regente no ensino no ensino fundamental A referida pesquisa foi realizada em um período de quatro anos
tendo com atores alunos do 4º ano da Escola de Ensino Fundamental do município de Serra – ES. Ao final
propõe-se uma parceria entre professor de arte e professor regente na tentativa de sanar a lacuna que
ocorre na imersão deste profissional no ambiente escolar. Concluiu-se, dentre outros conceitos, da importân-
cia do professor de arte como agente do programa e parceiro nas propostas de ensino.
Palavras-chave: Ensino. Arte. Mediação. Fundamental. Mediação.

ABSTRACT
The present work deals with the theme “ways of being teacher in contemporary times” in that it presents
reflections of a methodological proposal mediated by the presence and partnership between the art teach-
er and the Regent’s professor. These are the partial results of doctoral research, initiated in the year 2010,
about the presence of the Arts teacher in the classroom working in conjunction with the Regent teacher
in teaching in elementary school that research was conducted over a period of four years and fourth-year
students of actors of the Elementary School in the municipality of Serra-ES. At the end it is proposed a
partnership between art teacher and Regent’s professor in an attempt to remedy the gap that occurs in this
professional immersion in the school environment. It was concluded, among other concepts, the importance
of professor of art as an agent of the program and partner education proposals.
Keywords:. Teaching. Art. Mediation. Fundamental. Mediation.

Introdução
No artigo Memórias imagéticas: por uma metodologia da presença no ensino da arte tem como tema gerador a ressig-
nificação das memórias imagéticas infantis nas relações de ensino-aprendizagem mediadas pela Arte. Indaga de que
maneira as memórias imagéticas estão presentes e fazem parte das práticas pedagógicas no contexto de séries iniciais
do Ensino Fundamental, evidenciando narrativas singulares das crianças. Investiga, em uma classe de crianças do 4º
ano das séries iniciais do Ensino Fundamental, as memórias imagéticas cultivadas e silenciadas em contexto escolar.
Integra a linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-Ufes).
Revisitamos1 os lugares, os sujeitos e as práticas depois de quatro anos com o objetivo de, mediadas pelas memórias
imagéticas, redimensionar as indagações na pergunta que norteia a pesquisa: de que maneira as memórias imagéticas
estão presentes nas práticas pedagógicas no contexto de séries iniciais do ensino fundamental evidenciando narrati-
vas singulares das crianças? O ápice do projeto consistiu no retorno e acompanhamento ao grupo pesquisado no ano
de 2010. Foram observadas 27 crianças com idade entre 9 e 11 anos, da 4ª série A, da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Centro Educacional Jacaraípe, durante os anos de 2012 e 2013, tanto nas aulas de Arte, com a presença
da professora dessa disciplina, como e em aulas do ciclo normal, como na presença da professora regente, e também
em outros os espaços/tempos da escola: pátio durante o recreio, aulas de Educação Física e eventos promovidos ao

169
longo da pesquisa Assim, participação das crianças na presente pesquisa foi previamente autorizada pelos pais e re-
sponsáveis.
A tese teve como principal objetivo analisar como as memórias imagéticas colaboram nas práticas educativas em
contexto de séries iniciais do Ensino Fundamental na produção das narrativas infantis. Buscamos alcançar os seguintes
objetivos específicos: a) Recobrar memórias imagéticas evidenciadas em intervenção realizada na turma no ano de
2010; b) Discutir as narrativas presentes nos ambientes da escola e c) Analisar a relação entre a prática pedagógica e
a mediação da Arte na formação dos sujeitos partindo do trabalho colaborativo do professor de Arte com o professor
regente.
O conceito de memória imagética adquire um importante papel metodológico nesta pesquisa, dimensionado princi-
palmente por Damásio (1996) e Halbwachs (2006). Da perspectiva freiriana (1980, 1981, 1984, 1992, 1996, 2005, 2008,
2010,2011) surgem as análises das relações em sala de aula e a construção do conhecimento pelos sujeitos. Busca es-
tabelecer diálogos com Vigotski (1988, 1991, 1993, 1998, 2001, 2009, 2010) e as mediações entre afetividade e conhe-
cimento tratados; Benjamin (1984, 1985, 1991,1993, 1994, 2002, 2005, 2011) e os conceitos de narrativa e experiência;
Agamben (2008), Vasconcellos (2005, 2007), Lopes (2005, 2007) e Sarmento (1997, 2000, 2003,2007,2008) sobre infân-
cias e seus espaços.

1.O início da pesquisa


Partimos2 de indagações surgidas ao longo do Mestrado em Educação, no ano de 2010. Retomamos o diálogo com o
contexto, a problemática e o tema da dissertação, a saber: as mediações na leitura de imagens em aulas de Arte por
crianças em séries iniciais do Ensino Fundamental. Contudo, passados quatro anos, a discussão se redimensiona na
perspectiva de compreendermos de que maneira as memórias imagéticas estão presentes nas práticas pedagógicas no
contexto de séries iniciais do Ensino Fundamental evidenciando narrativas singulares das crianças.
Na pesquisa inicial, realizamos uma intervenção a partir das obras do artista Elpídio Malaquias, em uma turma do pri-
meiro ano da Escola de Ensino Fundamental do município de Serra no Estado do Espírito Santo,3 durante as aulas de
Arte. Buscávamos compreender como as imagens no ambiente escolar se fazem presentes nas produções dos alunos,
elaboradas nas mediações entre crianças – professor; crianças – livro didático; crianças – crianças; crianças – e ima-
gens expostas. Três bases conceituais constituíram aquele estudo: infâncias, na perspectiva da Sociologia da Infância e
diálogos com Kramer, Vasconcellos, Sarmento e Lopes; “imagens-Arte” a partir dos estudos de Barbosa, Ciavatta, San-
taella e Schütz–Foerste; e “estranhamento-mediação” tendo como principais referênciais Vigotski, Benjamin e Lukács.
A intervenção, com base em obras de Elpídio Malaquias, provocou importantes experiências estéticas, interações entre
os sujeitos da pesquisa e, principalmente, a expressão das crianças, por meio de desenhos e falas, em comunicação
intensa. A pesquisa inicial analisou os processos de criação mediados pelas obras de Malaquias e buscou compreender,
na expressão da criança, os possíveis estranhamentos e reconhecimentos manifestados na produção infantil. Nela
reconhecemos que as imagens presentes em ambiente escolar são instrumento de dominação ideológica, o que lhes
confere um papel importante nas mediações pedagógicas. Todavia, a mediação pedagógica de imagens artísticas
ainda é negligenciada em todas as esferas de ensino, desde a elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) até as
práticas cotidianas de sala em aula.
De maneira geral, isso fez e ainda faz com que as práticas pedagógicas da escola abafem, ao longo do processo de
formação das séries inicias, as vozes das crianças e suas narrativas. Esse fato pode ser comprovado por dados sobre o
índice de repetência e abandono dos alunos.
Logo, aquele estudo reafirmou a necessidade de ações que contemplassem as particularidades das séries iniciais do
Ensino Fundamental, em especial, na compreensão das infâncias presentes naquele espaço e, ao mesmo tempo, enfati-
zou o lugar da Arte na provocação de estranhamento que impulsiona o processo reflexivo e criativo. Nas experiências
culturais, especialmente pelas memórias provocadas nas aulas de Arte, houve a possibilidade de recuperar as narrati-
vas das crianças por meio de suas produções imagéticas.
Assim, a partir da compreensão do valor da produção das crianças, propomos uma reflexão sobre as bases da con-
strução filosófico-metodológica do ensino da Arte nas séries iniciais, indicando que a referência deve estar nas neces-
sidades das crianças que são mediadas, diariamente, por informações sociais, culturais, morais, educacionais e psi-
cológicas, a fim de que possam expressar, em suas produções, a leitura de suas próprias histórias.
Pensando na constituição sócio-histórico-cultural dos sujeitos envolvidos, propusemos uma pesquisa de abordagem
qualitativa com o referencial histórico-cultural na dialética materialista, sobretudo procurando entender as crianças
como sujeitos sociais, com capacidade de expressão, que necessitam participar de todo o processo orgânico vivo medi-
ado pelo ensino da Arte.

170
Compreendemos que os métodos devem conquistar os objetivos da pesquisa mas, ao mesmo tempo, espelhar respons-
abilidade e ética. Sendo assim, procuramos respeitar a dinâmica escolar, ainda que produzindo um movimento difer-
ente no ambiente pesquisado e no sujeito/objeto da pesquisa.
Portanto, por uma pesquisa colaborativa no qual houvesse o contato direto com a fonte dos dados. Segundo Ibiapi-
na (2008, p.32) “[...] a pesquisa colaborativa propõe-se a reconciliar o professor com o pesquisador e a construção de
saberes com a formação continuada”, promovendo um diálogo entre o papel social da escola, a leitura da infância e as
práticas de ensino da Arte.
Como prática metodológica, optamos pela retomada das pesquisas iniciadas no período de Mestrado e o retorno à es-
cola, a fim de dialogar com a produção que outrora fora construída pelos alunos, vivenciando um movimento dialético.
Buscamos ESCUTAR4 os sujeitos deste processo, a saber: crianças, professores, coordenadores, pedagogos e a diretora,
retomando, sempre que possível, suas falas no texto.
Cabe aqui uma confissão acerca da metodologia proposta. O planejamento inicial para a produção e coleta de dados
foi uma pesquisa com intervenção utilizando o vídeo produzido ao final da pesquisa de Mestrado. Na prática, consistia
em estar na sala uma vez por semana e acompanhar a turma ao longo de dois anos, primeiro de forma geral, com to-
dos os alunos e, no ano seguinte, apenas com Lázaro.
Contudo, entrar no campo de pesquisa e não se envolver ou ser tomado por ele é praticamente impossível e, na medi-
da em que os dias passavam, as idas à escola tornaram-se mais frequentes, assim como nosso tempo de permanência.
O que seria uma hora inicial passou para quatro horas diárias. De um dia por semana, para quatro. Logo, as relações
que se iniciaram no dia 2 de fevereiro de 2012 e foram concluídas em meados de 2013.
Ao todo, foram 60 visitas de pesquisa de campo, organizadas entre observação, execução e elaboração de texto.
Quarenta e duas delas diretamente com os alunos da 4ª série, o que se configurou em um farto material de consulta.
No decorrer do processo, os dados produzidos pela pesquisadora foram predominantemente descritivos. Pessoas,
situações, acontecimentos, fotografias, desenhos e documentos foram levantados, sistematizados e analisados. Dessa
forma, propusemos os seguintes procedimentos metodológicos de investigação: a) a observação nas aulas de Arte, con-
siderando as crianças inseridas no grupo; b) as entrevistas individuais com alunos, professores da turma e pedagoga; c)
as mediações imagéticas, com registro de momentos para assistir aos vídeos, produzir e analisar imagens e as práticas
educativas; d) a ação colaborativa entre a pesquisadora e a professora regente, visando a intensificar os contatos e
trocas de conhecimentos entre os sujeitos.
Uma das ações realizadas para a produção de dados foi a exibição de um vídeo cujas imagens estavam relacionadas
com os resultados finais da dissertação. Nesta pesquisa, a intenção era recobrar memórias vivenciadas no ano de 2010
e, quem sabe, provocar uma tomada de decisão, um comprometimento dos sujeitos com o coletivo, segundo Chklovski
(apud NOBRE, 1995, p. 15) “A Arte como meio de experimentar o devir do objeto, no que já é passado”. Dessa forma, a
exibição do vídeo teve como objetivo cultivar memórias, possibilitar sensações de reconhecimento e repúdio, auxilian-
do a continuidade da pesquisa. Paralelamente, coletamos informações nos documentos da secretaria escolar acerca do
movimento ocorrido com a turma original: suas progressões, retenções, trocas, desistências, transferências, entre outros
dados relevantes para a composição do caminhar do grupo, que serão apresentados no Capítulo I, no qual trataremos
dos sujeitos da pesquisa.
Foram vários os caminhos percorridos até a elaboração da proposta final de ação. Muitas horas de filmagens, por isso
estabelecemos dois critérios para justificar a seleção dos eventos que compõem esta escrita: relevância para atender
aos objetivos propostos e afinidades temáticas.
Assim, para que o tratado acadêmico se conclua, trouxemos para o texto cinco ações que ocorreram ao longo da colab-
oração, que aqui serão chamadas de movimentos. São eles: Bolo de Chocolate, História em Quadrinhos, Africanidades,
Produção Textual e Festa de Confraternização.
Segundo Vigotski (2009), tanto os fatores emocionais quanto os intelectuais são imprescindíveis para o ato de criação
e cognição. O autor ressalta que aspectos que compõem a atividade realizada pela imaginação criadora começam por
percepções externas e internas engendrando, gradativamente, a dissociação, a ressignificação e a associação ou com-
binação de memórias imagéticas individuais, podendo culminar na realização de um círculo completo e concluso nas
memórias coletivas.
[...] a imaginação adquire uma função muito importante no comportamento e no desenvolvimento humano.
Ela transforma-se em meio de ampliação da experiência de um indivíduo porque, tendo por base a narração
ou a descrição de outrem, ele pode imaginar o que não viu, o que não vivenciou diretamente em sua ex-
periência pessoal (VIGOTSKI, 2009, p. 25).

171
Logo, as mediações do meio sociocultural circundante na concretização da imaginação são apontadas como fator
determinante na compreensão do processo criativo. São parte da complexidade das relações afetivas e caracterizam-se
por práticas sociais que geram mudanças. Assim, ao nos ser possibilitado o retorno ao espaço pesquisado, novas
relações foram constituídas a partir de experiências vivenciadas pelos sujeitos antigos e novos, reelaboradas em outro
tempo e narradas de forma irrepetível.
Por isso, torna-se importante uma visita constante à nossa própria história, tanto quanto aos processos compartilha-
dos na pesquisa inicial, que promovem reflexões sobre memórias5 individuais e coletivas. Benjamin (1984) questiona
a concepção moderna que torna a experiência humana medíocre, que produz o declínio da faculdade de intercambiar
experiências desse ser humano coisificado, o que acaba redundando no empobrecimento da sua humanidade e arri-
scando extinguir a própria arte de narrar, no sentido de rememorar.
Considerando que o declínio da narrativa se vincula à perda gradativa de memória e se liga ao fato de o ser humano
não se ver como parte da história, reforçamos aqui a necessidade da rememoração e da reconstrução das práticas ped-
agógicas.

2. Metodologia do retorno
Revisitamos discentes e docentes que compuseram a pesquisa inicial com a turma além do próprio texto escrito, bus-
cando os vestígios deixados em/nas suas memórias para compreender como tais memórias se manifestam nas práticas
pedagógicas no contexto de séries iniciais do Ensino Fundamental, corroborando com as narrativas das crianças. Ao
mesmo tempo, queríamos dimensionar o contexto da pesquisa na atualidade, seus sujeitos, práticas e perspectivas.
Localizamos geograficamente o leitor, situando-o nas condições da pesquisa: público-alvo, os sujeitos com os quais
dialogamos ao longo dos quinze meses de pesquisa de campo no contexto econômico do bairro.
Tal ideia surgiu das leituras de Freire (2008) e Benjamin (1991), diálogos com a orientadora e Caeiro (s/d). Mudar,6 mui-
to ou pouco, parece fazer parte do processo de formação e reformação. Para Freire (2008, p. 49), o ser humano é capaz
de agir e de transformar a realidade, porque ele “existe” e não apenas “vive”, uma vez que não se reduz “[...] a uma das
dimensões de que participa – a natural e a cultural – [...] o ser humano pode ser eminentemente interferido”. Por ser
um ente de relações, o ser humano se integra, participa, age. Essa integração, no entanto, “[...] se aperfeiçoa na medida
em que a consciência se torna crítica” (FREIRE, 2008, p. 50).
Esse aperfeiçoamento não é, portanto, algo que aconteça naturalmente. É uma luta pela humanização, para afastar o
indivíduo daquilo que é da esfera animal, que o faz acomodado ou ajustado. Uma luta contra a renúncia à capacidade
de decidir, contra a massificação, a coisificação que, no entanto, requer uma “[...] permanente atitude crítica, único modo
pelo qual o ser humano realizará sua vocação natural de integrar-se, superando a atitude do simples ajustamento ou
acomodação apreendendo temas e tarefas de sua época” (FREIRE, 2008, p. 52).
Intrinsecamente ligadas a essas questões, são construídas as severas críticas que Freire esboça à educação bancária,
sobretudo na obra “Pedagogia do oprimido”. Segundo ele, se o ser humano é esse que se constitui a partir da própria
transformação da realidade, a educação deve refletir esse movimento.
Até então, os processos de intervenção educativos percebidos por eles não refletiam isso. Ao contrário, era uma con-
cepção produtivista e alienante da prática e consciência social. Freire denomina essa prática de “educação bancária”.
Nela o educando é coisificado, transformando-se em ser passivo.
Na educação bancária, o saber se descola do próprio potencial político-existencial do ato de educar – a marca da
morte do sujeito como ser autônomo e consciente é um traço que Freire (2005, p.75) distingue aqui ao nos explicar
que tal concepção bancária “[...] no momento em que se funda num conceito mecânico, estático, especializado da con-
sciência e em que transforma, por isso mesmo, os educandos em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua
marca necrófila”.
Diferentemente disso, uma educação autêntica é aquela em que se lança outro olhar para o mundo que liga o educa-
dor e o educando, abarcando novas possibilidades cognitivas, éticas e estéticas – que estão entrelaçadas em um movi-
mento contínuo de pulsão característico da existência como movimento da vida.
Freire, na verdade, está dizendo algo que todo aparato técnico e científico construído pela modernidade não deu conta
de fazer – ou sequer possibilitou o espaço para ser pensado: é preciso produzir uma educação que, ao mesmo tempo
em que seja crítica e problematizadora, seja mais humana, experimentada.
Também para Benjamin (1991) experiência (erfauhrung) tem relação com a história do sujeito e esta promove uma
descoberta individual em um fluxo de correspondências alimentadas pela memória. Por isso, refletir, revisitar, reavaliar

172
nossas ações foi tão importante no processo de reconhecimento das memórias imagéticas e (re) elaboração das práti-
cas pedagogias escolares.
Ao refletir sobre minhas práticas, passei a um estágio de autoconhecimento. Segundo Freire (2008) fui agente de
minha própria recuperação em uma postura conscientemente crítica diante de meus “problemas”. Para Freire (2008),
faz-se necessário proporcionar ao sujeito sua emersão de forma plenamente consciente e crítica, e essa ação só acon-
tece por meio da educação, mas de uma educação “corajosa”, propondo ao professor e ao aluno a reflexão sobre si
mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no novo clima cultural da época de transição.
Uma educação que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio poder de refletir e que tivesse sua instru-
mentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de
que decorreria sua capacidade de opção. Educação que levasse em consideração os vários graus de poder
de captação do ser humano brasileiro da mais alta importância no sentido de sua humanização (FREIRE,
2008, p. 65).
Em dado momento da pesquisa e escrita, tornou-se inviável criar novos passos sem que, contudo, fossem reavaliadas
práticas que passaram a ser mediadas por outros olhares e experiências. Sendo assim, uma das possíveis mediações
propostas entre o sujeito (criança) e o fato (imagens) deu-se pelo estranhamento que cria novas possibilidades de
crescimento e de saídas a determinadas situações. A superação de uma situação social estranhada gerou uma nova
forma de estranhamento que superou aquela precedente, e diante da qual antigas tentativas experimentadas se mos-
traram impotentes. Trata-se aqui do estranhamento que promove no sujeito um novo olhar sobre a situação, um olhar
amplo, um olhar que estimula novas possibilidades de expressão.
Pensando em tais possibilidades, em 2012, retornei à escola no dia 1º de março de 2012, a fim de reencontrar a turma
e apresentar novas propostas. Fui no período da manhã, pois, anteriormente, a turma observada era do turno matutino
e acreditei que a maior parte dos alunos ainda estivesse matriculada no mesmo turno.
Para reconhecer os ambientes e seus sujeitos, decidi percorrer os andares da escola. Ao passar pela porta da 4ª série A,
da professora Selma Neves F. Nascimento, que aqui será chamada de “Tia Selma”, ouvi:
-- Olha, é a tia de <Arti>”.
-- Tia de <Arti>. Tia de <Arti>. É você mesmo?
(Diário de campo,1-3-2012)

Ao mesmo tempo, todos os alunos, inclusive aqueles que não me conheciam, vieram ao meu encontro na porta da sala.
Maior foi nossa alegria quando a professora surgiu, pois ela havia sido uma das que participou da pesquisa inicial e
com a qual havia instituído um bom relacionamento. Incide também o fato de a “Tia Selma” ser uma das mais antigas
professoras da escola e atuar há mais tempo com séries iniciais do Ensino Fundamental. Múltiplas vozes e discursos
carregados de memórias e histórias que, segundo Benjamin (1984), constituem o que nos impulsiona para a razão, per-
mitindo-nos encontrar, no passado, memórias imagéticas a fim de enriquecer nosso presente e ressigificá-lo em uma
nova experiência contável. Após aquele momento, tive convicção de que existem distâncias e afastamentos que são
preenchidos no momento do encontro entre memórias e histórias.

3. Considerações em aberta
Investigando as relações possibilitadas pelo ensino da Arte em turmas de séries iniciais do Ensino Fundamental, a par-
tir de uma docência colaborativa entre professora regente e professora de Arte, levantamos as memórias imagéticas
das crianças, estabelecemos analogias entre as produções, artigos, dissertações e teses que tratam das infâncias, nar-
rativas e memórias imagéticas mediadas pelo ensino da Arte. Assim, as narrativas presentes nos ambientes da escola e
as relações entre prática pedagógica e cognição mediadas pelo ensino da Arte na formação dos sujeitos.
Após alguns meses de reflexões teóricas, práticas e práxis, ainda que por certezas momentâneas e considerações em
aberto, sei por quais caminhos devemos andar, se desejamos dias melhores.
O próximo desafio se relaciona à busca da ampliação do trabalho colaborativo que hoje se delineia enquanto processo
investigativo e de formação continuada 7no município de Serra com a participação da pesquisadora.
Quando ousamos falar de infâncias e seus espaços em séries iniciais do Ensino Fundamental, sabíamos dos riscos
que estávamos correndo. Consciente dos percalços da pesquisa, mas segura daquilo que queríamos investigar, ancora-
mo-nos em um processo autoformativo que prevê momentos de enfrentamento e reflexão.

173
Diante da predominância das pesquisas relativas ao tema, cujo eixo é infância, precisamos observar outro lado, além
da possibilidade de revisitar a dissertação e a partir dela encontrarmos lacunas, encontros e desencontros deixados
em uma escrita ainda em construção.
Ao longo do processo de escrita, muitas vezes ouvimos nossa consciência dizendo: “Mas como fizemos isso”? “Por que
não vimos isto?”. Tais contradições fizeram com que a pesquisa ganhasse um caráter autorreflexivo, especialmente na
necessidade de ressignificação das práticas que permeiam as relações de ensino-aprendizagem em Arte e que, em al-
guns momentos, apagam a presença dos sujeitos e suas narrativas, empobrecendo as relações, transformando crianças
em dados, sujeitos em números, práticas docentes em projetos, levando-nos à questão geradora da tese: de que manei-
ra as memórias imagéticas estão presentes nas práticas pedagógicas no contexto de séries iniciais do Ensino Funda-
mental evidenciando narrativas singulares das crianças?
No momento em que, em parceria com o grupo de pesquisa Imagem, Tecnologias e Infâncias,8 decidimos pelo regres-
so à turma pesquisada em 2010 para continuar a pesquisa, até as longas reuniões nas quais apresentávamos nossos
anseios à orientadora, tudo se tornou uma prática do dialogismo proposta por Bakthin (1998), nas muitas vozes do
discurso e da dialética marxiana.
Freitas (2007) diz que grandes questões giram em torno das pesquisas contemporâneas, porém, em uma especial re-
side o pensamento de diversidade proposto por Bakhtin: a articulação entre a ética e a criação, ambas em uma relação
de alteridade. Alteridade9 presente em todos os discursos, uma completude de pensamento, o outro no eu, e o eu no
outro. Na produção de conhecimento, não existe um único discurso, mas uma arena onde os sujeitos, analisados e anal-
isando, se confrontam continuamente. É a tensão entre a translucidez da pesquisa e a opacidade das relações o grande
objeto de estudo nas ciências humanas. Hoje caminho repleta do que vi, vivi e quanto sou.
Transitando entre o presente e o passado, as memórias imagéticas emergiram na tese como mediadoras de uma nova
construção a partir das experiências vividas externamente. Vigotski (2010) alinha imaginação e pensamento, elimi-
nando contradições duais entre externo e interno e apresenta um tratado sobre emoções na medida em que ambas
assumem seu papel na esfera da cognição e no movimento de criação. Sentimento e conhecimento, emoção e cognição
estão ligados às histórias e às relações sociais de produção dos sujeitos,
A imaginação não se reduz ao devaneio ou a uma capacidade fantasiosa de caráter estritamente individual.
Seu desenvolvimento é de natureza social. Integrando o sistema de funções psicológicas superiores, ela se
articula à atividade voluntária e à elaboração da consciência. Tem, portanto, papel Fundamental na orien-
tação das ações e na construção da vontade–social, individual–viabilizando e potencializando a realização
de projetos e a produção do novo (VIGOTSKI, 2009, p. 59).
Logo, nos diferentes meios sociais, em momentos adversos e em tempos diferentes, os sentimentos apresentam-se de
maneiras distinta, provocando maior ou menor grau de construção do conhecimento.
Responder de que maneira as memórias imagéticas estão presentes nas práticas pedagógicas no contexto de séries
iniciais do Ensino Fundamental, evidenciando narrativas singulares das crianças, é também pensar nos movimentos
afetivos dentro do ambiente escolar. Pensar em emoções ligadas às experiências faz-nos repesar em ações que visam à
formação única de conteúdo disciplinar, sem que se perceba a complexidade ontológica existente nas relações educa-
cionais.
Ao contrário dos determinismos e reducionismos sociais, Vigotski (2010) acredita que as relações complexas entre o
cognitivo e o emotivo estão ligadas à aprendizagem, tecidas com as normas e os valores culturais dos sujeitos envolvi-
dos. Logo, vivências, narrativas, afetividades assumem caráter social, diretamente relacionado aqui com as práticas ped-
agógicas presentes no ambiente escolar. Tais práticas movimentam-se também pelo envolvimento de uns com/para
outros. Isentar o processo educativo de emoções, acreditando que o professor deve ser somente produtor de conteúdo,
e não amigo, algumas vezes mãe, psicólogo e confidente, tem sido uma grande lacuna da educação.
Somos histórias e não números de matrícula. Ao longo da pesquisa, descobrimos que tudo quanto sou, neste instan-
te em que pensamos o texto, constitui-se nas relações que criamos ao longo dos anos de pesquisa. Somos seres em
movimento, reflexão que, em alguns momentos, nos levaram a imensos desertos. Freire (2010) sentou-se à sombra da
mangueira, e eu, debaixo de um ventilador, tentando ponderar nossas próprias ações em um lugar do não conhecimen-
to. Assim, entre histórias antigas e recentes, revisitamos sujeitos que nos conduziram, em pensamento, para o lugar das
mediações.
Quer nas mediações de Vigotski, quer nas relações de Freire, quer nas narrativas de Benjamin, percorremos memórias
imagéticas para compreendermos quais narrativas infantis estão apagadas no ambiente escolar. Mesmo que documen-
tos oficiais garantam suas visibilidades, frequentemente as falas de muitos alunos são esquecidas e apagadas, diluindo
saberes e vivências. Por certo uma disciplina que resgate isso não pode ser isenta do valor do professor que a ministra.
Arte, Português, História, Geografia, Matemática ou Educação Física promovem conhecimento quando atuam mediadas

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pelas emoções, internalizando conceitos, promovendo o desenvolvimento de uma das funções psicológicas superiores:
cognição.
Defendemos aqui a ideia do professor educador, solidário às necessidades básicas das infâncias, a saber: respeito,
carinho, atenção e educação. Aquelas garantidas por leis, mas, como tantas outras leis de nosso país, esquecidas nos
papéis, longe das ações.
Ao recuperar as memórias infantis, a partir de imagens, cheiros e falas, podemos perceber que o motor do processo se
constituiu muito mais nas relações de afetividade do que naquela em que o conteúdo fora apresentado de forma clara,
interessante e com uma proposta de intervenção bem elaborada. Vygotsky (2009) reflita sobre a ideia de que tanto os
fatores emocionais quanto os intelectuais são imprescindíveis para o ato de criação.
Dessa forma, ao investigar a atividade de criação humana, Vigotski (2004) diz que toda obra da imaginação se con-
strói de elementos tomados da realidade; a própria experiência apoia-se na imaginação para interpretar a realidade;
o caráter emocional interfere dialeticamente na relação entre imaginação e realidade, ora determinando a atividade
imaginativa, ora sofrendo influência contrária, pois a imaginação também influi no sentimento; e a imaginação, quando
se cristaliza em objetos ou obras, provoca alterações na realidade.
Não foi Malaquias que trouxe à memória o que se havia realizado, mas a presença da “tia de Arti”, que sentava no chão,
brincava e contava história. Mais do que uma história de produção, produzimos uma história rememorada a partir dos
encontros e recontada nas memórias coletivas. Então a Arte não veio como disciplina, com 40 minutos de efetivos con-
teúdo, mas estava no processo, interagindo, mediando, produzindo com /para elas.
Acreditamos que educar é uma tarefa contínua e incessante de se inserir e compreender a realidade, preparando os
indivíduos para os conflitos expressos pela vida cotidiana e pela reprodução social em estado de devir. Em outras
palavras, é conduzir o indivíduo ao coletivo. Tarefa conquistada pelo processo relacional de diálogo indireto e também
direto entre as memórias produzidas pelas gerações anteriores e as novas possibilidades ofertadas também pela Arte.
Defendemos o ensino da Arte como Componente Curricular Obrigatório da Educação Básica, e qualquer relação que se
queira estabelecer entre a Arte e a educação como esferas relacionais deve principiar pela consideração de que ambas
foram gestadas pela atividade principal do ser humano: o trabalho. É o trabalho que possibilita ao ser humano pensar
em relações para além das esferas utilitárias e de subsistência, marca característica da Arte e da educação, quando
consideradas como fenômenos humanizadores. Por isso, o ensino da Arte precisa estar embasado em um planejamento
metodológico em que se revele a intencionalidade do processo educacional. Tal revelar acontece pela mediação, cujo
princípio dialético e permite que o imediato (o cotidiano) seja superado pelo mediato (o objeto da Arte e da educação,
a citar: o saber acumulado) e a ele volte, porém, com uma nova compreensão de seus processos constituintes.
Na organização metodologia, o uso das imagens, visual ou verbal, nas aulas de Arte está muito além da necessidade,
mas tem a ver com o sentido, o ensino que, associado a uma prática conduz ao desenvolvimento do pensamento. Se-
gundo Barbosa (1991) e Foerste (2004), é imprescindível o contato do indivíduo com a obra de Arte, pois ela prepara-o
para o entendimento do mundo que o cerca. “A leitura das obras de Arte favorece também uma leitura do mundo das
imagens, sejam elas artísticas ou não” (FOERSTE, 2004, p. 95).
O conhecer artístico é parte integrante do processo de construção do conhecimento no ensino da Arte, mas não é o
único. A experimentação também é um aspecto de grande relevância na exploração das matérias, formas e possibili-
dades expressivas. Arte ligada ao fazer, ao conhecer, ao experimentar e, mais ainda, ao recriar.
Intercedemos em favor de uma prática pedagógica que evidencie as memórias imagéticas no contexto de séries inici-
ais do Ensino Fundamental reinventadas nas narrativas singulares das crianças. Dessa feita, o ensino da Arte na sala de
aula deve, para além da mesmice, mimese, copismo ou repetição, levar a criança a um degrau acima em sua construção
de valores culturais e possibilitar o estranhamento em seus olhares.
Assim, o ensino da Arte não pode somente limitar-se aos 40 ou 50 minutos semanais de aula; precisa estar presente
em todos os momentos da educação em séries iniciais, em suas múltiplas vozes, locais de coerção e produção de inter-
discursividades.
Não podemos agir de forma independente, com nossos próprios sentidos de informação. Foram ressignificações e
situações peculiares da escola. Foi um período de aprendizagem intensa e fortaleci a ideia da importância de olhar a
criança como sujeito histórico-social constituído pelas mediações pedagógicas, utilizando a memória imagética como
um caminho.
O ensino da Arte precisa estar articulado às demais disciplinas por meio da prática pedagógica colaborativa (IBIAPI-
NA, 2008), em que as escolhas dos conteúdos se dão de forma compartilhada e coletiva. Precisamos estar cientes dos
lugares e saberes de cada disciplina. Propomos que o professor regente trabalhe junto e com o professor de Arte. Ações
que envolvam o pedagogo, o regente de classe e o professor de Arte precisam ser tomadas conjuntamente.

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O ensino da Arte nas séries iniciais, está para além do auxílio às disciplinas ou ilustração de textos e decoração de
festas, devendo ter como objetivo promover o olhar de estranhamento. Barbosa (2002) assinalava questões sobre a
importância da Arte na formação social da criança. Aponta para o fato de que as mudanças ocorridas vieram reafirmar
o compromisso da Arte com a “cultura e história” (BARBOSA, 2002, p. 35). O que é bonito, feio, legal, interessante ou
comum para as crianças, sem dúvida, será definido por elas, contudo, por meio do ensino da Arte, elas terão a possib-
ilidade de sensibilização, de poieses, segundo Pareyson (1997). Afinal, ao criar, as crianças são movidas pelo desejo de
realização que extrapola os limites culturais e faz com que o produto expresse o fruto do trabalho. Segundo Ostrower
(1983), a magia que permeia o processo de criação afeta a própria condição do sujeito e suas relações culturais.

(Endnotes)
1 A partir deste momento, utilizaremos o termo revisitar os sujeitos e seus lugares compreendendo que, apesar de o acompanhamento à turma ter sido por um
período longo, tais encaminhamentos permitiu-nos uma compreensão mais profunda sobre as mediações ocorridas com/pelos os sujeitos. Ainda assim, este
trabalho não se configura em uma pesquisa longitudinal. Os estudos longitudinais são muito usados na Psicologia, Medicina (em especial na Epidemiologia
de doenças) e também na Economia e Sociologia e geralmente se limitam a observar os elementos amostrais sem manipular fatores que possam alterar as
variáveis de interesse. Ao longo da pesquisa, não apenas houve o acompanhamento dos sujeitos e verificação das variantes, mas também a produção de novos
dados a partir da colaboração entre a pesquisadora e os sujeitos.
2 Torna-se necessária uma breve justificativa acerca da dinâmica da exposição. Por alguns momentos, deixa de ser aquela que tradicionalmente encontramos
em documentos acadêmicos, pois, por vezes, vai da terceira pessoa do singular e/ou plural para a primeira do singular. Tal tendência justifica-se pelo envolvi-
mento colaborativo da pesquisa e pelas práticas de produção e coleta de dados.
3 Cabe aqui uma breve explicação acerca da opção por identificar os sujeitos e os espaços pesquisados. Fundamentamo-nos em Kramer (2002, p.16): “[...]
mesmo quando o pesquisador não se considera como um militante ativo, mesmo quando não se interessa pela apropriação crítica de suas ideias ou pelo
delineamento de alternativas de ação baseadas nos seus estudos, só o fato de se deparar, na prática da pesquisa, com certas situações exige uma tomada de
posição. Nas ciências humanas e sociais, a neutralidade é não só um equívoco teórico, mas também uma impossibilidade prática; isto tem decorrências éticas
que merecem a nossa atenção e cuidado”. Assim, acreditamos que a identificação de tais sujeitos e locais é essencial para esta pesquisa, pois constitui-se no
procedimento metodológico de caracterização dos parceiros, seus tempos, geografias e culturas.
4 Do latim AUSCULTARE, significando, entre outros, ouvir com atenção.
5 O conceito de memória nesta pesquisa trata da memória ressignificada em um constante tornar-se novo, de forma a possibilitar novas experiências baseado
nas discussões de Le Goff (1984), Halbwachs( 2006) e Damásio( 1996), recriando e redimensionando as ações pedagógicas.
6 Mudar no sentido de trocar de lugar, alterar pensamento, deixar a zona de conforto epistemológico.
7 O projeto intitulado “Imagens aqui do meu lugar: memórias serranas” é elaborado em parceria entre o grupo de pesquisa Imagens, tecnologias e infâncias e
a Prefeitura Municipal de Serra.Registrado no Proex – Ufes, sob o nº 100199. Disponível em: < http://siex1.ufes.br/siex/AuditarCurso.do?id=4165>. Acesso em :
set. 2014.
8 Esse grupo de pesquisa desenvolve estudos na interface das pesquisas sobre imagens, tecnologias, educação, infâncias e linguagens. Realiza estudos sobre
as imagens como mediação na educação estético-visual dos sujeitos. As imagens são compreendidas como produto do trabalho do homem. Expressam e ma-
terializam-se em formas bi, tridimensionais e digitais. Estão presentes em grande oferta em nossa sociedade e constituem importante mediador na construção
de conceitos por criança, jovens e adultos. Os estudos desse grupo partem da problemática relacionada com a incipiente discussão sobre a imagem como
mediadora na educação. Investiga a educação imagético-estética humana em diferentes contextos de ensino, novas tecnologias da Comunicação e Informação,
movimentos sociais, escolas, na Educação Infantil, em classes de alfabetização e na formação de professores. Particularmente, as pesquisas são definidas no
trabalho colaborativo que se desenvolve na linha de pesquisa Educação e Linguagens, no Programa de Pós-Graduação em Educação, no Centro de Educação
da Universidade Federal do Espirito Santo. Para mais informações consultar, < http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo>.
9 Alteridade conceito bastante explorado por Bakthin.

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Fernanda Monteiro Barreto Camargo


Doutora e Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito
Santo. Graduada em Artes Plásticas – Educação Artística e Pedagogia (UFES). Atua como professora de artes da Edu-
cação Básica. Tutora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais, professora do ensino superior e pesquisadora do Grupo
de pesquisa Imagens, Infâncias e Tecnologias.

Gerda Margit Schutz Foerest


Pôs Doutora em Educação na Universidade de Siegen-Alemanha. Doutora em Educação para Universidade Federal Flu-
minense. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás. Professora assistente IV da Universidade Federal do
Espírito Santo. Integra o Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado e Doutorado em Educação
e dos cursos de Licenciatura em Artes Visuais e Pedagogia.

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MONUMENTOS EM AQUARELA - AS ÁGUAS DA ILHA DE VITÓRIA:
DO CHAFARIZ, DA BAÍA, DO MANGUE E DA TORNEIRA
Andrea Aparecida Della Valentina / PMV- UAB/UFES

RESUMO
A partir da pesquisa de três Patrimônios Culturais: o Convento de São Francisco de Vitória, o Convento da
Penha e o Chafariz da Capixaba, desenvolvemos nas aulas de Artes, um projeto interligando esses Mon-
umentos através das ÁGUAS que os circulam, e que fazem parte do contexto mais antigo de formação do
estado. Através de visitas a esses Bens Patrimoniais, situamos os monumentos em seu contexto original,
estimulamos os alunos a formular hipóteses acerca da paisagem natural e construída que existe em Vitória.
Nas aulas de Artes desenvolvemos atividades com o lápis aquarelável, a partir principalmente da visual-
ização do documentário “Rubens Matuck: a aquarela do Brasil”, no qual o artista demonstra a aplicação da
técnica aquarela em seus trabalhos.
Palavras chave: Patrimônio – Aquarela - Vitória - Artes

SOMMAIRE
En partant d’une recherche sur trois ensembles qui font partie du patrimoine culturel de l’état de l’Espírito
Santo – le couvent de Saint François de Vitória, le couvent de la Penha et la fontaine de la Capixaba – nous
avons developpé dans les cours d’Art un projet autour du thème des eaux. Tous les trois ensembles ont en
commun des rapports avec les eaux, qui les entourent, et aussi le fait qu’ils ont participé à la formation de
l’état. Après des visites à ces monuments, nous les avons présenté en classe aux élèves dans leur contexte
d’origine et ensuite nous les avons poussé à formuler des hypothèses autour du paysage naturel et constru-
it à Vitória. Finalement, nous avons proposé des activités pratiques avec du crayon teinté, ayant pour aide
notamment le documentaire “Rubens Matuck: l’aquarelle du Brésil”, où il démontre l’application de cette
technique.
Mots-clés: patrimoine – aquarelle – Vitória - Arts

1.INTRODUÇÃO
Desenvolvemos nas aulas de artes um projeto com duas turmas (cerca de sessenta alunos) do quinto ano do ensino
fundamental, acerca das águas que circulam a Ilha de Vitória. Por morarmos numa ilha, podemos avistar ÁGUAS de
muitos lugares: por exemplo, para chegarmos a nossa escola, que fica localizada no Bairro Maria Ortiz, fazendo parte
do manguezal, atravessamos a Ponte da Passagem, que está a cem metros da escola, e nesse momento avistamos o
canal de Camburi, local de encontro do mangue com o mar. Além disso, a Praia de Camburi fica a dois quilômetros do
bairro onde está localizada a escola. Assim, nesse trabalho ampliamos nossos olhares para além dos limites da escola
e do seu entorno, fazendo visitas a três importantes Patrimônios Culturais tombados e preservados, reconhecidamente
de grande valor histórico e afetivo para a Capital Vitória, e que se relacionam com nossas águas: o Convento de São
Francisco, localizado no Centro Histórico de Vitória, na Cidade Alta e o Convento de Nossa Senhora da Penha1, local-
izado em Vila Velha, distantes dez quilômetros entre si. Essas duas edificações são significativas, inicialmente pelo
seu estilo arquitetônico, passando pela sua localização geográfica e também por seu contexto histórico de construção
e existência até os dias de hoje, estando intimamente ligados ao contexto de formação e crescimento da cidade de
Vitória desde o século XVI.
A partir das constatações da nossa pesquisa, oportunizamos aos alunos estreitarem suas relações com a cidade e seus
patrimônios nas aulas de Artes, unindo a Educação Patrimonial e a expressão plástica e artística que esses monumen-
tos nos oferecem.
A disciplina Arte possibilita a apresentação não somente de artistas, sua vida e suas obras, mas também contribui para
a formação integral da criança, promovendo a vivencia com outras linguagens, a exemplo da leitura e da escrita, estim-
ulando-a a se expressar com conhecimento, sensibilidade e criatividade. As edificações estudadas e pesquisadas sobre-

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viveram ao tempo e à demolição e precisam ser valorizadas e preservadas para as gerações futuras, cabendo ao ensino
formal tomar partido dessa causa, com o direcionamento necessário para cada realidade escolar.
Nosso contexto estudado não ficou somente no passado histórico, afinal, a modernização da cidade tem início no final
do século XIX, causando muitas demolições impensadas. Por outro lado, em 2012 foram feitas descobertas arque-
ológicas em um desses monumentos, desvelando ainda mais seu passado, colocando-o em evidência, e nos levando a
estudá-lo mais a fundo em sala de aula – assunto inclusive noticiado na mídia televisiva. Essas duas edificações secu-
lares, os Conventos de São Francisco e de Nossa Senhora da Penha, se ligam historicamente, dado seu contexto religio-
so, de construção e proteção, estando separados pelas águas da baía de Vitória, e, mesmo envoltos por uma calmaria, se
tornaram marcos da passagem de vários tempos culturais acumulados na história daqueles que aqui residem, capixa-
bas ou não.
Estudando-os, acreditamos romper silêncios, valorizando nossos patrimônios culturais, e principalmente, enriquecen-
do, como dissemos, as aulas de Artes, pois todo processo foi desvelado junto dos alunos, tratando cada edificação com
sua especificidade, desenvolvendo, assim, sua percepção de forma lúdica com criatividade, expressos pela aplicação da
técnica da pintura em aquarela.
Este artigo é um convite para fazermos o percurso de dez quilômetros entre esses dois monumentos, atravessando
as águas que os separam entre a capital Vitória e a cidade de Vila Velha, fazendo uma parada no terceiro monumento
visitado, o Chafariz da Capixaba, localizado em Vitória, no Centro Histórico - Cidade Baixa, construído no mesmo nível
das águas da baía de Vitória. Ao longo da história da cidade, dos cinco chafarizes construídos para distribuir água aos
moradores, apenas esse resistiu ao tempo e à demolição, se tornando o único exemplar ainda existente na cidade. Ele
se localiza na entrada para o Parque da Gruta da Onça, numa região preservada da Mata Atlântica, e que ainda possui
nascentes de águas no Morro que o abasteciam.
Fazendo uso do lápis de escrever e de cor aquarelável, desenvolvemos atividades aproveitando as possibilidades
artísticas desses três monumentos nas aulas de artes. Partimos inicialmente de visitas monitoradas aos três patrimô-
nios culturais estudados e também de dois documentários da TV Escola. O primeiro é o vídeo de “Rubens Matuck: A
Aquarela no Brasil”, onde o artista conta a sua trajetória com o uso da tinta aquarela, com temas sobre a paisagem,
a pintura de memória e demonstra os tipos e uso dos pincéis, da aplicação da tinta aquarela e apresenta os tipos de
papéis. O outro documentário é “Cores Urbanas”, que discorre sobre o trabalho do artista Carlos Matuck, com sua pro-
dução e pesquisa sobre arte urbana, sua técnica em pintura mural, e nos conta sobre seu trabalho com o tema que
envolve as águas da baía de Santos, os barcos, o mar e o porto. Esses dois artistas foram escolhidos por fazerem uso de
temas que são próximos dos nossos alunos, pois também estamos no litoral, com a presença do mar, com belas pais-
agens, além dos navios e chegam e saem do porto, com esses temas, facilitamos a apropriação e o entendimento da
turma, assimilando ambas as técnicas de pintura, individualmente desenvolvida pelos artistas, e que vamos descrever
mais adiante.
Em seguida, propusemos aos alunos o desenvolvimento de sua apreciação estética inclusive acerca das obras do artis-
ta Benedito Calixto, momento de contato com a obra de arte em seu local, visto que grande parte das pinturas estuda-
das nas aulas de arte se dá através de reproduções. Esse momento, de apreciação das pinturas originais, no seu local
de pertencimento, fazendo parte do acervo permanente do Convento da Penha, pôde proporcionar uma recompensa
em busca da observação de análise de imagens, saindo de uma análise rotineira de imagens, feita em sala de aula. No-
tadamente as crianças sentiram-se envolvidas e encantadas com a proporção das pinturas a óleo do artista brasileiro,
que pintou paisagens e esteve aqui no estado entre os anos 1926 e 1927, inspirando a elaboração de diversas pais-
agens, inclusive de cenas capixabas que muito o impressionaram.

2. A CIDADE DE VITÓRIA E A IMPORTÂNCIA DAS SUAS ÁGUAS


A capital do estado do Espírito Santo, Vitória, em sua área central, abriga os sinais da ocupação mais antiga da cidade,
cujo território começou a ser edificado de forma mais consistente em 1551. A cidade possui 81 quilômetros quadrados
de área e é a maior de um arquipélago formado por outras 33 ilhas, sendo 24 costeiras, 02 oceânicas e 05 anexadas à
cidade por aterros. A Ilha de Vitória começou a ser povoada pelos colonos portugueses por volta de 1537, quando doa-
da pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho ao fidalgo Duarte Lemos, sendo chamada de Ilha de Santo Antônio pelos
portugueses e lha do Mel pelos indígenas que nela habitavam.
A Vila de Nossa Senhora da Vitória, segundo a tradição, foi fundada em 08 de setembro de 1551. O nome é uma
referência à expulsão definitiva dos índios para o interior do estado. Esta ilha tornou-se a capital e principal cidade
da capitania por razões estratégicas de defesa dos portugueses por estar exatamente de frente para a baía e também
pela exuberância da natureza, com água farta, abundante e limpa, vindas das nascentes espalhadas pelos morros que
circulam a cidade.

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O Centro da Cidade de Vitória originou-se do 1º núcleo de ocupação da Vila e, até meados do século XIX, permaneceu
como o principal trecho habitado da ilha. A antiga Vila, que nasceu ao redor das primeiras igrejas, deu lugar à Cidade
Colonial, dividida entre “parte baixa e parte alta”, hoje, chamadas Cidade Baixa e Cidade Alta, com placas indicativas
espalhadas pelo Centro Histórico de sua localização. Por sua vez, ampliou-se até inspirar o apelido de Cidade Presépio.
A cidade cresceu, e se modernizou com novas moradias, abandonando o estilo colonial, e hoje a encontramos num
ecletismo de tempo e de cultura.
Estudamos a história da cidade, destacando a formação da sua cultura ao longo dos anos, detalhando seus patrimônios
através de folders explicativos, ilustrações, analisando seus diferentes tipos de construção, atentando para os detalhes
num olhar longo e de trocas de informações, a leitura de mapas da cidade se fez necessária para observação das suas
distâncias. Isso permite também a percepção geográfica do município e a observação de áreas de aterro e do desmat-
amento de suas encostas, passando pela área de manguezal, notadamente significativa por se localizar no entorno
da cidade, fazendo parte do bairro e do dia a dia dos estudantes, que tem a área do mangue como sua área de lazer. A
paisagem do mangue teve destaque nas aulas de artes, com a apreciação de suas árvores, típicas do mangue, e de suas
águas, caminho este feito a pé entre escola e a residência e vice-versa, todos os dias.
A exemplo de Caus2, muitos autores ao escreverem sobre a Cidade de Vitória, relatam que, assim que os portugueses
chegaram à antiga Vila do Espírito Santo, acreditaram que se tratava da foz de um grande rio. Mas era uma baía maríti-
ma entre os morros Piratininga e Moreno, e ao longe se avistavam pequenas ilhas que posteriormente foram doadas.
A maior delas, a de Vitória, teve, em seu início, uma produção agrícola na área do Morro de São Francisco. A partir da
construção de casas, iniciou-se um núcleo habitacional, onde hoje chamamos Cidade Alta e parte das terras doadas aos
franciscanos, que em 1594 inauguraram seu Convento.
O morro que se seguia ao Convento recebeu o nome de Fonte Grande, por possuir as maiores fontes de água da região.
Essa água foi canalizada a partir de 1643, pelo guardião frei Paulo de Santo Antônio, considerado o construtor dos
aquedutos que abasteciam a cozinha do Convento, se tornando o primeiro local a ter água boa e canalizada na Ci-
dade. Essa água também era distribuída para os moradores locais através de um pequeno chafariz. E não só através de
Chafarizes era feito o abastecimento de água em Vitória. Do século XIX e início do século XX, utilizavam-se também
carroças, que transportavam água em barris. Os moradores enfrentavam filas, com seus baldes, latas ou panelas, retor-
nando com os seus vasilhames cheios de água para suas residências.
Vale lembrar que existiam cinco chafarizes na cidade: o da Fonte Grande, o da Capixaba, o da Lapa, o da Ladeira do Ch-
afariz e o de São Francisco, como dissemos, trazendo água da Fonte Grande. O único exemplar que está de pé até hoje
é o Chafariz da Capixaba. Nesse trabalho, não estudamos somente a utilização do Chafariz da Capixaba enquanto sua
função pública, de fornecer água conduzida da fonte, mas o estudamos enquanto um monumento, um Bem artístico e
arquitetônico, sendo referência para a cidade, dotado de um contexto que merece ser estudado e explorado nas aulas
de Artes.
Os três monumentos visitados possuem forte simbologia, cada um em seu contexto de construção, se tornando marcos
na paisagem da cidade. Eles se ligam com a paisagem natural, expressa pela existência ainda preservada da Mata At-
lântica. O Convento da Penha, ainda por estar à beira mar, local de entrada e saída dos navios que seguem para o Porto
de Vitória, situa-se em um penhasco de 156 metros de altura, o Convento de São Francisco, por estar à beira do Morro
da Fonte da Grande, na Cidade Alta do Centro Histórico da Capital, no passado, do seu alpendre, avistava-se a baía de
Vitória. Quanto ao Chafariz da Capixaba, tombado e preservado, também está na encosta da Mata Atlântica, e em sua
origem, avistava-se, antes do aterro, a baía de Vitória.
Para a arquiteta Letícia Klug, a paisagem natural, adicionada à paisagem construída, é uma questão de identidade
local, de memória coletiva e de imagem para a cidade. Percebemos essa inter-relação durante nossa caminhada pela
cidade, e ao atravessarmos a Ponte Darcy Castelo de Mendonça para chegarmos à Prainha de Vila Velha, apreciando
a paisagem de todo entorno da Ilha de Vitória, podemos atribuir à paisagem sentidos através do processo histórico
que levaram às transformações junto do espaço urbano. A autora nos relata ainda, que, em Vitória, os administradores,
ao longo da história, desmontaram seus morros para modernizar e transformar Vitória numa cidade adequada a sua
condição portuária3. Essa afirmação pode ser facilmente confirmada em um olhar pelos nos mapas da cidade, e mesmo
durante nossa expedição, como dissemos, pelo Centro Histórico e na travessia da Ponte Darcy Castelo de Mendonça, de
onde avistamos os navios que entram e saem da Baía de Vitória em direção ao Porto.

3. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO – COMEÇANDO PELO CHAFARIZ


A idéia de colorir com lápis aquarelável, norteado pela observação das ÁGUAS entre as cidades de Vitória e Vila Velha,
surgiu inicialmente quando, em sala de aula, entre outras leituras, fizemos a leitura de uma matéria publicada em 09
de novembro de 2009, sobre o Chafariz da Capixaba4. Nela, um vereador pede para o então prefeito de Vitória5 que

181
solicitasse à Secretaria competente que viabilizasse a elaboração de um projeto de revitalização do referido Chafariz,
a fim de que as águas das nascentes, ainda existentes, voltassem a passar pelo chafariz, como no passado. Então, ficou
a pergunta, será que o monumento tombado pelo Conselho Estadual de Cultura fora restaurado? Então fizemos uma
pesquisa sobre este Bem Patrimonial da Cidade, antes de visitá-lo.
A construção do Chafariz da Capixaba se deu em 12 de fevereiro de 1828, iniciativa do governo do presidente Ignácio
Accioli de Vasconcellos, nesse mesmo ano, se deu a ampliação dos Chafarizes da Lapa e da Fonte Grande, construídos
no século XVIII6. As obras do Chafariz da Capixaba compreendem a construção de pórtico protetor da nascente de água
da Fonte Grande e de um aqueduto. O Chafariz foi finalizado em 1850 a partir das obras executadas no governo de
Felipe Pereira Leal. Sabe-se, que em 1855 foi realizada uma reforma de seus encanamentos7.
O Chafariz “possui um discreto frontão de linha curva, inspirado nas edificações religiosas, junto com um par de volutas
e o recobrimento pelo azul, pelo branco e pelo vermelho-terra”8. Registra-se, ainda, que, nas décadas dos anos 1970,
foi realizada uma significativa alteração, substituindo a azulejaria de recobrimento da base da parede do chafariz e
a inscrição da sigla “PMV” no interior de um medalhão em alto relevo, a elevação do piso do largo e a construção da
mureta contornando o mesmo. “As duas torneiras grandes, de colo e bico de cisne, inseridas em 1939/40, foram poste-
riormente roubadas”9.
Esse contexto histórico passou a fazer sentido, após assistirmos o Documentário10 “Aspectos turísticos da Capital do
Estado do Espírito Santo”, do Ministério da Agricultura, que nos apresenta o Chafariz, com riqueza de detalhes, sua vista
frontal, seu local e ainda nos mostra suas torneiras e seu antigo jardim que não existe mais.

Vista frontal do Chafariz da Capixaba com jardim. Imagem capturada do Documentário: Aspectos turísticos da Capital do Estado do Espírito Santo”. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=tnHlY5-IPFk. Acesso em fev. 2014.

Esse documentário foi muito importante para darmos continuidade aos trabalhos, instigando ainda mais a curiosidade
dos alunos acerca dos monumentos estudados, em especial sobre o Chafariz. Após estudarmos o contexto histórico dos
Chafarizes da Cidade, como citamos anteriormente, a partir de seus mapas e textos, fizemos uma expedição pelo Cen-
tro Histórico de Vitória, inserindo os demais Patrimônios encontrados pelo caminho.

4.EXPEDIÇÃO PELO CENTRO HISTÓRICO DE VITÓRIA – PARTINDO DO CHAFARIZ DA CAPIXABA


Desembarcamos e caminhando sobre a “Linha Azul”, demarcatória do antigo limite das águas da baía da cidade, feita
pelo artista Piatã Lube, alcançamos o Chafariz da Capixaba, localizado na entrada para o Parque da Gruta da Onça. E
descobrimos que o dizer: “Quem bebe água da fonte da Capixaba não sairá mais de Vitória” não pode ser repetido. A pri-
meira constatação feita pelos alunos foi de que as águas da nascente não abastecem mais o Chafariz como no passa-
do. Então, o pedido de revitalização do Chafariz, feito desde 2009 para o então prefeito da capital, não foi atendido, o
Chafariz está abandonado.
Os alunos desenharam algumas sugestões de pintura do Chafariz da Capixaba e sugeriram, através de modelagem,
alguns exemplares de torneiras e ainda escreveram uma redação, pedindo a revitalização do referido monumento,
expressando suas observações no intuito de colocar em prática a proposta feita anos atrás - de reformar o antigo Cha-
fariz.
Em geral, os alunos observaram que os azulejos estão em bom estado, mas, a cor do Chafariz não atrai o transeunte
mais distraído e o cobrimento de tinta está descascado. A iluminação é precária e o antigo jardim foi substituído por

182
cimento. Também visitamos o Parque da Gruta da Onça, subimos suas escadas, acompanhando o curso das águas, que,
canalizadas, ainda descem da nascente do Morro. Seu odor não está agradável, entretanto, o que restou da reserva da
Mata Atlântica é notável.

Subida pela escadaria que leva até a Pedra da Gruta da Onça, sendo margeada pelas águas das nascentes que sobrevieram ao tempo e que abasteciam o
Chafariz.

Outro detalhe que chamou a atenção da turma foi o Medalhão Central do Chafariz da Capixaba, sem nenhuma pintura
especial que o destaque do conjunto. De acordo com a turma, aquele espaço é um local privilegiado para estampar
uma imagem, através de uma pintura que se relacione com a cidade e seu contexto histórico ou mesmo algum fato da
atualidade.

Detalhe do Medalhão oval, localizado no Centro do Chafariz da Capixaba. Foto: Andrea Della.

De fato, o medalhão oval em alto relevo existente no centro do Chafariz, ornados por volutas, possui 0,77x1,20m. É um
espaço interessante para ilustrar algum aspecto da cidade de Vitória, e nossa sugestão se baseou nos trabalhos do ar-
tista brasileiro Carlos Matuk11. Esse artista paulista é muito envolvido com a arte urbana, no sentido de levar arte mural
às ruas. E, como nosso monumento está inserido no contexto urbano do Centro Histórico de Vitória, ele foi escolhido e
estudado para a elaboração de ilustrações sugestivas para esse local. Dessa forma, conquistamos conceitos nos quais
os alunos aprendem a sentir a arte, a compreendê-la no seu sentido histórico, a apreciá-la esteticamente, a realizá-la e
a refletir com espírito crítico12, pois puderam constatar com clareza a realidade dos fatos, inicialmente com o conheci-
mento histórico, passando pela visita no monumento e sugerindo sua nova aparência através da arte juntamente com
seu contexto de existência.

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Ilustração sugerida pela aluna Laysa Borges (9 anos), para o espaço oval do Chafariz da Capixaba, baseando-se na pintura mural do artista
Carlos Matuck. 2014.

O Chafariz da Capixaba não teve significativa reforma nos últimos anos. Sua estrutura sofre com a ação do tempo, está
sem torneiras e a água que ainda hoje desce pelo aqueduto, das nascentes do Morro, passa provavelmente por debaixo
do Chafariz, desaguando na Baía de Vitória sem serem aproveitadas. Realizamos sugestões de pinturas para a parede
do monumento, através de um estudo de cor em seu contexto mais inicial. Cada aluno sugeriu uma nova cor para o
Chafariz, baseando-se em seu significado simbólico e psicológico, associada aos sentimentos e estado de ânimo. Acred-
itando que as cores exercem influencia sobre nós, escolheram cores que relaxam ou estimulam. Essa escolha foi indi-
vidual e espontânea, a partir das cores disponíveis.

Alunos do 5º ano da EMEF “JKO” na frente do Chafariz da Capixaba. Entrada para o Parque Gruta da Onça. 2014. Foto: Andrea Della.

Para as crianças, os monumentos fazem parte de um passado distante, e ao visitá-los, diminuímos essa distância, tra-
zendo-os para os dias atuais. Nesse momento é importante destacar a importância da preservação dos prédios históri-
cos e da manutenção da cultura de um povo. Nesse contexto se insere o Convento de São Francisco de Vitória, que
após mais de trezentos anos de funcionamento, teve grande parte de suas instalações demolidas em 1924 para insta-
lação do Orfanato Cristo Rei.

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Alunos da EMEF JKO no Convento de São Francisco de Vitória – Cidade Alta – Centro Histórico de Vitória – ES. 2014.

A curiosidade acerca daquele Patrimônio foi nítida já no primeiro contato com o lugar - na sua subida. Trata-se do es-
paço destinado ao antigo cemitério público da cidade, desmontado no século XX, para abertura das ruas que dão aces-
so aos moradores do entorno. As ossadas humanas retiradas desse cemitério público que foi desativado, juntamente
com as ossadas retiradas das paredes das duas igrejas que foram demolidas em 1924, foram depositadas num ossuário
geral localizado no pátio do convento.
Em 2012 foram realizadas escavações arqueológicas nesse ossuário e dele retirada uma urna funerária com a ossada
de uma mulher, que nossos estudantes puderam conhecer, instigando ainda mais a curiosidade acerca da edificação
que visitavam. E a dúvida de onde estaria a ossada de Frei Pedro Palácios, que em 1609 fora transladada do Conven-
to da Penha para o Convento de São Francisco, permanece. Essa escavação foi realizada no intuito de encontrar os
restos mortais desse frei que está na origem da construção do Convento da Penha, mas nenhum vestígio foi achado.
Conta-se que, passados trinta e nove anos da morte de Frei Pedro Palácios, o irmão fr. Leonardo de Jesus ordenou
a remoção dos seus restos mortais para o convento de São Francisco, em Vitória. Com a demolição das urnas fu-
nerárias, perdeu-se a localização dos seus ossos, e mesmo com as escavações arqueológicas, nem um sinal da sua
existência foi encontrado.
Do alpendre do convento, é possível imaginar a paisagem que foi escondida pelas construções desordenadas na frente
do edifício, que no passado tinha vista para a baía de Vitória. Ao fundo do terreno, podemos avistar o Morro da Fonte
Grande, local de onde os frades conduziam suas águas das nascentes lá existentes, onde hoje há a instalação de torres
de transmissão televisiva.
Dando continuidade ao projeto, realizamos a visita no Convento da Penha em Vila Velha, atravessamos a Ponte Darcy
Castelo de Mendonça, desembarcamos na Prainha de Vila Velha, aos pés do rochedo que abriga a edificação francis-
cana. Nesse local foi possível conhecer a Gruta onde frei Pedro Palácios residiu logo que chegou ao estado, ao seu
lado, encontra-se a ladeira das “sete voltas” ou ladeira das “sete alegrias”, feita de pedra dá acesso ao Campinho, espaço
para estacionamento do dito monumento.
Em 1818, o Convento da Penha foi visitado pelo ilustre botânico Augusto de Saint Hilaire, que escreveu: “A pouca
distância de Vila Velha, acha-se a Montanha da Penha, que termina por um rochedo enorme sobre o qual se con-
struíram o convento. Vista dos arredores, essa montanha apresenta pitoresco aspecto.13
No corredor do Convento estão expostas quatro pinturas do artista brasileiro Benedito Calixto, pintadas entre os anos
1926 e 1927, ano do seu falecimento. O artista registrou quatro fatos que lhe foram contados quando esteve no es-
tado, resultando nas seguintes obras que fazem parte do acervo permanente do Convento: “A chegada do Frei Pedro
Palácios” – 1,70x2,40m (1926); “A gruta de Frei Pedro Palácios e nicho com painel” – 1,70x2,40m (1927); “A visão dos
holandeses” – 1,80x3,00m (1927) e “ O milagre da Seca” – 1,80x3,00m (1926); todas são óleo sobre tela, que ficam dis-
postas uma ao lado da outra, ao longo do corredor.
Uma das que mais chamaram a atenção foi a do Milagre da Seca, pois conta que, mal a procissão, que saiu de Vila Vel-
ha, chegou ao Convento de São Francisco, em Vitória, a chuva tão esperada caiu em abundância. E a outra pintura que
teve maior destaque foi a que mostra os ataques dos holandeses e sua expulsão, em 1625 e 1640.
De acordo com os alunos, ficou faltando ilustrar a quarta obra de arte para o acervo do convento, e sugeriram o tema
- uma pintura narrando o translado dos ossos de frei Palácios do Convento de Vila Velha até o Convento de Vitória,
afinal, naquela época não existia a Ponte e as estradas eram escassas, provavelmente o percurso foi realizado de barco

185
pelas águas que separam esses dois monumentos. Realizamos pinturas em aquarela de como se deu este fato, também
muito importante para a memória de ambos os conventos.

Ilustração do aluno narrando o translado das ossadas de frei Pedro Palácios entre os Conventos da Penha e de São Francisco. Aquarela. 2014.

Durante a subida e a descida pela ladeira cercada pela Mata Atlântica, que chega ao Convento da Penha, alguns alunos
atuaram como coletores de folhas, flores, frutos, galhos e sementes. Assim como mostra o artista Rubem Matuck que,
para pintar algumas das suas aquarelas, recolhe ele mesmo elementos da natureza ou pede para os nativos da região
visitada recolherem sementes e galhos caídos pelo caminho. O pintor relata que fica “horas estudando as cores”, en-
sinando-nos que é preciso pesquisa, paciência e empenho para realizar um bom trabalho. Observamos ainda que o ele-
mento ÁGUA está presente em suas produções artísticas de forma sistemática e única: sem a água, não existe a pintura
com a técnica da aquarela.
Matuck relata “que a aquarela faz parte da alma do papel”, declaração que acalma, e que os alunos acolheram como
um bálsamo para a valorização de seus próprios trabalhos artísticos. Saímos da produção imediatista para uma produção
cautelosa de pesquisa, de vivência e de acolhimento para com a técnica aplicada. A água aqui é elemento essencial para
a realização da pintura. As sementes de todo o tipo e tamanho coletadas por Matuck em suas viagens se transformam, de
acordo com o documentário, em modelos preferidos pelo artista, e assim se tornaram também para nossos alunos, que ao
chegarem na escola, ficaram encantados com a quantidade de “modelos” recolhidos pelo caminho, lembrando do docu-
mentário assistido. Ana Mae relata que, sem a sequencia, as ideias e as habilidades dificilmente se tornarão mais com-
plexas e sofisticadas14, e acreditamos que nosso trabalho ficou requintado, diante das etapas que se seguiram, partindo do
Contexto Histórico de cada Monumento estudado, seguindo para a análise de imagens. De acordo com Foeste, as imagens
são parte de nossa produção cultural e ocupam papel privilegiado na atualidade, sendo o uso que dela fazemos muito
abrangente15, a arte não pode deixar de fazer uso das imagens, tratando-as em sua ampla dimensão. As visitas aos monu-
mentos foram essenciais para instigar o lado crítico dos estudantes, de observação dos patrimônios, contribuindo para a
conscientização sobre a importância de preservação dos monumentos naturais e construídos.

Alunos analisando as sementes, flores e folhas recolhidas para pintura em aquarela. 2014.

186
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A declaração do viajante Auguste de Sanit-Hilaire, “O estorvo de atravessar a água faz com que, dos arredores, se trag-
am à vila poucas provisões16”, não faz sentido na atualidade, embora saibamos que o relato remonte a uma época de
difícil locomoção em meio às águas que circulam a cidade. Atualmente podemos afirmar que a Ilha de Vitória e seus
arredores preservam lugares pitorescos que inspiraram diversos pintores na elaboração principalmente de pinturas
com o tema paisagem.
Com o passar dos anos, construções foram inseridas na paisagem natural da cidade, causando estranhamentos e tam-
bém atendendo às necessidades de modernização desses lugares. Essas edificações resultam em monumentos que
hoje nos são acessíveis, dotados de história aguçam a mentalidade do transeunte mais desatento. Com relação ao
nosso projeto, intensificamos sua experiência quando saímos da escola para esses novos espaços culturais, ampliando
o aprendizado em Artes.
Buscamos incentivar o interesse por esses monumentos, manifestações, espaços históricos, construções civis e reli-
giosas, acreditando que a educação patrimonial coloca em discussão os papeis que os espaços destinados à guarda
de memória podem assumir dentro da educação e das aulas de artes. E que, a partir de suas intervenções eles podem,
efetivamente, contribuir para a reafirmação da identidade individual e coletiva de uma cidade.
Para alcançarmos nosso objetivo, partimos do maior ou mais importante patrimônio da natureza, o elemento ÁGUA,
reconhecidamente em abundância em toda a Cidade, inicialmente observado na área do Manguezal que fica no Bairro
de localização da escola, passando pela baía de Vitória, pelo Chafariz da Capixaba, que desativado, tem as águas das
suas nascentes desperdiçadas em uma corrente que flui diariamente sem ser aproveitada, passando pelo primeiro
monumento a ter água boa e canalizada na Capital.
Atravessar o município para chegar a Vila Velha, onde o Estado começou, no século XVI, apontou aspectos de desco-
brimento, de impressão, de registro do processo de ocupação geográfica, e ainda mais, a Água permanece reinando por
todos os lados, afinal, o Convento da Penha está localizado num rochedo de 156 metros de altura, envolto numa na-
tureza exuberante e preservada, de onde recolhemos nossos “modelos” – naturalmente oferecidos por essa mata, que
foram as sementes e folhas recolhidas pelo caminho.
Os trabalhos artísticos elaborados com o lápis aquarelável nos fazem valorizar ainda mais a água, que impressa no
papel, demonstra uma das muitas e diferentes maneiras de representar um objeto, desenvolvendo a capacidade técni-
ca dos alunos.

187
(Endnotes)
1 Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pelo processo nº. 224, livro histórico, fls. 37, e inscrição nº. 290-A, livro
Belas Artes, fls. 61, em 21 de setembro de 1943.
2 CAUS, Celso Luiz. Das Fontes e Chafarizes às Águas Limpas. Evolução do saneamento do Espírito Santo. Vitória: CESAN, 2012. p. 37.
3 KLUG, Letícia Beccalli. Vitória Sitio Histórico e Paisagem. Vitória: Edufes, 2009. p. 41.
4 Rua Barão de Monjardim, Centro, Vitória. Proteção legal: Resolução nº 8/1989 do Conselho Estadual de Cultura. Inscrição no Livro do Tombo
Histórico sob o nº 174, folhas 29v e 30 e no Livro de Tombo das elas Artes sob o nº 109, folhas 20v e 21.
5 Disponível em: http://www.fabriciogandini.com.br/noticias,8372,chafariz_da_capixaba.html
6 http://www.morrodomoreno.com.br/materias/acontecimentos-da-poca-monarquica-no-es.html
7 Guia de Bens Culturais. Conselho Estadual de Cultural. Arquitetura. Vitória: SECULT, 2009. p. 428.
8 Ibíd. p. 429.
9 Ibíd. p. 428.
10 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tnHlY5-IPFk. Acesso em Fev. 2014.
11 Documentário CORES URBANAS – A pintura mural: passado e presente. SESCTV, São Paulo, 2000.
12 BARBOSA, Ana Mae. (0rg.). Arte Educação: leitura no subsolo. São Paulo: CORTEZ, 1999. p.100.
13 SAINT-HILAIRE. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. 1974, p. 114.
14 BARBOSA, Ana Mae. (0rg.). Arte Educação: leitura no subsolo. São Paulo: CORTEZ, 1999. p.90.
15 FOESTE, Gerda Margit Schütz. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES, 2004. p. 52.
16 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Espírito Santo. São Paulo: USP, p. 48.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. (0rg.). Arte Educação: leitura no subsolo. São Paulo: CORTEZ, 1999.
BIAR, Auguste-François. Viagem à província do Espírito Santo. Vitória: Secretaria Municipal de Cultura, 2002.
CAUS, Celso Luiz. Das Fontes e Chafarizes às Águas Limpas. Evolução do saneamento do Espírito Santo.
Vitória: CESAN, 2012.
Documentário Aspectos turísticos da Capital do Estado do Espírito Santo, Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=tnHlY5-IPFk
Documentário CORES URBANAS – A pintura mural: passado e presente. SESCTV, São Paulo, 2000.
FOESTE, Gerda Margit Schütz. Leitura de imagens: um desafio à educação contemporânea. Vitória: EDUFES,
2004.
Guia de Bens Culturais. Conselho Estadual de Cultural. Arquitetura. Vitória: SECULT, 2009.
http://www.morrodomoreno.com.br/materias/acontecimentos-da-poca-monarquica-no-es.html
Horta, Maria de Lourde Parreiras. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: IPHAN, Museu Imperial, 1999.
KUSTER, Eliana. Marcovaldo e os doze passeios em Vitória. Vitória, 2003.
RIBEIRO, Francisco Aurélio. O Convento da Penha Fé e religiosidade do povo capixaba.Vitória: Companhia Siderúrgica
de Tubarão-CST, 2006.

Andrea Aparecida Della Valentina


Formada em Educação Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo. Professora de Artes da Prefeitura Mu-
nicipal de Vitória desde o ano 2000. Mestre em Artes pela mesma Universidade, atua como Tutora do Curso de Artes
Visuais a Distância – Universidade Aberta do Brasil – UFES, desde 2009.

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NOVAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: MODOS DE
PRODUÇÃO DE SENTIDOS A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS SENSÍVEIS
Jhonathas Andrade do Nascimento, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Larissa Zanin, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES
Aline Teixeira da Silva Universidade Federal do Espírito Santo - UFES

RESUMO
Este trabalho, tem o intuito de problematizar, a partir das vozes que compõem o cenário investigativo da
infância; dos documentos oficiais que regulam a Educação Infantil no Brasil e ainda; das questões atuais do
ensino da arte que envolvam as novas tecnologias nos processos educativos, quais as significações pauta-
das no olhar da criança no espaço escolar, em especial as suas singularidades de sentir e estar no mundo,
principalmente nas espacialidades que elas produzem quando inseridas no território da Educação Infantil.
Considera os estudos da sociossemiótica de Eric Landowski que marcam a leitura dos espaços, objetos e
situações a partir das experiências sensíveis nas interações em ato entre os sujeitos, analisando-as e bus-
cando compreender os modos como eles nos tocam, nos provocam e provocam outros modos de ver, de
sentir e de pensar.
Palavras-chave: Educação Infantil. Novas Tecnologias. Ensino da Arte. Sociossemiótica.

ABSTRACT
This work aims to discuss, from the voices that make up the investigative stage of childhood; the official
documents governing the Early Childhood Education in Brazil and still; of current issues of art education
involving new technologies in educational processes, which the meanings grounded in child look at school,
especially those particular to feel and be in the world, especially in spatialities they produce when inserted
in the territory Early Childhood Education.
Considers sociossemiótica studies of Eric Landowski marking the reading of spaces, objects and situations
from the sensory experiences in interactions act between subjects, analyzing and trying to understand the
ways in which they touch us, provoke us and cause other modes of seeing, feeling and thinking.
Key words: Childhood Education. New Technologies. Art education. Sociossemiótica.

Este trabalho deriva-se do subprojeto “Marcas do cotidiano de um Cmei: Sentidos construídos sob a perspectiva do
olhar da criança” e está vinculado ao projeto “Novas Tecnologias e Processos de Significação na Arte e na Educação”1,
desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Iniciação Científica (PIIC) na Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES).
Tem o intuito de problematizar, a partir das vozes que compõem o cenário investigativo da infância (ÀRIES, 1986;
KRAMER, 1992; RIZZINI, 2008; SARMENTO, 2005); dos documentos oficiais que regulam a Educação Infantil no Brasil
(BRASIL, 1998; 2010) e ainda; das questões atuais do ensino da arte que envolvam as novas tecnologias nos processos
educativos (BARBOSA, 2007; PILLAR, 2011; ZANIN, 2010; 2014), quais as significações pautadas no olhar da criança no
espaço escolar, entendendo que a perspectiva da criança sobre os espaços habitados por elas diferencia-se da pers-
pectiva do adulto e, para além de falar sobre elas, queremos falar com elas (SARMENTO, 2005). Defendemos esta tríade
conceitual, na construção estrutural desta pesquisa, uma vez que nos aproxima e nos faz dialogar com o campo insti-
tuído – a Educação Infantil, permitindo-nos tencioná-lo instituindo novas discussões que tangenciam o ensino da arte
na atualidade no que diz respeito ao cotidiano praticado pelas crianças.

1 Estes processos de investigação estão vinculados ao grupo de pesquisa “Processos Discursivos em Arte” do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi-
co e Tecnológico (CNPq-MCTI), desenvolvido na linha de pesquisa “Mídias e Processos de Significação” na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

189
Considera os estudos da sociossemiótica (LANDOWSKI, 1992; 2001; 2005; 2014) que marcam a leitura dos espaços,
objetos e situações a partir das experiências sensíveis nas interações em ato entre os sujeitos, analisando-as e buscan-
do compreender os modos como eles nos tocam, nos provocam e provocam outros modos de ver, de sentir e de pensar
(PILLAR, 2011) os espaços praticados que são uma construção social e cultural (LOPES, 2008; 2012).
Considerando a conjuntura teórica acima, organizamos a proposta deste trabalho com o objetivo de explanar nossas
ações interventivas a partir de uma série de propostas educativas, que envolveram sempre a produção e leitura de
imagens junto com as crianças. Estes processos foram todos mediados e permeados pelo conceito de technè (DUBOIS,
2004).
De certo modo, é evidente que toda imagem, mesmo a mais arcaica, requer tecnologia (de produção ao
menos, e por vezes de recepção), pois pressupõe um gesto de fabricação de artefatos por meio de instru-
mentos, regras e condições de eficácia, assim como de um saber. Na origem, a tecnologia é simplesmente, e
literalmente, um saber-fazer. Como bem lembrou Jean-Pierre Vernant, só foi possível haver technè no sen-
tido clássico (notadamente entre gregos), no âmago da concepção fundamentalmente instrumentalista das
atividades de produção humana (idem, ibdem, p.31-32)
“A technè é então, antes de mais nada, uma arte do fazer humano. Poderíamos assim encarar como produtos tecnológi-
cos [...]” (idem, ibdem, p.33).
Permitindo-nos chegar ao nosso objetivo central na prática com as crianças - a fotografia produzida por elas, como
meio de expressão para comunicar os sentidos construídos em ato nos espaços de um Centro Municipal de Educação
Infantil (Cmei).
Buscamos visibilizar o protagonismo da criança inserida em uma instituição de ensino de Educação Infantil (EI) bus-
cando compreender como os pequenos significam o espaço escolar que é portador de muitos sentidos, utilizando a
linguagem fotográfica como meio de expressão. Assim, tomamos como ferramenta principal a fotografia, entendendo-a
como linguagem que permite potencializar os processos comunicacionais entre os sujeitos imersos no sistema educa-
tivo.
Iniciamos o processo de intervenção no Cmei cientes de que, qualquer tipo de interação que permitisse a autonomia
plena da criança se configuraria como um desafio diário. Em outras palavras, todo nosso esforço em conhecer os es-
tudos da infância, as especificidades da criança no âmbito da educação infantil e também as reflexões sobre o uso de
tecnologias nos processos educativos do ensino da arte não nos garantiu prever os modos de aceite das crianças em
relação às nossas ações. Para nós, essa imprevisibilidade foi vista como potência, uma vez que não estávamos ali em
busca de resultados que abarcassem as nossas expectativas apenas, estávamos dispostos, caso fosse necessário, a des-
contruir ou ordenar novas direções no roteiro de nosso plano de ação para captar o âmago do sentido.
Essa visão nos permitiu, sempre que necessário, reconfigurar nossas propostas, uma vez que, o cerne de nossas ações
era a produção e leitura de imagens, como estratégia para captar os sentidos produzidos pelas crianças na dinamici-
dade de suas experiências vividas no cotidiano escolar. Levamos as para os espaços, para que a produção de sentidos
sobre o espaço escolar fosse construída em ato, no momento mesmo que estivesse acontecendo. Daí, nossas ações
começaram a ter um resultado mais qualitativo em relação ao que procurávamos ali. Percebemos que materializar os
modos de utilização das tecnologias seria mais profícuo para o processo de conhecimento tanto para as crianças quan-
to para a equipe pedagógica que trabalhou ao nosso lado em todo o tempo. Nesse caso, vale lembrar o caráter for-
mativo do encontro entre os sujeitos em formação inicial e os sujeitos em formação continuada que ganha uma nova
dimensão, embora esse não fosse nosso objetivo de observação, fica claro a potência formativa desses processos.
Assim, buscaremos neste trabalho, realçar o percurso metodológico de construção da pesquisa, indicando como foi o
caminho de aproximação às crianças e a iniciação do nosso diálogo com a teoria geral da significação – a Semiótica
discursiva, com sua gênese em Algirdas Julien Greimas e ampliada por Eric Landowisky sob os regimes de interação e
sentido ancorados na Sociossemiótica.

( Re ) Conhecendo o Território: o encontro com as crianças


No ano de 2013 estive presente em um CMEI (na condição de bolsista de um Programa de Educação Tutorial (PET)2,
que desenvolvia um projeto coletivo extensionista em parceria com essa instituição), com o intuito de fotografar
alguns eventos e, eram frequentes os pedidos das crianças por registros de determinadas situações, era perceptível o
grande interesse delas em terem um papel ativo na construção dessa história. Elas não queriam apenas ser fotografa-
das, elas também queriam fotografar.

2 O PET é desenvolvido por grupos de estudantes, com tutoria de um docente, organizados a partir de formações em nível de graduação nas Instituições de
Ensino Superior do País orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e da educação tutorial.

190
Já no início de 2014, cursando a disciplina Tecnologia, Intermídia e Educação do curso de Licenciatura em Artes Visuais
na UFES, que tem uma abordagem teórica e prática com ênfase na introdução da tecnologia na Arte-educação, foi pos-
sível me aprofundar de forma teórica e prática na inserção das novas tecnologias nos processos educativos, oportuni-
zando o encontro de conceitos necessários que estão emergindo no contexto contemporâneo da educação.
Deste modo, intentamos por um projeto em que as vozes das crianças fossem realçadas, neste caso, por meio da fo-
tografia dos diferentes espaços da instituição. Para iniciarmos nossa aproximação ao campo, foi preciso uma cuidadosa
revisão bibliográfica buscando aporte teórico para entender como se constituiu o campo da educação infantil como pri-
meira etapa da educação básica, bem como os principais tópicos da história da infância no Brasil e seus desdobramentos
culturais, políticos e socais que culminou nos últimos 20 anos no reconhecimento da criança como ator social e porta-
dora de direitos legítimos. Com essas constatações, foi possível construirmos um plano de ação para nos aproximarmos
ainda mais das crianças, para a inserção na instituição e para a inserção das novas tecnologias em nossas ações.
Assim, no contexto das políticas públicas, os documentos oficiais publicados pelo Ministério da Educação (MEC) que
orientam as propostas pedagógicas das instituições de EI (Educação Infantil), apontam que as práticas pedagógicas da
EI devem ter como eixos as interações e as brincadeiras, garantindo experiências que promovam o desenvolvimento
integral da criança, através de diferentes linguagens. Cabe às instituições de EI valorizar as produções das crianças, as-
segurando que elas se manifestem, desenvolvam autonomia e criticidade, ampliem as possibilidades de aprendizado e
de compreensão de mundo e de si construindo atitudes importantes que viabilizem seu protagonismo (BRASIL, 2010).
Segundo a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil (DCNEI), o currículo da EI é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os
saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e
tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (Art.3°).
Por isso a importância de garantir que crianças tenham acesso a todo o patrimônio historicamente acumulado pelo o
homem e não poderia ser diferente com os meios tecnológicos, visto que estão em grande ascensão e a tendência é
a expansão desses meios com o passar do tempo, não sendo diferente com a linguagem fotográfica que está cada vez
mais ganhando espaço.
Realçamos que o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI, 1998) situa e fundamenta as concepções
de criança, de educação, de instituição e do profissional, que foram utilizadas para definir os objetivos gerais da EI e
orientam os trabalhos desenvolvidos nessa instituição. Nesse documento encontramos referências que contribuem
para construção dos planejamentos nas instituições de EI. Estes devem estar relacionados aos âmbitos de experiência:
Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo, e conter eixos de trabalho que favoreçam os processos de cons-
trução da identidade e autonomia das crianças. Já no âmbito de experiência: Conhecimento de Mundo, devem conter
eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens pelas crianças.
Nesse movimento de afirmação do direito da criança, bem como o reconhecimento de que os pequenos, ainda que
imersos em culturas orientadas pelos adultos, são seres capazes e, nessa dinâmica, também produzem cultura (VYGO-
TSKY, 2009), apostamos em ações que visibilizem a importância de experiências e pesquisas construídas a partir da
consideração das crianças como sujeitos, capazes de voz, significados e relações interpessoais.
Rizzini (2008) contextualiza os movimentos de lutas por direitos da infância, nos remetendo a uma reflexão sobre as
suas raízes históricas no Brasil, ainda, ressalta que diante de tantos movimentos em prol do reconhecimento dessa fase
da vida dos pequenos, não havia sequer um registro das vozes das crianças. Ariès (1978), conclui em seus estudos que a
infância é determinada historicamente pelas modificações nas formas de organização da sociedade.
[...] apenas recentemente a criança tem gozado de prestigio social, no entanto, admitimos que além de
pequenas no tamanho ainda são pequenas em termos de legitimidade: quem dará credito ao que diz uma
criança? Quem poderia melhor do que os adultos reconhecer o que precisa uma criança? (NUNES; RANGEL;
CÔCO, 2013, p. 9)
Kramer (1996) afirma que esses marcos teóricos têm ampliado e aprofundado os estudos da infância e as diversas
áreas de conhecimento (biológica, sociológica, histórica e psicológica), “tem fornecido subsídios para compreender a
educação e nela atuar, para conhecer a criança e com ela agir, tanto no nível da investigação cientifica quanto no da
intervenção educacional” (p.14). A criança passa a ser considerada em sua dimensão de sujeito de direitos, a partir
daí, evidencia-se a necessidade de propostas pedagógicas e de estratégias atendendo a diversidade das populações
infantis, sendo “cruciais para se delinear uma outra ótica da infância [...], onde a criança é concebida na sua condição
de sujeito histórico que verte e subverte a ordem e a vida social” (p. 14). Assim, buscamos compreender o mundo pela
perspectiva da criança, considerando-a como ator social, dando visibilidade e garantindo que elas ocupem seu lugar na
infância, a partir do reconhecimento dessas crianças como sujeitos de pleno direito, mesmo com suas especificidades,
mas, sem considera-las como simples destinatários de cuidados sociais específicos (SARMENTO, 2005).

