Você está na página 1de 10
ONC Utell} 434 Bioética e condigao humana: contribuigdes para pensar o nascimento ‘Ana Miriam Yiueseh’ ul Cobre? Resumo A biostica recorre &filosofia ao examinar conceitos e valores, problemas e ferramentas metodoligicas e2o tratar de problemas especificos da vida humana no mundo moderna, Contudo, tanto na bioética quanto nafilosofia,a com preenséo existencial do que significa nascer é poucas vezes articulada, enquanto a dimensSo existencial da morte edo morrer tem recebido mais atencio. Neste artigo, propomos reconsiderar a condicéo humana como pano de fundo de uma ética para a vida em seus mitiplos extratos e modulagGes, ea partir da qual se pode elaborar pers: pectva flos6fica que pense o nascimento como horizonte mais amplo para tratar problemas bioéticos especificos. Destacamos, neste artigo, algumas contribuigSes de Hannah Arendt e Maria Zambrano, duas pensadoras que se ‘ocuparam da condi¢ao humana, entre o nascimento e a morte. Palavras-chave: Biostica. Temas bloéticos. Nascimento vivo, Parto. Filosofia, Resumen la :ontribuciones para pensar el naci La bioética recurre ala filosofia en su préctica de examen conceptual y de valores, sus problemas y herramientas ‘metodoldgicas, para tratar problemas especificos de la vida humana en el mundo maderno. Proponemos una reconsideracién de la condicién humana, como un trasfondo a partir del cual se elabora una ética para la vida ~ fen sus miitiples dimensiones y modulaciones ~ como una perspectiva filosdfica para pensar el nacimiento en la bioética, y como un horizonte mas amplio para e tratamiento de problemas bioéticos especificos. Destacamos, en este articulo, algunas contribuciones de Hannah Arendt y de Maria Zambrano, dos pensadoras que se ocuparon de Ia condicién humana, entre nacimiento y muerte. La comprensién existencial de lo que significa nacer es una dimensién raramente articulada, en filosofia y bioética, mientras que la consideracién existencial de la muerte, y del morir,han recibido mayor atencién en estas dreas. Palabras clave: Bloética. Discusiones bioéticas. Nacimiento vivo. Parto. Filosofia nto joética y la condicién humana: Abstract Bioethics and human condition: contributions to thinking about birth Bioethics uses philosophy in its practice of analysis of concepts and values, problems and methodological tools in order to deal with specific problems of human life in the modern world. We propose a reconsideration of the human condition as @ background from which an ethic for life is constructed ~ in its multiple extracts and ‘modulations ~as a philosophical perspective to the thinking about birth in Bioethics, and as broader horizon for approaching more specific bioethical problems. We highlight in this article some contributions by Hannah Arendt and Matia Zambrano, two thinkers who addressed the human condition between birth and death. The existential understanding of what it means to be born is rarely articulated dimension from a philosophical and bioethical viewpoint, whereas the existential dimension of death and dying has received better attention in these areas. Keywords: Bioethics. Bioethical issues. Live birth. Parturition. Philosophy. 1. Doutora anawvensch@gmal.com — Universidade de Basia Un) 2 Doutorkabra7@gmallcom ~ Un8,Brasli/OF, Sas Correspondéncia ‘ana Milam Woensch ~ Universidade de Gras. Campus Universitirlo Darey Ribeiro, ICC Als Norte, Meranino 8 622, As) Norte CEP 70810900. Brsia/DF, Bras Declaram na have confit de nteresse Row bint. (impe). 2018 26 2): 488-93, tp//x.dorg/10.1590/1983-20422018264265, A bioética, como ética aplicada a vida, cada vez mais assume carster publico e politico, chamando © poder puiblico & responsabilidade e criticando as formas vigentes de administracio e atencdo a vida, especialmente em contextos mais wulnerévels, como © da América Latina, Esse carter piblico manifes- ta-se em documentos como a Declaragdo Universal sobre 0 Genoma Humano ¢ os Direitos Humanos, a Declara¢ao Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos e a Declaragdo Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. De inicio entendida como uma ética aplicada, como mais uma forma de utilizar 0 métode filoséfico para responder