191
A perspectiva do vir a ser, do que falta, do que ainda não é nos interessa menos nesse momento. Estamos
dispostos a investir naquilo que vemos como potência e não como ausência. Naquilo que podemos produzir
hoje e não apenas preparar para o amanhã (NUNES; RANGEL; CÔCO, 2013, p. 9).
A partir dos documentos oficiais e da bibliografia construímos um plano de ação, considerando as especificidades
deste campo e desses sujeitos, no intuito de propor práticas educativas com caráter interventivo e com objetivo de nos
aproximarmos das crianças mediando os processos de produção e leitura de imagens e a compressão da tecnologia
que envolve os materiais e os modos de utilização deles nas produções. Esse plano de ação, ainda que com abertura
para adaptações que o vivido nos indicava, orientou nossas ações no CMEI. Foi nessa dinâmica que, percebemos que
a criança burlava nosso próprio sistema e, nos ofereciam novas formas de conduzir a atividade, nas muitas escutas
atentas que fizemos, percebemos que viver a ação no próprio espaço seria nosso grande trunfo. Nesse momento, nos
encontramos com os regimes de interação e sentidos propostos por Landowski que correspondem aos modos de agir,
a partir de dois modos de presença no mundo: o fazer fazer e o fazer ser (ZANIN, 2012). Quando mudávamos nossas
táticas de aproximação, considerando o que as crianças indicavam íamos ao encontro de outro regime proposto por
Landowski, o do acidente.
Segundo o autor, este regime [...]está diretamente relacionado à ruptura das regularidades, dos papéis
temáticos predeterminados. O regime do acidente é fundamentado no risco e está relacionado ao surpreen-
dente, à descontinuidade dos comportamentos pré-determinados (ZANIN, 2012, p.49).
Desta forma, orientamos nossas atividades no regime de ajustamento, “[...] baseado na lógica do contato, da sensibi-
lidade, na qual um sujeito busca fazer junto e sentir junto [...]. Trata-se de uma transformação que se dá por meio do
ajustamento de um sujeito ao outro. Esse fazer junto implica na adaptação de um ao outro. O actante com o qual se
pretende interagir não tem um comportamento previsível (ZANIN, 2012, pp. 50-51).
Na primeira atividade, apresentamos os conceitos de tecnologia e imagem e como ela pode ser produzida a partir das
suas atividades e vivencias nos espaços da escola, sugerimos que as crianças desenhassem com lápis de cor em folha
de papel A4 o que mais gostavam na escola. Na segunda atividade, seguimos para o refeitório, espaço também de in-
tensas interações, desde o recebimento da família às apresentações culturais. Nosso propósito foi que estabelecessem
relações entre os sentidos tato, olfato e o paladar ao produzir imagens a partir do desenho com o chocolate em papel
cenário expostas na parede na mesma altura do horizonte delas. Na terceira atividade disponibilizamos giz escolar (para
quadro negro) e as levamos para fora da escola, para que desenhassem em uma parede. Ao final de todas as atividades
conversávamos com as crianças para sabermos se elas gostaram das atividades e para estimulá-las a relacionar a pro-
dução e a leitura de imagens em diferentes espaços com diversos materiais relacionados às tecnologias convencionais.
Na quarta atividade, iniciamos o processo de produção e leitura de imagens por meio das novas tecnologias (ALMEIDA,
1999; FERREIRA, 2010; IALVEBERG, 2003; NUNES, 2012; ZANIN, 2014), distribuímos alguns tablet’s para que elas de-
senhassem (livre) em um aplicativo. Na quinta atividade, levamos as crianças para o pátio para que fotografassem com
o tablet os espaços da escola que as interessassem, em seguida sugerimos que elas fizessem intervenções nas fotos
(que elas mesmas tiraram) por meio de um aplicativo, acrescentando e/ou mudando o que elas quisessem no espaço
que haviam fotografado. Na quinta atividade, distribuímos câmeras fotográficas, para que elas tirassem fotos interagin-
do com os espaços internos e externos e também entre os seus pares. Na última atividade, fizemos uma exposição com
as fotos e os desenhos no tablet que elas produziram para que elas interagissem com suas fotos e suas famílias.
Todas essas atividades serviram de abordagem metodológica para mediação e aproximação entre nós e as crianças
dentro do contexto de utilização das tecnologias (convencionais e novas) nos processos de significações do espaço
escolar, indicando a inserção das novas tecnologias no cotidiano das crianças pequenas nos processos educativos na
instituição. Segundo Landowsky (2009),
[...] o sentido está na relação entre os actantes e nas transformações que neles se operam tão somente por
sua co-presença sensível, [...] o ajustamento passa por um fazer sentir, que é a ordem do contágio, cuja car-
acterística principal é o ser sentido (ZANIN, 2012, pp. 50-51).
Os dados acenam que os sentidos que as crianças atribuem ao espaço escolar são construídos nas interações entre
seus pares, tecidas por experiências sensíveis e criativas em suas práticas sociais (LANDOWSKY; 2004) que também
podem ser mediadas pelas novas tecnologias nos processos educativos (IAVELBERG, 2003; ZANIN, 2014), elas acenam
grande interesse e curiosidade para manipular esses equipamentos tecnológicos (Figura 1) e, são comunicadoras por
excelência com sofisticadas formas de expressão mesmo antes de ler e escrever (FARIA; RICHTER, 2013). Ainda in-
dicam, que o ensino da arte está para além dos conteúdos curriculares, podendo ganhar força quando proporcionado
por intermédio de experiências criativas para/com as crianças em seus cotidianos (DUARTE JR, 1983; VIGOTSKI, 2009)
que nos mostram o quanto arte e vida são indissociáveis e potencializadores de conhecimento (DUARTE JR, 1983; SAN-
TOS NETO, 2010; ZANIN, 2014).

192
(Figura 1. Fonte: Arquivo pessoal. 2014)

Pudemos observar que o espaço que mais se destacou nas imagens produzidas pelas crianças (em todas as atividades)
foi o parque (Figura 2), o que nos fez perceber que o brincar se reafirma como procedimento de experiências sensíveis
nos espaços significantes de suas práticas sociais (LANDOWSKI, 2004; KRAMER, 2003), onde elas estão sempre prontas
a (re) significar objetos e os espaços que habitam, resgatando uma compreensão polifônica do mundo da vida quando
estabelecem relações com os outros e com as coisas, confirmando os múltiplos sentidos que a realidade física e social
pode adquirir (JOBIM; SOUZA, 1996), uma necessidade, no entanto, de um olhar comprometido para estudar a infância
por ela mesma.

(Figura 2. Fonte: Arquivo pessoal. 2014)

193
(Figura 2. Fonte: Arquivo pessoal. 2014)

Considerações Finais
O ensino da arte ultrapassa as formas de desenhar, de pintar, de recriar, está relacionado a vida, aos sentidos atribuídos
em ato, às experiências vividas, mais do que falar sobre é necessário vivenciar com “[...] por isso uma educação que
apenas pretenda transmitir significados que estão distantes da vida concreta dos educandos não produz aprendizagem
alguma” (DUARTE JUNIOR, 1983, p. 25), assim o fizemos, buscando viver nossa arte de fazer com (principalmente com
as crianças).
Para saber o sentido da vida daquelas crianças no ambiente escolar, nos apropriamos do ensino da arte, não como
mero lazer ou espaço de reprodução de técnicas e objetos artesanais e decorativos, mas como propiciador de novas
leituras do mundo circundante...do mundo da vida. Muitas vezes as aulas de arte são postas em último plano pelo pró-
prio sistema educacional e cabe a nós professores em formação inicial e continuada contribuir para um novo olhar que
corrobore o ensino da arte proporcionando um novo sentido à relação da arte na vida (DUARTE JUNIOR, 1983). Com
esse pensamento, nos aproximamos das crianças dando a elas oportunidade de vivenciar experiências criativas, por
meio de leitura de imagens, em que elas atribuíssem novos sentidos ao ser e estar no ambiente escolar. Reconhecemos
a importância do papel do professor como condutor das experiências criativas das crianças interagindo com elas nas
diversas atividades artísticas em relação com a vida.

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195
Jhonathas Andrade do Nascimento
Graduando do curso de Bacharelado em Artes Plásticas na Universidade Federal do Espirito Santo – UFES. Bolsista do
Pibic/Ufes. Integrante do Grupo de Pesquisa Processos Discursivos em Arte. Professor de Arte do Ensino Infantil e Fun-
damental no Sistema Particular de Ensino.
http://lattes.cnpq.br/8231898515991586

Larissa Fabricio Zanin


Possui graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (2004) e mestrado em História (2007)
e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (2012). Atualmente é professor adjunto de
fotografia e Coordenadora do Curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem
experiência na área de Artes, com ênfase em Fotografia, atuando principalmente nos seguintes temas: Fotografia,
Semiótica e Ensino de Arte.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa Processos Discursivos em Arte.
http://lattes.cnpq.br/1595799399527303

Aline Teixeira da Silva


Graduanda do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Espirito Santo – UFES.
Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Educação
Integrante do Grupo de Pesquisa Formação e Atuação de Eduadores - GRUFAE.
http://lattes.cnpq.br/5724538302050037

196
197
OLHARES E PERCEPCÕES SOBRE O ENSINO DE MÚSICA NAS
AULAS DE ARTE: TENSÕES E DIVERGÊNCIAS
Roney Jesus Ribeiro - Universidad San Carlos - USC

RESUMO
Sabe-se que a música é de grande importância para vida do ser humano. Com tantas coisas ruins que
acontecem todos os dias, a música, assim como a arte é o instrumento que dá mais sentido a vida. Tratando
dessa ferramenta de grande importância para edificação da aprendizagem do educando no contexto escola,
é necessário tecer uma reflexão que de fato traduza como se dá a prática do trabalho e ensino da música na
escola. A Lei 11.769/2008 que foi incorporada à LDB n. 9.394/96, tornou obrigatório o ensino da música na
escola. No entanto é necessário tecer uma reflexão em torno dessa obrigatoriedade e como se dá o ensino
de música na escola de ensino médio.
Palavras chave: ensino, música, arte, lei n. 11.769.

RESUMEN
Se sabe que la música es de gran importancia a la vida humana. Con tantas cosas malas que suceden todos
los días, la música, asi cómo el arte es el instrumento que da más sentido a la vida . Tratando de esta impor-
tante herramienta de mucha importancia a edificación del aprendizaje del alumno el contexto escolar , es
necesario hacer una reflexión que en realidad se traducen cómo es la práctica del trabajo y la enseñanza de
la música en la escuela. La ley 11.769 / 2008, que se incorpora en el LDB n. 9.394 / 96 , hizo obligatoria la
enseñanza de la música en la escuela. Sin embargo, es necesario hacer una reflexión sobre esta obligación y
cómo es la enseñanza de la música en la escuela secundaria.
Palabras clave: enseñanza , música, arte , la ley n . 11.769.

Começando a conversa
A arte faz parte da vida de todas as pessoas. Suas representações são muito mais antigas do que podemos imaginar.
Por isso que a música enquanto manifestação da cultura de um povo está presente em todos os contextos sociais.
Desde os contextos mais humildes até os mais requintados. A música está por toda parte do Brasil. Essa manifestação
cultural pode ser encontrada em diversos estilos e tipos1 nos variados festivais de músicas em todo território brasileiro.
Neste estudo reflexivo, pretendemos falar um pouco sobre o ensino de música nas aulas de arte e como possivelmente
esse ensino se realiza no contexto escolar. Como em muitos contextos escolares. Para tratar de tal assunto com rigor e
concretude lançamos os seguintes questionamentos: Para que precisamos de música? Qual a função social do ensino
da música no contexto escolar? Qual a condição legal para o ensino de música e como isso acontece?
O ensino de música tem sido discutido por muitos estudiosos e pesquisadores em diversos eventos que tratam do
assunto. Saber o que a música representa na vida das pessoas tem sido objeto de estudo de psicólogos, antropólo-
gos, sociólogos, filósofos, educadores e músicos. Por isso para realizar este estudo reflexivo é indispensável o auxílio
de teóricos e demais pesquisadores do ensino de música. Sendo assim, apoiaremos-nos em estudiosos como Bastian
(2009), Baumer (2009), Souza (2009), Monteiro (2009), dentre outros para responder os questionamentos anteriormente
feitos.

1 Estilos de música: clássica, moderna, contemporânea. Tipos de música: MPB, funk, rock, pop, blues, jazz, dentre outros.

198
Música, Arte e sociedade
Como se sabe, a música faz parte do universo das artes. Ou seja, ela compõe um dos mais importantes que constitui
campos da arte2. A arte e a música são expressões culturais que surgem mesmo antes do homem deter de uma lingua-
gem estritamente verbal. Claro que esses povos não tinham intenção de tornar artes suas transcrições deixadas nas
cavernas e nem mesmo tornar música os sons que faziam em suas cerimônias. Essa conceituação é produto da mod-
ernidade, e isso se dá por acharmos que os povos pré-históricos foram extremamente criativos em suas manifestações
socioculturais.
A música enquanto um importante campo das artes faz parte das necessidades humanas. O ser humano precisa das
manifestações artísticas e musicais para dar mais sentido a sua vida. Essas representações culturais estão em todos os
contextos e esferas sociais, acompanhando assim o homem em sua vivencia no mundo. Assim como a arte e a literatu-
ra, música também tem seu fazer social. Então pensa-se que o ensino da música assim das outras disciplinas mencio-
nadas, servem como instrumento de denúncia social.
Além de garantir a interação e o entretenimento entre as pessoas, a música também foi usada como um veículo de
crítica e denúncia social. Nos anos 80 a Tropicália3 explorou muito esse caráter social da música para reclamar seus
anseios e angústias.

A Lei 11.769/2008 e o ensino de música


No ano de 2008 foi estabelecida uma lei que objetivava torna obrigatório o ensino de música. A Lei 11.769/2008 foi
incorporada à LDB n. 9.394/96, com relação à obrigatoriedade da música na escola. Esta lei é uma grande vitória aos
que lutaram pela obrigatoriedade da inserção da música na escola. Porém tal lei reserva em sua essência tamanha
problemática. A não obrigatoriedade de profissionais habilitados por meio de licenciatura em Música.
Conforme acrescenta Baumer (2009), a Lei n. 11.769 foi aprovada tornando “obrigatório o ensino de música na Edu-
cação Básica sem exigir que o professor tenha a habilitação em música, o que nos leva a supor que será o professor de
Arte quem levará para a escola essa linguagem artística” (p. 53-54).
No artigo 62 da (LDB 9.394/96) determina que “a formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em
nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação”.
Contudo verificamos a ausência de uma especificação da correspondência que se reserva entre o curso superior e a
disciplina a ser ministrada na escola, neste caso a música (BAUMER, 2009). Sendo assim, a interpretação que nos resta
a fazer é ade que ensinar música na escola uma atribuída aos professores de Arte4.
A música, como uma dessas linguagens expressivas, faz-se presente na vida do ser humano, proporcionan-
do-lhe variados tipos de sentimentos e emoções, deixando marcas de alguma forma em sua história. Atual-
mente, no contexto escolar, a música é reconhecida como fundamental no processo ensino aprendizagem.
A inserção da linguagem musical torna-se primordial na Educação Básica, devido seu caráter lúdico, que
permite aos educadores trabalharem de forma dinâmica (POSSOLI, 2011, p. 14).
Essa reflexão nos faz perceber as tensões e divergências na Lei n. 11.769, que trata da obrigatoriedade do ensino da
música na escola. Analisamos tensões e divergências, na aprovação de uma lei que não que torna obrigatório o ensino
da música, mas há exigência de formação na área. Também percebemos a ocorrências de tensões e divergências na
possiblidade de professores de arte sem formação em música se arriscar a trabalhar os conteúdos com pouca eficácia
e de modo mecânico. Sendo assim, que nada mais justo do que, inserir a música no currículo escolar como uma disci-
plina e não como um conteúdo no programa curricular da disciplina de arte.

2 Entendemos como campos da arte: artes plásticas, artes cênicas, arquitetura, literatura.
3 O Tropicalismo foi um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes for-
maram um grande coletivo, cujos destaques foram os cantores-compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, além das participações da cantora Gal Costa e do
cantor-compositor Tom Zé, da banda Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto comple-
taram o grupo, que teve também o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus principais mentores intelectuais.
4 Aqueles que cursaram a licenciatura em Artes Visuais, Artes Plásticas, Artes Cênicas, Dança ou Música.

199
Ensino da música nas aulas de arte
A música sempre este inserida no contexto escolar. Sua presença neste contexto sempre foi registrada de modo des-
pretensioso e com pouco compromisso com o fazer musical. A música na escola servia apenas como um recurso para
enriquecer as aulas dos professores das variadas áreas do conhecimento5 e não como uma disciplina no currículo
escolar.
Foi por saber que a música contribuía significativamente para aprendizagem dos alunos que muitos educadores mes-
mo sem formação área de educação musical começaram a música como instrumento e recurso pedagógico para siste-
matizar seus conteúdos. Devido a grande importância da música na vida das pessoas que no ano de 2008 a lei 11.769
que torna obrigatório o ensino de música.
Não se pode negar que a publicação desta lei seja tão oportuna. Já se percebia na escola algumas práticas
pedagógicas com o auxílio da música, ainda que despretensiosas e com pouco rigor. Conforme Romanelli (2009) “Uma
aula de música não é diferente” de uma aula arte, “pois depende de uma atividade intelectual que antecede a ação
performática, ou seja, exige planejamento” (p. 125). Para trabalhar com a música, os professores na tentativa de atender
essa nova realidade nas aulas de arte começaram a buscar meio pedagógicos para associar a educação musical às suas
práticas cotidianas.
Conforme Assano (2000) “todos os professores e professoras deveriam saber que sabem música e, a partir daí, contri-
buir para a formação musical das crianças, principalmente na sensibilização delas para o ouvir/compreender” (p. 29).
Os professores sabem de suas potencialidades, e não lhe faltam potencialidades. Também tem a consciência de que
é importante trabalhar a música na escola, porém há de convir que sem a formação específica na música falta-lhe
conhecimentos muito técnico para ensinar música aos aluno.
Na busca para suprir essa falha cometida, mesmo modo não intencional, os professores trabalham a história da música,
focando os principais clássicos e também apreciação auditiva da música. Essa abordagem mecânica acaba por frag-
mentar e mascarar o verdadeiro intuito da música, mas é algo que os professores de arte fazer se intenção. Conforme
Ribas (2009) “a música é uma construção humana”. Os professores de arte vão se utilizar da música em suas aulas para
construir uma prática significativa. Os professores ainda que muitas vezes lhe falta conhecimentos técnicos da música,
sabem que “é na natureza das relações que o ser humano estabelece com a música que se elaboram significados em
que uma sociabilidade se constrói pela e com a música” (p. 146).

Considerações Finais
A música é importante e comprovamos isso por meio das leituras que realizamos no decorrer desta modesta pesquisa.
No entanto, parece-nos a aprovação da lei lei 11.769/2008 que torna obrigatório o ensino de música não foi o sufi-
ciente para concretizar nosso desejo de ver a música sendo difundida de modo significativo no contexto escolar. Pois
alei entrou em vigor, mas a referida lei não previa formação de professores para atuar com a música, sendo sobrou aos
professores de arte esta atribuição.
Ao que nos parece os professores trabalham a música em suas aulas, mas com pouca eficácia, por faltar-lhe infor-
mações necessárias a essa prática pedagógica. Sendo assim, acreditamos que para resolver algumas divergências e
tensões surgidas pelas práticas erronias do ensino de música, o ideal seria propiciar formação aos professores de arte.
Essa formação que nos referimos, poderia acontecer por meio de formação continuada, especialização ou mestrado em
arte e educação musical para os professores que atuam na disciplina de arte nas escolas públicas. Pois, pensamos que
adquirindo informações variadas sobre como ensinar e trabalhar a música nas aulas de arte no ensino médio os pro-
fessores poderão abordar e explorar com concretude a música de modo significativo.

5 Conjuntos de áreas que compreendem as disciplinas no currículo escolar. Essas áreas são: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecno-
logias, Ciências da Natureza e suas Tecnologia e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

200
Referências Bibliográficas

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Leite. (Org.). Múltiplas linguagens na escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
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SOUZA, Jusamara (org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2009.

Roney Jesus Ribeiro


Doutorando em Educação – USC, Mestre em Educação - UA, foi aluno especial no PPGA e no PPGL da UFES. Professor
tutor na Graduação em Letras - Português do IFES e Professor de Arte e Língua Portuguesa e Literaturas da SEDU.
Desenvolve pesquisas multidisciplinares na área de Letras, Linguística e Arte e Educação.

201
PARA ALÉM DOS MUROS DA UFES: ARTE NA EDUCAÇÃO NÃO
ESCOLAR EM PRÁTICA
Dianni Pereira de Oliveira - UFES
Franquilandia Gonçalves Ranqgel Raft - Galeria Homero Massena
Renan Andrade - Mestrando do Programa de Pós Graduação em Artes da UFES.

RESUMO
Esse artigo é um relato de experiência relacionado à disciplina Arte na Educação não Escolar, ministrada
no primeiro período de 2014 a uma turma de 25 alunos, do curso de Artes Visuais noturno da Universidade
Federal do Espírito Santo. Dos dezesseis encontros presenciais, oito foram realizados na sala de aula do
Centro de Educação da UFES e os demais divididos entre os espaços expositivos do Museu de Arte do Es-
pírito Santo/MAES e a Galeria Homero Massena, sendo que ambos abriram suas portas fora do horário usual
de funcionamento para nos receber: entre 18h e 22h. Os encontros aconteceram em meio a uma exposição
cuja montagem estava finalizada no MAES e outra em processo de construção na Galeria Homero Massena,
sendo norteados pela leitura do documento Museu e Escola: Educação Formal e Não Formal, disponível no
portal do Ministério da Educação.
Palavras-chave: Arte; Educação; Espaços Expositivos

ABSTRACT
This paper is a related discipline Art experience report on non school education, taught in the first period
of 2014 to a group of 25 students, of the night Visual Arts course at the Federal University of the Espírito
Santo. The sixteen-face meetings, eight were performed in the classroom of the UFES Education Center and
the other divided between exhibition spaces of the Museum of Art of the Espírito Santo / MAES and Home-
ro Massena Gallery, both of which opened their doors out of hours usual operation to receive us, between
18h and 22h. The meetings took place amid an exhibition whose installation was completed in MAES and
another under construction in Homero Massena Gallery, being guided by reading the document Museum and
School: Formal Education and Non-Formal, available on the Ministry of Education website.
Key words: Art; Education; Museum; Gallery

Introdução
O Departamento de Linguagens, Cultura e Educação da Universidade Federal do Espírito Santo é responsável pela
disciplina Arte na Educação Não Escolar, ofertada aos alunos do curso de Artes Visuais, noturno e diurno. A ementa da
disciplina apresenta como objetivos conhecer os referenciais propositores da inserção da Arte na educação não for-
mal; bem como oportunizar a compreensão das relações entre Arte enquanto componente expressivo e simbólico e
o homem, por intermédio de seminários e participação de mediadores e pesquisadores, enquanto promove a reflexão
acerca do papel do licenciado em Artes Visuais na mediação dos diversos espaços não escolares com a educação, a
Arte e seu ensino1. Porém, embora a proposta dos encontros presenciais seja de ocupar a sala de aula, espaço físico
designado pelo departamento para receber os alunos, compreendemos que a disciplina trazia em sua essência, revela-
da pelo próprio nome, uma potência que não poderia ser comportada pelos muros da Universidade.
Assim, no primeiro período de 2014, partimos em busca de uma parceria com o Museu de Arte do Espírito Santo na
pessoa de seu coordenador educativo à época, Renan Andrade e com a Galeria Homero Massena, tendo contato com
a coordenadora Franquilandia Raft. Ambos foram muito receptivos à proposta de fazer os encontros presenciais da
disciplina dentro dos espaços expositivos, tendo uma interação mais próxima e integral dos alunos não apenas com
os espaços, mas com suas rotinas, funcionários, parceiros e modos de trabalho. Destacamos que os horários usuais de
funcionamento desses espaços compreende termos entre 09h e 18h, sendo que, para receber a turma os horários de

1 Ementa da disciplina Arte na Educação Não Escolar da Universidade Federal do Espírito Santo, disponibilizada pelo Centro de Educação.

202
mediadores, vigilantes e apoiadores foram flexibilizados para que fosse possível nos atender. Compreendemos nessa
postura uma parceria muito importante entre a Universidade e os espaços expositivos públicos, não apenas dos órgãos
em si, mas das pessoas, que são quem verdadeiramente fazem tais instituições serem como são.
Os encontros aconteceram entre os meses de abril e julho de 2014, com locais de reunião que se alternavam entre a
sala de aula da UFES, o chão das salas de exposição do MAES e as cadeiras da Galeria Homero Massena. Durante os
encontros procedemos leituras reflexivas dos textos Museu como lugar de memória de Andréa Falcão, Museu como lugar
de pesquisa de Daniel Bitter e Museu como lugar de cidadania de Marta Marandino; textos componentes do documento
Museu e Escola: Educação Formal e Não Formal, disponível no site do Ministério da Educação. Contamos com a presença
de mediadores, compartilhando suas experiências e conhecimentos acerca da formação e do trabalho de mediação
nesses espaços, sendo que os encontros totalizaram quatro em cada espaço.
Ao término do período, os alunos se dividiram em dois grupos com a tarefa de produzir e apresentar uma proposta
educativa para os espaços visitados, para serem avaliados pelos coordenadores, Renan e Franquilandia. O último en-
contro aconteceu no auditório do Centro de Educação com a participação de todos os alunos e da coordenadora Fran-
quilandia Raft que nos ajudou a compor as notas dos grupos proponentes.

Arte e Educação fora dos muros


A ideia de uma proposta diferente da tradicional, composta por leitura de textos e reflexão coletiva, surgiu após o con-
tato com o documentário A Educação Proibida (2012), produção que contou com a participação de 8 países de língua
hispânica, 90 educadores em perspectivas alternativas educacionais e a colaboração de cerca de 704 co-produtores
que financiaram coletivamente sua realização. O filme de 140 minutos questiona o atual modelo educativo vigente
(Prussiano)2 propondo uma nova forma de educar, levando em conta as características de cada sujeito, sua potência
de vida e as experiências que cada um sistematiza em contato com outros e com novos saberes, advindos de leituras,
práticas e modos diversos de ensino e aprendizagem, que não apenas a leitura mecânica objetivando a memorização
de conteúdos, sem conexão com a vida e história pessoal de cada educando.
Concordamos com Walter Benjamin (1994, p. 150) quando nos diz que “o mundo é um teatro do mundo. [...] não se
exige dos candidatos senão que interpretem a si mesmos. Está absolutamente excluído que eles sejam o que represen-
tam.” Assim, compreendendo o objeto sensível produzido pelo artista como parte do jogo de representação da vida e
do mundo, propusemos uma educação que transbordasse, ainda que só um pouco, o conceito tradicional de educativo,
o que se atém ao espaço fechado da sala de aula, com lugares bem marcados de professor e alunos, lugares físicos e
simbólicos.
A comparação das escolas aos presídios (FOUCAULT, 1987), com muros e grades, tempos demarcados e sinais estéreis,
sem nenhuma menção ao humano, fardamento obrigatório e um sistema rígido que busca docilizar os corpos (FOU-
CAULT, 1987) dos sujeitos a ele submetidos, em todos os níveis hierárquicos, faz com que qualquer outra forma de edu-
cação que subverta tal lógica seja proibida. No mínimo, observada com cautela. Assim como uma linha de montagem
com engrenagens gigantes e difíceis de mover, parece-nos ser o modelo educacional vigente em nossas escolas, onde
a dimensão humana é substituída por números, traduzidos em pautas com notas e faltas, rendimentos e defasagem,
gráficos e estratégias ocupadas de alimentar estatísticas, pouco afeitas aos sujeitos que sustentam o funcionamento da
máquina. E que máquina. Muitos diriam que assim tem funcionado há séculos, mas, a que preço? Pensando nesse valor,
humano, que sobrepõe números e eleva as relações, propusemos que os encontros presenciais acontecessem nos espa-
ços expositivos. Um desejo que não seria possível sem a parceria de pessoas, comprometidas com a Arte e a educação
que acontece nesses espaços; uma educação de outra ordem, subversiva ao sistema tradicional sem propor substituí-
lo ou mesmo desmerecê-lo, que parte de outras pessoas, o público que o sistema anseia sob a forma de números, mas
que decidimos chamar por nomes, como deveria ser.
Renan Andrade, coordenador do Museu de Arte do Espírito Santo - MAES, localizado no Centro de Vitória, recebeu-nos
durante todo o mês de maio de 2014. Naquele momento estava em cartaz a exposição Meu país Tropical, da artista
plástica alemã radicada no Brasil, Heidi Liebermann. Em nosso primeiro encontro visitamos todas as salas da exposi-
ção, sem mediação institucionalizada. Ao término da visita, Renan nos levou ao auditório do museu, apresentando-nos
dois vídeos institucionais, ambos do sistema SESC: Pompeia e Belenzinho. Neles pudemos conhecer algumas ações
educativas desses espaços, como oficinas de fotografia com crianças e visitas guiadas a exposições interativas. É fato
que um dos grandes méritos da Arte contemporânea é a aproximação do público com a obra, o artista e o conceito de

2 O atual sistema “Pussiano” originado do padrão militar de educação da Prússia, no século XVIII, tem como objetivo gerar uma massa de pessoas obedientes
e competitivas, com disposição para guerrear. Fonte: http://muitoalem2013.blogspot.com.br/2014/10/documentario-educacao-proibida.html. Acesso em 13 de
maio de 2015.

203
Arte; seja pelo uso de materiais comuns ao cotidiano pós moderno, seja pela estrutura interativa da obra ou a aborda-
gem de temáticas que nos inquietam e deslocam de nossa zona de conforto.
No segundo encontro discutimos o texto Museu como lugar de memória, de Andrea Falcão, sentados em uma das salas
da exposição de Heidi Liebermann. Destacamos que somente o fato de não estarmos dentro das quatro paredes da
sala de aula causou uma mudança em nossa forma de olhar os conteúdos ali discutidos. Conversar sobre o conceito
de museu como espaço de preservação da produção humana, mas não apenas do manufaturado, da ideia, do objeto
poético, do discurso verbal e imagético, também da subjetividade e do encontro com o humano, foi uma significativa
oportunidade, para nos desviarmos um pouco da linha de montagem que percorremos ao longo de nossa história e
experiência escolar como alunos da educação básica.
E as obras de Heidi convidavam a esse olhar: para a cidade, que poderia ser qualquer uma, em cores vibrantes, quentes,
formas orgânicas, figuras e símbolos que representam muitos Brasis. A sala que escolhemos para este encontro tinha,
como parte da obra, uma instalação localizada no chão, composta por embalagens descartáveis de plástico colorido
translúcido. O jogo de luzes sobre a instalação gerava uma sensação estética que quase nos desviava do que eram
aqueles objetos: descartáveis. E assim, entre a obra e o texto lido, conversamos sobre o que era descartável e durável
na escola, na relação com a Arte e seu ensino, dos alunos, da escola com seus professores e funcionários. Discussões
que talvez não tivessem
o mesmo direcionamento e potência se acontecessem em outro lugar que não aquele. Então nos perguntamos, por um
momento, qual a importância do lugar? Deslocando a pergunta para a escola, onde a sala de Artes (quando existe) é o
lugar da criação e da descoberta, do contato com a produção artística separada pelo tempo cronológico e aproximada
pela reprodução e pela evocação que a reafirma como Arte e encontramos alunos do ensino superior que ainda bus-
cam esse lugar. Para além das quatro paredes. Para além da aparência física proporcionada pelo sistema. O lugar da
Arte em nós e em nossos alunos.
No terceiro encontro conversamos com os mediadores do Museu acerca de suas experiências de mediação e de tra-
balho com a Arte, com os visitantes e com as obras. Encontramos narrativas muito potentes do ponto de vista técnico,
mas também da prática docente. Receber o quantitativo, esse que alimenta as estatísticas e determina quanto de verba
a instituição receberá para a próxima empreitada, era acolher outros em um universo paralelo que subverte a ordem
natural do mundo sensível. Mas quanto de preparo é necessário nessa experiência? Segundo Benjamin (1994, 201)
este é o papel daquele que compartilha seus saberes, um amálgama de leituras, experiências sensíveis/estéticas e o
que dessas vivências se transforma em reflexão e gera conhecimento. Para ele “o narrador retira da experiência o que
ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus
ouvintes.”
No terceiro encontro o grupo escolheu a sala onde estava a obra Alemão: um grande painel suspenso com seis retratos
divididos em duas fileiras, os quais obedeciam a ordem perfil para a esquerda, frontal e perfil para a direita. Na primei-
ra fileira o indivíduo, negro, se apresenta mais velho e na segunda, mais jovem, um menino. No chão, sob o painel, uma
linha contínua delineia a forma de um corpo tombado, visão tradicional de uma cena policial em casos de assassinato.
O tema da violência nas escolas trouxe aos alunos a memória de que a cada dia muitos meninos são ceifados da vida,
do seio de suas famílias e dos bancos das escolas, pela violência muitas vezes traduzida nas ausências, corporificada
sobretudo pela desigualdade social. Recentemente foi divulgado um relatório que constatava: as chances de um jovem
negro morrer assassinado é duas vezes e meia maior que as de um jovem branco ter o mesmo fim.3 Embora à época
não tivéssemos em mãos os dados desta pesquisa publicados, percebemos tais resultados em nossa prática docente,
nos noticiários das mídias que a tudo espetacularizam (DEBORD, 1997) na dor das famílias que confiam suas crianças
ao sistema educacional. Seguimos com a leitura do texto Museu como lugar de pesquisa de Daniel Bitter, compreenden-
do o trabalho do Arte educador análogo ao do pesquisador, o qual percebe sua sala de aula como lugar de pesquisa,
reflexão, produção, sistematização e divulgação de conhecimento. Seja em âmbito escolar, seja em seminários e outras
formas acadêmicas de publicação.
O quarto encontro contou com uma visita mediada às salas expositivas, tendo a presença da turma de primeiro perío-
do do curso de pedagogia da UFES, alunos da professora Sonia Ferreira. Os mediadores da exposição foram os alunos
do curso de Artes Visuais, os quais se dividiram em salas para melhor atender ao público em suas experiências diante
das obras. Em seguida procedemos ao encerramento do encontro, no auditório do Museu, com as percepções dos alu-
nos de Artes e de Pedagogia. Muitos alunos da Pedagogia nunca haviam entrado no espaço expositivo, alguns con-
fessaram não saber sequer qual seria o uso do prédio, para alguns foi o primeiro contato com a Arte contemporânea.
Relembramos que para nossos alunos na educação básica o mesmo acontece, sendo que a escola pode, na figura do
Arte educador, oferecer a eles o acesso a esses espaços e experiências. Lembramos Walter Benjamin (1995, p. 101) que
de maneira poética traduz a experiência estética do contato com a obra.

3 http://peep.ebape.fgv.br/sites/peep.ebape.fgv.br/files/A_cor_dos_homicidios_no_Brasil_Julio_Jacobo_Waiselfisz.pdf. Consultado em 14 de maio de 2015.

204
A história provém da China e fala de um pintor idoso que permitiu aos amigos admirarem sua tela mais
recente. Nela estava representado um parque, um caminho estreito que seguia ao longo da água e através
de umas folhagens e que terminava em frente de uma pequena porta que, no fundo, dava acesso a uma
casinha. Eis que quando os amigos procuraram o pintor, este já se fora tendo penetrado no próprio quadro.
Ali percorreu o caminho estreito até a porta, deteve-se calmamente diante dela, virou-se, sorriu e desapare-
ceu pela fresta. Assim também, com minhas tigelas e meus pincéis subitamente me transportava para dentro
do quadro. Assemelhava-me à porcelana na qual fazia minha entrada com uma nuvem de cores.
Sabemos que a decisão de mergulhar no quadro pertence ao aluno. No entanto, a decisão de levá-lo à beira do lago
(ou do quadro) é do professor de Artes.
Os encontros do mês de junho aconteceram na Galeria Homero Massena. A artista e aluna do curso de Artes Visuais
noturno, Ana De Sena, iniciava seu trabalho de desenhar sobre paredes e teto de toda a galeria, formas orgânicas que
denunciavam sua formação inicial, de enfermeira, e sua escolha mais recente, pelas Artes. Em nosso primeiro encontro
fomos recebidos por um grupo de mediadores e pela coordenadora do espaço, Franquilandia Raft, a qual convidou para
compartilhar conosco suas memórias o funcionário José Augusto Nunes Loureiro, atuante na Galeria desde 1977, tendo
se aposentado em abril do ano desta publicação. Conversamos sobre a história do espaço expositivo e compreendem-
os um pouco melhor sobre os trâmites políticos e institucionais que financiam a Galeria. Compreendemos a importân-
cia desse momento quando pudemos conhecer, em loco, os modos de funcionamento de um espaço público destinado
à exposição de Arte e cultura, as dificuldades para manter e conservar o acervo, a carência de profissionais e recursos
para que pudesse manter as portas abertas ao público e aos artistas interessados em mostrar seu trabalho. Tomamos
conhecimento dos editais da SECULT (Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo) e de como a Arte capixaba
ganhou visibilidade com a abertura a todos e não apenas alguns mais próximos da administração vigente em cada
governo.
Os demais encontros foram conversas com os mediadores do espaço, enquanto acompanhávamos os trabalhos da
artista Ana De Sena, literalmente acampada na Galeria para trabalhar ininterruptamente em seus desenhos, compos-
tos apenas por lápis grafite e seu imaginário interior. A exposição se chamou Elementares e foi aprovada no Edital
42/2013. Desta vez, para além dos muros da sala de aula, tivemos contato com o momento no qual o artista concebe
seu trabalho, tendo em vista que Ana não trabalhava com esboços ou planejamentos prévios, senão com o automatis-
mo de sua mente e sua capacidade técnica para o desenho. Tais experiências agregaram à leitura do texto Museu como
lugar de cidadania, de Marta Marandino, uma atividade um pouco mais solitária que a partilha coletiva, mas igualmente
necessária, na construção de conhecimentos efetivos os quais darão o tom das escolhas que fazemos enquanto do-
centes e sujeitos de nossa história. Durante o último encontro conversamos um pouco mais com Ana De Sena sobre o
trabalho, que a cada semana ganhava dimensões mais inacreditáveis, sendo que um pequeno desenho num canto atrás
de uma coluna já se constituía em um organismo vivo que pulsava e ganhava as paredes, pouco a pouco. Compreen-
demos com estas metáforas que a Arte educação, de igual modo, é um organismo vivo que muitas vezes permanece
amortizado na semente, encaixotado pelo sistema, pelas frustrações e decepções advindas dele. No entanto, ela per-
manece aguardando uma umidade, uma gota de água, para ser despertada dentro de si mesma e tomar as paredes, os
muros, os olhares docentes e por conseguinte, de nossos alunos. Pois se há algo verdadeiro sobre a Arte é que ela é
humana e altamente contagiosa para nos despertar dos processos de desumanização.

O Educativo do Museu de Arte do Espírito Santo: abordagens de uma mediação


crítica.
Ao se pensar práticas educativas deve-se priorizar o sentido das relações humanas, uma experiência do encontro, em
que o significado e o aprendizado podem ser construídos no momento da troca. Ser educador de espaços culturais su-
põe trabalhar com aproximações afetivas e horizontais – ainda que a situação ideal pra esse acontecimento dificilmen-
te exista –, e estar preparado para a diversidade de repertórios do público, estando sensível ao ambiente e à experiên-
cia dos visitantes, respeitando sua autonomia crítica.
O espaço institucional pode ser um lugar que potencializa as relações e o aprendizado mútuo, já que a exposição, seus
desmembramentos e redes de ações educativas se colocam no significado de um acontecimento: tudo pode ocorrer
dadas as intempéries.
Nas palavras do educador Cayo Honorato, ao se questionar acerca dos papeis entre os museus de arte e sobre os pa-
péis dos públicos:

205
Embora se façam em nome dos públicos, de um modo geral, os educativos – ou aquilo que a arte-educação
e a museologia muitas vezes chama de mediação cultural ou educação em museus e exposições – têm desa-
parecido com os públicos. (HONORATO, 2013, p.12)

Essa passagem nos coloca no lugar da necessidade urgente de compreender as complexidades das noções de público
e das práticas que envolvem o alcance desse – em totalidade de números – nas instituições culturais, inseridas no que
comumente chamamos hoje de indústria cultural.
Se a mediação se define como um encontro com o(s) público(s), como tornar esse processo uma experiência conjunta?
Na proximidade – ou afastamento – entre o espectador e a arte o mediador deve não só planejar e participar ativa-
mente, mas também criar um território que propicie essa ativação e o desejo livre de autonomia e participação da
fruição.
Se o mediador é detentor, tecnicamente, de maior intimidade com o espaço expositivo e com os trabalhos de arte in
loco, sua atuação deve aproximar os diversos indivíduos do contexto expositivo para além da linguagem artística. Não
que o trabalho de arte não seja importante, mas que ele seja apenas o estopim. O importante – mas não crucial – é
que o mediador forneça estratégias, dinâmicas e informações prévias para estimular as primeiras relações em conjunto,
incluindo o espectador também como protagonista da ação, buscando uma troca de repertórios que proporcione uma
construção conjunta sobre as proposições da exposição como linha de pensamento e reflexão. Essa ação gera expecta-
tivas mútuas e, nesse caso – aí sim é crucial – deve-se estar preparado para certas frustrações de comunicação.
No caso da experiência no Museu de Arte do Espírito Santo, o que o Educativo vem desenvolvendo em sua trajetória é
fruto de seus experimentos e estudos em mediação, seja no discurso e atuação dos mediadores, seja em como o museu
pratica suas ações educativas pensando suas visitas e em como construir conhecimento nesse espaço. Sempre foi deci-
siva a vontade de ampliar as possibilidades de fruição crítica e estética do educador e educandos dentro do espaço do
museu, reconhecido como espaço não-formal de aprendizado da arte.
O Setor de Arte Educação, tornado em 2013 o Núcleo de Ação Cultural e Educativa do MAES, sempre reconheceu que o
processo educativo do estagiário – prática recorrente para contratação dos mediadores – se dá em sua experiência na
atuação como mediador e educador, uma atuação também profissionalizante. Dessa forma, o próprio Educativo primou
pelo suporte teórico e prático relativo aos temas da educação, da história da arte e de uma mediação crítica, em parce-
ria com a universidade nas contratações para os programas educativos das exposições temporárias.
Não é possível, no entanto, falar em fruição e em mediação crítica sem antes percorrer a ideia de autonomia, alicerce
das palavras de Paulo Freire em sua “Pedagogia da Autonomia”. Esse conceito, há muito discursado para uma prática
no âmbito escolar, permeia cada vez mais as intenções da educação em espaços não formais, em se tratando da diver-
sidade de subjetividades que um espaço como um museu recebe. Segundo José Pacheco, fundador da Escola da Ponte,
em Santo Tirso, norte de Portugal:
[...] o que importa reter é que as práticas educativas condicionam o grau em que a autonomia se manifesta
nos indivíduos. O conceito de singularidade se situa aquém do conceito de autonomia. O reconhecimento da
singularidade consiste na aceitação das diferenças inter-individuais dentro de cada espécie. [...] autonomia
será o primeiro elemento de compreensão do significado de sujeito como complexo individual. Ela se ali-
menta da dependência do sujeito relativamente à sociedade e à cultura. (PACHECO, 2014, p. 233)

Se conectamos no espaço a ideia de sociedade, cultura e arte, é imprescindível se atentar para uma construção au-
tocrítica e reflexiva sobre que espaço e para quem é ele.
Tal estratégia foi muito efetiva durante as ações das exposições MEU PAÍS TROPICAL: Heidi Liebermann e A TERRA
QUIETA A TERRA INQUIETA: Bruno Zorzal, vigentes de abril a julho de 2014 no MAES. As ações, coordenadas pela cura-
doria educativa da instituição, abarcaram além da mediação no processo de atendimento do público, a elaboração de
um material educativo destinado não somente a professores, mas também ao público em geral, oficinas experimentais
em torno ditado popular jeitinho brasileiro, palestras, formação de professores e aulas abertas com alunos da disciplina
Arte na Educação não Escolar, ministrada por Dianni de Oliveira, do Programa de Pós Graduação em Educação da UFES.
As aulas abertas possibilitaram um debate profundo e extremamente necessário naquela ocasião, tanto para os media-
dores do museu quanto para os alunos da universidade, imersos num sistema de acepções pedagógicas.
Todas as propostas educativas das exposições elencaram questões baseadas numa crítica ao discurso elencado pela
curadoria das mostras supracitadas, baseadas no tema da brasilidade enquanto “meu país tropical”. O texto de apre-
sentação do material educativo, construído coletivamente com os mediadores e coordenado por Renan Andrade e pela

206
artista e educadora convidada Carla Borba, elencava perguntas a partir da exploração das temáticas que envolvem a
ideia de lugar, histórias e experiências individuais:
Como lidamos com nossos repertórios individuais frente à necessidade de uma vivência coletiva, de uma
poética da alteridade? O que é tropical? O que é meu país? É possível um MEU igual ao SEU? A propos-
ta aqui é tornar a experiência de cada leitor um processo de ativação crítica da memória e do corpo, que
seguem no fluxo dos territórios destituídos de identidade, no constante devir. [...]É possível uniformidade na
fusão de vontades íntimas, experiências únicas, vivências diversas e ideais contraditórios? É possível uma
ética da idiossincrasia? (SILVA, 2014, s/p)

Dessa forma, a prática da mediação crítica se apresenta como um lugar de reflexão que parte de uma desconstrução
dos ditames muitas vezes impostos pela curadoria – por vezes restrita – de uma exposição. Não se nega o tema eleito,
mas o destrincha para questões menos herméticas e mais diretas conforme a realidade dos questionamentos de um
público que, tantas vezes, não está habituado a duvidar do que recebe textualmente e institucionalmente.
É, por fim, necessário em todo esse processo de mediação cultural na campo institucional da arte acessar uma certa
função anti-pedagógica da arte, como referenciada em título na passagem da artista e editora da revista Urbânia, Grazie-
la Kunsch, em que, dentre outras palavras, “a mediação crítica é aquela que se recusa a oferecer respostas na ausência
de perguntas. [...] A arte pode mostrar que o impossível é possível, que o errado pode ser certo, que não entender as
coisas pode ser bom.” (KUNSCH, 2014, p. 240).

Galeria Homero Massena: Mediação e Arte


A Galeria Homero Massena – GHM é o espaço da Secretaria de Estado da Cultura – SECULT, voltado a produção con-
temporânea de artes plásticas. Inclui em sua programação as exposições selecionadas pelos editais anuais, mostras
do acervo e ação educativa em atividades que propiciem a interação entre o público, a obra, o artista, os educadores e
a equipe institucional – bate-papos, palestras, encontros de formação em arte contemporânea e oficinas. Funciona no
térreo do Edifício das Fundações, na Cidade Alta, no Centro Histórico de Vitória, a Rua Pedro Palácios, 99, desde março
de 1977 e tem como Missão:
Promover o reconhecimento de novos talentos capixabas na área de Artes Visuais por meio de ações que
valorizem a interação com a comunidade, a inclusão social, a prática da cidadania e a difusão do conheci-
mento.
Quando foi criada, na garagem do Edifício das Fundações, a GHM era o único espaço do governo estadual dedicado
exclusivamente as artes visuais. Vinculada a Fundação Cultural do Espírito Santo e posteriormente ao Departamento
Estadual de Cultura, realizava as exposições por meio de convite, promovendo intercâmbios e workshops entre artistas,
coletivos e ateliês - atividades muito comuns nas décadas de 80 e início da década de 90. Exposições como a de Frans
Krajceberg, Oficina Guaianases de Gravura e grupo de Gravadores Mineiros são exemplos de vivências que permiti-
ram aos artistas locais o acesso ao que estava circulando pelo país. Com a criação de museus e galerias particulares
no Estado, o perfil da GHM mudou: os quadros nas paredes foram se tornando cada vez mais raros, a performance, o
site specific e outras manifestações da arte contemporânea ganharam espaço. Para dar conta do novo perfil, diante da
competitividade dos jovens artistas, o Edital de Ocupação surge em 2006/2007 como forma legítima e transparente de
seleção. Em 2013, com a inserção do Edital de Ocupação da GHM no Funcultura é destinado, pela primeira vez, recurso
financeiro a cada selecionado e designado um orientador de projetos para acompanhar cada artista desde a concepção
até o término da exposição. Nessa edição, o Programa de Exposições Temporárias da Galeria Homero Massena recebeu
44 portfólios, e foram selecionados pelo Edital 42/2013 – FUNCULTURA quatro portfólios pelo grande potencial para
se tornarem projetos expositivos a serem desenvolvidos pelos artistas: Ana De Sena, sob orientação de Carlos Eduardo
Borges; Mariana Reis, sob orientação de Rafael Pagatini; Herbert Baioco sob orientação de Marcos Martins e Nicolas
Soares sob orientação de Yiftah Peled. Parcerias com a SEDU; Secretarias Municipais de Educação da Serra, Cariacica,
Vila Velha e Vitória; Instituto Polo Arte na Escola/Faculdade Novo Milênio, CETURB/Gv Bus e UFES são essenciais ao
sucesso da ação educativa.
A ação educativa consiste em atividades que incentivam o público a sair do lugar do expectador e ouvinte e, criar uma
conexão com obra de arte contemporânea a partir de sua experiência, de sua bagagem cultural, de sua percepção. Em
toda exposição são realizados os Encontros de Formação em Arte Contemporânea (momento em que os professores
dialogam com o artista e com a equipe da GHM, discutindo material educativo e formas de apresentar o conteúdo da
exposição aos estudantes de acordo com a faixa etária); rodas de conversa com o artista e o orientador; oficinas e visi-
tas mediadas para grupos mediante agendamento.

207
Na Exposição Elementares, de Ana De Sena foram atendidos 2354 visitantes. No Encontro de Formação em Arte Con-
temporânea compareceram 87 educadores. A oficina de Desenho reuniu 19 pessoas com deficiência, participantes
do Programa Mão na Roda, da Ceturb. Na roda de conversa 22 pessoas compareceram para dialogar com a artista e o
orientador.
Os artistas quando selecionados, assinam termo de compromisso no qual se comprometem a participar da ação edu-
cativa, com o mínimo de atividades as quais devem estar presentes, estipuladas pelo Edital Funcultura. Entretanto, Ana
De Sena foi uma das artistas dessa temporada de Exposições que mais se envolveu com o público, participando de
muitas rodas de conversa com estudantes, recebendo desde grupos de crianças aos acadêmicos, junto com a equipe da
GHM em muitos momentos durante sua exposição. A interação com o público certamente propicia ao artista e ao vis-
itante momentos únicos que não cabem em palavras e sermos testemunhas disso faz nosso trabalho no equipamento
cultural valer a pena.

Licenciatura em Artes Visuais e Espaços Expositivos: Algumas reflexões


A experiência de ministrar as aulas da disciplina Arte na Educação Não Escolar, dentro do Museu de Arte do Espírito
Santo e da Galeria Homero Massena, mostrou-se extremamente enriquecedora. Tanto para os alunos, quanto para os
demais envolvidos nos encontros: professora, coordenadores e mediadores. Desde o início sabíamos do sentimento de
insegurança de nos deslocarmos até o Centro de Vitória em um horário complicado, o noturno, quando o movimento
na cidade é menor e há pouca percepção de policiamento ostensivo. No entanto, ao contrário do que esperávamos, no-
tamos a presença da polícia militar em várias ruas de acesso aos espaços, além de nos organizarmos para que aqueles
que tivessem transporte particular (carro e moto) pudessem oferecer traslado aos colegas, sobretudo na saída, até lo-
cais com maior concentração de pessoas aguardando o transporte público. Destacamos a legitimidade dessa preocupa-
ção, pois, desde sempre o trabalho feito era para os alunos, em toda a amplitude que isso pudesse representar. Assim,
assegurar que eles pudessem se deslocar até os espaços expositivos a salvo e retornassem às suas casas do mesmo
modo, fez parte do planejamento dos encontros, para além do plano metodológico e pedagógico da disciplina.
O último encontro aconteceu no auditório do Centro de Educação, com a presença da coordenadora da Galeria Homero
Massena, para avaliação das propostas feitas pelos grupos aos espaços expositivos visitados. Foi entregue aos alunos
um roteiro onde eles deveriam apontar quem era o público atual e qual o nível de envolvimento do Educativo com ele.
Além disso, foi solicitado aos alunos que indicassem o público pretendido para a ação educativa, bem como as estra-
tégias pensadas por eles para efetivar uma aproximação como publicidade, formações e oficinas. Eles também deve-
riam pensar em estratégias de fidelização, tendo em vista a seguinte projeção: como fazer o “visitante de primeira vez”
voltar mais vezes? Quanto ao acervo, solicitamos que pensassem um modo de potencializar seu acesso, promovendo a
qualidade da experiência do público no contato com as obras, refletindo sobre estratégias de alcance e difusão.
Os grupos apresentaram suas propostas em slides, com auxílio de datashow. Os alunos que fizeram a proposta ao Mu-
seu de Arte do Espírito Santo pensaram em estratégias que incluíam a visita dos funcionários de lojas vizinhas ao es-
paço, os quais muitas vezes sequer sabiam o que funcionava no prédio do Museu4. Chegaram a pensar na possibilidade
de haver um elevador panorâmico externo para melhorar a acessibilidade, embora não tivessem apontado de onde
viriam os recursos para tal melhoria. Incluíram chamadas de utilidade pública nas rádios como parcerias sem custo
e concluíram apontando a necessidade de abrir o espaço em horários alternativos, como o noturno, para que os fun-
cionários pudessem visitar as exposições após o horário de trabalho. O segundo grupo, apresentou uma proposta que
visava incluir aposentados e idosos do Centro de Vitória no circuito de visitação da Galeria Homero Massena. Segundo
eles, o espaço poderia figurar como mais uma opção de lazer aos idosos, que muitas vezes passeiam pelo Centro, sendo
moradores ou visitantes de outros pontos da região. Oficinas direcionadas a esses sujeitos foram apontadas como es-
tratégias de fidelização e a panfletagem como meio de divulgação das exposições.
Ambos os grupos se mostraram bastante envolvidos com a possibilidade de pensar ações e melhorias aos espaços
expositivos visitados. Experiências como a de acompanhar um artista enquanto prepara as obras para a exposição
também foram citadas como parte importante do processo educativo em espaços não escolares. Compreendemos que
as vivências de deslocamento e saída da Universidade, não apenas com o intuito de mudança de ambiente, contribuí-
ram para uma efetiva formação acadêmica dos alunos de Artes Visuais, nesta disciplina. Estes que, depois de formados,
compartilharão com seus alunos na Educação Básica, a experiência de vivenciar a Arte em outros lugares que não
apenas a sala de aula, cogitando, eles mesmos, a possibilidade de transbordamento da educação em Artes para além
dos muros da escola.

4 Informação oral dos encontros com mediadores. Museu de Arte do Espírito Santo/ 2014.

208
Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter. Franz Kafka, a propósito do décimo aniversário de sua morte, 1934. Magia e técnica, arte e política:
ensaios sobre literatura e história da cultura.Obras Escolhidas. 7 ed, São Paulo: Brasiliense, 1994
______________. O narrador, 1936. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.Obras
Escolhidas. 7 ed, São Paulo: Brasiliense, 1994
______________. Infância em Berlim. Rua de Mão Única, Obra escolhidas II. 5 ed, 1995, Ed. Brasiliense.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987.
HONORATO, Caio. Tem alguém, algo aí? O público, os públicos, um público. Seminário Reconfigurações do Público - Arte
Pedagogia e Participação. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2013.
KUNSCH, Graziela (org.). Revista Urbânia 5. Educação : Pressa, 2014, p. 240.
PACHECO, José. O conceito de autonomia. In: KUNSCH, Graziela (org.). Revista Urbânia 5. Educação : Pressa, 2014
SILVA. Renan A. Meu território Seu Território: uma poética da alteridade. Material Educativo das exposições MEU PAÍS
TROPICAL: Heidi Liebermann e A TERRA QUIETA A TERRA INQUIETA: Bruno Zorzal. Museu de Arte do Espírito Santo,
2014.

Dianni Pereira de Oliveira


Mestra em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação / UFES e licenciada plena em Artes Visuais pela
Universidade Federal do Espírito Santo, atuou como professora de Artes na rede particular de ensino de Vitória de
2007 a 2010. Professora substituta de Didática e Estágio do Ensino das Artes no Departamento de Educação da UFES,
pesquisa relações de experiência e memória presentes nos desenhos de crianças que assistem desenhos animados.

Renan Andrade
Assistente em Artes Visuais do Centro Cultural Sesc Glória e Mestrando do Programa de Pós Graduação em Artes da
UFES.

Franquilandia G. R. Raft
Coordenadora de Artes Visuais da Secretaria de Estado da Cultura, responsável pela gestão da Galeria Homero Masse-
na desde junho de 2012. Especialista em Educação a Distância/ UFES. Artista plástica com produção de gravura, livro
de artista e arte postal.

209
PROFESSOR DE ARTE, ARTISTA PLÁSTICO E ALUNO DE
PEDAGOGIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Rosana Lucia Paste (Ufes)
Veronica Devens Costa (Rede Doctum)

RESUMO
Ao nos referirmos à formação do professor, entendemos que ela passa também pelo aluno do curso de Ped-
agogia, uma vez que, esse futuro profissional tem também o compromisso de oportunizar as ações a serem
desenvolvidas na escola, sejam elas para aqueles que atuam na sala de aula, ou para aqueles que assumem
a função pedagógica, como por exemplo, a de organização do espaço escolar, podendo assim direcionar um
olhar sensível quanto às práticas desenvolvidas pelo professor de séries iniciais ou pelo professor de Artes.
Assim, este artigo tem por finalidade apresentar e refletir sobre a prática artística de modelagem oferecida
às alunas do 5º período do curso de Pedagogia, na disciplina de Arte na Educação e desenvolvida pela artis-
ta plástica e, também, professora Rosana Paste.
Palavras-chave: Ensino da Arte – Artista Plástico - Pedagogia

ABSTRACT
When we refer to the teacher’s formation, it’s our understanding that it passes through the pedagogy course
student, once that that future professional also has the commitment of giving opportunity the actions to
be realized at school, whether for those who act at the classroom or for those who assume the pedagogy
function, for example, the one of school space organization, can thus direct a sensible look to the practices
realized by the infant grades teacher or the art teacher. So, this article has as its goals to present and think
about the art practice of modeling offered to the 5th grade of the pedagogy course, in the art in education
subject and realized by the artist and professor Rosana Paste.
Key words: Teaching Art - Plastic Artist - Pedagogy

Introdução

Encontramos vestígios da Arte que foram impressos nas paredes das cavernas há milhões de anos atrás. Nessa época,
o homem deixava registros nas paredes como forma de se comunicar com seus pares, retratando cenas do seu cotidia-
no, sua cultura, sua religiosidade.
A partir desse momento, a Arte foi evoluindo e ocupando espaço na sociedade. Podemos encontrá-la marcando épo-
cas, lugares, culturas, contribuindo para a preservação e criação de produtos e conhecimentos culturais, indispensáveis
a qualquer grupo que esteja inserido em um processo de evolução expressiva e cultural.
Com todas as evidências que temos sobre a importância da Arte no desenvolvimento humano, consideramos também
a sua importância e necessidade na educação. Porém, temos aqui uma série de indagações pragmáticas, e que algu-
mas vezes não são contempladas com ações que corroboram para a real inserção da arte na educação e, consequente-
mente, na sociedade.
Com isso, muitas hipóteses são feitas para entendermos os motivos pelos quais, essas ações sejam inócuas. Entre
essas hipóteses, a formação em Arte nos chama atenção, entendendo que essa venha a ser uma justificativa. Sabemos
que a legislação e os objetivos que abarcam o ensino da Arte assumem várias questões que, cremos, sejam cruciais
para o desenvolvimento pleno do indivíduo.

210
De acordo com o artigo 26 parágrafo 2º1: “O ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos
níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Amparados nessa legislação,
percebemos a dimensão do ensino da Arte para a criança e para o jovem. Até porque, ela oferece ao aluno vivências em
que, certamente, ele se reconhecerá como cidadão crítico e criativo.
Ao nos referirmos à formação do professor, entendemos que ela passa também pelo aluno do curso de Pedagogia, uma
vez que, esse futuro profissional tem também o compromisso de sugerir ações a serem desenvolvidas na escola, sejam
elas para aqueles que atuam na sala de aula, ou para aqueles que assumem a função pedagógica, como por exemplo, a
de organização do espaço escolar, podendo assim direcionar um olhar sensível quanto às práticas desenvolvidas pelo
professor de séries iniciais ou pelo professor de Artes.
O curso de Pedagogia forma profissionais que exercerão as funções do magistério na Educação Infantil e no Ensino
Fundamental. Além das disciplinas básicas para esse curso, outras modalidades da educação são contempladas, como
a Educação Especial, a Educação para Jovens e Adultos, entre outras, que darão suporte às diversidades existentes, não
só na educação, bem como em todas as áreas de convivência humana. Nesse curso, os conhecimentos de Matemática,
Língua Portuguesa, Ciências, Geografia e História, sempre estiveram presentes no currículo. Só muito recentemente, a
disciplina Artes foi contemplada também como disciplina específica, embora algumas instituições ainda não a insiram
em sua grade curricular.
Na Lei de Diretrizes e Bases referente à disciplina de Artes encontramos referências que colaboram para que o aluno
(futuro professor) exercite o ato de criar,
[...] o professor também é um criador de formas [...] e que na pesquisa de fontes de instrução e de comuni-
cação em Arte [...] se estabelece o caráter criador da atividade de pesquisa do professor. O professor é que
deve buscar [...] na realidade circundante elementos que contribuam para o enriquecimento da aprendiza-
gem artística de seus alunos [...] (BRASIL, 1997, p.72)
Nesse sentido, para potencializar os estudos constantes da disciplina Artes, mediamos uma oficina de modelagem. A
principal proposta dessa ação foi propiciar às alunas do curso de Pedagogia um olhar diferenciado sobre as práticas
expressivas desenvolvidas nas aulas de Artes. Assim, estaríamos promovendo um diálogo entre o professor de Arte
(Verônica Devens), o artista plástico (Rosana Paste) e o aluno de pedagogia (turma onde realizamos a oficina), possibil-
itando que esse aluno contextualizasse as teorias conhecidas e desenvolvidas durante o semestre, além de se envolver
expressivamente.
Sob este viés, o presente artigo tem por finalidade apresentar e refletir sobre a prática artística de modelagem ofere-
cida às alunas do 5º período do curso de Pedagogia, na disciplina de Arte na Educação e desenvolvida por uma artista
plástica.

A oficina: artista x prática


A oficina de modelagem teve como aporte teórico um trabalho já desenvolvido: “eumuseu rosanapaste” (PASTE, 2014).
Nele encontramos o projeto Geografia Genética que consiste em fotografar três gerações de uma mesma família, ou
seja, avô-pai-neto ou avó-mãe-neta. As fotos são das mesmas partes dos corpos onde a pele fica em evidência: uma
mostragem da ação do tempo naquele espaço/corpo e naquele corpo/tempo. O nome Geografia Genética é pensar o
corpo como uma geografia que se modifica a cada tempo passado e, genética, por criar possibilidades de leitura neste
espaço corpo que não são exatas, visto que podemos ter semelhanças com descendentes que nem sequer conhecemos,
o DNA como matéria imaterial, sem controle, sempre em processo.
Ele ficou em assentamento durante algum tempo. O termo assentamento aqui indica que no processo de criação
qualquer ideia para produção de um objeto de arte passa por um longo período de pensar e na maioria das vezes
somente rascunho, projeto, desenho, cálculo, risco e assim vai sedimentando, tomando forma, corpo até chegar a con-
strução, perpassando por momentos de compreensão e aquisição do conhecimento necessário para prosseguir.
Neste percurso erros são facilmente perceptíveis e caso eles aconteçam é necessário repensar, refazer e às vezes mod-
ificar para que o projeto tome forma. O ritornelo à Geografia Genética foi inevitável, pois precisava conduzir a uma es-
pécie de lugar “entre o eu e o que está fora de mim” (grifo nosso) ,em que a conexão interior/exterior fizessem sentido
para produção desta nova série de esculturas. Neste retorno, o trabalho com doze anos de existência, adquiriu formas
mais objetivas: não precisando mais fotografar famílias de amigos e a ação do tempo naquele espaço/corpo.
Destacamos um relato significativo para a condução dos trabalhos:

1 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf – acesso em 23/06/2014

211
Bastava a minha história, bastava ser eu mesma, bastava ser o que consigo ser, bastava a minha cartografia.
E a pesquisa ganhou força com o registro fotográfico de minha família: Daniel meu filho, eu e Dona Jove,
minha mãe. As possibilidades infinitas foram surgindo a partir dos primeiros registros fotográficos amadores,
feitos por mim. Comecei a mapear a pele de Dona Jove, pois o tempo naquele espaço/corpo é mais reve-
lador, mais escultórico, mais sincero. A cada registro uma grata surpresa da estética que procurava (PASTE,
2014).
Como nos mostra Pasolini (PASTE, 2014, p.24),
O corpo humano é uma escultura a mercê do tempo e da genética. Ele cresce, se expande, adquire marcas,
colorações e, por fim, encolhe. Como escultura é topografia, uma paisagem de relevos, cavidades, rios, plan-
tas, minerais. É uma mostra da terra (geo) cujo destino é amplamente determinado por genes (origem). A
ação artística pode interferir nesse destino pré-traçado, reterritorializando o corpo e ao mesmo tempo dia-
logando com a sua genética, fonte de história e o cinzel que realiza essa escultura lenta, mas que progride
inexoravelmente.

Figuras 01, 02 e 03: Fotografia de Rosana Paste.


Fonte:Geografia Genética, 2014 , impressão em canvas.

Esses corpos que tornam matéria prima para as esculturas, passa a ser uma proposição artística inesgotável à medida
que o registro feito naquele dia, naquele espaço/corpo, não é mais o mesmo hoje, nem o será amanhã. A ação artística
neste caso, cria novos territórios onde o corpo, em seu tempo e espaço, transgride sua forma de existência.
Para a oficina que propomos às 21 alunas do 5º período do curso de Pedagogia, pedimos que levassem gesso, argila e
recipientes. Curiosidade à flor da pele, orientamos uma prática abordando uma das mais antigas técnicas de escultu-
ra: a modelagem, onde o corpo de cada participante é a matriz. Utilizamos o umbigo de cada uma para construção da
escultura.
Iniciamos o trabalho sem muitas explicações, pois nos interessava a fala deste aluno ao entrar em contato com práti-
cas artísticas. Foi imediato o questionamento da utilização do corpo para produção do trabalho, e as falas eram desde
questões morais a questões estéticas. Pedimos para que cada aluna definisse seu umbigo em duas palavras, e as res-
postas foram diversificadas: “fonte de vida, uma cicatriz, feio, eu gosto do meu...”. Quando perguntamos se conheciam
o próprio umbigo, a grande maioria disse sim, mas quando aprofundamos o debate sobre a dificuldade de ver o fundo
pois é uma cavidade, que não damos muita atenção uma vez que o umbigo não exige tanta atenção, teve inicio um
diálogo provocativo gerando indagações e discussões. Nesse momento, a principal questão seria ver a diferença de um
umbigo do outro. Todas as alunas já estavam com desejo de realizar o trabalho. Encontramos reverberação para esse
momento em Deleuze e Gattari quando nos afirma que,
[...] para qualificar a relação entre o olho e a mão, não basta dizer que o olho julga e as mãos operam. A
relação entre mão e olho é infinitamente mais rica e passa por tensões dinâmicas, inversões lógicas, trocas e
vicariâncias orgânicas[...] (DELEUZE, 2007, p. 155)
E que DAMASIO corrobora, quando diz que:
(…) o corpo é visto como um lugar em que são desencadeados os processos cognitivos. Sabemos que o
cérebro pensa porque o corpo lhe jorra conteúdos essenciais, alianças cognitivas com o que nos envolve no
meio circundante. Pela mediação do corpo, as emoções participam da racionalidade. Cérebro e corpo se em-
bricam, não havendo controle de um sobre o outro(...) (DAMASIO, apud MARTINS E PICOSQUE, 2012, p. 33)

212
Dessa forma, ao proporcionarmos às alunas uma experiência onde os sentidos ultrapassam a experiência permanente
dos olhos e da mão, ampliamos o conhecimento e entendimento de suas ações em suas futuras práticas pedagógicas,
proporcionando uma sensibilização no trato com as diferenças no/do/com o ser humano.

Figura 04. Oficina de Modelagem 1


Fotografia de Veronica Devens. Fonte:Acervo pessoal

Figura 04. Oficina de Modelagem 2


Fotografia de Veronica Devens. Fonte: Acervo pessoal

Figura 04. Oficina de Modelagem 3


Fotografia de Veronica Devens. Fonte: Acervo pessoal

213
Figura 05. Oficina de Modelagem 4
Fotografia de Veronica Devens. Fonte: Acervo pessoal

Ao iniciarmos uma pesquisa em Arte nos questionamos sobre qual o ponto de partida e como se poderia realmente
efetivar uma investigação numa área em que as questões surgem durante o processo da produção. Para Deleuze e
Guattari (2011, p.19) “Escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam
regiões ainda por vir”.
No processo de criação, ocorrem momentos que envolvem experimentações e testagens a partir de determinadas es-
colhas de materiais que são colocados em confronto e, nesse percurso entre decisões e indecisões, entre erros e acer-
tos, a imagem se concretiza. Todavia, nesse movimento observam-se coisas que são indizíveis, que estão evocando algo
do invisível, aquilo que o pensamento não tem controle, mas que entram em acordo durante o processo do fazer e do
pensar. Para Salles (1998, p.72),
O processo criativo é palco de uma relação densa entre o artista e os meios por ele selecionados, que
envolve resistência, flexibilidade e domínio. Isso significa uma troca recíproca de influências. Esse diálogo
entre artista e matéria exige uma negociação que assume a forma de obediência criadora.
Ao investigarmos a reação-ação dos alunos quando estimulados ao trabalho e à criação, tendo o ensaio de uma de-
scrição direta de nossa experiência, tratamos em descrever, investigar, explorar, retornar aos investigados, discutir,
anexar suas práticas e experiências, e ver como é possível se perceberem em suas multiplicidades no processo de
trabalho em Arte. Abaixo um relato de como tais fatos procedem:
Na segunda passada foi proposta a nós uma aula diferente de arte, onde sob a orientação da artista plásti-
ca Rosana Paste, fizéssemos uma representação do nosso umbigo com os seguintes materiais: barro, gesso,
água e uma borracha siliconada. Até o momento não tínhamos idéia do objetivo dessa aula. Mas depois
de refletirmos, pude ver a diferença que todos umbigos apresentaram. Então associei tudo isso com a sala
de aula, onde terei alunos com necessidades diferentes. Estarei eu pronta para toda essa diversidade? Para
atender essas necessidades? Como profissional de educação sim, isso deve ser minha obrigação, ter um
olhar diferente, fazer cursos, fazer uso de material didático para atender todas as necessidades encontradas
por mim na sala de aula. Essa aula de modelagem foi muito enriquecedora, pois me fez ampliar noves hori-
zontes.(Aline Marcia Barbosa Souza – 5º período – Pedagogia)
Questões empíricas dadas ao objeto na referida ação, são dados que apresentam objetividade e validade conceitual e
contribuem para o desenvolvimento do pensamento poético-educacional. O pesquisador-investigador envolve-se na
vida do pesquisado e, sem dúvida, é marcado por seus traços culturais peculiares e suas interpretações em busca de
significados da realidade que investiga, sem fugir de suas próprias concepções de homem e de mundo. Dessa forma,
a função do pesquisador “não é tanto estudar a pessoa, e sim aprender das pessoas” (TRIVIÑOS, 2008, p.121). Assim,
estudar a cultura e o contexto do pesquisado são fundamentais para o entendimento do seu processo de ser educador
e como tal, esperamos que estes alunos-professores investiguem e analisem a diversidade da realidade existente em
sala de aula, que promovam cartografias e trabalhem com a singularidade de cada indivíduo.
A oficina abordou uma técnica com estratégia possível para a vivência em sala de aula fazendo com que o aluno reflita
suas ações enquanto professor. O enfoque às competências contemporâneas propõe mudanças no “fazer arte” na sala
de aula, trazendo pressupostos metodológicos para as práticas pós-modernas além de um novo olhar para o conheci-
mento das linguagens artísticas, priorizando o entendimento e a expressão de cada um.

214
O olhar do aluno
A partir da necessidade de uma formação que contempla as demandas contemporâneas, as alunas viram na oficina um
meio de complementar seus estudos, estabelecer relações com o outro e com o mundo.
Notaram que a prática das linguagens aproximam experiências e possibilitam pertencimento em relação ao conteúdo
que estudam, sugerindo diálogos, possibilitando interpretações. Essa constatação se deu a partir dos relatos feitos indi-
vidualmente, ao final da oficina.
O desafio de ver o belo, nas mais estranhas formas, parte de um exercício, olhar e ser levado a refletir sobre.
A artista plástica Rosana Paste trouxe como proposta moldarmos nosso umbigo e antes de produzirmos
qualquer coisa ela quis saber qual era a nossa impressão do nosso umbigo, uns acharam bonito, outros
feio, o fato é que esta parte do corpo é pouco explorada, pouco vista por cada um, e através da técnica de
modelagem foi possível reproduzirmos o umbigo. Cada uma teve a oportunidade de manipular os materiais,
fazer o molde e finalmente desenformar e, então, contemplar sua criação, ver cada particularidade contida
em cada umbigo. A primeira coisa que percebemos é todos eram diferentes, apesar de todos termos “umbigo”,
nenhum é igual, uns rasos, outros fundos, pequenos, grandes, pequenos detalhes, grandes diferenças. O pro-
cesso criativo resulta na produção de algo que terá significado único e diferente e, segundo a própria artista
plástica o que diferencia o trabalho artístico de uma cópia ou um simples artesanato, por vezes, terapêutico,
é a importância e sentimentos envolvidos na produção artística. Uma aula simples, descontraída e leve que
resulta em mudança de perspectiva, demonstrando que além da argila, do gesso, existem mais possibili-
dades: do material ao imaterial. A arte é concreta que leva, impulsiona a sentimentos, emoções, motivações
no campo abstrato, mudanças que só serão vistas a partir da mudança de ações, atitudes. (Gislaine Rodrigues
Lustosa Pimenta, 5º período, Pedagogia)

A partir dos comentários, percebemos a importância dessa ação na sensibilização das alunas no que diz respeito ao
envolvimento emocional com as práticas artísticas a serem desenvolvidas, além da complementação dos estudos
das teorias que preconizam o ensino da Arte, no curso de Pedagogia. São proposições significativas que futuramente
reverberarão nas práticas pedagógicas. Com a prática, foi dada às alunas a oportunidade de conhecer uma linguagem
artística com autonomia direcionando um olhar sensível aos processos criativos a partir das práticas que realizamos
em sala de aula
Uma obra de arte pode nos atrair, nos repelir, mas sempre nos inquieta. A obra de arte nos obriga a rever
nossos próprios conceitos, nos leva a pensar. Uma obra nos provoca admiração, surpresa, deleite. A obra de
arte nos faz ver através de outras perspectivas, pontos de vista diversos. (MARTINS, PICOSQUE, 2012, p. 26)
Assim, o futuro pedagogo/professor atuará como mediador ou provocador capaz e com habilidades para identificar as
possíveis atitudes em realizar um trabalho que contemple o seu objetivo, que é desenvolver a curiosidade, a atenção, a
imaginação, a criatividade e a percepção de seus alunos.
Mediação é a troca de informações e experiências entre educador e educando, pois o estudo, as visitas
periódicas a eventos e exposições afetam a ambos, provocando reflexão através da experiência (MARTINS,
2005, p. 44).
Sendo assim, é imperativo afirmar que um professor envolvido em suas ações cotidianas colabora com a construção
de conhecimento de seus alunos, fazendo com que aquilo que está sendo passado para ele tenha sentido significativo,
para que aumente sua curiosidade e tenha prazer em conhecer o desconhecido.

Considerações
O ensino da Arte no curso de Pedagogia apresenta-se como motivador da efetiva prática da Arte na escola. Propõe um
ensino sistematizado associado às outras áreas do conhecimento, ou seja, nesse caso, promovendo a interdisciplinari-
dade. A flexibilidade da disciplina leva o professor a desafiar as barreiras encontradas nessa área, como o real recon-
hecimento da importância dessa disciplina, a falta de material adequado, o ambiente não específico entre outros, para
assim contemplar os conteúdos propostos estimulando assim a autonomia de cada aluno.
Quando permitimos que os alunos conheçam as linguagens artísticas e participarem de oficinas, oferecemos a ele out-
ro horizonte. A partir da disciplina de ensino da Arte, o aluno da Pedagogia é instigado a ir além da sala de aula, dos
muros da escola, agregando princípios e valores do lugar onde está inserido e de todo seu entorno, fazendo com que
as práticas vivenciadas sejam não só utilizadas, mas também reconhecidas em todo o contexto social e cultural em
que está inserido.

215
Com essa prática, intensificamos o esforço da disciplina Arte na Educação em proporcionar aos alunos do curso de
Pedagogia, um olhar sensível às práticas que envolvem o processo expressivo do indivíduo. Durante a prática e nas
discussões finais, tivemos a oportunidade de refletir “que professor eu quero ser”, “que aluno eu quero formar”, “qual
será minha postura diante uma sala de aula”. E percebemos que podemos articular processos educativos, estéticos,
artísticos e culturais. Processos esses que vivenciamos cotidianamente no ensino da Arte.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nos ampara para que possamos fazer das aulas de Artes verdadeiros
laboratórios, onde o professor deve ter a posição de um criador de formas, oportunizando para que o futuro pedagogo
estabeleça e/ou proponha caráter criador em seus futuros alunos.
O compromisso com um projeto educativo que vise reformulações qualitativas na escola precisa do desen-
volvimento, em profundidade, de saberes necessários para um competente trabalho pedagógico”. (FERRAZ E
FUSARI, 1993, p. 49).
Assim, com os diálogos produzidos, com a prática vivenciada e as reflexões que surgiram, o futuro pedagogo/professor
poderá refletir sobre suas práticas e construir um repertório sólido, formulando um bom material para as suas aulas ou
para suas propostas dialogadas com o professor de Arte a partir do que foi ensinado,
Entendendo que uma pedagogia progressista é aquela que contempla a realidade e aproxima os alunos de
todo acervo cultural em que ele está inserido, incluindo também os conhecimentos artísticos e estéticos
acerca das manifestações nacionais e internacionais (DEVENS, 2012).
Com o resultado, vimos que o aluno da Pedagogia desenvolve as atividades propostas, se colocando no contexto
professor-aluno. Refletindo sobre a diversidade existente em uma sala de aula, com todos os desafios que o professor
encontra diariamente e nas decisões que tem que tomar, diante das muitas situações que surgem no dia a dia de uma
sala de aula.

216
Referências bibliográficas
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Rosana Lucia Paste


Doutoranda em educação na Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, linha de pesquisa Linguagem Visual e Ver-
bal, artista plástica com exposições nacionais e internacionais, professora efetiva do Departamento de Artes da Univer-
sidade Federal do Espírito Santo.

Veronica Devens Costa


Mestra em educação pela Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, linha de pesquisa Linguagem Visual e Verbal,
professora no ensino superior privado, tutora a distância no curso de artes Visuais da Universidade Federal do Espírito
Santo e professora de Arte no Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Vitória.

217
PROJETO DE ARTES – ALFREDO VOLPI
Maria Goretti Moro Gomes – UFES/Polo da UAB Aracruz

RESUMO
Este artigo analisa coletânea de produções de alunos de 2ª série, desenvolvida a partir da biografia e obras de
Alfredo Volpi e organizada por uma professora egressa do curso de Licenciatura em Artes Visuais na modali-
dade EAD oferecido pela UFES no Polo UAB Aracruz. A atividade é fundamentada na metodologia triangular,
sem, contudo, utilizar a releitura como cópia e, com isso, desenvolvendo nos alunos a exploração da percepção
visual, habilitando-o em competências de composição e de exploração da forma plástica expressiva.
Palavras-Chave: Artes Visuais; Volpi; metodologia triangular; releitura.

ABSTRACT
This article looks at a collection of productions of the students of the 2nd series, developed from the biog-
raphy and works of Alfredo Volpi and organized by a teacher egress the course of Visual Arts Degree in EAD
modality offered by UFES in Polo UAB Aracruz. The activity is based on the triangular method, without, how-
ever, use the replay as copying and thereby developing students’ exploration of visual perception, enabling
the composition of skills and exploring the expressive plastic form.
Key-words: Visual Arts; Volpi; triangular methodology; rereading.

O Projeto de Artes – Alfredo Volpi foi desenvolvido numa turma de 2ª série da EMEF “Barão de Monjardim” no ano de
2004, ou seja, quatro anos antes de Lucileni iniciar o curso de Licenciatura em Artes Visuais modalidade EAD oferecido
pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) no Polo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) em Aracruz, ES. Ela
conta que naquele ano trabalhou com Alfredo Volpi e cada aluno organizou um caderno com suas produções, quando
ela compôs o caderno da turma, com produções de alguns alunos. (narrativa da professora Lucileni, nov. 2014). De acor-
do com seu depoimento, o material que analisamos constitui-se em uma das atividades deste projeto, desenvolvido ao
longo de um ano, com a turma da 2ª série “A”.
Nas séries iniciais do ensino fundamental, na maioria das escolas brasileiras, uma professora é responsável pelos
conteúdos das diferentes áreas de ensino priorizando outras disciplinas em detrimento da disciplina de artes visuais,
conforme declara Iavelberg (2014):
[...] não existe a determinação da carga didática, o que faz com que em muitas escolas se planeje cada aula
com 50 ou 45 minutos para arte, em geral com uma por semana e raramente duas separadas ou juntas, em
“dobradinha”, como se convencionou chamar entre os professores, para que a aprendizagem seja mais eficaz.
Portanto, o que se observa é que as demais áreas do conhecimento, principalmente língua portuguesa e
matemática, são priorizadas nos planejamentos, e arte fica com o tempo que resta no desenho curricular.
(IAVELBERG, 2014, p. 54)
Contudo, observa-se que embora nesta época, Lucileni ainda não tivesse cursado Licenciatura em Artes Visuais ou
sequer a Pós-graduação em Educação Artística, já participava das formações promovidas pelo CEDAC1 e demonstrava
compromisso e conhecimentos no que diz respeito ao ensino das artes, pois já desenvolvia atividades utilizando repro-
duções de obras de arte, assim como materiais e técnicas diversificadas, apesar de sua responsabilidade junto às outras
disciplinas que demandavam maior tempo conforme confirma em sua narrativa:
No ano de 2004, trabalhava com a segunda série, lecionando todas as disciplinas, mesmo assim as ativi-
dades de Arte eram desenvolvidas levando os alunos a produzirem usando materiais diversificados e, até
mesmo apreciando obras de arte. (narrativa da professora Lucileni, nov. 2014).
Assim, organizou um caderno nas dimensões de 16 cm x 22 cm, equivalente à meia folha de papel A4, confecciona-
do em cartolina amarela, contendo ao todo 16 páginas presas por uma espiral preta com as partes externas da capa

218
e contra capa plastificadas. A parte frontal de todas as páginas é preenchida com colagens pertinentes ao tema, sem
utilização do seu verso.

Figura 1 – Projeto de Artes – Alfredo Volpi: capa do caderno.


Fonte: Arquivo pessoal de Lucileni cedido para a pesquisa.

Conforme figura 1, a capa do caderno é composta por uma tira de papel branco com uma margem vermelha ocupan-
do a parte central da página. Nela encontramos a identificação do projeto elaborada digitalmente e impressa a cores.
Todas as palavras que aparecem na capa estão digitadas em letras maiúsculas e caixa alta, variando no tamanho e cor.
Assim, é possível visualizar ao alto, com alinhamento central em letras maiores na cor preta, o nome da escola, EMEF
“Barão de Monjardim”. Logo abaixo à esquerda, encontra-se, colorida com uma margem preta, a reprodução de uma das
obras de Alfredo Volpi: composição - década de 1970. (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL, acesso em 09 mar. 2015), ocu-
pando metade da folha no sentido da horizontalidade, abaixo da qual aparece como legenda, centralizado em letras
menores o nome: Alfredo Volpi. À direita da imagem e abaixo do nome da escola, surge composto por letras de difer-
entes cores o título: Projeto de Artes, e, logo abaixo, mas ainda na direção da imagem, em letras menores, a palavra:
aluno (a), seguida de dois pontos e um traço contínuo sem nenhum nome escrito. Na linha seguinte, a palavra profes-
sora seguida de dois pontos e do nome Lucileni e abaixo a identificação da série: 2ª série “A”.
Pelo fato de Lucileni ter informado que cada aluno montou um caderno com suas produções e, como neste caderno,
montado por ela, aparece na capa, o espaço para o nome do aluno em branco, depreendemos que este caderno se con-
stitui num modelo do caderno que foi proposto aos alunos para organização de suas produções.
Nas três páginas que seguem apresenta informações relacionadas ao artista Alfredo Volpi. Na primeira delas, apresenta
a reprodução de uma fotografia (fig. 2) em preto e branco, com a seguinte identificação: Rebolo, Volpi, Paulo Rossi Osir,
Nelson Nobrega e Zanini. O ambiente sugere um ateliê de pintura pelo fato de apresentar telas expostas ao fundo e
do lado esquerdo. Corroboram também para isto o fato de que os artistas foram fotografados frontalmente, de pé, lado
a lado, tendo em suas mãos instrumentos utilizados em pintura, além de identificarmos que sobre suas vestimentas
trajam uma espécie de jaleco (Rebolo e Zanini) e aparentemente um avental (Paulo Rosso Osir). Volpi, vestindo-se mais
informalmente e Nelson Nóbrega com uma camisa social e gravata aparentam não usar avental. Uma lâmpada incan-
descente surge pendurada por um fio ao alto da cena e nos dá o indicativo do tempo em que este momento foi imor-
talizado, pois se trata, segundo Naves (acesso em 06 mar. 2015) de uma fotografia cedida por Olívio Tavares de Araújo,
em que Volpi encontra-se junto com seus amigos do Grupo Santa Helena2 participando de um workshop em São Paulo
no final da década de 30.

219
Figura 2 – Projeto de Artes – Alfredo Volpi: segunda página do caderno.
Fonte: Arquivo pessoal de Lucileni cedido para a pesquisa.

A página seguinte inicia uma sequencia de 16 parágrafos, digitado na cor preta com os fatos marcantes da vida do
artista que intitula: Vida de Alfredo Volpi. Pautando a atividade na sequencia de vida do artista, inicia esta cronologia
com a data de seu nascimento, 1896, e termina, na página seguinte, em 1988, data de sua morte. Nesta descrição cita,
no ano de 1930, a formação do Grupo Santa Helena, explicando que se tratava de um grupo composto por artistas de
descendência italiana.
Nas 12 páginas seguintes, a contar da capa à contra capa, da quinta à décima sexta páginas, Lucileni reúne uma co-
letânea das produções dos alunos realizadas a partir das obras de Volpi, colando uma por página com a identificação
manuscrita do aluno/autor em algumas delas.
Ressaltamos que a leitura e o acesso às imagens de arte, de acordo com Rebouças; Corassa (2009) entra em nos-
so cenário educacional, na década de 80, a partir da proposta denominada Abordagem Triangular, a qual passa a ser
difundida “a partir de 1987, sob a coordenação da Professora Ana Mae Barbosa e de um programa de arte-educação
desenvolvido junto ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP)” (REBOUÇAS; CORAS-
SA, 2009, p.18). A Abordagem Triangular propõe “a integração de três aspectos - a apreciação estética (análise da obra/
imagem), a contextualização histórica (história, sociologia, filosofia da arte) e o fazer artístico (trabalho prático)” (RE-
BOUÇAS; CORASSA, 2009, p.17).
De acordo com Pillar (2011), este movimento fez com que o ensino de artes fosse repensado em novas bases conceitu-
ais no que se refere a sua relação com as pesquisas contemporâneas em arte. O ensino de artes que já focava a pro-
dução das crianças passa a trabalhar a leitura da imagem e sua contextualização histórica, porém para que o professor
possa desenvolver este trabalho, proporcionando às crianças e jovens o acesso às imagens de arte de forma contextu-
alizada e desenvolvendo uma consciência estética é necessário que tenha competência para isto. Nóvoa (2009) aponta
o conhecimento como um dos requisitos, para definir o “bom professor” afirmando que “o domínio científico de uma
determinada área do conhecimento é absolutamente imprescindível. Sem esse conhecimento tudo o resto é irrisório.”
(NÓVOA, 2009, p. 31).
Neste viés Pillar (2011) constata que a prática de leitura e releitura das imagens no ensino de artes tem sido ampla-
mente difundida, porém na prática, nem sempre se compreende “o que está implicado nessas dimensões do conheci-
mento da arte.” (PILLAR, 2011, p. 7). Para ela a leitura é realizada quando se atribui significado a uma imagem ou a um
texto, de forma que “a leitura de uma obra de arte é uma aventura em que cognição e sensibilidade se interpenetram
na busca de significados” (PILLAR, 2011, p. 14), a qual pode ser objeto de múltiplas leituras, visto que:
[...] há uma construção de conhecimentos visuais. O olhar de cada um está impregnado com experiências
anteriores, associações, lembranças, fantasias, interpretações, etc. O que se vê não é o dado real, mas aquilo
que se consegue captar e interpretar acerca do visto, o que nos é significativo. Desse modo, podemos lançar
diferentes olhares e fazer uma pluralidade de leituras do mundo. (PILLAR, 2011, p. 10).
E a releitura, em que consistiria? Para Pillar (2011), utilizando a Proposta Triangular equivocadamente muitos profes-
sores trabalham a releitura como cópia, porém afirma que entre as duas práticas há uma grande distancia. Para ela:
Reler é ler novamente, é interpretar, é criar novos significados. [...] é recriar o objeto, é reconstruí-lo num
outro contexto com novo sentido. [...] A cópia diz respeito ao aprimoramento técnico, sem transformação,
sem interpretação, sem criação. Já na releitura, há transformação, interpretação, criação com base em um ref-
erencial, num texto visual que pode estar explícito ou implícito na obra final. Aqui o que se busca é a criação
e não a reprodução de uma imagem. (PILLAR, 2011, p.14).
220
Assim, apoiados nestas concepções, apresentamos as produções das crianças que compõe a coletânea organizada pela
professora a partir das obras de Volpi, classificando-as em duas categorias: cópias e releituras.
Apresentamos a priori algumas obras de Volpi (fig. 3) que identificamos a partir das produções dos alunos apresenta-
das na figura 4, como cópias, pois são desenhos em que os desenhantes fazem parecer crer ao leitor deles, um esforço
em reproduzir o mais fielmente possível a obra do artista.

Produções dos alunos a partir das obras de Volpi: cópias

Obras de Volpi:

Figura 3 – Reproduções das obras do artista Alfredo Volpi3.


Cópias dos alunos a partir destas obras:

221
Figura 4 – Projeto de Artes – Alfredo Volpi: cópias.
Fonte: Arquivo pessoal de Lucileni cedido para a pesquisa.

Nas cinco imagens, não observamos nada que pudéssemos identificar como uma releitura, pois todas são cópias das
obras do artista desenhada de acordo com as habilidades das crianças de faixa etária compatível com a segunda série.
Assim podemos classificá-las como cópias uma vez que não identificamos transformações, criações ou produção de
um novo sentido diante do contexto das crianças. O que observamos foram apenas alterações no uso da técnica ou na
forma de reproduzir a obra, a qual é condizente com crianças de 2ª série do ensino fundamental.

Produções dos alunos a partir das obras de Volpi: releituras


Na sequência apresentaremos as outras sete imagens produzidas pelos alunos, as quais consideramos releituras, pois
ao desenvolverem suas produções a partir de uma obra de Volpi, percorreram os caminhos apontados por Pillar (2011)
quando diz que: “Reler é ler novamente, é reinterpretar, é criar novos significados” (PILLAR, 2011, p. 14).
Assim, para classificá-las como releituras das obras de Volpi, consideramos os seguintes indicativos:
1. Com exceção de um trabalho, não conseguimos em nossas pesquisas identificar a obra específica que a criança
teve como referencia ao realizar seu trabalho, porém sabemos que se trata de uma releitura da obra de Volpi, pois é
apresentada como tal pela professora no material em análise.
2. Volpi “Gostava muito de desenhar formas geométricas e se divertia transformando-as em fachadas de casas, em
cata-ventos, bandeirinhas  e em cada pintura ele mudava as formas de lugar, trocava as cores e inventava outras
formas.” (HISTÓRIA DA ARTE, acesso em 11 mar. 2015). Fachadas de casas, formas geométricas, mastros e fitas es-
tão presentes nas imagens produzidas pelas crianças fazendo a intertextualidade4 com as obras do autor, já que “A
intertextualidade rompe, dilata as fronteiras entre os textos. A intertextualidade em linguagens não verbais mostra
uma leitura das imagens de outros artistas sem dizer uma palavra” (PILLAR, 2011, p. 16), e é isto que está posto nas
produções das crianças.
3. Sendo produções criativas elas carregam os modos de ver e de construir significados de cada criança.

Desta forma, nas imagens apresentadas na figura 5, destacamos a intertextualidade com os casarios de Volpi, telas em
que fachadas de casas eram pintadas e, compostas por figuras geométricas, assim como nas imagens das crianças.

222
Figura 5 – Projeto de Artes – Alfredo Volpi: releituras - estereótipos.
Fonte: Arquivo pessoal de Lucileni cedido para a pesquisa.

Nestas produções, assim como nas que se seguem (fig. 6), as crianças criam novos sentidos de acordo com suas ex-
periências e contextos, pois não copiam, mas constroem novos significados. Porém estas produções se constituem em
imagens estereotipadas da representação de casas, comuns nos desenhos infantis e até mesmo dos jovens e adultos,
como se àquela forma de representar fosse uma maneira natural de fazer, pré-concebida anteriormente e que não
comporta interrogações. Sobre estereótipos comportamentais Landowski (2014) faz as seguintes considerações:
Para o sujeito cujo comportamento se encontra regulado desse modo, tudo se passa como se qualquer um –
ele mesmo ou uma instância destinadora superior – tivesse um dia decidido, depois de uma madura reflex-
ão, o melhor uso na matéria e instaurado de tal sorte o que se converteria mais tarde em uma instituição, um
modo de fazer que se deve respeitar com toda confiança, seguir às cegas, “em nome do pai”, se nos atreve-
mos a dizer – do pai fundador. Seu nome pode bem ter sido esquecido com o tempo, mas seu gesto, impres-
so nas memórias, continuar inesquecível, sendo indefinidamente repetido. Sabe-se, se está convencido de
que esse encadeamento preciso de gestos teve uma vez, num dado lugar, na origem, um sentido, uma razão
de ser, motivos totalmente claros. O fato de que tenham sido perdidos de vista não os impede de existir e,
se fossem bem procurados, certamente seriam encontrados. Se o costume foi instituído, e se se tem mantido,
só pode ser porque existiram boas razões para instaurá-lo tal como foi. Isso é o que explica também por que
não se deve jamais mudar um detalhe de um ritual, de um costume, de um hábito: se ganham seu valor e
sua necessidade somente pelo fato de ser o que eles têm sido sempre, não se pode mudar qualquer elemen-
to deles, por menor que seja, sem destruí-los inteiramente. (LANDOWSKI, 2014, p. 43, grifo do autor).
Nas duas produções seguintes (fig. 6), outras duas iconizações5 de casas são apresentadas, porém além da intertextual-
idade já apontada, com as obras de Volpi, as crianças criam e constroem sentido ao incorporar elementos da cultura e
do meio em vivem.

Figura 6 – Projeto de Artes – Alfredo Volpi: releituras – criações das crianças.


Fonte: Arquivo pessoal de Lucileni cedido para a pesquisa.

Seguindo o raciocínio de Landowski (2014) no que se refere a estereótipos comportamentais como explicar que numa
sala de aula, sendo os alunos orientados pela mesma professora, possam surgir algumas produções estereotipadas e
outras criativas incorporando elementos comuns às experiências destes sujeitos? O próprio Landowski (2014) explica
como estas diferenças podem ocorrer, pois:
[...] o sujeito sempre pode retomar a iniciativa. Em lugar de continuar a fazer como se deve somente porque
um dia, um outro, ou ele mesmo, há muito tempo, estipulou que seria assim que se faria daí em diante, pode,
num rompante – aproveitando algum acidente – ser levado a deixar por um instante de executar maquinal-

223
mente e com total confiança o mesmo sintagma, levantar o olhar, ver-se realizando, interrogar-se por uma
vez sobre as razões de sua “necessidade” e, de repente, talvez aperceber-se de que poderia proceder diferen-
temente. E ainda, no fim das contas, decidir, sim, atuar doravante de outro modo – com bons motivos, tam-
bém, mas evidentemente diferentes, tanto na substancia quanto em estatuto, daqueles que motivaram até
então sua fidelidade ao uso instituído. (LANDOWSKI, 2014, p. 43, grifo do autor).
Partindo do princípio de que o que interessa à semiótica, ou seja, o que ela pretende conhecer é unicamente o que
seu enunciado indica não levando em conta as intencionalidades do autor, por considerar que a sua historicidade, suas
opções ideológicas estão contidas no texto, verbal, imagético ou gestual, é possível identificar nas produções apre-
sentadas na figura 6, elementos comuns na arquitetura presente nos povoados fundados pelos imigrantes italianos na
região de João Neiva. Construções mais altas, construídas acima do nível do solo, às vezes sobre esteios, com escadas
à frente das portas eram comuns e ainda podem ser encontradas nestes locais, principalmente nos povoados mais
afastados da sede dos municípios. Abaixo, ilustramos esta arquitetura com imagem de uma casa antiga localizada em
Demétrio Ribeiro, interior de João Neiva (fig. 7), e uma “casa de madeira de modelo antigo que há dentro de uma flor-
esta nativa de Terra Fria, e que tem o piso alto do chão, construída desta forma para se evitar a entrada de animais sil-
vestres, como a onça, catitus ou cobras.” (IBIRA SUL: Espaço Dócil, acesso em 13 mar. 2015), (fig. 8), localizada em Terra
Fria interior de Pendanga, distrito de Ibiraçu, município ao qual João Neiva pertencia até sua emancipação política em
1989. (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO NEIVA, acesso em 20 jan. 2015).

Figura 7 – Casarão em Demétrio Ribeiro – povoado no interior de João Neiva.


Fonte: PANORAMIO: Google Mapas, acesso em mar. 2015.

Figura 8 – Casa em Terra Fria – interior de Pendanga (distrito de Ibiraçu).


Fonte: IBIRA SUL: Espaço Dócil, acesso em mar. 2015.

Nas duas produções abaixo, figura 9, pode-se observar que as crianças romperam também com os estereótipos crian-
do outras releituras das composições de Volpi, nas quais podemos identificar a intertextualidade nos elementos como
fitas, figuras geométricas, mastros e bandeirinhas.

224
Figura 9 – Projeto de Artes – Alfredo Volpi: releituras – criações das crianças.
Fonte: Arquivo pessoal de Lucileni cedido para a pesquisa.

Há ainda, conforme apresentado na figura 10, a produção da aluna Sarah que consideramos releitura pelo fato da reti-
rada e inclusão de alguns elementos plásticos, pois nela não há a representação de passarinhos sobre o barco e intro-
duz bandeirinhas na cor amarela ausente na obra original, além da utilização da técnica de pontilhismo. Desta forma,
consideramos este trabalho uma renovação da desenhante, diferenciando assim sua obra da de Volpi na releitura que
constrói um novo sentido ao criar e não apenas copiar.

Figura 10 – Projeto de Artes – Cópia da obra de Alfredo Volpi e releitura da aluna Sarah6.

A partir desta análise, verificamos que Lucileni já trabalhava mesmo antes da Licenciatura em Artes Visuais,
utilizando a Abordagem Triangular na leitura de obras de arte, em suas três vertentes, ou seja, leitura das imagens, a
história da arte e o fazer artístico, sem, no entanto, utilizar a releitura como cópia. Com isso, explorava nas crianças
o desenvolvimento da percepção visual habilitando-as em competências de composição e de exploração da forma
plástica expressiva. Importante ressaltar que Lucileni participou de forma efetiva de formações oferecidas pelo CEDAC
no período de 2000 a 2005, portanto nesta época, 2004, as práticas pedagógicas já eram orientadas por esta ONG. Ao
ser questionada sobre a forma como as atividades que utilizavam obras de arte eram planejadas e desenvolvidas, res-
pondeu confirmando nossas constatações e ressaltando que seu objetivo era sempre de levar o aluno a releitura para
que criasse, nunca conduzindo para a cópia:
A gente apresentava sempre o artista, por que era do primeiro ao quinto ano. Então a gente não aprofunda-
va muito. Se fosse brasileiro, a gente focava bem, por causa da importância do artista e das obras dele para
o Brasil. Apresentávamos as obras e fazíamos uma interpretação, uma análise informal, sem entrar muito em
detalhes, para eles terem um conhecimento. Depois a gente entrava assim... Não muito aprofundado, devido
o nível das turmas, mas a gente levava o aluno a ter um certo conhecimento em relação a obra através de
perguntas, questionamentos: O que vocês estão vendo? Vocês acham que o artista quis transmitir alguma
coisa ou não? Estas questões, mas... Sem aprofundamento, como já falei... Você não tem como..., Mas sempre
foi trabalhado, ou aproveitando a obra em si, nunca fazendo cópia da produção e sempre levando o aluno a
uma releitura mesmo usando algum tema do artista pra ele estar produzindo o seu próprio desenho. (narra-
tiva da professora Lucileni, out 2014).
Ao organizar as produções das crianças, cópias e releituras, confirma seu depoimento, pois apresenta releituras varia-
das das obras de Volpi. Apresenta também as cópias, demonstrando com isto respeito à diversidade da turma e desen-
volvimento das crianças, no que se refere ao sensível, estético e cognitivo, além de ficar claro que proporciona liber-
dade e valoriza as etapas em que cada um se encontra.
Em relação à forma de conduzir a leitura de obras de arte, Pillar (2011) explica que:

225
Há uma diversidade de modos de produção de sentido, de modos de se entrar na obra como as abordagens
biográfica, estética, formal, iconológica e semiótica. Cada uma dessas leituras busca, por caminhos diferentes,
edificar significados.
[...] É importante lembrar que a marca maior das obras de artes plásticas é querer dizer o “indizível”, ou seja,
não é um discurso verbal, é um diálogo entre formas, cores, espaços. Desse modo quando fazemos uma lei-
tura, estamos explicitando verbalmente relações de outra natureza, da natureza do sensível.
Todo educador que mexe com arte precisa, então, encontrar uma maneira de trabalhar com os princípios
básicos dessa linguagem, sem perder a complexidade da arte. (PILLAR, 2011, p. 12).
Lucileni descreve a forma como leva seus alunos, no ano de 2004, a entrar na obra para construção de sentido. Sobre
este assunto, ou seja, o que mudou ao desenvolver a leitura de obras naquela época e após curso, nos contou que:
“Sempre [trabalhou] com obras de arte. Toda sequência era difícil não ter um artista como referencia e as suas obras.
[...] já trabalhava antes da licenciatura. Com a licenciatura ficou uma coisa assim, mais segura” (narrativa da professora
Lucileni, out. 2014). Desta forma, fica claro que a professora conduz a leitura das imagens principalmente pelas abor-
dagens biográfica, estética, formal, iconológica e não pela abordagem semiótica e, ainda que, o curso de artes visuais
na modalidade EAD, cursado por esta professora entre os anos de 2008 a 2012, atuou como mais um componente de
uma formação que se constituiu no diálogo edificado no cotidiano de sua docência nas escolas e com o registro das
práticas o que possibilitou tanto a reflexão sobre o trabalho realizado como a constituição de seu papel na docência
de artes nas turmas de ensino fundamental e, posteriormente, como formadora de professores.

NOTAS:
1 O Programa Escola que Vale e mantido pela Fundação Vale do Rio Doce (FVRD), a qual por sua vez é mantida pela empresa Companhia Vale do Rio Doce
(CVRD). A viabilização do programa deu-se por meio da parceria destes entes com uma ONG, o Centro de Estudos e Documentação para Ação Comunitária
(CEDAC) e 25 escolas nos municípios que pertencem à área de atuação da CVRD localizados em quatro Estados. No Espírito Santo, João Neiva foi o único
município de abrangência do programa. Uma equipe composta por técnicos do CEDAC e especialistas convidados compõe a coordenação de eventos – oficinas,
palestras e seminários. A principal ação do Programa Escola que Vale direciona-se para o aprimoramento da prática pedagógica dos professores envolvidos, de
modo a melhorar a qualidade do ensino em escolas que atendem jovens e crianças de famílias pobres, beneficiando sua aprendizagem. (CARDOSO, Acesso em
13 dez. 2014).
2 Em meados dos anos 1930, Volpi, se aproxima do Grupo Santa Helena. Trata-se de um grupo formado por Francisco Rebolo, Mário Zanini, Fulvio Pennacchi e
Bonadei, entre outros. O grupo, é assim denominado pelo crítico Sérgio Milliet porque alugam salas para escritórios de pintura e decoração no edifício Santa
Helena, na Praça da Sé. Volpi não chega a se instalar no local, mas participa de excursões para pintar os subúrbios e de sessões de desenho com modelo vivo
junto ao grupo. (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. Acesso em 09 mar. 2015).
3 As referencias das obras apresentadas na figura 3 da esquerda para a direita e de cima para baixo são as seguintes: Fitas Vermelhas/ Déc. de 1960 | Alfredo
Volpi (ENC. ITAÚ CULTURAL, acesso em mar. 2015); S/ título (Bandeira do Brasil)/ S/data/ (BANCO BRASIL, acesso em mar. 2015); Obra 18 – Espólio de Volpi/
Obra roubada/extraviada/(INST. A. VOLPI DE A. M., acesso em mar. 2015); Composição com formas circulares – 1973/ Reproduzido p. 166 do livro Volpi, de (Bie-
zus, Ladi; CALS, Soraia, acesso em mar. 2015); Pássaro de papelão – 1995 (WIKIART, acesso em mar. 2015).
4 Intertextualidade é “a presença em um texto de outros textos de diversos sistemas significantes.” (REBOUÇAS; CORASSA, 2009, p.104).
5 Segundo Greimas (2004), conceito situado no âmago dos debates da semiologia da imagem, os quais [ícone e iconicidade] remetem muito naturalmente à
antiga imitação da natureza.” (GREIMAS, 2004, p. 78 – grifo do autor).
6 Da esquerda para a direita: Cópia da obra de Alfredo Volpi: Barco com Bandeirinhas e Pássaros/ Déc. de 1950. (ENCICLOPEDIA ITAÚ CULTURAL, acesso em
mar. 2015) e releitura da aluna parte do acervo pessoal cedido por Lucileni.

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Maria Goretti Moro Gomes


Licenciada em Ciências Biológicas UFES (1986), Especialização em Planejamento Educacional e Administração Escolar
pela Universidade Salgado de Oliveira (1994; 2000), Especialização em Mediadores EAD pela UFES (2011). Professora
em Aracruz atuando desde 2006 na Coordenação do Polo da Universidade Aberta do Brasil UAB/Aracruz e mestranda
em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.

227
Reflexões Sobre o Brinquedo e a Brincadeira
na Infância Contemporânea
Thalyta Botelho Monteiro - PPGE-UFES
Rosemeire Maria de Souza Francischetto - Hacettepe Üniversitesi
Gerda Margit Schutz Foerste – PPGE-UFES

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo dialogar com os conceitos de Walter Benjamin, Lev. Vigotski e Jacinto
Sarmento a respeito dos conceitos de infância, brinquedos e brincadeiras. A reflexão com os autores objetiva
ainda compreendermos a criança contemporânea e suas concepções de brincadeira ao abordarmos também
o uso exacerbado das tecnologias.
Palavras-chave: Brinquedo; Infância; Tecnologias.

ABSTRACT
This article aims to get acquainted with the concepts of Walter Benjamin, Lev. Vygotsky and Jacinto Sarmen-
to about the concepts of childhood, toys and games. The reflection with the objective authors also under-
stand contemporary children and their playful concepts to also approach the overuse of technology.
Key words: Toy; childhood; Technologies.

Pensarmos o brinquedo e a brincadeira na infância contemporânea remete-nos rapidamente ao uso desenfreado das
tecnologias, no entanto entendemos que o gosto por esses recursos digitais é inato. Mas as crianças sentem necessi-
dade de conhecer outras possibilidades que lhes permitam compartilhar com seus pares, e é na escola que elas mais
convivem com outras crianças de sua idade. Atribui-se à educação a grande importância dada à brincadeira:
A brincadeira infantil quase chega a ser o mais precioso instrumento de educação do instinto. É popular a
concepção de brincadeira como desocupação, como passatempo a que só se deve dedicar uma hora. Por isso
não se costuma ver na brincadeira nenhum valor e, no melhor dos casos, considera-se que ela é a única fra-
queza da fase infantil, que ajuda a criança a experimentar o ócio durante certo tempo. Entretanto, há muito
tempo se descobriu que a brincadeira não é algo fortuito, pois surge invariavelmente em todas as fases da
vida cultural dos povos mais diferentes e constitui uma peculiaridade natural e insuperável da natureza
humana. Além do mais, a brincadeira não é própria apenas do homem: o filhote de animal também brinca.
Logo, esse fato deve ter algum sentido biológico: a brincadeira é necessária para alguma coisa, tem algu-
ma função biológica especial, do contrário não poderia existir e alcançar uma difusão tão ampla. A ciência
propôs várias teorias da brincadeira, tentando decifrar essa ideia da brincadeira (VIGOTSKI, 2010, p. 119).

Vigotski apresenta a criança constituída pelo meio em que vive. Seu aprendizado está diretamente ligado ao contexto
sócio-histórico de que ela participa. Para ele (2010, p. 278), por força do desenvolvimento etário, a criança se revela
adaptada ao meio em diferentes graus. O autor salienta ainda:
O meio social contém uma infinidade dos mais diversos aspectos e elementos. Esses elementos estão sem-
pre na mais violenta contradição e luta entre si, e todo o meio deve ser entendido não como um sistema
estático, primordial e estável de elementos, mas como um processo dinâmico em desenvolvimento dialético.
[...]
A relação do homem com o meio deve ter sempre um caráter de atividade e não de simples dependência.
Por isso a adaptabilidade ao meio pode significar uma luta violentíssima contra determinados elementos
do meio e sempre representa relações ativas e recíprocas com o meio. Logo, no mesmo meio social, são

228
possíveis atitudes sociais inteiramente diversas do indivíduo e tudo se resume no tipo de orientação a ser
dado à educação desse caráter ativo (VIGOTSKI, 2010, p. 278).

Para o autor, o meio não é algo estático; está em constante mudança. Assim, é importante e fundamental que o homem
se adapte a ele. Refletindo com Vigotski, levamos em consideração os processos tecnológicos existentes na contem-
poraneidade e nossa resistência em aceitá-los no processo educacional. Os alunos estão imersos neles. As tecnologias
modificam-se cotidianamente e as crianças acompanham tal evolução. O problema é que estamos ou ficamos estagna-
dos por não conseguirmos acompanhar ao mesmo tempo que elas esse crescimento. Ao iniciarmos a adaptação a um
instrumento tecnológico, logo percebemos que já foram criados outros dois ou três aparelhos com novas, diferentes e
repaginadas funções. Há aqueles professores que mal aceitam falar sobre o assunto. E aqui nos vem a frase que ouvi-
mos em um Congresso: Somos professores do século XX dando aula para alunos do século XXI com metodologias do século
XIX. Para Barra e Sarmento ([200-?], p. 18], “[...] a participação infantil na vida colectiva por formas próprias permitirá
certamente favorecer um sentido outro das mudanças sociais em curso e transformar a ameaça em uma possibilidade
de emancipação”. Assim, esse modo de viver a infância baseado nos recursos tecnológicos movimenta o pensamento
do adulto ao refletir sua postura quanto a ser responsável pela autonomia da criança, porém, para termos condições de
fomentar a emancipação, é fundamental conhecermos o digital e as novas e repaginadas criações. Os autores salien-
tam ainda que “[...] seria desajustado compreender as culturas da infância desligadas das interações com o mundo dos
adultos” (BARRA; SARMENTO, [200-?], p. 4), e valorizam também as relações das crianças quando mencionam: “[...] as
crianças aprendem com as outras crianças, nos espaços de partilha comum” (BARRA; SARMENTO, [200-?], p. 3).
Ao dialogar com Benjamin, Vigotski e Sarmento, percebemos efetivamente que a criança é um ser social e que suas
experiências se constituem de suas vivências com o meio em que vive, sua cultura e sua história. A criança compar-
tilha de um mundo que é fornecido pelo adulto e pela cultura vigente, mas não perde sua singularidade, seu jeito de
relacionar-se com seu semelhante, aqui, outra criança. Com o adulto, a imitação; com a criança, a criação; com ambos,
os conflitos que permeiam as diferentes gerações, como as mudanças sociais, o conceito de lazer. Podemos definir este
último pela utilização das mídias digitais e dos novos formatos de brinquedos.
Na década de 1990, os adultos ainda transmitiam brincadeiras aos filhos e netos e tinham por hábito passear nos par-
ques. Atualmente, em virtude das transformações da sociedade, as crianças brincam mais em casa, sozinhas com seus
jogos ou com a TV. Embora não concordemos com a estagnação dos infantis ante as tecnologias, como já foi dito, fo-
mos nós, os adultos, que inserimos esses aparelhos em seu mundo. “Os brinquedos tradicionais vêm caindo em desuso,
substituídos pelos frutos da produção em série que são (em certos casos) mais baratos, mais vistosos e estão na moda
– até porque os brinquedos também são um factor de distinção social” (BARRA; SARMENTO, [200-?], p. 5).
Há formas de lazer estabelecidas pelas crianças menos favorecidas financeiramente. Estas usufruem de brinquedos
não relacionados com tecnologias digitais: a bola, o carrinho, os jogos de pique-esconde. Essas crianças conhecem os
recursos tecnológicos, porém a impossibilidade de adquiri-los não as limita no ato de brincar nem de compreender sua
funcionalidade. É na escola que essas diferenças se maximizam, pois é nela que encontramos as diferentes culturas
de infância, como lugar propício para o relacionamento dos pares e também para o desentendimento, caso não seja
mediado.
Sabemos que os conflitos existirão e que não serão poucos, porém não podemos ficar alheios às mudanças e aceitá-las
de qualquer maneira. É importante selecionar tudo aquilo que será usado com fins educacionais. “Somos mediadores
das ações proferidas dentro das escolas; sendo assim, uma educação em termos ideais só é possível com base em um
meio social devidamente orientado [...]” (VIGOTSKI, 2010, p. 284).
Travamos nossa luta por responsabilidade contra um ser mascarado. A máscara do adulto chama-se “ex-
periência”. Ela é inexpressiva, impenetrável, sempre a mesma. Esse adulto já vivenciou tudo: juventude,
ideais, esperanças, mulheres. Foi tudo ilusão. – Ficamos, com freqüência, intimidados ou amargurados. Talvez
ele tenha razão. O que podemos objetar-lhe? Nós ainda não experimentamos nada (BENJAMIN, 2002, p. 21).

A respeito das mudanças na infância, Sarmento (2005, p. 366) menciona:


[...] a geração da infância está, por conseqüência, num processo contínuo de mudança não apenas pela
entrada e saída dos seus actores concretos, mas por efeito conjugado das acções internas e externas dos
factores que as constroem e das dimensões que se compõem.

229
No primeiro parágrafo do texto “Experiência”, de Walter Benjamin, o autor nos deixa uma reflexão e questiona o leitor
posteriormente quando pergunta: “O que esse adulto experimentou? O que ele quer provar?” (BENJAMIN, 2002, p. 21).
Dialogando com os autores, questionamo-nos sobre o que experimentamos e se essas experiências estão relacio-
nadas ao meio. Estamos adaptados ao meio ou apenas repetindo as atividades cotidianas sem nenhuma reflexão ou
ressignificação? Percebemos que a criança é envolta nesse todo do adulto e o adulto no todo da criança; ambos con-
stituem-se. No entanto, o adulto acredita que sua experiência é superior à do infante e não a valoriza. Por esse motivo,
não busca ouvir suas reais necessidades. Quando não possibilitamos novas oportunidades para a criança aprimorar-se,
estagnamos sua imaginação. Para Vigotski, a imaginação é composta pelo acúmulo de experiências de um indivíduo,
portanto, como educadores, temos que oportunizar novas possibilidades para que o aluno adquira outras experiências,
ampliando assim sua imaginação e logo seu processo criador.
Para Walter Benjamin, cada uma de nossas experiências encerra efetivamente um conteúdo que ela recebe de nosso
próprio espírito. Benjamin menciona ainda que a imprudência faz-nos acomodar-nos no erro e que somente para o
indivíduo insensível a experiência é carente de sentido e imaginação.
“O homem se opõe à natureza como força da natureza”, o organismo se opõe ao mundo como grandeza
ativa em luta. O organismo vai de encontro às influências do meio munido das experiências que herdou. O
meio como que achata como uma espécie de martelo e forja essa experiência, deformando-a. O organismo
luta pela auto-afirmação. O comportamento é um processo dialético e complexo de luta entre o mundo e o
homem, e tanto no interior do homem quanto no desfecho dessa luta as forças do próprio organismo e as
condições de sua constituição herdada desempenham papel não inferior ao da influência agressiva do meio
(VIGOTSKI, 2010, p. 71).

Todas as formas da representação criadora contêm em si elementos afetivos. Isto significa que tudo que
a fantasia construa influenciará reciprocamente os nossos sentimentos, e ainda que tal edifício não con-
corde, em si mesmo, com a realidade, todos os sentimentos que provoca são reais, efetivamente vividos pelo
homem que os experimenta (VIGOTSKI, 2009b, p. 23).

Tanto para Vigotski quanto para Benjamin a experiência gerada no homem em função do meio está diretamente rel-
acionada com o sentimento que essa experiência provoca. Para os autores, o homem vai ao encontro do meio e com
ele constrói suas experiências individuais ou coletivas. No entanto, na era tecnológica, o homem não se apropria mais
das experiências individuais e coletivas como há alguns séculos. As vivências são de forma virtual; as narrativas orais
quase não existem mais. Contudo, não podemos dizer que não seja um tipo de experiência, mas somos levados a refle-
tir como essas experiências estão e serão transmitidas pelas gerações futuras. Podemos constatar, mediante as leituras
de Sarmento, que os meios eletrônicos e a internet constituem as vivências da criança na atualidade. Sendo assim, não
podemos desvincular estes meios da nossa realidade vigente.
Os meios eletrônicos e a internet não serão a causa única das mudanças operadas na infância contem-
porânea, mas eles permeiam as vivências quotidianas das crianças e estão presentes nos dispositivos, modos
e processos de elaboração e reelaboração dos saberes das crianças (SARMENTO, [2005], p. 7).

Já no texto “Experiência e pobreza”, Benjamin (1994, p. 114-119) fala da parábola de um velho que, no momento da
morte, revela a seus filhos a existência de um tesouro em suas terras. Porém o velho não se refere a algo material, e
sim à produtividade que o vinhedo tem. E assim os filhos descobrem que o pai transmitiu certa experiência.
Não, está claro que as ações da experiência estão em baixa, e isso numa geração que entre 1914 e 1918
viveu uma das mais terríveis experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho como parece. Na
época, já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres
em experiências comunicáveis, e não mais ricos. Os livros de guerra que inundaram o mercado literário nos
dez anos seguintes não continham experiências transmissíveis de boca em boca. Não, o fenômeno não é
estranho. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégi-
ca pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a
experiência moral pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos
viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num
campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano (BENJA-
MIN, 1994, p. 114-115).

230
E o autor revela as diferentes experiências, mesmo veladas:
Aqui se revela, com toda clareza, que nossa pobreza de experiências é apenas uma parte da grande pobreza
que recebeu novamente um rosto, nítido e preciso como o do mendigo medieval. Pois qual o valor de todo
o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós? A horrível mixórdia de estilos e con-
cepções do mundo do século passado mostrou-nos com tanta clareza aonde esses valores culturais podem
nos conduzir, quando a experiência nos é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que é hoje em dia uma
prova de honradez confessar nossa pobreza. Sim, é preferível confessar que essa pobreza de experiência não
é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie. Barbárie? Sim. Respondemos
afirmativamente para introduzir um conceito novo e positivo de barbárie. Pois o que resulta para o bárbaro
dessa pobreza de experiência? Ela o impele a partir para a frente, a começar de novo, a contentar-se com pou-
co, a construir com pouco, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda (BENJAMIN, 1994, p.115-116).

A partir do momento em que a oportunidade de experiência não acontece, privamos nossos alunos do processo de
conhecimento e participação/colaboração. As crianças, apesar de terem em sua aparência a fragilidade, inocentes e de-
spreparadas, vivenciam o mundo e são absorvidas por ele; no entanto também deixam um pouco de si. Não podemos
desqualificar suas experiências, embora sejam crianças.
Verifica-se que a experiência instintiva primordial da infância, assim como as primeiras habilidades de
infância, o chamado comportamento infantil, transcorre sobre a influência do princípio do prazer. A preocu-
pação com a adaptação ao meio cabe aos adultos. São precisamente os adultos que facilitam para a criança
o estabelecimento das primeiras relações de reciprocidade com o meio. É isso que imprime uma marca
especial ao comportamento infantil no tenro período da infância. Isto é formado, em primeiro lugar, por
reações incondicionadas inatas e, em segundo, pelos reflexos condicionados das primeiras fases mais próxi-
mos de tais reações (VIGOTSKI, 2010, p. 281).

Em Benjamin:
Pobreza de experiência: não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências. Não, eles
aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram a um mundo em que possam ostentar tão pura e tão
claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa resultar disso. Nem sempre eles são
ignorantes ou inexperientes. Muitas vezes, podemos afirmar o oposto: eles “devoraram” tudo, a “cultura” e os
“homens”, e ficaram saciados e exaustos (BENJAMIN, 1994, p. 118).

Em muitas situações acredita-se que as informações dadas à criança são capazes de saciar sua criatividade, sua curi-
osidade e responder a seus questionamentos. Nesse caso, menosprezamos a experiência que essa criança passará a
adquirir e acreditamos que só a do professor é capaz de gerenciar o conhecimento.
Em o “Narrador”, Benjamin (1994) refere-se ao distanciamento da experiência; acredita que isso se dá porque a ex-
periência da arte de narrar está em extinção, como se estivéssemos privados de intercambiar experiências (BENJAMIN,
1994, p. 198). Para ele, as narrativas devem ser interpretadas de acordo com os respectivos narradores, para que assim
se conserve sua autenticidade. Nelas o narrador imprime sua própria experiência ou a que foi relatada por outros.
Em Vigotski:
Vimos que o único educador capaz de formar novas reações no organismo é a sua própria experiência. Só
aquela relação que ele adquiriu na experiência pessoal permanece efetiva para ele. É por isso que a ex-
periência pessoal do educando se torna a base principal do trabalho pedagógico. Em termos rigorosos do
ponto de vista científico não se pode educar o outro. É impossível exercer influência imediata e provocar
mudanças no organismo alheio, é possível apenas a própria pessoa educar-se, ou seja, modificar as suas
reações inatas através da própria experiência (VIGOTSKI, 2010, p. 63).

Benjamin (1994, p. 118) ressalta: “No meio tempo, possa o indivíduo dar um pouco de humanidade àquela massa, que
um dia talvez retribua com juros e com os juros dos juros”.
Para os autores, é importante que se privilegie o processo de experiência pessoal, pois é a partir dela que a criança
cria suas possibilidades e motiva-se para seu desenvolvimento. A fim de que isso ocorra, é necessário que o adulto crie
para si tamanha responsabilidade de mediar as ações desse meio para, num futuro, este indivíduo ter condições de (re)
passar as experiências vividas e colaborar para que novas surjam.

231
Em Psicologia pedagógica, Lev Vigotski relata ainda:
O processo de educação deve basear-se na atividade pessoal do aluno, e toda a arte do educador deve consistir apenas
em orientar e regular esta atividade. No processo de educação o mestre deve ser os trilhos por onde se movimentam
com liberdade e independência os vagões, que recebem dele apenas a orientação do próprio movimento.

[...] o conhecimento que não passa pela experiência pessoal não é conhecimento coisa nenhuma. A psicologia exige
que os alunos aprendam não só a perceber, mas também a reagir. Educar significa, antes de mais nada, estabelecer
novas reações, elaborar novas formas de comportamento (VIGOTSKI, 2010, p. 64-65).

Devemos, em nossas pesquisas, estar dispostos a garantir a experiência pessoal para o aluno a fim de estimulá-lo a se
educar, a fomentar conhecimento por meio dos aprendizados ocorridos diariamente, realizados através da mediação.
Nesse meio virtual, onde o olho aprende mais rápido que a fala, onde recebemos inúmeras e diferentes informações, o
discernimento de escolher aquilo que se enquadre dentro da nossa realidade é importante para o processo de adap-
tação do indivíduo a esta era. Assim, relacionamos a imagem em movimento ao texto de Benjamin:
Pela primeira vez, no processo de reprodução da imagem, a mão foi liberada da responsabilidade artística
mais importante, que agora cabia unicamente ao olho. Como o olho aprende mais depressa do que a mão
desenha, o processo de reprodução da imagem experimentou tal aceleração que começou a situar-se no
mesmo nível que a palavra oral (BENJAMIN, 1994, p. 167).

Nesse contexto, esta pesquisa vincula-se à proposta de trabalhar com o olhar da criança por meio de sua experiência.
A ilusão do movimento causado no cinema de animação é formada pelos olhos e não pelo processo de coordenação
motora. Antes mesmo de identificarmos como é feito o desenho animado, temos a formação da imagem em movimen-
to. Não desmerecemos aqui os trabalhos manuais, pelo contrário, ressaltamos apenas que, sem a ilusão da imagem em
movimento, não há como produzir cinema de animação.
Para tanto há um motivo duplo: em primeiro lugar, relativamente ao original, reprodução técnica surge como
mais autónoma do que a manual. Na fotografia pode, por exemplo, salientar aspectos do original, que só são
acessíveis a uma lente regulável e que pode mudar de posição para escolher o seu ângulo de visão, mas
não são acessíveis ao olho humano ou, por meio de determinados procedimentos, como a ampliação ou o
retardador, registar imagens que pura e simplesmente não cabem na óptica natural. Este o primeiro aspecto.
Além disso, em segundo lugar, pode colocar o original em situações que nem o próprio original consegue
atingir. Sobretudo, ela torna-lhe possível o encontro com quem a apreende, seja sob a forma de fotografia,
seja sob forma de disco (BENJAMIN, 1994, p. 168).

Na animação de imagens, podemos manipular desde as câmeras às modelagens dos personagens, criamos heróis, ban-
didos e mocinhas; personagens que voam e andam sobre a água, criações impossíveis de ser produzidas na “realidade”.
Assim, quanto mais rica for a experiência humana, tanto mais abundante será o material de que a imaginação dispõe
(VIGOTSKI, 2009b, p. 17).
Sobre a imaginação o autor salienta:
[...] a imaginação adquire uma função da máxima importância no comportamento e no desenvolvimento
humano, transformando-se em meio de ampliar a experiência do homem que, ao ser capaz de imaginar
o que não viu, ao poder conceber baseando-se em relatos e descrições alheias o que não experimentou
pessoal e diretamente, não se encontra encerrado no círculo estreito da sua própria experiência, mas pode
ultrapassar largamente os seus limites, assimilando, com a ajuda da imaginação, experiências históricas ou
sociais alheias (VIGOTSKI, 2009b, p. 20).

Ao criarmos uma animação de imagens, estabelecemos nosso processo de criação e estimulamos nossa imaginação.
Assim, ao montarmos e editarmos o filme, concebemos nele nossas escolhas. O filme acabado, no entanto, não é mon-
tado de um só jato, mas a partir de inúmeras imagens isoladas ou sequências de imagens entre as quais o montador
exerce o seu direito de escolha (BENJAMIN, 1994), imagens que podem ser manipuladas desde o início ao término da
produção.
Da mesma forma, o ensino também pode ser trabalhado a todo instante numa tentativa de o aprimorarmos e modifi-
carmos. Nosso intuito é analisar as experiências individuais e coletivas por meio da produção de cinema de animação,
uma vez que em princípio a criança é apenas um espectador.

232
Em fins pedagógicos educacionais:
Daqui a conclusão pedagógica da necessidade de alargarmos a experiência da criança se quisermos propor-
cionar à sua atividade criadora uma base suficientemente sólida. Quanto mais veja, escute e experimente,
quanto mais aprenda e assimile, quanto mais abundantes forem os elementos reais de que dispunha na sua
experiência, tanto mais importante e produtiva será, mantendo-se idêntica às restantes circunstâncias a
atividade da sua imaginação (VIGOTSKI, 2009b, p. 18).

Nesse contexto, vimos a necessidade de ressaltar a importância do brinquedo e da brincadeira para a criança, por meio
dos quais aprimoram sua imaginação e sua criação e reúnem novos meios e novas experiências.
Walter Benjamin, Vigotski e Sarmento fazem reflexões a respeito do brinquedo e da brincadeira na infância. Vamos
comparar então essas reflexões baseando-nos no que entendemos por tecnologias atuais.
O adulto, ao narrar uma experiência, alivia o seu coração dos horrores, goza duplamente uma felicidade. A
criança volta a criar para si todo o fato vivido, começa mais uma vez do início.
[...]
A essência do brincar não é um “fazer como se”, mas um “fazer sempre de novo”, transformação da experiên-
cia mais comovente em hábito (BENJAMIN, 2002, p. 101-102).

A reflexão sobre brinquedos e brincadeiras permite-nos inspirações em Benjamin, quando afirma que adultos e cri-
anças concebem a brincadeira de forma diferente. A repetição torna-se algo quase que inaceitável para o adulto, en-
quanto a criança quer fazer de novo e diferente. Nada para ela se repete da mesma forma. Ela tem a capacidade de
ressignificar o mesmo brinquedo e as mesmas brincadeiras. Talvez por isso consiga ver inúmeras vezes o mesmo filme
ou desenho animado e rir em todas as repetições. Diverte-se com aquilo que foi repassado incansavelmente. Lem-
bremo-nos de que somos nós, os adultos, que escolhemos aquilo a que a criança assiste; somos nós que lhe damos a
oportunidade da repetição, e muitas vezes a recriminamos pelas escolhas que faz. No entanto, ela é capaz de colocar o
seu “encantamento” no brinquedo, de dar a ele a própria “cara”.
[...] jamais são os adultos que executam a correção mais eficaz dos brinquedos – sejam eles pedagogos,
fabricantes ou literatos –, mas as crianças mesmas, no próprio ato de brincar. Uma vez extraviada, quebrada e
consertada, mesmo a boneca mais principesca transforma-se numa eficiente camarada proletária na comuna
lúdica das crianças (BENJAMIN, 2002, p. 87).

Não é difícil nos lembrarmos de situações de crianças com sapatos de adultos, ou daquelas que se apropriam de
pedaços de pau e fazem deles cavalos ou espadas; ou de lençóis que viram casas e cabanas ou capas de super-heróis.
O brinquedo, mesmo quando não imita os instrumentos dos adultos, é confronto, e, na verdade, não tanto
da criança com os adultos, mas destes com a criança. Pois quem senão o adulto fornece primeiramente à
criança os seus brinquedos? E embora reste a ela uma certa liberdade em aceitar ou recusar as coisas, não
poucos dos mais antigos brinquedos (bola, arco, roda de penas, pipas) terão sido de certa forma impostos à
criança como objetos de culto, os quais só mais tarde, e certamente graças à força da imaginação infantil,
transformaram-se em brinquedos (BENJAMIN, 2002, p. 96).

Para Vigotski:
No brinquedo, no entanto, os objetos perdem sua força determinadora. A criança vê um objeto, mas age de
maneira diferente em relação àquilo que vê. Assim é alcançada uma condição em que a criança começa a
agir independentemente daquilo que vê (VIGOTSKI, 1998, p. 127).

A criança tem a capacidade de ressignificar seus instrumentos e fazê-los novos a cada dia. Não podemos negar que
o brinquedo e a brincadeira estão ligados diretamente a questões econômicas e principalmente a um contexto
sócio-histórico e cultural. E isso se dá pelo conceito de criança e infância que temos na modernidade. Sobre esse con-
ceito, Benjamin ressalta:

233
Demorou muito tempo até que se desse conta que as crianças não são homens ou mulheres em dimensões
reduzidas – para não falar do tempo que levou até que essa consciência se impusesse também em relação
às bonecas. É sabido que mesmo as roupas infantis só muito tardiamente se emanciparam das adultas. Foi
o século XIX que levou isso a cabo. Pode parecer às vezes que o nosso século tenha dado um passo adiante
e, longe de querer ver nas crianças pequenos homens ou mulheres, reluta inclusive em aceitá-las como
pequenos seres humanos (BENJAMIN, 2002, p. 86).

Ao pensarmos na criança medieval, não podemos compará-la nesta pesquisa com a moderna. O conceito de infância
dado pela modernidade também a leva para questões econômicas, sociais, históricas e culturais. Não são todas as cul-
turas que veem o brinquedo e a brincadeira como a sociedade ocidental vê: basicamente como entretenimento. Para a
criança, o brinquedo é criação, imaginação, uma forma lúdica de ressignificar o mundo do adulto do seu jeito; já para
o adulto, apenas imitação de posturas ou expressões por ele adotadas. Entretanto o brinquedo e a brincadeira, mesmo
pela imitação, promovem o desenvolvimento da criança em sua plenitude. Garantem para a criança o conhecimento e
a criação de novas regras de acordo com sua necessidade vigente.
[...] o brinquedo é condicionado pela cultura econômica e, muito em especial, pela cultura técnica das cole-
tividades. Mas, se até hoje o brinquedo tem sido demasiadamente considerado como criação para a criança,
quando não como criação da criança, assim também o brincar tem sido visto em demasia a partir da per-
spectiva do adulto, exclusivamente sob o ponto de vista da imitação (BENJAMIN, 2002, p. 100).

Barra e Sarmento ([2009], p. 4) relatam: “[...] é a brincadeira que lhes (às crianças) permite resistir ao mundo dos adul-
tos, já que as relações com estes podem gerar stress e ansiedade, e a sensação de controle do seu mundo”. Essa situa-
ção ocorre em função de o adulto agir com autoritarismo ao invés de promover a autonomia com relação às questões
da infância. É natural que o adulto escolha os brinquedos e as brincadeiras para os infantes de determinada faixa
etária, por considerarem que lhes falte experiência, e que eles brinquem com os objetos que lhes são proporcionados.
Contudo os autores mencionam que “[...] a natureza predominante da brincadeira ao longo da história tem sido brincar
com os outros, não brincar com os objectos” (Sutton Smith, 1986:26) (p. 05 Que é isso? ), e que esses objetos pertencem
a um contexto histórico-social. Assim, classificam as brincadeiras de diferentes grupos em diferentes situações e épocas. A
infância é historicamente construída a partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que
elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade (SARMENTO, 2005, p. 365).
A criança se utiliza do brinquedo para satisfazer a sua necessidade. Para ela não importa, nesse ato criador, que esse
brinquedo seja de última geração. Normalmente o que a cativa é o “como funciona”, o “como se faz” e o “outro”, com
quem brinca. Ao analisarmos as reflexões de Sarmento sobre o brinquedo, consideramos oportuno dialogar com Vi-
gotski (1998, p. 122), para quem a criança satisfaz certas necessidades no brinquedo e, se não conseguirmos entender
essas necessidades, também não conseguiremos entender a singularidade do brinquedo diante do qual é possível
considerar a atividade da criança. Essa possibilidade decorre do modo como cada criança se relaciona com os brin-
quedos e as brincadeiras. Contudo, tais relações são inerentes ao meio social em que ela vive. Para Sarmento (2005,
p. 367), a infância se deve à sua natureza sociológica, isto é, ao constituir-se como um grupo, com um estatuto social
diferenciado, e não como uma agregação de seres singulares. No entanto, é necessário ressaltarmos que a vivência na
coletividade também existe em virtude das singularidades do indivíduo, cada qual criado à sua maneira em situações
distintas, entre inúmeras culturas.
Cada brinquedo está vinculado a uma época e às gerações. Algumas famílias revivem brincadeiras de sua infância. Nes-
se sentido, as crianças têm visões diferenciadas sobre esse tema.
As condições sociais em que vivem as crianças são o principal factor de diversidade dentro do grupo ge-
racional. As crianças são indivíduos com a sua especificidade biopsicológica: ao longo da sua infância
percorrem diversos subgrupos etários e varia a sua capacidade de locomoção, de expressão, de autonomia
de movimento e de acção etc. Mas as crianças são também seres sociais e, como tais, distribuem-se pelos
diversos modos de estratificação social: a classe social, a etnia a que pertencem, a raça, o gênero, a região
do globo onde vivem. Os diferentes espaços estruturais diferenciam profundamente as crianças (SARMENTO,
2005, p. 370).

Outra questão, entre os fatores sociais, é o modo cultural perpetuado ou não pelas famílias, além das regras que esta-
belecem em suas brincadeiras, criando e recriando.

234
A respeito das regras nas brincadeiras das crianças, Vigotski (1998, p. 124-125) menciona que, independentemente
de regras, a situação imaginária estará aflorada e as crianças, por meio das brincadeiras, passam a entender situações
reais. Assim, podem surgir também no brinquedo ações reais e objetos reais (VIGOTSKI, 1998, p. 129), e, a partir das
situações presenciadas, a criança passa a reproduzi-los em forma de brincadeiras.
O desenho animado é um bom exemplo. As crianças não têm dimensão do que é dor, violência, morte. No desenho
animado, os personagens morrem e sobrevivem, pulam de prédios e não se machucam, batem, brigam e permanecem
ilesos. Para as crianças, a situação real é a não realidade. Tudo aquilo que reproduzem faz parte de um mundo ilusório,
que é por elas experienciado na realidade por meio da imaginação.
Configuramos a produção de cinema de animação, os desenhos animados, possíveis experiências por meio das narrati-
vas dessas crianças no ato de suas atividades. A criança cria, modela, produz, se apropria, inventa, redimensiona não só
seus brinquedos ópticos e suas animações, mas também suas experiências coletivas e quiçá individuais.
Com efeito, a natureza interactiva do brincar das crianças constitui-se como um dos primeiros elementos
fundacionais das culturas da infância. O brincar é a condição da aprendizagem e, desde logo, da aprendiza-
gem da sociabilidade. Não espanta, por isso, que o brinquedo acompanhe as crianças nas diversas fases da
construção das suas relações sociais (BARRA; SARMENTO, [200-?], p. 5).

Para Benjamin, Vigotski e Sarmento, o brinquedo faz parte do meio sócio-histórico e cultural da infância; constitui e
redimensiona sua época. Por ele, as crianças compartilham com seus pares criando e recriando novas possibilidades
de brincadeiras. Em muitos casos, não são os objetos que tornam a brincadeira mais interessante, mas o modo como
são utilizados. Com base nas redes sociais, os computadores ou os aparelhos celulares são apenas os instrumentos que
elas usam para compartilhar as informações. O que torna a “brincadeira” interessante são as postagens realizadas, prin-
cipalmente os comentários. Ao fazer referência ao cinema de animação, citamos a construção dos personagens e não
a finalização do filme. Estes estabelecem vínculos uns com os outros ao dialogarem sobre as produções e as criações.
Narram suas histórias e ressignificam outras.

Referências
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______. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades, 2002.
MONTEIRO, Thalyta Botelho. CINEMA DE ANIMAÇÃO NO ENSINO DE ARTE:
A EXPERIÊNCIA E A NARRATIVA NA FORMAÇÃO DA CRIANÇA EM CONTEXTO CAMPESINO. 2013. 209 f. Dissertação (Me-
strado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013.
SARMENTO, M. J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. In: SARMENTO, M. J.; CERISARA, A. B.
Crianças e miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto: Edições ASA, 2003.
Sarmento, M. J. & Barra, S. M. (2006, julho/dezembro). Os saberes das crianças e as interações na rede. Zero-a Seis, 14.
Acessado em 20 de setembro, 2009, de http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/zeroseis/article/viewArticle/1776.
SARMENTO, Manuel Jacinto. Imaginário e culturas da infância. Braga: Instituto de Estudos da Criança, [2005]a.
______. Infância, exclusão social e educação como utopia realizável. Educação e Sociedade, Campinas, n. 78,2002.
______. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da infância. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n.
91, p. 361-378, maio/ago. (2005)b. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 1.o ago. 2011.
SARMENTO, Manuel Jacinto; SOARES, Natália; TOMÁS, Catarina. Participação social e activa das crianças. Braga: Insti-
tuto de Estudos da Criança, [200-?]. Disponível em http://www.ipfp.pt/cdrom/C%EDrculos%20de%20Discuss%E3o%20
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VIGOTSKI, Lev. A construção do pensamento e da linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009a.
______. A Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
______. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009b.
______. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

235
Thalyta Botelho Monteiro
Licenciada em Arte Visuais, Especialista em Artes na Educação, Especialista em Mediação de Educação à Distância,
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES. Atualmente é professora da Faculdade
de Venda Nova do Imigrante e professora de Arte do Ensino Fundamental e Médio da rede Estadual de Ensino do Espí-
rito Santo. Pesquisa as tecnologias de imagens em movimento, Ensino da Arte e inclusão.

Rosimeire Maria de Souza Francischetto


Mestra em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (2014). Durante o Mestrado realizou estágio e pes-
quisa acadêmica em parceria com a Ankara Üniversitesi (Ankara - Turquia) ,Licenciatura Plena em Artes Visuais (2008) e
Especialização em Gestão Educacional (2008). Tem experiência na área de Artes aplicada à modalidade Ensino Fun-
damental,Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Arte,
Leitura de Imagens,Educação nos Ambientes, Mediação e Educação nos contextos turco e brasileiro

Gerda Margit Schutz Foerste


Possui graduação em Licenciatura Plena Em Educação Artística, mestrado em Educação, doutorado em Educação e Pós-
Doutorado na Universidade de Siegen-Alemanha. Atualmente é professora assistente IV da Universidade Federal do
Espírito Santo. Integra o Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado em Doutorado em Educa-
ção e compõe a Linha de Pesquisa Educação e Linguagens.

236
UMA APROXIMAÇÃO ENTRE A ARTE E A MORTE –
a visão de alunos do ensino superior em Artes.
Fabíola Veloso Menezes – UFES

RESUMO
A comunicação proposta apresenta a primeira etapa da pesquisa que estamos realizando com alunos de
graduação dos cursos de Artes Plásticas – Bacharelado e Artes Visuais – Licenciatura da Universidade Fed-
eral do Espírito Santo, por meio de uma entrevista diagnóstica qualitativa para estabelecer as correlações
existentes entre a formação acadêmica, o tema da morte e a futura atuação profissional destes alunos.
Objetiva-se por meio desta pesquisa diagnosticar o modo como os alunos dos referidos cursos atuam diante
de questões relacionadas à morte: como o próprio comportamento e reação diante da morte, perda e luto; a
inserção do tema em trabalhos artísticos; o modo como podem abordar o tema em sala de aula ou oficinas,
com crianças e jovens do ensino infantil, fundamental e médio, tanto nas escolas públicas e particulares,
quanto na abordagem não-escolar.
Palavras-chave: Arte – Morte – Ensino.

Abstract: 
The proposed Communication presents the first stage of the research that we are carrying out with under-
graduate students - Bachelor of Fine Arts and Degree of Visual Arts from the Federal University of Espírito
Santo, through a qualitative diagnostic interview to establish the correlation between academic training, the
theme of death and the future professional activities of these students. The objective is that through this re-
search, we diagnose how students of these courses work on issues related to death: in its own behavior and
reaction to the death, loss and grief; the inclusion of the theme in artwork; the way they can address the
issue in the classroom or workshops with kindergarten children and young people of primary and secondary
school education, both in public and private schools, as well as in non-school approach.
Keywords: Art. Death. Education.

Entendemos que a tarefa de lidar com as questões referentes ao tema da Morte não devem ser exclusividade de uma
única área ou ciência. Por meio desta pesquisa endossamos à necessidade de se discutir as questões pertinentes ao
assunto, assim como desenvolver a atenção para indícios que por vezes não são devidamente observados, como a mu-
dança de comportamento, isolamento do aluno, a escolha de determinados temas e o gestual usado em desenhos que
possam de alguma forma, contribuir como uma sinalização de que algo precisa ser observado no cotidiano escolar e
não-escolar com maior atenção.
Vivemos em uma sociedade cada vez mais consumista onde, acredita-se que por meio da aquisição e do acúmulo de
bens e patrimônios, a pessoa encontra seu equilíbrio e satisfação pessoal. Porém, observamos no dia a dia, nos noticiá-
rios, nas redes sociais, um aparente crescimento da banalidade do que é a Morte e o Morrer.
Por meio de nossa atuação em duas disciplinas, Meios Expressivos na Educação ofertada para o curso de licenciatura
noturno e diurno e bacharelado, assim como a disciplina de Projeto em Artes, ofertada para os cursos de bacharelado
e licenciatura diurnos, verificou-se a dificuldade presente no cotidiano de uma grande parcela dos alunos (futuros
professores e artistas) em se posicionar diante do tema da morte, quando provocados no convívio e mediação com o
público escolar e não-escolar.
Desta forma, acreditamos que após essa primeira etapa da pesquisa – o diagnóstico – poder-se-á pensar em diversas
formas de contribuir na formação dos discentes universitários dos cursos citados anteriormente, na conjunção do tema
Arte, Morte e Educação.

237
Consideramos como hipótese desta pesquisa, que devido à ausência de um canal de diálogo próprio, ou no mínimo
possível, sobre a temática da morte dentro do ambiente escolar e não-escolar, a Arte possa ser utilizada como meio
para viabilizar esta conversa, através do uso de imagens veiculadas por meio da História da Arte, assim como no pró-
prio fazer artístico, em que a criança, jovem ou mesmo o adulto, possa expressar suas ideias acerca do tema, de manei-
ra em que se estabeleça uma conexão mais significativa entre a arte e as demais áreas de conhecimento.
Utilizamos nesta pesquisa como fundamentação teórica, os autores Robert Kastenbaum e Ruth Aisenberg, por meio
do livro Psicologia da Morte, no qual abordam a evidência de que o próprio processo de aprendizagem de ambos teria
sido facilitado se pudessem à sua época, contar com publicações que tocassem no tema da Morte. Deste modo, nos
apoiaremos nos conceitos de morte apresentados pelos autores, como por exemplo, no que se refere à personificação
da morte. Considerando o aspecto da visualidade, que é fator preponderante na área de Artes, espera-se identificar se
a personificação proposta pelos entrevistados corresponde na integra às amostras apresentadas por Kastenbaum e
Aisenberg, ou, se existe uma atualização ou diferenciação das amostras.
Os autores afirmam que, sobre os conceitos acerca da morte é preciso considerar que: o conceito de morte é sempre
relativo, excessivamente complexo, sofre mudanças, não pode ser expresso graficamente e é influenciado pelo contex-
to situacional e por fim, relaciona-se indistintamente com o comportamento do homem. Desta forma, afirmam que,
A concepção de morte pode influir no comportamento de muitos modos complexos e remotos. Padrões de comporta-
mento que não parecem ter nada de especial a ver com a morte podem, todavia, ser influenciados por essas cognições.
Insônia, por exemplo, ou pânico em virtude da separação temporária de um ser querido às vezes pode ter origem em
preocupações com a morte (KASTENBAUM; AISENBERG, 1983, p. 9).

Apoiamo-nos também na produção intelectual da autora Maria Julia Kóvacs por meio de seu livro Educação para a
Morte – desafio na formação de profissionais de saúde e educação. Sobre a questão da morte associada ao contexto
educacional, nos diz Kóvacs (2003, p.44),
[...] em minha experiência profissional, encontro sempre a denúncia dessa lacuna por parte de professores
– ausências mais intrigantes por sabermos todos o quanto a morte está presente no universo escolar, pelas
perdas que acontecem na vida de crianças e adolescentes e pela via da morte escancarada, com violência,
repentina, brusca e para qual é muito difícil se encontrar proteção.

Deste modo, consideramos que um diagnóstico inicial, a que se propõe esta pesquisa, poderá contribuir na construção
de elementos complementares no que diz respeito à formação dos professores de Arte, assim como, na formação dos
futuros artistas que se utilizam de aproximações com o tema, e que por sua vez, produzem objetos que poderão ser
utilizados como mediadores de reflexão, contextualização e construção de massa crítica dos alunos em formação esco-
lar e não-escolar.

O surgimento da pesquisa.
A intenção em realizar esta pesquisa surgiu no período em que realizamos o mestrado, por meio de uma aproximação
com a ideia de uma possível educação para a morte verificada e defendida como hipótese central de nossa dissertação,
entre os retratos mortuários feitos em Juazeiro do Norte-CE, a atividade de Padre Cícero e a “Missão Abreviada”, no que
diz respeito à preocupação existente quanto à difusão do ideal de um Bem Morrer. (MENEZES, 2011, p.95).
No entanto, procuramos posteriormente desvincular desta pesquisa, o aspecto religioso que foi abordado em nossa
dissertação, ampliando deste modo, a perspectiva de uma possível educação para a morte, através da arte e de suas
diversas linguagens artísticas, e não somente por meio da fotografia, outrora estudada.
Como temos por intenção dar continuidade a estes estudos e reflexões em um futuro doutoramento, optamos por
iniciar este diagnóstico de modo a criar antecipadamente o nosso corpus de estudo, fortalecendo assim nossa futura
contribuição ao tema.
Ao falar sobre projeto de pesquisa em Artes, inevitavelmente falamos de nossa pesquisa pessoal1, que surgiu na época
da graduação em Artes Plásticas e que teve continuidade durante o mestrado, como um modo, de ilustrar e exem-
plificar as possibilidades de pesquisa no campo das artes, no qual atuamos. E, não raramente, deparamo-nos com as
reações de surpresa, após falar da pesquisa e ainda mais, de mencionar outros exemplos e desdobramentos artísticos
quanto à temática da morte.
Do mesmo modo na disciplina, Meios Expressivos na Educação, em que, ao discutirmos as potencialidades de materiais
artísticos e suas aplicabilidades em sala de aula ou em oficinas de arte, aproveitamos para discutir ações que podem

238
ser usadas para se trabalhar temas para as aulas que vão desde a morte, o bullying, preconceito, discriminação, conser-
vação de bens patrimoniais entre outros.
Em função da recepção percebida pela maior parte dos alunos, resolvemos investir na iniciativa de realizar esta
pesquisa, com o intuito inicial de diagnosticar o modo como estes alunos de fato, se sentem diante do tema da Morte.

O início da pesquisa.
O questionário elaborado contou com 25 perguntas dissertativas, das quais, as cinco primeiras possuem a função de
revelar o perfil do entrevistado, quanto ao gênero, se a sua formação é em licenciatura ou bacharelado, o período que
está cursando, a profissão, a idade e a religião. Esta última questão, tem por finalidade contribuir no entendimento de
algumas referências que surgem como respostas, principalmente quanto ao modo que o respondente definiria a morte
enquanto palavra e se a mesma tivesse uma forma física. Saber a religião do respondente também contribui para com-
preender o modo como o respondente se posiciona quando questionado sobre como gostaria de ser velado e sepultado.
O convite foi feito para cerca de 100 alunos, dos quais 65 sinalizaram que gostariam de participar da entrevista, e
destes, apenas 30 efetivamente devolveram o questionário preenchido, assim como o termo de autorização de uso das
informações concedidas. Por acreditar que este número é relativamente pequeno, mudamos a abordagem e estamos
dando seguimento às entrevistas. Mas para o momento, optamos em organizar e realizar um primeiro diagnóstico de
acordo com os respondentes participantes.
Do total de questionários devolvidos, tivemos 27 respondentes do gênero feminino e 03 do gênero masculino; deste
total, 22 são alunos de licenciatura e 08 de bacharelado. O maior número de participantes encontra-se entre o 5º e 7º
período e quatro participantes não informaram o período que estão cursando. A metade dos entrevistados apresen-
tou-se como estudantes quando perguntados sobre a profissão.
Quando perguntados sobre a idade em que aproximadamente tiveram o primeiro contato com uma situação de morte,
deparamo-nos com as seguintes questões: 19 dos respondentes alegaram ter tido contato com uma situação de morte
entre 2 e 10 anos de idade, sendo o maior número referente a morte de um membro da família.
Conforme Kastenbaum e Aisenberg (1983, pp. 20-21), a maior contribuição feita sobre a concepção de morte na segun-
da infância foi realizada por Maria Nagy em 1948. E segundo os autores,
[...] Embora sua investigação se realizasse com crianças da Hungria, não houve indicações subsequentes de
que seus resultados exigissem modificações significativas quando aplicados a crianças nos Estados Unidos.
[...] Nagy descobriu que seus resultados podiam ser categorizados em três principais fases de desenvolvi-
mento. [...]

Desta forma, Nagy dividiu as fases de desenvolvimento entre Estágio um: presente até 5 anos, Estágio dois: entre 5 e 9
anos e Estágio três: entre 9 e 10 anos. Promovendo uma interpretação sobre o primeiro contato dos respondentes desta
pesquisa com uma situação de morte e os estágios estudados e propostos por Nagy, podemos dizer de modo resumi-
do que os respondentes perpassam os três estágios propostos. Segundo Nagy, (apud KASTENBAUM; AISENBERG, 1983,
p.20), dentro do estágio um, as crianças ainda não reconhecem a morte como final ou definitiva e existe uma forte
relação entre morte e partida: “Morrer significa o mesmo que continuar a viver – mas sob circunstâncias modificadas.
Se alguém morre, nenhuma mudança lhe ocorre, porém nossas vidas se modificam porque não mais podemos ver o
morto, já que não vive mais conosco”2.
No estágio dois, surge para esta faixa etária, a capacidade de personificar a morte. Nagy destacou duas formas gerais
dessa personificação: a morte como um ser separado da pessoa que morre, e a morte, sendo ela própria alguém que
está morto. Dentre outros exemplos dados quanto à personificação da morte, surgem: um “homem-da-morte”, o es-
queleto humano, um anjo e até alguém parecido com um palhaço. (KASTENBAUM; AISENBERG, 1983, p.21). No estágio
três, as crianças entre 9 e 10 anos, apresentam a clareza de que a morte é final e inevitável.
Dentre as respostas surgidas para esta pesquisa, alguns dos respondentes expressam claramente o não entendimento
acerca do momento vivido, a incompreensão decorrente de uma situação de perda de alguém querido e da falta de
orientação a respeito.
Em seguida a esta pergunta sobre o primeiro contato, foi solicitado aos respondentes que definissem a palavra Morte e
a descrevessem, fazendo uma alusão a uma possível representação física. Por definição foi atribuída à Morte, a ideia de
fim, de tudo e de todos, assim como, foi destacada sua inevitabilidade, crueldade e naturalidade, porém, cerca de seis
respondentes a definiram como uma passagem.

239
Kastenbaum e Aisenberg apresentam as seguintes personificações da morte: a figura macabra, o suave consolador, o
autômato, o alegre embusteiro e outras personificações gerais.
A Figura Macabra é classificada como sendo “[...] a vívida personificação da morte, desfigurada, pesada de horror,
predominante nos séculos catorze e quinze na Europa, ainda continua conosco, embora não esteja mais sozinha, sem
competidores. [...]” (KASTENBAUM; AISENBERG, 1983, p.132). Esta representação em geral, apresenta um aspecto de
repugnância, de velhice, de deterioração, de esqueleto, ou ainda com uma personalidade fria e vazia. Do grupo de re-
spondentes, nove descrevem a aparência física da morte de acordo com esta classificação da figura macabra, seja pela
associação à deterioração, à velhice ou a própria feiúra.
A personificação nomeada por Suave Consolador, “[...] parece conter, em seu âmago, um tema de brando acolhimento
[...]” (KASTENBAUM; AISENBERG, 1983, pp.134-135). O Suave Consolador,
“[...] pode ser um adulto de qualquer idade. Quando é imaginado como um velho, nele não há nada da
decadência e repugnância com que a velhice é caricaturada na personificação macabra. Ao contrário, ele é
retratado como pessoa nobre e sábia, cujo caráter se refina com a idade em vez de deteriorar-se. [...]” (Ibid.
p. 136).

Nesta personificação também há a menção de que a morte poderia ser homem ou mulher, ou ainda, nenhum dos dois.
Dois respondentes apresentaram respostas aproximadas à esta classificação, um quando afirma que a morte seria “com
certeza uma mulher” e outro que diz que seria como “um anjo que busca a alma pela mão”. Um terceiro respondente
afirma que a morte seria “um espírito em forma humana, porém de pele seca e ossos protuberantes, sem roupas e sem
sexo, um rosto andrógino e esquelético”.
O Autômato é apresentado como um ser de forma humana, mas que não apresenta qualidades humanas. Kastenbaum
e Aisenberg destacam o aparente absurdo em se caracterizar a morte com aparência humana que difere em suas
próprias ações, como uma espécie de robô. E acrescentam que talvez, essa caracterização “[...] seja uma emanação de
nossa ciência e tecnologia [...]” (1983, p.138). Um respondente definiu a aparência da morte como a de “um boneco, um
ser inanimado”, outro respondente a classifica como “um ser sem emoção”.
O Alegre Embusteiro,
“[...] parece incorporar muitas características que se associam com a ‘alta sociedade’. Ele é com frequência
retratado como um companheiro que se procuraria para a diversão, a aventura, a excitação. Muitas vezes,
embora não invariavelmente, fica explícito que ele oferece tentações, seduz, e ‘Então, você saberia quem ele
realmente é, mas seria demasiado tarde’. [...] parece incorporar características tanto de um ego ideal quanto
de um caloteador. [...]”. (KASTENBAUM; AISENBERG, 1983, p.140).

Nenhum dos participantes apresentou sua descrição quanto à possível aparência física da morte como um ser sedutor.
No entanto, um respondente, quando perguntado: “Se você pudesse propor uma pergunta para este questionário, que
não tenha sido feita, qual seria?”, respondeu: “Se você e a morte fossem amigos, que tipo de lugar frequentaria?” Como
no questionário, no caso do respondente formular uma pergunta, propõe-se que ele mesmo a responda, obtemos a
resposta que diz que se ela (a morte) não estivesse muito ocupada, ele a levaria a todo lugar com ele, inclusive para a
universidade. Parece-me que neste ponto, um dos respondentes, acaba por fazer uma associação da imagem da morte,
com algo com o qual seria interessante ter um vínculo, uma amizade.
Quanto às demais personificações propostas por Kastenbaum e Aisenberg, destacam-se: a morte sob a forma de al-
guém que já morreu, como escuridão e ou silêncio, com a frialdade úmida e escorregadia, como feminina e velha e
como atraente e graciosa. (1983, pp.140-141).
Das demais personificações apresentadas pelo grupo de respondentes, surgiram personificações da morte como ob-
jetos: uma janela e uma porta, ou seja, um objeto que dá passagem e/ou visibilidade de um lugar a outro. Uns a clas-
sificaram como um raio consciente, como uma estrela e outros como uma grande escuridão e ou trevas, estes últimos
fazem alusão inevitavelmente aos aspectos de luz e trevas que comumente se associa a bem e mal.
Refletindo sobre estes dois aspectos abordados - definição e personificação da morte - pudemos observar que algumas
caracterizações perpetuam-se no imaginário e transcendem as barreiras do tempo e do espaço, quando conseguimos
visualizar aproximações com as respostas apresentadas a esta pesquisa em comparação aos estudos dos autores utili-
zados como referencial teórico e que apontaram essas classificações há cerca de 31 anos, quando da referida publicação.
Os participantes desta pesquisa, como já foi dito, são alunos do curso de Artes, licenciatura e bacharelado, e deste
modo, utilizam imagens de obras de arte em seu cotidiano, com o aprendizado de História da Arte que se divide em

240
cinco disciplinas durante o curso de ambos e como referência conforme as linguagens artísticas são abordadas em
desenho, pintura, fotografia, escultura entre outros.
Aos participantes desta pesquisa foi perguntado se eles poderiam citar um mínimo de cinco imagens, das quais já
tivessem estudado, e das quais em seu entendimento haveria aproximação com a temática da morte. Como resultado,
tivemos as seguintes amostragens, cinco respondentes citaram A Morte de Marat (Figura 1), pintada por Jacques-Louis
David, no ano de 1793, em homenagem a Jean-Paul Marat, uma das principais figuras políticas da Revolução Francesa
de 1789.

Figura 1
Disponível em: <http://www.fine-arts-museum.be/fr/la-collection/jacques-louis-david-marat-assassine>
Acesso em: 01 jun. 2014

Dos respondentes, três citaram O Grito de Edvard Munch (Figura 2), cuja obra foi feita pelo artista, o que se sabe, em
quatro versões. Dois citaram a obra Judite e Holofernes (Figura 3) de Caravaggio, pintada em 1598 e que representa
uma passagem bíblica.

Figura 2
Disponível em: <http://arteehistoriaepci.blogspot.com.br/2012/04/o-grito-de-edvard-munch.html>
Acesso em: 01 de jun. 2014

241
Figura 3
Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Judith_Beheading_Holofernes_(Caravaggio)>
Acesso em: 01 jun. 2014

Alguns respondentes referiram-se desde às esculturas em cimento (mesmo as que não fazem parte do cenário cemite-
rial), fotografias mortuárias, à arte funerária, à escultura Pietà de Michelangelo (Figura 4), à obra Os fuzilamentos de 3 de
Maio de 1808 (Figura 5) de Goya, até obras contemporâneas da artista Marina Abramovich. Outros respondentes alega-
ram não se lembrarem de nomes no momento em que respondiam ao questionário.

Figura 4
Disponível em: <http://www.40forever.com.br/o-vaticano-a-sistina-e-o-conclave-por-vanda-klabin/vatican-la-pieta-michelangelo-1024x768/>.
Acesso em: 01 jun. 2014

242
Figura 5
Disponível em: <http://abstracaocoletiva.com.br/2013/02/27/fuzilamentos-de-tres-de-maio-analise/>
Acesso em: 01 jun. 2014

De modo geral, buscando apresentar algumas possíveis justificativas para as escolhas dos respondentes, podemos
pontuar, com relação a obra A Morte de Marat, que teve o maior número de citações, que ela apresenta em seu próprio
título a palavra morte, o que pode ter contribuído na lembrança e citação dos respondentes, e em termos de imagem,
podemos dizer que a pintura apresenta a imagem literal de um morto, porém, esta representação da morte se dá de
forma plácida, quase se referindo ao sono. Ainda que na imagem, seja possível ver o ferimento, o sangue e o próprio
punhal, não há o registro de violência extrema. O instante registrado na pintura é o de pós-morte, o homem represen-
tado já se encontra morto.
Quanto a segunda imagem mais citada, O Grito, de Edvard Munch, que não apresenta uma ligação direta com o aspecto
de morte, acreditasse que talvez traga implícito na lembrança dela, a questão do medo da morte. O grito como resulta-
do de algo amedrontador.
A terceira imagem por sua vez, remete à uma passagem bíblica e apresenta um aspecto de violência, assim como o
desespero de Holofernes ao se dar conta do que está acontecendo. E o olhar de Judite é impassível, decidido, demons-
tra força e atitude em concluir o que se começou.
Quando os participantes foram questionados sobre o medo da morte e o medo de morrer, do total, o número de qua-
torze, afirmou não ter medo da morte, enquanto que doze respondentes disseram não ter medo de morrer, porém,
apresentou-se o medo de uma morte que causasse qualquer tipo de dor.
Quando questionados sobre como agiriam se estivessem ministrando uma aula ou oficina de Arte, e o assunto Morte
surgisse, dezenove respondentes disseram que abordariam o assunto sem maiores problemas, um deixou a questão
sem resposta, e os outros dez, disseram que não abordariam a questão, uns por não se sentirem preparados, outros por
acreditarem não serem capazes.
Em seguida, quando perguntados se deveria existir uma Educação para a Morte, onze respondentes disseram que sim,
e seis disseram que não, enquanto treze apresentaram dúvidas a respeito, uns por acreditarem que essa seria uma
obrigação familiar, outros por acreditarem ser algo que já ocorre por meio das religiões e outros que disseram, nunca
ter pensado sobre o assunto.
Quando perguntados sobre como gostariam de ser velados e sepultados, apenas dois respondentes disseram “não ter
ideia a respeito”, os demais, em sua maioria, apresentaram propostas bastante elaboradas, desde a escolha das músicas
que gostariam que fossem tocadas, até o modo que gostariam que as pessoas se comportassem, uns como se fosse
uma grande festa, outros, apresentaram o desejo de ausência de choro ou tristeza. Sobre esta questão, notamos muita
tranquilidade no momento de elaboração das respostas.
Essa pesquisa teve também como intuito, levar os participantes voluntários a refletirem sobre seus próprios pensa-
mentos quanto ao tema da morte, revelando-se deste modo, questões como o medo da morte e o medo de morrer,
sobre como pensar sobre a própria morte e as decisões acerca do sepultamento e até mesmo sobre a possibilidade
de se escolher um tipo de morte. Surpreendentemente, todos os respondentes apresentaram para esta última questão,

243
a seguinte observação: que o tipo de morte não importava desde que não houvesse dor. Apresenta-se então atrelada
às questões da morte o medo de sofrer, de fazer sofrer, de causar tristeza, de sentir dor, de desaparecer, entre outros
medos.

Algumas considerações.
De modo geral, notamos que o tema Morte ainda é considerado um tabu em nossa sociedade, e que algumas con-
tradições de discurso permanecem ao nosso redor. Percebemos que em alguns grupos familiares, o assunto é ao mes-
mo tempo tabu e banal, quando se trata de conversar a respeito da morte de alguém da família, o discurso se entrelaça
com a dificuldade de abordagem e quando o assunto é tema de jogos de vídeo game ou filmes, ou ainda, nos noticiári-
os televisivos, a banalidade se torna presente.
A autora brasileira Maria Júlia Kóvacs, docente no Instituto de Psicologia da USP, fala em uma de suas publicações so-
bre uma Educação para a Morte no Novo Milênio, convidando-nos a,
“[...] pensar na ampliação do escopo da educação para a morte numa sociedade onde convivem a morte
interdita, a busca da sua rehumanizaçao e a morte escancarada. [...] na atualidade, os acontecimentos – glo-
balizados – trazem à nossa vida cotidiana milhares de imagens sobre a morte de pessoas anônimas, distan-
tes geograficamente, e que também podem se tornar próximas quando ocorrem identificações pela idade,
aparência, profissão, criando a impressão de ser ‘gente como a gente’. (KÓVACS, 2003, p. 155).
A autora ainda afirma a existência de um paradoxo, a necessidade de ocultar a morte e ao mesmo tempo, a de “abrir
espaços de compartilhamento sobre o tema”. Segundo Kübler-Ross (1983) “é importante se estar atento a crianças e
adolescentes que se acidentam frequentemente, usam drogas ou comem de maneira desmedida – indícios de compor-
tamento de maior risco.[...]” (Apud. Kóvacs, 2003, p.47).
E ainda que os riscos se apresentem, observa-se na maior parte das vezes o despreparo dos professores em sala de
aula para lidarem com o assunto, visto que, os mesmos, em sua maioria possuem dificuldades pessoais em lidar com a
morte, e por sua vez, não dão conta de tratar do assunto com seus alunos.
Por outro lado, quando se consegue tratar o tema, como acontece nas disciplinas em que atuamos na universidade,
tornamo-nos referência de estranhamento, tanto para alunos quanto para os colegas de profissão. Quando de nos-
sa opção por tratar do tema da morte tanto no Trabalho de Conclusão de Curso quanto na Dissertação de Mestrado,
percebemos que éramos a minoria absoluta em interesse por tal assunto na universidade, em que hoje atuamos como
docente. Nestes casos, só foi possível dar continuidade a tais trabalhos, devido à abertura e iniciativa de alguns profes-
sores muito em específico a quem convidamos como orientadores, cujo trabalho de orientação foi de muita importân-
cia para o nosso crescimento.
Na atualidade, empenhamo-nos em abrir este diálogo dentro de nosso departamento, esclarecendo sempre que solicit-
ado o nosso esforço em abordar o assunto da morte dentro deste espaço. Com isso criamos uma linha de pesquisa reg-
istrada tanto na Pró-Reitoria de Pesquisa da universidade, quanto no CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico - com o intuito de ampliarmos as discussões do tema junto ao universo da Arte e da Educação.
Pode-se dizer que o início é no mínimo satisfatório. Ainda que não tenhamos a possibilidade de abordar o assunto
diretamente em uma disciplina específica ofertada para os alunos de Arte, consideramos que os desdobramentos já
começam a surgir, com duas orientações de Trabalho de Conclusão de Curso que abordam a temática da Iconografia da
Caveira no México e a Iconografia do Medo da Morte na filmografia e em obras de Arte.
Consideramos que esta pesquisa, que ainda se encontra em seu início, alcançará seus propósitos em estabelecer as
correlações que podem existir entre a formação acadêmica, o tema da morte e a futura atuação profissional destes
alunos. Mesmo que encontremos a princípio, alguma resistência, acreditamos que podemos manter o nosso objetivo de
se estabelecer uma reflexão sobre as questões da morte por meio da educação e da Arte.