aos questionamentos sobre os limi- tes da vida, a bioética chega a0 século XXI com uma visdo mais ampliada dos problemas relacionados 4 vida humana, em busca de um sentido comum da ‘humanidade*. €, como campo multi, inter e transdis: ciplinar, passa a desenvolver reflexdes criticas sobre seus fundamentos epistemolégicos, linguagem e campo de investigacao. Integrante do grupo de disciplinas que tem con- tribuido com 0 projeto bioético, a filosofia tem sido utilizada na ética aplicada e no exame conceitual de categorias e questées relativas a vida em geral. Do mesmo modo, também os fildsofos tém se envol- vido mais diretamente com questdes bioéticas** Buscando compreender as rupturas politcas e trans- formagbes tecnolégicas do século XX, pensadoras como Hannah Arendt e Meria Zambrano se debru- garam sobre problemas relacionados & condi¢ao, humana, com especial aten¢io a fenémenos como ‘que aqui nos concerne: 0 nascimento, visto pelas filésofas como evento mundano que integra 0 ser no decorrer de toda sua existéncia, Partiremos dessas analises, que ultrapassam a perspectiva meramente ‘técnica a0 pensar o nascimento em sua especifici- dade existencial, buscando apontar sua relevancia e formas de incorporé-las 8 reflexdo bioética Em que consiste a “condigéo humana” A cexisténcia s6 é possivel sob certas condi- es. Diferente da concep¢ao filoséfica clissica de “natureza humana", que supée uma essén- cla, substancia ou conteddo inerente a0 ser humano (isto é, a humanidade abstrata, univ sal e homogénea), a compreensao existencial v8 © individuo camo condicionado e condicionante. Insolivel pela ciéncia ea filosofia, o problema de uma natureza universal que defina a humanidade remete a teologia, que aborda as questdes sobre a px. org/10.1590/1983-20422018264265, Bioéticae condigge humana: contribuigdes para pensar onascimento “natureza” de Deus e a “natureza” do homem em contexto de revelacao divina Segundo Hannah Arendt, é altamente impro- vdvel que nds, que podemos conhecer, determinar e definir as esséncias naturais de todas as coisas que nos rodeiam endo somos, sejamos copazes de fazer ‘0 mesmo @ nosso respeito: seria como pular sobre rnossas préprias sombras. Além disso, nada nos ‘utoriza @ presumir que o homem tenha uma natu- reza ou esséncia no mesmo sentido que as outras coisas tem’. ‘As atividades e capacidades humanas ~ tra balhar, criar, conhecer, pensar, julgar, educar ~ no equivalem & natureza humana nem definem ou ‘explicam quem somos pela simples razdo de que jamais nos condicionam de modo absoluto ~ essa sempre foi a opiniéo da filosofia, em contraposi¢ao 4s ciéncias que também se ocupam do ser humano* ‘Quem somos nao é algo que se possa determinar do mesmo modo como estipulamos a natureza das coisas que fabricamos ou realizamos; sobre alguém podemos sugerir sé 0 que parcialmente percebe- mos. A pergunta pelo nosso ser, por quem somos, ‘coma individuos e como sujeites, difere da pergunta sobre o que somos, como objeto de conhecimento. © que podemos saber, em sentido mais gené rico, é que as pessoas sao seres condicionados e a0 mesmo tempo condicionantes. Pois, como aponta Arendt, além das condigdes sob as quais a vida € dado ao homem na Terra e, em parte, a partir delas, os homens constantemente criam as suas préprias condigdes, produzidas por eles mesmos que, a despeito de sua origem humana e de sua variabilidade, possuem o mesmo poder condicio- ante das colsas naturais®, (© que condiciona a condi¢ao humana? ‘As condicionantes conhecidas nao esgotam o sentido da existéncia humana, uma vez que a ela se ‘agregam continuamente novas condicées, em parte produzidas pelos seres humanos, em parte impos- tas pela natureza. Mas se antigas e novas condicSes, rndo definem de modo absoluto o que é a humani- ‘dade nem respondem a pergunta sobre quem somos ‘enquanto individuos, todavia é possivel considerar seu impacto em nossa realidade. Hannah Arendt, em sua obra “A condicao humana”, emprega o termo cléssico vita activa para designar as trés atividades que considera fundamentais: Rew biog. (imp). 2018; 2 (2): 484-93, eee e NOT 485 ONC Utell} 436 Bioéticaecondiglo humana: contribuigdes para pensar onascimento 1. 