244
(Endnotes)
1 1
No Trabalho de Conclusão de Curso, concluído em 2008, desenvolvemos a monografia intitulada como Retratos da Ausência – entre pinturas e sim-
ulações fotográficas, um trabalho poético em que utilizamos a pintura como linguagem para representação e discussão do retrato mortuário e no Mestrado,
concluído em 2011, desenvolvemos a dissertação intitulada como Registros do Bem Morrer – retratos mortuários e religiosidade em Juazeiro do Norte/CE, em
que abordamos uma discussão teórica acerca do tema.
2 2
NAGY, M. The child’s view of death. Journal of Genetic Psychology, 1948, 73, 3-27. Reimpresso em H. Feifel (ed.), The meaning of death. Nova York: Mc-
Graw-Hill, 1959, pp.79-98.

Referências
Kastenbaum, Robert; Aisenberg, Ruth (1983): Psicologia da Morte. Concisa: Pioneira: USP, São Paulo.
Kóvacs, Maria Júlia (2003): Educação para a morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. Casa do
Psicólogo: FAPESP, São Paulo.
Kóvacs, Maria Júlia (2008): Morte e desenvolvimento humano. Casa do Psicólogo, São Paulo.
Menezes, Fabíola Veloso (2011): Registros do Bem Morrer: retratos mortuários e religiosidade em Juazeiro do Norte-CE.
Dissertação de Mestrado, UFES, Espírito Santo.
Torres, Wilma da Costa (1999): A criança diante da morte: desafios. Casa do Psicólogo, São Paulo.
Turbet, Silvia (1999): A morte e o imaginário na adolescência. Companhia de Freud, Rio de Janeiro.

FABÍOLA VELOSO MENEZES


Professora assistente no Departamento de Artes Visuais – Centro de Artes –UFES. Mestre em Artes. Coordenadora GEM-
PA – Grupo de Estudos em Metodologia de Pesquisa em Arte. Grupo de Pesquisa CNPQ – Processos discursivos em arte
- Linha de pesquisa: A morte e suas representações imagéticas.

245
re lato s de
experiência

246
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NA ARTE MINIMALISTA
Sandro de Souza Novaes – PPGA/UFES

RESUMO
Trata-se de um relato sobre um módulo da disciplina Escultura ministrada por mim no primeiro semestre de
2015 para o curso de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo, onde estudamos o campo
ampliado da escultura. Nesse módulo lançamos mão de alguns trabalhos da arte minimalista, movimento
característico por dialogar diretamente com o espaço circundante da obra, dentro ou fora da galeria e/ou
museu.
Embora a arte há muito tenha sido feita para apreensão visual, os minimalistas procuraram envolver os
espectadores fisicamente, discutindo como, dessa forma, a apreensão do objeto é diretamente afetada e se
modifica à medida que o observador se move pelo espaço.
Palavras-chave: arte; minimalismo, escultura, percepção.

ABSTRACT
This is a report about a short-course of Sculpture given by myself in the first half of 2015 to the course of
Arts of the Federal University of Espirito Santo, where we study Sculpture in the Expanded Field. In this
module, we studied work of minimalist art, characteristic movement by the direct dialogue between the
surrounding space of the work, inside or outside the gallery and / or museum.
Although the art has long been made to visual apprehension, the Minimalist artists sought to engage view-
ers physically, discussing how, in this way, the seizure of the object is directly affected and changes as the
viewer moves through space.
Key words: art, minimalism, sculpture, perception

Na primeira aula sobre o campo ampliado na escultura, após a leitura do texto da crítica de arte norte americana
Rosalind Krauss1, os alunos foram incentivados a explorar opções de materiais não tradicionais em arte para trabalhar
na construção dos futuros exercícios da disciplina, e assim, pensar nas possibilidades físicas e conceituais que esses
diferentes tipos de material poderiam sugerir. Foram também incentivados a analisar durante todo o processo o papel
do observador nesse processo.
Foi pedido aos estudantes que, coletivamente, definissem o que conheciam por escultura, baseando-se em seu conhe-
cimento anterior à entrada no curso de arte, considerando o material usado no trabalho, escala e o assunto discutido.
O que as esculturas normalmente retratam? Como elas são exibidas? Onde o são? Como a escultura se relaciona com
o espaço de forma diferente de uma pintura ou desenho? Como os espectadores normalmente, interagem com esse
tipo de obra? Os alunos deviam guardar só para si mesmo as respostas dessas perguntas enquanto trabalhávamos os
exercícios a seguir:

1 KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Rio de Janeiro: Gávea, 1984.

247
Lendo imagens

Fig. 01 – Richard Serra: Uma tonelada escorada (castelo de cartas) – 1969 – Chumbo – 122 x 122 x 2,5 cm

A obra acima foi apresentada aos alunos, sem que esses tivessem acesso a ficha técnica da mesma, em seguida foram
incentivados a descrever o que estavam vendo na imagem, logo em seguida foram informados que o trabalho é com-
posto por quatro placas de chumbo cada uma com um pouco mais de um metro linear de dimensão, foi pedido para
que citassem algumas propriedades do chumbo.
Na sequência foram informados que esse trabalho chama-se “Uma tonelada escorada (castelo de cartas)” os alunos
foram incentivados a decompor e pensar sobre as palavras que estão contidas no título da obra: “Tonelada”, “escorada”
e “castelo de cartas” e dizer como esses se relacionam uns com os outros na vida cotidiana e como eles se relacionam,
juntos, especificamente nesse trabalho. Houveram opiniões coerentes e muitas vagas sobre o assunto. Logo após, ficar-
am informados que as placas não estavam soldadas, somente encostadas umas nas outras, e com essa informação foi
pedido que eles descrevessem com verbos a ação que as placas de chumbo estão exercendo e como essa descrição se
relaciona com o título da obra e o material do qual é constituída.
Richard Serra possuía uma lista de verbos que escreveu para que fosse possível estabelecer um diálogo com seu tra-
balho formal, nessa trabalho ele lançou mão do verbo “sustentar”, seus materiais de uso geralmente eram baseados em
sua vivência como empregado em estaleiros e siderúrgicas quando mais jovem: chumbo, aço, e borracha.
Trocando o autor, em uma outra abordagem, os alunos foram apresentados ao artista Robert Morris, esse, buscou na
década de 60, subverter a força geométrica da escultura minimalista em prol de uma organicidade mais expressiva.
O artista passou a usar materiais maleáveis em suas obras, como o feltro por exemplo. Morris submetia esse material
para ações simples como o corte e o arremesso ao acaso, contando com a gravidade, estratégia que ele nomeou como:
“anti-forma”.

248
 Fig. 02 – Robert Morris: Sem título – 1970 – Feltro – Dimensões variadas

Depois de apresentados a imagem acima, os alunos foram questionados sobre o material que compõe a obra, depois
de alguns erros e acertos, foram informados de que trata-se de um grande pedaço de feltro, cortado e pendurado
na parede por ganchos, logo, foi pedido para que eles citassem algumas qualidades do feltro, muitos não souberam,
porém, alguns poucos conseguiram.
Foi pedido aos alunos que desenhassem, um esboço da obra “sem título” usando lápis e papel, eles tinham que desen-
har essa peça cortada, mas, não pendurada na parede, a forma antes de ser suspensa pelos ganchos, depois respond-
eram a questão: Como essas duas formas se diferem e qual o agente dessa divergência?
Logo depois eles discutiram sobre o contraste em termos de material, linhas e formas, e principalmente o papel da
gravidade na obra de Richard Serra com a de Robert Morris.
A próxima imagem foi “Rosa fora do canto para Jasper Johns” de Dan Flavin:

 Fig. 03 – Dan Flavin: Rosa fora do canto para Jasper Johns – 1963 – lâmpada fluorescente – Dimensões variadas

249
Foi pedido aos alunos que escrevessem em uma folha de papel alguns adjetivos que descrevessem o que estavam
vendo, quase que a maioria descreveu corretamente sobre a lâmpada rosa no chão, encostada no canto de uma sala,
e os adjetivos mais usados foram: luminosidade e claridade, logo em seguida foram informados sobre o material que
constitui a obra e arguidos com as seguintes questões: Onde, geralmente estão colocadas as lâmpadas fluorescentes?
Qual é a sua função? Quais as suas cores? Como a cor dessa lâmpada afeta sua função? As respostas foram as mais
variadas.
Depois de cientes das respostas acima foi pedido que eles olhassem com bastante atenção para a imagem percebendo
e imaginando como essa obra interagem com o espaço, projetando luz e sombra na arquitetura do local no qual está
instalada. Foi pedido que, de olhos fechados, eles se imaginassem em frente a obra para em seguida responder de que
forma essa luz colorida interage com seus corpos e como o movimento deles em volta da obra pode criar diferentes
intervenções nesse espaço?
Com sucesso a maioria respondeu sobre os desenhos que a sombra projetada desenharia suas silhuetas nas paredes e
no chão da sala. Outros discutiram sobre o calor que a luz incidia sobre eles.
O Autor, considerava suas obras, não como esculturas, mas como o espaço iluminado pelo tubo de luz, que unida com
a cor e o espaço transforma o espaço circundante da obra. Além do espaço física da obra, Dan Flavin “jogava” com a
apreensão das cores, pois com o olhar impregnado de rosa, o observador, em alguns momentos passa a enxergar a sua
complementar.
Os alunos testaram esse efeito sinestésico olhando fixamente para um quadrado rosa de papel colado no meio de uma
folha em branco e em seguida para uma folha totalmente branca, onde enxergaram um quadrado amarelo esverdeado.

Em sequência a imagem a ser estudada em seguida foi “espelho de canto com cora” de Robert Smithson:

  04 – Robert Smithson: Espelho de canto com coral – 1969 – Espelho e coral – 91.5 x 91.5 x 91.5 cm
Fig.

A turma de alunos foi dividida em duplas e lhes foi pedido que comparassem - enfocando nos contrastes - com o tra-
balho anteriormente mostrado, “Rosa fora do canto para Jasper Johns”
Foram informados que este trabalho é feito de três espelhos quadrados em um canto de um quarto, dois espelhos
perpendiculares contra a parede e um no chão e uma pequena pilha de coral rosa e branco. Com essa informação as
duplas tinham que discutir sobre a forma da pilha de corais, houveram muitas dúvidas, os alunos ficaram confusos com
o reflexo do espelho e não conseguiam perceber se a forma era arredondada ou triangular, as opiniões divergiram bas-
tante, por causa da fragmentação da forma, gerada pelo reflexo no espelho.
Em seguida os alunos foram incentivados a responder sobre como os espelhos interagem com o espaço ao nosso redor,
e para relatarem algum caso em que perceberam uma alteração ou mesmo alguma aparente distorção causada por
espelhos quando espera-se que esses cumpram somente o seu papel de reflexão.

250
Logo, os alunos compararam sobre os efeitos dos espelhos e das luzes no ambiente dentro do espaço, como esses en-
volvem o espectador e como esses elementos interagem com o mesmo. Chegaram à conclusão que os autores colocam
o observador na obra, e esse observador apreende a obra não só com a visão mas também interagindo com ela com
o seu corpo físico. Corpo esse que que está em direta relação com o espaço e pode interferir na percepção da obra de
acordo com a posição que assume no espaço circundante da obra.
Foi pedido que os alunos escrevessem adjetivos, o tanto que conseguissem, que descrevessem os espelhos e o coral,
uma abordagem inteligente que se destacou foi de um aluno que fez uma ligação entre a areia que, segundo ele, dá
forma ao coral também ao espelho, essa, é a matéria prima dos dois elementos que constituem a obra.
Para finalizar foi pedido que os alunos, nesse momento reconsiderassem suas definições de escultura em relação às
obras vistas e estudadas. As respostas obtidas foram de grande sucesso, a comparação entre o que imaginavam ser
esculturas e o que passaram a considerar foi bastante proveitosa e muitas vezes divertida.

REFERÊNCIAS

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Rio de Janeiro: Gávea, 1984.


MARZONA, Daniel; Minimal Art; Taschen, 2005

251
ARTE NO CURSO DE PEDAGOGIA: CONTRIBUIÇÕES E NARRATIVAS
DAS(OS) ESTUDANTES
Myriam Fernandes Pestana Oliveira
Faculdade São Geraldo | Prefeitura Municipal de Vitória | Universidade Federal do Espírito Santo

RESUMO
Como docente da disciplina Arte e Educação, procurou-se organizar os tempos/espaços que proporciona-
ssem mostrar que a Arte acompanha e conta a trajetória da humanidade, portanto é preciso conhecer a
história, a produção artística mundial, a arte local, os artistas, as linguagens artísticas. Individualmente os
estudantes foram ouvidos, por meio de questionário que possibilitasse narrar suas experiências/vivências
em Arte na sua educação básica, até chegar ao curso superior. Por considerar que a formação inicial se sus-
tenta também na autoformação, o apoio teórico se deu em Freire (1987), Nóvoa (2000) Barbosa (1985,2003),
Martins (1998, 2012), entre outros pesquisados e professores que defendem e acreditam nas possíveis meta-
morfoses que se sucedem através das práticas formativas.

Palavras-chave: : Arte e Educação – Formação – Pedagogia.

ABSTRACT
As a teacher of the subject Art and Education, sought to organize the times / spaces that provided show that
Art accompanies and follows the journey of humanity, so you need know the history, the world’s artistic pro-
duction, local art, artists, artistic languages​​. Individually students were heard, through a questionnaire that
would enable to narrate their experiences / experiences in Art in its basic education to get to college. For
consider that the training is also supported self formation theoretical support was in Freire (1987), Nóvoa
(2000), Barbosa (1985,2003), Martins (1998, 2012), among others and surveyed teachers who defend and
believe in metamorphoses possible that succeed through training practices.
Key words: Art and Education - Training – Education.

Pedagogizar a Arte
Sabe-se que o movimento para introduzir a disciplina Arte nos cursos de Pedagogia aconteceu desde a década de
1980, relatado em vários documentos que se referem à legislação sobre a educação brasileira.
A reivindicação de introduzir a disciplina de “Fundamentos da arte-educação” nos cursos de Pedagogia está
presente desde a década de 1980, como testemunham as conclusões do I Congresso Nacional de Arte e
Educação/Salvador em 1983; o Manifesto de Diamantina em 1985; a Carta de São João Del-Rei em 1986; o
Manifesto dos arte-educadores do Estado de São Paulo em 1987 (MARTINS, 2012, p. 37).
Tantos anos após o sucesso desse primeiro movimento, e como docentes e pesquisadores da área da educação, mais
precisamente com o olhar de professora de Arte, somos cotidianamente instigados, o que nos leva aos seguintes
questionamentos: Como está atualmente a formação inicial em Arte do professor/pedagogo? De que modo acontece
a formação inicial do pedagogo e dos professores de séries iniciais, relacionada ao ensino de Arte? Qual é o conheci-
mento/repertório artístico cultural desse estudante de pedagogia? Como dirimir o debate: Arte como conhecimento ou
Arte como atividade?
Historicamente, o Brasil, na condição de país colonizado, precisou buscar em Portugal, os primeiros profissionais ar-
tistas, arquitetos, engenheiros, para introduzir um processo educativo da Arte no país. Estes ensinamentos foram trans-
formados “pela força popular e pela criatividade nativa” (BARBOSA, 1985).O primeiro ensino adotado em Arte no país foi
o informal, tendo como base as oficinas dos profissionais das ordens religiosas e dos profissionais leigos, situação que
perdurou nos primeiros séculos do Brasil Colônia.

252
Nesse sentido, justifica-se a preocupação com a educação básica do atual estudante de Pedagogia, visto que mesmo
mediante tantas conquistas no campo do ensino da Arte, em pleno século XXI, tanto nas práticas de alfabetização
como nas aulas de Arte na educação básica, a cópia e a utilização do desenho estereotipado (em cartilhas, em folhas
de papel copiadas e distribuídas nas salas, em carimbos) ainda é proposta pelos professores aos seus alunos.
Assim procede a preocupação com a formação desses estudantes, futuros professores e pedagogos, provavelmente
oriundos de uma formação em Arte inconsistente, encontrada em grande parte das redes públicas e particulares de
ensino no Brasil.
Por isso, com as reflexões de Freire (1987,1997), Nóvoa (1988,1985,2000) e Larrosa(2000,) sobre a formação e auto-
formação dos docentes; de Barbosa (1985, 2003,) nas pesquisas sobre o ensino de Arte; e, Martins (1998, 2012), que
pesquisa Arte e Pedagogia, têm-se subsídios para refletir e agir no curso de graduação e oportunizar outras vivências/
experiências artísticas que contribuam para as ações docentes desses futuros profissionais da educação.

O encontro necessário: Arte e Pedagogia


Arte e Pedagogia são áreas do conhecimento que dividem o mesmo espaço/tempo nas unidades de ensino. São duas
áreas com muitas coisas em comum, mas nem sempre se veem ou são vistas como tal. Pode-se afirmar que, em mui-
tos casos, na escola, a pedagoga vê o professor de Arte como o decorador da escola, e o professor de Arte, por sua vez,
vê no pedagogo, o profissional com o qual não é possível dialogar. Sem dúvida, tais diferenças podem ser resolvidas
quando estas duas áreas não mais dividirem espaços, mas somarem esforços e saberes, como em muitos casos já acon-
tece.
A disciplina Arte passou a fazer parte da grade curricular do curso de Pedagogia a partir da década de 1980, o que
pode justificar a desinformação de muitos pedagogos, que talvez ainda se encontram nas redes públicas e privadas de
ensino pelo país. Certamente, muitos deles são oriundos de formações que estudaram arte como técnica, quer dizer,
como produção de peças artísticas, outros do tempo em que arte servia para liberar impulsos, ou apenas como comuni-
cação, ou simplesmente como linguagem.
[...] as aulas de arte serem confundidas com lazer, terapia, descanso das aulas “sérias”, o momento para fazer
a decoração da escola, as festas, comemorar determinada data cívica, preencher desenhos mimeografados,
fazer o presente do Dia dos Pais, pintar o coelho da Páscoa e a árvore de Natal. Memorizam-se algumas
“musiquinhas” para fixar conteúdos de ciências, faz-se “teatrinho” para entender os conteúdos de história e
“desenhinhos” para aprender a contar. (MARTINS,1998, p.12)
Essa variedade de conceitos atribuídos à disciplina Arte, por um longo período da educação brasileira, foi a base da for-
mação de inúmeros pedagogos e professores, acabando por influenciar e contribuir para as práticas daqueles que não
tiveram a oportunidade de estudar e conhecer a disciplina, como área de conhecimento.
O professor de Arte tem como tarefa trabalhar a disciplina como área de conhecimento, que tem conteúdo, não apenas
uma aula para aprender a fazer trabalhos manuais. É ele quem vai apresentar aos alunos a produção artística mundi-
al, a arte local, os artistas, as linguagens artísticas. Vai mostrar também que a Arte acompanha e conta a trajetória da
humanidade, mesmo quando a escrita ainda não o fazia.
A organização que este professor de Arte vai fazer para dar conta de tamanha complexidade exige que desenvolva
estratégias e articule conhecimentos referentes ao que quer dizer trabalhar com a Arte, ou seja, lidar com uma série
diferenciada de conhecimentos ligados a procedimentos históricos, sociais, técnicos, estéticos, críticos. Portanto, todo
esforço do professor para trabalhar esse rico material, precisa despertar interesse, criar sentido e ter significados para
o aluno.
Por isso, o professor que ministra a disciplina Arte precisa ter, além de formação inicial, a formação continuada, acom-
panhar as ações dos espaços expositivos da cidade, estar em dia com as leituras e pesquisas referentes a sua área de
atuação. Muito importante também é que o pedagogo acompanhe este professor na escola, visto que:
A atuação do pedagogo escolar é imprescindível na ajuda aos professores no aprimoramento do seu de-
sempenho na sala de aula (conteúdos, métodos, técnicas, formas de organização da classe), na análise e
compreensão das situações de ensino com base nos conhecimentos teóricos, ou seja, na vinculação entre as
áreas do conhecimento pedagógico e o trabalho de sala de aula. (LIBÃNEO,1996,p.127).

Assim torna-se imprescindível cuidar da formação acadêmica do futuro professor/pedagogo. Tratando-se de um alu-
no com formação e informações em Arte, normalmente muito rasas, o espaço do curso superior pode preencher esta
lacuna e, consequentemente, empoderar esse futuro profissional da educação. Visto assim, o encontro Arte e Pedagogia

253
ocupa nos espaços de ensino aprendizagem a posição necessária para contribuir com a formação do futuro profissional
da educação.
Um ensino compromissado com a arte se preocupa com a formação de apreciadores e intérpretes da arte. Prepara os
alunos para o entendimento de mensagens visuais e gráfico-plásticas capacitando-os a decifrar os códigos e dispor de
uma atitude crítica frente a produção artística.

O questionário
Partindo do princípio que por meio da fala sistematizada dos próprios alunos e com o objetivo sutil de saber o perfil
das turmas a serem trabalhadas, foi organizado questionário. A partir das respostas, e de posse de um diagnóstico, seria
possível investir em um plano de ensino que fosse interessante e que, consequentemente, despertasse a vontade de
conhecer , estudar, pesquisar e vivenciar Arte. O referido questionário foi respondido individualmente, oportunizando a
cada um narrar sua própria história, justificado pela afirmação de Larrosa (2000,p.54):
O sujeito pedagógico ou, se quisermos, a produção pedagógica do sujeito, já não é analisada apenas do
ponto de vista da objetivação, mas também e fundamentalmente do ponto de vista da subjetivação. Isto é,
do ponto de vista de como práticas pedagógicas constituem e medeiam certas relações determinadas da
pessoa consigo mesma. Aqui os sujeitos não são posicionados como objetos silenciosos, mas como sujeitos
falantes; não como objetos examinados, mas como sujeitos confessantes; não em relação a uma verdade
sobre si mesmos que lhes é imposta de fora, mas em relação a uma verdade sobre si mesmos que eles mes-
mos devem contribuir para produzir.
Corroborando com Larrosa (2000), e com o intuito de despertas a “verdade sobre si mesmos”, cerca de 150 estudantes
(turmas 2014, do curso de Pedagogia, Faculdade São Geraldo), o questionário, adotando como título Arte e Educação,
aconteceu com as seguintes perguntas:
1. Você considera importante o ensino de Arte desde a educação infantil até a Educação de Jovens e Adultos? Por
quê?
2. Como você estudou Arte no seu período escolar?
3. O que você conhece sobre Arte Contemporânea?
4. Que artistas capixabas, no ramo das Artes Plásticas, você conhece ou já ouviu falar? Identifique a modalidade
que ela(e) atua.
5. Você costuma frequentar espaços expositivos como museus, galerias de arte, teatros, etc.? Quais e com que
frequência?
A primeira pergunta teve unanimidade na resposta positiva e justificativa como, “as crianças desevolvem criatividade
e habilidades”; “é preciso aprender histórias antigas”; “é para formação social e cultural do ser humano”; “entender a Arte
como legado da humanidade”; “é um rico aprendizado para crianças e adultos”; etc.
A segunda foi reveladora. Alguns poucos chegaram a registrar “as próprias professoroas não valorizavam a disciplina,
deixavam a gente fazer o que quizesse”; “na escola era considerada matéria de menor valor”; “nunca tive conteúdo teórico”.
A maioria respondeu ”apenas colagem com barbante e palito de picole, pintura e recortes”; “só trabalhos manuais”; “muito
desenho livre”; quando tinha aula de arte, era xerox pra pintar, não aprendi nada”.
Porém, nessa mesma pergunta dois estudantes responderam: “visitei a exposição de Lasar Segal”; outra disse: “conheci
Van Gogh, aquele do girassol e da orelha”. Continuando que “um professor no ensino médio fez a diferença, tivemos fo-
tografia” Uma outra aluna registrou a seguinte resposta ”não me lembro bem, mas o que aprendi me fez gostar tanto que
meu sonho é fazer faculdade de Artes”.
Sobre Arte Contemporânea, a maioria afirmou que nunca estudou nada sobre este assunto. Alguns responderam “ex-
pressa a liberdade”; “artista fora do padrão”; “arte atual”; “arte do século XXI”.
A pergunta número quatro se refere a produção artística capixaba. O nosso Estado tem uma grande produção artísit-
ca, que nem sempre é apresentada na escola. As reproduções de obra de arte ou artistas apresentados aos alunos são
os grandes nomes da arte universal e atualmente o brasileiro Romero Brito. Assim esta pergunta foi respondida, sem
surpresa. A artista capixaba citada por 90 por cento dos entrevistados foi a poetisa e atriz global Elisa Lucinda, que
realmente é capixaba, não do ramo das artes plásticas, mas teve participação em um novela de horário nobre, marcou
presença (grifo nosso).

254
Quanto à última pergunta, os alunos responderam sobre o hábito de visitarem expaços expositivos: “Infelizmente, não”
e a maioria registrou que a visita só aconteceu, por iniciativa da Faculdade, e foram unânimes em considerar prazero-
so e importante. As justificativas para dizer que não fazem: “não temos o hábito, nem condições financeiras”, “com pouca
frequencia” “apenas o cinema, é mais fácil”, “nunca fui”, mas um respondeu “gostei muito de conhecer e agora me esforço pra
ir sempre”.

Por que as narrativas?

Intencionalmente, esses questionamentos foram entendidos como pesquisa narrativa, visando ver o estudante de
Pedagogia “[...] no centro dos debates educativos e das problemáticas de investigação” (NÓVOA, 2000), principal-
mente referindo-se às normas de formação docente que sob este olhar, não são ações descontextualizadas, são sim
declarações de sua vida, com toda multiplicidade pessoal e profissional.

A importância de uma atividade como esta é de ajudar os alunos a tornarem-se mais conscientes do critério que eles
próprios usam ao fazer julgamentos sobre o ensino da arte, como eles foram afetados pelo contexto, e como eles po-
dem contribuir para mudar e/ou construir novos paradigmas.

Entende-se, nesse sentido, que este tipo de pesquisa é mostrado como um processo que possibilita analisar vivências
cotidianas desses estudantes. Por meio dessas investigações pode-se desvelar as ações autoformativas, e projetar os
modelos de construção de suas práticas pedagógicas. Utilizando recursos como estes, pode-se entender sua autofor-
mação com base na sua própria história de vida.

Por isso é importante valorizar os conhecimentos acumulados por estes alunos, ora pesquisados, e de suas maneiras de
interferir no seu desenvolvimento, visto que para o atual contexto da educação, não se aceita promover ações mecâni-
cas e repetitivas. Pensa-se, atualmente, na promoção de processos de formação evidenciando os contextos sociais, e as
críticas aos problemas educacionais, na constante busca de soluções.

Visto assim, a pesquisa narrativa é utilizada para entender as experiências autoformativas dos estudantes, e como
subsídios para analisar suas necessidades de informações e conhecimentos. A partir das análises, efetivar a funda-
mentação das necessidades do seu currículo escolar. Nesta perspectiva vimos o futuro professor/pedagogo como uma
pessoa que pode ser dono de seus métodos de formação a partir de suas próprias histórias de vida. Justifica-se, então,
que no ato de contar suas histórias educativas, vislumbra-se uma possibilidade de entender a importância das mesmas
e, assim, contribuírem para a definição de sua vida profissional e avaliar as propostas de formação e de “ser professor”.

Pode-se afirmar que a narrativa faculta a interpretação das experiências dos estudantes, bem como suas relações com
os espaços/tempos vividos na escola. Ao narrar suas histórias, eles perguntam, mesmo que sem perceber, sobre suas
aprendizagens, sobre determinados conteúdos, ao longo de seu período escolar e, consequentemente, projetam sua
futura prática pedagógica. É visto, então, que levar este estudante a pesquisar sua própria experiência educativa, refle-
tirá no seu desenvolvimento profissional e nesse movimento reflexivo, construir e aprimorar sua atuação docente. “A
formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento
autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participativa” (NÓVOA, 1995, p. 25).
Conclui-se então que ao narrar suas histórias com requintes biográficos, o narrador revê sua trajetória de vida, com a
oportunidade de se autocriticar e proferir suas escolhas alicerçado em suas próprias censuras. De acordo com Freire
(1987, p.20),
constantemente, pesquisa as palavras faladas e escritas dos estudantes para saber o que eles sabem, o que
eles querem e como eles vivem[...]porque as suas falas e seus textos são um acesso privilegiado a suas
consciências.

Dessa maneira, suas narrativas podem ser caracterizadas como um instrumento de investigação que permitem apri-
morar sua formação no campo educacional. Esse estudante pode entender como se apoderou dos elementos forma-
dores, e investigar as contribuições pessoais na construção da prática pedagógica, visto que o modo como escolhemos
ensinar pode ter uma grande ligação com a pessoa que somos e o que consideramos importante na nossa realização.

255
As possíveis metamorfoses
São inúmeras as referências que constroem a história do professor: sua trajetória escolar, sua história de vida, seu rep-
ertório cultural, sua convivência no ambiente de trabalho. Portanto, ao colocar um estudante de Pedagogia para contar,
mesmo que por meio de questionário, seu aprendizado em Arte, ao longo de sua educação básica, há a intencionali-
dade de usar esses relatos como ponto de partida para propor mudanças no seu modo de conhecer essa disciplina e
provocar uma metamorfose considerável na sua atuação docente.
O que pode ser trabalhado na graduação, visto que a disciplina em questão fez parte da trajetória educacional do atual
estudante de Pedagogia, apenas como atividade, entretenimento, passatempo? Quando se propõe apresentar a discipli-
na como área de conhecimento, como sempre deveria ser, é preciso partir da obra de arte, das manifestações culturais,
propor a apreciação, a contextualização e, finalmente, partir para produção. Assim, a produção individual ou coletiva
do aluno terá consistência, reflexão, crítica, não será apenas uma produção avulsa, onde se evidencia apenas a técnica,
“atividades artísticas esparsas e não originárias de conceitos, de ideias artísticas e estéticas, podem concorrer para o
desaparecimento do estudo da arte propriamente dita” (FUSARI & FERRAZ, 1999, p.22)
Enfatiza-se, então, que o professor/pedagogo precisa ter em sua formação profissional uma educação artística, não só
porque precisa aprender os conteúdos, mas por se preocupar com sua formação humana, no sentido de aumentar sua
capacidade de ler o mundo, criticamente, por meio da educação do olhar, da produção criativa e da reflexão. A qualifi-
cação do profissional da educação carece de uma compreensão dos contextos históricos, culturais e sociais que fazem
parte da sua atuação docente.
Para subsidiar a formação e/ou fundamentação dos futuros docentes, alunos do curso de Pedagogia da Faculdade São
Geraldo, é proposto por meio da disciplina Arte e Educação, visita a exposições oferecidas pelos museus e espaços ex-
positivos na região metropolitana da capital do Estado, assim como incentivo para que esta prática seja uma constante
com a família, amigos e alunos, no caso dos que já trabalham como professores ou estagiários. Além das reproduções
de obras de arte, vídeos sobre a arte brasileira, visita de artistas capixabas, que compõem o trabalho da disciplina.
Há também a preocupação em estimular o trabalho interdisciplinar, ao entender que a fragmentação das disciplinas
não colabora para com a formação do educando. Até porque não existe uma sem a outra, ou seja, as disciplinas estão
todas entrelaçadas: as informações se completam e complementam com maior consistência os conhecimentos adquiri-
dos, no decorrer do período educacional.
Sabe-se que todas as áreas do conhecimento são fundamentais quando se trata da construção do ser humano crítico e
reflexivo. Por isso, o profissional da Educação necessita estar seguro para ministra-las. Assim, o curso superior, frequen-
tado pelo futuro docente, necessita oferecer uma formação que o ajude a trabalhar de maneira consciente e reflexiva
com os conhecimentos que constituem todas as áreas que integram o currículo escolar.
No Brasil, não só o licenciado em Arte é autorizado a atuar como professor da disciplina, como também os formados
em Pedagogia podem exercer essa função nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Mais um motivo para ampliar a
discussão sobre a importância e contribuição das artes na formação do alunado do curso de Pedagogia.
[...] é a tarefa dos cursos de formação dirigidos a professores enriquecer o universo cultural e artístico do
professor, formando-o em arte e educação, segundo as mais avançadas concepções de arte e ensino de Arte.
(IAVELBERG,2003,p.63).
Nesse sentido, torna-se pertinente trabalhar a disciplina Arte e Educação ligada à realidade do aluno como sujeito
social e cultural, que utiliza de manifestações para se pronunciar na vida. Para isso, procurou-se saber a compreensão
de Arte desse aluno, futuro profissional da Educação, com o intuito de propor conteúdos ligados ao contexto histórico
e que possa ampliar seu repertório de saberes em Arte. “[...] que aproxime os estudantes do legado cultural e artístico
da humanidade, permitindo, assim, que tenham conhecimento dos aspectos mais significativos de nossa cultura, em
suas diversas manifestações”. (FUSARI; FERRAZ, 1999, p. 49).
É imprescindível que seja evidenciado os registros dos acontecimentos artísticos que marcam uma época, um
dado momento histórico e pertencem a um certo grupo cultural, e que as manifestações artísticas que envolvem a
comunidade escolar onde este aluno está inserido, também têm sua importância e precisam, deste modo, serem
vistas.
É possível afirmar que o homem é um sujeito histórico, e por isso carrega os aprendizados de todo seu período
escolar junto com seu trajeto social, e sabendo disso, é preciso ver na sua trajetória como uma maneira de ajudar
na construção do que é ser professor. Assim, é no desenrolar do Curso de Pedagogia que oportunamente será o
aprendizado dos saberes de sua formação pedagógica. “A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva,
que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação
participativa” (NÓVOA, 1995, p. 25).

256
Tendo como base os ensinamentos artísticos vivenciados na sua vida escolar, anterior ao que está cursando, os
acadêmicos em questão, trazem consigo modelos nada confortáveis baseados em suas vivências em Arte. É justa-
mente no período de estudos acadêmicos que eles podem obter informações consistentes sobre a disciplina, e serem
levados a vivenciar espaços expositivos que proporcionem vivências com produções e manifestações artísticas.É
importante conhecer sobre a produção artística da humanidade, como transmissão de sua herança artístico-cultural, e
segundo Barbosa:
Arte não é enfeite, Arte é cognição, é profissão, é uma forma diferente da palavra para interpretar o mundo,
a realidade, o imaginário, e é conteúdo. Como conteúdo, arte representa o melhor trabalho do ser humano.
Arte é qualidade e exercita nossa habilidade de julgar e de formular significados que excedem nossa ca-
pacidade de dizer em palavras. Se pretendemos uma educação não apenas intelectual, mas principalmente
humanizadora a necessidade da arte é ainda mais crucial para desenvolver a realidade circundante e desen-
volver a capacidade criadora necessária a modificação desta realidade.(BARBOSA,2002,p.4).

As considerações
Sabe-se que o Curso de Pedagogia habilita o profissional da Educação para aplicar e elaborar propostas educacionais
inovadoras, proporcionando a formação do que vai planejar, avaliar e como conduzir os processos pedagógicos nos es-
paços onde profissionalmente atuar, além de habilitar para lecionar nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Assim
é justamente o curso de Pedagogia o responsável por fomentar no futuro pedagogo/professor a responsabilidade e a
autonomia de planejar, organizar e lecionar , segundo Freire (1997, p.121):
[...] Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de
várias, inúmeras decisões que vão sendo tomadas.[...] A autonomia, enquanto atitude do ser para si, é pro-
cesso de vir a ser. É, neste sentido, que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada nas experiências
estimuladoras da decisão e da responsabilidade.
E a autonomia necessária para trabalhar uma disciplina como Arte, por exemplo, exige do professor acreditar que o
ensino da Arte ajuda entender a humanidade por meio do histórico, do artístico e do cultural, além de possibilitar o
desenvolvimento criativo e estético dos envolvidos nesse processo. E acredita também que as diferentes manifes-
tações artísticas e culturais possibilitam a comunicação através das criações/produções humanas “o processo en-
sino-aprendizagem em Arte envolve ações implícitas nas várias categorias do aprender / ensinar, como objetivos a
serem alcançados quanto à aprendizagem de fatos, conceitos, procedimentos, valores, atitudes e normas” (MARTINS,
1998 p. 139).
A LDB 9394/96, no seu artigo 26, parágrafo 2º, informa que o ensino da Arte constituirá componente curricular
obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. Expli-
ca-se o que diz a legislação ao entender que a Arte não é importante apenas na escola, já que é um conhecimento que
perpassa e conta a história da humanidade através dos tempos. Nesse sentindo, ao entender o professor como sujeito
autônomo, criativo, reflexivo, visto que num mundo globalizado, não se vê um profissional da Educação na condição de
não crítico, e sem condições de refletir sua prática para criar suas posturas pedagógicas.
Na educação já não importa mais o sobreviver, mas o saber viver. Para isso, é necessária uma outra forma
de conhecimento – o autoconhecimento – compreensivo, vivo e íntimo, que nos una pessoalmente ao que
estudamos e fazemos. (SANTOS, 2003 p.11)
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte, encontramos que,
Ensinar Arte em consonância com os modos de aprendizagem do aluno significa, então, não isolar a escola
da informação sobre a produção histórica e social da arte e, ao mesmo tempo, garantir ao aluno a liberdade
de imaginar e edificar propostas artísticas pessoais ou grupais com base em intenções próprias. É tudo inte-
grado aos aspectos lúdicos e prazerosos que se apresentam durante a atividade artística. (PCN, 2001, p.47).

É papel do professor optar por recursos didáticos adequados para apresentar as informações, observando sempre a
necessidade de apresentar formas artísticas, porque ensinar arte com arte é o meio mais eficiente, afinal, o aluno em
situações de aprendizagem, precisa estar envolvido nas “práticas de aprender a ver, observar, ouvir, atuar, tocar e refletir
sobre elas”. (PCN, 2001, p.48).
Vê-se, então como é importante conviver com ensinos-aprendizagens que tenham significados e, consequentemente,
constituam pessoas conscientes e autônomas. Por isso, a partir da própria história de vida dos estudantes é preciso
desenvolver metodologias e ações educativas, no sentido de contribuir com sua formação docente. Uma formação que

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não se algeme aos pressupostos clássicos e formalistas, mas caminhe em direção a uma educação cidadã, que force o
futuro docente a preocupar-se com seu agir no contexto educacional e, por isso estar em constante autoformação.
A prática de autoformação é constituída também pelo desenvolvimento profissional, o que contribui para a concret-
ização da prática pedagógica, valorização da pessoa que se forma e seus modos de vivenciar suas experiências ref-
erentes à realidade educacional. Essa prática exige reaver as histórias de vida do estudante, que possibilitam fazer
autonarrativas, as quais declaram fatos marcantes na sua vida educacional, o que consequentemente reflete na sua
condição de vir a ser professor.
Isso afirma a opinião de que “[...] ninguém forma ninguém e a formação é, inevitavelmente, um trabalho de reflexão
sobre os percursos da vida” (NÓVOA, 1988, p. 116). Essas afirmações coadunam com a ideia de que o ato reflexivo do
estudante proporciona se fazer educando e educador em constante formação, que permite criticar os conhecimentos
construídos, recuar quando necessário e avançar em suas ações educacionais, tendo o cuidado em valorizar as atitudes
de sua profissão docente.
Esperamos ter contribuído para iniciar uma discussão sobre a necessidade de implementar os processos de tomada de
consciência e formação de conceitos através do trabalho contextualizado e reflexivo na sala de aula.

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Referências bibliográficas
BARBOSA, A. M. Arte-educação: conflitos/acertos. São Paulo: Max Limonad, 1985.
BRASIL. Lei n.9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União.
Brasilia, 27 dez.1996, Seção 1. p. 11429.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasilia: Secretaria de Educação Fundamental. 3. ed, 2001. p. 47-48.
DICIONÁRIO INFORMAL Endereço: www.dicionarioinformal.com.br/capixaba Acesso em 15 de maio 2015
FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997
FUSARI. M. F. de R.; FERRAZ, M. H. C. de T. Metodologia do ensino da arte. 2. ed.São Paulo: Cortez, 1999.
IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores-Porto alegre: Artmed, 2003.
LARROSA, Jorge. Tecnologias deo eu e educação.In:Silva, Thomas Tadeu. O sujeito da educação. Petrópolis:Vozes, 1994
LIBÂNEO, J. C. Pedagogia, Ciência da Educação? Selma G. Pimenta (org.). São Paulo; Cortez, 1996. p. 127.
MARTINS, Miriam Celeste Ferreira Dias. Didática do Ensino da Arte: a língua do mundo: poetizar, fluir e conhecer a arte. São Paulo:
FTD, 1998
_______ Metodologia do ensino da arte. São Paulo: Editora Cortez, 2. ed., 1999.
MARTINS, M.C.; PICOSQUE, G. GUERRA, M.T.T. Didática do ensino da Arte. São Paulo: Editora FTD, 1998.
NÓVOA, A. (Org.). A formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no projecto Prosalus. In: NÓVOA, A.; FINGER, M. O método
(auto)biográfico e a formação. Lisboa, PT: Ministério da Saúde, 1988. p. 108-130.
______.Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa, PT:
Dom Quixote, 1995.
_____. Profissão Professor. Porto, PT: Porto, 2000.
SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.
_______. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. São Paulo, SP: Cortez; Brasilia, DF: UNESCO, 2000.

Myriam Fernandes Pestana Oliveira


Mestra em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Profes-
sora no Curso de Pedagogia da Faculdade São Geraldo. Professora de Arte do Sistema Municipal de Ensino de Vitória
ES. Tutora a distância no curso de Artes Visuais modalidade EAD-UFES.  http://lattes.cnpq.br/1833632706232255

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ARTE RUPESTRE: MONTANDO O SÍTIO ARQUEOLÓGICO
CONTEMPORÂNEO
LAIA, Nayane Coelho de. Universidade Federal do Espirito Santo
PIOL, Giani Gomes dos Santos. Universidade Federal do Espirito Santo
VELOSO, Katia Soares Borges. Universidade Federal do Espirito Santo

RESUMO
O trabalho a seguir desenvolve uma reflexão sobre a arte rupestre, fazendo link com as atuais manifestações
de arte urbana no que tange sua visualidade e plasticidade praticadas na contemporaneidade. Para esse fim,
apropriamos de produtos naturais e materiais artísticos, de fácil acesso no mercado, fomentando um pro-
cesso de identidade artística e cultural dos alunos, no qual através dos grafismos urbanos exploramos uma
identificação afetiva entre alunos, escola e comunidade. O processo de ensino foi realizado com crianças na
faixa etária de, aproximadamente, dez a doze anos de idade. A ação deste planejamento ocorreu como forma
de construção e mediação para os discentes que atuam com crianças no âmbito escolar, formal e informal.
Palavras-chave: Arte rupestre; educação; grafismo; contemporaneidade;

ABSTRACT
The work then develops a reflection on the rock art, making link with the current manifestations of urban
art with respect to its visuality and plasticity practiced nowadays. To this end, appropriated natural products
and art materials, easily accessible in the market, fostering a process of artistic and cultural identity of the
students, in which through the urban artwork explore an affective identification among students, school
and community. The teaching process was conducted with children in the age group of approximately ten to
twelve years old. The action of this planning took place as a way of building and mediation for students who
work with children in school, formal and informal level.
Keywords: Rock art; education; graphics; contemporaneity;

INTRODUÇÃO
A arte rupestre vem sendo estudada há muitos anos, por arqueólogos e historiadores e mais recentemente por artistas,
os estudos envolvendo esta manifestação artística¹ abrem possibilidades para discursões, que tem como cerne a procu-
ra de respostas díspares sobre as mensagens gráficas que as gravuras e pinturas rupestres ocasionaram. Sabemos da
relevância e importância dessas descobertas, tendo em vista que apresenta claramente diversidade pré-histórica e que
esses registros são fontes inesgotáveis de elementos antropológicos, etnológico e estético. Essas características ainda
podem ser observadas em nosso cotidiano e são constantemente exploradas pela sociedade moderna mesmo tendo
ocorrido há cerca de milhões de anos. As primeiras descobertas envolvendo a arte rupestre, datam por volta do ano
40.000 a.C. e apontam que o seu surgimento advém do período Paleolítico Superior. Existem vários sítios arqueológi-
cos espalhados pelo mundo, sendo um dos mais icônicos a gruta de Lascaux na França. No Brasil há localização desses
sítios em todo o território nacional, sendo que os mais conhecidos são do Parque Nacional Serra da Capivara (Patrimô-
nio Mundial da UNESCO), situado na cidade de São Raimundo Nonato no Estado do Piauí, região nordeste do país, com
a existência de vestígios pré-históricos de pinturas rupestres e artefatos.
Por meio de nossas pesquisas, buscamos ressaltar os valores dos sítios arqueológicos, sua importância e relevância,
apresentamos como proposta pedagógica essa temática, com o anseio de reiterar as artes gráficas através do ensino
da arte como modo de fomentar o exercício do ensino das artes aliado às práticas contemporâneas, a fim de esta-
belecer uma ligação de materiais orgânicos, hibridação e efemeridade, ajudando a desenvolver no educando a sustent-
abilidade, o pensamento crítico sobre o espaço urbano e a criatividade no sentido de elaboração das próprias tintas.
A ação educativa foi desenvolvida em uma escola do ensino fundamental, situada no município de Vitória - ES e teve
como objetivo estimular e ampliar a inventividade, motricidade e o conhecimento imagético dos alunos, incentivando

260
e propiciando novas descobertas de transformação dos materiais que possam ser recondicionado para uso nas práticas
artísticas da arte educação.

Atividades desenvolvidas junto ao Programa de Iniciação a docência


Inseridas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência PIBID – CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior), pertencente à Universidade Federal do Espírito Santo, UFES, frequentamos uma escola
Pública Municipal de Ensino Fundamental, situada na cidade de Vitória, Espírito Santo, no Bairro Jardim da Penha, em
que observamos as atividades ministradas pela professora regente e auxiliamos os alunos no decorrer das aulas, além
de ministrar oficinas, tendo como objetivo principal, uma troca de conhecimento e saberes adaptando ao ambiente
escolar e colocando em prática os conhecimentos que a universidade nos proporciona, tecendo uma rede de diálogos,
permitindo um crescimento intelectual e moral dos envolvidos.
A arte que hoje permeia sobre a humanidade, vive em constante processo de mudança. Esse desenvolvimento deve-se
ao fato de nós humanos, estarmos sempre em busca de novas oportunidades técnicas que nos permitam maior agili-
dade, conforto e comodidade em nossas atividades diárias.
Dessa forma o proposta desta ação foi fazer um sítio arqueológico contemporâneo criado pelos alunos dentro do
próprio ambiente escolar, representando as coisas que mais gostam no seu dia-a-dia, por se tratar de ação e inter-
venção que aborda o universo dos sentidos para os alunos, podemos atribuir o status também de sítio arqueológico da
atualidade.
Atualmente, no espaço urbano, grupos de jovens grafitam suas marcas deixando presença em muros e prédios, mar-
cando diversos ambientes. São imagens que transmitem mensagens pertinentes ao grupo, muitas das vezes fazendo
referência as práticas e conduta de quem executou o picho², relatando em muitos dos casos um apelo emocional po-
dendo ter diferentes significados.
Desse modo, as manifestações dentro e fora da escola, feitas pelos próprios alunos, como desenhos nas carteiras, pare-
des, portas, chão e muros, são sinalizações que transmitem mensagens do seu cotidiano e pertinentes ao grupo que as
realizou e aos seus contemporâneos.
Para abordar a questão, apresentamos a arte rupestre para os alunos, suas principais características e as diversas técni-
cas de reproduções, explicamos como elas eram utilizadas no período da pré-história e como estão inseridas hoje em
nosso cotidiano através da arte de grafitar e nos pichos que encontramos pela cidade.

Foto 01: Muro da quadra da escola. Fonte: Arquivo Pessoal

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Foto 02: Muro da escola. Fonte: Arquivo Pessoal

Foto 03: Porta do banheiro da escola. Fonte: Arquivo Pessoal

Processos da Oficina
Realizamos uma ação teórica explicando que nossos ancestrais deixaram suas manifestações gráficas em cavernas,
grutas e paredões usando o desenho, pintura e gravura através de diversas técnicas, como o Picoteamento³, a fricção
de um bloco de pigmento seco e duro na pedra e outras com o uso de um pincel feito de galho de árvore e até mesmo
com o próprio dedo, usavam diferentes manifestações para representar o seu cotidiano.

262
Depois da explicação trabalhamos com a prática da reprodução de desenhos rupestres, (ação elaborada inicialmente
pela professora regente), tivemos então a ideia de criar uma oficina com a mesma temática (arte rupestre), porém com
aulas mais dinâmicas, atrativas, atividades diversificadas e com metodologia diferenciada do que vem sendo apresen-
tado na escola em questão.
A proposta foi descartar as tintas industrializadas desta atividade. Além de ajustar uma experiência a técnica artística
apresentada na teoria rupestre, utilizamos de materiais rústicos e pigmentos naturais para a produção das tintas no
processo criativo, tendo como objetivo criar uma caverna (sítio arqueológico contemporâneo), e fazer com eles tenham
o conhecimento na prática.
Tendo em vista nosso objetivo, apresentamos a temática como proposição de abordagem da evolução da arte primitiva,
também conhecida como “arte rupestre” que com características diversificadas aparece na contemporaneidade em for-
ma de grafismos conforme acima citado. Portanto, diante do exposto, podemos considerar o grafite como arte rupestre
e os muros como cavernas urbanas presente em meio à sociedade. No primeiro encontro do desenvolvimento da ofici-
na, montamos uma aula expositiva no auditório, composta por vídeos e um slide em Power Point contendo imagens de
todos os produtos naturais, utilizados como pigmentos na fabricação das tintas, processo de transformação e variações
de tonalidades que podemos encontrar, inclusive com relação à argila. Em um dos vídeos a explicação sobre a origem
do açafrão foi em formato de música infantil, em que os alunos além de cantarem, memorizaram o refrão e continu-
aram cantando durante o trajeto de volta a sala de aula a música “Cúrcuma- Açafrão” de autoria de Moacir Camargo e o
Couro Infantil, música do CD: As melodias das plantas medicinais. O hino denota a importância e o impacto da aula no
cotidiano escolar. A aula foi bastante participativa, uma das alunas no início indagou que a atividade não daria certo,
pois a utilização da terra como tinta, não fixaria no papel, porque a terra cairia. Alguns alunos discordaram da colega,
sugerindo que daria certo se misturasse cola ou água. [...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibili-
dades para a sua produção ou a sua construção. (FREIRE, Paulo, 1996. Pág. 12).
Observamos que de acordo com o conhecimento prévio de cada individuo o resultado da atividade já era previsto por
eles sem sequer ouvir a nossa explicação, desta forma a percepção dos alunos e o repertório imagético, contribuíram
para a fruição do exercício proposto.
No segundo encontro demonstramos na prática a fabricação das tintas, todos ao redor da mesa fazendo muitas per-
guntas, questionamentos e comparações. A surpresa pelo contato com os pigmentos naturais, cor, textura, odor, bem
como o fruto do urucum impulsionou o interesse pela prática.
Utilizamos uma técnica semelhante à da produção de tinta vinílica, técnica em que aprendemos na disciplina de META
(Materiais e Técnicas Artísticas), ofertada pela Universidade Federal do Espirito Santo - UFES, no curso de graduação
em Artes. Tal vivência nos proporcionou o aprendizado para manipular de forma adequada o uso de pigmentos em pó
e aglutinantes, fazendo uma junção de materiais industrializados e orgânicos, podendo assim levar o nosso aprendiza-
do acadêmico de forma coerente para as instituições de ensino, para isso selecionamos materiais orgânicos de fácil
acesso em nossa região, conforme eram utilizados anteriormente por nossos ancestrais. Utilizamos colorau em pó,
Açafrão em pó, carvão, pó de café, argila e a cal, tendo como aglutinante cola branca e água.
No momento da fabricação, a tinta a base de café foi comparada com excrementos humanos e de animais, já a tinta a
base de urucum, foi comparada com sangue, apontamentos pertinentes, uma vez que os usos dos mesmos estavam no
contexto associado à época, pois tanto os desenhos como as gravuras e as pinturas tinham como base excrementos e
sangue, além de ossos, pedra calcária e outros materiais vegetais que ainda são objetos de pesquisa.

263
Foto 04: Experimento com tintas artesanais. Fonte: Arquivo Pessoal

Ao final do preparo das tintas, selecionamos quatro voluntários da turma que fizeram o experimento, aplicando a tinta
artesanal em algumas folhas de papel tamanho A4.
Depois dos testes realizados, elaboramos a construção de um sítio arqueológico com papel cenário nas paredes da sala
de artes com o intuito de recriar as dificuldades encontradas no passado, para a elaboração e produção das manifes-
tações gráficas.
No encontro seguinte, a turma foi dividida em dois grupos, onde disponibilizamos os materiais necessários para dar
inicio ao processo de construção dos relatos cotidianos, mostrando a contemporaneidade intrínseca no âmbito social e
cultural, expressadas através da arte. Os desenhos e as pinturas foram realizados com o auxílio dos materiais produzi-
dos em sala de aula, com o objetivo de estabelecer uma conexão entre as diversidades e experiências do passado, pos-
sibilitando a ampliação do repertório imagético do educando, aguçando de forma artística a criatividade das crianças.
No quarto encontro reproduzimos no ambiente escolar uma caverna, simbolizando o sítio arqueológico, onde os alunos
desenharam com carvão e pintaram com tinta artesanal produzida em sala de aula deixando gravado nas paredes (forradas
com papel cenário) as suas vivências de um mundo globalizado e cheio de diversidades, onde são alternativos os modos em
que a sociedade vive. Confeccionaram a sua arte de grafismos, correlacionando a outros aspectos da vida cotidiana.

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Foto 05: Oficina em andamento. Fonte: Arquivo Pessoal

Foto 06: Resultado da oficina

265
Resultados

Os resultados obtidos durante o desenvolvimento da oficina foram positivos, atingindo desta forma o objetivo final
que foi levantar questões proeminentes relativas à nossa formação profissional, onde há uma observância na repro-
dução dos alunos de maneira subjetiva e expressiva de acordo com o tema proposto. Evidenciamos também, que as
experimentações e vivências influenciaram no desenvolvimento gráfico e nas representações visuais adquiridas neste
processo.
O caminho proposto por essa pesquisa é o da Arte. A arte sempre busca novos paradigmas, segundo Buoro, (1998, p.31)
“[...] conhecimento é construído a partir de uma integração com a natureza e com todas as formas de saber, por mais
diversificadas que possam parecer”.
Concluímos ao término dos nossos encontros, que os alunos foram capazes de identificar e assinalar por meio de
suas próprias experiências construtivas, as diferentes possibilidades de aplicação e reprodução da expressão artística
conhecida como arte rupestre perante a contemporaneidade. Agregando conhecimento e estudos condizentes com a
temática pesquisada e aflorando seus sentidos que somam para o aprendizado.

Referências:
BUORO, Anamelia Bueno. O olhar em construção: Uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola. 2°
edição. Cortez Editora – São Paulo, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Espanha: EDG, 1996.
FERREIRA, Herculano. Materiais populares na educação artística. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1983.
FERRAZ, Maria Heloisa C. de Toledo; FUSARI, Mª F. de Rezende E.. Metodologia do ensino de arte. São Paulo: Cortez,
1993.
GASPAR, Madu. A Arte rupestre no Brasil/ Madu Gaspar. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
PILLAR, Analice Dutra. A educação do olhar no ensino das Artes. Porto Alegre: Mediação 205 p, 1999.
MARTINS, Mírian Celeste. Temas e Técnicas em Artes Plásticas, São Paulo/ECE,1979.
TATIT, Ana. 300 propostas de artes visuais. Maria Silva M. Machado. Ipiranga. São Paulo: Loyola, 2003.

1 Nesse estudo será abordará a arte rupestre como manifestação artística, e suas aplicações na arte educação. Contudo, a utilização desse termo e sua
designação como “arte” é problemática, levantando questionamentos sobre a arte, cultura comunicação. Assim, não entraremos o mérito desta discursão.
2 Picho: Ato de desenhar ou escrever em superfícies.
3 Picoteamento: Bater uma pedra pontiaguda em forma de martelo sobre um formão do mesmo material.

266
Net Grafia
http://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2012/02/24/interna_tecnologia,279696/pinturas-rupestres-encontradas-na-grande-bh-ani-
mam-pesquisadores.shtml

Data de acesso: 13/05/2015 às 15h30min.


http://www.suapesquisa.com/arqueologia/sitios_arqueologicos.htm

Data de acesso: 13/05/2015 às 17h23min.


http://www.mundoeducacao.com/artes/arte-rupestre.htm

Data de acesso: 05/06/215 às 12h27min.

Nayane Coelho de Laia


Cursando o sexto período do curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. . Bolsista do Pro-
grama Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID/CAPES 2014/2015. Curso superior em Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos.

Giani Gomes dos Santos Piol


Cursando o sexto período do curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Bolsista do Pro-
grama Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID/CAPES 2014/2015. Estagiária de Artes Visuais do Centro Cultural Sesc Glória. Monitora
Voluntária do Laboratório de Gravura / UFES.

Katia Soares Borges Veloso


Cursando o sexto período do curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Bolsista do Pro-
grama Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID/CAPES 2014/2015.

267
O DESENHO COMO EXPRESSÃO E DIÁLOGO
SOUZA, Silvana Rocha – Professora de Arte da Rede Municipal de Uberlândia - MG

RESUMO
Neste trabalho apresento uma proposta que foca o desenho como forma de expressão e diálogo, realizada
em turmas de alunos do quarto ano do Ensino Fundamental I, com faixa etária entre 9 e 11 anos, em escola
de periferia. Com o passar dos anos, observando os alunos que passaram por essa escola, percebemos como
as dificuldades socioeconômicas e emocional eram expressas na disciplina de Arte. O Interesse pelas aulas
era visível e as habilidades em realizar os trabalhos artísticos se destacavam ao longo do ano letivo. Apre-
ciavam a arte por meio do conhecimento que tinham sobre História da Arte e buscavam trabalhar o belo, o
sentimento e o diálogo. Este projeto sistematiza propostas de trabalho para a produção a partir do desenho,
envolvendo modelagem, colagem, uso de materiais recicláveis e explorando formas, textura, cores, luz e
sombra.
Palavras-chave: Arte – Desenho – Pensamento – Aprendizagem

ABSTRACT
In this work we present a proposal that focuses on drawing as a way of expression and dialogue, held in the
fourth year students of elementary school, aged between 9 and 11 years at suburban schools. Over the years,
watching students who have gone through this school, we realize how the socioeconomic and emotional
difficulties were expressed during art discipline classes. The interest for the classes was visible and skills to
perform the artwork stood out throughout the school year. They appreciate art through the knowledge they
had about art history and sought to work the beautiful, feeling and dialogue. This project systematized work
proposals for the production from the drawing, involving modeling, collage, use of recyclable materials and
exploring shapes, texture, color, light and shadow.
Keywords: Art - Design - Thoughts – Learning

INTRODUÇÃO
Partindo das observações em sala de aula, desenvolvemos uma proposta para estudar o desenho, conceito, os tipos de
desenhos, artistas que trouxeram contribuição para o desenvolvimento do desenho e ao mesmo tempo, provocar um
olhar diferenciado diante das obras desses artistas e dos objetos no entorno, apreciando as formas , detalhes, cores. Por
ser escola de periferia, alunos carentes, de assentamentos, a arte se destaca no resgate de memórias, ideias, imagina-
ção representadas no desenho. Mesmo não sabendo desenhar (como dizem), não se intimidam diante do lápis e do
papel. Percebendo esse desejo, pesquisei autores, conceitos e artistas que usam o desenho como forma de expressão.
Elaborei um planejamento focando conceitos sobre o desenho, os tipos, as técnicas utilizadas, artistas e suas obras. A
pergunta que não saia da minha cabeça era sempre a mesma: é possível ensinar ao aluno como desenhar? No inicio
do ano letivo, percebi que a maioria estava acostumada a “copiar” desenhos de personagens, ilustrações de livros, de
revistas em quadrinhos. Não conheciam o poder de ver um desenho e fazê-lo parecido. Claro que é preciso levar em
consideração as habilidades de cada um, mas era preciso despertar no aluno essa visão de que ele pode sim, desenhar!
Durante minhas pesquisas, compreendi que duas escolas se alternaram no modo de construção do desenho: a escola
tradicional, onde o aluno copiava modelos, imitavam formas externas e preconcebidas; e a escola renovada, cuja
defesa era que o aluno não precisava de orientação, seu desenho deveria ser livre. Hoje, nota-se uma arte contemporâ-
nea que propõe ao aluno criar a partir do conhecimento do mundo da arte e da realidade em que está inserido. E essa
proposta foi a mais viável para trabalhar em sala de aula: permitir que o aluno crie, libere da sua imaginação seus
sentimentos, sonhos, desejos, que ele se desenvolva da melhor maneira possível, esteja consciente das suas possibili-

268
dades, não sinta medo de se expressar. E o papel do professor é encorajá-lo a continuar, percebendo as etapas de seu
desenvolvimento. O estudo do desenho é aplicado para turmas de 4° ano e o resultado está em verdadeiros artistas
mirins, motivados a estudar mais, terem visão de vida diferente, menos dolorosa como na realidade em que se encon-
tram. Se desde cedo o professor estimular o aluno à expressão criadora, talvez esse aluno possa tornar-se um cidadão
mais confiante, feliz, realizado. Que saiba superar os obstáculos com clareza, com criatividade. Cada criança tem seu
estilo de representar e no desenho, carregado de significados, da realidade na qual está inserida, é revelado o seu
pensamento criativo. Ela não nasce sabendo, mas o conhecimento é construído a partir de sua relação com o objeto,
visualizando e definindo qual a possibilidade de representar e interpretar esse objeto. O desenho pode ser feito a
partir de um modelo apresentado assim como o que a criança traz em seu interior, transmitindo para o papel o conteú-
do da sua imaginação. O seu universo, sua visão e descobertas são abstraídos a partir de formas e cores. Às vezes, um
desenho pode não trazer nada para o adulto que observa, mas para a criança, é o reflexo de sua vida, um meio de
comunicação de forma espontânea. Segundo Mazzamati (2012) o ato de desenhar tem sido usado como meio de
diálogo e comunicação. Sabe-se que desde pré-história, o homem já utilizava o desenho para se comunicar, registrando
nas paredes das cavernas suas ideias e ações do cotidiano. E para o mundo infantil, o desenho torna-se o companheiro
de tantas brincadeiras, distração, tradução de sentimentos e pensamentos. O desenho é tão importante na história da
arte que em um breve panorama, é possível identificar sua evolução através do tempo e do espaço: os desenhos rupes-
tres nas cavernas da pré-história, os ideogramas na escrita chinesa, os hieróglifos na arte egípcia, as iluminuras na
Idade Média, Leonardo Da Vinci no Renascimento descobrindo o desenho como fonte de investigação científica do
mundo, na Arte Moderna o desenho adquire várias intenções sendo a pintura como meio de visualização prévia das
composições que se almeja desenvolver, já esboçado no desenho. E na arte contemporânea o desenho como uma
incisão da matéria. A partir de gestos, marcas, tensão entre materiais e a pressão exercida, o desenho deixa seu recado,
sem qualquer representação ou significado. A evolução do desenho compartilha o processo de desenvolvimento,
passando por etapas que caracterizam a maneira da criança se situar no mundo. E a arte não tem importância para o
homem somente como instrumento para desenvolver sua criatividade, sua percepção, etc., mas tem importância em si
mesma, como assunto, como objeto de estudos. (BARBOSA, 1975). A arte tem grande importância por causa da função
que ocupa na vida das pessoas e na sociedade. É preciso entender que a arte se constitui de modos específicos de
manifestação da atividade criativa dos seres humanos ao interagirem com o mundo em que vivem. Para reconhecer e
melhorar a compreensão sobre a arte e sua história, é preciso aprofundar gradativamente nos conhecimentos sobre as
praticas artísticas. Dessa forma, estudar o desenho como forma de expressão e diálogo é propor um desafio constante
para o educando. Procurar recursos, metodologias que simplifiquem as dificuldades apontadas. Muitos declaram medo
de desenhar, assumem um papel de não saber fazer, sem antes experimentar ou porque passaram por experiências
desagradáveis, fazendo do desenho um monstro de várias cabeças. O professor de artes precisa conhecer e se organi-
zar nos assuntos que correspondem as duas vertentes: o fazer e apreciar arte. Verificar quais as medidas que podem
auxiliar na diversificação sensível e cognitiva do educando, sequenciando atividades pedagógicas que o ajudem a
aprender a ver e olhar (que são duas coisas distintas), ouvir, pegar, sentir, comparar os elementos gramaticais visuais e
as obras artísticas para um aperfeiçoamento aceitável. No encontro que se faz entre cultura e criança situa-se o profes-
sor cujo trabalho educativo será o de intermediar os conhecimentos existentes e oferecer condições para novos estu-
dos. (FERRAZ, 1993). Sendo assim, o educando contará com vários meios para expressar-se, adquirindo mais prática e
experiências. A potencialidade criativa que o educando tem é ampla, mas nem sempre se reconhece isso. Faz-se neces-
sário oferecer oportunidades para que ela possa colocar em prática sua criatividade, estimulando-a a desenhar a partir
da observação, do resgate de memórias, instigar a criação, desenvolvendo sua percepção, emoção e inteligência. O
intuito desse estudo é estimular o educando a explorar essa criatividade, propor conversas sobre o desenho, a impor-
tância que ele traz no seu cotidiano, abandonar os preconceitos e medo de desenhar. Promover uma interação com o
espaço, com os materiais, os suportes. O professor, ao planejar a sequência de atividades de desenho e ao oferecer os
suportes aos seus alunos, tem de levar em conta quais os instrumentos mais adequados às crianças e aos objetivos
que pretende alcançar. (MAZZAMATI, 2012). Não é simplesmente fazer por fazer, apenas cumprindo um cronograma de
planejamento. É avaliar como que a arte propõe uma viagem de rumo imprevisto – da qual não sabemos as conse-
quências. Porém, empreendendo-a, o que conta não é a chegada, é a evasão. Buscamos arte pelo prazer que ela nos
causa. (COLI, 2004). A ideia em aprofundar os estudos me faz refletir que o papel do professor não é fazer do educando
um artista, pois este se faz por opção profissional, tem consciência do poder criador. O educando já age de forma
espontânea, porém o professor deve ser cauteloso ao propor atividade que envolva o desenho. Nem toda criança sente
prazer em desenhar. Isso requer atenção, análise do recurso utilizado, modificar a metodologia para a realidade da
criança, procurando informações das experiências que ela teve com o desenho. O que importa é que ao longo de sua
vida escolar ele tenha uma convivência passiva, de liberdade de expressão, de contato com seu mundo imaginário e
que seja estimulado a criar soluções para que suas ideias sejam colocadas em práticas. A proposta desse relato é
estimular e incentivar os alunos a desenvolverem suas produções, explorando e utilizando os elementos da linguagem
visual, favorecendo o aprendizado em todo o processo criativo, através dos quais o conhecimento da arte é construído.
Os conteúdos foram desenvolvidos durante o 1º trimestre em turmas do 4º ano do Ensino Fundamental. As aulas

269
foram desenvolvidas primeiramente através de pesquisa do material, suportes e os elementos a serem utilizado nas
produções, na sequência, apresentação de vídeos dos artistas, de imagens em PowerPoint das obras mais significativas
do movimento a ser estudado, análise da obra fazendo a relação entre pintura figurativa abstrata, e dando continuida-
de no estudo sobre os elementos formais como cor, linha e forma, para então iniciarem a produção prática, desenvol-
vendo diferentes composições . As produções práticas focam o desenho como expressão e também como forma de
diálogo, já que o desenho fala por si só. É a conversa interior que o aluno traz para o mundo externo. Estudamos o
conceito de desenho, por que desenhar e como se faz para desenhar. Partimos do ponto onde o desenho está guardado
na caixa chamada “memória” e com a chave mágica, os alunos trazem para o papel o que sua imaginação permitir. Não
existe regras para compor, basta soltar o lápis no papel e se entregar ao que surge na mente. Geralmente, os alunos
gostam de desenhar o que eles mais gostam: carros, símbolos de time, super-herói, bailarinas, lugares. É o exercício do
imaginário. Em seguida, analisamos imagens de vários artistas, principalmente Auguste Cézanne, que sutilmente criou
suas obras a partir da observação do objeto. Nesse nível, o estudo é feito em sala de aula e depois no pátio da escola,
onde estará uma cena quase idêntica ao da obra de Cézanne: “Natureza Morta”. E observando os objetos, os alunos
tomaram consciência das formas que os compõem. Os alunos observam os objetos colocados na mesa, suas formas,
cores, luz e sombra. Como se sentam em círculo, cada um fez de acordo com sua visão.

Alunos exercitando o olhar Mesa posta


Foto: acervo pessoal da autora Foto: acervo pessoal da autora

Desenho de observação: Mesa posta


Foto: acervo pessoal da autora

Paul Cézanne Desenho de observação


Natureza Morta, 1893-94 Natureza Morta
81 x 65 cm Foto: Acervo pessoal da autora

270
A partir de uma atividade prática bidimensional, os alunos fizeram alguns estudos em folhas de sulfite A4 para com-
preender a técnica do desenho de observação, tendo como diretriz o conhecimento do Movimento Impressionista e
o Moderno. Os alunos foram orientados a reler as obras estudadas, analisando os elementos visuais e a partir dessa
concepção, partiram para a releitura da obra, modificando as formas vistas por outras que gostariam que fossem. Após
a realização dos estudos, os alunos utilizaram uma folha de papel canson A3, e as ideias foram colocadas no papel,
tendo sido feito o estudo de cores e do material a ser utilizado na composição, que variou entre tinta guache, colagem
de figuras de revista, Jornal, lápis grafite, lápis de cor, canetinhas.

Colagem s/papel de seda Colagem s/jornal


Foto: acervo pessoal da autora

O resultado das produções finais foi surpreendente. Em diversos momentos, o processo de criação foi fotografado
(preservando a imagem dos alunos), os trabalhos registrados em sua fase de estudo e de acabamento. O suporte
utilizado para a exposição dos trabalhos foram paredes da escola. A avaliação aconteceu de forma contínua consid-
erando os processos vivenciados pelos alunos durante as aulas e na realização de todas as atividades. Os alunos foram
envolvidos em todo o processo de criação onde apreciaram e refletiram sobre o que mais gostaram nas composições
produzidas (feedback), tornando assim a aprendizagem significativa.

271
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino de Arte. São Paulo: Perspectiva, 2001.
__________________. Teoria e Prática da Educação Artística. São Paulo: Cultix, 1975.
COLI, Jorge. O que é Arte? São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos; 46).
DERDIK, Edith. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Scipione, 1989.
EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.
FERREIRA, Sueli. Imaginação e linguagem no desenho da criança. Campinas, SP: Papirus, 1998.
FERRAZ, Maria Heloisa Correa de Toledo. Metodologia do ensino de arte. São Paulo: Cortez, 1993.
MAZZAMATI, Suca Mattos. Ensino de desenho nos anos iniciais do ensino fundamental: reflexões e propostas metodo-
lógicas. São Paulo: Edições SM, 2012.
MODINGER, Carlos Roberto...[et al.].Práticas Pedagógicas em Artes: espaço, tempo e corporeidade. Erechim: Edelbra,
2012.
TINOCO, Eliane de Fátima Vieira (Org). Possibilidades e Encantamentos: trajetória de professores no ensino de arte.
Uberlândia: E.F.Tinoco, 2003.

Silvana rocha de Souza


docinhodelis@yahoo.com.br
Graduação/ Licenciatura/Bacharelado: Artes Visuais / Universidade Federal de Uberlândia – UFU
Graduação/Licenciatura/Bacharelado: Gestão de Pequenas e Médias Empresas / Faculdade Pitágoras
Especialização: Arteterapia / Faculdade Vicentina – NAPE/SP
Especialização: Educação Especial e Inclusiva / Universidade Federal de Uberlândia /MG

272
O ENSINO DE ARTE E A TECNOLOGIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Sigrid A. Tavares - PPGA UFES*

RESUMO
Trata-se de relato da experiência do Ensino de Arte no Ensino Médio em uma escola da rede estadual. Tem
como objetivo subsidiar a reflexão sobre a concepção do ensino associado à ferramentas tecnológicas visan-
do produzir um aprendizado adequado, proporcionando um ensino de qualidade aos educandos. O presente
trabalho tem por objetivo expor uma experiência de apropriação de tecnologia em sala de aula.
A unidade foi elaborada e desenvolvida em três momentos: Uma breve retrospectiva sobre a história da fo-
tografia e sobre a fotografia como retrato, o uso dos aparelhos smartphones para acesso à internet e pesqui-
sa e por último para fotografia.
Palavras-chave: Arte Educação, tecnologia.

ABSTRACT
It is story of Art Teaching experience in high school in a state school. It aims to support the reflection on
the design of teaching associated with technological tools in order to produce a suitable learning, providing
quality education to students. This work aims to expose a technology ownership experience in the class-
room.
The unit was designed and developed in three stages: A brief look back at the history of photography and
the photo as a picture, the use of smartphone devices to access the internet and search and finally to pho-
tography.
Key words: Art education, tecnology.

Da formação docente
Na atualidade muito se tem discutido sobre a importância da formação docente que deve ser embasada em teorias
de educação contemporânea, incentivando a prática docente reflexiva. Apesar disso, uma das coisas que observa-
mos no ambiente escolar é o inverso: professores que já estão há muito tempo no mercado e estagnaram, refletido
diretamente em sua prática docente, sua metodologia de ensino é sempre a mesma: livro didático, lousa e caderno,
apesar de estarem sempre fazendo cursos de atualização e pós graduação no intuito de melhorar seus currículos,
seguem uma lógica de mercado e não de aperfeiçoamento profissional. Ao analisarmos o currículo/atividades extra-
curriculares do professor na atualidade, percebe-se claramente o intuito de melhorar salário, de crescimento financeiro
do corpo docente, sem a preocupação com o desenvolvimento do saber, do ensino em si, que desencadearia no desen-
volvimento do corpo discente.
Com a globalização e disposição do acesso à redes internacionais e nacionais de ensino à distância e/ou semipresen-
ciais onde se oferecem conhecimentos oficiais a serem incorporados ao currículo do formando, é mister que o profis-
sional se mantenha em sintonia com o mercado de trabalho que a cada dia se torna muito mais competitivo: os títulos
têm assumido papel tão importante quanto, senão mais importante que o título de graduação. Os cursos de pós-gra-
duação se tornaram uma exigência, não apenas do campo da educação, mas das mais diversas áreas. No entanto, se
as cursarmos apenas no intuito de obter o título, não haverá aperfeiçoamento da prática docente. Os cursos de pós-
graduação e de aperfeiçoamento fazem parte da formação continuada formal. Entretanto, podemos encontrar outras
ferramentas que podem ser usadas para a formação continuada de maneira informal. Pode-se, por exemplo, ter acesso
a uma infinidade de informações sobre tecnologia e seus usos através de tutoriais do Youtube, e o próprio contato com
os discentes pode trazer informações novas que contribuam para descoberta de novos programas e aplicativos que
podem ser incorporados à pratica docente.

273
Nos anos 90, a informática passou por uma série de transformações e nos anos dois mil passamos por um processo
de popularização do acesso à tecnologia, seja por notebook, netbook, tablet ou smartphone popularizado pelo “boom”
do acesso a esses aparelhos tecnológicos. A demanda está cada dia maior, facilitando o acesso cada vez maior a apa-
relhos mais sofisticados e criativos. Conectados às mídias sociais os alunos se acostumaram à interface interativa e a
um fluxo constante de informações em seu feed. Diante disso lousa e pincel apenas não parecem ser uma solução que
mantenha o interesse ou propiciem interesse ativo na sala de aula. Não defendemos aqui a exclusão da lousa como
ferramenta de ensino e sim defendemos que se associe a ela outras alternativas.
O ensino produz maior aproveitamento quando utiliza mais de um sentido. Quando se ouve e se vê associadamente, as
chances de memorização e retenção do saber aumentam. Se o aluno participar da construção falando, ouvindo, pesqui-
sando, suas possibilidades de aprendizado aumentam sobremaneira.
Quando se fala em utilização de tecnologia na escola, muitos pensam apenas no laboratório de informática. Se utili-
zarmos tecnologia apenas no laboratório ficaremos limitados, visto que cada escola tem apenas um laboratório e seu
uso depende da disponibilidade de horários. O uso de equipamentos como smartphones e tablets em sala de aula fre-
quentemente tem uma conotação negativa associada à indisciplina e passível de punição, no entanto, se observarmos
um pouco melhor, veremos que é a alternativa mais democrática de uso de tecnologia em sala de aula.
A incorporação de ferramentas tecnológicas na sala de aula leva consigo novos desafios inerentes a suas áreas e suas
especificidades, como o domínio de ferramentas de leitura e decodificação de linguagens e seleção apropriada delas.
Baseado no PCN de 2.000 concordo que a tecnologia deve ser associada ao ensino como meio de “Entender o impac-
to das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida, nos processo de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social” (PCN, 2.000).
As escolas de ensino público do Espírito Santo não tem um material didático específico de Arte. Para se ensinar sobre
alguma modalidade artística, seja ela qual for - performance, pintura ou escultura - consideramos fundamental ver
imagens da obra para que o próprio aluno a conheça e tire suas impressões sobre ela.
Apresentarei uma experiência vivenciada em uma escola de rede Estadual. A ferramenta disponibilizada pela escola
para as aulas de arte era apenas um projetor de imagens, portanto, nem sempre era possível utilizá-lo no estudo de
conteúdos (imagens, documentários) relacionadas ao plano de aula.
A experiência foi desenvolvida em sala de aula, na escola da rede de ensino estadual Hunney Everest Piovesan em
Cariacica/ES. Tratava-se de uma unidade sobre fotografia. Em um primeiro momento fizemos a cópia de um conteúdo
resumido no quadro para que os alunos copiassem, um breve histórico sobre a fotografia, trazendo sua primeira função
a de retrato, função abstraída da pintura. Mesmo esculturas, conhecidas através de fotografias, acabam sendo formata-
das com o recorte fotográfico.
A partir dessa reflexão a turma foi dividida em grupos e cada um sorteou o nome de uma obra, esculturas e pinturas e
recebiam a incumbência de pesquisá-las pelo smartphone, sobre o artista, a obra e a época, e deveriam reencená-la e
fotografar.

Da Tecnologia
As TIC’s incorporada ao ensino são um excelente recurso que quando utilizado em sala de aula de maneira democráti-
ca, permite a expansão de horizontes, e devem estar incorporadas a apresentação, em todo o seu contexto, permitindo
a exploração de todo o seu potencial.
Inicialmente, selecionamos, dentre significados que dá ao conceito de tecnologia, alguns para destacá-los, a fim de
discutir algumas implicações da relação entre exigências educacionais, novas tecnologias e ensino de arte.
Embora associemos tecnologia a determinados equipamentos eletrônicos Kenski (Kenski apud GALEB) afirma que “as
tecnologias são tão antigas quanto à espécie humana”. A inovação seria um resultado do uso do raciocínio e a prática
dos conhecimentos adquiridos, culminando na criação de diferentes equipamentos, recursos e processos, as tecnolo-
gias; ou seja, o conceito de tecnologia não pode se restringir a alguns equipamentos eletrônicos.
Aplicamos o conceito de tecnologia como um conjunto de conhecimentos e princípios científicos que incorporam des-
de atividades de planejamento até a efetiva utilização do equipamento em um determinado tipo de atividade docente
/ discente, como ‘tecnologia’.

274
Da experiência
Para essa experiência em sala de aula, pensamos associar práticas tradicionais de sala de aula a uso de ferramentas
tecnológicas para otimizar o processo de ensino e aprendizagem. As ferramentas de tecnologia previstas para essa
unidade foram os smartphones dos alunos para pesquisa e fotografia, e definimos em plano de aula os momentos de
sua utilização. Foi eleita esta ferramenta pois observamos que os alunos possuíam este equipamento em quantidade
suficiente para o trabalho proposto.
Ao propor uma atividade que envolva o uso de determinada tecnologia o professor deve se inteirar sobre o uso do
equipamento escolhido, possibilidades e aplicativos a serem utilizados, detalhando em seu planejamento as etapas de
utilização do equipamento, e tudo que achar necessário, no caso de câmeras de smartphones: filtros, photoshop, etc.
Quanto mais detalhado for o planejamento maior será a probabilidade de sucesso.
Como objetivo principal desta tarefa: o professor facilitador, desenvolver o pensamento crítico através da apreciação
de “(...) produtos de arte, em suas várias linguagens, desenvolvendo tanto a fruição quanto a análise estética, con-
hecendo, analisando, refletindo e compreendendo critérios culturalmente construídos (...).” (PCN , 2000, p. 52).
Na nossa experiência, o smartphone foi utilizado em dois momentos: para acesso a internet e mais tarde para fotogra-
fia. Não foi utilizado photoshop para retoque das imagens por escolha dos alunos.

Desenvolvimento
Propusemos o desenvolvimento da unidade em três etapas: uma retrospectiva sucinta sobre a história da fotografia e
sobre a fotografia como retrato. Na segunda etapa foi previsto o uso dos aparelhos smartphones para acesso à internet
e pesquisa e em uma última etapa para fotografia.
Num primeiro momento fizemos passamos na lousa (para que os alunos copiassem) um resumo sucinto sobre o surg-
imento da fotografia e sua função inicial de retrato, anteriormente assumido pela pintura. A partir desta análise parti-
mos para a busca e seleção de obras com esta característica, em momentos históricos diversos da arte.
A segunda etapa constituiu-se da divisão da turma em grupos que se encarregaram de, através do smartphone, lo-
calizar informações, sobre a obra - pintura, escultura - o artista e seu momento histórico e eleger uma obra para que o
grupo trabalhasse. As obras sugeridas foram: O casal Arnolfini de Jan Van Eycke (1434), Pietá de Michelangelo (1498-
99), Maestá de Duccio di Buoninsegna (1308 - 1311) - Itália, e o Imperador Justiniano em São Vital - Ravena.
Em seguida, foi proposto a reencenação das obras e seu registro fotográfico. Na data da entrega, foi apresentada a fo-
tografia impressa de cada grupo, que foi exposta em mural para a apreciação por parte de todos os grupos. Esta etapa
pôde ser executada fora da sala de aula, utilizando-se de outros ambientes que compõem o ambiente escolar e mesmo
em ambiente extraescolar para possibilitar enriquecimento e expansão da criatividade de cada grupo/indivíduo.
Durante a execução da atividade constatamos que os alunos interagiram entre si, com o professor, com ambientes es-
colares e extraescolares, propiciando troca de experiências e formação da aprendizagem discente/docente. A interação
e a integração foram motivados pelo processo criativo e os levaram a reflexão da arte como processo de desenvolvi-
mento do ser humano e suas possibilidades como agente de transformação da sociedade.
Foi reservado um momento para que apresentassem suas impressões, dificuldades na execução da tarefa e quais as
soluções que foram apresentadas para cada problema surgido.
Neste momento, foi sugerido que os grupos analisassem as apresentações dos outros grupos, problematizassem e
apontassem outras soluções - novas possibilidades de representações das obras em forma de fotografia.
Esta tarefa foi muito proveitosa, pois o trabalho feito serviu de novas inspirações para novas releituras das obras. Às
vezes a sugestão de alteração do local onde foi realizada uma fotografia, fazia toda a diferença no resultado final.

275
Releitura da Pietá

Releitura do casal Arnolfini

276
Releitura do casal Arnolfini

Releitura do Imperador Justiniano

Releitura Maestá

277
Inicialmente, a proposta era expor os trabalhos em sala de aula para debate e apreciação entre os alunos e depois
fazer uma fanpage do facebook para fazer uma espécie de competição onde as duas mais votadas receberiam uma
premiação simbólica. Entretanto, em virtude do cronograma, isso foi inviabilizado.
Concluímos que essa experiência foi pertinente a esse momento que vivenciamos hoje, e que o processo de formação
é um processo contínuo e que evolui e se modifica sempre. Sempre haverá a necessidade de compatibilizarmos nossas
propostas de ensino ao local onde a escola está inserida, suas características econômicas e sociais, culturais, buscando
desenvolver atividades interessantes e que propiciem a “sensação” do fazer artístico. Pudemos observar a satisfação
dos alunos ao perceber que podiam “recriar a arte”, fazer parte do processo como agente.
O trabalho desenvolvido e sua repercussão no ambiente escolar constituiu-se em momento de reflexão para repensar-
mos nosso papel de educadores e os benefícios advindos da utilização das TIC’s como recurso auxiliar no processo de
ensino aprendizagem bem como na inclusão de novos recursos na aprendizagem, que muitas vezes estão à disposição
e não são integrados ao ensino por comodismo, ou falta de iniciativa, privando-nos de ricas experiências que podem se
concretizar a partir de apenas uma iniciativa.

Referências
OLIVEIRA, José Palazzo de. SANTOS, Clesio Saraiva. A INFORMÁTICA NOS ANOS 90: Alguns avanços e desafios. UFSC.
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Ensino Médio. PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS.
Brasília, 2.000.
GALEB, Maria da Glória. GOMES, Fabrícia Cristina. LEITE, Elisangela Christiane de Pinheiro. SOUZA, Adriana Teles de.
TECNOLOGIA E ARTE: cruzamentos possíveis para uma reflexão acerca do ensino contemporâneo.

*Sigrid Azevedo Tavares


Professora - Professora de Ensino Fundamental e Médio / SEDU / ES.
Mestranda em Teoria e Crítica da Arte
Universidade Federal do Espírito Santo
Email: sigrid.azevedo@hotmail.com

278
OBRAS DE ARTE DO ACERVO DO IFES:
PESQUISA, MEDIAÇÃO E LEITURA DE IMAGEM
Priscila de Souza Chisté – Ifes
Mónica Andrea Rebolledo Seguel – Ifes
Letícia Queiroz de Carvalho - Ifes

RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar a experiência relacionada à pesquisa intitulada: “Obras de Arte
do Acervo do IFES: Mediações, Formação de Professores e Leituras de Imagens”, realizada no Ifes – campus
Vitória. A investigação inicia a partir da aprovação do projeto de pesquisa no Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação Cientifica – PIBIC em agosto de 2014 e tem duração de um ano. O relato está dividido
em quatro seções. A primeira detalha o encontro com o objeto de pesquisa, o referencial teórico utilizado, as
ações empreendidas, o histórico do acervo, a linguagem das obras e os respectivos artistas pesquisados na
primeira fase do projeto. A seção seguinte apresenta a primeira exposição realizada na Biblioteca do campus
Vitória e encaminhamentos para a segunda exposição no campus Guarapari, bem como o material educativo
elaborado. A terceira parte destaca informações sobre a trajetória e o perfil de cada um dos artistas estuda-
dos. Já a última seção propõe leituras de imagens a partir de referenciais teóricos como a Semiótica Plástica
e a teoria Bakhtiniana com a finalidade de contribuir com a formação estética do visitante da exposição e
consequentemente, do leitor do material educativo sistematizado a partir da pesquisa.
Palavras-Chave: Ensino da Arte; Exposição de Arte; Material Educativo; Leitura de imagem.

RESUMEN
Este trabajo tiene como objetivo presentar la experiencia relacionada a la investigación titulada: “Obras de
Arte de la Colección del IFES: Mediaciones, Formación de Profesores y Lecturas de Imágenes” realizada en
el campus Vitória del Ifes. La investigación comienza a partir de la aprobación del proyecto de investigación
del Programa Institucional de Beca de Iniciación Científica – PIBIC en agosto de 2014, con duración de un
año. El relato está dividido en cuatro secciones. La primera detalla el encuentro con el objeto de investi-
gación, el marco teórico utilizado, las acciones emprendidas, el historial de la colección, el lenguaje de las
obras y los respectivos artistas investigados en la primera fase del proyecto. La sección siguiente presenta
la primera exposición realizada en la Biblioteca del campus Vitória y las derivaciones para la segunda ex-
posición en el campus Guarapari, así como el material educativo elaborado. La tercera parte destaca infor-
maciones sobre la trayectoria y el perfil de cada uno de los artistas estudiados. La última sección propone
lecturas de imágenes a partir de referenciales teóricos como la Semiótica Plástica y la teoría de Bakhtin con
la finalidad de contribuir con la formación estética del visitante de la exposición, y consecuentemente del
lector del material educativo sistematizado a partir de la investigación.
Palabras Clave: Enseñanza del Arte; Exposición de Arte; Material Educativo; Lectura de imagen.

INTRODUÇÃO
A pesquisa intitulada “Obras de Arte do Acervo do IFES: Mediações, Formação de Professores e Leituras de Ima-
gens” iniciou a partir da aprovação do projeto de pesquisa junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC). Esse programa visa a apoiar a política de Iniciação Científica desenvolvida nas Instituições de Ensi-
no e/ou Pesquisa, por meio da concessão de bolsas a estudantes de graduação integrados na pesquisa científica. Tem
como objetivos, entre outros, estimular pesquisadores produtivos a envolverem alunos de graduação nas atividades
científica, tecnológica e artístico-cultural bem como proporcionar ao bolsista, orientado por pesquisador qualificado, a
aprendizagem de técnicas e métodos de pesquisa, e também estimular o desenvolvimento do pensar cientificamente e
da criatividade, decorrentes das condições criadas pelo confronto direto com os problemas de pesquisa.
Durante o projeto foram realizadas várias ações, algumas ainda estão em andamento. Com o objetivo de apresentar
tal proposta o relato de experiência em tela está organizado nas seguintes seções: A pesquisa, onde detalhamos como

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nos encontramos com o objeto de pesquisa, o referencial teórico que utilizamos, as ações empreendidas, o histórico
que compunha a compra e alocação das imagens artísticas no campus Vitória, a linguagem das obras e os respectivos
artistas escolhidos para o que foi a primeira fase do projeto. Na seção seguinte, As Exposições, onde apresentamos com
maiores detalhes a primeira exposição já realizada bem como os encaminhamentos para a segunda exposição, além
do material educativo elaborado a ser distribuído para os visitantes. Já na terceira parte, Perfil dos Artistas, reunimos
informações, por meio de pesquisa aprofundada, sobre a trajetória artística de cada um dos artistas que foram apre-
sentados por intermédio de suas obras na primeira etapa do projeto. Finalmente a seção, Leituras de Imagem, onde
realizamos leituras de imagens a partir de referenciais teóricos como a Semiótica Plástica e a teoria Bakhtiniana, com
a finalidade de contribuir com a formação estética do visitante da exposição e, consequentemente, com a do leitor do
material educativo elaborado.

1 A PESQUISA
O Instituto Federal do Espírito Santo possui um acervo de obras de arte de diferentes autores que apresentam vari-
ados estilos artísticos. Conta com obras de artistas capixabas e também de expoentes nacionais. Essas obras estão
alocadas em setores administrativos do campus Vitória. Desse modo, o acesso a elas fica restrito a um público limitado
o que demandou uma ação que propusesse novas possibilidades de encontro com essas obras de arte. Para tanto, foi
necessário conhecer de modo mais aprofundado tal acervo para descobrir como essas obras chegaram até o Ifes, quem
foram os artistas que as produziram, em que contexto elas foram elaboradas, qual o diálogo que estabelecem com
outros artistas da época e quais contribuições trazem para o campo da educação. Cabe colocar que até o momento não
existe nenhum tipo de pesquisa relacionada à constituição, investigação e apresentação do acervo de obras de arte do
Ifes. Portanto, trata-se de uma pesquisa inédita.
Outro ponto importante diz respeito à necessidade de conservá-las. Como integram o Patrimônio Cultural da Institu-
ição, necessitam de certos cuidados para que se mantenham em tal acervo. Isso demanda um olhar atento e técnico
para que seja possível, por meio de diversas técnicas de preservação, cuidar da integridade de tais obras de arte.
A preservação do Patrimônio Cultural é importante para o desenvolvimento e o enriquecimento cultural de um povo.
Os bens culturais envolvem informações, significados, mensagens – traduzem ideias, crenças, costumes, gostos es-
téticos, conhecimento tecnológico, condições sociais, econômicas e políticas de um grupo de determinada época. Ao
contrário da opinião de alguns, Patrimônio não se refere a objetos de museus como coisas velhas e estagnadas, ao
contrário, o contato com o Patrimônio Cultural é dinâmico e nos propicia momentos de reflexão e crítica e nos ajuda a
nos situar em um grupo cultural e a conhecer outras expressões culturais, cujas semelhanças complementam e cujos
contrastes dão forma a nossa cultura.
Nesse sentido, o Patrimônio Cultural nos impulsiona à transformação, à criatividade e ao enriquecimento. É notório que
para preservar um patrimônio é necessário conhecê-lo por meio de pesquisas. Em seguida vem o processo de preser-
vação desse patrimônio, para a seguir, através dos meios de comunicação, da educação escolar e não escolar, promover
o acesso e conhecimento desses bens culturais.
As obras de arte fazem parte da cultura de um povo. Cultura é tudo o que foi produzido pelo homem no decorrer de
sua trajetória. Por conseguinte, os bens culturais proporcionam aos indivíduos o conhecimento, a consciência de si
mesmo e do ambiente. As obras de arte são Bens Culturais, ou seja, são produções humanas que apresentam reflexões
sobre um determinado contexto pessoal e/ou histórico. De acordo com Chisté (2013, p. 166) 
A função social da arte é tornar possível uma experiência estética cada vez mais profunda e humana, pois a
arte é um dos meios mais fecundos que o homem possui para elevar-se enquanto tal. Toda verdadeira obra
de arte estabelece, por essência, um diálogo com as particularidades de época, classe, nação, com os homens
de ontem, hoje e amanhã. Além disso, a verdadeira obra de arte não é para uma minoria, exclusiva de inicia-
dos, nem tampouco uma arte de massas que, em favor das exigências econômicas e ideológicas do capitalis-
mo, aspire somente a um consumo de massas, mas sim uma arte para todos.
A Constituição Federal estabelece em seu Artigo 26 que o poder público, com a cooperação da comunidade deve pro-
mover e proteger o Patrimônio brasileiro. Dispõe ainda que esse Patrimônio Cultural é constituído pelos bens materiais
e imateriais que se referem à identidade, à ação, e à memória de diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,
como por exemplo, as obras artísticas.
Nesse sentido, pode-se considerar que as obras de arte adquiridas, seja por doação ou compra, na trajetória do Insti-
tuto Federal do Espírito Santo constituem-se como Patrimônio Cultural dessa instituição e, por conseguinte, de toda a
comunidade que a cerca, cabendo-lhe proteger e apresentar esse patrimônio a essa comunidade.

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É com esse objetivo máximo que o referido projeto busca trabalhar. Temos como foco a compreensão, a apresentação
e a conservação do Patrimônio de obras de Arte do Ifes campus Vitória, pois se não o fizermos, aos poucos sofrerá um
processo de deterioração e se perderá.

1.2 A METODOLOGIA DA PESQUISA


A pesquisa conta com a participação de uma graduanda do curso de Licenciatura em Letras – Português, na modalida-
de de Ensino à Distância do Ifes: Mónica Rebolledo Seguel e duas docentes do Ifes: Prof.ª Dra. Priscila Chisté (coorde-
nadora do projeto) e Prof.ª Dra. Letícia Queiroz de Carvalho (colaboradora).
A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória tendo em vista a necessidade de compreender como as referidas
obras de arte chegaram ao campus Vitória. Como técnica de produção de dados optamos por entrevistas com artistas e
ex-funcionários do campus, fotografias das obras de arte, análises de documentos, livros e pesquisa em sites de arte.
Entrevistamos o Sr. Zenaldo Rosa da Silva, ex-diretor do Ifes - campus Vitória em 07-08-2014. Já a Sra. Penha Botechi,
responsável pelo projeto de decoração do gabinete do então diretor Zenaldo, e o Sr. Rogério Botechi, ex-assessor do di-
retor em 14-08-2014. Quanto às fotografias fizemos o registro com dificuldade em vários momentos da pesquisa, pois
as obras estão emolduradas e o vidro utilizado para protegê-las não é antirreflexo. Isso ocasiona um efeito de espelha-
mento que reflete as imagens que estão de frente à obra, dificultando a nitidez da imagem artística. 
Inicialmente solicitamos ao setor responsável pelo patrimônio do Ifes - campus Vitória que nos disponibilizasse a lista
das obras de arte que compõem o acervo desse campus. A seguir fomos às salas onde as obras estavam penduradas e
registramos as imagens por meio de fotografia. Depois disso, fizemos a ficha catalográfica de cada obra. Como se tra-
tam de gravuras, medimos o tamanho de cada obra e copiamos as informações escritas contidas nas imagens. Perce-
bemos que na maioria das obras constava o número da tiragem e a assinatura. Poucas imagens possuíam título apre-
sentado junto à assinatura. Diante dessas informações iniciamos uma busca pelos artistas. Fizemos contato com alguns
deles, via mensagem eletrônica e mensagem em tempo real, além de realizarmos pesquisa em enciclopédias virtuais
de arte e em sites dos artistas.
Com as informações coletadas passamos a elaborar fichas biográficas, explicando a trajetória de cada artista, desta-
cando formação, exposições, prêmios recebidos, comentários críticos, influências de outros artistas e também literá-
rias. Tratamos as imagens com softwares de edição de imagens para recortá-las das molduras e também prepará-las
para impressão do material previsto. Após essa etapa, diagramarmos nosso primeiro material educativo impresso cuja
finalidade era entregá-lo aos visitantes da primeira exposição das obras de arte do acervo do Ifes, realizada na biblio-
teca Nilo Peçanha do campus Vitória do mesmo Instituto. Também fizemos a divulgação em mídia social (Facebook),
criamos convites que distribuímos pelas salas do campus Vitória e abrimos a exposição com a palestra intitulada:
“Obras de Arte do Acervo do IFES: Mediações, Formação de Professores e Leituras de Imagens” na Semana da Bibliote-
ca realizada no mês de novembro de 2014 na referida biblioteca do Ifes, campus Vitória. Seguimos nosso cronograma
de pesquisa produzindo os dados vivenciados até então com a intenção de organizar a segunda exposição do acervo
na Biblioteca do Campus Guarapari prevista para o mês de junho de 2015. Nessa ocasião apresentaremos a segunda
versão do Material Educativo, um pouco mais completa que a anterior.

1.3 A ORIGEM DO ACERVO


Por meio das entrevistas realizadas com o ex-diretor, com a responsável pela decoração do Gabinete e com o ex-asses-
sor do campus pudemos constatar que a origem do acervo de obras de arte do campus Vitória data da década de 1980.
As obras chegaram para fazer parte da decoração das salas que integram o Gabinete da Direção Geral. Naquela época
a decoradora, Sra. Penha Botechi, foi convidada para criar e executar o projeto de decoração de tal espaço devido a um
evento que ocorreria em 1982: a 10ª Redtec (Conselho dos diretores de todas as escolas técnicas brasileiras). Uma das
propostas foi trazer algumas obras de arte para compor as paredes do espaço. Na cidade de Vitória existia uma galeria
de arte chamada “Trama” de propriedade da artista capixaba Ilária Rato. Nesse local, então, foram compradas as obras
que comporiam a proposta de decoração.
A última coisa que se fez no projeto foi a escolha de quadros, objetos decorativos. Eu fui através da galeria
“Trama” que é de uma artista, da Ilária... Ai fui e escolhi essas litogravuras, serigrafias. A Ilária até também
começou a ajudar se integrando a escolha das obras. [...] Na galeria dela não tinha só quadros do Samú, mas
também de artistas do Brasil como o Volpi e vários artistas. Ai a gente foi escolhendo e vendo o que ficava
melhor em cada sala (Penha Botechi, 2014).

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Para o ex-diretor Zenaldo Rosa da Silva, a escola deveria ser humanizada. Para isso ele pensava ser necessário aprox-
imar a arte e o cidadão, o que contribuiria com a sua formação em sentido amplo. Com esse intuito a ideia de trazer
obras de arte para dentro da escola seria contemplada por meio da reforma do gabinete. Em entrevista o diretor relata:
Veja bem, há obra aqui de tudo quanto é jeito. [...] Eu sempre entendi que a escola deveria ser um ambiente
humanizado, em que tanto os servidores de modo geral, seja administrativos ou docentes se sentissem bem,
mas principalmente os alunos. Por que isso? Porque esta escola tinha uma finalidade, aliás tem até hoje, de
formar o cidadão no sentido amplo do termo. Eu sempre me preocupei com o tecnicismo [...]. Nós não pre-
cisamos ser artistas, mas ser um bom consumidor de artes. Eu não sei tocar nenhum instrumento, mas gosto
de ouvir determinadas musicas. E também não sou pintor, mas tenho uma ideia do que é bonito. Eu posso
até não entender bem qual é a mensagem que o autor, com aquela peça, vamos dizer... Qual a intenção dele,
mas cada um interpreta como sente aquela coisa (Zenaldo Rosa, 2014).
O ex-assessor de Zenaldo na época, o senhor Rogério Botechi, também nos concedeu entrevista e se apresentou como
personagem chave, pois ele registrou alguns detalhes que nos ajudaram a reconstruir a memória da reforma no gabi-
nete. Ele menciona um livro feito em comemoração aos 100 anos da escola chamado o “Visgo Eteviano”. Segundo Ro-
gério “visgo” está relacionado à seiva. “Você entra a escola, você se apega a escola, você ama a escola”, explicava. Lem-
brou que existem, nesse livro, fotografias da então sala do gabinete antes e depois da reforma, entre outros momentos
da história da instituição. Ainda não conseguimos visualizar tal livro, mas estamos em vias disso.

1.4 DAS OBRAS


Todas as obras do acervo são gravuras realizadas em madeira (xilogravura), pedra (litogravura), tela de seda (serigrafia),
ou em metal. Cabe, portanto, uma ressalva com a intenção de explicar essa linguagem. Para a produção da matriz da
gravura, dependendo da técnica, usam-se diferentes instrumentos como, por exemplo, entalhes, corrosões e incisões
para criar a imagem que será gravada. Esse procedimento técnico permite a reprodução da matriz por várias vezes.
Como procedimento técnico as imagens são numeradas e assinadas pelo artista. Historicamente, a técnica da gravura
permitiu ampliar o acesso à arte tendo em vista que é possível adquirir uma imagem a um preço mais acessível, pois a
matriz possibilita várias cópias, o que não ocorre no caso da pintura que é um exemplar único de alto valor financeiro.
Trinta e uma obras de arte compõem o acervo do campus Vitória. Contudo, nesta exposição escolhemos apresentar
apenas dezoito imagens. A escolha deve-se ao fato de que algumas obras necessitam ser novamente emolduradas, pois
estão danificadas. Os artistas elencados na exposição são:
• Alfredo Volpi (1896-1988);
• Darel Valença Lins (1924- );
• Dileuza Diniz Rodrigues (1939- );
• Eduardo Sanches Iglesias (1940- );
• Fayga Ostrower (1920-2001);
• Inácio Rodrigues (1946- );
• Raphael Samú (1929- ).
• Savério Henrique Castellano (1934-1996);
Portanto, consideramos necessária a continuidade da pesquisa para que em uma segunda versão possamos dar se-
quência à investigação, e elencar os artistas que não foram contemplados inicialmente.

2 AS EXPOSIÇÕES

2.1 EXPOSIÇÃO IFES CAMPUS VITÓRIA


Realizamos a exposição do acervo de obras de arte na Biblioteca Nilo Peçanha do Ifes, campus Vitória, nos dias 3 a 28
de novembro de 2014. Colocamos as 18 obras selecionadas em agrupamentos por artista para instigar a leitura em
sequência de um mesmo autor. Preparamos fichas de cada artista e as colocamos nos cavaletes junto às obras corres-
pondentes a cada autor, dessa maneira por meio desses textos, apresentamos ao leitor uma breve biografia do artista
destacando as temáticas recorrentes nas obras, influências que sofreram de outros artistas, estudos e finalmente um

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comentário crítico. Preparamos além das fichas expositivas um material educativo introdutório da nossa pesquisa e im-
primimos 300 exemplares que seriam distribuídos para os visitantes. O material impresso disponibilizado na exposição
foi diagramado pela Coordenadoria de Comunicação Social – CSO do Ifes. Também colocamos um livro de visitas para
registrar o numero de visitantes da exposição. O registro nos mostrou um fluxo de mais de 500 pessoas.
Em meio aos preparativos prévios da exposição, contamos com a criatividade e o mural do Ifes que usamos para
chamar a atenção para o evento. Diante dessa estratégia, alguns transeuntes nos perguntavam sobre a mostra e como
poderiam visitá-la.

Figura 1: Convite à exposição


Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo

Visitamos as salas de aula para convidar os alunos e professores do campus Vitória a participarem da visitação da
exposição do acervo, explicando brevemente a importância das obras do acervo do Ifes e dos artistas criadores dessas
obras. Preparamos também um convite com uma linha gráfica alinhada ao projeto do livreto para ressaltar a importân-
cia da organização, da divulgação da exposição e do projeto de pesquisa.
A exposição ocorreria entre os dias 3 e 14 de novembro. Contudo, devido à quantidade de visitas, a biblioteca solicitou
que ela fosse prorrogada até o final de novembro, devido ao grande interesse dos visitantes.

Figura 2: Capa do Material Educativo da exposição


Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo

Iniciada a exposição, realizamos uma palestra com o objetivo de explicar a importância da pesquisa. Surpreende-
mo-nos com o interesse dos participantes em querer conhecer mais sobre o acervo e com o seu entusiasmo em visitar
a exposição na biblioteca do campus.

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Figura 3: Palestra sobre o Acervo de Obras de Arte do Ifes.
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo

Fizemos uso de mídia social para convocar alunos, servidores, amigos e visitantes externos à instituição a visitarem a
exposição. Para isso criamos um perfil no Facebook. A dinâmica das mídias sociais nos permitiu comunicar em tempo
real o que acontecia na exposição. Também colocamos alguns vídeos que faziam parte da nossa pesquisa sobre os
artistas, como entrevista com Dila Rodriguez, o documentário de Alfredo Volpi, o documentário de Fayga Ostrower, a
entrevista de Victor Castellano, etc.
As visitas foram registradas através de fotografias que capturaram momentos chave dos visitantes em interação com
a arte. Durante as visitas mediadas pela professora coordenadora, os alunos faziam muitas perguntas acerca das
técnicas com as quais foram criadas as obras e sobre os autores. Muitos não conheciam os artistas apresentados, mas
rapidamente os alunos escolheram algumas das obras expostas e mostraram seus favoritos.

Figura 4: Visita à exposição.


Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo

Durante as visitas pudemos notar que a principal curiosidade dos alunos foi sobre as obras abstratas e quais os sen-
tidos poderiam ser atribuídos a elas. Também perguntas como “por que isto é uma obra de arte” submergiram durante
as mediações. Para discutir tais assuntos, a professora conversou sobre a história da Arte, sobre os artistas da mostra,
sua época, influências, sejam visuais, sejam literárias, o contexto em que foram criadas as obras e, também, explicações
sobre a técnica predominante da exposição: a gravura.

2.2 EXPOSIÇÂO IFES CAMPUS GUARAPARI


Durante o projeto temos a previsão de realizar uma segunda exposição do acervo de obras de arte do Ifes, no mês de
junho de 2015, na Biblioteca do campus Guarapari. Apresentaremos nessa mostra 10 obras do acervo. O quantitativo
estabelecido refere-se à dificuldade que termos para deslocá-las e o espaço físico onde elas serão expostas, que não é
muito grande. No percurso dos meses que antecipam a segunda exposição, tem se realizado reuniões com a bolsista,
além do contato com a Biblioteca do campus Guarapari, com o objetivo de observar cada detalhe para a perfeita exe-
cução da montagem e divulgação. Buscamos também ampliar o Material Educativo desenvolvido.

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3 PERFIL DOS ARTISTAS
Para elaborarmos os perfis biográficos de cada artista, reunimos informações sobre a trajetória artística de cada um de-
les. Tais informações foram sistematizadas por meio de pesquisa em sites específicos na internet, livros, teses e entre-
vistas com o próprio artista ou com parentes e amigos. Apesar de termos feito todos os perfis, elencamos no Material
Educativo os artistas que tiveram suas obras apresentadas na primeira exposição. Assim, as informações divulgadas em
cada perfil foram: data de nascimento e falecimento; estudos; temáticas recorrentes nas obras; influências que sofreu
de outros artistas; comentário crítico; e as imagens das obras do artista. Apresentaremos nesse relato somente um dos
Perfis, a título de exemplo nas imagens a seguir.

Figura 5: Perfil de Alfredo Volpi. Páginas do Material Educativo.


Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Imagem: Mónica Rebolledo

4 LEITURAS DE IMAGENS
Esta seção tem a intenção de apresentar algumas leituras de imagens que foram produzidas a partir das obras dos
artistas do Acervo de Obras de Arte do Ifes para o Material Educativo. A ideia era mostrar que apesar da imagem ser
considerada como uma linguagem universal, ou seja, por sua leitura ocorrer de forma “natural” não exigindo do leitor
nenhuma qualificação específica, existem modos de se ler imagens, existem instrumentais de leitura e teorias sobre
esse assunto. São instrumentais e referenciais teóricos que contribuem com a ampliação e o aprofundamento dessas
leituras. A ideia foi apresentar dois tipos de leitura de imagem: a leitura influenciada pela Semiótica Plástica e a Leitu-
ra intertextual influenciada por Bakhtin.
Inspirada nesses modos de se ler imagens foi proposto, à graduanda do curso de Licenciatura em Letras - Português do
Ifes, Mónica Andrea Rebolledo Seguel, participante da pesquisa, que elaborasse leituras de imagens a partir das obras
do acervo. Nossa ideia foi mostrar, por meio desses exemplos, modos diferentes desse tipo de leitura. Assim, o visitan-
te da exposição além de poder conhecer presencialmente tais obras, poderia também realizar e conhecer leituras de
imagens de tipos diferentes. Isso contribuiria com a sua formação estética, muitas vezes pouco valorizada e proposta
pela escola.

4.1 LEITURA DE IMAGEM A PARTIR DA SEMIÓTICA PLÁSTICA


Ao observarmos uma imagem não existe um direcionamento para o olhar, como na escrita, indicando se começamos da
esquerda para direita, do alto para baixo, das partes para o todo (OLIVEIRA, 2004). Contudo, a Semiótica Plástica consi-
dera as imagens como textos e se preocupa em entender como o texto diz o que diz. Propõe a separação dos dois pla-
nos que a organizam: expressão e conteúdo (relacionado aos significados), sem o domínio de um plano sobre o outro.
O plano de expressão determina as relações estabelecidas a partir dos elementos plásticos. A premissa é compreender
que a maneira de ver é uma construção, que necessita considerar a análise das obras de arte a partir das seguintes
categorias (OLIVEIRA, 2004):

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Categorias Cromáticas: São consideradas as infinitas possibilidades de combinações de cores, como procedimento con-
stitutivo de significantes, observável por meio de oposições.
Categorias Eidéticas: São as categorias que constroem as formas, combinações de linhas, volumes, perspectiva, simetria.
Categorias Matéricas: São consideradas as pinceladas, as marcas do gesto do artista, o relevo ou a textura que esses
criam na superfície pictórica.
Categorias Topológicas: Levam em conta a posição e a orientação das formas e do movimento no espaço, podendo
realizar-se sob a forma dos contrastes.
Diante dessas explicações, a aluna escolheu a imagem do acervo que segue e a partir da Semiótica Plástica realizou a
seguinte leitura de imagem.

Figura 6: VOLPI, Alfredo. Sem título, s/d. Litografia, 50,5x70,7cm.


Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Érica Sabino.

O modo de interpretar uma imagem a olho nu parece uma tarefa fácil e rápida, pois a primeira interpretação
vem da empatia que tenho com essa imagem, ou situação, ou acontecimento da vivência do quotidiano.
Quando comecei a participar do Projeto de Pesquisa do Acervo de Obras de Arte do Ifes, pensei que era algo
comum, e que nada tinha a ver com meu curso de licenciatura em Letras, porém fui percebendo que minha
leitura foi se aprimorando e cada vez estava nutrindo-a com uma interpretação que apesar de minha, vinha
também de conexões com o mundo, com conhecimentos prévios, experiências prévias que davam inicio ao
meu primeiro olhar, e de um segundo olhar e de um terceiro olhar.
Escolhi a imagem da litografia do artista Alfredo Volpi do Acervo de Obras de arte do Ifes, para estabelecer
uma leitura em várias instâncias que me permitisse relacionar textos, intertextos e entender por que tal
imagem é uma obra de arte.
A obra apresenta vários eixos que formalmente são bem tracejados pelas linhas diagonais, essas linhas são
formadas pelas alternâncias de cores e da retícula usada na abstração o que confere movimento ao quadro.
São linhas que sobem ou descem, são cores que vão ou vem, e no efeito ótico de tudo se forma o movimen-
to quase ondulando, apesar de que as linhas são retas e não curvas. As cores são orgânicas e remetem às
cores da terra e isto talvez se deva aos pigmentos usados pelo artista os quais preparados artesanalmente
dão essa rusticidade e opacidade.
Mas a questão de cor é delicada de se comentar, pois apesar da conotação que o artista quis imprimir tam-
bém tem a conotação emocional de quem observa, como eu. Sendo assim me parece um quadro de outono,
com esses matizes típicos que o outono faz em cidades frias como a minha cidade de origem.
Ao realizar a leitura com atenção, vem a minha memória cenas e sensações como calor, ou esses cartazes de
rua que pelo sol vão perdendo os azuis e os verdes e vão restando os magentas e tons afins. Esse quadro do
Volpi parece ser um elemento de rua, pendurado à intempérie e é bem isso que as bandeirinhas são, ficam
flamejando no ar e esquecidas nos varais vão se desbotando com o tempo.
A cor que Volpi utiliza e prepara de modo artesanal somente aparece se contemplada em seus contrapon-
tos, como nos azuis que surgem nesse quadro no meio das cores cálidas dominantes. Esses tópicos de azul
recriam um pedaço de céu tal vez no meio de tanto enfeite.
E na fugacidade dos pontos azuis me lembro da obra de Gabriel Garcia Márquez, “Cem anos de solidão” que
relembrando trata-se da vida de uma série de personagens que habitam um povoado distante, isolado. A
narrativa se mistura em realidade e fantasia, como neste quadro do Volpi a realidade e a abstração se fun-
dem para criar uma narrativa visual. É um realismo mágico com intenção de expressar as emoções y tempos

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existentes em cada leitura da obra. E em toda a leitura elementos intuitivos que não são verbalizados pela
obra do Volpi, mas pelo possível leitor como eu que a cada linha, cada textura, cada detalhe acionava no
meu arcabouço emocional e mental interpretações que vem de dentro para fora e de fora para dentro. E
ainda consigo me lembrar da música que faz homenagem à novela de García Márquez cujo fragmento do
refrão diz:
Eres epopeya de unpueblo olvidado 
Forjado encienaños de amor y de historia
Me imagino y vuelvo a vivir 
En mi memoria quemada al sol.

Da leitura que obtenho da litografia do Volpi acabo navegando por mares profundos de conexões textu-
ais, intertextuais e sensoriais. Como é possível entender que linhas e tracejados aparentemente fáceis de
qualquer um realizar e também de qualquer um reproduzir, o que faz com que as obras deste artista sejam
consideradas obras de arte? Pela razão marcada pelo processo, da história do artista, da técnica dominada
e do exercício da técnica, já que nenhuma obra prima é considerada como tal se não existisse um processo
que desencadeie a maestria da técnica, da interpretação da realidade, da abstração e da narrativa visual que
compreende cada obra. Existe nesse processo ao meu modo de entender, (depois de ter pesquisado sobre o
artista) um agrupamento de fatores que certificam o afazer comprometido de um artista. Exercício, constân-
cia, domínio da técnica, expressão por meio da técnica e principalmente paixão pela arte, então eu com-
preendo que é um caminho cronológico, temporizado por táticas, tentativas e amadurecimento.
Para entender uma obra de arte também devo fazer uso da minha bagagem sensorial, mental, cultural,
verbal, visual etc. Pois o caminho que existe entre olhar e compreender passa também pela busca dos meus
próprios recursos internos de apreciação e somente nesse processo de procura intencional e intuitiva consi-
go perceber o quanto de arte conheço e que leitura e interpretação são transversais as minhas experiências
de vida.

4.2 LEITURAS INTERTEXTUAIS


A intertextualidade acontece quando textos diferentes são colocados em diálogo e a partir dessa relação é realizada
uma nova criação que pode ser elaborada utilizando uma linguagem diferente da que lhe deu origem (FIORIN, 2006).
Ao estabelecer um diálogo entre textos pode-se reafirmar ou valorizar o texto citado na busca de reinventá-lo.
O texto, em uma concepção ampla, pode ser compreendido como a materialização da interação entre dois sujeitos
- um autor e um leitor, em uma relação dialógica, representando um pensamento, emoção, o sentido e o significado,
por meio de enunciados (BAKHTIN, 2003), de modo que pode também servir de impulsionador de ideias, como se ele
pudesse despertar o poder de criação de seu leitor fazendo surgir novas ideias que colaborarão com a criação de um
novo texto.
Nessa perspectiva, os sentidos são construídos a partir do contexto dessa produção, do conhecimento prévio, da visão
de mundo dos sujeitos e das diferentes vozes que se incorporam no processo discursivo, agregando-lhe novos valores
e concepções diversas.
A partir dessa colocação apresentamos no Material Educativo um texto poético criado a partir de uma obra de arte do
acervo, e também uma leitura narrativa, criada a partir de várias imagens. Contudo, a título de exemplo, no artigo em
tela, apresentaremos somente a poesia criada a partir da obra de Savério Castellano.

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Figura 7: CASTELLANO, Savério. Montanha Cristalina, 1981. Litografia, 45,7x55,8cm.
Fonte: Acervo do Projeto de Pesquisa – Fotografia: Érica Sabino.

Poema à obra de Savério Castellano.

Nada são a ideia e o suporte,


a ferramenta a técnica e a luz.
O que é que da o sentido?
é a poesia que o artista traduz.

Com as cores a mistura risonha


Contorna-se na linha coquete,
Evitando a ação medonha,
De quem não cria e só repete!

Haja trabalho e tentativa!


Para conter uma obra prima,
pondo o verso em perspectiva
até achar o que melhor rima.

É assim que o criador artista


captura a forma divina,
da base à ponta aquilina
como um ato de conquista!

A obra de Savério se eleva


depois do esforço proferido,
que a arte jamais prescreva!
deste plano vivo e colorido.

288
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A possibilidade de pesquisar obras de arte de grandes expoentes nacionais e internacionais que integram o projeto
Obras de Arte do Acervo do Ifes: Mediações, Formação de Professores e Leituras de Imagens constitui-se como um
campo imenso de pesquisa. Cada obra abre diferentes portas que podem nos encaminhar a discutir assuntos bem
variados. Analisar tais imagens constitui-se como um projeto longo devido às inúmeras possibilidades que se pode
pensar a partir delas. O exemplo de leitura de imagens acima reforça essa ideia. Pode-se pensar em realizar leituras
interdisciplinares, relacionando a arte a outras áreas do conhecimento, entre outras possibilidades. Portanto, o projeto
de pesquisa sobre o acervo de obras de arte do campus Vitória constitui-se como uma investigação ampla e possível
de vários desdobramentos.
Além disso, as etapas elaboradas até o momento referentes ao projeto nos fazem chegar a algumas conclusões sobre
as atividades realizadas:
• É necessário apresentar essas obras em outros campi do Ifes, além dos que foram contemplados;
• Cabe assegurar que essas obras serão conservadas. Muitas não integraram a exposição, pois estão em estado de
conservação precário;
• Continuar as pesquisas sobre as artistas Julia Ninio, Yara Mattos, Ilária Rato que não foram contemplados nessa
etapa do projeto;
• Divulgar a pesquisa em eventos científicos e no site do Ifes.

Desse modo, empenharemo-nos de agora em diante a alcançar tais objetivos e buscar tais aprofundamentos. Porém, é
necessário deixarmos em relevo a importância de se refletir sobre essas imagens. Elas integram um Patrimônio Cultu-
ral que é de todos e podem contribuir sobremaneira com a formação estética dos sujeitos que dela se apropriarem.

289
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
CHISTÉ, Priscila de Souza. Educação estética no ensino médio integrado: mediações das obras de arte de Rapha-
el Samú. 2013. 335 f. Tese (Doutorado em Educação) – Curso de Pós-graduação Educação, Universidade Federal do
Espírito Santo, Vitória, 1995.
FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: outros conceitos-chave. São
Paulo: Contexto, 2006.
OLIVEIRA, Ana Cláudia. As semioses pictóricas. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia (Org.). Semiótica plástica. São Paulo: Harker
Editores, 2004.

Priscila Souza Chisté


Possui doutorado e mestrado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. É graduada em Educação
Artística pela Universidade Federal do Espírito Santo e em Pedagogia. Atualmente é professora do Instituto Federal do
Espírito Santo nas áreas de Arte, Literatura e Linguagens. Atua também na graduação de Letras, no Proeja e nos Pro-
gramas de Pós-Graduação do Ifes, nos mestrados Educimat, Humanidadese Profletras.

Leticia Queiroz de Carvalho


Licenciada em Letras-Português, pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Estudos Literários e Doutora
em Educação, também pela UFES. Atualmente é docente de Língua Portuguesa, Literatura e Linguagens do Instituto
Federal do Espírito Santo, atuando nos cursos médios integrados, graduação e pós-graduação do campus Guarapari e
no Mestrado Profissional em Letras – Profletras, do campus Vitória.

Mónica Andrea Rebolledo Seguel


Aluna de graduação do curso de Licenciatura em Letras – Português, Ifes. Bacharel em Desenho Industrial (diploma
revalidado pela Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes). Diplomada em Planejamento Estratégico e Balanced
Scorecard pelo Instituto Les Halles, Santiago de Chile.

290
OLHARES ADOLESCENTES SOBRE AS DIFERENÇAS DO/NO
COTIDIANO ESCOLAR
Vera Lúcia de Oliveira Simões/DTAM/UFES

RESUMO
Discorre sobre as etapas de um projeto para facilitar as relações interpessoais entre professor e aluno, e so-
bre as possibilidades de trabalho com o desenho da figura humana nas aulas de Arte. Apresenta a leitura da
imagem como uma estratégia para promover o auto conhecimento por meio da elaboração do autorretrato
e também como facilitadora no exercício de realização do retrato do outro.
Palavras chave: Educação da arte; ensino da arte; leitura e releitura de imagem; retrato; autorretrato.

ABSTRACT
Discusses the stages of a project to facilitate interpersonal relations between teacher and student, and on
the possibilities of working with the drawing of the human figure in art classes. Displays image reading as
a strategy to promote self knowledge through the development of self-portrait as well as a facilitator in the
exercise of carrying out the picture on the other.
Keywords: Education of art; art education; reading and rereading image; picture; self-portrait.

Justificativa
Nos dias atuais, trabalhar com as diferenças presentes na escola, exige cada vez mais de nós, profissionais da educação.
Essa exigência é maior, principalmente diante das mudanças comportamentais que podem ser observadas na postu-
ra das crianças e adolescentes que compõem o universo estudantil, considerando que o cotidiano escolar tem sido o
espaço onde passam o maior número de horas, com pessoas adultas, orientando-as, direcionando-as para a construção
de uma vida cidadã saudável, embasada em saberes e fazeres que facilitem e possibilitem uma melhor relação com os
sujeitos e situações próprias da sociedade.
Para transformar a si e a realidade é inerente ao ser humano, organizar e estruturar o seu cotidiano, para compreender
e responder aos desafios que lhe são propostos no sentido de agir e interagir no meio social vivido. Segundo Paulo
Freire, aprender a ler e a escrever é, antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender seu contexto:
[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a leitura desta não possa prescindir da leitura
daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por
sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e contexto.1
Acompanhando esse pensamento do autor pode-se dizer que para ele, a leitura da imagem precede a leitura da pa-
lavra, considerando a imagem como linguagem componente do universo social e peça fundamental para facilitar a
comunicação:
[...] ler é adentrar-se nos textos, compreendendo-os na sua relação dialética com os seus contextos e o
nosso contexto. O contexto do escritor e o contexto do leitor. Ao ler eu preciso estar informando-me do con-
texto social, político, ideológico e histórico do autor. Eu tenho de situar o autor num determinado tempo. [...]
Quando eu leio um autor eu preciso ir me inteirando do contexto dele, em que aquele texto se constituiu.
Mas agora eu preciso também de um outro esforço: de como relacionar o texto com o meu contexto. O meu
contexto histórico, social, político não é o do autor. O que preciso é ter clara esta relação entre o contexto do
autor e o contexto do leitor.2

1 FREIRE, Paulo. Da leitura da palavra à leitura de mundo. Campinas: Paz e Terra, 1982, p. 64.
2 Ibidem, p. 4-5.

291
Sou defensora da ideia de que o ensino da arte comprometido com a realidade social pode contribuir para fomentar
mudanças nas relações interpessoais, contribuindo assim, para a formação de sujeitos mais sensíveis e críticos, trans-
formando-os em observadores do mundo no qual estão inseridos, ao mesmo tempo em que vão tomando consciência
de seus papeis, como atores principais de suas histórias de vida. Desse modo, os alunos e alunas serão a peça funda-
mental para a construção de uma sociedade mais consciente e democrática. Conforme diz Freire:
O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade
com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é somente de quem constata o que ocorre,
mas também de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas sou
sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para
mudar. 3

Primeiros passos...
Ao retornar para a sala de aula em 2012, depois de dois anos afastada da docência para cumprir os créditos do cur-
so de Doutorado, senti necessidade de analisar/ investigar os caminhos percorridos pela Educação da Arte em nível
de Sistema – objetivos/conteúdos/abordagens/metodologias. Senti também a necessidade de analisar e investigar a
relação dos alunos com o ensino da Arte, enquanto pudesse também, conhecer uma pouco das expectativas de cada
um deles, e ao mesmo tempo criar situações de aprendizagem e de fortalecimento nas nossas relações interpessoais.
Eu estava carregada de dúvidas e inquietações, mas sou professora, e nas entrelinhas dos seus escritos, Nóvoa nos en-
sina que devemos seguir em frente, buscar saídas, desanimar jamais, pois a profissão de professor/professora:
[...] pode ser a mais difícil, mas é, com certeza, a mais necessária das profissões. Não vale a pena acredi-
tar que podemos transformar tudo. Não podemos. Não vamos conseguir criar uma escola que vai salvar a
sociedade. Mas quem é professor não deixa nunca de acreditar, sabe que renunciar às ilusões não quer dizer
renunciar às diferenças. Significa nunca deixar de ter esperança “(NÓVOA, 2004).

Primeiras investigações... Primeiras ações


Nesse sentido a nossa primeira investigação recaiu sobre a Ementa do Plano de Ensino da disciplina Arte da Emef
“ASFA”, a mesma nos diz que no decorrer do Ensino Fundamental, os alunos e alunas deverão:
• Ler e compreender imagens, intervenções urbanas e obras, em seus aspectos temporais e culturais, por meio do ex-
ercício da leitura, contextualização e criação/produção de obras; identificando também os elementos compositivos
desses objetos de leitura.
Diante dessas informações o primeiro momento foi dedicado à elaboração de um projeto que respondesse as minhas
indagações e que também contemplasse o que era proposto na Ementa.
Para tanto, inicialmente partimos para a realização de um texto reflexivo respondendo as seguintes questões:
• Quem sou eu, de onde venho e qual a minha origem?
• Onde moro?
• O que pretendo?
• Arte prá mim é...
Os ensaios da escrita para responder ao primeiro questionamento: Quem sou eu, de onde venho e qual a minha ori-
gem? Resultou em momentos que podem ser considerados desafiadores, de muita superação. Muitos deles não sabiam
o que escrever, pois não sabiam a sua origem e nem mesmo onde tinham nascido e, outros tantos demonstravam difi-
culdades na escrita.
Aprendemos juntos, pois durante a elaboração e leitura dos textos foram realizadas muitas conversas para sanar as
dúvidas que iam surgindo, principalmente aquelas referentes aos hábitos e costumes presentes, tanto nas famílias
quanto nos bairros onde eles moram, e que iam sendo apontadas e identificadas como diferentes, por eles mesmos.
Muito se discutiu e refletiu, e principalmente, muito se avançou sobre a possibilidade e necessidade de sabermos um
pouco mais sobre nós mesmos, e sobre aqueles com quem convivemos e dividimos um espaço coletivo, por tantos dias
e horas, principalmente na escola, e conforme diz Iavelberg:

3 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia - saberes necessários para a prática docente. São Paulo, Perspectiva: 2002.

292
Cabe à escola abrir o leque no ensino das diversas áreas de conhecimento. Situamos a área de arte que, entre outras
linguagens, circunscreve a aprendizagem do desenho que, aprendido na escola, certamente promoverá a participação
cultural dos alunos e a interação com a diversidade das culturas.

O autorretrato
Depois de responder ao primeiro questionamento: “Quem sou eu...”? Partimos para a segunda etapa do projeto, agora
com o objetivo de primeiramente olhar, analisar e criticar sua própria imagem para em seguida dar início à produção
do seu autorretrato. Em 2006, Iavelberg nos ensina que:
Além do conhecimento de si mesma, que a criança tem ao desenhar, ganha compreensão do mundo. Ela desenha
porque existe desenho no mundo. Aprende a ver e a executar o que vê. Tende a assimilar níveis de conhecimento e
produção artística e estética cada vez mais complexos, agindo sobre os objetos de conhecimento (desenhos) de diver-
sas culturas, tempos e lugares (IAVELBERG, 2006).
Para tanto, os alunos e alunas contaram com o auxílio de uma foto ou de um espelho para observar atentamente os
seus traços – a distância entre os olhos, a altura das orelhas, a localização das sobrancelhas, o formato do nariz...
O compromisso com a diversidade cultural precisa estar presente nas aulas de Arte, nos dias atuais. Assim, a diversi-
dade de códigos em função de raças, etnias, gênero, classe social, será reconhecida e, portanto valorizada em detrimen-
to aos códigos europeus e norte americanos brancos, ainda tão prevalentes nos livros didáticos em geral.
Foram momentos de muita descontração, risos e comentários, com as “descobertas” de cada um, sobre si mesmo. Um
verdadeiro passo para a “educação do olhar” enquanto iam produzindo seu autorretrato e exercitando o registro da sua
visão de mundo, pois,
A construção da figura humana, em sua gênese, é um ótimo pretexto para observarmos o mapa da ampliação da cons-
ciência, através de um documento gráfico vivo e orgânico; é um convite para flagrarmos o processo de construção da
visão de mundo da criança. (DERDYK, 2003)

Respondendo à pergunta: Quem sou eu? O Autorretrato

Avaliamos os resultados e partimos para uma nova proposta: Completar por meio do desenho, o recorte de um rosto
retirado de revista.

293
Um novo começo...
No início do ano de 2014 com as mesmas turmas – então, 7ª A, 8ª A/B – partimos para a continuidade do trabalho com
detalhes da figura humana exercitando o desenho de rosto feminino ou masculino. Cada aluno escolheu livremente
em diferentes revistas, a imagem com a qual ia realizar o seu trabalho. Sempre ampliando o desenho, por meio da ob-
servação e análise da imagem.

Segunda etapa do projeto: Complemento do rosto recortado da revista.

Chegamos a uma fase na qual, meninos e meninas começam a achar natural o desenho do rosto humano, pois a maio-
ria demonstra segurança ao fazer os traçados básicos de um rosto humano, ao representar os cabelos, e ao aplicar a
cor da pele de acordo com a diversidade de tons existentes no universo que engloba as diferenças raciais.
Com a chegada do período dos jogos da Copa do Mundo, os Álbuns de figurinhas ganharam espaço na escola, e não
podíamos ficar alheios a essa “febre”. Então aproveitamos a oportunidade para sistematizar os estudos do rosto huma-
no, com a proposta de escolher dentre os jogadores brasileiros convocados, um deles para realizar o retrato, conforme
representado na figurinha.

Retratos dos jogadores da Seleção Brasileira de Futebol sob a ótica do aluno “ASFA”
Neste exercício de análise e investigação da produção artística, acreditamos que os nossos alunos, além de estarem
mais e mais engajados com as artes, estarão propiciando o desenvolvimento do pensamento reflexivo e dos processos
mentais envolvidos na decodificação e na produção da Arte, ampliando assim, o seu conhecimento em Arte.
Em nosso trabalho não temos como objetivo a memorização de nomes de artistas ou de datas em que as obras foram
produzidas. O que pretendemos e buscamos nos estudantes, é provocar reflexões que os levem a atribuir significados
a cada obra observada, compreendendo que as coisas, objetos e formas não são vistas dentro de um padrão ou de uma
maneira objetiva, mas sim, que serão captadas e expressas, de acordo com o temperamento e a vivência de cada um
dos artistas.
Ao fazer essa leitura minuciosa da foto do jogador escolhido, para em seguida retratá-lo ficou evidente a necessidade de
que é preciso tornar a arte familiar, “íntima”, para que ela tenha significado, importância. Cabendo à escola importante
papel nesse processo, para que o ensino da arte alcance seu objetivo maior de ampliar o universo cultural do aluno.

294
Todos os alunos produziram, muitos escolheram o mesmo jogador para retratar, mas em cada uma das produções é
possível identificar os diferentes modos de aplicação do traço e da cor, etc. É possível, portanto, identificar uma auto-
ria. Confirmando assim, o pensamento de que é preciso entender a Educação Básica como um espaço que propicia o
processo de construção da relação ensino-aprendizagem e de acesso ao conhecimento culturalmente acumulado pela
humanidade, e a necessidade de pensar formas de redefinir o ensino da Arte.

Defendendo a Educação pela Arte, Ferraz e Fusari, afirmam que


A Educação Através da Arte é na verdade, um movimento educativo e cultural que busca a constituição de
um ser humano completo, total, dentro dos moldes do pensamento idealista e democrático. Valorizando no
ser humano os aspectos intelectuais, morais e estéticos, procura despertar sua consciência individual, har-
monizada ao grupo social ao qual pertence (FERRAZ e FUSARI, 1992, p.15).
Apoiada nessa premissa é que buscamos uma “educação artística” voltada para a aquisição do conhecimento onde toda
a atividade artística é resultante da ação conjunta do fazer, do pensar e do olhar a realidade, possibilitando ao estu-
dante conhecer, e compreender o mundo que deseja expressar através das linguagens artísticas e ao mesmo tempo
promovendo o seu autoconhecimento.

Considerações
Sabemos que o indivíduo nasce no contexto de uma cultura e, ao longo de sua vida, ajuda a produzi-la. A cultura como
código simbólico, apresenta-se como dinâmica viva. Todas as culturas estão em processo constante de reelaboração,
introduzindo novos símbolos, atualizando valores, adaptando seu acervo tradicional às novas condições historicamente
construídas pela sociedade.
A escola tem papel importante no sentido de dinamizar o processo de elaboração e fortalecimento da cultura de cada
grupo social, cultural e étnico que compõe a sociedade, promovendo seu reconhecimento, valorização e conhecimento
mútuo, fortalecendo a igualdade, a justiça, a liberdade, o diálogo e, portanto, a democracia.
Nesse contexto, é necessário que a escola além de oferecer informações, considere os diversos modos de comuni-
cação, como a linguagem do corpo, a linguagem musical e a linguagem visual, oferecendo às crianças e adolescentes
condições para conhecer e vivenciar diferentes manifestações culturais. Como afirma Iavelberg (2006) 
Cabe à escola abrir o leque no ensino das diversas áreas de conhecimento. Situamos a área de arte que, entre outras
linguagens, circunscreve a aprendizagem do desenho que, aprendido na escola, certamente promoverá a participação
cultural dos alunos e a interação com a diversidade das culturas.
O objetivo inicial deste trabalho foi criar por meio do ensino da Arte, situações para fortalecer as relações interpes-
soais e promover a pesquisa, a valorização e o reconhecimento dos alunos nas descobertas das suas identidades pes-

295
soais. Além da produção textual, cada um dos alunos realizou o seu autorretrato depois de estudarmos sobre a origem
do mesmo e os diferentes artistas, que se destacaram nesse estilo, nos diferentes períodos da História da Arte.
Segundo Pillar (1996) desenhar figuras humanas possibilita à criança estruturar suas ideias sobre ela mesma. Assim,
no intuito de estudar e exercitar um pouco mais, o próximo passo foi o complemento do rosto humano, por meio do
desenho, cujos resultados foram avaliados para além do satisfatório, pelos alunos. Durante esse momento de avaliação,
de conversa e troca de opiniões, me lembrei de Nóvoa quando diz que:
“A bagagem essencial do professor é seu repertório profissional que é adquirido pela prática. Porém, não é a prática
por si só que é formadora, ela deve sempre ser acompanhada da reflexão sobre a experiência, pois é a reflexão sobre a
experiência que é formadora e não a experiência por si só.” (NÓVOA, 2004)
Tenho consciência de que a Arte na educação contribui para a formação de indivíduos mais críticos e criativos, por-
tanto para mim, a Arte é sem sombra de dúvidas um dos elementos capazes de auxiliar no preparo para o exercício da
cidadania consciente, daqueles que atuarão para transformar a sociedade. Pois nos desenhos, a vida está representada:
em cada gesto, cada toque, nos traços representados no papel.
Ao concluir o projeto, observando os alunos durante o processo de criação e a produção dos retratos dos jogadores, o
resultado final, e a expressão facial deles, demonstrando orgulho e contentamento, me levaram a avaliar a meta como
alcançada, pois os objetivos traçados foram alcançados. Esse conjunto aqui relatado me faz necessário, pois conforme
recomenda Nóvoa (2004): Partilhemos nossas dúvidas, nossas angústias, nossas críticas e aflições, pois se é o diálogo
que nos mantém vivos, como dizia Paulo Freire, é o diálogo com os colegas que nos faz professores.

Referências:
AZEVEDO, Fernando. A.G. Arte e Inclusão: construindo uma pedagogia crítica. Anais XIV CONGRESSO DA FEDERAÇÃO DE
ARTE EDUCADORES DO BRASIL – 2003. UFG, Goiânia. Abr de 2003.p.132-134.
BAKHTIN, M. M. Estética da Criação Verbal. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no ensino da arte. São Paulo, Porto Alegre: Perspectiva/ Iochpe, 1991.
___________.Teoria e prática da Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1975.
___________.(org.) Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2003.
___________. Tópicos utópicos. Belo Horizonte: C/ARTE, 1998.
___________. (org.). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005.
DERDYK, Edith. O desenho da figura humana. 2 ed. São Paulo, Scipione, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia - saberes necessários para a prática docente. São Paulo, Perspectiva: 2002.
FUSARI, M. F. e FERRAZ DE TOLEDO, M. H. Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1992.
NÓVOA, A. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, 
São Paulo,  v. 25,  n. 1, p.11-20, jun 1999.
PILLAR, Analice Dutra. Desenho & escrita como sistema de representação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

VERA LÚCIA DE OLIVEIRA SIMÕES


Doutora em Educação - PPGE/UFES (2013). Mestre em Educação PPGE/UFES (2001). - PPGE/UFES (2001). Concluiu a
Especialização em Formação de Mediadores em EAD - Neaad/UFES (2011). Licenciada em Ed. Artística pela UFES. Foi
professora de Ed. Artística na SEME/PMV. Atuou como Tutora a Distância do Curso de Artes Visuais/EAD/UAB/UFES, de
setembro de 2008 a dezembro de 2013. É Professora concursada no DTAM/UFES.

296
PROCESSOS ARTÍSTICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Fernanda Antônia da Silveira / Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Matheus Boni Bittencourt/ Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

RESUMO:
Este trabalho aborda a prática artística da argila dos alunos e alunas do Centro Municipal de Educação
Infantil (Cmei), localizado na periferia do município da  Serra, no Estado do Espírito Santo, Brasil. Nes-
sa discussão nos familiarizamos com o trabalho docente, os aprendizados de ensinar arte para as
crianças e os experimentos feitos pelos alunos sendo importante da vivência dos mesmos. Para con-
struímos a metodologia de pesquisa analisará os registros dos relatórios individuais produzidos no Pro-
grama de Educação Tutorial (PET) Conexões Saberes: Projeto Educação (EDU) da Universidade Fed-
eral do Espírito Santo (UFES). Articularemos a abordagem às referências teóricas metodológicas Paulo
Freire. O resultado esperado do artigo é colaborar com a pesquisa sobre arte-educação enfatizando os
modos de fazer arte na sala de aula com alunos da educação infantil, a reação dos indivíduos com o
material e o processo da prática artística.
Palavras chave: práticas artísticas; argila; educação infantil; liberdade; autonomia.

ABSTRACT:
This work studies the artistic practice with clay of the students of the Centro Municipal de Educação Infantil
(Cmei), localized in the periphery of the city of Serra, in the Espírito Santo State, Brazil. In the discussion we
familiarize with the teacher’s work, the learnings of teaching art to children and the experiments made by
the students, being  important the lived experience of themselves. To build the research methodology we
analyze the writings in the individualized rapports produced in the Programa de Educação Tutorial (PET)
Conexões Saberes: Projeto Educação (EDU) in the Federal University of Espírito Santo (UFES). We articu-
late the approach to the theoretical-methodological references of Paulo Freire. The expected result of this
article is to collaborate with the research about art-education with emphasis on the modes of do art in the
classroom with students of childish education, the reaction of individuals to materials and the process of
artistic practice.
KEYWORDS: artistical practice; clay;child education; liberty; autonomy.

Introdução
O Programa de Educação Tutorial (PET) Conexões Saberes: Projeto Educação (EDU) é um programa do Ministério da
Educação (MEC) que se desenvolve por um docente que é o tutor e composto a partir de doze discentes oriundos da
classe popular e pertencentes aos cursos de Pedagogia, Educação Física, Artes Plásticas e Artes Visuais, nos quais são
essas áreas que permeiam a Educação Infantil (EI) e contribuem no processo formativo de crianças da faixa etária de
zero até cinco anos idade no Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) “Primeiro Passo”, localizado na periferia do
bairro Cidade Continental, município da Serra, no Estado do Espírito Santo. O PET EDU proporciona ao petiano a famil-
iaridade com a prática docente, pois o mesmo engloba o tripé de ensino, pesquisa e extensão durante a participação
do graduando. O discente desenvolve atividades correlacionadas à prática da formação docente na EI com uma carga
horária de 20 horas semanais no PET EDU. Destacamos no artigo que a proposta é comunicar a extensão praticada
uma vez por semana na comunidade extensionista com o objetivo de aproximar a Universidade e a Arte com os su-
jeitos da instituição e suas famílias.
O trabalho apresenta o processo artístico da argila feito com 15 crianças da faixa etária de três anos de idade que são
pertencentes ao grupo III do Cmei. Nesse movimento dialogamos com a pesquisa “O trabalho docente no encontro

297
com as crianças”, articulada ao envolvimento dos petianos com a prática docente na instituição e o cotidiano do ambi-
ente escolar. Com isso os petianos conhecem as interações dos alunos e aprendemos a mediar à ação dos alunos sem
autoritarismo com o educando. A escola é o lugar onde são construídas relações de alteridade, pois o ensino dialoga
com as significações no repertório das crianças e dos jovens (TEIXEIRA e FREITAS, 2010, p.110). Para isso, desenvolve
no PET EDU e Cmei a produção de registro de diários de campo (DC), 10 relatórios individuais e 1 relatório ligados às
atividades do grupo realizado no ano de 2014. Vale ressaltar que, a pesquisa da argila é apenas uma parte do trabalho
desenvolvido no PET EDU, pois durante o ano executamos as atividades do Planejamento Anual do ano de 2014.

A argila na Educação Infantil


A pesquisa com a argila iniciou-se em 02 de outubro de 2014 com a participação de estudantes de Artes Plásticas e
de Pedagogia no Cmei. No primeiro momento deliberamos o nosso plano de ação do ano, além de propormos partic-
ipação em atividades acadêmicas que contém o caráter de ensino, pesquisa e extensão. O processo da extensão no
ano de 2014 começou no segundo semestre apenas, mas no ano de 2013 iniciamos a extensão no mês de maio. “Eu
lecionei desenho e cor junto à professora de Artes para crianças de quatro e cinco anos de idade que são pertencentes
dos grupos IV e V” (DC).
Para isso, discutimos no grupo a possibilidade da estudante do curso de Artes Plásticas frequentar o Cmei para auxiliar
as integrantes do grupo do curso de Pedagogia tendo em vista o ensino de atividades artísticas com argila entre as
crianças do grupo III, o processo de investigação artística, o modo de preparo da argila, a conservação do material para
ser utilizado aulas.
A proposta de trabalhar com a matéria da argila no grupo III sucedeu com a coleta da argila no galpão do Centro de
Artes da Ufes, realizada pela estudante de Artes Plásticas participante do PET EDU. Em seguida com o “trabalho do
material para torná-lo mole, para que as crianças pudessem manuseá-lo, sentindo a sua consistência e textura. A argila
(Figua 1) era enrolada no pano velho dentro de uma sacola para não perder a maleabilidade. Quando seca a argila,
acrescenta um copo com água e deixa o líquido agir na argila até amolecer e depois coloca no pano dentro da saco-
la para preservar bem” (DC). E também no processo final do trabalho com alunos da EI é necessário que a argila seja
posta sob o sol para endurecer. Articulamos um planejamento de aula na sala do PET EDU. “A primeira estudante de
Pedagogia, falou que “é pouco a argila, será que vai dá certo”?

 Figura 1. Argila sendo aberta no Cmei Primeiro Passo, Cidade Continental, Serra-ES, 2014, fonte própria.

Em seguida, eu respondi que havia um quilo de argila. Logo a segunda estudante de Pedagogia, reforçou “vai dá sim,
vai dar certo e será um sucesso”. Em vista disso eu peguei a massa na mão para ver a consistência e percebeu que
estava grudando na mão. A primeira estudante de Pedagogia sugeriu fazer outro dia, pois iriam sujar as crianças e o pai
poderia reclamar da sujeira no roupa dos alunos. Mas a segunda estudante de Pedagogia ressalta que as crianças não
sujariam suas roupas porque explicaríamos o modo de pegar a argila na mão sem colocar na roupa” (DC).
Nesse sentido, as estudantes do PET prepararam o material e a professora regente de Pedagogia recebia as crianças
que chegavam com seus pais ou responsáveis na instituição. Para isso esperamos os alunos. “A professora de Pedagogia
combinou com os alunos de fazermos o trabalho de argila após o ensaio para a amostra cultural dos bichos. Durante
o ensaio uma aluna fez a corrida com as colegas e nos abraçaram, entretanto os meninos bricavam no parquinho” (DC).
Os momentos das brincadeiras são essenciais na interação com o outro e no processo formativo da criança. Enten-

298
demos que para a EI, o brincar, o lúdico, são de extrema importância, pois elas desenvolvem sua criatividade e relação
com as outras crianças. Para isso é necessário valorizar a criatividade e imaginação do sujeito enquanto criança, pois
a infância é a faixa mais significativa de aprendizado e marca a formação posterior do sujeito. Considera-se a infância
como o período fértil para alicerçar e favorecer a construção de conhecimentos, articuladas com o percurso criador do
sujeito, ampliando suas noções prévias (Fritzen e Moreira, 2008, p.40).
Retomamos a aula de argila “a professora regente de Pedagogia do grupo III terminou o ensaio e voltamos para sala de
aula. As estudantes de Pedagogia dividiram a turma em dois grupos para fazer a atividade. Orientamos os alunos para
a produção de bichos, pois a professora estava trabalhando essa temática com eles e nós continuamos isso. Decidimos
deixá-los livres na produção dos bichos sem direcioná-los a respeito de como deveria ser feito o animal ou aquilo que
desejava fazer” (DC). De uma forma ou de outra, a criatividade está intimidamente ligada à sensação de descoberta. É
algo novo, é um caminho encontrado para se solucionar alguma coisa, e só depois de encontrado percebe-se qual foi
esse caminho (Zamboni, 1998, p.31).
No primeiro momento da proposta os alunos entraram em contato com a argila (Figura 2) a fim de perceber a textura,
cor, cheiro e maleabilidade. “Nas primeiras impressões de algumas crianças elas compararam a argila com fezes”. Mas
dissemos a eles que era ‘barro de fazer comidinha’. Lembramos a eles e elas das brincadeiras infantis de ‘casinha’ e o
‘fazer comidinha’. Então algumas crianças pegaram o barro (Figura 3) e foram tocando. Apenas duas crianças se re-
cusaram a tocar no material. Uma estudante se aproximou dela na tentativa de convencê-la a manusear a argila, mas a
tentativa falhou.

 
Figura 2. Contato com a prática da argila no Cmei Primeiro Passo, Cidade Continental, Serra-ES, 2014, fonte própria.

A menina cada vez mais escondia as mãos dentro da blusa como também levantou, começou a circular pela sala pas-
sando batom nela e nas outras meninas da sala. Ao aluno são dadas oportunidades de despertar sua capacidade cria-
tiva e intelectual com a expressão do meio visual. A partir do despertar do interesse em criar, logo seriam despertados
outros interesses pelo novo, pela descoberta, pela invenção, pelo conhecimento artístico (Cola, 2014, p.16).
Nas aulas de argila “eu observava a produção de cada aluno e fotografava o processo (Figura 4) para comunicarmos
a atividade, enquanto, as estudantes de Pedagogia faziam o papel de professora de Arte que auxiliava os mesmos na
produção artística. Em alguns momentos as estudantes de Pedagogia deixava ensinar as crianças a criarem outros
bichos e objetos como a produção do ‘jacaré de cinco patas com três olhos’, ‘monstro da lagoa’, ‘espeto de churrasco’,
‘churrasco de frango’, entre outros” (DC).

299
 Figura 3. Contato com a prática de argila na aula, Cidade Continental, Serra - ES, 2014.

 Figura 4. Resultado da prática da argila e criação de jacaré, churrasco e espeto de frango no palito, Cmei Primeiro Passo, Cidade Continental, Serra - ES, 2014,
fonte própria.

Ressaltamos um detalhe importante na constituição do trabalho da argila que foram os palitos de churrascos na for-
mação do ‘espeto de churrasco’, pois eles podem ferir a criança ou machucar o olho, devem-se utilizar palitos de picolé,
mas a orientação da estudante de Artes foi ignorada pelas estudantes de Pedagogia porque é mais fácil conseguir o
palito de churrasco e deram prosseguimento nas próximas aulas. O material adequado para utilizar na EI deveria ser
objetos não cortantes para os sujeitos manipularem sem perigo. Observando os interlocutores na construção a difi-
culdade em elaborar animais. Muitos ainda não sabem contar. “Eu perguntei para a menina que fez o jacaré quantas
patas tem um jacaré? Ela respondeu mostrando os dedos 1, 2,3, 4 e 5. Não discordei da criança” (DC). Nessa atividade o
importante é o contato com o material maleável que é fácil de tocar para construírem formas diferentes que permeia o
desenvolvimento da criatividade e imaginação dos mesmos.
À medida que as crianças terminavam de fazer os animais, “a professora regente do grupo III colocava os trabalhos
para secar na varanda da sala (Figura 5), para os alunos não pisarem na obra. Porém, isso falhou, pois as crianças que-
riam ver como tinha ficado e acabaram pisando neles. Com isso a professora regente do grupo III socorreu os objetos
com diversas partes quebradas e conversou com a turma sobre o processo do barro, que é maleável. Ao final da aula
vieram na nossa sala a professora pertencente do outro grupo III, professora do grupo I, a pedagoga e diretora para

300
contemplar o fazer artístico da turma” (DC).

 
Figura 5. Resultado final do processo com os alunos, Cidade Continental, Serra - ES, 2014, fonte própria.

Perguntaram como arranjamos a argila “eu fazia aulas escultura no galpão da Universidade e o marceneiro trazia a
argila da região de Nova Venécia (ES). Elas solicitaram o contato dele, pois a argila que a professora do outro grupo III
tinha areia, o que levou a dificuldades em articular a atividade com os alunos dela, porque os bichos pintados foram
quebrados ao serem guardados na estante. Segundo o relato da professora: eu tive que colar os bichos com massinha
de modelar porque despedaçou” (DC). Diante do interesse dela em praticar argila com seus alunos, as integrantes do
PET EDU todas as aulas levavam um quilo de argila para compartilhar com ela porque ao final da aula sobrava materi-
al do grupo III (Figura 6).

 Figura 6. Resultado final do processo com os alunos. Cmei Primeiro Passo, Cidade Continental, Serra - ES, 2014, fonte própria.

301
Conclusão
Considera-se que o bom senso do professor não é ser autoritário em sala de aula, mas aquele profissional em orien-
tar atividades, tomando decisões, estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo não é
sinal de ser autoritarismo, mas cumprindo o seu dever (Freire, 1996, p.61). A aplicação da argila mostra a contribuição
no ensino em respeitar a autonomia dos sujeitos e os desafios em propor métodos dinâmicos que possam despertar
a curiosidade dos alunos. Em arte, a produção assimilada pela intuição é sentida e receptada, mas de difícil tradução
para formas integralmente verbalizadas (Zamboni, 1998, p.28). Nesse sentido, o bom professor é o que consegue, en-
quanto falar, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento (Freire, 1996, p.86). Pesquisar é desejar
solucionar os desafios encontrados no ambiente escolar, mas pode-se, buscar uma solução consciente, sem que esse
meio ocorra pelo processo da pesquisa feita na sala de aula. A pesquisa sempre implica numa trajetória racional que
presume o caminho a ser trilhado durante o processo investigado com os alunos e professor (Zamboni, 1998, p.43).
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto
ensino, continuo buscando, recuperando (Freire, 1996, p.29). Com isso o campo da prática artística proporcionado pelo
encontro com as crianças na instituição uniu as estudantes de Artes e Pedagogia do PET EDU no trabalho colaborativo
no compartilhamento entre saberes dando continuidade ao trabalho da professora regente de Pedagogia sem retirar a
autonomia de ela ministrar suas aulas aos sujeitos inseridos na ação de aprender com liberdade e autonomia.

Referências
COLA, César. Ensaio sobre o desenho infantil. 3. ed. - Vitória: EDUFES, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Sã Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção
Leitura).
FRITIZEN, Celdon & MOREIRA, Janine. Educação e Arte: As linguagens artísticas na formação humana. Campinas – São
Paulo, Ed: Papirus, 2008.
TEIXEIRA, Rosanny Moraes & FREITAS, Neli Klix. Imagens e Linguagens não-verbais no Ensino da Arte. In: Proposições
Interativas arte, pesquisa e ensino. FREITAS, Neli Klix; RAMALHO e OLIVEIRA,Sandra Regina (org). Florianópolis: Ed. da
UDESC, p.107-123, 2010.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas - São Paulo: Autores Associados, 1998
(Coleção polêmicas do nosso tempo: 59).

Fernanda Antônia da Silveira


Graduanda em Artes Plásticas e integrante do Grupo de Estudo em Metodologia de Pesquisa em Arte (GEMPA) na Univer-
sidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Matheus Boni Bittencourt


Graduado em Ciências Sociais, especialista em História Cultural e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal
do Espírito Santo (UFES) e servidor público do Museu de Artes do Espírito Santo “Dionísio Del Santo” (MAES).

302
PROJETO INTEGRAÇÃO: UMA AÇÃO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
EM PROL DA INTERDISCIPLINARIDADE
Iris Maria Negrini Ferreira (EEEFM “Professora Maura Abaurre”)

RESUMO
O relato consiste de um Projeto intitulado “Integração”, que foi desenvolvido na EEEFM “Professora Maura
Abaurre”, entre novembro e dezembro de 2014. O trabalho enfocou, sobretudo, uma estratégia interdisciplin-
ar que permeava a problemática do Patrimônio Cultural e Natural do Espírito Santo, tendo como estudo de
caso os municípios de Anchieta e Domingos Martins – a região de Pedra Azul. Na ocasião, setenta alunos
participaram de excursões pedagógicas para os municípios já referidos, que compreenderam visitas à edifi-
cações históricas, exposição em centro cultural e biomas diversos. Em concomitância, os alunos registravam,
por meio de fotos, suas descobertas que seriam apresentadas em forma de scrapbook, com a fotos e legend-
as.
Palavras-chave: Anchieta. Pedra Azul. Interdisciplinaridade.

ABSTRACT
The report consists of a project entitled “Integration” , which was developed in EEEFM “Professora Maura
Abaurre” , between November and December 2014. The work focused mainly an interdisciplinary strategy
that permeated the problem of Cultural and Natural Heritage of the Espítito Santo State taking as a case
study the municipalities of Anchieta and Domingos Martins - the Pedra Azul region. At the time, seventy stu-
dents participated in educational tours for the municipalities mentioned above , which comprised visits to
historic buildings , cultural center exhibition and various biomes . Concurrently , students recorded through
photos, that their findings would be presented in the form of scrapbook , with the photo and caption.
Keywords: Anchieta. Pedra Azul. Interdisciplinarity

Caracterização da escola e breve comentário sobre a interdisciplinaridade


O Projeto Integração foi realizado na EEEFM “Professora Maura Abaurre” entre os meses de novembro e dezembro de
2014, com verba do Governo Federal (PDE Interativo). Nossa escola foi uma das contempladas em Vila Velha devido ao
baixo IDEB. A escola está localizada num bairro residencial e atende as séries finais do Ensino Fundamental (8ª série),
o Ensino Médio (Regular e EJA) e o Curso Técnico.
A clientela é advinda do bairro no qual a escola está inserida (mesmo funcionando em prédio alugado em outro bair-
ro) e de regiões vizinhos. O perfil dos estudantes é composto por alunos com faixa etária entre 11 e 45 anos de idade,
aproximadamente, oriundos de famílias de classe social de renda baixa. Só uma pequena quantidade tem acompanha-
mento da família nas atividades escolares, um dos fatores que justifica a queda do IDEB.
Teria sido interessante o projeto ser desenvolvido com toda a escola, não pode ser feito com um número grande de
alunos devido aos custos e o próprio tempo para execução, então, foi feito um sorteio de setenta nomes do turno ma-
tutino das três séries do ensino médio. Foi, então, elaborado um planejamento baseado na interdisciplinaridade, visto
que na atualidade, mesmo o ensino “seguindo” para uma esfera integral, a estrutura educacional ainda é muito frag-
mentada em disciplinas que parecem não ter contato umas com as outras. Para Guiomar Mello:
O mundo não é disciplinar. Para podermos dar conta de sua complexidade, nós dividimos o conhecimento
sobre o mundo em disciplinas. Mas para que o conhecimento sobre o mundo se transforme em conheci-
mento do mundo, isto é, em competência para compreender, prever, extrapolar, agir, mudar, manter, é preciso

303
reintegrar as disciplinas num conhecimento não fragmentado. É preciso conhecer os fenômenos de modo in-
tegrado, interrelacionado e dinâmico. Na escola, o tratamento da realidade no âmbito fragmentado de cada
disciplina pode dar conta deconstituir um conjunto de noções ou explicações que, por nem sempre terem
nexo entre si, são depois esquecidas. Mas não dá conta de desenvolver nos alunos a compreensão do mundo
físico e social tal como determina a LDB1.

O projeto Integração, buscou sobretudo incentivar a cooperação entre o corpo docente e desse com os alunos, a fim de
oferecer aos alunos um ensino de qualidade, pautado no combate à evasão e à repetência, com base no desenvolvi-
mento de ações pedagógicas qualificadas às necessidades dos mesmos de forma a garantir-lhes a produção de conhe-
cimento sob diversos aspecto, sem perder de vista a Proposta Pedagógica da escola, que tem como princípio a valo-
rização do ser humano e sua inter-relação com o meio de forma que ele possa compreender o seu verdadeiro papel
enquanto cidadão.
Seguindo as orientações de Mönginger, para construir um projeto é necessário que “os professores das diferentes áreas
conversem abertamente e planejem, sem definição de hierarquias prévias ente as disciplinas”2. Aqui o elo condutor foi
a Arte, ou melhor, “a compreensão das artes por meio de propostas que articulam diversos conhecimentos em torno de
uma temática central”3. Isso se deu a partir da discussão do conceito de patrimônio, a prática de fotografia e produção
de diários de bordo com formato de scrapbooks. O interessante é que não controlamos totalmente o que eles apren-
deram, uma vez que a ação gerou uma proliferação de conhecimentos e a construção dos mesmos é individual. Certa-
mente, algo chamou mais a atenção de um do que de outro ou fez sentidos variados dependendo da bagagem cultural
de cada um. O ponto de partida do trabalho foi o conceito de Patrimônio, muito recorrente na esfera da arte. A ideia era
estender o conceito para as outras áreas e falar além do Patrimônio Cultural também sobre o Patrimônio Natural, sem,
no entanto, ter a pretensão de esgotar o conteúdo em todas as disciplinas do currículo, pois:
Aprender uma disciplina a fim de praticá-la é, porém, diferente de usá-la para propósitos interdisciplinares.
O domínio da disciplina denota conhecimento completo. O trabalho interdisciplinar exige adequação. Os
que tomam algo emprestado não reivindicam expertise em todas as áreas. Eles identificam informações,
conceitos ou teorias, métodos ou ferramentas relevantes para a compreensão de um problema particular,
processo ou fenômeno4.

Na verdade, a escola não dá conta de ensinar tudo. Assim, através de um pontapé inicial dado pelo professor e a vivên-
cia, os alunos poderiam ter uma visão mais global do termo, além de implementar as diretrizes curriculares, consid-
erando a formação básica, as dimensões da vida cidadã e constituição das identidades dos estudantes.

O Projeto
O trabalho ocorreu em três etapas: duas excursões pedagógicas para aula de campo nos municípios de Anchieta (Sul
do ES) e Pedra Azul (Região serrana); e o terceiro momento foi o fechamento da proposta com a revelação de fotogra-
fias e construção de scrapbooks pelos alunos. Em suma, o projeto foi uma ação de educação patrimonial, como o Insti-
tuto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional informa que:
Toda vez que as pessoas se reúnem para construir e dividir novos conhecimentos, investigam pra conhecer
melhor, entender e transformar a realidade que nos cerca, estamos falando de uma ação educativa. Quan-
do fazemos tudo isso levando em conta alguma coisa que tenha relação ao com nosso patrimônio cultural,
então estamos falando de Educação Patrimonial!5

Tudo isso levando em conta alguma coisa que tenha relação ao com nosso patrimônio cultural. A nosso ver, a ação
também é uma tentativa de romper com a apatia e fazer dos nossos alunos cidadãos pessoas mais ativas, fomentar
Topofilia6; ou seja, um elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico, métodos que tragam familiaridade àquela
população pelo viés da história, da consciência do passado. Incentivar a buscarem uma essência dos locais que convi-
vam, buscarem um contato mais direto, deixarem-se invadir pelo ambiente, observarem o que têm à volta. Para Yi-fu
Tuan “o que falta às pessoas nas sociedades avançadas (e os grupos hippies parecem procurar) é o envolvimento suave,
inconsciente com o mundo físico, que prevaleceu no passado, quando o ritmo da vida era mais lento e do qual as cri-
anças ainda desfrutam [...] Para viver, o homem deve ver algum valor em seu mundo” (TUAN, 1980, p.110).

304
Anchieta
Anchieta, no sul do Espirito Santo, fica a cerca de 82 quilômetros da capital Vitória. Com uma área territorial de aproxi-
madamente 420 km². A primeira lição foi de história e geografia. Com a presença de um historiador local que palestrou
para os alunos no Casa de Cultura do município (FIGURA 1). Neste momento, os alunos foram informados que o nome
Anchieta é uma homenagem a José de Anchieta. Padre jesuíta espanhol, nascido em Tenerife, nas Ilhas Canárias, em
1534, e que viveu boa parte de sua vida, vindo a falecer, na cidade que leva o seu nome. Foi importante destacar, tam-
bém que além de seu talento para a catequização, Anchieta deixou um legado escrito (língua portuguesa e indígena),
como foi o caso da “Arte de Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil”, a gramática tupy-guarany muito usada
pelos portugueses para a comunicação com o gentio. O historiador também falou um pouco da história da cidade que
teve como primeiro nome Rerigtiba, que, em tupy, significa lugar de muitas ostras. No dia 1 de janeiro de 1759, a então
aldeia de Rerigtiba tornou-se Vila, passando a se chamar Benevente. Mais tarde, pela lei provincial número 6, de 12 de
agosto de 1887, a Vila de Benevente foi elevada a cidade com a designação de Anchieta, nome que foi ratificado pela
lei estadual 1307, de 30 de dezembro de 1921.

Figura 1
Fontre: Iris Ferreira

Após essa explanação, foi a vez de seguir caminhando para o Santuário Nacional de Anchieta, na colina onde está
localizada a igreja (FIGURA 2). Foi a hora da aula de arte, sem perder de vista a história e a geografia. A escolha dos lo-
cais era de suma importância para os jesuítas. Buscavam sempre, dentro das possibilidades, o melhor local para erigir
seus edifícios. Isso significava estar próximo a portos naturais (rios e oceano), em pontos de vista privilegiados (coli-
nas) e em condições de proteção contra perigos iminentes (povos ariscos e invasão de estrangeiros que não fossem
lusitanos), mas o local não podia estar tão longe do restante da aldeia, onde desenvolviam suas atividades cotidianas e
religiosas. O santuário tem uma visão privilegiada do mar e do rio. A construção é uma das poucas do período colonial
ainda em uso, visto que é uma das mais antigas localidades do Espírito Santo e do Brasil (FIGURAS 3, 4 e 5).

305
Figura 2
Fonte: Iris Ferreira

Figura 3
Fonte: Edimila Nascimento

306
Figura 4
Fonte: Leônidas Caetano

Figura 5
Fonte: Edimila Nascimento

Dando prosseguimento, seguimos para o cais na foz do Rio Benevente, onde além do mercado de frutos do mar (FIGU-
RAS 6 e 7), encontra-se um monumento ao imigrante italiano (FIGURA 8 e 9), que mostra a importância da cidade não
somente do período colonial, mas também um dos principais pontos de chegada dos imigrantes italianos que vieram
para o Espírito Santo e colonizaram cidades interioranas do estado adentrando pelo rio. O monumento conta com
placas com cerca de trezentos nomes de famílias que por ali passaram, inclusive a minha. Foi mágico ver os alunos
fotografando, encontrando seus sobrenomes e telefonando para os familiares para informar da descoberta Sem dúvida,
construíram significado para aquele monumento, já que a maioria das famílias capixabas têm descendência italiana, e:
Ao construir significados, o professor estará sempre envolvendo o aluno afetivamente, além da motivação
intelectual, mais óbvia e conhecida. Em outras palavras: significados não são neutros. Incorporam valores
porque explicam o quotidiano, constroem compreensão de problemas do entorno social e mundial, ou facili-
tam viver o processo da descoberta7.

307
Figura 6
Fonte: Paulyenne

Figura 7
Fonte: Amanda Poncio

308
Figuras 8 e 9
Fonte: Iris Ferreira

Para finalizar, a aula de Biologia e Ciências ficou por conta do vislumbre de um riquíssimo manguezal no cais e com-
plementada com a visitação do Instituto de Pesquisa e Conservação Marinha (IPCMar), em Parati; além do fechamento
com almoço na Praia dos Castelhanos (FIGURA 10), uma das praias de maior balneabilidade do mundo por ter a ban-
deira azul8. A bióloga fez explanações principalmente sobre as tartarugas (FIGURA 11), bem como a importância da
localização do instituto que fica em um ponto de grande quantidade de encalhes e desova devido à abundância de
alimento para os animais marinhos (próximo ao Mangue). Muitos alunos não conheciam o processo de desova e pud-
eram ver os ninhos marcados na praia. Problemas ambientais também foram falados, sobretudo sobre a ingestão pelas
tartarugas de lixo indevidamente lançado no oceano, que os animais confundem com alimento.

Figura 10
Fonte Karine Velez

309
Figura 11
Fonte: Paulyenne

No retorno para casa, todos exaustos, no ônibus o sentimento de missão cumprida pairava no ar. Depois de muitos
aprendizados naquele dia, fomos presenteados por um belíssimo pôr-do-sol (FIGURA 12).

Figura 12
Fonte: Iris Ferreira

Pedra Azul
Pedra Azul (Domingos Martins), foi outro capítulo da ação. Devido ao limite de visitação do Parque Estadual da Pedra
Azul, apenas vinte e cinco alunos e cinco professores puderam ir. Mesmo com a metade do grupo que foi para Anchieta,
não foi menos gratificante. Criado em 1991 para proteger o patrimônio natural da região, em especial a famosa Pedra
Azul (FIGURA 13), uma formação rochosa de granito com 1822 m de altura, o Parque possui 1.240 m² e uma variedade
de opções de passeios a pé.