0 trabalho: atividade que corresponde 20 pro- cesso biolégico do corpo humano, seu meta. bolismo e suas necessidades vitais; a condi¢a0, humana do trabalho é a prépria vida na Terra; ‘© homem, enquanto ser que trabalha, define-se ‘como animal laborans; 2. A obra ou fabricagio: atividade construtora do mundo humano, como artificio, artefato; ferra- ‘mentas que organizam um cosmos que abriga & protege cada vida individual em suas fronteiras; ’ condigio humana da obra 6 a mundanidade; € 0 “fazedor de obras” que constitul o mundo hu: ‘mano enquanto um artificio como um lar aqui na Terra, & designado como homo fober; 3. A agGo: atividade que ocorre diretamente entre (05 homens, por sua prépria iniciativa, sem es- tarem constrangidos pela necessidade ou pela tarefa de construir ou preservar o mundo. Pela a¢do conjunta dos homens, a ordem do mundo pode ser mudada. A coexisténcia interpessoal, por meio de palavras e atos, corresponde a con- digdo humana da pluralidade: a condigao de toda 8 Vida politica ~ nao apenas condicio necesséria (sine qua non), mas por meio da qual (per quam) a vida politica ocorre ®. Além disso, estas condigées (Terra, vida, mundo, pluralidade) ndo somente se relacionam entre si, mas estéo intimamente relacionadas com @ condi¢éio mais geral da existéncia humana: nas- cimento e morte, natalidade e mortalidade. O tra balho e a obra, bem como a aco, estéo também enraizados na natalidade, na medida em que tém a tarefa de prover e preservar o mundo para 0 cons- tante influxo de recém-chegados que nascem no ‘mundo como estranhos, além de prevé-los e levé-los, em conta Ou seja, o nascimento de “novos” implica que 0s “recém-chegados” vm ao mundo como “estra- rnhos" para as gerages mais velhas que jd desenvol- vveram algum senso de familiaridade e habitos. Da mesma forma, para 0s “novos”, o mundo é sempre. considerado velho e fora da ordem, Nossa primeira aparigo como individuos no mundo se da pelo nascimento biolégico. Em nosso lento crescimento, © pela educagao, desenvolve- ‘mos capacidades, talentos e senso de identidade. © nascimento, porém, nao fica no passado, como evento terminado, Ele € a condigo de nosso pré- prio comeco, enquanto individuos tinicos no mundo, Tornamo-nos “seres do mundo” por termos nascido rele: € por palavras e atos que nos inserimos no ‘mundo humano, e essa insergdo é como um segundo Row bint. (impe). 2018 26 2): 488-93, ‘nascimento, no qual confirmamos € assumimos 0 {foto de nosso aparecimento fisico original™. Onascimento corresponde a condigo humana mais geral da natolidade, uma vez que 0 novo comego inerente ao nascimento pode fazer-se sentir ‘no mundo, samente porque 0 recém-chegado possul a capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir™. Presente em todas as atividades, a natalidade é condicéo de toda iniciativa e possibilidade de novos comecos, manifestando-se especialmente na ac30, entre seres humanos. E como a ago é a atividade politica por exceléncia, a autora afirma que a nata- lidade e ndo a mortalidade, pode ser a categoria central do pensamento politico, em contraposicao {20 pensamento metafisico” Também os seres humanos so “os mortais", pols ndo existem apenas como membros de uma espécie cuja vida imortal é gorantida pela procria- 80”, Nossa mortalidade reside no fato de que a Vida individual, como histéria vital identificdvel desde © nascimento até a morte, embora advenha da vida biolégica— tanto quanto a natalidade —, nao se reduz 8 biologia. Nascemos no mundo, somos do mundo, ‘© espago humane no qual existimos enquanto dura nossa vida, O nascimento é mundano, no sentido fenomenolégico do aparecer de alguém entre os demais, assim como morrer significa deixar de estar entre os homens": © nascimento e a morte de seres humanos néio s60 simples ocorréncias naturais, mas referem-se a um ‘mundo no qual aparecem e do qual partem indivi- duos unicos, entidades singulares, impermutdveis e inrepetiveis. Sem um mundo no qual os homens nas~ cem e do qual se vao com a morte, haveria apenas um imutével eterno retorno, a perenidade imortal da espécie humana como a de todas as outras espé- A vida humana que ocorre no mundo entre Co nascimento e a morte 6 biol, ou modos de viver, a vida; e uma vida humana Unica, que