310
Figura 13
Fonte: Iris Ferreira

Dentre as caminhadas mais procuradas, destacam-se a que leva às piscinas naturais, a que leva até a Pedra do Lagarto,
a do Mirante e a da própria Pedra Azul (FIGURA 14). A que fizemos foi a do “Cedro sentado” (mirante).

Importante ressaltar que mais da metade do Parque, um bioma Mata Atlântica, não é acessível aos visitantes, pois
abriga espécies ameaçadas de extinção como macacos, preguiças e aves; bem como uma rica flora endêmica com
bromélias, orquídeas, etc. O isolamento se fez necessário para não afugentar os animais que poderiam se assustar e ir
para as estradas sofrerem atropelamentos, ou mesmo invadir casas da região, e no caso das plantas, evitar o pisoteio, já
que muitas dessas espécies são micro à olho nu. Não foi à toa que desde 2012, uma comissão foi formada para envi-
ar projeto de tombamento para a UNESCO, para a Pedra se tornar um Patrimônio Natural da Humanidade. Segundo o
governo, “a Pedra Azul se encaixa nas normas e critérios da Unesco para se tornar Patrimônio Natural da Humanidade por
sua formação geológica e por ter a forma de um lagarto, algo único no planeta”9. Os benefícios com o tombamento seriam
enormes, entre eles a atração de recursos internacionais para preservação da região e a gestão internacional compartilhada
do Parque.

311
Figura 14
Fonte: Lucas Salino

A “expedição” teve o acompanhamento do Guarda “Belo” com seu famoso cajado “lula molusco” como é conhecido o
guardião do local, que ia contando histórias fantásticas sobre “causos” ocorridos e sobre a biodiversidade alí encontra-
da (FIGURA 15). Ao final, muitos alunos abraçaram e cumprimentaram o guarda florestal o parabenizando pelo trabalho
desenvolvido por mais de duas décadas. Lembro bem dos olhos dele enchendo de lágrimas pelo reconhecimento da
árdua tarefa e convidando os discentes a chamar seus familiares para conhecer o Parque.

Figura 15
Fonte Átyla Raach

312
Algumas reflexões
Os resultados foram ótimos. Os alunos desceram do ônibus agradecendo a oportunidade e pedindo que isso pudesse
ser feito mais vezes, afinal haviam aprendido muito naqueles dias, inclusive sobre suas próprias histórias. Em ambas
as excursões, foi solicitado que fotografassem o que chamasse a atenção dos seus olhares. Um exercício de escolha do
“momento certo” para uma geração tão habituada a fotografar sem nenhum critério, chegando até a ser banal. Muitas
vezes um grande número de fotografias que se perdem em pastas virtuais e que perdem sua essência de rememoração,
diferente de como as fotos no papel tinham décadas antes. Cada um teve uma cota de 15 fotografias, que foram rev-
eladas e entregues a eles posteriormente sem nenhum custo. Esse exercício serviu para observar as particularidades
de cada aluno, bem como através das imagens capturadas, o sentido que o mesmo atribuiu ao conceito de Patrimônio.
Infelizmente, não finalizamos os scrapbooks devido ao atraso da chegada do material, mas os alunos receberam o ma-
terial para fazê-lo por conta própria. No entanto, eu realizei um scrapbook (FIGURAS 16, 17, 18 e 19) para ficar na escola
utilizando fotos minhas e dos alunos. Foi o momento de reflexão dessa ação, o que também seria para os alunos. Ao
invés de relatórios cansativos, uma maneira mais lúdica (perfuradores, papéis coloridos, adesivos) de colocar as ima-
gens e legendas, relembrando o que tinham aprendido na aula de campo em forma de produção artística (Fotografia,
colagem, desenho, etc).

Figura 16
Fonte Iris Ferreira

Figura 17
Fonte Iris Ferreira

313
Figura 18
Fonte: Iris Ferreira

Figura 19
Fonte: Iris Ferreira

Esse formato foi escolhido como um atrativo para os estudantes, uma forma de dizer que “os conteúdos são impor-
tantes, mas só adquirem sentido quando estão conectados com outros conteúdos e áreas de conhecimento, com a vida
que temos e a que desejamos”10. Eles puderam ver in loco o que a grande maioria apenas conhecia em livros, e que
incentivasse a permanência deles no ambiente escolar, desestimulando o abandono das aulas e criando uma nova
identidade cidadã. Em Janeiro, em decorrência da seca que assolou o Espírito Santo, o Parque teve boa parte de seus
hectares devastada pelo fogo, locais que até então eram intactos pela ação do homem. No início deste ano letivo,
alunos que participaram, falaram comigo se lamentando sobre o episódio, coisas do tipo “Puxa, professora. A senhora
viu o que aconteceu com o parque da Pedra Azul? Queimou tudo. E pensar que no final do ano a gente estava lá. Co-
itado do guarda “Belo”, que trabalha lá. Ele deve estar muito triste”11 Esse foi um bom indicativo de que foram tocados
pelas lições patrimoniais.

314
(Endnotes)
1 MELLO, sem data, p.3.
2 MÖDINGER, 2012, p.50.
3 Ibidem, p.51.
4 TRINDADE, 2014, p.18
5 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=15481&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 07 mai 2015.
6 Termo defendido por Yi-fu Tuan no livro Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. SP/RJ: Difel, 1980.
7 MELLO, sem data, p.5.
8 Informação contida no site do IEMA, disponível em <http://www.qualidade.iema.es.gov.br/scripts/sea0800.asp> e no site oficial da praia <http://
www.praiadoscastelhanos.com.br/bandeirazul.htm>.
9 ES faz projeto para Pedra Azul se tornar patrimônio da humanidade. G1, Vitória, 08 nov.2012.
10 MÖDINGER, 2012, p.51.
11 Palavras da aluna Dâmaris, que hoje cursa o terceiro ano do EM.

Referências
ES faz projeto para Pedra Azul se tornar patrimônio da humanidade. G1, Vitória, 08 nov.2012. Disponível em:
<http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2012/11/es-faz-projeto-para-pedra-azul-se-tornar-patrimonio-da-humani-
dade.html>. Acesso em: 10 out 2014
ESPÍRITO SANTO. Secretaria de Educação. EEEFM Professora Maura Abaurre. Plano Pedagógico. Vila Velha, 2014
http://www.anchieta.es.gov.br/Materia_especifica/6495/Historia-de-Anchieta
MELLO, Giomar Namo de. Transposição didática, interdisciplinaridade e contextualização. Disponível em: <http://www.
virtual.ufc.br/solar/aula_link/llesp/A_a_H/didatica_I/aula_03-0021/imagens/01/transposicao_didatica_interdisciplinari-
dade_contextualizacao.pdf>. Acesso em: 09 mai 2015.
MÖDINGER, Carlos Roberto. Et al. Artes visuais, dança, música e teatro: práticas pedagógicas e colaborações docentes.
Erechim: Edelbra, 2012.
TRINDADE, Alexandro Dantas. et al. Formação de professores do ensino médio, etapa II - caderno II. Curitiba: UFPR/
Setor de Educação, 2014.
http://portal.iphan.gov.br/portal
TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. SP/RJ: Difel, 1980.
www.pedraazul.com.br

Iris Maria Negrini Ferreira


Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (mestrado em artes).
Pós-graduada em Educação especial e Inclusiva pelo Centro de Ensino Superior Fabra. Possui graduação em Artes
Plásticas pela Universidade Federal do Espírito Santo (2008). É professora efetiva de arte da rede estadual de edu-
cação na EEEFM Professora Maura Abaurre.

315
reflexões sobre o ensino da Arte na educação
infantil
Sandra Regina do Amaral
Prefeitura Municipal de Vila Velha

RESUMO
Este trabalho pretende refletir o ensino da arte na educação infantil e compartilhar diálogos estabeleci-
dos com professores da rede municipal de Vila Velha. Para tanto, a base teórica dessa discussão são, dente
outros, os estudos de Barbosa (1986; 2002), Davis e Oliveira (1994) e Ostrower (2003), além de documentos
municipais e nacionais. Salienta-se a importância de incentivar o potencial criativo e garantir um ensino
que ultrapasse a confecção de cartazes e lembrancinhas ou de reforço de aprendizagens, para que não seja
negligenciada a apreciação e a formação do gosto estético.
Palavras-chave: Educação, Arte, Práticas de ensino.

RESUMEN
El presente trabajo pretende reflejar la educación artística en el jardín de infantes y compartir diálogos
establecidos con los maestros de municipal de Vila Velha. Por lo tanto, la base teórica de esta discusión son
otro diente, los estudios de Barbosa (1986; 2002), Davis y Oliveira (1994) y Ostrower (2003), así como los
documentos municipales y nacionales. Destaca la importancia de fomentar el potencial creativo y garantizar
una educación que va más allá de la preparación de carteles y souvenirs o aprendizaje por refuerzo, por lo
que el disfrute y la formación del gusto estético no se descuida.
Palabras clave: Educación, Artes, Prácticas de enseñanza.

A arte e o pensamento criativo


O pensamento é algo natural ao ser humano e seu potencial criativo, uma forte arma de transformação. Por isto a
escola, enquanto criação burguesa consolidou a dicotomia entre a ciência e a arte, e adotou práticas de ensino que
buscassem limitar os tempos e espaços de pensamento criativo, perpetuando e mantendo desta forma, sua hegemonia.
Ao discordar da concepção de arte dissipado pelo capitalismo burguês, Ostrower (2003, p. 28), defende que “Criar não
representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar repre-
senta uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer”. O que faz com que o trabalho de um artista, por exemplo,
expresse uma verdade que nasce do real, mas que revela uma ação reflexiva sobre a sua realidade, o que permite que
seu trabalho resulte de um processo consciente.
Davis e Oliveira (1994), explicam que criar está diretamente ligado aos atos de imaginar, sentir e perceber. Ao sentir-
mos os estímulos presentes num ambiente, somos capazes de perceber (organizar as informações), só assim nos tor-
namos aptos a imaginar (formar imagens mentais acerca do mundo real), o que faz com que estas representações não
sejam cópia fiel, nem invenção absolutamente livre da influência do real, enfim, a imaginação é um reflexo criativo da
realidade.
Por isso Ostrower (2003, p. 125) afirma que “Na obra de arte, qualquer que seja o estilo e a época, transparece uma
tomada de consciência ante a realidade vivida, ainda que o indivíduo formule sua experiência em termos subjetivos”.
Deste modo, entende-se como criatividade o olhar consciente sobre a realidade, de modo a construir em si mesmo,
uma nova realidade.

316
Em consonância com este pensar, vale destacar a defesa de Martins (apud BARBOSA, 2002) de que na arte:
(...) cor não existe para ser fria ou quente, primária ou secundária, mas para expressar estados da alma (...).
Linha não existe para ser sinuosa, reta ou quebrada, mas para expressar tensão, fluência, devaneio, rigor (...).
Temas não existem para registrar a história, para serem encomendas da Igreja, da nobreza ou da escola, mas para
expressar a vida, interpretando-a e ressignificando-a sob a ótica pessoal, crítica e única de seu criador (p. 54).

Deste modo, conforme defende Fischer (1987), a arte capacita o homem a compreender a realidade, tanto para
suportá-la como para transformá-la, por mostrar a realidade como passível de mudança, tornando-se necessária por
representar ação, o ato humana sobre si e sobre o que o cerca, aflorando no ser humano suas aptidões, sua capacidade
de interrogar, de procurar respostas, de descobrir, de repensar, de reestruturar.
Saunders (apud BARBOSA, 1986, p. 66) explica ainda que a arte nos ajuda “(...) a viver com nós mesmos, a lutar contra a
desordem criada por nós mesmos e a encontrar uma finalidade e um sentido para se estar vivo”. Porque é agindo sobre
o mundo que o homem cria, aprende e se desenvolve.
Neste contexto, a arte que outrora estava intrinsecamente relacionada à ação humana, foi institucionalizada como uma
atividade de menor valor. E conforme detectou o Parâmetro Curricular Nacional de Arte (PCN, 2001, p. 26), apesar de
conquistar em 1996 o status de disciplina, continuou à margem das áreas curriculares tidas como mais “nobres”, devido
“(...) ao desconhecimento, em termos pedagógicos, de como se trabalhar o poder da imagem, do som, do movimento e
da percepção estética como fontes de conhecimento”.
Davis e Oliveira (1994, p. 91) salientam a “(...) importância da linguagem, seja a verbal, a visual, a sonora, a tátil ou a de
movimento, para o desenvolvimento cognitivo” ao explicar que:
(...) não existe uma linguagem única e universal para o pensamento. Parece mais defensável supor que
várias modalidades de linguagem sejam utilizadas, ainda que em graus diversos, no pensamento de difer-
entes pessoas: umas podem usar predominantemente o pensamento verbal, outras o visual, outra o pensa-
mento que se apóia no som e no movimento (DAVIS e OLIVEIRA, 1994, p.73).

Acredita-se, deste modo, que no ambiente escolar, as linguagens da arte podem atuar como estimuladoras do potencial
criativo ao apropriar-se do poder da imagem, do som, do movimento e da percepção estética como fonte de conheci-
mento. Mas percebe-se que, ainda hoje, a escola tem feito uso principalmente da linguagem verbal, seja oral ou escrita.
Para Kenski (1996, p. 133) ao ignorar o poder das diversas linguagens a escola faz com que o mundo desses alunos que
“(...) é polifônico e policrômico. É cheio de cores, imagens e sons” se distancie “do espaço quase que exclusivamente
monótono, monofônico e monocromático que a escola costuma lhes oferecer”.
Apropriando-se dos termos utilizados por Foerste (1996, p. 72), defende-se que um ensino significativo “(...) deve levar
o indivíduo a pensar, a analisar, a julgar (...). Deve ser uma educação não apenas centrada no desenvolvimento intelec-
tual, mas também na imaginação criadora e no desenvolvimento da percepção (...)”.
Para isto, segundo Davis e Oliveira (1994, p. 70) é preciso “(...) fazer da escola também um local onde os outros possam
aperfeiçoar seus processos sensoriais, perceptivos e imaginativos”, um ambiente acolhedor, que promova a liberdade
de pensamento, incentive a ousadia e valorize a descoberta do novo por meio de experiências que estimulem a ex-
ploração, a experimentação e a criação.

O ensino da arte na educação infantil


Artes Visuais é um dos seis eixos propostos pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998)
no desenvolvimento de um trabalho educativo acerca do conhecimento de mundo, sendo os outros cinco: Movimento,
Música, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e, Matemática.
Neste sentido defende que:
As Artes Visuais expressam, comunicam e atribuem sentido a sensações, sentimentos, pensamentos e reali-
dade por meio da organização de linhas, formas, pontos, tanto bidimensional como tridimensional, além de
volume, espaço, cor e luz na pintura, no desenho, na escultura, na gravura, na arquitetura, nos brinquedos,
bordados, entalhes etc. O movimento, o equilíbrio, o ritmo, a harmonia, o contraste, a continuidade, a proxim-
idade e a semelhança são atributos da criação artística. A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, in

317
tuitivos, estéticos e cognitivos, assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter
significativo às Artes Visuais (RCNEI, 1998, p.79).
Tal documento explica ainda que as artes visuais fazem parte da vida infantil, seja ao rabiscar no chão ou na areia, ao
utilizar materiais encontrados ao acaso, como gravetos, pedras ou carvão, bem como quando pinta objetos ou o próprio
corpo, por constituírem-se como formas de as crianças expressarem suas experiências sensíveis. Mas esclarece que
“A presença das Artes Visuais na educação infantil, ao longo da história, tem demonstrado um descompasso entre os
caminhos apontados pela produção teórica e a prática pedagógica existente” (RCNEI, 1998, p.80). Isto porque ora é en-
tendida como mero passatempo, de modo que as atividades de desenhar, colar, pintar e modelar sejam destituídas de
significados; ora assume conotação decorativa para ilustrar datas comemorativas, enfeitar as paredes, elaborar convites
ou pequenos presentes, muitas vezes com pouca participação das crianças; ora, como reforço de aprendizagens dos
mais variados conceitos, servindo assim para fixar letras, números ou colorir imagens prontas.
Quando na verdade, ao considerar as possibilidades didáticas estabelecidas na Proposta Pedagógica da Educação
Infantil do Município de Vila Velha (2012) deveriam oportunizar: a apreciação de espetáculos teatrais; o uso de jogos
dramáticos para expressar ideias, emoções e sentimentos, assim como a confecção de seus cenários e figurinos; ex-
perimentação de cores, texturas, tamanhos e materiais diversos na criação de trabalhos artísticos bi e tridimensionais
individuais e coletivos para expressar ideias, emoções e sentimentos, com progressivo aumento de detalhes; ampliação
do vocabulário na descrição dos trabalhos (como tonalidades fortes e vibrantes, linhas restas e curvas) verbalizando
suas escolhas; apreciação de trabalhos de artistas e suas histórias; manuseio de livros de pintura.
Esta proposta foi elaborada para as crianças de 4 e 5 anos, em consonância com os referenciais nacionais, e como nos
demais eixos, estão estabelecidos, além das possibilidades didáticas, os conceitos curriculares, o contexto curricular, os
direitos de aprendizagem e desenvolvimento, e os objetivos, conforme apresentados abaixo.
• Oportunizar à criança interessar-se pelas próprias produções, pelas produções de outras crianças e pelas diversas
obras artísticas (regionais, nacionais ou internacionais) com as quais entrem em contato, ampliando seu conheci-
mento de mundo e da cultura;
• Produzir trabalhos de arte, utilizando a linguagem do desenho, da pintura, da modelagem, da colagem, da con-
strução, desenvolvendo o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção e criação.
• Promover o interesse pelas obras de arte, suas próprias produções e a dos colegas com cuidado e respeito;
• Conhecer o mundo e a cultura.
• Desenvolver o interesse por diferentes manifestações cênicas.
• Conhecer variadas formas de linguagem e seus diferentes códigos (PPEI, 2012, p.54).

Abordando, deste modo, os conceitos: Observação, Bidimensionalidade, Tridimensionalidade, Diagramas, Histórias,


Cotidiano, Leitura de imagens (descrição, análise, interpretação), Forma Abstrata, Forma Geométrica, Forma Orgânica,
Esquema, Cores, Corpo Humano, Figuração e não figuração, Artistas e Obras de Arte. No contexto do fazer artístico, da
apreciação e da reflexão, deve-se compreender: a imaginação criadora, a expressão, a sensibilidade, a intencionalidade,
o simbolismo, a semelhança, o traçado, a textura, a espessura, o ponto, a linha, a forma, a cor, o volume, o espaço, o
contraste, a luz e demais elementos das diversas linguagens artísticas, seja gravura, videoarte, performance, desenho,
colagem, fotografias, escultura, pintura ou ilustração.
Tomando como parâmetro as descrições acima se torna, de certo maneira, possível estabelecer “O que ensinar? Qual o
conceito?”. Mas outra pergunta importante se impõe diante dos professores sempre no planejamento: “Como ensinar?
Qual a estratégia didática?” precisando-se para responder tal indagação ter clareza dos objetivos ao qual se propõe.
Barbosa (2002) esclarece que a aprendizagem ocorre quando o aprendiz toma conta de seu aprendizado, nos momen-
tos em que as aulas são menos expositivas e mais participativas, quando a criação supera a repetição, isto em qualquer
disciplina de qualquer nível da educação, mas como nas aulas de arte, o aluno é dono de seu trabalho e precisa tomar
decisões sobre ele, sua participação ativa torna-se mais explicita.
Neste sentido, conforme frisa Martins (apud BARBOSA, 2002):
(...) trabalhar conceitos, conteúdos e procedimentos e propor tarefas, é trabalhar a fogueirinha do desejo do
aprender e do aprendiz (...), conteúdos e tarefas só são significativas quando o educador consegue direcio-
nar seu foco para o mesmo foco em que o educando arde. E, o educador, não pode deixar sua fogueirinha
se apagar, pois sem ela será muito difícil provocar a construção do conhecimento, para si mesmo e para o
aprendiz (p. 59).

318
Para Santos (2001, p.128), é preciso ainda, compreender o ser criança e sua ludicidade para que seja possível “(...) res-
peitar um ser em desenvolvimento e proporcionar um espaço-tempo de construção no prazer e na espontaneidade”.
E com este pensar, tem sido estabelecido com os professores do matutino da UMEI Maria Emelina Mascarenha de
Barcellos um diálogo e uma reflexão, para a compreensão, do que representa na prática este fazer, diante das estraté-
gias didáticas estabelecidas para os diferentes eixos. Vale então informar, que nesta instituição, assim como na maior
parte da rede, o único professor de área específica é o de Educação Física, ficando assim a cargo do professor regente o
desenvolvimento de um trabalho integrado que compreenda todos os eixos.
A questão inicial deste diálogo a ser destacada é o reconhecimento dos professores da necessidade de apoio e mais
orientações para não caírem nos equívocos inicialmente descritos pelo RCNEI (1998) principalmente no que com-
preende o desenvolvimento de atividades de desenhar, colar, pintar e modelar no reforço de aprendizagens ou com
conotação decorativa.
Deste modo, na busca de apresentar propostas práticas, um dos trabalhos em diálogo envolve a temática família, que
envolve, de forma mais explicita os eixos “Natureza e Sociedade” e “Identidade e autonomia”, mas que deve, de forma
integrada, perpassar por todos os eixos, na busca de um trabalho significativo e contextualizado, tendo um evento pre-
visto para o Dia Internacional da Família (15/05).
A turma do infantil 3 trabalhou a história do Pinóquio, e produziu a releitura do livro, momento no qual intervenções
foram feitas no intuito de diversificar as técnicas, ampliando a participação da criança, de modo a não limitar-se a pin-
tura de desenhos já prontos. Assim as páginas das histórias foram sendo recriadas e ilustradas pelas crianças por meio
de desenho, colagem, textura e pintura velada. Neste caso tivemos produções de releitura tendo como apoio visual e
verbal a história e as imagens do livro.
Para a apresentação foi escolhida a cantiga “Eu perdi o dó da minha viola”. Assim, dialogando sobre uma produção em
arte, que atendesse e unisse as temáticas e apoiando-se no tripé proposto por Barbosa (2002) de ler obras de arte, faz-
er arte e contextualizar, algumas ações foram pensadas. Dentre elas, inserir a valorização da fruição artística, mostran-
do que a produção tem a ver com uma realidade vivida, assimilada e projetada, mas numa linguagem adequada aos
três anos, sendo escolhida a obra “A Família” (1925) de Tarsila do Amaral.
Poderíamos assim recontar a história de Pinóquio, e na roda de conversa perguntar para as crianças se a família
daquele personagem era pequena ou grande, a quantidade de membros, estabelecendo assim um conceito matemático
que ajudaria na apreciação da obra de Tarsila, que apresenta uma família numerosa e com bichos de estimação. A próx-
ima etapa da conversa poderia contextualizar para a vida das crianças, pedindo para cada um mostrar, por exemplo,
com os dedinhos, quantas pessoas moram com elas, permitindo a percepção de que algumas crianças usaram poucos
dedinhos, enquanto para outras apenas os dedos de uma mão não são suficientes. Iniciando-se assim um diálogo sobre
a quantidade de pessoas e a história daquelas famílias.
Em seguida a apresentação da obra de Tarsila, buscando a comparação com a história de Pinóquio, já que o referencial
de quantidade seria o mesmo para todas as crianças, observando os diferentes personagens daquela obra, quantidade
de pessoas, quantidade de crianças, quantas com cabelos compridos, quantos animais, aguçando assim o olhar inves-
tigativo sobre a obra, bem como sua verbalização. Contextualizando também um pouco sobre a vida de Tarsila, pode-
se dizer, por exemplo, que passou sua infância numa fazenda distante de nós, em São Paulo, que para chegarmos lá,
gastaríamos um dia inteiro viajando, e que o quadro foi pintado quando ele já tinha quase 40 anos. Além de perguntar
o que eles acharam do quadro, incentivando que eles expressem sua opinião (AMARAL, 2013).
Partindo para a etapa de produção, duas sugestões: na primeira, retomar a conversa da quantidade de pessoas que
moram na casa com a criança, e com o uso de tinta guache carimbar os dedos em uma folha, de modo a representar o
corpo de cada personagem daquela família, ou seja, transformando cada carimbo de seu dedinho em uma pessoa, para
em seguida, com uso de canetinha ou lápis acrescentar os detalhes, além de braços e pernas, óculos, cabelos longos,
curtos ou barba, sendo incentivada ao máximo de detalhes. A segunda produção poderia ser usada como adereço na
apresentação da dança, com o tema “Sua presença toca meu coração” cada criança recebe um suporte de cartolina col-
orida recordada em formato de violão e é convidada a desenhar sua família, sendo disponibilizados diferentes materi-
ais para que a criança faça sua escolha. Colocando um elástico no braço do violão, ele poderia tornar-se uma espécie
de gravata e ser utilizada no momento da apresentação.
Considerando que concomitantes ao trabalho de apreciação e produção visual aconteceriam os ensaios da dança
para a apresentação, esta proposta poderia constituir-se como uma sequência didática de no mínimo uma semana de
duração e que contempla todos os eixos. Evidenciando um fazer que conforme defende Richter (apud Barbosa, 2002, p.
86) “(...) não se trata de tomar as outras disciplinas e integrá-las às artes, nem colocar a Arte a serviço das outras disci-
plinas”, mas de um planejamento integrado.
Para o infantil 4, a proposta sofreria poucas alterações, lembrando que apesar de algumas atividades serem as mesmas,

319
os resultados sempre serão diferentes, já que sobre elas interferem a idade, a capacidade representativa e imaginati-
va da criança, sua história de vida, entre outros. Vale destacar ainda que a história em questão seria a dos Cachinhos
Dourados e a apresentação um jogral e um coral com parte da música “Como é grande o meu amor por você” de Rober-
to Carlos
Considerando-se então que a apreciação da obra “A Família” de Tarsila, para o exercício da ampliação do olhar: olhar a
quantidade de pessoas, suas características, a presença de animais, de crianças de diferentes idades. E o jogral “O que é
família? É presença que traz segurança. É carinho que dá proteção. É perdão que gera confiança. É amor que faz união”.
A produção dos dedinhos poderia permanecer e propõe-se para a segunda produção um suporte um pouco menor, em
formato de casa, no quadrado o espaço para o desenho da criança, a representação de sua família, no telhado a frase
do jogral.
Para o infantil 5, além das alterações devido ao livro, que seria “Adivinha o quanto te amo” de Sam Mc Bratney e da
cantiga da apresentação que seria “A linda rosa juvenil”, poderíamos propor três produções. A primeira permanece a
dos dedinhos, uma produção individual na qual cada aluno busca representar sua família. Na segunda, vem significar
o trabalho de produção uma releitura coletiva, deste modo, após dialogar sobre a temática, apreciar a obra de Tarsila,
viria a produção com recortes de revista. Neste momento é importante a participação de todos não apenas no recorte
e colagem, como também na definição da quantidade de pessoas que aparecerão na obra, se vai ter animais de esti-
mação, e quantos, as características das pessoas, incentivando com naturalidade as diferenças, já que nem sempre os
membros são tão parecidos como representados na obra da artista.
Deste modo, a terceira produção do infantil 5, com o tema “O amor é como uma flor”, poderia ser um suporte quadrado,
que utilizando a técnica da dobradura se transformaria em uma flor. Evidenciando uma prática comum, o de se fazer
lembrancinhas, mas não um fazer por fazer, e sim um fazer contextualizado, pensado, com participação ativa das cri-
anças, que colocariam em ação seu potencial criativo e representativo.
Entende-se que o problema não estar em elaborar cartazes ou lembrancinhas, desde é claro que sejam pensados
modos de ter o máximo de participação das crianças, o problema está em pensar que o trabalho de arte se limita na
produção, negligenciando muitas vezes a apreciação e a formação do gosto estético.

Considerações Finais
Torna-se urgente a percepção de que a arte não é uma ação descompromissada e individual e que um de seus papéis
na escola é resgatar o desejo de fazer, a sensibilidade de ser, de agir, de optar, de enxergar-se como agente transforma-
dor e em transformação. Um processo que se inicia desde o nascimento, já que a sensação e a percepção são os pri-
meiros canais de comunicação que a criança com o mundo.
Faz-se necessário romper com as práticas tradicionais, superando a visão de cópias de um lado, ou da livre expressão
no outro extremo não é tarefa fácil, requer tempo de planejamento e reflexão, na elaboração de estratégias educati-
vas que respeitem o direito de brincar e ampliando os espaços de construção, por meio de uma proposta integrada e
significativa.
Precisamos retomar urgente na escola praticas educativas que propiciem ao aluno suas aptidões, sua capacidade de
interrogar, de procurar respostas, de descobrir, de perceber-se capaz. Reaproximando o aprendizado das experiências,
que considere as inúmeras formas de captação que o aluno estabelece com seu entorno, com sua própria vida.
É chegada a hora de extrapolar o uso da linguagem verbal, seja ela oral ou escrita, e apropriar-se das diferentes lin-
guagens para explorar os diferentes canais de comunicação que as crianças estabelecem com o mundo, em prol de um
ensino mais significativo e de qualidade, que não negligencie a apreciação e a formação do gosto estético.
A experiência relatada pode parecer algo simples para um professor com formação em arte, mas impõe-se atualmente
como um desafio aos professores que atuam como regentes das diferentes áreas ou eixos. Mas um desafio possível e
com resultados encantadores, quando o professor se lança ao movimento do aprender.

320
Referências
AMARAL. Tarsila do Amaral: pintura brasileira. E-biografias. http://www.e-biografias.net/tarsila_amaral/. 2013.
BARBOSA, A. M. T. B. História da arte-educação: a experiência de Brasília. São Paulo: Max Limonad, 1986.
___. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.
DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 1994.
FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Guanabara S.A, 1987.
FOERTE, G. M. S. Arte-educação: pressupostos teórico-metodológicos na obra de Ana Mae Barbosa. 223f. Tese (Mestrado
em Educação Escolar Brasileira) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, 1996.
KENSKI, Vânia Moreira. O ensino e os recursos didáticos em uma sociedade cheia de tecnologia. In: VEIGA, I. P. A. Didáti-
ca: o ensino e suas relações. Campinas, SP: Papirus, 1996.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2003.
PCN. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 2001.
PPEI. Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Município de Vila Velha. Caderno 1. Orientações Curriculares. Vila
Velha (ES): Secretaria Municipal de Educação, 2012.
RCNEI. Referencial curricular nacional para a educação infantil. 3v. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto /
Secretaria de Educação Fundamental, 1998.
SANTOS, Santa Marli Pires dos. A Ludicidade como Ciência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

Sandra Regina do Amaral


Doutora em Ciências da Educação (2010). Mestre em Ciências da Educação (2009). Especialista em PROEJA (2014),
Educação Especial Inclusiva (2008) e Psicopedagogia (2003). Graduada em Artes Visuais (2005), Artes Plásticas (2003) e
Pedagogia (2001). http://lattes.cnpq.br/9317278536379864.

321
mesas de
grupos de
pesquisa

322
A COLEÇÃO DE ARTE DA UFES: VISIBILIDADES POSSÍVEIS.
Moema Martins Rebouças (UFES)
Maria Gorete Dadalto Gonçalves (UFES)
GEPEL-CNPq

RESUMO
Este artigo relata a integração de dois projetos, um de extensão e outro de pesquisa que tomam como
corpus a Coleção de Arte pertencente à Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) com um objetivo em
comum, o de reconstituir a formação dessa coleção e promover a visibilidade dela. Considera a interseção da
pesquisa com a extensão e defende a articulação entre os dois projetos. Elege como instrumentos de coleta:
conversas com os protagonistas participantes dessa coleção e documentos em arquivos. Como um dos
produtos da investigação produz três documentários que vão integrar a mídia digital do segundo volume do
projeto de extensão Museu Aberto destinado às escolas de educação básica.
Palavras-Chave: pesquisa e extensão em Arte; coleção de arte; memória.

ABSTRACT
This article reports on the integration of two projects, one long and the other research that take as corpus
collection of art belonging to the Federal University of Espirito Santo-UFES with one goal in common, to
reconstruct the formation of this collection and promote the visibility of it. Considers the intersection of
research on the extent and defends the link between the two projects. Chooses as collection instruments:
conversations with participants protagonists in this collection and archival documents. As one of the re-
search products produced three documentaries that will integrate digital media in the second volume of the
Open Museum extension project for the elementary schools.
Keywords: research and extension in Art; art collection; memory.

Introdução
Os dois projetos dos quais este artigo é parte integrante são a pesquisa, As Interdiscursividades das obras de um acervo
como propositoras de práticas educacionais e o projeto de extensão Museu Aberto. Ambos são projetos do Grupo GEPEL1
integrado por pesquisadores de distintas formações acadêmicas, com interesse nos estudos da arte e da educação.
O Museu Aberto é um projeto iniciado em 2009 com o objetivo de aproximar e tornar visíveis ao professor, a organi-
zação e as propostas desenvolvidas em espaços expositivos (museológicos e outros como galerias de arte), tais como
a sua estrutura e funcionamento, os projetos desenvolvidos, as ações que demandam uma exposição, o trabalho do
curador, o serviço educativo, do museólogo, entre outros. Em sua primeira etapa, elegeu para estudo quatro exposições
realizadas nos anos de 2010 e 2011, sendo três no Museu de Arte Dionísio Del Santo-Museu de Arte do Espírito Santo
(MAES/ES) e uma da Galeria de Arte Espaço Universitário GAEU/UFES. A partir de depoimentos dos profissionais que
atuam nas duas instituições, e ainda com filmagens de momentos e de ações que envolveram as exposições, foram
produzidos quatro documentários que juntos, integram um material educativo em suporte de DVD.
Com o intuito de disseminar o que os documentários registraram nas instituições artístico/culturais com os profes-
sores da educação básica, foram realizadas práticas de difusão e visibilidade a partir de oficinas organizadas nos Polos
de Formação Continuada Municipais envolvendo vários municípios2 do Espírito Santo, e, ainda a doação do material à
outras instituições de formação de professores localizadas no Brasil e no exterior. Tal encaminhamento, possibilitou
integrar essas ações às atividades acadêmicas do curso de Artes Visuais-Licenciatura ofertado pela UFES nas duas mo-
dalidades presencial e a distância.
1 GEPEL (Grupo de Pesquisa de Processos Educativos da Arte) certificado pelo CNPQ, tem como objetivo a investigação em espaços formadores da arte em
suas dimensões educativas, artísticas, estéticas, culturais e comunicacionais e como neles articulam-se práticas sociais.
2 Municípios de: Alegre, Afonso Cláudio, Aracruz, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Conceição da Barra, Domingos Martins, Ecoporanga, Iúna, Itapemirim,
Linhares, Mantenópolis, Pinheiros, Santa Leopoldina, Santa Tereza, São Mateus, Venda Nova , Vila Velha e Vitória.

323
Em sua primeira etapa e até 2010, o projeto promoveu e coordenou 12 (doze) oficinas que foram ofertadas em
12(doze) municípios de distintas regiões do estado do Espírito Santo com o envolvimento direto de 250 professores.
Em 2012, com o inicio da pesquisa As Interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de práticas educa-
cionais as ações extensivas do Museu Aberto direcionaram-se, também, para a Coleção de Arte da UFES com o intuito
de apresentá-la aos professores da educação básica e, ainda, destacar a importância dela numa instituição de ensino
superior pública.
Situada dentro do Campus Universitário de Goiabeiras a Galeria de Arte Espaço Universitário - GAEU/UFES é re-
sponsável pela guarda e manutenção da coleção de arte da Universidade Federal do Espírito Santo, composta por
aproximadamente duas mil obras3. A coleção é tão extensa e representativa de um período da arte brasileira e, por
outro lado, de uma produção dos artistas formadores e formados nos cursos de artes da universidade, que atualmente
se discute a criação do Museu de Arte Contemporânea da UFES-MARCO.
As obras desta coleção não estão disponíveis em sites (para consultas e pesquisas), por este motivo o acesso a elas
é muito restrito, o que faz com que tanto a comunidade universitária quanto o público de nosso estado, e de outros
locais nacionais e estrangeiros a ignore. Como estudantes do Centro de Artes da UFES, acompanhamos o processo de
formação dessa coleção, e para nos auxiliar no inicio da investigação, tínhamos disponível um catálogo lançado em
2007, com o titulo Acervo da Galeria de Arte da UFES pela Editora da UFES. Cumprindo o papel de disseminação, e ao
mesmo tempo de testemunha, esse catálogo reúne e apresenta os 30 anos do acervo de Artes Plásticas da UFES, por
este motivo constituiu-se como um primeiro material a ser investigado.
O objetivo inicial da pesquisa foi o de estabelecer relações entre as obras da coleção, considerando que cada uma
delas comunicam a partir de diferentes estéticas, técnicas e linguagens, distintos repertórios, mas que apontam para
temas que se aproximam e dialogam. Portanto, o estudo delas nos permite compreender e apreender as distintas
visões apresentadas nelas, pois o artista é aquele que com sua criação interfere no mundo. Acreditamos que a inves-
tigação a partir das obras dessa coleção nos permite estabelecer relações de sentido, e, ao mesmo tempo, articular o
passado com o presente, num movimento de “rastrear o que se produziu antes e trazer à tona com o olhar de agora,
transformando esse diálogo num exercício constante que nos fará a todos mais conscientes de nossa própria memória
cultural”4.
Esse movimento de rastrear esse passado nos fez agregar ao projeto inicial da pesquisa, novamente o projeto de
extensão Museu Aberto. O objetivo é apresentar e problematizar a própria coleção, tornando-a mais próxima e visível
aos educadores para que eles a utilizem e se apropriem deste espaço e das obras ali “guardadas”, como também para
difundi-las com a produção de outros documentários. Assim, os documentários além de uma função de registro e, de
meio de recuperação de nossa memória cultural, é um produto da investigação que busca resgatar como e porque uma
Coleção de Arte Universitária foi criada a partir de uma galeria de arte.
O Museu Aberto ao tornar acessível esse material audiovisual a um público maior retoma a sua função de tornar visível
a história dessa coleção tendo como narradores os próprios sujeitos “inventores”, “criadores”. Estes em 1976 foram os
que a partir de um ideal, detectaram uma problemática da época do pouco acesso dos alunos a uma produção artística
nacional consistente. E, se um curso de medicina está atrelado a um hospital, conforme argumento da professora Jeru-
sa Margarida Gueiros Samú era preciso que um curso de Artes tivesse uma galeria para difundir e apresentar a pro-
dução de artistas convidados e a de seus professores e alunos. É sobre a produção desses documentários que vamos
narrar aqui.

1- Reconstituir afetos e reuni - los, de uma história a outra


Para reconstituir essa história, fomos vasculhando e recompondo pouco a pouco, a nossa própria história como estu-
dantes do curso de Artes da UFES e, participantes em seus projetos entre os quais estava a própria criação da Galeria
de Arte e Pesquisa e da Galeria Espaço Universitário, em épocas distintas e cada uma com uma destinação específica.
Como sujeitos incluídos na própria investigação já tínhamos as primeiras pistas indicadoras de quem procurar. Assim
é que coerente com a intencionalidade investigativa o referencial metodológico deveria considerar uma postura di-
alógica. Ao adotar essa posição como investigadores consideramos a nossa própria inserção, experiência e memória
como também a nossa incompletude, pois a pesquisa é sempre processual, ou seja a cada tomada de posição um outro
percurso se apresenta, pois é na interação com o outro que a investigação toma forma.
Com o objetivo de reconstituir a história dessa coleção a partir da descrição da trajetória cultural dos eventos que pro-
moveu, as noções de pertencimento e de memória são evocadas a cada momento.

3 Cf. ACERVO DA GALERIA DE ARTE ESPAÇO UNIVERSITÁRIO-EU/Galeria de Arte Espaço Universitário.Vitória: EDUFES, 2007.
4 4.http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/o-projeto/por-dentro-da-memoria, retirado em 04/06/2012.

324
Por outro lado, a interseção entre os dois projetos constituía-se um desafio, pois se de um lado os encaminhamos e
processos eram distintos, de outro interagiam em seus propósitos e metas.
O que possibilitou o assumir dessa dupla responsabilidade, de coordenar e de atuar na investigação dos dois projetos
foi a inclusão deles no grupo de pesquisa GEPEL e assim, lidarmos com os compartilhamentos exigidos dessa dupla
função.

1.1 De uma obra a outra, de um tempo a outro, de um espaço a outro...


Desde 2012 instaura-se um movimento investigativo que elege como corpus o catálogo publicado da coleção intitula-
do Acervo, e como objetivo a análise das obras a partir das interdiscursividades delas.
Propor a interdiscursividade é assumir uma dimensão dialógica analítica de pesquisa e de discursividade das obras.
Por este motivo, a fundamentação teórica-metodológica da pesquisa é a semiótica discursiva por esta considerar as
produções humanas como produções textuais, e portanto discursivas. Para a semiótica uma produção de arte tal como
uma pintura, escultura, ou um filme, um romance, um espetáculo teatral, musical ou de dança são manifestações dessa
textualidade e discursividade.
Como a intertextualidade é a incorporação de um texto, no outro, na interdiscursividade, são repetidos os mesmos
percursos temáticos e/ou figurativos pois “[...] sob um texto, ou um discurso, ressoa outro texto e outro discursos; sob a
‘voz’ de um enunciador, a de outro.” (FIORIN, 2003, p. 34). Como o discurso é social, um discurso discursa outros. Sendo
assim, se ele mantém relações com outros, porque não é concebido como fechado, mas como um lugar de trocas enun-
ciativas.
Essa postura epistemológica e metodológica nos permite:
i- considerar as inserções da Arte com outras instâncias tais como as da ciência e com outras áreas do conhecimen-
to como a comunicação, a história, a filosofia entre outras;
ii-identificar as marcas de transformações históricas, culturais e estéticas presentes nos fios interdiscursivos que se
mostram e as obras entrelaçam;
iii-transpor o tempo e o espaço, em outros tempos e espacialidades constitutivas das obras e de outras obras;
iv-considerar não somente a expressão plástica que lhes dá concretude, mas os conteúdos e as enunciações sociais;
v-considerar os diálogos estabelecidos deste acervo, com obras de outros acervos de instituições nacionais e es-
trangeiras.
Portanto, um diálogo constante e intenso com essa coleção, sem a pretensão da exaustão, nem da imposição de um
quantitativo de “fios interdiscursivos” tecidos a apresentar!
Tarefa imensa para um único pesquisador e possível, para um grupo de pesquisa.

1.2 De narrativa a narrativa, uma história é tecida


Para reconstituir a história da coleção foi necessário irmos ao encontro daquelas pessoas que protagonizaram o início
dela, para, com elas, compreender as motivações, os programas e projetos envolvidos nesse processo, bem como con-
hecer os seus destinatários.
Esse constituiu-se assim, um segundo movimento investigativo que parte dos sujeitos e de suas histórias e memórias.
Além da busca pelos sujeitos, fomos aos arquivos do Centro de Artes da UFES(CAR-UFES) para vasculhar os “guardados”,
que depois de um projeto com a biblioteconomia, e com a iniciativa de uma professora desse curso, começou a ser orga-
nizado. Há ainda muito a se fazer em termos de uma organização e gestão desse material, mas já é possível encontrarmos
em pastas, desde catálogos, a atas, regimentos e fotografias digitalizadas de eventos promovidos pelo CAR/UFES.
Um problema enorme que nos deparamos com a análise das fotografias, foi de sua catalogação, explico. Em pastas dig-
itais com arquivos nomeados como Semana de Castelo, encontramos fotos de inauguração da Galeria de Arte e Pesqui-
sa –GAP, e de exposições promovidas por ela.
Tivemos então de tomar uma posição, qual seja, somente nós, coordenadores da pesquisa, ex-alunos do CAR/UFES
que temos em nossa memória a memória dos acontecimentos é que poderíamos realizar essa busca. A estudante de
graduação que nos auxiliava, e todos os demais integrantes do grupo de pesquisa ficaram excluídos dessa etapa. Com
isso o tempo da pesquisa, também foi alterado, mas o prazer em reencontrar professores tão importantes para a nossa
formação é indescritível, por mais que esses tenham sido momentos de rupturas nas correrias aos cumprimentos de
nossas funções acadêmicas. Fazer pesquisa é tão bom, mas demanda um tempo em que driblamos os outros comprom-
issos acadêmicos, para dar conta à contento.

325
2.A interpretação das narrativas ou modos de dizer e de fazer saber?
Filmar e/ou gravar e transcrever o que foi filmado e/ou gravado é um modo de tornarmos o mais fidedigno possível o
dizer do outro. Para alguns tipos de pesquisa5, corresponde a um dos instrumentos de coleta de dados, como as entrev-
istas, e com elas podemos estabelecer o contato direto com as pessoas envolvidas no que se está a investigar. Como
em nossa investigação incluímos a intencionalidade era a de conhecer e resgatar a memória dessa coleção, a entrevis-
ta e/ou conversa era preciso para dar a voz aos envolvidos e conhecer a sua história, narrada e discursivizada por eles
mesmos.
Se pensamos no discurso como uma instância de mediação, como um lugar em que o produtor do discurso manifesta
o seu saber (seu saber fazer, ou um não saber fazer), ou seja, a sua competência discursiva, Greimas ([s/d],p.5), propõe a
inversão da problemática, pautada não mais no sujeito que fala, ou no produtor do discurso, mas na performance dis-
cursiva. Nela, o plano do exercício individual da linguagem não pode ser considerado como fixo, pois ele se relaciona
com as práticas discursivas que ocorrem nas interações, e é no plano social que elas se modificam e se transformam.
Sendo assim, o sujeito do discurso, ao realizar a sua performance, torna-se um outro ao interagir com algo ou alguém;
é, portanto, um sujeito em construção permanente.
Desse modo, em cada interação entre sujeitos, seja numa entrevista para uma investigação, ou até mesmo para um jor-
nalista, estão depositadas as formas pressupostas do discurso que se manifestam incompletas e inacabadamente, por
serem processuais. Portanto, o que nos interessa, sobretudo em investigações que envolvem pessoas e suas experiên-
cias, é, com elas, como investigadora, ter a possibilidade de reconstituir as suas histórias não unicamente sobre o ponto
de vista de seus aspectos factuais, mas sobretudo considerando também outras dimensões, como as formas com que
elas apresentam esses aspectos factuais e nos fazem-saber deles.
Ao adotar essa fundamentação na análise dos encontros com as professoras e com a coordenadora, consideramos o
dito e o modo de dizer como o único meio de nos aproximarmos delas. Assim, é o discurso, como lugar da construção
do sujeito, a nossa principal fonte de conhecimento sobre ele, e sobre o que ele nos faz-saber de si mesmo e de sua
experiência.
Com isso, a relação estabelecida entre o investigador e o investigado é tênue e pautada em proximidades compartilha-
mentos que possam ocorrer. Assim, mesmo que tenhamos um roteiro prévio e objetivos investigativos nos motivando,
o diálogo estabelecido não é unilateral. Pressupõe, antes, uma escuta que poderá intervir para saber mais sobre as di-
versas experiências vividas, que, recontadas, podem misturar o profissional ao pessoal, e o realizado ao desejado. Desse
modo, é possível que a linha tênue existente entre passado e presente se desfaça, pois, enquanto narram, é a partir do
aqui e agora que o fazem; é a partir do presente que se retoma o que se viveu, o seu passado e os acontecimentos. Di-
ante de fatos e experiências, algumas pontuais, outras que são resgatadas aos poucos e se presentificam nessa conver-
sa e a partir dela, a escuta não é mais unicamente a do investigador, mas a dos sujeitos em interação e em construção
nesse processo.

3.Uma estrutura, um roteiro para nos guiar nas filmagens


Iniciamos a etapa das filmagens em fins de 2012, primeiro com a atual Coordenadora de Artes Plásticas da Super-
intendência de Cultura e Comunicação da UFES, Neuza Mendes. Ela já havia assumido essa função de 1980 a 2002,
tendo retornado exatamente no ano de 2011.
Nas filmagens, além de nós, estavam ainda a nossa monitora, aluna da graduação do curso de Artes Visuais-Licencia-
tura a Grasiele Frank da Silva, e as doutorandas Letícia Nassar Matos Mesquita e Flávia Menegalli Ribeiro Setúbal. O
local escolhido foi a secretaria da GAEU/UFES e, embora a conversa tenha fluido naturalmente, como ocorre em en-
contros quando revivemos o passado, tivemos problemas técnicos operacionais de várias dimensões, desde ruídos do
próprio ambiente à própria captação de nossos equipamentos.
Contudo, essa primeira filmagem foi fundamental para compreendermos que necessitávamos não só de melhorar as
questões técnicas, como estruturar, previamente, os eixos norteadores das conversas filmadas em conformidade com os
objetivos da investigação.
Com essa tomada de posição, em dezembro de 2012, conseguimos agendar e reunir para uma filmagem duas profes-
soras que protagonizaram o início dessa coleção de arte da instituição, para, com elas, compreender as motivações, os
programas e projetos envolvidos nesse processo, bem como os seus destinatários. São as Professoras Jerusa Margarida
Gueiros Samú e Teresa Norma Borges de Oliveira Tommasi, que foram, respectivamente, a que iniciou e a terceira dire-
tora/coordenadora da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES e, do setor de galerias da UFES, como explicaremos adiante.

5 Pesquisas qualitativas utilizam as entrevistas, que podem ser estruturadas ou semiestruturadas.

326
A partir desse encontro, foi possível nos informarmos sobre mais três catálogos publicados nos anos de 1979, 1982 e
1983 contendo a relação e reprodução das peças inventariadas que iniciaram essa coleção.
No decorrer da investigação, tanto nas análises dos documentos no arquivo do CAR/UFES, como nas narrativas das
duas professoras reconstituímos a cronologia da GAP/UFES que assim se configura: de 1976 a 1984-Professora Jerusa
Margarida Gueiros Samú, em 1978 com a necessidade da UFES abrigar o III Salão Nacional Universitário, foi criado um
espaço expositivo que depois foi definitivamente incorporado à instituição como a GAEU/UFES. Como consequência, foi
necessário um coordenador de setor de galerias da UFES. Quem assumiu essa função de 1984 a 1986, foi o Professor
Ronaldo Barbosa; de 1986 a 1988, Professora Teresa Norma Borges de Oliveira Tommasi, a partir de 1989 a Profes-
sora Simone Guimarães e de 1989 a 1992 o Professor José Carlos Villar. Todos os professores citados pertenceram ao
quadro de servidores do CAR/UFES.
Como o nosso interesse estava em reconstituir a memória dessa coleção e tanto pelo qualitativo e quantitativo de
obras apresentadas nos catálogos de 1979, 1982 e 1983, quanto por lembrarmos de realização de projetos como o
Projeto Brasil/Tendências, entre a UFES e a FUNARTE, é que optamos por um recorte temporal que abrangeu inicial-
mente os anos de 1976 a 1988, enfatizando as ações e projetos em prol da formação da coleção das duas coorde-
nações citadas acima.
Para o encontro e filmagem com as duas professoras, e em conformidade com os objetivos da investigação organiza-
mos a nossa conversa tendo como eixo os quatro temas apresentados a seguir:
a. Conhecer o contexto de criação da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES, a sua estrutura, seus objetivos, para,
então, compreender a sua função/missão a partir do envolvimento das professoras como primeiras diretoras e ini-
ciadoras da coleção;
b. Compreender como foi formada a coleção e o acervo (política, inventário, catalogação, conservação) e como se
deu a apropriação dessa coleção pela UFES;
c. Conhecer os destinatários dos projetos e programas da GAP/UFES para compreender a sua função como promo-
tora da arte e do seu ensino;
d. Conhecer as articulações tecidas pela GAP/UFES em seus programas e projetos e compreender como eram esta-
belecidas as parcerias dentro (núcleos, cursos) e fora da universidade.
Tendo como fio condutor as narrativas das duas professoras/coordenadoras, incluímos duas protagonistas que têm
obras na coleção, na ocasião de sua constituição. A atualmente professora e, no período investigado aluna do CAR/
UFES, Nelma Pezzin e a professora atualmente aposentada do CAR/UFES Maria Helena Lindemberg.
As informações que emergiram dessas conversas e das consultas aos documentos, tais como os catálogos da Galeria
de Arte e Pesquisa da UFES, normas de funcionamento, inventário de acervo de 1984 a 1988, catálogos e fotografias
de alguns eventos e exposições promovidos, nos colocou diante de um impasse e uma constatação: a de ausência de
pesquisas e publicações que relatem e reconstituam essa nossa história, e principalmente a formação dessa coleção a
partir de seus protagonistas.
A constatação dessa falta nos animou a continuar a investigação e a ampliar o período investigado. Desse modo, e
mesmo que provisoriamente, até o momento, decidimos por produzir três documentários com participações e recortes
temporários distintos e com uma estrutura que inclui, além dos gestores dos espaços, pelo menos dois protagonistas
que possuem obras na coleção, sendo um deles aluno e outro professor do CAR/UFES.
A partir da triangulação de narrativas é possível, reconstituir os acontecimentos a partir dos envolvimentos, partici-
pações e perspectivas diversas e singulares dos sujeitos incluídos nos próprios eventos.
Além dos quatro eixos temáticos, a depender do pesquisado, no papel de protagonista das ações, e de destinatários
delas, nos interessa a compreensão e os sentidos advindos dessas participações a partir dessas inclusões como ge-
stores, professores, alunos e/ou artistas partícipes de uma coleção universitária de arte.
Outra consideração importante é a que tange ao limite que damos a uma investigação dessa natureza, em que se con-
sidera a processualidade investigativa, e com ela uma demanda para outras ações e etapas a serem realizadas.
Um problema que nós pesquisadores tivemos de lidar é com o tempo, e com os recursos humanos e financeiros que
dispúnhamos para uma investigação que integra um outro projeto, o de extensão. É de nosso interesse a produção do
DVD, para dar visibilidade às ações empreendidas pela pesquisa e, disponibilizá-las à um público maior da sociedade.
Para dirimir esse problema, é importante que se tenha clareza quanto aos objetivos, pois um bom recorte é sempre
um bom termômetro a nos guiar e, nos ajudar a resistir às tentações. Por outro lado, o projeto inicial da pesquisa As
Interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de práticas educacionais, aprovado pelo Cnpq, não previa a
integração com o projeto de extensão, e essa foi uma “tentação”, que felizmente não resistimos a infringir.

327
Para sintetizar, apresentaremos a seguir o recorte temporal, os protagonistas dos três documentários e os seus respec-
tivos papéis em relação ao CAR/UFES6.
1-o primeiro período inclui os anos de 1976 a 1988; participam como gestoras as Professoras Jerusa Margarida
Gueiros Samú e Teresa Norma Borges de Oliveira Tommasi, e a aluna Nelma Pezzin (desde a década de 80 professo-
ra do CAR/UFES), e a Professora Maria Helena Lindemberg.
2-o segundo período é de 2002 a 2011, participa como Secretária de Cultura da UFES e também coordenadora da
GAEU/UFES a Professora Rosana Paste; o Professor César Cola do Centro de Educação da UFES, cujas obras integram
a coleção desde quando aluno do CAR/UFES e o artista e aluno Marcelo Gandini;
3-o terceiro período de 1980 a 2002, e de 2001 a atualidade, engloba a gestão da servidora técnica administrativa
Neusa Mendes e as narrativas a serem filmadas dos Professores e Coordenadores do Setor de Restauração da UFES
Gilca Flores e Atílio Colnago.

4. Do espaço fechado de uma reserva técnica às salas de aula


Com o subtítulo acima, resumimos em uma frase o propósito da produção dos documentários, embora outros propósit-
os tão valiosos como esse estejam contemplados nesses dois projetos que coordenamos e que aqui apresentamos.
Uma questão sempre nos inquietou, a quem são destinadas as coleções universitárias? Percebe-se que a Coleção de
Arte da UFES está restrita somente àqueles que sabem de sua existência, e de algum modo acompanharam o processo
e participaram na formação dessa coleção.
Com os documentários, além de resgatarmos essa memória a partir dos próprios protagonistas, foi possível reconsti-
tuirmos o contexto de criação, a estrutura que possuiu e que possui, a função e missão conforme cada gestor a com-
preende. Foi possível também acompanhar os passos e as dificuldades para a realização de um inventário, catalogação
e conservação. A partir dessas ações compreender se há uma política institucional que garanta a todos uma gestão
colegiada para esse espaço. E, também conhecer os destinatários dos projetos e programas gerados por essa coleção e,
se ela cumpre uma função de promotora da arte e do seu ensino.
Acreditamos, e defendemos que somente com ações articuladas entre os vários sectores da universidade é possível
vencer os obstáculos que os gestores enfrentam para gerir coleções em instituições públicas de ensino no Brasil.
Contudo, os problemas em relação à falta de recursos financeiros e de pessoal, bem como de visibilidade e autonomia
são apontados por Lourenço (2005) como um dos entraves que também envolvem as coleções universitárias europeias.
Almeida (2001, p.18), no estudo que envolveu museus e coleções universitários brasileiros, acrescenta aos problemas já
citados por Lourenço (2005) a ausência de espaço físico adequado, a ausência de um corpo de pesquisadores das áreas
abrangidas pelas coleções e de cursos relacionados com as coleções. Dessa forma, é importante as articulações desses
espaços nas instituições, não somente junto aos Centros de Ensino, mas aos núcleos, à pós-graduação e laboratórios.
As coleções universitárias, mesmo que tenham sido intencionalmente iniciadas como coleções de ensino e para o
ensino, são, conforme aponta Lourenço (2005), evidências materiais da história e do conhecimento passado, presente e
futuro. Constituem-se, portanto, como depositários de saberes, tradições e valores partilhados e construídos conjunta-
mente pelos membros da comunidade universitária (aos quais pertencem) e possuem, portanto, como propósito, atingir
a comunidade em sua totalidade. Não é essa, afinal, a responsabilidade e a missão das instituições públicas?

REFERÊNCIAS
ACERVO 1979. 1ª Exposição do Acervo da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES- Centro de Artes. Capela Santa Luzia.
Vitória-ES. Diretora: Jerusa Gueiros Samú, 1979.
ACERVO 1982. 2ª Exposição do Acervo da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES- Centro de Artes. Capela Santa Luzia.
Vitória-ES. Diretora: Jerusa Gueiros Samú, 1982.
ACERVO 1983. 3ª Exposição do Acervo da Galeria de Arte e Pesquisa da UFES- Centro de Artes. Capela Santa Luzia.
Vitória-ES. Diretora: Jerusa Gueiros Samú, 1983.
ACERVO DA GALERIA DE ARTE ESPAÇO UNIVERSITÁRIO-EU/Galeria de Arte Espaço Universitário. Vitória: EDUFES, 2007.
ALMEIDA, A.M. Museus e coleções universitários: Por que Museus de Arte na Universidade de São Paulo? São Paulo: Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Tese de Doutorado, 2001.

6 Todos os citados abaixo, com exceção da Professora Gilca Flores possuem obras na coleção.

328
FIORIN, J.L. “Polifonia textual e discursiva”. In: Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade: em torno de Bakthin. BARROS, D. L. P.;
FIORIN, J. L. (Org.). São Paulo: Edusp, 2003.
FUNARTE, http://www.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/o-projeto/por-dentro-da-memoria, retirado em
04/06/2012.
GREIMAS, A.( Semiótica e Ciências Sociais. Trad. Álvaro Lorencini e Sandra Nitrini. São Paulo: Editora Cultrix, s/d.
LOURENÇO, M. C. Between two worlds: the distinct nature and
contemporary significance of university museums and collections in Europe. PhD dissertation, Conserva-
toire National des Arts et Métiers, 2005.

Moema Martins Rebouças


Professora da Universidade Federal do Espírito Santo. Licenciada em Desenho e Plástica, com Mestrado em Educação e
doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. É pesquisadora do CNPq, líder do Grupo de Pesquisa de Proces-
sos Educativos da Arte-GEPEL da UFES e membro do Centro de Pesquisas Sociossemióticas (CPS/PUC/SP) e da Asso-
ciação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP.

Maria Gorete Dadalto Gonçalves


Professora da Universidade Federal do Espírito Santo. Graduada em Artes Plásticas pela UFES, com mestrado em Multi-
meios pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos da Arte-GEPEL. Coordena o
Curso de Licenciatura em Artes Visuais na modalidade EAD desde 2008.

329
marcas de um tempo: Entre paisagens, cidades,
publicidade e consumo
Flávia Mayer dos Santos Souza (UFES/UVV)
Maria Nazareth Bis Pirola (UFES/UVV)
GEPEL-CNPq

Resumo
Integra o projeto de pesquisa “As interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de práticas
educacionais”, que tem como objeto de análise as obras de arte da
Coleção de Arte da Universidade Federal do Espírito Santo que estão na Galeria de Arte Espaço Universitário
– GAEU/UFES. Intenciona investigar como a arte coloca em circulação os valores da sociedade relacionados
à mídia, à publicidade e ao consumo, e nesse contexto, quais são os discursos elaborados. A partir do refer-
encial teórico e metodológico da semiótica greimasiana, propõe um ir e vir interdiscursivo, de um acervo
a outro e das obras de arte com a cidade com as obras de Lasar Segall e João Calixto e foto da paisagem
urbana de Vitória/ES.
Palavras-chave: Arte. Cidade. Consumo. Publicidade. Semiótica.

Abstract
Part of the research project “The interdiscursividades the works of a collection as educational practices propositoras”,
whose object of analysis the collection of the works of art from the Universidade Federal do Espírito Santo that are in
Galeria de Arte Espaço Universitário - GAEU / UFES. Intends to investigate the art puts into circulation of the me-
dia-related society values, advertising and consumption, and in this context, what are the elaborate speeches. From
the theoretical and methodological framework of greimasian semiotics, proposed a coming and going interdiscursive
of a collection to another and works of art with the city with the art of Lasar Segall and John Calixto and a photo of
Vitória/ES.
Keywords: Art. City. Consumption. Advertising. Semiotics.

Introdução
Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “As interdiscursividades das obras de um acervo como propositoras de
práticas educacionais”, que tem como objeto de análise as obras de arte do acervo da Universidade Federal do Espírito
Santo que estão na Galeria de Arte Espaço Universitário – GAEU/UFES, num período que compreende 30 anos, de 1976
a 2006. As obras estão reunidas num catálogo impresso (Acervo, 2007), com vários artistas e linguagens diferentes:
gravuras, desenhos, pintura, escultura, fotografia.
A proposta macro do projeto é dar visibilidade às obras do acervo, estabelecendo aproximação destas com a comu-
nidade acadêmica e, também, com outros espaços e saberes. Nesse sentido, privilegiamos os caminhos cruzados dos
campos da publicidade e da educação que nos levaram a investigar: como a arte coloca em circulação os valores da
sociedade relacionados à mídia, à publicidade e ao consumo? E nesse contexto, quais são os discursos elaborados?
Como corpus para as análises, escolhemos dois artistas, cujas obras abordaram, de forma temática e figurativa, as
cidades, a publicidade e o consumo. O ponto de partida foi a obra que integra o acervo do GAEU intitulada “Paisagem”.
Dela, seguimos para a “Paisagem brasileira”, tendo como fio condutor, portanto, o universo sobre o qual debruçam: a
paisagem. Para complementar este diálogo, analisamos a presença da publicidade na paisagem urbana de Vitória/ES,
na atualidade. A partir do referencial teórico e metodológico da semiótica greimasiana, teremos um ir e vir interdis-
cursivo, de um acervo a outro e das obras de arte com a cidade com: Lasar Segall – “Paisagem brasileira” – 1925 – óleo
sobre tela (acervo do Museu Lasar Segall); João Calixto – “Paisagem” – 1976 – óleo sobre tela (acervo do GAEU) e foto
da paisagem urbana de Vitória/ES – 2012.

330
Paisagens e interdiscursos
A noção de paisagem constituiu o fio condutor inicial que nos levou a essa trama, formada por duas obras de arte –
“Paisagem”, “Paisagem brasileira” – e por uma fotografia da cidade de Vitória (Figuras1, 3 e 6).
Segundo Houaiss e Villar (2009, p. 1413), o termo paisagem corresponde à
1 extensão de território que o olhar alcança num lance; vista, panorama [...] 2 conjunto de componentes
naturais ou não de um espaço externo que pode ser apreendido pelo olhar 3 espaço geográfico de um
determinado tipo <p. costeira> <p. campestre> 4 pintura, desenho, gravura, etc. em que o tema principal é a
representação de formas naturais, de lugares campestres [...].
De acordo com o Dicionário brasileiro de língua portuguesa (1995, p. 1262), entende-se por paisagem a “1. Extensão de
território que se abrange num lance de vista. 2. Desenho, quadro que representa um lugar campestre. 3. Trecho literário
de assunto campestre”.
É recorrente, portanto, a compreensão de que o movimento do olhar conduz, então, a paisagens e de que as obras que
abordam essa temática acabam por serem assim denominadas. O que nos inquietou foi a característica ou recorte
da paisagem que integra as obras de arte que escolhemos para análise, pois, conforme apontado por Houaiss e Villar
(2009), a temática central é a natureza, o cenário campestre como se somente designassem determinados e específicos
períodos da pintura a exemplo do realismo, como em François Millet (1874-75) e Gustave Coubert (1819-77), ou os
impressionistas que exaltavam a pintura realizada ao ar livre, fora dos ateliers.
Somente em Ferreira (1999, p. 1474), encontramos certa flexibilidade no cenário que integra a paisagem, “2. Pintura,
gravura ou desenho que representa uma paisagem natural ou urbana [...]”.
As obras de Segall e Calixto, embora situadas em momentos diferentes, já que há um intervalo de 48 anos entre am-
bas, tocam outra temática, o urbano e revelam o deslocamento em relação ao campestre. A trama estava sendo tecida
a nossa frente. Vários fios aproximavam os objetos selecionados e, para nos aventurarmos por esse emaranhado, busca-
mos as noções de interdiscurso e de intertexto.
Para Fiorin (2011, p. 30), “o texto é unidade de manifestação”, é lugar onde os diferentes níveis do percurso gerativo de
sentido, postulados pela semiótica greimasiana, “se manifestam e se dão a ler. [...] É o lugar da relação entre imanência
e manifestação”.
Como nosso estudo visa estabelecer relações interdiscursivas entre duas pinturas e uma fotografia de épocas difer-
entes, temos que a noção de interdiscursividade convoca um “processo em que se incorporam percursos temáticos e/ou
figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro” (FIORIN, 2011, p. 32). Já a intertextualidade “é a incorporação
de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo” (FIORIN, 2011, p. 30).
Dessas noções, podemos dizer que a intertextualidade implica o interdiscurso, mas nem todo interdiscurso implica o
intertexto. Sendo o enunciado da ordem do sentido e o texto da ordem da manifestação, temos que a interdiscursivi-
dade constitui-se nas relações discursivas e dialógicas entre os enunciados. Já na intertextualidade, apesar de também
se constituir nas relações discursivas, é preciso que, nos textos comparados, haja recorrências de materialidades, tais
como: estilos, jargões, variantes lingüísticas. Como exemplo, podemos dizer que o discurso da fome pode estar pre-
sente em dois textos diferentes, sem que, com isso, haja recorrência de materialidades, ou seja, intertexto. Por outro
lado, tomando como exemplo a tela Monalisa como texto base, podemos dizer que as novas montagens que se fazem
desta obra mundo à fora são variantes intertextuais.

A Semiótica plástica e o percurso pelas paisagens


Para a semiótica, uma pintura é um texto dotado de um sistema de articulação sintática específico, a plasticidade. Esta
articula elementos significantes do plano de expressão, que são reconhecidos como categorias topológicas, cromáti-
cas, eidéticas e matéricas. A dimensão cromática apresenta possibilidades de relações entre as cores tanto por suas
variações (primárias, secundárias, terciárias), como pelos contrastes estabelecidos (claro vs escuro), bem como tonali-
dades e saturação. Já a dimensão eidética convoca formas que podem ser retas vs curvas, retilíneas vs arredondadas,
horizontais vs verticais, dentre outras combinações em que possam articular no texto plástico. A distribuição das for-
mas no espaço convoca a dimensão topológica, que pode dispor os elementos das categorias anteriores em espaços
como alto ou baixo, direito ou esquerdo, central ou periférico. A dimensão matérica depende do tipo de objeto analisa-
do, sendo que, numa pintura, podemos exemplificar como a espessura das pinceladas e os tipos de materiais apropria-
dos e utilizados pelo pintor na superfície pictórica, como o uso da areia agregada à tinta em algumas pinturas de Lasar
Segall.

331
Entretanto, para a semiótica, as categorias plásticas do plano de expressão devem ser analisadas em sua correlação
com o plano de conteúdo. Cabe ao semioticista analisar as relações entre os dois planos, ou seja, uma análise
semi-simbólica, que homologa as categorias do significante e do significado.
Conforme argumenta Rebouças (2003, p. 13), “os textos artísticos, em nosso caso a pintura, são organizados para desen-
cadear efeitos diversos que constroem o mundo, sentimentos e sensações, uma construção que os presentifica”.
A partir desse referencial, percorremos, então, as paisagens selecionadas.

Paisagem brasileira – Lasar Segall

Figura 1. Lasar Segall. Paisagem Brasileira, 1925. Óleo sobre tela, 64 x 54 cm. São Paulo, Museu Lasar Segall (acesso em 02 set. 2013)

Esta obra de Segall (Fig. 1) é um óleo sobre tela com formato 64 x 54 cm, na direção vertical. Datada de 1925, foi elab-
orada quando o pintor, de origem lituana, tinha se mudado para terras brasileiras. As figuras nela presentes – de um
morro com moradias, construções, árvores, flores, duas mulheres, dois animais, escadas, nuvem, lua – evocam a temática
da ocupação dos morros, espaço destinado a quem está a margem e, no lance de olhar de Segall, torna-se centro.

A dimensão eidética
A forma da obra de Segall constitui um ponto de partida para discutir a dimensão eidética. Traz um retângulo com ori-
entação vertical, de maneira que o morro é algo que se projeta, se agiganta pela frente, diante do olhar.
Predominam, na obra, as formas retangulares, presentes nas construções. O retilíneo das verticais acaba por contor-
nar quadrantes que, à primeira vista, recortam a obra em alguns conjuntos, peças de um quebra-cabeças já montado,
porém com bordas que demarcam os encaixes, ou de um mosaico, em que as peças coladas expõem seus contornos.
As moradias destacam-se, também, pelo volume, posto que as faces laterais estão em posição oblíqua, considerando
como parâmetro o plano frontal. Tem-se, então, sólidos geométricos, cada qual com uma posição, ora frontal, ora lateral,
ora revelando mais as arestas, o que nos leva a entender que a maneira de ocupação do morro é desordenada.
A combinação retângulo – volume constrói o conteúdo da simplicidade e da dureza das moradias do morro, da favela.
Convivem com as formas retangulares, as arredondadas, encontradas em árvores e plantas, na lua, na nuvem, nos con-
tornos do morro, dos sujeitos e dos animais. Pode-se afirmar, então, que as formas opõem as construções ao mundo
dos animais, pessoas, plantas. Ainda no que se refere ao arredondado, pode-se dizer que ele traz a ideia de movimento,
de expansão, a possibilidade de reinvenção em meio a dureza de quem vive no ambiente da exclusão.

332
A dimensão topológica
Predominam, na especialidade da tela, construções, moradias precárias, o retilíneo. Nela estão espalhados algumas ár-
vores e plantas, que trazem, então, o curvilíneo. Apenas em cerca de 1/5 da obra, situado na parte superior, tem-se com
mais presença as formas arredondadas.
Considerando a relação alto vs baixo, no canto inferior, do centro para a esquerda, há duas figuras femininas e dois
animais. Mulheres que destoam um pouco, em meio à composição, em função dos seus tamanhos bem maiores se com-
parados com a construção que está logo atrás delas, de maneira que há uma distorção no que tange à escala. Demar-
ca-se, assim, que elas ocupam o primeiro plano.
Ainda no que tange à presença feminina, os rostos não são revelados, não há olhos, boca, nariz, de maneira que não são
identificados como alguém em particular e, sem olhos, não podem ver, o que reforça a exclusão. Será que, com isso, o
pintor insere o enunciatário na obra como alguém que exclui? Como quem habita a cidade, o centro, e não vê a mar-
gem?

A dimensão cromática
Quanto ao cromático, nas moradias predominam o marrom, o alaranjado e o rosado, da terra e do barro, o amarelo, o
verde acinzentado e o esbranquiçado/bege. No restante da obra, encontramos o verde, o azul e o branco.
Parte da obra encontra-se sob efeito especial de uma luminosidade, à primeira vista, decorrente da lua cheia, que im-
pacta, sobretudo, as moradias mais esbranquiçadas e as amarelas. No plano de conteúdo, tais cores trazem o brilho, a
vivacidade da vida na favela.
Já o verde remete à natureza, que é comprimida, posto que as árvores se estendem na vertical com copas finas. Tem-se,
então, uma paisagem de um ambiente em urbanização, invadido por moradias que avançam sobre o verde.
Também o verde junto ao azul e ao branco conferem serenidade ao ambiente, em oposição ao que se pensa, muitas
vezes, do que seria a vida na favela. Há, portanto, uma face em evidência na obra de Segall, a da vivacidade, da alegria
e da serenidade da vida na favela.
Quem habita esse ambiente são pessoas de pele parda e morena que, na obra de Segall, em função do cromático, se
confundem com o ambiente das moradias marrons e rosadas. Sujeitos que quase não se dão a ver, pois estão com as
cores do lugar – camuflados. No plano de conteúdo, tem-se, portanto, o reforço da exclusão, da exclusão do negro, da
sua invisibilidade pela sociedade.

A relação da cidade e o corpo dos sujeitos


A obra de Segall, a partir dos quadrantes que reúne, traz um mosaico da vida no morro, na favela. Ao enquadrar em
um plano geral a favela, coloca no centro o que constitui, na verdade, margem. Configura, assim, um mecanismo de dar
visibilidade ao invisível. Impõe a favela diante de nossos olhos.
A visibilidade construída acentua a vibração da vida na favela, o que é construído, especialmente, pelo cromático, assim,
como a serenidade e a tranquilidade também ali presentes. Dessa maneira, não traz a favela como lugar do excluído,
de quem está à margem, mas a revela, também, como lugar de vida, de sujeitos em busca da sobrevivência e que, com
criatividade, com a cor, em meio à dureza, caracterizada pelo sólido geométrico, driblam os obstáculos.
A expansão desordenada das favelas, também, se apresenta na obra. Fruto do descaso de governantes que, por muito
tempo, não quiseram – querem – notar ou enxergar as favelas que se erguiam. A exclusão está, pois, presente na obra
mas, apesar da exclusão infraestrutural e discursiva, revela-se uma favela que resiste bravamente e que se reinventa.
No entanto, mais do que denúncia, a obra de Segall envereda por uma paisagem selecionada por um lance de olhar
que captura um fenômeno ainda novo na ocasião, posto que as favelas datam de final do século XIX e sua tela é de
1925. Há de se considerar, ainda, que Segall muda-se para o Brasil em 1923, morando, então, a princípio no Rio de
Janeiro e, posteriormente, em São Paulo. Assim, trava contato logo na sua chegada com as favelas cariocas, que são,
portanto, uma cena que se impõe ao pintor e chega, por conseqüência, a sua tela.
Ainda para abordar a cena da favela, a obra de Segall mescla planaridade e profundidade. Ora a profundidade lança,
empurra, arremessa o enunciatário por vielas e becos. Ora a planaridade cria um obstáculo, bloqueia a passagem, imo-
biliza. É construído, assim, no corpo do enunciatário, o ritmo de circulação pelo morro, ora mais veloz, ora mais lento,
em função dos entraves que se apresentam.

333
Esse vai e vem entre becos e trechos sem saída, esse avanço das moradias pelos morros, anteriormente ocupados pela
natureza, trazem o conteúdo do crescimento das cidades, crescimento este que empurra para a margem, expulsa, para
distante, para morro acima, quem não tem lugar nela, quem não tem como comprar seu espaço no que seria uma área
mais privilegiada.
Com o intuito de sintetizar essas reflexões, apresentamos o quadro abaixo (Fig. 2) que apresenta a correlação entre
plano de expressão e plano de conteúdo, na obra de Segall.

Plano de expressão Plano de Conteúdo

Formantes Figuras Valores Efeito de sentido

Eufórico Possibilidade de uma saída


Alto Lua, nuvem
Topológica
Dimensão

Disfórico Avanço sobre a natureza

Baixo Mulheres e animais Disfóricos Exclusão


Dimensão Eidética

Retângulos e volumes Dureza da vida na favela -


Moradias Disfórico
geométricos Exclusão

Árvores, plantas, lua, nu-


Reinvenção, criatividade,
Arredondado vem, contornos do morro, Eufórico
vivacidade
dos sujeitos e dos animais

Marrom, alaranjado, rosa-


Moradias Disfórico Exclusão
do,verde acinzentado

Árvores, plantas, lua, nu-


Dimensão Cromática

Verde, azul e branco Eufórico Serenidade possível na favela


vem, contornos do morro

Amarelo, esbranquiçado/ Resistência


Moradias Eufórico
bege Criatividade

Moradias / lua
Luminosidade Eufórico Vivacidade

Marrom Sujeitos invisíveis Disfórico Exclusão

Figura 2. Quadro síntese

A obra anuncia, então, o que estava por vir na cena enunciativa do Brasil, a cidade verticalizada, palco do consumo, a
paisagem de Calixto, 1976.

334
Paisagem – João Calixto
Na ficha catalográfica do acervo, a obra Paisagem, de João Calixto, data de 1976, Rio de Janeiro. É um óleo sobre tela,
com 101,4 cm de altura x 75,2 cm de largura x 4 cm de profundidade. Foi doado à GAP (Galeria de Artes Plásticas) em
18/12/1977. Na descrição da ficha há, ainda, a informação de que a obra é uma pintura hiperrealista.
Nas análises do quadro (Fig. 3), observando as recomendações de Rebouças (2003, p. 13), iniciaremos pelo plano de
expressão, que abriga três níveis de manifestação: “o superficial da expressão (ícones), o intermediário (figuras) e o das
estruturas profundas (traços não-figurativos, os formantes)”.

Figura 3. João Calixto. Paisagem, 1976. Óleo sobre tela, 75,2 x 101,4 cm. Rio de Janeiro, Galeria Espaço Universitário (fotografia do quadro).

A problemática do real foi amplamente teorizada pela semiótica greimasiana. Para a semiótica, não existe um mundo
real fora da linguagem, logo, o mundo é significante, e significado pelos sujeitos que com ele entram em relação. Sen-
do assim, só podemos falar de um mundo-simulacro, de um dizer real ou verdadeiro.
Quando a escolha de um artista presentifica um texto que pretende abordar elementos reconhecíveis do mundo natu-
ral, chamamos esse efeito de sentido pretendido pelo pintor de iconicidade. Segundo Greimas (2004, p. 81),
[...] o desejo de fazer-parecido - de fazer-crer - manifestado por este ou aquele pintor, por esta ou aquela
escola, por esta ou aquela época leva, mediante a adjunção e sobrecarga de traços visuais, à iconização da
pintura; já o despojamento das figuras com a finalidade de tornar mais difícil o procedimento de reconheci-
mento, não deixando transparecer [...] senão objetos virtuais, dá lugar à abstração.
Na obra de Calixto, encontraremos, predominantemente, o procedimento da iconização.

A dimensão eidética
Temos a profusão de formas retas, retangulares, horizontais e verticais que, juntamente com o investimento cromático,
formam figuras, quais sejam, prédios, marquises e placas de lojas. Formas arredondadas e retilíneas compõem a es-
tilização da grafia das marcas das lojas, englobadas nos suportes retangulares, as placas publicitárias. Possuem tipolo-
gias diferentes, preservando a singularidade das marcas.
Sendo assim, temos figuras verossimilhantes ao mundo real, como: marquises, letreiros, prédios, e nomes de marcas, tais
como: Xerox, Calça, Artes Cabeleireiros – 2º andar, sala 2, GE, Óptica São, Casas José, Casa Muran, Lingerie – não tem filial.
Na identificação desse grupo de marcas, podemos destacar que a expressão verbal escrita “Óptica São” nos remete a
uma temporalidade passada, uma época em que se usava esse tipo de grafia. Remete-nos, igualmente, a um momento

335
econômico, posto que, nas placas, há a disputa e mistura entre vários segmentos de mercado, a livre concorrência. Em-
presas nacionais e internacionais disputam os espaços, num embate entre o local e o global.
Segundo Rodrigues (2003, p. 60), “as cidades geralmente nascem onde o trabalho transforma a natureza em produtos
de consumo; vão crescendo com o desenvolvimento da indústria, do comércio ou dos serviços”. Na relação natureza vs
cultura, a obra de Calixto mostra uma cidade que vive para o trabalho e para o consumo, com um total apagamento da
natureza. Tal apagamento será corroborado nas análises dos demais formantes plásticos no decorrer deste artigo.

A dimensão topológica
Percebemos um congestionamento visual na disposição das figuras. A triangularização das placas das fachadas das
lojas dá um efeito de volume e de profundidade. Temos as formas horizontais num 1º plano, e as verticais, no fundo,
2º plano. Percebemos que nos ¾ do lado direito do quadro há uma cromaticidade mais vibrante, ao passo que, do lado
esquerdo, há predominância de cores mais claras e saturadas. Quase 100% da espacialidade é coberta por placas e
prédios. A única alusão à natureza – e ao conceito de paisagem pelo crivo de leitura que estamos acostumados – está
instaurada pela cor verde no lado inferior esquerdo da placa. Ou seja, na relação alto vs baixo, a natureza está na espa-
cialidade “esquerda e baixo”. Com essa topologia do plano de expressão, podemos homologar, no plano de conteúdo, à
ascensão da cultura de consumo vs queda da natureza, investida de valores eufóricos para a primeira, e disfóricos para
a segunda.

A dimensão cromática
Greimas (2004, p. 89), ao falar das diferenças entre as categorias cromáticas e eidéticas, diz que aquelas são constitu-
intes, e estas, constituídas, “devido à sua contigüidade, as regiões delimitam-se entre si”. Sendo assim, percebemos que
a cor verde na obra de Calixto – instaurada do lado inferior esquerdo do quadro - é o único elemento que não possui
contorno fixo e nítido. Diverge, assim, da iconicidade das demais formas e figuras, que são nítidas e reconhecíveis como
similares do mundo real. Estaria o autor nos alertando que a natureza não se dá à imitação? Ou ainda, a natureza
in-conformada não está à venda, como os demais elementos conformados pelas placas retangulares?
Temos uma profusão de cores no quadro analisado. As cores primárias, como azul, vermelho e amarelo são predomi-
nantes nos ¾ do lado direito da obra, ou seja, dão vida às placas publicitárias. Já as cores cinza, preto, branco chumbo,
laranja e marrom madeira, causam um efeito de sentido de envelhecimento. O recurso do afastamento está no modo
como a saturação é utilizada numa oposição de cores dessaturadas ao fundo e cores saturadas nas formas de 1º plano.
A fixidez e a imobilidade da cidade, pesada pelo adensamento das formas numa mesma espacialidade, contrasta com
a leveza e a evanescência da cor verde. Este, isolado no canto inferior e esquerdo do quadro, é a única materialização/
sugestão da paisagem. Está escondido, atrás de um ponto de fuga da placa José e da placa vermelha. Instaurado em
último plano, o verde parece ser expulso das bordas do quadro, ou no plano de conteúdo, a natureza é expulsa da
cidade.

A relação da cidade e o corpo dos sujeitos


As enormes placas impactam e parecem ser um empecilho para o sujeito entrar em conjunção com a cidade, e talvez,
com seu objeto-valor, a paisagem.
Nessa terra ainda não podemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro, pois
nem lhe vimos. Porém, a terra é de muito bons ares. Águas são muitas, infindas. E ela parece ser muito
grande, porque a estender os olhos não podemos ver senão terra e arvoredos (RODRIGUES, 2003, p. 8).
513 anos depois de seu descobrimento, a paisagem do Brasil, descrita por Pero Vaz de Caminha, em carta enviada ao
rei de Portugal, é bem diferente.
Na obra analisada, “Paisagem” (1973), de João Calixto, não tem sequer espaço para circulação, seja de pessoas ou trans-
portes, a cidade parece ser o próprio obstáculo para o movimento. Se as cidades são como artérias e veias, em Pais-
agem de Calixto, com um único ponto verde, no canto esquerdo e inferior da tela, a cidade parece parar de respirar, seu
pulmão está poluído pelo excesso de placas e prédios, e clama por ar fresco.
“[Nada permite de fora entrever o interior, nada visível vem figurativizar o conteúdo escondido da loja: o isolamento
é completo” (OLIVEIRA, 1997, p. 86). Assim, temos uma cidade sem gente, sem corpos, não há espaço para os sujeitos.
Há uma sensação de estranhamento, pois a cidade parece estar desabitada. Petrificada, não há interação. Com portas e
janelas fechadas, o mundo exterior prevalece, o individual/interior some. Nessa sintaxe narrativa em que a cidade mos-
tra um poder-ver externo, mas não poder-ver/entrar/interagir interno, ela se expõe a si mesma, simulando a própria

336
ostentação do fazer publicitário. Indica, ulteriormente, que entrar e consumir os produtos, reservados no interior de
cada loja, é um privilégio de poucos.
Com formas e tamanhos diferentes, a cidade de Calixto não é uma cidade linear, limpa, vitoriana, mas a cidade tensa,
do excesso. Além disso, é a cidade que demonstra uma supremacia sobre o campo.
O acelerado crescimento das cidades e a migração da população rural para os centros urbanos exigiram a
ampliação das dimensões dos edifícios. [...] A vitória do progresso, que impôs à cidade uma escala desme-
surada e em conflito com a capacidade das estruturas existentes, promoveu a desordem e o desequilíbrio do
ambiente construído (SCHULZ, 2008, p. 138).
Em Cidades Capitais do Século XIX, Menezes (2001, p. 14) diz que “[...] a produção do espaço é social e a forma é um
dos elementos dessa produção”. Na cidade analisada, percebemos que prevaleceu a estética dominante e as formas
dominantes de sociabilidade. De forma que o próprio pintor, para se instalar na cidade e participar desse espaço, se
adéqua à lógica do jogo. Inseriu seu nome (Fig. 4) com a mesma estética das lojas, se disfarça de placa e participa,
assim, da lógica do consumo. Estaria sua arte, também, à venda?