pode ser narrada, contada como biografia, é bios. A historia de uma vida, sua biografia, 6 uma reta que corta © ciclo recorrente da vida continua, “imortal”, da espécie (200) Em Arendt, este elemento de iniciativa espon- tanea, condicionado pela natalidade, diz respeito 20 carater nico de cada pessoa, em sua existéncia singular, que transpassa a vida da espécie. A exis: téncia é este aspecto de transcendéncia, de exterio- riaagdo de si (ex-sistere), a partir das condigdes em que a vida nos é dada. A natalidade equivale, pois, & tp//x.dorg/10.1590/1983-20422018264265, liberdade que se realiza mais intensamente na aco. fato de que o homem & capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvavel™. ‘Aautora enfatiza que a ado, tema central de sua reflexdo politica, no equivale a0 “comporta mento” que, em seu conformismo, habitualidade € previsiblidade estatistica é a antitese da ago em sua inerente imprevisibllidade e flutuacio. A socie- dade de massas, airma Arendt, onde o homem como animal social reina supremo, e onde aparentemente a sobrevivéncia da espécie poderia ser garantida em escala mundial, pode ao mesmo tempo ameacar de cextingdo a humanidade*. sto é decisivo em termos politicos, pois, segundo a pensadora Entregues a si mesmos, 0s assuntos humanos 56 podem seguir a lei da mortalidade, que é o mais certa lei e a tinica confidvel de uma vida transcorrida entre 0 nascimento e a morte. O que interfere nessa lei é a faculdade de agir, uma vez que interrompe 0 curso inexordvel e automético da vida cotidiana (..). Prossequindo na diregdo da morte, 0 periode de vida do homem arrastaria inevitavelmente todas as coisas humanas para a ruina e a destruigdo, se nao fosse «a faculdade humana de interrompé-lo e iniciar algo novo, uma faculdade inerente & agdo que é como um Iembrete de que os homens, embora tenham de mor- rer, no nascem para morrer, mas para comecar'*. "Vida" & um termo polissémico, ¢ Arendt per- corte os sentidos que a palavra adquire ao longo da tradigio filoséfica: a vita activa (ou vita negotiosa, actuosa) contrapée-se & vita contemplativa na lin- gua dos romanos, 0 povo mais politico que conhe- cemos'; assim como jé os gregos distinguiam entre bios politikos e bios theoretikos, ou seja, a vida publica e politica na companhia dos demais, ou a vida dos pensadores ensimesmados. Consideremos entio a reflexio de Maria Zambrano sobre a vida humana, entre 0 nascimento ea morte, que apresenta aspectos fenomenolégicos @ hermenéuticos em comum com Arendt, embora a filésofa alema se distinga por pensar politicamente a existéncia humana, enquanto Zambrano a entenda poeticamente”*, Para a pensadora espanhola, 0 homem tem nascimento incompleto, jamais se con- forma em viver naturalmente, necessitando sempre de algo mais ~religi, flosofia, arte ou ciéncia. Na perspectiva de Zambrano, todos padece- mos de nascimento incompleto em uma realidade Inadequada e também hostil*; dat o impulso exis- tencial para a expresso e a criacio como um desafio px. org/10.1590/1983-20422018264265, Bioéticae condigge humana: contribuigdes para pensar onascimento de completar o préprio nascimento ou renascer sucessivamente, nesta vida e neste mundo. $6 0 ani- ‘mal nasce de uma vez, enquanto 0 individuo, que ‘nunca nasceu de todo, tem o trabalho de engen- drar-se novamente, ou esperar ser engendrado” Podemos renascer porque nascemos, sendo o nasei- mento a condigdo de toda a vida humana e suas rea lizages, onde cada um se distingue, ultrapassando a si mesmo em meio a relago com 0s outros. E no decorrer de sua vide que alguém pode ‘constituir sua individualidade, em melo as relagdes, ‘que estabelece com os outros, com 0 mundo e con. sigo mesmo em seu projeto de vida. Individualizar-se envolve escolha, a mais decisiva entre todas: 0 que se faz de si mesmo. Nesta escolha fundamental se realiza a liberdade humana, a propria e a comum, pois néo é possivel escolher a si mesmo sem esco- her, ao mesmo tempo, os outros”. ‘Segundo Zambrano, somos seres de sucessivos renascimentos. Por meio do nascimento do que cha- mamos de “real” ha parto continuo de nés mesmos € da realidade, pois o homem é criatura em transe de continuo nascimento*. Por isso, parece ser con- digdo da vida humana o ter que renascer, o ter que ‘morrer e ressuscitar, sem soir deste mundo. Dai os continuos renascimentos no decorrer de uma vida ‘em transito, percurso, caminho entre o que ainda nndo somos e 0 que desejamos ser, da obscuridade de nossa origem a luz de determinado projeto, em sucessivo trabalho de parto de si mesmo e da reali- dade, no qual nascer e criar so equivalentes a um, mistico “despertar”. ‘A condi¢ao do nascimento é o impulso de transcendéncia e liberdade que, em Zambrano, se traduz pela impossibilidade de descansar na vida anénima e na necessidade de autenticidade que move a busca de realizacéo do préprio ser singular ‘em meio & cultura © nascimento é imanente a0 ser humano como ser vivente, em sua tendéncia de transcender-se rumo a prépria individualidade. ‘Quem no morre ao separar-se de outro ser ~ posto ‘que nascimento é sempre separacio ~ ters de cenfrentar situag6es-limite no decorrer de sua vida e ‘hd de sentir que precisa nascer por si mesmo*. Para Zambrano, a confissio ¢ 0 mado como 0 vivente se interroga sobre as dores que padece e se pergunta pelas raz6es de sua existéncia, um método para encontrar esse sujelto a quem ocorrem dores, € como alguém que se distingue do que Ihe acontece’ Por isso, a confissdo torna-se o modo privilegiado de dizer, relatando 0 movimento vital em que alguém Ge sua existéncia em questdo, vislumbrando-se a si Rew biog. (imp). 2018; 2 (2): 484-93, eee e NOT 487 ONC Utell} 438 Bioéticaecondiglo humana: contribuigdes para pensar onascimento mesmo “desde fora": um existente vivente, em sua particular percepsio da condicgo humana, Enguanto Arendt apresenta a biografia* como a narrativa de uma vida, a histéria de um ser nico em sua existéncia, Zambrano define a confisso, ou auto- biografia®, como o relato da busca de autoconheci- mento de um ser humano em seu despertar nesta vvida em transito. Por melo de suas préprias palavras, © vivente conta sua trajetéria de individuacéo a0 buscar reconciliarse com a realidade “inadequada host”. Como género literério, a confissao é tipica de momentos de crise, quando a existéncia humana se revela para nés; pois é préprio da cultura, de todas as culturas, manter encoberta a existéncia nua do homem ®. Para Zambrano, o que uma crise revela & justamente o que esté encoberto pela cultura Aparecem as entranhas da vida humana, 0 desam- aro do homem que se encontra sem apoio, sem onto de referéncia; de uma vida que nao flui para ‘meta alguma e que néio encontra justificagdo. Entéo, em meio a tanta desgraca, nés, que viveros em crise, temos, talvez, 0 privilégio de poder ver mois claramente o que se pée a descoberto pela prépria. crise: a vide humana, a nossa vida”. Em Zambrano, como em Arendt, “vida é con: ceito amplo que inclu, relaciona e distingue a vida humana em suas formas de expressao e criago cul- tural, sendo, em seus comeros, jé proposta e profe- cia de mediagdo. Esta vida ~ néo é necessrio dizer social, uma vez que a vida humana o é, de raiz ~ exige congenitamente a mediacao entre a matéria do viva e as formas viventes, mesmo aquelas ainda ndo reveladas ~ sem que se possa separar 0 pensa- mento da vida, posto que toda vida é forma ou a perseque; toda a vida, e a vida toda®. Além disso, 2 vida precisa do pensamento, mas precisa porque do pode continuar no estado em que espontanea- ‘mente se produz. Porque ndo basta nascer uma vez e movimentar-se num mundo de instrumentos uteis. A vvida humana sempre pede para ser transformada, pois precisa estar continuamente convertendo-se, quando entra em contato com certas verdades. Pois, é sempre necessério que este pensamento seja assi- milado e renasca, como renasce a vida, diariamente. Se o pensamento segue vivendo, terd que nascer € renascer tantas vezes quanto chegam as geracoes no tempo da histéria® Segundo Arendt ¢ Zambrano, nascimento fe morte no sio contrérios irreconcilidveis, mas Row bint. (impe). 