Figura 4. Assinatura pintor

Como já mencionado, na cidade analisada há um adensamento, uma desordem das formas. As placas e letras têm o
mesmo tamanho, são maiores que o estabelecimento. Com esse efeito de gigantismo, a cidade parece gritar as chama-
das comerciais. Curiosamente, a única exceção é o nome do pintor, que permanece discreto. Assim, podemos questionar:
a cidade engoliu a arte? A criatura o criador? A cultura a natureza? O público o privado? A forma o conteúdo? O mundo
externo o interno?
As pinturas renascentistas privilegiavam a técnica da profundidade.
A profundidade perspéctica estabelece, também, uma relação temporal entre os elementos, porque a posição
no espaço corresponde a um instante, anterior ou posterior, no tempo. Essa experiência da profundidade ex-
pandiu o limite da visibilidade para o horizonte, deslocando a percepção para planos mais afastados, intro-
duzindo na composição relações de continuidade espacial (SCHULZ, 2008, p. 69).
Em Calixto, o pouco uso deste recurso, dificulta a entrada do sujeito na cidade. Se a técnica da perspectiva inclui o
observador na obra, a técnica usada por Calixto expulsa o observador da cidade. Não é fácil entrar e interagir nessa
cidade.
O ponto de vista mostra que o enunciatário foi engolido pela grandiosidade da cidade, numa relação desigual de
poder. O sujeito, minúsculo, frente à grandiosidade das placas, está numa relação de inferioridade, de desvantagem.
Essa sensação, também é reforçada pela própria dimensão matérica da placa, com uma moldura de dimensões grandes
e na vertical. A moldura e o tamanho do quadro participam da relação de enunciação com o sujeito que frui a obra,
reforçando a mesma relação de grandiosidade entre o enunciado e o enunciatário instaurado.
Sendo assim, um quadro síntese (Fig. 5) da homologação entre plano de expressão e plano de conteúdo, mostra-nos
que a natureza/paisagem, bem como os sujeitos, foram expulsos da cidade.

337
Plano de Expressão Plano de Conteúdo
Formantes Figuras Valores Efeitos de sentido
Alto Placas Eufórico Superioridade
Dimensão Topológica

Baixo Natureza/corpos Disfórico Inferioridade


sujeitos
Central Placas Eufórico Importância
Atenção
Presença
Periférico Natureza Disfórico Expulsão
Adensamento Placas e prédios Eufórico Presença
Esvaziamento Natureza/corpos Disfórico Expulsão
sujeitos
Retas horizontais Prédios Eufórico Fixidez
Retas verticais Placas Demarcação
Dimensão
Eidética

Curvas/arredondado Nomes das marcas


Sem contorno/ Natureza e corpos Disfórico Não-presença
ausência dos sujeitos Expulsão
Fechamento Prédios e lojas Disfórico Não-interação
Cores vibrantes Placas e prédios Eufórico Presença
Cromática
Dimensão

Cores Natureza Disfórico Não-presença


claras/saturadas

Figura 5. Quadro síntese efeitos de sentido

Paisagem contemporânea - a cidade e os outdoors

Figura 6. Foto da paisagem urbana de Vitória/ES – Set/2012 (Acervo pessoal)

Para adentrar na cidade de Vitória/ES, selecionamos uma foto de um local de grande circulação de pessoas, a Av. Nossa
Senhora da Penha. Tal avenida constitui um corredor de ligação com várias áreas da cidade e municípios vizinhos (Ser-
ra, Vila Velha). O trecho selecionado constitui um cruzamento com a Av. Rio Branco.
Analisando o todo pela parte, podemos ver nesta pequena amostra da paisagem contemporânea da cidade de Vitória,
que a cidade que cresce verticalmente, carrega consigo uma outra cidade vertical, a da publicidade.
Nessa trama, sobre os muros, espaços são loteados e comercializados. Multiplicam-se placas de diversos tipos. Empresas
diferentes podem ser locatárias desses espaços. Nesse caso, temos identificadas de imediato a Metrópole e a Impacto.
Junto a eles projeta-se uma publicidade que se impõe pelo formato, ao percorrer grande extensão da fachada de um
edifício comercial: a empena assinada pela marca Claro. Assim, a lateral de um prédio passa a ser um espaço destina-
do à publicidade. Curiosamente, portanto, em um prédio comercial não se aluga apenas salas e lojas, é possível alugar,
também, fachadas.

338
Uma vez que o período de registro da foto era de campanha eleitoral, o espaço é dividido, também, com placa que in-
tenciona promover um candidato. Lado a lado estão, pois, sendo anunciados sujeitos, produtos e serviços.
O adensamento das cinco placas fotografadas mostra que as casas e os espaços bucólicos foram engolidos pelos
apelos publicitários e de consumo. O avanço destes na direção vertical revela a cidade como palco do consumo, como
espaço de grande concorrência entre marcas e, portanto, se espalham por ela número elevado de publicidade.
O imóvel fotografado – uma casa baixa – perde, assim, sua vista do exterior, olha para dentro e para a parte de trás das
placas de publicidade. No que tange ao edifício, sua arquitetura se rende ao comercializável, é alugada, para estampar
uma publicidade.
Observa-se, nesse contexto, certas tensões. Vale destacar, no entanto, que a existência de forças de avanço trazem, na
outra face, o movimento do recuo. E, como observado por meio desses cruzamentos, a publicidade e o consumo estão
ganhando, e isso não é de hoje.

Considerações finais
Em As semioses pictóricas, Ana Claudia Oliveira (2004, p. 134), ao mencionar os intertextos e interdiscursos nas
quarenta e quatro pinturas que Pablo Picasso faz da tela de As meninas, de Diego Velasquez, pontua que “um texto,
encena-se, pois, no veio do outro e passam a comungar de um sistema de valores que os interconecta”. Isso posto, quais
seriam os valores instaurados nas obras analisadas, ou, conforme nossa questão de investigação: como a arte coloca
em circulação os valores da sociedade relacionados à mídia, à publicidade e ao consumo? E nesse contexto, quais são
os discursos elaborados?
Em Carne e Pedra, o autor Richard Sennett (2010) diz que um dos problemas contemporâneos a que somos submetidos
é o da privação sensorial devido a projetos arquitetônicos que levam o sujeito à passividade, à monotonia e ao cercea-
mento tátil no ambiente urbano. A experiência urbana dos sujeitos é complexa e tecida entre diferenças, estranhezas,
dominações e resistências.
Sendo assim, no entrecruzamento figurativo e discursivo das obras analisadas, temos a predominância dos espaços
urbanos e de consumo. Estes são da ordem da semelhança e dominância. A única presença diferente – que se faz sentir
também pela ausência - é dada pela forma como “o verde” - que alude à natureza – é presentificado nas obras. Essa
presença diferente, que não se mistura e nem se conforma, é a única garantia relacional das imagens com os títulos
dos quadros, o único fio que sustenta uma leitura de paisagem que remete à verde, a árvores e flores. É a única relação
do sistema verbal com o imagético. Daí o estranhamento entre os títulos das obras “Paisagem” e “Paisagem brasileira”,
posto que a presentificação dos elementos do mundo cultural e de consumo estão em quase 100% da espacialidade
das obras. É uma paisagem diferente, que foge do crivo de leitura do mundo social e cultural. Uma paisagem que
significa outra coisa, numa relação contraditória entre título verbal e imagem. Daí, o não reconhecimento e o efeito
de estranhamento. Como isso, Calixto e Segall – e a fotografia da cidade de Vitória - reforçam que “Paisagem” é uma
leitura humana do mundo e não o próprio mundo. Desconstroem, portanto, a leitura-padrão. O mundo, não é aquilo que
disseram para nós. O mundo é outra coisa, ou no final das contas, ele mesmo.
Nas obras analisadas, temos fragmentos interdiscursivos de uma mesma história. O Brasil colônia se torna independen-
te. Vilas e cidades são formadas. As dificuldades no campo não tardam a aparecer. Com a expansão, os sujeitos buscam
uma nova vida na cidade. Mas o paraíso econômico não tem lugar para todos. A cidade, hermética expulsa os sujeitos
para outros espaços. À margem, periferias e favelas são construídas, formando uma nova paisagem. O consumo avança,
modificando ainda mais as configurações espaciais das cidades. Curiosamente, as placas publicitárias parecem não ter
mudado no tempo. Já denunciava Segall, em 1926, a formação das favelas. Calixto, em 1976, reforça as bases de uma
sociedade que corrobora com a exclusão. Em 2012, o recorte de Vitória mostra que a complexa trama desenhada pela
sociedade de consumo, ainda alija o sujeito da cena enunciativa. Para entrar em conjunção com suas casas ou com a
natureza, é certo que os sujeitos ainda precisam vencer muitos obstáculos. Alguns são sintáticos, posto que, a própria
materialidade das placas publicitárias impede a passagem, adentrando-se nas calçadas e casas. Outros são semânticos
e reiterados ao longo dos tempos, já que, nem toda oferta que se dá a ver nas diferentes cidades, está ao alcance de
todos.

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REFERÊNCIAS
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FIORIN, J.L. Polifonia textual e discursiva. In: BARROS, D.L.P. de; FIORIN, J.L. (Orgs.). Dialogismo, Polifonia, Intertextuali-
dade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011.
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Rebouças, M. L. M. O discurso modernista da pintura. São Paulo: CCTA, 2003.
Rodrigues, R.M. Cidades Brasileiras: do passado ao presente. São Paulo: Moderna, 2003
Schulz, S.H. Estéticas urbanas: da pólis grega à metrópole contemporânea. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
SENNETT, R. Carne e pedra. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

Flávia Mayer dos Santos Souza


Doutora e Mestre em Educação pela UFES; Graduada em Publicidade e Propaganda pela UFES; Professora dos cur-
sos de Publicidade e Propaganda e de Jornalismo da Universidade Vila Velha. Membro do Centro de Pesquisa Socios-
semiótica (CPS/PUC/SP) e do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos da Arte (GEPEL/UFES/CNPq). Líder do Grupo
de Pesquisa em Comunicação e Semiótica (UVV/ES).

Maria Nazareth Bis Pirola


Doutora e Mestre em Educação pela UFES; Especialista em Marketing pela UVV; Graduada em Publicidade e Propagan-
da pela UFES; Coordenadora e professora do Curso de Publicidade e Propaganda da UVV. Membro do Centro de Pesqui-
sa Sociossemiótica (CPS/PUC/SP) e do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos da Arte (GEPEL/UFES/CNPq). Líder
do Grupo de Pesquisa em Comunicação e Semiótica (UVV/ES). Pesquisadora das temáticas Criança, Educação, Mídia e
Semiótica.

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EXPOSIÇÃO TARÔ: INTERTEXTUALIDADE E INTERDISCURSIVIDADE
ENTRELAÇANDO SENTIDOS
Letícia Nassar Matos Mesquita (UFES)
GEPEL-CNPq

RESUMO
As imagens estão em todo lugar. Na rua, nos ônibus, nas mídias impressas, televisivas e eletrônicas, nos liv-
ros escolares e, claro, nas galerias de arte e museus. O professor de Arte recebe em sua sala de aula sujeitos
que, nessa segunda década do século XXI, estão cercados por diversas imagens. Este artigo é parte de uma
pesquisa que quer apresentar um olhar intertextual e interdiscursivo sobre uma coleção de arte e tem como
objetivo a apropriação dessas obras pelo professor e seus alunos. São analisadas 22 obras da exposição
Tarô, realizada na Galeria de Arte Espaço Universitário, da Universidade Federal do Espírito Santo. O referen-
cial teórico da semiótica discursiva, com ênfase nos estudos da linguagem plástica, embasa os estudos.
Palavras-chave: educação; arte; interdiscursividade.

RESUMEN
Las imágenes están por todas partes. En la calle, en los autobuses, en la prensa, la televisión y los medios
electrónicos, en los libros de texto y, por supuesto, en las galerías de arte y museos. El profesor de arte entra
en los temas de clase, en esta segunda década de este siglo, están rodeadas de varias imágenes. Este artícu-
lo es parte de una encuesta que quiere presentar una mirada intertextual y interdiscursivo a una colección
de arte y pretende a la propiedad de estas obras por parte del profesor y sus alumnos. Tarot 22 obras en la
exposición celebrada en la Galería de Arte de la Universidad Espacial de la Universidad Federal de Espírito
Santo se analizan. El marco teórico del discurso semiótico, con énfasis en los estudios del lenguaje visual,
subyace en los estudios.
Palabras clave: la educación; arte; interdiscursividad

Introdução
Em 27 de agosto de 1993 as portas da Galeria de Arte Espaço Universitário (GAEU) se abrem para o visitante adentrar
em um dos jogos de cartas mais místicos da humanidade: o Tarô. No entanto, não se tratava das 22 cartas dos Arcanos
Maiores do Tarô de Marselha, mas sim de 22 obras de artes que dialogaram, por meio de diferentes técnicas e lingua-
gens, com essas figuras do baralho. Em comum a todas as obras está o suporte: a celulose no formato 92cm x 66cm.
Aliás, e não também por acaso, ser a celulose a matéria-prima do místico baralho, assim como a proporcionalidade
(em escala macro) entre o tamanho das cartas e o tamanho das obras. Todos os artistas são capixabas e, convidados
pela curadoria da GAEU, cada um sorteou um arcano, levando para seu atelier a carta e um texto impresso com o seu
significado. As obras também foram expostas no Palácio das Artes (Fundação Clóvis Salgado/BH), Museu de Arte Con-
temporânea de Campinas José Poncetti (SP), Ministério da Educação e do Desporto (BF) e na Mostra Paralela da Grande
Bienal de Veneza (Itália/1995).
E é sobre esse diálogo entre a carta e a obra o que está em foco em nossas análises. Quais intertextualidades e inter-
discursividades podem ser reconhecidas entre ambas? Quais obras dialogam mais com as cartas a partir do plano de
expressão? Quais delas o fazem a partir do plano de conteúdo? Enfim, como são estabelecidas as relações de sentido
entre a carta sorteada e a obra? O referencial teórico e metodológico é o da semiótica discursiva. Esta entende que
todas as manifestações de linguagens, sejam elas pictóricas, verbais, fotográficas, gestuais são objetos significantes e,
enquanto tais, textos.
As 22 obras em estudo são textos visuais constituídos por formantes plásticos (matéricos, cromáticos, eidéticos e
topológicos) que em sua complexidade estrutural e contextual constroem os sentidos, considerando também a pecu-
liaridade dessas escolhas na construção do texto serem individual. Já no âmbito do discurso “[...] o homem está preso
aos temas e às figuras das formações discursivas existentes na formação social em que está inserido[...]” (FIORIN, 2000,

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p. 41). Assim, apesar da percepção de mundo de cada sujeito, discursivizada no texto, parecer ser individual, ela é social.
Compreendido enquanto espaço interativo entre sujeitos, o discurso é então constitutivamente heterogêneo, resposta a
outros discursos e, assim, dialógico.
É em busca do como essas vozes dialogam nos interdiscursos das obras da Exposição Tarô que trabalharemos aqui
com as noções de tema, figura, isotopia, intertextualidade, interdiscursividade, citação, alusão, paródia e estilização. As-
sim, tema é um elemento da semântica discursiva estritamente conceitual, pois que não remete ao mundo natural, mas
que categoriza, ordena, organiza os elementos do mundo natural. Assim temos o percurso temático da “fuga”, da “ver-
gonha”, do “orgulho”, do “fracasso”, por exemplo. Esses discursos têm uma função predicativa ou interpretativa (FIORIN,
1992). Já a figura é o termo relacionado ao mundo natural, conferindo ao discurso o efeito de sentido ou a ilusão de re-
alidade: cachorro, sol, vermelho, papa, imperatriz, espada, correr, brincar. A tematização e a figurativização concretizam
o sentido, logo temos textos temáticos que poderão ou não ser recobertos figurativamente, no entanto não há texto
figurativo que não tenha um nível temático subjacente.
Ao estudarmos o uso das figuras nas obras e as relações que estabelecem entre si estaremos tecendo a trama figurati-
va que encobre o tema do texto. E se os temas são recortam conceitualmente o mundo natural, consolidando visões de
mundo, logo teremos a partir de suas análises a formação ideológica correspondente à formação discursiva, formada
por um conjunto de temas e figuras que concretizam uma certa visão de mundo. Entendemos por ideologia
[...] conjunto de ideias, representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de
vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens[...] ela é uma ‘”visão de mundo”, ou
seja, o ponto de vista de uma classe social a respeito da realidade, a maneira como uma classe ordena, jus-
tifica e explica a ordem social. [...] Assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação
discursiva impõe o que dizer[...](FIORIN, 2000, p. 28).
As possibilidades de leitura de todo texto já estão inscritas nele por meio da recorrência, repetição, reiteração, re-
dundância de traços semânticos ao longo do discurso, sustentando a coerência temática e figurativa. Em semiótica
chama-se Isotopia. Desse modo, os planos de leitura estão virtualmente traçados no texto e que podem ser apreendi-
dos por seus leitores. Isto ocorre porque no seu interior aparecem figuras ou temas que têm mais de um significado.
Estes são os desencadeadores de isotopia. Outros elementos também podem fazer a passagem de uma leitura a outra.
São os conectores de isotopia, por sua vez, responsáveis pelas relações intertextuais.
A intertextualidade é
[...] a imitação de um texto por outro, de modo a resultar, no texto que imita, um efeito de bivocalidade: a
voz do imitado e a voz do que imita estão presentes e diluídas uma na outra. Vale o outro, como discurso
imitado e considerado de referência. Esse outro impregna inteiramente o enunciado que o recupera inter-
textualmente. Por conseguinte, na intertextualidade, o outro será, primeiro, imitado; depois, captado, no caso
da estilização e, subvertido, no caso da paródia (DISCINI, 2005, p. 166).
Desta forma, é quando a palavra do outro é retomada propositadamente, sendo marcada ou não. Já o processo que
incorpora percursos temáticos e/ou figurativos, temas e /ou figuras de um outro discurso é a interdiscursividade. Na
intertextualidade temos a citação de elementos de outro texto. Mas podemos ter citação também na interdiscursivi-
dade, quando há repetição de percursos temáticos e/ou figurativos de outros. A alusão, quando temas e/ou figuras de
um discurso servem de conteúdo e levam à compreensão do que foi incorporado; nesse caso trata-se de processos
interdiscursivos.

Metodologia das análises


Nosso corpus oferece inúmeros caminhos para análise. Mas por meio dos estudos da intertextualidade e interdiscursiv-
idade, iremos separar as obras em sua relação com as cartas em três modos de diálogos: por incorporação de uma ou
mais figuras da carta na obra - citação; por figurativização diferente, mas com o mesmo tema - alusão; por incorporação
do tema e/ou figuras do discurso. No primeiro caso, as obras se relacionam com a carta mediante a reiteração de traços
figurativos que, por seu investimento figurativo exaustivo, que é a iconização, remete às figuras da carta, confirmando o
sentido do texto citado. Já no segundo grupo, os formantes plásticos fazem alusão ao percurso temático e/ou figurati-
vo da carta (alusão). No terceiro, as obras dialogam com o significado místico difundido pelos tarólogos a respeito dos
símbolos impressos nas cartas, ou seja, temas e/ou figuras do discurso servem de contexto para a compreensão do que
foi incorporado. Não será abordada exaustivamente nesta pesquisa cada obra de cada grupo. A escolha se dará pela
importância que as obras têm na construção da intertextualidade e interdiscursividade existentes entre o baralho e a
obra de arte.

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Respeitadas as coerções existentes entre as obras e as cartas, poderemos então compreender como cada artista con-
struiu a sua leitura sobre o arcano sorteado e nos presenteou, enquanto espectadores/leitores que somos desses tex-
tos, com obras riquíssimas em sua plasticidade, narratividade e discursividade.

As cartas
A origem do tarô é imprecisa: egípcios, essênios, celtas ou hebreus? Sabe-se que em 1377 o monge alemão Johanns
publicou na suíça um texto onde comenta os jogos de cartas. Tarô então é o nome de um conjunto de 78 cartas, con-
stituídas de 22 Arcanos Maiores, que segundo os tarólogos são cartas mais objetivas por causa das figuras, e 56 Ar-
canos Menores, que são as cartas de naipes numeradas tal qual o jogo de baralho tradicional. O tarô mais antigo e o
mais utilizado é o Tarô de Marselha, que começou a circular no final do século XV e início do XVI. As figuras 1, 2, 3 e 4
mostram as 22 cartas. O tarólogo é o nome de quem joga as cartas e as analisa para obter respostas sobre o passado,
o presente e o futuro. O início do jogo se dá a partir da escolha de uma carta com as figuras voltadas para baixo.
Foi também a partir da escolha de uma das 22 cartas que iniciou o processo de criação dos artistas.

O contrato na obra
Para a semiótica a obra de arte é um texto e, portanto, há um enunciador e enunciatário inscritos em sua produção.
Instala-se então na relação de comunicação entre esses sujeitos um contrato no qual o fazer persuasivo e o fazer
interpretativo são estabelecidos. No caso das obras, o título da exposição “Tarô” instala o fazer interpretativo de que as
obras a serem apresentadas são da ordem desse jogo místico de cartas e, para que esse contrato seja selado, os enun-
ciadores, no caso os artistas, constroem seus objetos de modo a persuadir o enunciatário a crer que as obras em ex-
posição têm relação ao proposto pelo título. A partir desse contrato, outro entra em operação, o de veridicção, ou seja,
o discurso enunciado sustenta-se no fazer-parecer-verdade, ou melhor, produz um efeito de “verdade” de que as obras
em exposição são releituras das cartas do jogo de tarô. Para isso, o artista/enunciador utiliza-se de meios de persuasão
para que o leitor da obra, o enunciatário, em seu fazer interpretativo, localize as marcas de veridicção e as reconheça.
Essa mediação é feita pela figurativização, que em seus diferentes graus, ora faz com que a obra seja facilmente rela-
cionada à carta, ora requer do enunciatário um olhar mais apurado.
Dentre esses traços de reconhecimento está o título da obra. Ao colocar na tela o nome que é dado ao arcano, o artis-
ta entrelaça a obra, o tarô e a simbologia que envolve a figura da carta. Porém, seis artistas não colocaram o nome do
arcano na obra e quatro mudaram o nome. Então perguntamos: qual a significação construída por esses artistas? Além
da nomeação, nessa relação entre a carta e a obra, cada artista faz sua opção de apreensão dos traços de expressão e
conteúdo da carta e os rearranja de modo a imprimir na tela o seu estilo. Desse modo, os 22 artistas se presentificam
nesse universo místico, mesmo os que não tenham assinado a obra, pois que o modo de organizar plasticamente o
discurso da carta é uma marca de subjetividade, um modo de presença.
No entanto, as obras são textos estéticos que estão para além da ação pragmática do ver. Estão também e principal-
mente na ordem do sensível. Estar diante de uma obra de arte é abrir-se para efeitos de sentido de diversas ordens, é
participar da passagem do ver para o sentir com todos os sentidos (OLIVEIRA, 2004). Uma vez partícipe do contrato de
comunicação proposto pelas obras, o enunciatário percorre com seu olhar toda a tela, algumas partes dela, um traço,
para enfim apreendê-la esteticamente. Ao mesmo tempo, a mística que envolve a temática da exposição, e em especial
o da carta, entrecruza com esse olhar, construindo uma áurea que sensibiliza a sua percepção. Como explica Oliveira
(2004, p. 123), “[...] é no sensível de uma composição plástica [da obra], e só nele, que se incrusta a sua significação.”

As 22 obras
São constitutivos de uma pintura os formantes cromáticos (cores), eidéticos (forma), topológicos (distribuição do cronos
e eidos em um espaço-suporte) e o matérico (matérias, materiais, técnicas de procedimentos que dão corporeidade
ao cronos e eidos). Esses formantes plásticos são unidades do plano de expressão e que podem corresponder a uma
ou mais unidades do plano de conteúdo. É a partir a recorrência dos traços figurativos e não-figurativos que indutiva-
mente elencamos as obras em três categorias:

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Aproximação por traços do
Pelo discurso – significa-
Plano de Expressão (plástico e Nos dão a ver – Alusão
do místico
verbal) - Citação
A Sacerdotisa/A papisa O Louco A Justiça

O Papa O Imperador O Diabo

O Carro/O Carro, o triunfo O Sol O Mago


Os Amantes/O Enam- O Pendurado/O Enforca-
O Ermitão/Eremita
orado do
A Força A Roda da Fortuna O Julgamento

A Morte A Imperatriz

A Torre A Temperança

A Estrela

A Lua

O Mundo

Nas obras do primeiro grupo encontramos citados alguns elementos figurativos da carta, seja por meio da figura-
tividade visual, seja por meio da verbal. Na obra O Papa, do artista Nortton Dantas, a intertextualidade é explícita, pois
muitos elementos da carta são citados. Nos formantes cromáticos temos a citação do vermelho, do verde, do azul e do
amarelo (Figuras 1 e 2).

Figura 1 Figura 2

As formas triangulares encontradas a partir da base até o topo da carta também se fazem presentes na mesma di-
reção na obra, promovendo uma perspectiva que direciona o olhar para a cabeça do homem na carta e para a mitra
do quadro. Nortton explora a forma triangular em outras espacialidades da superfície da tela que corroboram para o
distanciamento entre a figura principal, as demais figuras e entre quem vê a obra. Esse afastamento é também propor-
cionado pelo retângulo marrom cor de terra em brasa que é colocado na base da pintura, figuratizando o “inferno” em

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oposição à parte superior, o “céu”, figurativizado pelo azul e pelas nuvens, mas que se separa da cena seguinte por uma
linha vermelha e por dois pilares. A partir dessa entrada provocada pelo enquadramento produzido pelo triângulo em
verde claro e as colunas em bege, o papa e as duas outras personagens estão isoladas desse marrom em chamas. Sen-
do que as duas figuras de joelhos estão sobre o verde, ícone da grama, elemento da terra, e o papa para além do verde,
mas sobre o azul celeste. Com as oposições alto vs baixo, claro vs escuro, pontiagudo vs arredondado e triangular vs
horizontal constrói-se no plano de conteúdo a ascendência do papa com seu poder celestial, mas ligado à terra a partir
do vértice do triângulo verde sobre o qual estão as duas personagens. Nesse procedimento triangular que faz com que
os olhos do enunciatário percorram toda a forma geométrica, discursivamente constrói-se que também os elementos
terrestres são ligados ao céu pelo papa.
O enunciador, apesar de manter o verbal na mesma espacialização que a carta – na base e no topo, o que confere a
ambos o simulacro de uma moldura, enuncia o arcano papa a partir de figuras do conteúdo diferentes: na carta, os
dois sujeitos aos pés do papa não são plasticamente tão iconizados como os dois sujeitos da tela, uma vez que estes
são cromatizados em preto e branco nos turbantes, em uma referência aos tons de peles da raça humana, mas com os
pés na cor marrom, cuja tonalidade é mais clara que o marrom do retângulo que os antecede. Como não há rostos na
obra, a figura do papa tem um triângulo preto englobado por um triângulo azul e o branco em sua mão, cujo gesto e a
cromaticidade são os mesmos que o do baralho. O enunciador também inclui outro corpo, aliás figura ligada ao cato-
licismo que é a do corpo místico de Jesus ao colocar no centro da tela o cálice com os pães. Outro triângulo é então
formado, o das duas figuras ajoelhadas e o cálice, este forma o vértice da forma geométrica. Constrói-se o conteúdo da
oferenda e da submissão. O mesmo conteúdo que o do baralho, pois, por causa da perspectiva, as duas figuras também
encontram-se abaixo da figura central. Discursivamente, a superioridade do papa se consolida, assim como é dito na
legenda que acompanha a carta durante a exposição: “O Papa é o próprio Eu Superior de cada indivíduo[...]”. Esse texto
verbal contém o nome do artista e a sua técnica, neste caso acrílica sobre celulose, além de trazer o significado sim-
bólico da carta para o tarô.

Figura 3

Nesse mesmo grupo da citação, alguns artistas mudaram o nome da carta ou acrescentaram outro ao nome original.
Cesar Cola foi um dos que modificou. A Papisa foi o nome que deu ao seu desenho sobre celulose, sendo que na carta o
nome é A Sacerdotisa (mesmo nome que veio na legenda da exposição ao lado da obra).

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Figura 4

Olhando a carta A Sacerdotisa e colocando-a ao lado de A Papisa (Figuras 3 e 4), observamos que ambas dialogam por
meio de isotopias figurativas, tais como a mitra, o trono, o livro, o número dois em algarismo romano e a topologia
referente ao nome da carta. Ao estabelecer essa relação na qual se dá a ver a carta em sua obra, o artista, no entanto,
transgride o senso comum ao intitular sua obra como “papisa”. Sua intertextualidade é também com a carta do papa,
permitindo ao observador outras leituras possíveis a sua obra e a do Tarô. Segundo Fiorin (1999, p. 31) “ao se referir a
um texto, o enunciador se refere também ao discurso que ele manifesta”. Cesar Cola propõe então um repensar a partir
do reenquadramento artístico que faz com seu título: Por que não papisa?
Outras provocações são apresentadas. Na carta A Sacerdotisa as cores vermelha, verde, amarela, ocre, azul claro e es-
curo preenchem formas arredondas e retilíneas, sendo que somente a cor bege é aplicada sobre o tom da pele e sobre
o livro. Traços na vertical e horizontal ora ocupam toda a forma em que se tem uma cor, ora apenas uma das laterali-
dades. Assim, quatro retângulos verticais ocres em paralelo estão situados à esquerda, entre o azul da forma superior
e o vermelho do manto da mulher. Esses retângulos são metonímias do trono onde se encontrada sentada a figura de
mulher. Outras linhas ganham destaque. São as linhas paralelas verticais e três horizontais que ocupam todo o azul
do lado direito do rosto da sacerdotisa, construindo uma profundidade. À esquerda, esse mesmo azul aparece em um
espaço maior, pois há poucas linhas sobre ele. Essa forma que começa no ombro e toma todo o fundo da cabeça de
mulher tem em suas pontas em formato de cone, onde traços paralelos pretos sugerem o movimento de dobra para o
interior da figura azul. Cada qual culmina com uma espiral em vermelho, também tracejadas em preto. A cromaticidade
do azul, do vermelho e do verde figurativiza suas formas como sendo tecidos. Logo, a forma na parte atrás do rosto é
a de um tecido cujo exterior é ocre, com pontas em vermelho, e o seu interior é em azul. O movimento sugerido pelo
formato em cone, das pontas e das linhas em preto sobre o azul é o de que esse pano foi aberto, como que a desvelar
o rosto de mulher para quem ela olha à esquerda, e que está em parte dobrado para dentro pronto para ser enrolado e
novamente esconder esse rosto.
Em A Papisa todo o colorido desaparece. Suas formas não são preenchidas por diversas cores. Só a cor da celulose, que
com o tempo vai deixando de ser branca, para ser amarelada. Há apenas o azul do traço que delineia as formas. No
entanto, é a partir dessas formas que o artista explora suas referências à carta. Sua Papisa também encontra-se em
um templo, logo, afastada topologicamente de quem se aproxima dela. Essa barreira é construída pelas duas colunas
que, proporcionalmente, correspondem aos dois cones ocres da Sacerdotisa. O trono aparece no desenho com a parte
superior sendo então composta pela forma do tecido azul da sacerdotisa. A mitra e o rosto são dois cones invertidos.
No rosto apenas dois pontos assinalam os olhos. Essa planaridade pontual confere uma frontalidade do olhar, como
se A Papisa olhasse para quem a vê, sendo que este sujeito é visto de cima pela figura do desenho, uma superioridade
construída pela perspectiva geométrica formada pela base alargada do trono com as colunas e o estreitamento do
mesmo. Nem este olhar instala o enunciatário na obra. Os dois pequenos traços em paralelo assinalam nariz e boca.
Mas não são traços totalmente retos. Uma pequena curva nas extremidades sugere um sorriso, de modo que, apesar
do distanciamento topológico, há uma aproximação por parte do sensível, uma condescendência por tal aproximação.

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Quatro traços na testa delineiam uma franja. O rosto dessa figura só recebe seu investimento figurativo completo
como sendo do sexo feminino por causa do título da obra: A Papisa. Todos esses conectores isotópicos fazem com que
reconheçamos no desenho a sacerdotisa da carta. Sua citação é o livro. A ausência de muitas formas e de cores dialoga
com o discurso do simbolismo da carta para o tarô: “indica pessoa prudente, reservada e discreta, com tendência para
as coisas ocultas[...]”.

O louco e a espada

Figura 5

As obras do grupo Citação deixam o observador mais próximo do seu conteúdo, pois as isotopias figurativas do plano
de expressão e do conteúdo abrem possibilidades de reconhecimento entre a carta e a obra. No entanto, como nas ar-
tes plásticas não há uma relação par a par entre expressão e conteúdo, ou seja, simbolismo, temos então uma relação
de verossimilhança entre os objetos do mundo natural e suas representações.
O reconhecimento por parte do observador da arte pauta-se na enunciação, ou seja, no ato de comunicação entre o
enunciador e enunciatário tendo como base o que o primeiro julga saber a respeito do segundo. Esse simulacro de
enunciatário inscrito em algumas obras da exposição Tarô é o de um sujeito que possui uma bagagem cultural que lhe
dará a chave de leitura para estabelecer as relações intertextuais entre a obra e a carta. É sobre esse exercício do ver
que se trata o segundo grupo. Esses artistas constroem essa relação discursivamente, ou seja, a partir da temática do
significado da carta para o Tarô ou a partir do nome do arcano.
É o caso da obra de Nelma Guimarães sobre o arcano O Louco (Figura 5). A obra possui inúmeros objetos: agulhas, al-
finetes, guizos, dois botões de plástico de rosa, decalques florais, linha, ramos de folhas verdes de plástico, uma grande
imagem impressa de Jesus ao centro, uma foto menor de Ghandi, mais abaixo e quase na mesma direção uma outra
foto, a de Van Gogh. No entorno da celulose, linhas grossas simulam uma costura, como um acabamento. Nas laterais,
trechos bíblicos manuscritos à lápis. As palavras “começo” e “fim”, também escritas a lápis, estão colocadas sobre cada
botão de rosa. No alto da obra, o nome do arcano O Louco é escrito com pedaços de barbante. Portanto, o que salta
aos olhos nessa obra é a sua materialidade explorada desde a mais fina espessura, como os delicados decalques, até a
frieza dos grandes alfinetes, a robustez do barbante e a tridimensionalidade dos guizos e dos botões das rosas.
O tom pastel predomina na base onde o matérico se sustenta. Esse mesmo tom invade, tenta se sobrepor ao vermelho
da rosa, da flor do decalque próxima à Jesus e contorna essa mesma figura, formando uma fina camada sobre o aver-
melhado coração. Esse vermelho, ora ofuscado, ora vibrante forma com os retângulos de alfinetes um círculo em volta
da grande figura de Jesus. É a partir do vermelho e do verde que o olhar é redirecionado para as pequenas flores ro-

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sa-claro dos decalques, até a foto de Gandhi, que se destaca por causa do dourado. Uma cruz feita de linha crua marca
a presença desse ícone da paz. Um buquê de flores leva o olhar até a terceira foto, ladeada pela primeira rosa-amarela
que o percurso feito pelos olhos do observador captura. O tracejado feito com a linha ao redor do retângulo da obra,
constrói a sua moldura. Os guizos das laterais inferiores formam as vértices da base do triângulo que termina no outro
guizo colocado sobre o nome O Louco.
Por meio da materialidade, da iconicidade e da topologia desses elementos em toda a obra, Nelma constrói também o
sentido de que esta possa ser um manto, pronto para ser pego pelas extremidades superiores e amarrado ao pescoço,
ou então um estandarte. Trata-se de uma referência a Athur Bispo do Rosário, interno da Colônia Juliano Moreira (RJ),
local para doentes psiquiátricos. Bispo do Rosário, que se dizia um enviado de Deus, ficou famoso por confeccionar ob-
jetos a partir de sucatas ou sobras e por seus estandartes religiosos. No entanto, é o Manto da Apresentação a sua obra
mais conhecida.

Figura 6

A artista, portanto, cita Bispo do Rosário com toda sua discursividade para também dialogar com a simbologia da carta:
“[...] indivíduo que se pôs a caminho[...], exceto a aparência de seu corpo, que ele veste com uma simples roupa. São
definitivamente seus todos os dons: a espiritualidade, a inteligência, a fé em Deus e o amor à humanidade, a vontade e
a pureza.[...]”. Jesus e Gandhi são ícones, elos isotópicos que estabelecem a relação entre a carta e a obra. E não difer-
ente é Van Gogh, ícone que constrói a isotopia da loucura, arrematada interdiscursivamente por Athur Bispo do Rosário.
Enquanto o verbal do título da tela de Nelma Guimarães é um dos conectores isotópicos que abre as portas para a
relação entre a obra e a carta, na tela de Lincoln Guimarães não há título. O verbal nela contido está em inglês e diz
respeito à lenda do Rei Arthur e de Excalibur: “I am the lady of the lake come take my sword wear it by your side7”.
Para relacionar a obra com a carta, o artista partiu da temática dessa lenda. Assim como para alguns o Tarô também
tem suas origens em uma lenda – a de que os egípcios teriam herdado o conhecimento das cartas dos sacerdotes de
Atlântida. Desse modo, o enunciador instala o discurso de sua obra na mesma formação discursiva do Tarô: a mítica.
Essa interdiscursividade, fundada na isotopia regente da lenda, constrói o diálogo com o Imperador, arcano da carta de
número IV, que segura em uma das mãos “o cetro de Ísis” (Figuras 6 e 7).

7 O verbal é uma citação da letra da música de Rick Wakeman intitulada The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table, Álbum de 1975.

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Figura 7

Mas para o apreciador da obra que não conhece a lenda britânica, o artista lança mão da isotopia figurativa, isto é, a
forma retangular estreita do cetro que o arcano segura aparece invertida no mesmo formato da espada da mão que sai
do lago. Uma parte pelo todo. Logo, metonimicamente, O Imperador, que recebe de uma mão feminina, seja de Ísis, seja
da Dama do Lago, o poder conferido pela espada ou pelo cetro.

No terceiro grupo: a Justiça, o Diabo e o Mago

Figura 9

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Figura 10

Ao deparar com a obra do artista plástico Edison Arcanjo (Figura 8), o enunciatário encontra a celulose em seu formato
retangular completamente isenta da cromaticidade vibrante das demais obras em exposição. Da rugosidade de sua
materialidade e do branco de sua cromaticidade, o suporte cede à força da prensa que lhe finca ao centro um outro
retângulo proporcionalmente menor ao que o envolve. Marcado por bordas que lhe conferem profundidade, esse pe-
sado retângulo adquire o valor da força de uma presença; sua forma proporcional, o do equilíbrio; sua cromaticidade,
a da clareza. O artista, portanto, se apropria do discurso da carta A Justiça para construir sua obra de arte. Na legenda
que acompanha a obra, a carta de número VIII “[...]indica a presença da clareza mental, equilíbrio, flexibilidade, e, con-
sequentemente, adaptação às necessidades, disciplina e ordem[...].”
Há duas citações à carta na obra que conferem a esta o fazer-crer ser aquela sua referência: a primeira trata-se do
nome e do número da carta, que são aplicados ao suporte por meio de letra set, na cor preta. A segunda diz respeito às
margens, pois que na carta o marrom emoldura a figura de mulher e na obra, o branco e o alto relevo cercam o retân-
gulo menor.


Figura 10 Figura 11

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Figura 12 Figura 13

No Tarô, a carta O Diabo simboliza “[...] energia, reflete o caráter imediato e pouco duradouro dos acontecimentos que
indica. [...] simboliza a vontade individual, [...] desejos intensos, paixões violentas e inconstâncias [...]”. O artista plásti-
co Lando sorteou O Diabo e utilizando-se de tinta acrílica nas cores azul e rosa e da caneta hidrocor azul escreveu
o número e o nome da carta, na mesma topologia, e em letras de forma. No entanto, no centro de sua obra não está
a figura do diabo, mas sim o resultado da queima de uma parte da celulose. Desse fazer resultou uma forma esférica
irregular, marrom e negra que adentra no quadro, atravessando-o da direita para esquerda, deixando um rastro marrom.
Sua forma, cor e movimento constroem o efeito de sentido de um objeto em chamas que ao atingir a tela deixa sua
marca. Força e violência, calor e destruição são significados construídos na superfície matérica da celulose e reverber-
ados pelas formas sombreadas das letras que compõem o substantivo, carregado de simbolismos, Diabo. Há, portanto,
nessa obra, a apropriação do discurso da carta e, mais uma vez, o nome e o número são conectores isotópicos.
Porém, há uma obra em que não há nome e nem número. Há pinceladas e linhas. Tinta acrílica, giz de cera e lápis de
cor. Diferentes espessuras. Diferentes direções. Clarões e escuridão. Os formantes plásticos dessa obra constroem O
Mago, de Rosindo Torres. (Figura 13)
Na parte superior, uma linha branca é acompanhada por traços brancos e amarelos na vertical sobre um fundo de
pinceladas feitas com a cor amarela, criando o efeito de luminosidade, mas também de arco-íris quando olhados de
dentro para fora do quadro. Mas ao seguirmos a forma circular da linha branca que continua descendo na cor vermelha
e com um traçado mais largo, terminando com uma linha vertical amarela delineia um percurso. Esse trajeto das difer-
entes linhas que o olho do enunciador segue, constrói um ponto de interrogação. Porém, são as pinceladas, os inúmer-
os riscos e a escuridão, provocada pela cor escura que constitui a base dos traços à lápis, que reforçam esse sentido da
dúvida: é uma interrogação? Seria a dúvida a luz para o entendimento, seja do quadro, seja do arcano? Ou seria essa
luminosidade na parte superior a energia a qual se refere o simbolismo do arcano?
O artista trabalha nessa obra com os dois simbolismos da carta. Ela simboliza “[...] força de vontade, luminosidade,
energia, criatividade, [...]”, mas quando o consulente a retira de modo invertido, “[...] indecisão, dúvida, dispersão.” Em
muito essa obra difere figurativamente, no plano da expressão, com a carta, mas no plano de conteúdo ambas dialog-
am com o sentido místico que constrói todo o jogo do Tarô. Ela é a carta de número 1.

Atemporalidade
As análises nos apresentam que as apropriações realizadas revelam os traços estilísticos de cada artista, pois mesmo
sendo uma encomenda da curadoria da GAEU, cada enunciador construiu seu texto a partir do seu próprio repertório
plástico, tendo em comum o mesmo suporte: a tela de celulose. Além, claro, do baralho. O resultado é que as obras da
categoria “Citação” uma vez destacadas do conjunto denominado “Exposição Tarô”, por apresentarem elementos figurati-
vos da carta, poderão levar o leitor, mais facilmente, a associar a tela ao jogo de Tarô. Já na categoria “Alusão”, como vimos,
poucos desses elementos estão presentes, construindo como enunciatário um sujeito com crivo de leitura mais apurado,
capaz, então, de associar a obra ao jogo fora do espaço da exposição. Enquanto na categoria de significado místico, as
obras, quando isoladas da exposição, podem compor outros textos sem carregar os elementos que remetam ao tarô.
As 22 obras de artes da exposição Tarô são, então, um convite para diferentes sujeitos: os místicos, os amantes das
artes plásticas, os estudiosos dessa e de outras áreas do conhecimento. Esse rico material dialoga de diferentes mo-

351
dos com outros que constam do acervo geral da GAEU, uma vez que alguns desses artistas estão presentes em outras
exposições promovidas pela Galeria.
Tarô transpõe o tempo. Sua intratextualidade, ou seja, suas referências internas com as cartas e as obras e destas com
as demais, constroem um texto rico em estéticas, histórias, mitos e simbologias. Interdiscursivamente encontramos a
partir de seus formantes plásticos o discurso social do sujeito em busca de si, expressões do mundo cultural que con-
stroem a história desse sujeito no mundo. Não há 1993 quando se está diante dessas obras. Há a interdiscursividade,
esse portal que nos conduz a essas vozes sociais que nos fazem ser sujeitos históricos (BAKHTIN, 1997).

REFERÊNCIAS
ACERVO da Galeria de Arte Espaço Universitário – GAEU. Galeria de Artes Espaço Universitário. Vitória: Edufes, 2007.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução feita a partir do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira;
revisão da tradução Marina Appenzeller. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 1997.
__________________________; FIORIN, José Luiz (orgs). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. São Paulo: Edusp, 1999.
DISCINI, Norma. A Comunicação nos textos. São Paulo: Contexto, 2005.
FIORIN, José Luiz. Elementos da Análise do Discurso. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1992.
________________. Linguagem e Ideologia. 7. ed., 2ª impressão. São Paulo: Ática, 2000.
OLIVEIRA, Ana Claudia (org.). As semioses pictóricas. In: Semiótica plástica. São Paulo: Hackers Editores, 2004, p. 115-
158.
URBAN, Paulo. O que é tarô. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2004.

Letícia Nassar Matos Mesquita


Jornalista da Secretaria de Comunicação da Ufes (Supecc/Ufes), Mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP), Doutora
em Educação (PPGE/UFES), membro do Centro de Pesquisas Sociossemióticas (CPS/PUC/SP, USP e CNRS de Paris) e do
Grupo de Pesquisa de Processos Educativos da Arte (GEPEL/UFES/CNPq).

352
A figura da criança e o tema da infância
a partir da fotografia de Rogério Medeiros
Juliana Contti Castro (UFES)
GEPEL-CNPq

RESUMO
Este artigo analisa duas imagens do fotojornalista capixaba Rogério Medeiros, tomando como centro de in-
teresse o tema da infância e a figura da criança. Em termos de metodologia e referencial teórico toma como
atores principais os estudos da semiótica plástica de tradição francesa, trazendo um pouco da contribuição
de Jean-Marie Floch e Greimas. Faz, ainda, uma reflexão sobre a linguagem plástica da fotografia e, em es-
pecial, da contribuição de Rogério Medeiros. O fotógrafo nos pinta outros modos de vida que ultrapassam os
padrões urbanos, capitalísticos e de consumo ao qual estamos acostumados a nos enquadrar. E ao enfocar
uma temática social, nos desperta para pensarmos esses diferentes modos de ser e estar de outras comuni-
dades, nos possibilitando o mergulho em outras referências, e a visualização de outros simulacros, distantes
talvez daqueles que estamos mais acostumados a ter como padrão de mulher e criança.
Palavras-chave: fotografia, leitura de imagens, semiótica francesa, infância, criança.

ABSTRACT
This article examines two images of the photojournalist Rogério Medeiros from Vitória-ES (Brazil), taking
as the focal point the childhood issue and the children’s figure. In terms of methodology and theoretical
framework, it highlights the plastic semiotics of French tradition, especially the contribution of Jean-Ma-
rie Floch and Greimas. The study also proposes a reflection on the visual language of photography and in
particular of Rogério Medeiros’ contribution. The photographer paints other ways of life that go beyond the
urban, capitalistic and consumption patterns, by which we are used to be framed. Finally, by focusing on a
social theme, it awakens us to think about these different ways of being of other communities, enabling us
to dive in other references, and to view other simulacrum, apart perhaps from those which we are more used
to have as patterns of woman and child.
Key words: photograph, reading of the images, semiotics, childhood, children.

Os caminhos percorridos pela pesquisa


Esta pesquisa1 inicia-se a partir da apreciação das obras catalogadas no acervo da Galeria de Arte Espaço Universitário
– GAEU da Universidade Federal do Espírito Santo. Elegemos como critério inicial para a escolha das obras a serem
analisadas por nós o mote da utilização de uma mesma linguagem plástica. Assim, nosso olhar debruçou-se sobre a
fotografia. As fotografias que nos chamaram a atenção estavam relacionadas ao tema da infância e à figura da criança,
e foi nessa dimensão que dirigimos nosso olhar. Desse modo, a existência de um fio interdiscursivo que toma como
figura a criança e, por consequência, o tema da infância tornam-se nosso locus central nesse estudo. Optamos, para tan-
to, pela escolha de duas fotografias de Rogério Medeiros2, a foto das indígenas (Fig.1) e a foto das crianças pomeranas
(Fig.2). Essa escolha seguiu alguns critérios: deveriam ter um mesmo enunciador, nesse caso, o mesmo fotógrafo e dar
visibilidade à expressão gestual dos retratados. As duas imagens escolhidas para esta análise foram, então:

353
Figura 1 – Foto 1, F1, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,7 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

Figura 2 – Foto 2, F2, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,6 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

Como referencial teórico e metodológico básico utilizamos a Teoria Semiótica, em sua vertente greimasiana. Todavia,
enveredamos sobretudo nos estudos da Semiótica Plástica e Figurativa, apesar desse campo, como diz o próprio Grei-
mas (2004) ser ainda um campo em construção. Nas palavras do autor,
Se uma das razões de ser da semiótica é chamar à existência novos domínios de interrogação do mundo
e ajudá-los a se constituir como disciplinas autônomas no quadro geral de uma antropologia, forçoso é
reconhecer que, não obstante os esforços despendidos nas últimas décadas, até o presente, ela tem encon-
trado grande dificuldade em dominar o vasto campo de significação que se tenta circunscrever, tomando
como critério o modo de expressão, sob o nome de visual; a teoria do visual – bem como a do áudio-visual.
Que não passa de um rótulo cômodo – está longe de achar-se elaborada; por isso, a semiótica visual – ou
a semiologia da imagem – não é, com frequência, senão um catálogo de nossas perplexidades ou de falsas
evidências (GREIMAS, 2004, p. 75).
O estar em construção da teoria do visual na vertente da semiótica visual francesa, nos motiva e nos impulsiona a
utilizá-la como referencial teórico e a tentar ajudar nessa consolidação e construção. A proposta principal desse estudo
é, pois, realizar a leitura de imagens fotográficas, tendo como foco central a figura da criança, o que não nos dispen-
sa de considerarmos outros elementos presentes, como a figura da anciã indígena, presente na F1. Lembremos, pois,
Rebouças (2000, p. 2) “a análise semiótica, ao tratar a imagem como um objeto de sentido, designa um conjunto de
elementos e procedimentos de uma construção estruturada em um todo complexo, que se mostra àquele que a vê.” A
partir desse prisma, a função do analista aqui é de tornar visíveis os processos de estruturação desses objetos de sen-
tido (em nosso caso das fotografias) indicando caminhos para uma compreensão mais profunda do que se vê e do que
nos é dado ver.

354
Se as crianças e as infâncias retratadas nessas fotografias eram nossos focos iniciais de estudo, não pudemos olvidar,
também, a presença de outro personagem marcante em uma das fotos escolhidas, a figura da mulher e o tema da vel-
hice, em contraponto ao tema da infância. Existem, pois, de início alguns contrastes bem visíveis nas fotos escolhidas.
Se o primeiro contraste, que marca o plano de expressão das fotos, é o uso do preto e branco, com as diversas nuanças
de cinzas; uma outra oposição, localizada no plano de conteúdo do texto (F1), pode ser vista a partir do par /infância/
vs /velhice/, ou /novo/ vs /velho/, a ser explorada mais adiante.
Assim, na direção das propostas apresentadas pelo semioticista francês Jean-Marie Floch realizaremos uma análise
das fotografias do fotojornalista Rogério Medeiros, com a intenção de observar e compreender os seus processos
semi-simbólicos de significação. Para tanto, os dois textos escolhidos serão entendidos como enunciados compostos
por um plano de expressão – o componente visual – e um plano de conteúdo, ambos homologados, estabelecendo
uma relação semi-simbólica.

Uma pincelada sobre a fotografia


Estudando textos sobre fotografia e observando alguns livros de fotos como o de Henri-Breton (1998), pode-se perce-
ber uma estreita relação entre a fotografia e a ação de captar, capturar. Nas palavras de Breton (1998), “Photographier:
c’est retenir son souffle quand toutes nos facultés convergent pour capter la réalité fuyante.” Aqui o fotógrafo francês faz
menção tanto ao caráter fortemente mimético da fotografia, bem como a ação de capturar essa mesma realidade,
através da apreensão de seus instantes fugidios. O que é agora, já não o é num instante posterior. No depoimento do
próprio Rogério Medeiros também encontramos o ato de fotografar muito vinculado à captura de um momento no
tempo, de um momento “real”. Susan Sontag (1981) nos fala acerca da “magia ambígua da imagem fotográfica”, afirman-
do que
[...] a fotografia talvez seja, dentre todos, o objeto mais misterioso que compõe e dá consistência ao mun-
do que identificamos como moderno. Na verdade, a fotografia consiste em experiências que se captam e a
câmara é o instrumento ideal para o espírito ávido (SONTAG, 1981, p. 4).
Podemos não considerar a fotografia como o objeto mais misterioso que compõe o mundo moderno, pois a pintura, a
escultura, o cinema, o teatro, a música, e outros possíveis fazeres artísticos podem se transformar igualmente em “ob-
jetos misteriosos” que nos dão a ver o mundo, e um olhar sobre o mundo; mas não podemos olvidar a forte presença
da fotografia no mundo contemporâneo e na expansão das novas mídias digitais. Ainda segundo a autora, é a imagem
fotográfica que nos transmite hoje grande parte das informações que possuímos sobre o que foi o passado e sobre o
que é o presente. E afirma que,
Aquilo que se escreve sobre uma pessoa ou acontecimento é mera interpretação, do mesmo modo que o
são os depoimentos visuais criados por artistas, como pinturas e desenhos. A fotografia aparentemente não
constitui depoimento sobre o mundo, mas fragmento desse, miniatura de uma realidade que todos podemos
construir ou adquirir. A fotografia, que brinca com a escala do mundo, pode ser reduzida, ampliada, cortada,
retocada, consertada e distorcida (SONTAG, 1981, p. 4).
Portanto, esse aparente caráter verossímil e “real” da fotografia, pode esconder aquilo que parece, mas de todo não é.
Ademais, a fotografia é tida, muitas vezes, como um documento da realidade, é entendida como aquela que fornece
provas, ou de que seu registro comprova, em primeira instância, o acontecimento de um fato, e a consecução de algo
por determinado sujeito. Sontag (1981) ainda nos fala que a fotografia pode deformar ou distorcer aquilo que capta,
mas “[...] sempre permanece a suposição de que algo semelhante ao que mostra a fotografia existe ou existiu” (SON-
TAG, 1981, p. 6).
Assim, a fotografia para essa autora de alguma maneira parece desenvolver uma relação mais simples e mais exata
com a realidade visível do que outros objetos miméticos. Essa proximidade entre a fotografia e o que se pode chamar
de uma forte verossimilhança com o visível, muitas vezes faz-nos crer que aquilo que a câmera capta se confunde com
um dizer verdadeiro; ou seja, aquilo que a máquina capta se nos parece “verdadeiro”, nos induzindo, muitas vezes, a que
assinemos um contrato fiduciário com o enunciador da expressão fotográfica e que creiamos como “verdade” aquilo
que é retratado de um determinado foco e de uma determinada forma.
Se Floch (1993) nos fala acerca da identidade visual que pode ser dada por um conjunto de objetos textuais de um
determinado enunciador; Sontag (1981) nos fala que o fotógrafo ao pensar e desenvolver determinada tipologia de
fotografia e optar por determinado grau de exposição em detrimento de outro, passa a infundir a seus temas e formas
padrões constantes. No caso do fotógrafo ao qual nos referimos a opção pelo uso do preto e branco como uma marca
inolvidável de suas fotos, criando assim uma determinada identidade visual, é significativo.3 Tem-se, pois, a utilização

355
do contraste preto vs branco, claro vs escuro, como uma marca estética expressiva de sua obra e, em especial, dessas
duas fotografias que compõem nosso pequeno corpus.
Apesar da excessiva exploração da imagem fotográfica no mundo contemporâneo e do que se convencionou chamar
de banalização da imagem, que vem perdendo gradativa e ininterruptamente a aura benjaminiana, as fotos escolhidas
nos colocam ainda diante de um fazer fotográfico tido e vivido como uma busca, “[...] a fotografia do instante decisivo,
do olhar incessante, do flâneur, daquele que não tem medo de jogar contra o inevitável, o incessante, o absurdo. Tal
prática fotográfica está confinada a guetos cada vez menores” (Bueno, 2009, p. 3). Podemos lembrar aqui a noção
de “experiência autêntica” de Walter Benjamin, para o autor esse tipo de experiência nasceria da palavra poética, da
relação com o mito, com a memória, a tradição e da relação com a natureza. Para Benjamin, daí sua crítica à moderni-
dade, a substituição da narração pela informação e a informação pela sensação, “[...] provocava a atrofia progressiva
da experiência e apagava a marca do narrador, que proporciona o que viveu como experiência àqueles que o escutam”
(BENJAMIN, W., apud NUNES, 2008, p. 91). É dentro desse tipo de olhar que situamos nossos objetos de estudo.

De Guaranis à Pomeranos: a construção de uma análise visual


Vejamos abaixo, já de imediato, a primeira foto, que retrata duas pessoas da etnia4 Guarani Mbya. Segundo depoimento
do fotógrafo-autor a imagem retrata “[...] uma velha índia que estava com essa criança no colo [...]” (MEDEIROS, 2013).
Criança que segundo o fotojornalista se trata de uma menina. Como se vê, trata-se também da imagem do feminino, ou
do simulacro do feminino na cultura Guarani Mbya. A fotografia foi tirada na aldeia Tekoa porã, em Aracruz, no estado do
Espírito Santo, datada aproximadamente do final da década de 1970 e início da década de 1980. A seguir rememore-
mos a foto:

Figura 3 – Foto 1, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,7 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

Se a foto 1 traz, através de seu percurso temático-figurativo, uma imagem dos índios brasileiros, não é sem razão
que o fotógrafo enuncia no que diz respeito à sua fotografia, “[...] e me dava a impressão que um mundo tão adverso
dessa nação... porque o índio só toma ferro nesse país... eu olhava para essa foto e achava que ela [a menina] seria
essa [a anciã] de amanhã, toda enrugada... você [a menina] vai ser igual a ela [a anciã]...” (MEDEIROS, 2013). E nessa
intercalação da fala com a foto nos deparamos com um discurso, ou um interdiscurso, que se nos mostra uma imagem
diferente da figura do feminino; suas bocas cerradas, seus olhares um pouco vagos nos mostram uma outra estética de
criança e de feminino, que não aquela reiterada cotidianamente como modelo pelos grandes veículos de comunicação
social do país, e que retratam um universo simbólico bem diferente do universo indígena que se nos mostra a fotografia.
Na tentativa de compreendermos os efeitos de sentido que esta imagem (foto 1) produz, podemos ao nos deparar com
o plano de expressão dessa fotografia, no que se refere ao nível das estruturas profundas (ou traços não-figurativos,
formantes), ver que o que chama a atenção de imediato, no que se refere ao seu formante cromático, a utilização do
preto e branco. Podemos ainda dizer que a força dessa imagem encontra-se certamente na expressão dos sujeitos
retratados; nosso olhar de imediato se depara com o centro da imagem, em que está a intersecção dos dois sujeitos.
No entanto, a direção de nosso olhar caminha um percurso, onde a entrada se dá pela esquerda, lembrando a direção
da leitura de nossa escrita, com a figura da anciã indígena, e caminha no sentido de um mergulho descendente em
direção à criança indígena.

356
Numa linguagem cinematográfica, podemos dizer que o fotógrafo utiliza uma mescla de dois tipos de planos. Um meio
primeiro plano (ao fotografar a anciã) e um closep-up ao focar a menina indígena. Como nos diz Harris Watts,
O rosto é o principal ponto de interesse em uma entrevista; é melhor cortar para o Meio Primeiro Plano e
poupar o público de apertar os olhos para ver melhor o rosto. O Meio Primeiro Plano enquadra logo abaixo
dos ombros e é fechado o bastante para mostrar detalhes do rosto, sem chegar a ser intruso. [...] Com o
close-up (enquadra na altura da gola), o plano torna-se íntimo (WATTS, 1990, p. 159).
O interesse aqui é pois o rosto e a expressão dos retratados. Continuando nossa caminhada pelos meandros da ima-
gem, podemos dizer que ela (F1) se organiza a partir de um eixo vertical, entrecortado por diagonais, que se dão pelo
traçado de linhas imaginárias que perpassam os rostos das índias. Essa diagonal pode também ser vista a partir da
linha que se forma a partir da gola da roupa da índia mais velha. Vejamos o esquema abaixo (ver Fig. 4):

Figura 4 – Foto 1, F1, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,7 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

O predomínio do eixo vertical entrecortado com as diagonais expostas, dá a cena certo movimento, que a princípio
não pode ser apreendido. Logicamente, que a atividade colocada nela é relativa, pois, não há um movimento aparente.
Predomina aqui o foco na figura, em detrimento do fundo que é perceptível apenas na parte superior da imagem, mais
notadamente no lado direito.
Se nos perguntássemos quais são as categorias semânticas sobre as quais se constrói a fotografia (F1), a qual oposição
poderíamos nos referir? Importante recordar que “[...] o inventário semântico (no sentido estrito do termo) é constituí-
do de categorias que não têm nenhuma relação com o mundo exterior tal como é percebido, e que são pressupostas
até mesmo pela categorização do mundo” (GREIMAS; COURTÉS, 2011, p. 439). Dessa maneira, podemos enunciar que
esta foto (F1), traz duas figuras indígenas, uma mulher idosa e uma criança/menina onde a oposição fundamental
velho vs novo, ou mesmo morte vs vida se nos delineia, na medida em que entre a velha e a criança há forte o eixo da
vida que desabrocha e da vida que termina. Podemos então nos remeter a um movimento que vai da morte em direção
à vida. Vejamos como esse movimento pode ocorrer. Para tanto, faremos menção à sintaxe do nível fundamental, com
suas operações de negação e asserção. Se entendermos esse fotografia (F1) não apenas como um estado, mas como
uma narrativa, poderemos vislumbrar um movimento que se inicia na índia anciã, e seu estado de conjunção com a
morte/fim/velhice e caminha, no mergulho descendente pelo plano da expressão, em direção à menina, e que se depa-
ra, pois, com um outro estado, oposto do primeiro, o de conjunção, não com o fim, mas com o início, a vida. Assim, numa
leitura lógica dos termos do quadrado semiótico, o estado da menina nega a morte e afirma a vida. O sentido de tempo
também está colocado, já que no observar a tenra idade da menina, em contraposição à idade avançada da mulher, um
sentido de passar a vida se nos vem.
A despeito da dimensão eidética, predomina o curvilíneo, podendo ser observado em todo o desenho facial dos ac-
tantes e em suas formas globais. Apesar do predomínio da forma arredondada, curvilínea, podemos vislumbrar também

357
o reto, especialmente a partir do desenho formado pela gola da camisa da velha índia. Reta essa que ao se segmentar
se apresenta sob a forma de um V. Podemos ver assim no que se refere à dimensão eidética, todo um jogo de con-
trários, reto vs curvo, angular vs arredondado. Predomina em toda a composição uma dimensão de simetria, dada pela
relação entre as partes do corpo da índia mais velha em relação às partes do corpo da índia nova. No que se refere à
topologia da cena, podemos vislumbrar a relação alto vs baixo ao comparar a posição do rosto da anciã, com a posição
do rosto da índia criança. Temos assim um alto/esquerdo vs um baixo/direito, o que reforça ainda mais as diagonais
traçadas e seu movimento não aparente. A imagem também é marcada pela posição frontal dos sujeitos retratados, o
que aumenta a função referencial da expressão artístico-jornalística. Aliás, é o mesmo fotógrafo que reforça o caráter
de representação da realidade que essa fotografia, de alguma maneira, visa.
Ao ser perguntado pela autora desse texto acerca do tipo de equipamento que utiliza para seus trabalhos, diz:
[...] veja eu sempre trabalhei com objetiva normal, é evidente que eu posso recorrer a outros recursos se
a fotografia exige, mas geralmente, raramente uma teleobjetiva, porque a tele já deforma, ela chapa... eu
nunca trabalho com a tele... porque a 50mm é olho humano... é a objetiva normal, é como ele capta (o olho
humano) (MEDEIROS, 2013).
Outro aspecto interessante nos vem na fala de Marchezan, quando profere, “[...] o retrato frontal [...] enfatiza, assim, o
foco central da foto em relação às grandes áreas de sombra da sua periferia” (MARCHEZAN, 2012, p. 2). No caso da F1,
temos ainda o fato de que não há grandes áreas de sombra de sua periferia, e sim pequenas áreas de sombra em suas
periferias, a foto é praticamente toda tomada com a presença dos sujeitos retratados. O ponto central, como já dito, é
a expressão dos sujeitos. Então, ao priorizar esse caráter de “representação do real,” o fotógrafo utiliza um equipamen-
to que faz ver como o olho humano vê e capta a realidade circundante. Cabe a nós, contudo, fazer aqui uma pequena
reflexão acerca do problema da iconicidade, remetamo-nos à Greimas e Courtés para afirmar que:
Reconhecer que a semiótica visual [...] é uma imensa analogia do mundo natural, é perder-se no labirin-
to dos pressupostos positivistas, confessar que se sabe o que é a ‘realidade’, que se conhecem os ‘signos
naturais’ cuja imitação produziria esta ou aquela semiótica, etc. Da mesma forma, significa também negar
a semiótica visual como tal: a análise de uma superfície plana articulada consistirá, nessa perspectiva, em
identificar os signos icônicos e lexicalizá-los em uma língua natural [...]. O caráter específico da semiótica
visual se dilui nessas duas macrossemióticas, que são o mundo natural e as línguas naturais (GREIMAS;
COURTÉS, 2011, p. 250).
Portanto, essa astúcia enunciativa, do enquadramento frontal e do fazer ver como o olho humano vê, posiciona o obser-
vador “cara-a-cara”, de frente com o sujeito retratado. O que nos convida a olhá-lo nos olhos e a senti-lo de imediato.
Aqui, o enunciado fotográfico, que se constitui também como um ponto de vista do homem sobre o mundo nos faz
refletir sobre a condição indígena e, em especial, da criança indígena em nossa sociedade.
Sobre o retrato em si, Marchezan (2012, p. 3) nos fala, “[...] um retrato organiza numa cena um acontecimento. O re-
trato, portanto, é um estado”. Se o retrato é, pois, um estado, qual o estado desses atores em cena? O que podemos
depreender ao olharmos nossos sujeitos é uma certa atitude de tristeza, especialmente no olhar da índia mais velha, e
que pode ser percebida pela posição dos lábios (certa contração), e pela expressão dos olhos dos retratados, que nos
remetem a um quê de seriedade.
O que essas marcas faciais nos revelam? A cena descrita, os “estados de alma” dos sujeitos, bem como seus contrastes
do plano da expressão e do plano de conteúdo, nos levam a ver nessa imagem uma atmosfera um tanto quanto densa,
e que poderá ser facilmente reconhecível quando da comparação entre as fotografias analisadas (F1 e F2) – ver quadro
1, ao final do texto.
Vejamos daqui em diante o que a foto 2 (ver Fig. 5) nos diz, e quais os procedimentos que utiliza para dizer o que
enuncia.

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Figura 5 – Foto 2, F2, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,6 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

A fotografia acima traz uma atmosfera diferente da anterior, aqui é uma expressão de satisfação do menino que nos
chama atenção de imediato. Vejamos que efeitos de sentido podemos apreender ao lermos essa imagem. Sem no-
meação explícita, a cena trata de um momento do cotidiano da criança pomerana em um ambiente rural, localizado
temporalmente no século passado. Em primeiro plano, encontramos o menino pomerano de boina preta. Justaposto a
esse, encontra-se outra criança, às suas costas, numa relação de evidente intimidade, o que não subtrai a existência de
uma “tensão” da menina menor ao segurar o menino.
Segundo relato do fotógrafo tratam-se de crianças de uma mesma família, onde os mais velhos são muitas vezes en-
carregados de cuidar dos irmãos mais novos. O detalhe da expressão facial do menino nos chama a atenção de imedi-
ato, e num leve sorriso instaura uma relação ou um efeito de sentido ao seu vedor de satisfação e bem-estar.
Segundo depoimento do fotógrafo Rogério Medeiros (2013) a foto 2 (Fig.5) capta crianças pomeranas do interior de
Santa Maria de Jetibá, município do estado do Espírito Santo, há mais de 30 anos atrás.
Com o título A saga de um povo oprimido na origem, o fotógrafo que trazemos como protagonista desse artigo, em sua
obra Espírito Santo: encontro das raças, inicia o primeiro capítulo contando a história dos pomeranos e sua chegada ao
estado do Espírito Santo, em 1847. A necessidade de substituição da mão-de-obra escrava africana, bem como a situ-
ação precária em que se encontrava a Europa, atingida por guerras entre impérios, favoreceu a vinda de diversos povos
europeus para o Brasil de meados do século XIX, entre eles os pomeranos de que falamos.
Sua situação de marginalidade em relação aos grupos predominantes da sociedade capixaba atual pode ser reforça-
da ainda por outra fala do fotógrafo, a seguir transcrita: “Mais de um século depois de chegarem ao Espírito Santo, os
pomeranos continuam sendo vistos como algo relativamente à parte da cultura capixaba. Exceto pelas relações comer-
ciais estabelecidas com o meio onde vivem [...]” (MEDEIROS, 1994, p. 15). Outro ponto a ser destacado em relação ao
modo de vida dos pomeranos, refere-se ao fato da existência de uma forte relação com a terra desenvolvidas por essas
comunidades, de onde “sempre extraíram a sobrevivência” (MEDEIROS, 1994, p. 15).
Apesar de sabermos que a teoria semiótica, de certa forma, não está tão interessada no sujeito de ‘carne e osso’ e
nem em aprofundar epistemologicamente as relações históricas dos sujeitos presentes nos textos que são seus ob-
jetos principais de estudo, devemos trazer Fiorin (2011) e reafirmar que, “a Semiótica narrativa e discursiva, herdeira
de Hjelmslev, nas pegadas desse autor, não recusa a História, ela leva em conta a historicidade dos textos. É preciso,
no entanto, ver como ela o faz” (FIORIN, 2011, p. 16). A recusa de relacionar a historicidade de uma texto com as ane-
dotas contadas tendo como referência suas condições de produção (o autor, o lugar e a época), não exclui todavia
informações contextuais que são imprescindíveis para situar esses actantes retratados e esse olhar materializado nas
fotografias escolhidas para análise.
Mergulhemos pois na fotografia em si e vejamos que relações podemos vislumbrar a partir de sua observação atenta.
Novamente vemos o emprego do preto e branco, só que agora o jogo entre luz e sombra faz-se mais presente. Também
de posição vertical, no modo de orientação retrato, com 30 x 23,6 cm, vemos na fotografia a imagem de duas crianças
pomeranas, um menino mais velho e uma menina mais nova, que ainda se utiliza do colo do outro. Trata-se de uma
cena do cotidiano dessa comunidade, uma cena que contextualiza o local de trabalho da família pomerana, datada do

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final da década de setenta do século passado. Sobre o trabalho que o enunciador/autor da fotografia desenvolve ao
documentar essas populações, ele mesmo nos diz:
[...] como eu trabalho com essas populações, eu levo uns dois, três dias andando com a máquina, me tor-
nando uma pessoa, que não é aquilo que tradicionalmente o fotógrafo ele se constitui, que é uma arma
apontada para alguém... a máquina é uma arma apontada para alguém... então você vai ver que o menino,
embora ele falasse uma língua diferente da minha, que eu falo o Português, e ele fala o Pomerano... falava
na época..., a gente se comunicou bem [...] (MEDEIROS, 2013, arquivo pessoal).

Ao constatar que a máquina fotográfica pode se constituir numa arma contra aquele que vai ser retratado, ela pode,
também, se tornar amiga e desenvolver uma relação amistosa com aquele a quem vai retratar. Interessante constatar
que o próprio fotógrafo ao afirmar a câmera como um instrumento de ataque, já denuncia a natureza de construção
e montagem pela qual passam as fotografias. Ou seja, a fotografia é sempre uma determinada leitura de mundo, já
que enquadra determinados sujeitos, ângulos e formas. É sempre o olhar de alguém sobre algo. Rogério Medeiros,
no entanto, faz uma ressalva sobre o seu trabalho fotográfico, asseverando que, “eu só fotografo o que eu escrevo, eu
nunca saio só para fotografar, então fotografo pouco; fotografo há muito tempo, mas pouco” (MEDEIROS, 2013, arqui-
vo pessoal). E continua dizendo que o trabalho do fotojornalista é um trabalho bem próximo daquele que desenvolve
o documentarista. O caráter de verossimilhança com o mundo natural está assegurado, ao aproximar fotografia de
documentário. O estilo realista é afirmado como marca estética de seu trabalho fotográfico. Esse texto não-verbal, de
forte caráter figurativo-icônico, toma como figuras centrais duas crianças pomeranas. No nível das estruturas profundas
do plano da expressão da imagem, encontramos o jogo entre contrastes preto vs branco, claro vs escuro; bem como
oposições baseadas na dualidade vertical vs horizontal, angular vs arredondado. O eixo vertical assume uma grande
força na imagem, com o destaque para a figura ereta do menino. Colocado no centro da imagem, divide simetricamente
a imagem em duas metades, a da direita e a da esquerda. Observemos o esquema abaixo:

Figura 6 – Foto 2, F2, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,6 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

A luz nos chega pela esquerda e pela angulação de seus raios cria efeitos de luz e sombra na fotografia, como dito já
anteriormente. O olho inicia sua caminhada a partir da esquerda, não só por lembrar a direção usual da escrita, mas
por acompanhar a entrada da luz na imagem. As crianças são colocadas no centro da foto, no entanto, o menino as-
sume posição estratégica já que opera uma geometrização do espaço da imagem, quando divide o espaço da foto e
ocupa dois terços do espaço global da obra. A força da imagem encontra amparo na expressão do menino, que em
posição ereta e com os braços à moda da escultura Figure décorative de Henri Matisse (1908), repousam em cada lat-
eral entreabertos, desenhando pequenos semicírculos, também simétricos no espaço e também utilizando o eixo de

360
simetria formado pela figura do menino pomerano. A posição frontal dos actantes também se destaca, embora haja na
posição do rosto do menino uma pequena angulação à direita, levando nosso olhar para a direção inferior-direita da
foto, onde se destaca parte do rosto da criança menor. Também podemos observar a figura geométrica do cone, bem
como a repetição da figura do triângulo como organizadora da composição fotográfica, vejamos novamente o esquema
possível abaixo:

Figura 7 – Foto 2, F2, Rogério Medeiros, 1994. Fotografia em preto e branco, 30 x 23,6 cm. Vitória, Galeria de Arte Espaço Universitário (reprodução).

Se a face do menino pode ser completamente observada, podendo-se construir seus efeitos de sentido, o rosto da
menina que se encontra em seu colo é apenas parcialmente delineada. Se o menino demonstra pela observação de
sua expressão facial, certa satisfação e descontração, donde o detalhe assombreado divide seu rosto em duas metades,
a superior direita mais sombreada, criando uma faixa mais escura que num movimento descendente nos leva ao rosto
da criança menor, e a parte inferior esquerda, mais iluminada. É, pois, nesse jogo de luz e sombra que a cena se faz. O
equilíbrio, a simetria e a repetição de elementos dão a tônica do design e marcam o plano da expressão da imagem. A
qual organização narrativa essa cena nos remete? Duas crianças pomeranas encontram-se no campo, uma “cuidando”
da outra. A mais velha acalenta a menor, donde sua cabeça semidelineada num semicírculo não nos dá a ver comple-
tamente o seu “estado de alma.” No entanto, se o menino se presentifica numa expressão de conforto, a menina menor
mostra certo desconforto, não nos dando a ver objetivamente o que levou-a a estar assim.
Vemos, pois, o plano da expressão marcado pela oposição luz vs sombra, claro vs escuro, horizontal vs vertical. Difer-
entemente da foto 1, essa imagem apresenta maior profundidade e perspectiva. Ao focalizar as duas crianças de forma
frontal, a câmera aumenta os efeitos de sentido de realidade da imagem. Do quadril para cima do menino, foco central
do nosso olhar, vemos surgir pés, mãos, braços e parte do rosto da criança menor. Um detalhe de lama no pé esquerdo
da menina menor nos traz o seu cotidiano rural, a criança rural pomerana, que brinca descalça na terra e pode ‘sujar
os pés’. As figuras do texto visual, em conjunto, concorrem para exprimir alguns temas, como: o cotidiano da criança
pomerana; o cuidado que as crianças maiores devem ter com os menores; a relação entre crianças; o cotidiano da
família pomerana da década de 1980, no interior do Espírito Santo; a criança rural; a criança pomerana, de etnia bran-
ca. Também podemos observar que o campo, fundo da imagem, não possui muita vegetação, o que demonstra que é
um campo cultivado e explorado para agricultura e/ou pecuária. No caso dos pomeranos, a atividade predominante é a
agricultura. E a exploração da terra é sua principal atividade econômica.
Antes de caminharmos para um fechamento não podemos finalizar sem perguntar: e quanto à postura corporal dos
sujeitos, o que nos indica? No seu conjunto, a postura corporal dos retratados nos indica certo “estar à vontade”, uma
descontração. E se ainda nos perguntássemos, e quanto ao “agir performativo” desses actantes, quais as relações pode-
riam ser estabelecidas, ou deduzidas? Para nós, alguns aspectos marcam esse “agir performativo” dos sujeitos, a citar: a
descontração, a presença de um caráter amistoso e afetuoso entre as crianças, o ‘estar à vontade’ em frente ao outro.
Podemos também dizer que a ênfase na F2 está na figura, e não no fundo. Se na F1 o nosso olhar tem como ponto
central a expressão das indígenas, aqui nosso foco aumenta, já que se centra na expressão corporal dos atores da cena.

361
Assim, na tentativa de darmos um final para esse estudo, traçaremos alguns aspectos depreendidos da relação entre a
foto 1 e a foto 2, exposto no próximo tópico.

Uma conclusão provisória


Sem a pretensão de generalizar as articulações traçadas nesse texto, não podemos deixar de enunciar que, de alguma
maneira, as imagens trazidas reforçam e trazem à tona determinados estereótipos sociais e realidades socioeconômi-
cas peculiares. Se o gestual das pessoas indígenas trazidas na F1 nos remete a uma atmosfera mais “densa”, a lembrar
um estado de alma sério e sisudo; o sujeito pomerano vem numa condição de distensão e relaxamento. Encontramos
diferenças e semelhanças quando comparamos as duas fotos. Ao intentarmos estabelecer relações entre as duas ima-
gens estudadas alguns pontos se nos aparecem, vejamos.

Semelhanças (F1 - F2) Diferenças (F1 - F2)

Uso do preto e branco Gestualidade dos sujeitos

“Estados de alma”
Presença da figura humana
F1(contração/peso) vs F2 (descontração/leveza)
F1 – pouca profundidade
Retrato de minorias
F2 – maior profundidade e perspectiva
F1 – aumento na contenção dos actantes (expressão
Não há títulos facial)
F2 – aumento da expansão dos actantes (gestual)
F1 – maior efeito de proximidade (angulação)
Não é possível estabelecer relações
intertextuais com seu título F2 – um certo efeito de distanciamento, já que há uma
incógnita – “estado de alma” da menina menor
Textos figurativos
Quadro 1 - Das relações estabelecidas entre F1( foto 1) e F2( foto 2)

Assim se o uso do preto e branco, bem como do retrato da figura humana são marcas estéticas do trabalho fotográfico
de Rogério Medeiros, não podemos deixar de estabelecer uma relação entre o seu estilo e o estilo clássico (FLOCH,
Jean-Marie, 1993). Com a presença de linha de contorno significante, a divisão do espaço em zonas paralelas e o uso de
formas fechadas, bem como o predomínio da claridade em detrimento da obscuridade, encontramos o estilo clássico
marcando as fotografias de Rogério Medeiros. O fotógrafo ao nos trazer pessoas humanas provenientes das minorias
desprivilegiadas de nossa sociedade, nos pinta outros modos de vida, ser e estar no mundo, que ultrapassam os pa-
drões urbanos, capitalísticos e de consumo ao qual estamos acostumados a nos enquadrar. E ao enfocar uma temática
social, nos desperta para pensarmos esses diferentes modos de ser e estar de outras comunidades, nos possibilitando
o mergulho em outras referências, e a visualização de outros simulacros, distantes talvez daqueles que estamos mais
acostumados a nos deparar sobre a mulher e a criança. Abre-se, assim, a possibilidade de pensarmos e sentirmos um
Outro, e aqui um Outro ainda mais peculiar, a criança.

362
REFERÊNCIAS
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FLOCH, Jean-Marie. Semiótica, marketing y comunicación: bajo los signos, las estrategias. Traducción de Mª del Rosario
Lacalle y Mª Francisca Fernández. Barcelona, España: Ediciones Paidós Ibérica, 1993.
GREIMAS, Algirdas Julien.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2011.
GREIMAS, A. J. Semiótica figurativa e semiótica plástica. In: OLIVEIRA, Ana Claudia (Org.). Semiótica Plástica. São Paulo:
Hacker Editores, 2004. p. 75-96.
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cação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 89-102.
MEDEIROS, Rogério. Espírito Santo: encontro das raças. Vitória: Don Quixote, 1994.
MEDEIROS, Rogério. Entrevista concedida a CASTRO, Juliana Contti. 2013. Arquivo da autora.
Marchezan, L. G. A função catártica da fotografia de Sebastião Salgado. Cadernos de Semiótica Aplicada, v. 10, n. 2, dez
2012, p. 2. Disponível em: <http: //seer.fclar.unesp.br/casa>. Acesso em: 18 julho 2013.
MICHEL, Maria Helena. Metodologia e Pesquisa Científica em Ciências Sociais. Um guia prático para acompanhamento
da disciplina e elaboração de trabalhos monográficos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
REBOUÇAS, Moema Martins. O discurso modernista da pintura. 2000. 201 p. Tese (Doutorado em Comunicação e
Semiótica) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
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SONTAG, S. Ensaios sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Arbor, 1981.
TÀPIES, A. História Geral da Arte. [s.n.]. 1955.
WATTS, H. On Camera, o curso de produção de filme e vídeo da BBC. Trad. Jairo Tadeu Longhi. São Paulo: Summus, 1990.

(Endnotes)
1 Expresso aqui minha gratidão ao fotógrafo Rogério Medeiros que me concedeu boas horas de conversa sobre seu trabalho como fotojornalista...
aqui vai meus sinceros agradecimentos e à Anamelia Bueno Buoro pela leitura paciente e cuidadosa dos originais, suas contribuições valiosas nos fizeram
refletir e aprimorar o texto que agora expomos.
2 Rogério Medeiros é repórter de jornal e fotógrafo especialista em fotos preto & branco, iniciou seu trabalho no início dos anos de 1950 como auxil-
iar de campo do botânico capixaba Augusto Ruschi (1915-1986). Trabalhou como correspondente do Jornal do Brasil e repórter do Estadão. Fundador nacional
do PT (Partido dos Trabalhadores), desfiliou-se na década de 1990, tendo exercido alguns cargos no Governo do Espírito Santo e na Prefeitura de Vitória. Hoje
dirige e edita o jornal eletrônico Seculodiario.
3 Toda a obra do fotojornalista Rogério Medeiros é em preto e branco. Ele diz em um dos trechos de sua entrevista exclusiva concedida à autora desse
artigo: “[...] você tem que entender que eu sou do tempo do preto e branco... então o preto e branco fez com que eu estudasse o preto e branco.” Arquivo pes-
soal. 2013.
4 Evita-se utilizar o termo “raça”, por ser um vocábulo passível de inúmeras polêmicas e tema de inúmeros trabalhos acadêmicos. Para aprofundamen-
to ver S. D. J. Pena, “Razões para banir o conceito de raça da medicina brasileira”, in M. C. Maio e R. V. Santos (eds.), Dossiê raça, genética, identidades e saúde, v.
12, n. 2, Rio de Janeiro, maio-agosto 2005, pp. 321-346. O autor inicia seu artigo com as seguintes palavras: “Há um amplo consenso entre antropólogos e ge-
neticistas humanos de que, do ponto de vista biológico, raças humanas não existem (AAA, 1998; Nat Genet, 2001). Em outras palav\zras, as categorias ‘raciais’
humanas não são entidades biológicas, mas construções sociais”.