2018 26 2): 488-93, condigdes da prépria existéncia humana no mundo ena Terra. Nas palavras da filésofa espanhola: Nascimento e morte, aurora e anoitecer sto os instantes mais promissores do processo vital. A itimitacéo do nascimento, e esta liberagéo que se produz no instante anterior a toda morte, tém uma grande semethanga; sdo os instantes de maxima liberdade, em que se manifesta em uma pura pre- senca esta realidade que, enquanto dura o que propriamente vida, esté encerrada em uma forma. Nascimento e morte consistem em destruicéo de uma forma, trénsitos™. Mas por que examinar apenas o nascimento, endo 0 parto’*, uma ver que essas so duas pers- pectivas do mesmo fendmeno, 0 "vit ao mundo”, em seus trnsitos e formas de vida em movimento? A reflexdo filoséfica sobre o nascimento exige que @ ppergunta seja levada em conta, Pademos responder, provisoriamente, que nascimento é experiéncia Universal, posto que nés todos nascemos de parto, Mas a experiéncia do parto, considerados os distin tos sujeitos af envolvidos, no ¢ algo habitualmente considerado pela filosofia tradicional Mesmo reconhecendo que ¢ intrigante auséncia de uma “filosofia do parto” na filosofia fem geral e nas reflexdes de Arendt e Zambrano em particular ~ sem adentrar o trabalho do médico Michel Odent sobre o tema®”*~, cabe enfatizar a importéncia da reflexao filoséfica, politica e poé- tica do nascimento, destacando sua forga simbélica na tradigo filoséfica que deu grande destaque & morte e a0 morrer. As palavras da filésofa italiana Adriana Cavarero apontam nesta direc3o: a catego- ria arendtiana de nascimento - como enraizamento de fato ~ e, portanto, real, do sujeito singular con creto; e 0 principio de realidade que 0 nascimento funda; é este 0 fato a0 qual o discurso verdadeiro deve resttuir significagao™. portante para a filosofia e A natalidade, em Arendt, deve ser conside- rada categoria filosdfica politica e mundana, n3o metafisica. Hans Jonas, contemporaneo ¢ leltor de Arendt®*, reflete, em sua homenagem péstuma & pensadora: Para Hannah Arendt, a mortalidade se junta 4 natal dade como categoria decisiva da existéncia human; ela mesma formulou a expressao “Natalitat’, como tp//x.dorg/10.1590/1983-20422018264265, um conceito contrério ao de “Mortalitat”. Isto nos ‘chama atencao. Ao falar de “natalidade’, Hannah Arendt ndo sé cunha uma polavra nova, mas intro duz com ela uma nova categoria na doutrina filosé- {fica do ser humano. A mortalidade desde sempre ‘ocupou a reflexdo. E a meditatio mort, a meditagao sobre a morte, nunca esteve separada do centro da reflexdo religiosa e filosdfica. Mas a sua contrapar- tida, 0 fato de que cada um de nés seja nascido e entre no mundo como um recém-chegado, permane- ceu surpreendentemente descuidado no pensamento sobre 0 nosso ser Também Jurgen Habermas considera e reinter: preta diversas categorias arendtianas, utilizando-as para tratar de temas emergentes relativos & "tecnici- 2a¢30 da vida", como a reprodugdo humana assistida e ‘a manipulagao genética, pelos seus impactos na com: preensio filoséfica da “natureza humana”. Ao refe~ rirse a liberdade como parte de olgo naturaimente indisponivel, 0 filésofo afirma que a naturalidade do rnascimento também cumpre o papel conceitualmente necessério deste inicio indisponivel. Raras vezes a filo- sofia tematizou essas questies. As excecdes pertence Hannah Arendt, que apresentou a natalidade no Gmbito de sua teoria da acéio™. ‘A passagem das consideracées filoséficas sobre ‘© nascimento para as abordagens bioéticas sobre 0 Inicio da vida e suas articulagdes com a terminall- dade da vida ainda nao estio bem estabelecidas. O nascimento e os modos de nascer slo tratados pre- dominantemente de pontos de vista estritamente ientifico e téenico, isto 6, fatual e empirico, sem um correspondente existencial. Neste sentido, pelo menos duas contribuigdes de Arendt e Zambrano so fundamentais para a biostica A primeira & tomar o nascimento como tema fundamental para refletir sobre o inicio mundano da vida do individuo. Bem entendido, néo se trata de considerar somente determinados nascimentos, mar- cados por circunstancias especificas (como pobreza, doenca ou reproducio assistida), mas 0 fato mesmo de nascer, de termos nascido e de sermos seres natois, mesmo. nascimento dito “normal”. Esta con- tribuigio filoséfica, de apresentar 0 nascer humano como problema de fundo, torna o estudo da condi¢ao humena importante para a bioética. Desse modo, @ filosofia existencial do nascimento ou da natalidade pode dar suporte ao “estudo das populacées” ou as especialidades médicas e sua casu'stica, redimensio- nando-as no campo bioético de modo a considerar @ cexisténcia humana desde o nascimento, sem reduzi= -la ou confindsla a0 nivel biol6gico da fertilidade. Um px. org/10.1590/1983-20422018264265, Bioéticae condigge humana: contribuigdes para pensar onascimento idlogo interdisciplinar é iniciado a partir da pergunta ‘o que significa nascer? ‘A segunda contribuigao das autoras é 0 desen volvimento de um pensamento de caréter fenome- nolégico-existencial -no caso de Arendt, em didlogo critico com Martin Heidegger e Karl Jaspers; no caso de Zambrano, com José Ortega y Gasset e Miguel de Unamuno — que coloca 0 nascimento em plano no meramente biolbgico, isiolégico ou médico, mas sim- bélico, como um cuidar de si mesmo na existéncia, Em Arendt, o nascimento é politizado; em Zambrano, poetizado ~ duas formas de ressimbolizé-io e redi- mensioné-lo, gerando expresses que a prinefpio arecem soar sem sentido para a bioética: “segundo rascimento’, “nascimento incompleto”, “transnas- cer", “renascimentos continuos” etc, Termos carrega- dos de sentido simbdlico ou metaférico, ndo “ficticio” ou “itersrio", mas que remetem a prépria condi¢ao humana em suas vicissitudes estruturais. Retomemos @ tripartigao arendtiana da vito activa entre atividades do trabalho, fabricagio & ago. Colocado em cada um desses niveis, 0 nas- cimento sera considerado de trés modos muito diferentes: 1) como produto biolégico do corpo humano; 2) como produto ou obra da ciéncia e da técnica médica ~ por exemplo, @ reprodugao assis- tida; ou 3) como resultado da coexisténcia entre os seres humanos. Em geral, os biceticistas tém grande prego pela primeira dimensio, mas tendem a rejel tar a segunda ~ a reproduco como mera producao de novos humanos ~e permanecem muito longe da terceira, na qual o nascimento é visto como intera- ‘Go simbélica carregada de sentido, aco politica ‘As expresses genéricas "ter filhos” “procriar” ‘escondem diferengas gigantescas entre gerar filhos, fabricar filhos e agir entre geragdes em processos de interagio politica e eriag3o simbélica na cultura, © que propomos aqui, com base em Arendt Zambrano, € reconsiderar # perspectiva biodtica sobre o inicio da vida, tendo-o como o principio que ‘aracteriza a vida humana no mundo e a trajetéria biogréfica ou autobiografica de cada individuo. Esta proposta distancia-se da argumentacao de Peter Singer, que insiste em nos lembrar de nosso género préximo (animal senciente) para depois buscar a Gética apropriada & nossa diferenca humana especi- fica (linguistica, argumentativa, calculadora de con- ‘sequéncias). Para pensar em novos padrées éticos relativos a “procriacdo assistida” por meio da tec- nologia médica, Singer usa casos exemplares e sin- gulares, como o de Louise Brown (1978), 0 primeiro bebé de proveta”, e 0 de Trisha Marshall (1993), ‘que, apesar da morte cerebral, teve sua gravidez Rew biog. (imp). 2018; 2 (2): 484-93, eee e NOT 489 ONC Utell} 490 Bioéticaecondiglo humana: contribuigdes para pensar onascimento preservada tecnicamente. No entanto, esses casos extremos podem encobrir o extraordinario que constitui o préprio nascimento de cada um de nés. 0 estudo da casuistica poderia beneficiar-se de um viés fenomenolégico e existencial, politico e poético. Para tanto, precisariamos recorrer 3s inves ‘igagdes sobre 0 julzo, considerado por Arendt a ‘mais politica das atividades mentais®, a faculdade humana de julgar acontecimentos singulares e sem precedentes. Ao sugerir este t6pico, ressaltamos que as novas realidades, constantemente incorporadas & condicéo humana, cobram de nés a compreensio do “que estamos fazendo”, levando a dimensao publica o debate sobre o significado das novas tecnologias e desenvolvimentos cientificos sobre 0 nosso modo de vide, bem como o impacto das decisdes politicas, coletivas ou dos governas sobre as préximas gera ges, em relacio 8 vida que vivemos ou proporcio- ramos aos que nasceram ou vao nascer: A convicgdo de que tudo 0 que acontece no mundo deve ser compreensivel pode levar-nos a interpretar a histéria por meio de lugares-comuns. Compreender do significa negar nos fatos 