Juliana Contti Castro


Graduada em Pedagogia, Especialista em Docência e Mestre em Educação pelo PPGE/UFES, atua como pesquisadora
do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos em Arte (GEPEL/UFES/CNPq) e do Centro de Pesquisas Sociossemióticas
(PUC-SP). Exerce atividades também na área da educação formal, em sistemas públicos e particulares de ensino. Seus
campos de interesse são: linguagens, análise do discurso, didática e avaliação.

363
A QUESTÃO DA CULTURA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE
ARTE
Maira Pêgo de Aguiar - UFES

RESUMO
Este trabalho refere-se a pesquisa em andamento cujo objetivo é investigar, no âmbito dos cursos de Artes
Visuais da UFES a dimensão da formação cultural dos acadêmicos no contexto geral de sua formação profis-
sional, uma vez que se considera essa uma importante dimensão da educação em arte, impulsionadora da
busca por atualização de conhecimentos na área e pela democratização de seu ensino. Como metodologia
foram utilizadas entrevistas, realizadas no segundo semestre letivo de 2013 e nos dois semestres letivos de
2014, foi possível observar que os acadêmicos possuem pouco contato com espaços de criação e exposição
de arte, considerados, pela maioria, como lócus de cultura; Que o restrito número desses espaços no estado
constitui justificativa para isso. Observou-se que a concepção de cultura impossibilita-lhes uma percepção
mais ampliada das manifestações artísticas locais o que, pode vir a influenciar suas futuras práticas de ensi-
no de arte.
Palavras chave: formação cultural, ensino de arte, alunos de Artes Visuais.

ABSTRACT
This work refers to the on going research in which the main point is to investigate, in the field of visual arts
in UFES, the dimension of the cultural formation in the academic and in a general context of it’s profession-
al formation, once consider important contexts in the process of education of arts, driving in the search for
actualization of knowledge in the area and for the democratization of its teaching. The methods applied
were the use of interviews, in the second semester of 2013 and both semesters of 2014. It was possible
to observe that the academics have little contact with spaces of creation and arts exhibitions, widely con-
sidered, as points of culture; it was observed that the conception of culture, for them, gets in the way of a
greater perception of arts manifestations of the places in which, may come to be in influence in their future
practices of art teaching.
Key words: cultural formation, teaching of arts, visual arts students.

A formação de professores de Arte tem sido objeto de pesquisa crescente desde que a Lei de Diretrizes e Bases da Ed-
ucação Nacional, nº 9.394 de 1996 substitui a denominação Educação Artística, atribuída em 1971 na 5.692, por Arte,
mudando assim a natureza das práticas de ensino de arte na Educação Básica e, em consequência, também na for-
mação de professores. Alguns estudos têm abordado essa formação em seus aspectos legais, políticos e pedagógicos
levantando questões que se colocam nos processos formativos e que devem ser considerados para uma análise mac-
rossocial dos fenômenos que envolvem tanto a formação de professores quanto o próprio sujeito que nela se insere,
constituindo os perfis identitários da profissão docente no Brasil. Alguns desses foram considerados nessa pesquisa em
função de sua relevância para a área de ensino de Arte.
Sardelich (2001) analisa a formação inicial e permanente de professores de Arte da Educação Básica em Feira de
Santana, na Bahia, e destaca a formação inadequada de grande número desses para a atuação no ensino de Arte, bem
como as escassas possibilidades que o município oferece para que atinjam as metas definidas pelo governo nos docu-
mentos diretores para o ensino de Arte.
Silva (2008) apresenta um levantamento das produções científicas apresentadas nos encontros da Associação Nacio-
nal de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), nos Encontros de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste
(EPENN), nos Congressos Nacionais da Federação de Arte Educadores do Brasil (ConFAEB), nos encontros da Asso-
ciação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e nos Congressos da Associação Brasileira de Pesquisa
e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE), buscando compreender de que forma eram problematizados os estudos
sobre formação de professores para o ensino de Arte.

364
Tratando dos significados e sentidos de professores acerca da importância da Arte na sua formação, o estudo de
Coutinho (2006) desenvolve-se no contexto de oficinas realizadas com um grupo de professores de Educação Infantil
da periferia da cidade de São Paulo. A autora analisa a produção de sentidos desses professores durante o curso de for-
mação e apresenta relatos desses sobre as experiências vividas de forma prazerosa que tendem a mudar suas práticas
pedagógicas.
Soares (2007) destaca a necessidade da formação estética para a constituição da docência em sua pesquisa com um
grupo de doze professoras do ensino básico, pensada numa perspectiva de aproximação desses futuros professores
com as manifestações culturais locais.
A questão da formação estética de professores está presente também nos estudos de Loponte (2008) que ressalta a
necessidade de pensar a dimensão estética na formação docente para a infância propondo para isto a intensificação
da experiência estética dos futuros professores, principalmente a partir da sua imersão nas manifestações artísticas
contemporâneas que rompem com os padrões artísticos tradicionais.
Salomé (2007) trata da necessidade de uma reflexão sobre uma educação voltada ao desenvolvimento do olhar
sensível para a formação de sujeitos mais sensíveis ao mundo que os cerca. A autora defende o ensino e a aprendiza-
gem da Arte na escola e destaca que este deve ocorrer aliando atividade criadora ao conhecimento artístico como
meio de formação dos sentidos desses futuros professores.
Farina (2008) propõe uma aproximação entre as práticas pedagógicas e as práticas estéticas, confrontando para isto,
através de duas experiências com a dança, os processos de formação estética institucionalizados aos processos de
formação estética configurados na maneira como os sujeitos se relacionam no cotidiano, consigo mesmos e com o seu
entorno. É uma das poucas autoras encontradas em minha revisão de literatura que considera a formação estética para
além do contato do sujeito com a Arte.
Honorato (2008) busca compreender os processos de apropriação e produção cultural de um grupo de professores de
Educação Infantil do município de Criciúma em SC alertando para a recorrência de discursos e afirmações prontas, re-
petitivas sobre as práticas pedagógicas no ensino de Arte, concluindo que o senso comum ecoa nos espaços escolares,
traduzidos em atividades descontinuadas que privilegiam o produto em detrimento do processo criador dos alunos.
Situação comum em outras partes do Brasil também.
Tourinho (2007) discute os conceitos de “experiência” e “mediação”, analisando questões ligadas à experiência estética
numa perspectiva de processo e reconstrução contínua que caracterizaria a experiência. A autora apresenta a cultura e
o cotidiano como geradores e mediadores de experiências estéticas. Esta é também uma das questões apontadas nesta
pesquisa, a partir da análise dos dados coletados com os alunos de Artes Visuais, diurno e noturno, da UFES, pesquisa-
dos por mim.
Estudos sobre diferentes abordagens na formação de professores de Arte são apresentados nos encontros da ANPAP
com frequência, entre eles destacam-se o de Oliveira e Hamasaki (2011) que discute a atuação de professores de Arte
no Espírito Santo, considerando para isso aspectos da formação inicial. Franceschi (2009) que busca compreender
a constituição do gosto por arte e docência, destacando a influência da família e da escola na construção das dis-
posições artísticas e concepções de feminino nas escolhas de mulheres pelo curso de Licenciatura em Artes Visuais,
em Blumenau, SC. Loponte (2011) que aborda as possibilidades e potencialidades que a arte contemporânea pode
trazer para a formação estética docente. Forte (2011) que problematiza a formação de professores de Artes Visuais a
partir de repertórios visuais presentes no seu cotidiano e de como esse repertório reverbera na formulação de práticas
de ensino desses futuros professores.
As pesquisas citadas abordam, de algum modo, a dimensão cultural na formação de professores de Arte, aspecto que
se buscou aprofundar no presente estudo uma vez que se considera a dimensão da formação cultural dos acadêmicos
uma importante dimensão da educação em arte, impulsionadora da busca por atualização de conhecimentos na área
e pela democratização de seu ensino. Importante destacar ainda a relevância de uma analise global sobre a formação
do professor de Arte no contexto do estado, considerando, principalmente o momento pelo qual passam os cursos de
Artes Visuais da UFES, com as propostas de reformulação de suas matrizes curriculares.
A pesquisa tem como objetivo geral investigar a dimensão da formação cultural dos acadêmicos no contexto geral de
sua formação profissional, uma vez que se considera essa uma importante dimensão da educação em arte, impulsiona-
dora da busca por atualização de conhecimentos na área e pela democratização de seu ensino. Os objetivos específi-
cos são: Investigar as concepções dos acadêmicos sobre cultura; Compreender as implicações dessas concepções nas
suas relações com a Arte; Identificar as formas de inserção dessa dimensão na formação profissional dos acadêmicos;
Apontar possíveis implicações das condições de formação cultural dos acadêmicos em questão, nas suas práticas de
ensino de arte.
A pesquisa em questão tem caráter qualitativo e constitui-se em estudo de caso uma vez que tem como lócus a Uni-

365
versidade Federal do Espírito Santo, mais especificamente os cursos de Artes Visuais do Centro de Artes.
Para fundamentar a opção por estudo de caso, recorri aos estudos de Bogdan e Biklen (1994) que o definem como
“[...] observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento
específico” (p. 89). Os autores destacam que no estágio inicial da pesquisa, a coleta de dados ocorre de maneira menos
direcionada e os pesquisadores, a partir da revisão e da exploração desses dados, orientam melhor os seus objetivos.
Desta forma, começam a surgir interesses por alguns aspectos em especial do contexto observado, de forma a estreitar
o foco da pesquisa.
As investigações foram feitas a partir de material empírico coletado no segundo semestre letivo de 2013 e no primeiro
semestre letivo de 2014, por meio de entrevistas, realizadas individualmente e em grupos, no contexto das disciplinas
Fundamentos do Ensino da Arte I, Fundamentos do Ensino da Arte II, ministradas por mim às turmas do curso diurno
de Artes Visuais e das disciplinas Fundamentos da Pratica do Ensino da Arte I e Fundamentos da Pratica do Ensino da
Arte II, ministradas por mim às turmas do curso noturno. Outra oportunidade de diálogo com os acadêmicos sobre o
tema deu-se em viagem pedagógica ao Rio de Janeiro em 2013, para visita a diferentes espaços expositivos de arte, na
qual participaram estudantes dos cursos diurno e noturno além de estudantes do curso de Artes Plásticas da UFES. Os
relatórios feitos pelos estudantes, solicitados em função da viagem, agregaram-se ao corpus da pesquisa.
Ser pesquisadora no mesmo campo em que sou também professora provocou-me uma postura de observação constan-
te. Uma observação não apenas curiosa, mas, busquei ao longo do período de coleta de dados, manter uma postura de
estranhamento em relação aos alunos, aos seus enunciados e às suas interações. Um estranhamento desprovido de
preconceitos, de estereótipos de apoio no senso comum. Exigiu-me o que Barbier (2004) chama de escuta sensível, se-
gundo ele, requisito imprescindível na afirmação da coerência do pesquisador, que está apoiada na empatia e na total-
idade complexa do outro. O autor destaca que “[...] a escuta sensível reconhece a aceitação incondicional, do outro. Ela
não julga, não mede, não compara. Ela compreende sem, entretanto, aderir às opiniões ou se identificar com o outro,
com o que é enunciado ou praticado”. (p. 94).
Procurei não confundir as duas funções no desenrolar das ações pedagógicas, porém, percebo o quanto foi importante
para minhas ações enquanto professora ter o olhar atento da pesquisadora sempre alerta, ao mesmo tempo em que
foi importante na minha condição de pesquisadora ter clareza do papel da docência na responsabilidade de formação
profissional daqueles sujeitos.
Para captar os detalhes, as pistas deixadas pelos alunos em suas ações e discursos sobre Arte e nas experiências viven-
ciadas o olhar sobre os dados da pesquisa imbui-se de uma perspectiva indiciária, com base nos escritos de Ginzburg.
Destacada por Ginzburg (1989) como um modelo epistemológico surgido nas ciências humanas por volta do final do
século XIX, o paradigma indiciário foi influenciado pelas análises de Giovanni Morelli da pintura italiana, que propunha
a partir de um método, pensado por ele, atribuir de forma mais segura as obras não assinadas, aos seus verdadeiros
artistas-autores.
A partir da perspectiva indiciária foi possível ampliar as possibilidades de observação buscando complexificara coleta
de dados, a fim de tentar traduzir o mais próximo possível a concepção de cultura dos sujeitos pesquisados e o modo
como essa impactava sua relação com a Arte e sua expectativa do ensino dessa disciplina.
O desejo de complexificação dos dados baseia-se nos princípios metodológicos de pesquisa apontados por Bourdieu
(2008) como necessário para a apreensão total dos fenômenos pesquisados. O autor faz uma critica a tradição posi-
tivista de pesquisa em relação à sua tendência à busca da simplificação da coleta de material empírico e ao trato dos
dados. Destaca que
[...] a preguiça positivista leva a concentrar a intenção, completamente defensiva de verificação, na in-
tensidade das relações constatadas, em vez de fazer incidir a interrogação sobre as próprias condições da
mediação das relações às quais podem estar na própria origem da intensidade relativa das diferentes ações.
Para acreditar na independência das “variáveis independentes” da metodologia positivista, convêm ignorar
que os “fatores explicativos” são de fato “poderes” que têm valor e podem exercer-se apenas em determina-
do campo. (p. 90)

A força dos discursos que ocorrem nos contextos pesquisados e que se mostram nos campos de pesquisa por meio das
interações dos sujeitos, somente pode ser percebida pelo pesquisador se ele estiver disposto a um retorno reflexivo
constante sobre os instrumentos de análise, uma vez que, segundo Bourdieu (2008) esta é uma condição indispensável
para que o pesquisador obtenha o conhecimento cientifico do objeto pesquisado.
Nesse sentido, o processo de constituição desta pesquisa procurou sempre atribuir às interações estabelecidas nos dif-
erentes contextos formativos tomados como dados a potencialidade básica para a verificação dos discursos sobre Arte,

366
seu ensino e o bojo da cultura em que esses se constituem.
O material empírico coletado nas entrevistas individuais, agendadas e nas entrevistas coletivas, realizadas nas inter-
ações em sala de aula foi registrado em diário de campo. Tanto o material das entrevistas quanto o dos relatórios es-
critos foram analisados sob o aporte da teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin (1998, 1992, 1995, 2006), tomando como
base os discursos verbais e escritos dos sujeitos, em diferentes situações de ensino, no contexto das disciplinas citadas.

Algumas conclusões
Os dados indicaram que as concepções de cultura dos estudantes pesquisados, em sua maioria, estão ligadas às Ar-
tes, mais especificamente às linguagens artísticas mais tradicionais. Essas concepções apontaram para algumas im-
plicações na relação desses sujeitos com as manifestações artísticas, de modo que pareciam atribuir maior valor às
linguagens artísticas mais tradicionais que às manifestações mais contemporâneas da Arte ou mesmo à manifestações
culturais locais. Essas concepções percebidas nos discursos dos estudantes de Artes Visuais pesquisados podem indicar
possíveis implicações nas suas futuras práticas de ensino de arte, uma vez que, os currículos de Arte da Educação Básica
contemplam, em sua maioria, linguagens e manifestações artísticas e culturais diversas, das tradicionalmente reconheci-
das como Arte às manifestações locais, comunitárias, restritas muitas vezes, a artistas desconhecidos no meio artístico.
Em função da limitação de páginas para a apresentação desse documento, foram escolhidos apenas alguns discursos
produzidos pelos estudantes em interações em diferentes contextos e situações, de modo a dar uma ideia dos resulta-
dos da investigação. Há ainda outros dados, constitutivos do corpus dessa pesquisa que certamente serão apresentados
em outras oportunidades de discussão sobre ela.
Muitos autores discutem a constituição histórica e social do Homem, apontando a cultura como base para a homini-
zação da espécie humana e condição de permanência da evolução dessa espécie. O materialismo histórico constitui a
base teórica de grande parte de autores que desenvolvem estudos sobre o Homem e a sociedade a partir desse en-
tendimento. Lev Vygotsky, Walter Benjamim, Pierre Bourdieu, Makhail Bakhtin, são exemplos de autores pesquisados
para compor as bases teórico-metodológicas não somente dessa pesquisa, como também do modo como se percebe os
sujeitos e as suas relações uns com os outros e com o mundo.
Nessa perspectiva teórica, Pino (2006) em estudos sobre constituição da dimensão estética do sujeito, discute alguns
termos, entre eles o de imaginário, que se refere ao poder criador do homem, adquirido ao longo do desenvolvimento
da espécie. De acordo com o autor, este consiste na marca da cultura impressa na memória genética, presente em cada
homem, desse modo, se o imaginário constitui plano-chave da evolução criadora do homem, deve ser tratado de forma
a promover-lhe a sensibilidade, “[...] o que, por sua vez, justifica falar em educação.” (p.57). Pino afirma que este “senti-
do”, o imaginário,
[...] tem que ser constituído no individuo humano porque, embora pronunciado na biogenética humana, ele
não acontece nem pela ação de qualquer mecanismo inato, nem por obra da hereditariedade. Ele, como tudo
o que é especificamente humano, tem que ser objeto de formação, daí a sua relação com a educação. (p. 60)
A afirmação do autor leva ao debate sobre o papel dos processos de formação, institucionalizados ou não, na consti-
tuição da subjetividade dos sujeitos, do seu entendimento do mundo e das suas concepções sobre o que o cerca. Abre
possibilidades para discutir como a cotidianidade e os modos de pensar sobre ela acabam por influenciar a educação
profissional desses sujeitos.
A constituição da dimensão estética do sujeito, como resultado de uma percepção culturalmente mediada do mundo
e das coisas, pode ser assim considerada uma possibilidade unicamente humana. Característica da condição do sujeito
no mundo e na sua relação com esse mundo, a significação está na base do sentido estético que perpassa a relação do
sujeito com o mundo e da maneira como o percebe, como significa os sinais captados pelos sentidos.
A significação, de acordo com Bakhtin (2006), é profundamente afetada pelas condições concretas de vida do sujeito,
bem como pelas condições de produção dos discursos dos sujeitos, haja vista que a palavra constitui o signo ideológi-
co por excelência. O autor afirma que os sistemas semióticos, em especial a linguagem, exprimem a ideologia e são,
assim, modelados por ela1. Nesse sentido, ressalta que, “Se a linguagem é determinada pela ideologia, a consciência,
1 Santaella (1995), destacando, a necessidade de uma educação estética dos sujeitos, alerta para o caráter ideológico presente na Arte que não se dissocia de
seu ensino. Para a autora o ensino de Arte reflete a canonização de determinado estilo e manifestação de Arte em detrimento de outros. Isto dissemina a ideia
de uma Arte verdadeira que deve ser valorizada enquanto outras são folclorizadas e desclassificadas nos contextos artístico-culturais. A autora também ressal-
ta a presença desta ideologia no ensino de Arte cuja abordagem se dá de forma diferenciada para as elites e para as classes populares. Percebe-se a preocu-
pação da autora quanto à exposição dos sujeitos a diferentes experiências artístico-culturais que influenciariam suas preferências com relação à Arte. Sobre
as consequências desses processos, Santaella destaca que: “No sistema de ensino artístico-literário, nas editoras e nas academias, em suma, nas organizações
e instituições veiculadoras dopoder artístico-ideológico são criadas todas as condições para leituras de Arte segundo os códigos preparados pelas classes
conservadoras. Em síntese: ficam impedidos ou tornam-se inócuos oscaminhos para leituras que favoreçam a transformação, sem a qual nem as leituras são
possíveis, nem o trabalho artístico encontra vias para se tornar operativo”. (p. 22-23). É possível perceber nos escritos de Santaella uma vinculação do sistema
de ensino artístico-literário com os padrões valorizados por determinados grupos sociais. Ora, isto poderia ser entendido como um influenciador da formação
estético desses sujeitos, uma vez que se constituem imersos nos contextos socioculturais de seu tempo.

367
portanto, o pensamento, a atividade mental, que são condicionados pela linguagem, são modelados pela ideologia.” (p
16). Sendo assim a significação é também afetada pela ideologia. Segundo Bakhtin, a entonação expressiva, que dá o
tom e sentido aos discursos, sem a qual não haveria a enunciação bem como “[...] o conteúdo ideológico e a relação
com uma determinada situação social afetam a significação.” (p. 15)
Todo esse processo de constituição de sentido atribuído pelo sujeito ao que ele experimenta, destacado por Bakhtin
como intimamente ligado ao meio sociocultural em que se insere esse sujeito, pode ser estendido à sua formação cul-
tural, uma vez que o sujeito constitui-se também no seio das experiências vividas que passam a compor o modo como
relaciona- se com a vida e com os processos formais de educação, inclusive profissional.
Dados da pesquisa apontaram a presença de algumas concepções sobre cultura, por parte dos estudantes, que
passaram a influenciar seu imaginário sobre Arte e sobre o seu ensino. Alguns discursos podem dar exemplo disto:
Em conversa sobre os conteúdos do ensino da Arte na Educação Básica, os estudantes 1,2 e 3 afirmaram:
E.1: Para crianças pequenas, da Educação Infantil, acho que não precisa trabalhar com Arte. Essas linguagens
mais cultas podem ser dadas só para crianças maiores. Elas vão entender melhor.
Professora: Mas os RCNEI orientam a trabalhar com as Artes Visuais, com a Música e o Teatro...
E.2: Mas, eu concordo com E.1. É isso mesmo! Na Educação Infantil pode ser dado outros conteúdos...
Professora: Quais conteúdos?
E.2: Ah!... Geralmente se faz pintura, modelagem...
Professora: Dentro da natureza das práticas na Educação Infantil, voltadas para a experimentação, essas
práticas não constituem parte dos processos de criação de Arte?
E.2: Mas... Isso não quer dizer ensinar Arte... isso não é Arte! Não vai falar sobre pintores e outros artistas!
E.3: Pode ser trabalhado artesanato com elas. Elas podem fazer artesanato!
E.1: É! Arte é muito difícil pra criança dessa idade!2

O enunciado acima apresenta algumas possibilidades de analise sobre as concepções de Arte dos estudantes citados,
entre elas um entendimento restrito às linguagens tradicionais, consideradas no passado como belas artes, como a
afirmação de E.1: “Essas linguagens mais cultas podem ser dadas só para crianças maiores”. Observa-se que a com-
preensão de cultura de E.1 parece diretamente vinculada à compreensão de Arte. Pelo que decorre do diálogo destaca-
do, E.1 compartilha da compreensão de E.2 sobre que tipo de linguagens são consideradas como artísticas.
O diálogo traz ainda a possibilidade de entendimento de que essa concepção de Arte e de cultura aponta implicações
sobre a compreensão de ensino de Arte para crianças da Educação Infantil como se pode observar na afirmação de E.2:
“Isso não quer dizer ensinar Arte... isso não é Arte! Não vai falar sobre pintores e outros artistas!”. Ou ainda nos discur-
sos de E.3: “Pode ser trabalhado artesanato com elas. Elas podem fazer artesanato!”, ou de E.1: “Arte é muito difícil pra
criança dessa idade!”
As próprias experiências de escolarização são, muitas vezes, referencia para as concepções sobre o ensino da Arte.
Embora essa não seja uma discussão objeto desse estudo, nos enunciados acima, é possível observar ainda uma con-
cepção de ensino muito ligada à perspectiva construtivista, cuja aprendizagem dos sujeitos se daria por fases, condi-
cionadas à faixa etária desses, nesse sentido, alguns conteúdos do ensino de Arte seriam muito difíceis “para crianças
dessa idade”, como afirma E.1.
Em estudo sobre a formação estética de professores da Educação Básica, Almeida (2008) ressalta que os fatores soci-
ais e culturais exercem grande influencia no processo de constituição dos saberes docentes e nos modos de mediação
desses saberes nas práticas de aprendizagem, nesse sentido, a durante os processos de formação as experiências es-
téticas, vivenciadas, principalmente no contato com os circuitos organizados de cultura, exercem importante papel na
subjetivação que concorre na constituição da profissionalidade docente. A autora entende que “ao mediarem os con-
hecimentos escolares, professores/as fazem uso não somente de conhecimentos construídos ao longo dos processos
formais de escolarização pelos quais passaram, mas também de práticas e saberes constituídos na vida cotidiana”. (s.n.)
Bourdieu (1998) ressalta a complexidade das relações estabelecidas entre os processos de formação institucionaliza-
dos e a cultura na qual o sujeito está inserido, o autor afirma que é possível separar os sistemas de ensino dos demais
dispositivos cognitivos e simbólicos em ação no campo social. Bourdieu e Passeron (1975) destacam que as relações
entre as competências culturais e as linguísticas, próprias de cada classe social, influenciam sobremaneira o desem-
penho escolar. Nesse sentido, parecepossível supor a existência de uma relação entre o capital cultural de professores
2 Registro de diário de campo de 24/06/2013. Interação entre estudantes do curso de Artes Visuais, noturno.

368
e seu desempenho na docência. Com base nos estudos de Boudieu, Almeida (2008) alerta para a necessidade de com-
preender
[...] que professores/as constituem suas práticas pedagógicas a partir de seus lugares de origem, suas
posições nos diferentes grupos sociais que integram, e no interior da instituição escolar. Assim, suas práticas
buscam atender às prescrições da cultura escolar, mas também expressam uma subjetividade produzida pela
cultura vivida em sociedade. (s.n.)

O diálogo apresentado ocorreu em uma aula de Fundamentos da Pratica do Ensino da Arte I, do curso noturno de Artes
Visuais. Importante considerar que esta disciplina é ofertada no segundo período do curso, sendo, desse modo, o pri-
meiro contato dos estudantes com as discussões sobre o ensino da Arte e seu campo de trabalho3. Nesse momento, fica
mais evidente a preponderância de uma concepção sobre Arte e seu ensino marcadas, ainda, fortemente, pelo senso
comum. Nesse sentido, percebe-se, como destaca Almeida em suas reflexões sobre a teoria de Bourdieu, a presença
dos “lugares de origem” e das “posições” que os estudantes integram nos grupos sociais dos quais são provenientes.
Em conversa com os estudantes, a maioria afirma ter uma jornada de trabalho de oito horas diárias, a faixa etária está
entre os 22 e 46 anos, muitos são responsáveis pelo sustento familiar e a escolha pelo curso de Artes Visuais se dá, em
muitos casos, pela disponibilidade de horário na oferta de vagas e não, necessariamente, pela afinidade com o curso.
Entre os estudantes do curso noturno e, em grande medida, do curso diurno de Artes Visuais, há relatos de pouca fa-
miliaridade com os espaços de produção e exposição de arte, como se observa nos relatos feitos sobre viagem ao Rio
de Janeiro, de 30 de agosto a 1º de setembro de 20134, nos quais se observa inclusive que alguns estudantes nunca
haviam saído do estado. Alguns exemplos se seguem:

“Foi de grande importância nossa viagem ao Rio de Janeiro, pois podemos estar em contato com lugares descon-
hecidos, observando e aprendendo com arquitetura diferente, contato com obras de arte vistas somente nos livros
ou na internet.” (Trecho do relatório de E.5, do curso de Artes Visuais, noturno)

“Eu gostei muito do passeio cultural, foi muito enriquecedor. [...] é muito válido para nós, estudantes de Artes
Visuais/Plásticas, pois é de extrema importância termos contato com a cultura e a arte do nosso país.” (Trecho do
relatório de E.10, do curso de Artes Visuais, noturno)

“É muito bom ter a oportunidade de participar de uma viagem cujo objetivo é uma aula de campo. Poder na
prática ter contato visual com obras que só vimos através de outros recursos tecnológicos como fotos de algum
site ou cópias de livro que tiramos para fazer os trabalhos.” (Trecho do relatório de E.14, do curso de Artes Visuais,
noturno)5

Os discursos de E.5 e E.14 deixam transparecer que não conheciam os espaços visitados além de demonstrarem um
certo estranhamento/encantamento em ralação ao que viram: “observando e aprendendo com arquitetura diferente”,
no relato de E.5, ou na afirmação de E.14: “ter contato visual com obras que só vimos através de outros recursos tec-
nológicos”.
Pode-se perceber nos discursos dos estudantes sobre a viagem ao Rio de Janeiro uma compreensão de cultura restri-
ta às obras e aos espaços de arte, como uma dimensão da qual esses sujeitos estão fora. Isso pode ser observado no
relato de E.10, que começa por denominar a viagem em si como um “passeio cultural” e justifica a importância desse
pelo fato de cursarem Artes Visuais e Plásticas, parece que há nessa afirmação, a percepção de que, a esse grupo, o con-
hecimento “cultural”, como algo que está fora do seu contexto, do seu cotidiano, deva ser dar pelo contato direto com “a
cultura e a arte do nosso país”.
Alguns autores podem ajudar no debate sobre o discurso apresentado, entre eles, Santaella (1995), destaca os equívo-
cos cometidos ao tratarmos das questões relacionadas à cultura,  e aponta que é importante tentarmos nos desapegar
de uma concepção idealista de cultura, que é preciso resgatar uma “[...] visão da cultura como dimensão relativamente
autônoma que também compõe a concreção e materialidade da realidade social [...] resgatando a dimensão cultural
como uma estrutura complexa de praticas diferenciais e especificas.” (p. 34). Não quer dizer com isto que a cultura seja

3 No curso de Artes Visuais, diurno, cujo projeto pedagógico é mais antigo, as disciplinas de Fundamentos de ensino de Arte são ofertadas no 5º e 6º períodos.
4 Atividade de extensão registrada no Siex com o nº 200228.
5 Trechos de relatórios feitos pelos alunos sobre viagem ao Rio de Janeiro. Entreguem em 02/10/2013.

369
independente de condicionamentos econômicos, nem que seja um limbo paralelo, salvo das tensões e contradições
políticas e econômicas. De acordo com Santaella, há um equivoco na compreensão de que cultura refere-se apenas à
cultura das classes dominantes, bem como na tendência em subestimar os produtos culturais produzidos pelo povo.
Isto significa considerar que todas as formas culturais criadas em sociedades capitalistas estejam imediatamente
alocadas em duas categorias estanques e sem mediações: burguesas ou populares. A autora destaca que geralmente, é
comum se dividir a produção cultural em dois campos separados nitidamente,
[...] como se o defrontamento das clivagens sócio-culturais não se desse numa urdidura complexa de me-
diações dialéticas que não se deixassem expressar em categorias dicotômicas simples. Daí que, segundo
a visão maniqueísta, qualquer produto cientifico e artístico, quando não encaixa na estipulada categoria
de ‘para o povo’, passa imediatamente para a categoria de burguês, alienado e opressor, com o que incau-
tamente se alimenta a ilusão de que a burguesia pode ainda preencher as condições fundamentais para
desempenhar o papel de uma classe universal, como se esta dispusesse de uma ideologia homogeneamente
cosida. (p. 40)

Em outra situação de interação entre os estudantes pesquisados na qual os discursos gerados oferecem possibilidades
de analise sobre suas concepções de cultura, bem como sua relação com ela, pode-se tomar como referência a citação
de Santaella (1995) para uma analise dos discursos produzidos. Em decorrência de viagem ao Rio de Janeiro, com um
grupo de quarenta estudantes de Artes Plásticas e de Artes Visuais, dos cursos diurno e noturno, algumas reflexões
feitas nos relatórios de viagem podem servir de exemplo:
“Com a visita técnica pudemos vivenciar contextos históricos de arte e de cultura com uma dinâmica difer-
ente da aula. Todo o panorama cultural que a arte de diferentes artistas traz, ampliando nossos conhecimen-
tos sobre arte e sua valorização.” (Trecho do relatório de E.7, do curso de Artes Visuais, diurno)

Bourdieu (1998) ressalta a vivência como fator privilegiado de aprendizagem em todos os âmbitos da ação humana.
O autor afirma que a educação, seja ela formal ou não, possui um caráter determinante na constituição do que chama
de capital cultural6 dos sujeitos. Com esse termo o autor refere-se à apreensão das diversas manifestações culturais e
artísticas produzidas pelo homem assim como a apreensão do sentido dessas manifestações pelos sujeitos em suas
vidas.
Nas elaborações das bases de sua teoria Vygotsky, em manuscrito datado de 1929, ao discutir sobre o papel fundamen-
tal da sociedade, ou do outro na constituição do homem, afirma que
Qualquer função psicológica superior foi externa – significa que ela foi social; antes de se tornar função, ela
foi uma relação social entre duas pessoas. Meios de influência sobre si – inicialmente meio de influência
sobre os outros e dos outros sobre a personalidade. (VYGOTSKY, 1929, apud Revista Educação e Sociedade -
Cedes nº 71, 2000, p. 25)

Segundo Vygotsky (1998) todas as funções no desenvolvimento do sujeito ocorrem duas vezes [...] primeiro, no nível
social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico), e, depois, no interior da criança (intrap-
sicológico). [...] Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. (p. 75). Desta
forma, a internalização das formas culturais de comportamento ocorre ao longo da existência do sujeito, transforman-
do processos interpessoais em processos intrapessoais.
Nessa pesquisa, busca-se uma compreensão da cultura de modo mais ampliado, baseada nas perspectivas de Bourdieu
e Vygotsky, citadas acima, seu objetivo geral foi o de investigar a dimensão da formação cultural dos acadêmicos no
contexto geral de sua formação profissional, uma vez que se considera essa uma importante dimensão da educação
em arte, impulsionadora da busca por atualização de conhecimentos na área e pela democratização de seu ensino.
Outros objetivos, mais específicos também direcionaram o olhar sobre os dados, foram eles: Investigar as concepções
dos acadêmicos sobre cultura; Compreender as implicações dessas concepções nas suas relações com a Arte; Identifi-
car as formas de inserção dessa dimensão na formação profissional dos acadêmicos; Apontar possíveis implicações das
condições de formação cultural dos acadêmicos em questão, nas suas práticas de ensino de arte.

6 Segundo Bourdieu (1980) o capital cultural “[...] pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja, sob a forma de disposições duráveis do organ-
ismo; no estado objetivado, sob a forma de bens culturais – quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas, que constituem indícios ou a realização de
teorias ou de criticas dessas teorias, de problemáticas, etc.; e, enfim, no estado institucionalizado, forma de objetivação que é preciso colocar à parte, porque
como se observa em relação ao certificado escolar, ele confere ao capital cultural – de que é, supostamente, a garantia – propriedades inteiramente originais.”
(p. 3-6. In NOGUEIRA; CATANI, 1998. p. 74).

370
Embora se encaminhe para as conclusões da pesquisa, é importante deixar claro que há um volume significativo de
dados a serem analisados e que constituem corpus desse estudo. Até agora, os dados indicaram que as concepções de
cultura dos estudantes pesquisados, em sua maioria, estão ligadas às Artes, mais especificamente às linguagens artísti-
cas mais tradicionais e a uma ideia de essa é uma dimensão da qual estão de fora. Essas concepções apontaram para
algumas implicações na relação desses estudantes com as manifestações artísticas, de modo que pareciam atribuir
maior valor às linguagens artísticas mais tradicionais que às manifestações mais contemporâneas da Arte ou mesmo
às manifestações culturais locais. Os dados indicam ainda que essas concepções poderão trazer implicações nas suas
futuras práticas de ensino de Arte, uma vez que, os currículos de Arte da Educação Básica contemplam, em sua maioria,
linguagens e manifestações artísticas e culturais diversas, das tradicionalmente reconhecidas às manifestações locais,
comunitárias, restritas muitas vezes, à artistas desconhecidos no meio artístico.
Pretende-se dar continuidade as investigações, aprofundando as analises dos dados já coletados e ampliando essa
coleta em outros momentos de interação com os estudantes, uma vez que venho me dedicando à oferta de uma dis-
ciplina que discute novos modos de organização curricular no ensino da Arte7, cujos debates sobre Arte e seu ensino
buscam um aprofundamento de estudos sobre novas possibilidades de organização curricular dessa disciplina na
Educação Básica.
Considerando ainda o momento profícuo de discussão sobre as mudanças nas matrizes curriculares dos cursos de
Artes Visuais, noturno e diurno, acredito que a pesquisa pode contribuir para delinear perfil dos estudantes e conheci-
mentos necessário para uma formação profissional mais próxima das discussões atuais sobre Arte e seu ensino.

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Graduada em Educação Artística pela UFES (1992). Especialista em Psicopedagogia, pela SABERES/UNICID (2001). Me-
stre (2004) e Doutora (2010) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES. Pesquisadora do grupo: Proces-
sos Discursivos em Arte, cadastrado no CNPq.Profª do Departamento de Teoria de Arte e Musica, Centro de Artes, UFES.
Representante do Centro de Artes na Câmara de Extensão da UFES.

372
A IMAGEM DA PUBLICIDADE – UM OLHAR NECESSÁRIO
Adriana Rosely Magro - UFES

RESUMO
O artigo tem sua origem nos debates sobre o “contrato de veridicção”, que em si pretende estabelecer uma
convenção fiduciária entre o enunciador e o enunciatário. Fundamenta-se no aparato teórico da semióti-
ca discursiva buscando estabelecer as estratégias de manipulação que definem este contrato. Parte do
princípio semiótico de que a imagem é um texto que apresenta relações com o mundo natural. Discute o
caso da publicidade, seu processo de produção e caráter histórico de simulacro do real, fazendo o leitor crer
ser a realidade presentificada.

ABSTRACT
The article has its origin debates about the “contract veridiction”, which it self aimsto establish a fiduciary
agreement between the enunciator and enunciated. It is based on the oretical apparatus of semiotic dis-
course seeking to establish strategies of manipulation that define this contract. Semioticas sumesthat the
imageis text that’s hows relation ships with the natural world. Discusses the case of advertising, its pro-
duction processan dhistorical character ofth esimulacrumof reality, making there aderbelieveto be reality
presentified.

A imagem da publicidade Pfizer é carregada de estratégias enunciativas com o intuito de fazer crer ao leitor que é um
simulacro da realidade que apresenta. Estas estratégias que nos fazem acreditar no discurso enunciado são definidas
pela semiótica como contrato fiduciário. Segundo Greimas e Courtès (2008; p.208)
“[...] contrato fiduciário põe em jogo um fazer persuasivo de parte do destinador e, em contrapartida, a
adesão do destinatário: dessa maneira, se o objeto do fazer persuasivo é a veridicção (o dizer verdadeiro) do
enunciador, o contra-objeto, cuja obtenção é esperada, consiste em um crer-verdadeiro que o enunciatário
atribui ao estatuto do discurso enunciado[...]”

A imagem publicitária faz uso da manipulação fotográfica, considerando que afotografia é compreendida historica-
mente como um simulacro do mundo natural. Desde a criação da câmara escura, o homem utiliza o auxilio tecnológico
para a formação de imagens que se assemelhem ao real. Com a invenção da fotografia a produção da imagem semel-
hante ao real torna-se fato e sem a necessidade daquilo que chamamos realidade.
Desse modo, a fotografia passa ser vista no senso comum como um meio pelo qual é possível reproduzir com fideli-
dade o mundo natural e os acontecimentos sociais ali inscritos. A linguagem publicitária também faz uso desse caráter
que a imagem fotográfica carrega.A fotografia assume o caráter de “verdadeiro” e passa a ser associada como a repro-
dutora da realidade, como afirma Dubois (2006, p. 27).
[...] a fotografia é considerada a imitação mais perfeita da realidade. E, de acordo com os discursos da época,
essa capacidade mimética procede de sua natureza técnica, de seu procedimento mecânico que permite
fazer aparecer uma imagem de maneira “automática”, “objetiva”, quase “natural” (segundo tão somente as leis
da ótica e da química), sem que a mão do artista intervenha diretamente.

Entretanto, o olhar publicitário é construído a partir de escolhas. Estas escolhas podem se dar a partir do enquadra-
mento, recortes, ajustes focais, iluminação, cenografia, entre outros detalhes que fazem com que ela não seja a repro-
dução do mundo natural, mas apresente traços da realidade que apresenta.
O enunciador coloca-se como manipulador dos discursos enunciados levando o enunciatário a crer nos valores ali co-
locados. Trata-se de um discurso que produz um efeito de verdade, construído para fazer parecer verdade. Nesse senti-
do afirma Landowski(2002, p. 165-166)

373
[...] “os sujeitos enunciantes”, ao enunciar (isto é, entre outras coisas, ao produzir “textos”), constroem o
mundo externo enquanto mundo significante [grifos do autor]. Correlativamente, apreender o sentido de um
discurso enunciado, o “ler”, será refazer o mesmo percurso em sentido inverso, remontando, se assim se pode
dizer, do plano discursivo manifesto em direção às operações semióticas que sua produção pressupõe, e que,
uma vez o enunciado produzido, o torna interpretável.

No caso da publicidade, ao fazer escolhas, o enunciador estabelece um fazer persuasivo, fazendo o enunciatário crer
em seu discurso e, em sua interpretação persuadindo-o ao que lhe foi apresentado. O contrato recebe esta denomi-
nação por ser estabelecido com base na confiança e crença.
Desse modo, este trabalho tem sua origem nos debates sobre o “contrato de veridicção”, que em si pretende estabelecer
uma convenção fiduciária entre o enunciador e o enunciatário. O estatuto veridictório quer dizer verdadeiro o discurso
enunciado, assim que se estabelece esse contrato quer-se instaurar uma evidência, uma certeza imediata que deseja
um fazer-crer do enunciador e um crer, um fazer interpretativo, da parte do enunciatário. Porém pretende-se nesta
esteira, avançar na ordem da significação que ultrapassem o fazer crer do contrato fiduciário.
Porém, o contrato fiduciário quer fazer-crer, o que não significa ser o que se apresenta. Desta feita, o percurso met-
odológico aqui adotado, percorre pelo semi-simbolismo, nas relações entre os planos de expressão e conteúdo que o
caracteriza.
A partir da semiótica discursiva pretendo elucidar estas estratégias enunciativas do discurso enunciado na imagem da
peça publicitária veiculada na revista Veja do laboratório de medicamentos Pfizer.
Uma das razões de pesquisar semiótica é interrogar situações do mundo e, fazer-ver num quadro geral, o campo de
significação que se encontra a manifestação em estudo. Os efeitos de sentido podem ser os mais diversos dependen-
do do escopo teórico do analista, mas nada absurdamente distante dos planos de expressão e de conteúdo imanentes
na própria manifestação analisada. O estudo será de base analítica, compreendendo a imagem como um todo de senti-
do. Assim peça publicitária será analisada pela sua apresentação visual.
Para compreender o texto como objeto de significação é necessário que se faça a análise interna do texto, e para
compreendê-lo como objeto de comunicação é preciso fazer a análise externa. Assim, o texto é concebido dentro dessa
dualidade.
Logo, o estudo do texto só pode ser entrevisto como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores con-
textuais ou sócio-históricos de fabricação de sentido.
Assim, a semiótica procura conciliar as análises internas e externas do texto, buscando explicar o que o texto diz e
como faz para dizer o que diz. Examina a organização do texto e seus mecanismos enunciativos de produção e de
recepção,para tanto, um texto pode ser verbal ou não-verbal, ou seja, pode ser oral, escrito, visual, gestual, imagético ou
reunir váriso desse elementos em uma só manifestação, o que chamamos de sincrético.
Para a compreensão do sentido do texto a semiótica propõe a análise dos seus mecanismos internos e externos. A
análise interna, ou seja, a análise do plano de conteúdo e a análise externa, o plano de expressão.A semiótica propõe a
análise desses dois planos de forma individualizada, tantos nos textos escritos, considerados sistemas simbólicos, onde
a relação entre os dois planos é estabelecida isoladamente.
A análise do plano de conteúdo é concebida a partir do percurso gerativo de sentido proposto por Greimas. A partir daí
estamos analisando apenas o seu discurso, ou seja, o conteúdo imerso no texto.Dentro do percurso são estabelecidas
três etapas onde cada uma é descrita independentemente, mas o sentido do texto depende da relação entre as três
etapas ou níveis, que vão das estruturas mais simples às mais complexas.
O primeiro nível é chamado de nível fundamental e compreende as categorias semânticas que ordenam os diferentes
conteúdos do texto. As categorias semânticas estabelecem-se por oposições que tenham algo em comum, que pos-
suam relação de contrariedade. Ex.: vida /versus/ morte; masculinidade /versus/ feminilidade; natureza /versus/ cultura.
O segundo nível do percurso gerativo de sentido é denominado de nível narrativo e define-se pela transformação de
estado do sujeito. A transformação de estado do sujeito se dá em quatro fases: manipulação, competência, performance
e sanção.
O terceiro nível do percurso gerativo de sentido é chamado de nível discursivo. É nele que as formas abstratas do nível
narrativo são concretizadas por meio de figuras e tematização.
No plano de expressão (visual, verbal ou sincrético) o texto volta a ser rediscutido em seu processo de significação e
observado como objeto de comunicação. Neste momento perceberemos como a significação é expressa pela materiali-
dade, cor, formas no espaço de maneira a comunicar a mensagem.

374
A análise do plano da expressão acontece à medida que se dá a descrição dos seus elementos constituidores, e a eles,
aplicamos as categorias plásticas que são: cromático, eidético, topológico e matérico, este último, agregado à semiótica
plástica pensada originariamente por Greimas, para atender principalmente as demandas de análise da arte contem-
porânea que utiliza o recurso de compor à obra elementos de diversas ordens matéricas. Identificadas as categorias
de cada formante, que se dá em contrariedade na formação do nível profundo da expressão, considerando o percurso
gerativo de sentido, deve-se ainda estabelecer as combinações dessas categorias em combinações maiores.
Em composições plásticas as relações de sentido são estabelecidas a partir do plano de expressão (significantes) que
se relaciona diretamente ao plano de conteúdo (significado). “A linguagem pictórica se constrói a partir de uma pecu-
liar semiose que se estabelece entre os dois planos constituintes de sua estruturação, a saber, o plano de expressão e o
plano de conteúdo” (OLIVEIRA, 2004, p. 116).
O conteúdo, na fotografia, está manifestado na organização das figuras no espaço, nas expressões, no gestual e nas
escolhas de enquadramento. Esse texto visual é estruturado pelo enunciador de modo a produzir significado para o
enunciatário, ou leitor, da fotografia.
Peça publicitária, objeto desse estudo, é um texto visual. Os textos visuais estão inclusos nos sistemas semi-simbóli-
cos. O semi-simbolismo pertence ao sistema semiótico solicitando do analista tomar em analise separadamente os
planos de expressão e conteúdo impedindo assim qualquer redução da manifestação textual, mas que, por outro lado,
foca uma analise da manifestação textual, permitindo que também outros analistas, para além do plano da expressão,
construam outras análises, o semi-simbolismo permite também maior autonomia para o fazer analítico, embora todas
as marcas enunciativas do texto devam ser respeitadas. Neste afirmação de Rebouças (2003, p. 13)
“não existe um direcionamento para o olhar, como na escrita, indicando que começamos da esquerda para a
direita, do alto para baixo, da parte para o todo. A maneira de ver, de conduzir o olhar pela plástica da obra é,
como a obra, uma construção”
Finalmente, o texto visto em sua totalidade, formando um conjunto sincrético, terá a semiótica greimasiana, especial-
mente a sociossemiótica, como escopo necessário para a apreensão dos mecanismos discursivos contidos no texto a
ser analisado.
Para a sociossemiótica, a práticas sociais, ou seja, fazeres do cotidiano, estilos de vidas, a vida social em si nas suas
mais diversas formas de apresentação, são processos significantes.
Essas práticas são estabelecidas pelos atores sociais através dos regimes de visibilidade: poder, querer, dever, saber ver e
ser visto e querer, dever, saber, poder “ver”, respectivamente os actantes que são vistos vêem e os que vêem. (LANDOWSKI,
1992).

Pfizer
As peças publicitárias, de modo geral, apresentam intencionalidades de fazer crer ao enunciatário de que se trata de
algo bom, interessante e necessário ao uso social, significando-o a partir dos elementos presentes na imagem, fazendo
parecer “verdadeiro” o discurso que apresenta. Neste sentido afirma Rebouças (2001, p.137)
“Como não se trata da produção de um discurso “verdadeiro” pelo sujeito da enunciação, mas de um discurso
que produza um efeito de “verdade”, ele tem de ser construído para fazer-parecer-verdade, sendo assim, a sua
função não é de dizer- verdade, mas de parecer-verdade. Desse modo, o discurso constrói sua própria verdade,
não existindo uma verdade discursiva mas um parecer-verdadeiro. Para que se estabeleça o contrato, o enun-
ciador deverá empregar meios de persuasão para que o enunciatário, em seu fazer interpretativo, encontre
as marcas da veridicção e reconheça-as. Nesse movimento, o enunciatário deverá se valer de “contratos de
veridicção anteriores, próprios de uma cultura, de uma formação ideológica e da concepção[...]”

São as marcas da enunciação que pretendo encontrar e a partir dela elaborar uma análise da imagem publicitária Pfiz-
er, encontrando os contratos de veridicção estabelecido pelo enunciatário.

375
fonte: Revista Veja

A imagem apresenta um casal a esquerda, por onde nossos olhos se aproximam da imagem, trata-se de um casal jo-
vem. Uma moça à frente e um rapaz que a apoia.A jovem tem na mão esquerda uma esfera azul e, num ato silencioso,
velado (considerando que a mesma não encara seu parceiro) a oferece ao rapaz.
Na sequência vemos várias esferas azuis espalhadas pelo chão, bem a frente do casal. As esferas levam o olhar do
espectador à inscrição “Poweredby Pfizer”, a marca Pfizer se inscreve em branco, enquanto se instala numa elipse azul,
assim como as esferas que nos levaram até lá.Desse modo, o primeiro questionamento surge: Porquê a única inscrição
verbal desse texto imagético está em língua inglesa} que efeito de sentido isso nos dá}
À direita da imagem vemos uma grande e frondosa árvore, que se impõe por querer-parecer-real. O mundo natural
se figurativiza nos elementos da árvore, estes, se mostram realistas na apresentação dos diferentes tons de verdes e
diferentes nuances de luz que incidem sobre a árvore. Seu tronco apresenta ao espectador como sendo de uma árvore
antiga, com longa trajetória de vida.Entre a árvore e o casal de jovens, a imagem traz um cavalo branco. O cavalo man-
tem um olhar obliquo a direita e sua cor ora parece dourada pela luz.
Toda a luz da cena nos remete ao pôr do sol, um fim de dia, cuja cor predominante é o vermelho-laranja do sol que se
põe. A composição geral da cena estabelece uma beleza baseada nos preceitos de equilíbrio e harmonia, valores que se
instalam no classicismo.
A esquerda do casal, vemos um casal de coelhos. Aparentemente é um casal de coelhos.Essa atribuição de sentido se
dá pela figurativização do aspecto da reprodução que esse animal oferece à cultura ocidental. Por isso, acredita-se que
seja um casal de coelhos.Ao fundo uma cadeia de montanhas se coloca discretamente. Toda a cena é coberta por uma
relva verde homogênea, reiterando o aspecto clássico da imagem.
A imagem é colorida em tons sóbrios, o casal está vestido de branco, o cavalo é branco também. A copa frondosa da
árvore e a relva são verdes, o céu esta avermelhado em tons quentes, conotando um fim de tarde. Os coelhos são cara-
melo, lembrando o tom do colo da jovem moça.O enunciador manipulador ao propor o cenário para este retrato revela
um querer mostrar a origem e desejo natural do uso da medicação posta na peça publicitária. O tema natural ou natu-
ralidade aparece figurativizado pelo cenário bucólico, que se apresenta na cena toda, árvore, relva verde e etc..
Revela-se na imagem um discurso da recriação do mito da criação. O tema da recriação do mito da criação, ou da
origem da sociedade por Adão e Eva, se apresenta pela presença das esferas azuis, uma na mão da figura feminina que
é oferecida ao rapaz que compõe a cena com a moça, conotando o fruto proibido que a serpente oferece a Eva, que
oferece a Adão.Os “frutos proibidos” são as esferas azuis. O laboratório Pfizer é o responsável pela produção do me-
dicamento viagra, a chamada “pílula azul”.
Os sujeitos (rapaz e moça) aparecem em conjunção com o objeto valor (o uso da medicação). No discurso apresentado
pelo enunciador o sujeito faz crer ao destinatário em sua posição na imagem, a de usuários da medicação. As mãos so-
brepostas dos sujeitos leva o destinatário, em seu fazer interpretativo, crer ser verdade o discurso apresentado. A peça
publicitária discursa sobre a afirmação da origem “natural” da medicação.

376
O enquadramento proposto pelo enunciador nos coloca como observador dos sujeitos apresentados, considerando a
leitura ocidental que fazemos da escrita da esquerda para a direita, mas uma questão se coloca: nenhum actante da
cena encara o destinatário. Ou seja, o rapaz e a moça mantêm os olhos fechados; ele com a face voltada para ela, ela
com a face voltada para frente e levemente inclinada para baixo. O cavalo tem o olhar obliquo, o casal de coelhos
se entreolha.O efeito de sentido aí conotado é o da discrição. Aquele que faz uso da medicação não assume que faz,
aquele que oferece a medicação também não encara seu público. Assim todos os sujeitos da cena lidam com o assunto
em questão de modo velado, reiterando a condição velada do sujeito que precisa do remédio.
A partir dos elementos que compõe o cenário da imagem reconhecemos a alusão à ideia de origem natural do medica-
mento e de seu uso.A repetição dos elementos como o cavalo (virilidade) e coelhos (reprodução)afirmam este discurso.
Há ainda um aspecto interessante imanente do texto. O cavalo que em nossa cultura é símbolo de força e virilidade, se
coloca em quarto plano da cena. Embora ele tenha uma luz própria, uma cor que se assemelha a das roupas do jovem
casal, ele está distante. Esse dado nos faz pensar que apenas o uso adequado da medicação viagra poderá aproximar
aquele “cavalo” (em seu efeito de sentido de virilidade) do jovem rapaz.
Ao buscar o contexto na qual a peça publicitária foi veiculada, temos a marca da revista VEJA como direcionamento.
Revista que atende a grande público assinante, que se disponibiliza semanalmente e que ofereceu uma página inteira
a imagem em analise. Observa-se que a imagem apresenta essencialmente elementos da visualidade e pouco texto es-
crito, sendo este em inglês, o que nos faz ver que a publicidade foi pensada para determinado público que lê a revista
VEJA e que faz uso, ainda que restrito, de um vocabulário em inglês.
Este tipo de fotografia apresenta uma oposição básica natureza/cultura. A imagem presentifica o momento ausente
(a criação- Adão e Eva) construindo uma verdade discursiva, um parecer-verdadeiro. A partir do elemento de persuasão
apresentados na imagem, tal qual os já citados acima. O enunciatário encontra as marcas da veridicção e as reconhece.
É um simulacro da realidade.
Entre o “fazer-crer” do contrato fiduciário e o “parecer” próprio da sociossemiótica, instala-se um hiato. A peça public-
itária quer dizer-se verdadeira e fiel em seus valores naturais, porém indica uma fragilidade aparente na criação de um
cenário fantasioso e principalmente cuidadoso em fechar a cena com todos os elementos simbólicos capazes de gerar
um discurso convincente.
Nosso interesse em construir uma analise semiótica a partir da imagem da publicidade, se dá pela necessidade urgen-
te que se coloca no mundo atual de apropriação da sintaxe e da semântica das imagens que povoam nosso cotidiano,
em especial aquele que se insere na escola de modo dominante.Desta feita, faz-se mister colaborar com a formação do
publico leitor de imagens para que as relações entre destinador e destinatário dos textos midiáticos sejam mais profíc-
uas à educação e ao ensino de modo geral.

377
REFERÊNCIAS
BARROS, Diana de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 2001.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 2006.
FIORIN, José Luiz. A noção de texto na semiótica. Revista do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, 23. Porto alegre: UFRGS, 1995.
________. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 1997.
LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo; Perspectiva, 2002.
­­­________________. A sociedade Refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Educ/Pontes, 1992.
OLIVEIRA, Ana Claudia (org). Semiótica plástica. São Paulo: Hackers Editores, 2004.
REBOUÇAS, Moema M. O discurso modernista na pintura. Lorena: CCTA, 2003.
_____________________.Contratos na Pintura: O caso Volpi. In: Galáxia: revista transdisciplinar de comuni-
cação, semiótica, cultura / Programa Pós-Graduado em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. — n. 2 (2001).
— São Paulo : EDUC, 2001, p. 137.

Professora da Universidade Federal do Espírito Santo, mestre e doutora em Educação, Especialista em História
da Arte com ênfase em Modernidade e Pós Modernidade. Realizou estudos aprofundados na L’Universitàdi Roma
em 2009.

378
PROCESSOS DE SIGNIFICAÇÃO NA ARTE E NA EDUCAÇÃO –
PESQUISAS EM AÇÃO
Larissa Fabricio Zanin - UFES

RESUMO
O Artigo busca compreender as possibilidades de pensar o universo educacional, formal e não formal, por
meio da inserção das novas tecnologias, mídias e redes sociais no cotidiano de crianças e adolescentes. As
reflexões apresentadas constroem-se a partir de investigação teóricas e de práticas educativas que envol-
vam essas linguagens, de modo a contribuir para uma reflexão acerca da inserção das novas tecnologias
e seus processos de significação no ensino da arte, contribuindo com proposições de novos modos de se
pensar o espaço educativo que dialoguem com a realidade dos alunos.
Palavras-Chave: Tecnologias, Mídias e Ensino da Arte.

ABSTRACT
The article seeks to understand the possibilities of thinking about education, formal and non-formal uni-
verse, through the insertion of new technologies, media and social networks in daily life of children and
adolescents. The ideas presented are constructed from theoretical research and educational practices
involving these languages in order to contribute to a reflection on the integration of new technologies and
processes of meaning in art education, contributing propositions of new modes think the education space
that dialogue with the reality of the students.
Keywords: Technology, Media and Art Teaching

Pensar a inserção das novas tecnologias, das mídias e das redes sociais digitais nas práticas educativas é uma questão
emergencial visto que, a maior parte das crianças e adolescentes mantém contato diário com esses meios. Denomina-
mos aqui como “novas1” tecnologias todo aparato que circunda a vida de crianças e adolescentes dentro e fora da esco-
la como celulares smathphones, Ipad, Computadores portáteis que, associados às redes sociais digitais, dão ao espaço
escolar e suas práticas cotidianas uma nova configuração.
Todos esses meios circundam hoje o espaço escolar e, de certo modo, ameaçam a organização tradicional. As insti-
tuições de ensino, ao não saberem lidar com tais ferramentas, recorrem a proibição dos usos das mesmas durante o
horário escolar. Entretanto, os alunos buscam modos de quebrar as regras impostas diariamente.
Assim, a escola, como território fixo marcado historicamente por regularidades programáticas que vão desde a
definição dos tempos e espaços até a sua proposta pedagógica, vem sofrendo nos últimos anos grandes abalos em
suas estruturas aparentemente inatingíveis. As novas formas de comunicação aliadas às tecnologias ampliam e trans-
formam os modos de construção de conhecimentos. Nesse sentido, afirma Capparelli:
(...) as novas formas de comunicação em redes ampliam essa aquisição de conhecimento sem uma hierarquização de
saberes, sem um controle dos adultos e sem uma sistematização própria da escola – serialização, percurso organizado,
interdição ou acesso a conteúdos específicos (2002, p.134).

Por mais alto que se ergam os muros o suposto “inimigo”, as novas tecnologias e tudo que ela traz consigo, é capaz de
ultrapassar quaisquer barreiras físicas e desestruturá-la. Sem saber como lidar com a dinâmica desse terreno pouco
conhecido, nada mais seguro do que se proteger, e para isso aumentam-se as regras e as penalizações. Mas de nada
adianta fugir, ele é veloz e perspicaz, está cada dia mais presente, e não existem grades, muros ou cercas capazes de
detê-la.
Escola e família deixaram de ser as fontes primárias de construção de conhecimento, valores morais e culturais para
crianças e adolescentes. Atualmente, a mídia, a internet e os mais variados recursos tecnológicos como tablets e Ipad’s

379
passaram a ser o primeiro contato de crianças e adolescentes com o mundo e seus saberes. O melhor caminho é se
aproximar, vivenciar, compreender para poder usufruir de suas potencialidades, e orientar aos jovens acerca dos usos
conscientes.
Em nosso campo do conhecimento, o ensino da arte, cabe pensar modos de refletir acerca dos produtos oriundos
desses aparatos tecnológicos, principalmente os que se referem a produção, veiculação e circulação de imagens, sejam
elas fotografias, vídeos ou imagens da mídia. É urgente incluir dentre as práticas educativas em arteaquelas que envol-
vam as imagens técnicas e as imagens da mídia, sem contudo negar a clássica imagem da história da arte. A proposta
é, ampliar o leque de leituravisual desse alunos a partir da imagens comuns em seu cotidiano, contribuindo para uma
leitura crítica das imagens que os circundam, do seguinte modo
(...) ao explorar conexões e contrastes entre as diversas formas de arte popular e das belas artes; ao in-
cluir e discutir o impacto das imagens do cinema, de publicidade, de jogos de computador e histórias em
quadrinhos sobre adolescentes, jovens e adultos; ao ampliar limites culturais e educativos que abrangem
outros seguimentos e grupos culturais, suas imagens e artefatos; ao enfatizar, deliberadamente, a relação
arte e vida, ou seja, arte e imagem como parte do cotidiano, como parte de uma convivência diária com nos-
sa diversidade e complexidade. (Martins, 2006, p. 71)

Ainda que urgente, a preocupação com a adesão das imagens técnicas pela sociedade não é uma questão recente.
Ao escrever a primeira edição de Filosofia da caixa preta em 1983, VilémFlusser já questionava a extrema circulação
e descarte das imagens técnicas. Dentre suas preocupações destaca-se o caráter efêmero assumido pelas imagens e
como esta situação suscitava a urgência por uma filosofia da fotografia, por reflexões sobre aquilo que ele denominou
de “Universo Fotográfico”.
Acusando o aparelho fotográfico de causar a “robotização da vida em todos os seus aspectos”, apresentou reflexões
sobre como a ignorância do homem com relação à tecnologia fotográfica mecanizava os atos humanos e os tornava
supostamente emancipados, livres dos pincéis tão necessários para a produção de imagens por meio da pintura. Neste
caminho Flusser nos faz refletir sobre a criação da ideia de liberdade numa sociedade programada e centralizada pela
tecnologia.
Com o desenvolvimento da tecnologia da informação a sensação de liberdade de poder criar a imagem que quisermos
do modo que desejarmos aumentou ainda mais, em especial na nossa sociedade atual, compreendida como “em rede”
e “virtualizada”. Associada a isso, a imensa gama de imagens midiáticas veiculadas nesses espaços ditam padrões de
comportamento e permeia o imaginário e o processo de construção de identidade de crianças e adolescentes. Nesse
sentido, afirma Barbero:
Pois bem, enquanto a escola e a família atravessam profunda crise que corrói as grandes instituições da
modernidade, são a televisão, o rádio, o cinema, os programas de humor, o CD, os games e a internet que
estão socializando os adolescentes, já que esses são os meios que atualmente lhes proporcionam modelos e
pautam comportamentos e ritos de iniciação pois, ao mesmo tempo em que possuem um material enganoso
e problemático, têm também muita empatia, receptividade e sensibilidade que nem a família nem a escola
são capazes de decifrar ou dela se encarregar (2011, p. 18-19).

A imagem ocupa hoje um lugar relevante em nossas vidas, deixando seu lugar de ilustração do texto escrito e assum-
indo sua identidade de discurso enunciado. Mas o que faz esse objeto de comunicação ocupar o lugar de “discurso da
verdade” em nossa sociedade? Landowski nos aponta uma resposta plausível para esta questão, segundo ele,
a força da imagem resulta, antes de tudo, do fato de que não suspeitamos, a priori, que ela possa nos enga-
nar. Enquanto, segundo senso comum, todo ato de fala implica uma tomada de posição de ordem “subjetiva”,
a imagem, ao contrário, nada faria além de testemunhar “objetivamente” o estado das coisas, reportado por
ela. Por muito tempo considerou-se que as imagens extraiam seu valor da relação mimética que suposta-
mente mantinham com os objetos que elas estavam encarregadas de “representar” (2004, p. 33).

Esse estatuto de verdade que a imagem carrega consigo ganhou ainda mais força com o surgimento da fotografia, que
passa a ser considerada como uma linguagem capaz de fazer uma verdadeira imitação do mundo real.
Quando foi criada, ainda no século XIX, a fotografia avança sobre o lugar da mais tradicional linguagem das Artes
Plásticas, a pintura. Dispensando a mão do artista a fotografia parece ser capaz de registrar o real sem a presença do
pincel e das mãos do homem, instaurando na sociedade um verdadeiro sentimento de libertação, era a hora de estar
livre para “representar” o que quisesse sem a intermediação de ninguém. Nem mesmo a atuação do fotógrafo era con-

380
siderada uma interferência na produção da imagem na época. As discussões sobre escolhas e influência do olhar do
fotógrafo surgem apenas no século XX, quando a fotografia começa a lutar por um lugar como linguagem artística.
A transparência da imagem ou a indiscernibilidade da distância entre a imagem e a coisa fazem parte dos
enunciados do verdadeiro que acompanham a fotografia-documento desde seus primórdios, porque eles se
escoram na maneira como ela vê e como ela mostra. Esses enunciados, além disso, refletem o verdadeiro
terremoto que a fotografia provoca no campo da representação no início do ano 1840, opondo ao ideal
artístico os valores materiais, terrestres e profanos, da máquina. (ROUILLÉ, 2009, p. 73)

A fotografia, seja ela um retrato ou uma imagem publicitária, torna-se onipresente na vida dos homens: “coladas em ál-
buns, reproduzidas em jornais, expostas em vitrines, paredes de escritórios, afixadas contra muros sob forma de cartaz-
es [...]” (FLUSSER, 2002, p. 37). A fotografia não precisou de muito para isso, chegou e ficou, (a)firmando-se como uma
verdadeira mímese do real, sendo considerada um verdadeiro discurso da verdade.
Isso porque a imagem fotográfica é carregada de estratégias enunciativas com o intuito de fazer crer ao leitor que é
um simulacro da realidade que apresenta. Estas estratégias que nos fazem acreditar no discurso enunciado são defini-
das na semiótica como contrato fiduciário, conforme apresentamos anteriormente.
Embora o fazer persuasivo da fotografia faça parte de escolhas do destinador, a fotografia é compreendida historica-
mente como um simulacro do mundo natural. Desde a criação da câmara escura, o homem utiliza o auxílio tecnológico
para alcançar a formação de imagens que se assemelhem ao real. Mesmo assim, a produção da imagem ainda depen-
dia da mão do artista para dar-lhe os contornos e formas necessárias. Com a invenção da fotografia a produção da
imagem semelhante ao real torna-se fato e sem a necessidade da mão do homem para elaborá-la.
[...] essa fé ingênua nas virtudes da imagem foi reforçada pela aparição das novas técnicas de gravação e
reprodução ótica, inicialmente fotográficas e depois “catódicas”, como se, ao se substituir à arte do pintor, o
recurso a instrumentos aparentemente neutros permitisse enfim estabelecer uma relação direta, necessária
e autêntica – em uma palavra, verdadeira – entre o real e sua imagem. (LANDOWSKI, 2004, p. 33)

Ainda em preto e branco as primeiras fotografias aéreas e as fotografias feitas durante a primeira guerra mundial
deixavam o mundo perplexo diante da possibilidade de ver o que estava tão distante, de tornar presentes momentos
ausentes, de mostrar o mundo de modo tão real. Os textos passam a ser ilustrados por fotografias e elas afirmavam
este discurso verbal, o que estava escrito dava também para ser visto.
A fotografia passa a ser vista no senso comum como um meio pelo qual é possível reproduzir com fidelidade o mundo
natural e os acontecimentos sociais ali inscritos sem a interferência da mão do homem, apenas a partir dos princípios
químicos e físicos, dando a ela uma espécie de neutralidade no processo de “representar”, o que a diferenciava da pin-
tura.
Mesmo depois da revolução modernista que, a começar pela pintura, teve por efeito invalidar essa con-
cepção, é ela que, apesar de tudo, continua ainda hoje a impregnar a concepção que comumente se faz do
estatuto da imagem, justificando a confiança quase cega que lhe acordamos em termos de verdade. (LAND-
OWSKI, 2004, p. 33)

Assim, a fotografia assume o caráter de discurso “verdadeiro” e passa a ser vista como a reprodutora da realidade,
passando a ser compreendida no contexto como um documento por toda a modernidade. Nesse sentido, afirma Dubois
(2006, p. 27).
[...] a fotografia é considerada a imitação mais perfeita da realidade. E, de acordo com os discursos da época,
essa capacidade mimética procede de sua natureza técnica, de seu procedimento mecânico que permite
fazer aparecer uma imagem de maneira “automática”, “objetiva”, quase “natural” (segundo tão somente as leis
da ótica e da química), sem que a mão do artista intervenha diretamente.

Para fazer com que o discurso que ela apresenta torne-se ainda mais verídico, o enunciador (sujeito que faz a fotogra-
fia) faz escolhas de composição que fortalecem o parecer verdadeiro apresentado no enunciado fotográfico.
Estas escolhas podem se dar a partir do enquadramento, recortes, ajustes focais, iluminação, cenografia, entre outros
detalhes que fazem com que ela não seja a reprodução do mundo natural, mas apresente traços da realidade que apre-
senta, e assim seja vista como um simulacro da realidade. Deste modo, o enunciador coloca-se como manipulador dos

381
discursos enunciados, levando o enunciatário a crer nos valores ali colocados. Não é um discurso verdadeiro mas, sim,
um discurso que produz um efeito de verdade, construído para fazer parecer verdade.
Estas escolhas perpassam também aquilo que o enunciador julgue digno de ser representado, recortes de práticas
sociais das quais se considere parte, ou das quais queira fazer parte.Nestor Canclini, ao refletir sobre os estudos de
Bourdieu sobre a sociedade moderna, destaca como o pesquisador percebeu a prática da fotografia como modo de
compreender as diferenças entre as classes:
Ele percebeu que aquilo que um grupo social escolhe como fotografável revela o que esse grupo social rev-
ela digno de ser solenizado, como estabelece as condutas socialmente aprovadas, a partir de quais esque-
mas percebe e aprecia o real. Os objetos, lugares e personagens selecionados, as ocasiões para fotografar
mostram o modo pelo qual cada setor se distingue dos outros. (2007, p. 70)

A possibilidade de escolher o que fotografar, ou simplesmente de poder fotografar, cresceu com o desenvolvimento da
tecnologia digital, que possibilitou uma queda nos preços das câmeras digitais e a criação de celulares com câmeras
cada vez mais potentes. Assim, a fotografia se popularizou na sociedade, principalmente entre os adolescentes. Entre as
mais diversas classes sociais a fotografia digital vem ganhando mais espaço a cada dia.
Quando ainda usávamos o filme 35 mm e celular era artigo de luxo, era raro encontrar adolescentes tirando fotos. O
custo era alto, comprar o filme, revelar, sem contar que máquina fotográfica era coisa de adulto. Hoje, é comum encon-
trar nas situações mais comuns como um passeio no shopping ou no pátio da escola adolescentes com câmeras digi-
tais, Ipad’s, celulares com câmeras ou MP5 registrando seu movimento individual ou o do grupo.
Contamos ainda com todo o aparato da tecnologia digital, principalmente com o desenvolvimento de softwares de ma-
nipulação de imagem, com recursos de manipulação acessíveis a todos, sem contar que grande parte dos adolescentes
tem acesso à internet e às redes sociais do próprio celular.
Nesse contexto, de uma sociedade inundada de aparatos tecnológicos e redes sociais digitais, percebe-se um crescen-
te processo de desterritorialização2, no qual “estar em um lugar” não pressupõe necessariamente estar fisicamente, ou
“ser alguém” não necessita ser fisicamente este alguém. Vemos crescer a utilização de recursos tecnológicos e sites de
relacionamentos por muitas crianças e adolescentes, sem um entendimento críticos dessas novas formas de estar no
mundo, fazendo dessas comunidades um espaço a mais para viver, muitas vezes sem critérios.
O objetivo da pesquisa3 é compreender as possibilidades de pensar o universo educacional, formal e/ou não formal,
por meio da inserção das novas tecnologias no cotidiano de crianças e adolescentes. Para tanto, acreditamos que, a
partir da investigação das práticas educativas que envolvam essas linguagens, possamos contribuir para uma reflexão
do contexto educacional atual, contribuindo com proposições de novos modos de se pensar o espaço educativo que
dialoguem com a realidade dos alunos.
Também nos interessa investigar de que modos as produções artísticas contemporâneas que envolvem as novas tec-
nologias (fotografias, vídeos e etc) podem ser pensadas como linguagem e conteúdo didático para o ensino da arte em
diferentes espaços de formação, a partir de seus intertextos e interdiscursos, constituindo-se, desse modo, como uma
grande aliada para as reflexões de seus usos no cotidiano dos alunos.
Para investigar os processos de significação das imagens técnicas, fotografia, vídeo, cinema e das imagens da mídia
apoiamo-nos no aparato teórico da Semiótica Francesa. A semiótica discursiva é uma ciência relativamente nova. Surge
na França em 1960, dentro do contexto do estruturalismo, a partir do estudo de Algirdas JulienGreimas. É uma teoria
da significação que se preocupa com os processos de produção de sentido do texto. Segundo Barros (2007, p. 07) “A
semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o
que diz”.
Para pensar as práticas educativas que envolvam as imagens da arte, as novas tecnologias, as mídias e as redes sociais,
partimos dos pressupostos da Cultura Visual e as pesquisa sobre mídias e novas tecnologias, dentro e fora dos contex-
tos educacionais.
Apresentaremos a seguir pesquisas finalizadas e pesquisas a serem iniciadas4, realizadas com alunos do curso de grad-
uação em Licenciatura em Artes Visuais querefletem sobre os modos como as imagens técnicas, as mídias e as redes
sociais digitais podem ser pensadas como mediadoras das práticas em educativas em arte, refletindo acerca de suas
características a partir de exemplos de pesquisas/ações educativas em arte que englobaram e englobarão em suas
práticas uma ou mais das possibilidades acima citadas, de modo a propor um ensino da arte atualizado e contextual-
izado com a realidade dos alunos na contemporaneidade.

382
O primeiro trabalho é da aluna Ana Paula da Silva Almeida5 intitulado “(RE)CONTAR”, orientado entre os anos de 2013
e 2014. O trabalho reflete sobre a importância dos contos infantis e sobre a imagem como parte integrante do conto. A
aluna propõe recontar a história “Alice no país das Maravilhas” por meio de fotografias realizadas por ela e manipula-
das no computador. A proposta é possibilitar às crianças a narração verbal do conto, a partir das imagens criadas pela
autora. A aluna defende a importância de instigar a leitura crítica da imagem desde as primeiras séries da educação
infantil.
O resultado do trabalho foi a recriação da história por meio da fotografia propondo um livro de contos somente com o
texto visual. Abaixo, apresentamos duas imagens criadas pela aluna.

Imagem 1: Conversa com a lagarta, 2014.


Fonte: Ana Paula Silva Almeida

Imagem 2: O julgamento, 2014.


Fonte: Ana Paula Silva Almeida

O segundo trabalho de conclusão de curso foi realizado por Pedro Henrique Bergi Reis6 e intitula-se “Moda e Arte:
diálogos e aproximações”. O aluno discorre ao longo do trabalho, a partir do escopo teórico e metodológico da
Semiótica Francesa, sobre os diálogos presentes entre a Arte e a Moda entre os anos de 1920 e 1960, a partir dos con-
ceitos de intertexto e interdiscurso.
Segundo Fiorin (2006, p.30) a intertextualidade “[...] é um processo de incorporação de um texto em outro, seja para
reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo”, enquanto a interdiscusividade “[...] é o processo em que se
incorporam percursos temáticos e/ou figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro”(idem, p.32).
Após apontar os intertextos e interdiscursos entre arte e moda no recorte temporal selecionado o aluno propõe uma
transposição didática do tema para uma ação educativa a partir dos conceitos da Cultura Visual, destacando a im-
portância da presença das imagens da cultura visual nas práticas educativas em arte, uma vez que consideramos
(...) necessário levar para a sala de aula imagens que cercam nossos alunos no cotidiano e normalmente são
desvalorizadas, consideradas pouco ou nada artísticas. Hernández defende que muitas outras imagens da
“cultura visual” (não legitimadas como arte), por exemplo, propagandas, fotografias de jornais, desenho de
moda, videoclipes e outras, podem ser apreciadas na sala de aula. (IAVELBERG; MOURÃO, 2006, p.23)

Pedro destaca em seu texto que


A Moda pode ser um veículo para se abordar diversos assuntos em uma sala de aula, não apenas na aula de
Artes, mas também em outras disciplinas. A Moda, como foi mostrada, reflete muito do momento histórico,

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do comportamento da sociedade, das ideologias etc. Ao utiliza-la como tema para se alcançar um objetivo
gera-se interesse no aluno, já que este vive a moda – mesmo que involuntariamente através do ato de se
vestir. A vestimenta de cada pessoa o identifica para o outro, e é o que ocorre na escola, nas relações inter-
pessoais, é a identificação de um indivíduo para o outro através de algo que os agrega significado. Mesmo
utilizando uniforme, o aluno, encontra artifícios geradores de identidade (acessórios) para se fazer presente e
se agrupar. Vê-se aqui uma aplicação da Moda em outra disciplina – Sociologia – estudando como que os seres
se interagem com o meio e criam elos com este e com outro sujeito através do vestuário. (Bergi, 2014, p.63)

Percebemos nos trabalhos de conclusão de curso orientados que os dois alunos do curso de Licenciatura preocu-
pam-se com a ampliação dos usos das imagens na escola, principalmente nas aulas de arte, visando proporcionar um
entendimento amplo sobre as imagens da arte e das imagens que os circundam. É importante ressaltar que ampliar
as possibilidades de leitura não significa abandonar as imagens da arte e sim, pensar arte e vida como indissociáveis.
Desse modo, pretendemos pensar um ensino da arte preocupado com as imagens da arte e da vida, a partir de uma
leitura crítica de mundo. Nesse sentido, afirma Martins
Como campo emergente de investigação, a cultura visual quer ajudar aos indivíduos e, principalmente, aos
alunos, a desenvolver uma visão crítica em relação ao poder das imagens, auxiliando-os a criar e aguçar um
sentido de responsabilidade diante das liberdades decorrentes desse poder (2006, p. 72).

Percebendo a crescente procura de alunos em busca de orientação de pesquisas no campo da Cultura Visual e da
Semiótica, principalmente no que diz respeito a inserção de imagens técnicas, da publicidade, da mídia e as relações
das imagens e as redes sociais, somada ao interesse de pesquisa que trago desde o doutorado, criamos o grupo de
pesquisa “Processos discursivos em arte” no qual coordeno a linha de pesquisa “Mídias e processos de significação”
que tem por interesse investigar os processos de significação nas produções artísticas e culturais contemporâneas que
envolvam as mídias e as novas tecnologias, bem como seus desdobramentos educativos.
Vinculado a esse grupo iniciamos o trabalho de orientação de iniciação científica neste ano, tendo três projetos de
pesquisas de alunos do curso de Licenciatura em Artes Visuais e Bacharelado em Artes Plásticas aprovados no edital
da Universidade Federal do Espírito Santo. Os três projetos propõem pesquisas que relacionem imagem técnica, mídias
e redes sociais nas práticas educativas em arte.
O primeiro projeto “MARCAS DO COTIDIANO DE UM CMEI: Sentidos construídos sob a perspectiva do olhar da criança”
proposto pelo aluno do bacharelado em Artes Plástica Jhonathas Andrade do Nascimento tem como objetivo refletir
sobre o espaço escolar a partir do olhar das crianças, construído por meio da linguagem fotográfica.
A pesquisa, que iniciará em agosto de 2014, pretende destacar os sentidos produzidos por crianças da Educação In-
fantil, a partir da linguagem fotográfica como mecanismo de explanação de suas percepções criativas, buscando com-
preender as possibilidades da utilização das tecnologias como meio no processo educativo articulado ao contexto
artístico contemporâneo.
A segunda pesquisa “O Ensino do Cinema no Contexto das Artes Visuais e sua utilização como ferramenta pedagógica”
proposta pela aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais Claudia Michele Rosa Alves tem como objetivo refletir
acerca da linguagem do cinema no contexto das Artes Visuais, mostrar sua contribuição para práticas educativas em
arte, bem como na formação sociocultural do aluno, ampliando sua reflexão enquanto espectador de produções au-
diovisuais, aumentando assim sua criticidade. A partir do aparato teórico metodológico a Semiótica Francesa a aluna
pretende refletir sobre o cinema enquanto texto sincrético, seus processos de comunicação e significação. A partir
disso, pretende refletir sobre os potenciais pedagógicos do cinema para o ensino da arte em diálogo com outras áreas
do conhecimento.
A terceira e última pesquisa a ser orientada no programa de iniciação científica denomina-se “A leitura de imagens
publicitárias veiculadas em sites e redes sociais da internet: uma prática crítica através do ensino de Arte” da aluna
Ana Claudia de Sena, também estudante do curso de Licenciatura em Artes Visuais. A pesquisa tem como objetivo
refletir sobre a presença das imagens publicitárias como determinadoras de padrões e comportamentos de crianças e
adolescentes e vivenciar, em uma experiência prática, as possibilidades dos usos de imagens comerciais e publicitárias
veiculadas em sites e redes sociais da internet em práticas educativas em arte, de modo a contribuir para a construção
de uma leitura crítica de mundo de alunos do Ensino Fundamental.
Percebe-se a partir das reflexões teóricas e das pesquisas apresentadas a crescente preocupação com a atualização
das práticas educativas em arte ao proporem a ampliação do repertório de práticas artísticas que envolvam imagens

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da arte e da Cultura Visual. A criação de uma linha de pesquisa nesta área dialoga com a emergência de se pensar a
presença dessas imagens e o poder de seus discursos no cotidiano de crianças e adolescentes.
Ao propor investigações nesse sentido acreditamos estar contribuindo para uma formação crítica do aluno e nos
aproximando de suas vivências diárias. Ligados às tecnologias, às mídias e as redes sociais digitais, e de fundamental
importância que a escola e os pesquisadores em educação reflitam sobre novos modos de ser e estar do aluno no es-
paço escolar para propor práticas educativas atualizadas e conectadas com o dia a dia dos estudantes.

(Endnotes)
1 De acordo com Dubois “De certo modo, é evidente que toda imagem, mesmo a mais arcaica, requer uma tecnologia (de produção ao menos, e por vezes de
recepção), pois pressupõe um gesto de fabricação de artefatos por meio de instrumentos, regras condições de eficácia, assim como de uma saber.” (2004, p. 31).
Ao tratarmos de “novas tecnologias” estamos nos referindo a toda e qualquer imagem técnica, seja ela fotografia, cinema, vídeo, imagem digital ou infográfica.
2 O termo desterritorialização, comumente utilizado para definir as dinâmicas do ciberespaço, tem suas raízes na proposição de Gilles Deleuze e Felix Guattari
em Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (v. 3)
3 A pesquisa está em andamento, sendo relatados aqui experiências de trabalhos de conclusão de curso já orientados e pesquisas de iniciação científica em
processo.
4 Todas as pesquisas apresentadas foram e serão orientadas pela autora deste artigo.
5 O trabalho encontra-se disponívelna Biblioteca Setorial do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo.
6 O trabalho encontra-se disponível na Biblioteca Setorial do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo

REFERÊNCIAS
ARSLAN, Luciana Mourão; IAVELBERG, Rosa. Ensino de arte. São Paulo: CengageLearning,2013.
BARBERO, Jesús Martín. Desafios da tecnicidade ao sistema educativo. In: FILÉ, Valter. Escola e Tecnologia:
máquinas, sujeitos e conexões culturais. Rio de Janeiro: Rovelle, 2011.
BARROS, Diana de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 2007.
CANCLINI, Nestór García. Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.
CAPARELLI, Sérgio. Infância digital e cibercultura. In: PRADO, José Luiz A. (org). Crítica das práticas midiáticas: da
sociedade de massa às ciberculturas. São Paulo: Hacher Editores, 2002.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 2006
FIORIN, José Luiz. Interdiscursividade e intertextualidade. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de: Fiorin, José
Luiz (org) Bakhtin: Outros conceitos-chaves. São Paulo: Edusp.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relu-
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LANDOWSKI, Eric. O olhar comprometido. In: Galáxia: revista transdisciplinar de comunicação, semiótica,
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MARTINS, Raimundo. Porque e como falamos da cultura visual? Revista do Programa de Mestrado em Cul-
tura Visual. V. 4, n. 1 e 2, 2006. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/VISUAL/article/view/17999 .
Acesso em: 20 de maio de 2014.
ROUILLÉ, André. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Senac, 2009.

Possui graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Espírito Santo (2004) e mestrado em História
(2007) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (2012). Atualmente é professor
adjunto de fotografia. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Fotografia e ensino de arte, atuando prin-
cipalmente nos seguintes temas: Fotografia, Novas tecnologias e Ensino de Arte.

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