0 chocante, eliminar deles 0 inaudito, ou, ao explicar fenémenos, utilizar -se de analogias e generalidades que diminuam 0 impacto da realidade e o choque da experiéncia“. Nao se trata de fazer “ciéncia do particular’, mas, antes, de lembrar e considerar que exce- 56es também criam suas préprias e novas regras aspecto relevante para pesquisadores envalvidos no debate sobre a “liberdade procriativa”, Por exemplo, Maurizio Mori** aponta a dificuldade em “limitar” 0 rnascimento como fendmeno do desenvolvimento humano por meio da periodiza¢ao do fenémeno em sentido biolégico ou filoséfico, optando pelo primeiro. Ao tratar das técnicas reprodutivas como evento extraordindrio entre a liberdade de procriar u ndo procriar, 0 autor parece ignorar que todo nas- cimento é extraordindrio, seja ele natural ou técnico, posto que sempre podemos ndo nascer. O extraor- dindrio de todo nascimento 6 sua profunda contin- géncia: poderiamos nao ter nascido ou ter nascido mortos. Nascidos vivos, a vida nos envolve no jogo. mortal de nossa existéncia unica e circunstancial, desafiando a nos tornarmos alguém: 0 que faremos, lento, nés que viemos ao mundo entre os demais? Procriaremos ou no, por nossa vez? As respostas fardo parte de nossa biografia (Arendt) ou autobio- grafia (Zambrano) das existéncias que se destacam sobre 0 pano de fundo dos estudas demagraticas, a partir dos quais sao planejadas as decisdes tomadas no ambito das “politicas de populacao e fertilidade”. Row bint. (impe). 2018 26 2): 488-93, Mori, porém, ndo pensa a partir de perspec- tiva existencial, como nossas autoras. J4 no inicio do texto, ele vé o direito de no procriar baseando-se ‘apenas em motivos fatuals, como a situago demo- grafica da humanidade, aceitando sem critica que, caso a questo ecoldgica e outras questdes fatuals, ‘do existissem ou fossem superadas, o nascimento ‘go colocaria nenhum problema, Ndo hd em Mori apreciagao do “ser do mundo” dos humanos enquanto tal, mas apenas de suas circunstancias sociais e naturals. Mas, tomando o viés existencial, (© que importa ¢ © que os humanos fazem com as circunstancias sociais e naturais, suas préprias res- postas e escolhas. Em etapas mais avangadas de seu texto, Mori ndo vé sentido na expressio "bem-estar do nascituro” nem concebe como se poderia benefi- ciar alguém mediante a “liberdade negativa". Ele sim- plesmente no visualiza os elementos existenciais do rnascimento, que o tornam mais do que mero evento natural, problema social ou médico. © nascimento humano deveria ser examinado com base na Declaracao Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH}** em seus pontos mais, fundamentais, destacando:se o artigo 16 (Protecdo das geragées futuras}, articulado com os demais arti- gos que tratam da dignidade humana e dos direitos fundamentais. Numa época de devastacio e desen- raizamento mundial das populagdes, a DUBDH pro: pée nova ordem de enraizamento ético, juridico, politico e ambiental 0 que foi novidade no século XX vem se tor: nando regra no século XXI. Pensar 0 nascimento, neste contexto e neste marco, 6 pensar 0 que estamos fazendo da humanidade e seu futuro, Precisamente porque pensam a partir de um refe- rencial fenomenolégico-existencial, a questo das geragdes vindouras, para Arendt e Zambrano, 30 seria mero fato de sobrevivéncia fisica e biolégica; as geragdes futuras devemos prever e tentar garantir condigBes para uma existéncia digna. Quem nasce adquire identidade existencial; é um ser no mundo, gerado, no apenas cidadio, trabalhador, dirigente ‘ou paciente, mas um ser natal-mortal que tera de se fazer em sua existéncia no mundo entre os outros. ‘Na perspectiva de Zambrano, podemos falar da sobrevivncia poética das geragées futuras, no sentido de fornecer a estes aqueles elementos que completem seu nascimento incompleto, efetuando a contento 0 transnascer em seu migrar pelo mundo, Na bioética, mesmo entre aqueles que se opdem a uma visio puramente médica ou biol6gica da vida, ‘o nascimento tende a ser considerado mero fato, acontecimento jé ocorrido e fechado a elaboracoes, tp//x.dorg/10.1590/1983-20422018264265, simbélicas sucessivas como as propostas por Zambrano. Para a pensadora espanhola, nascer ndo 6 apenas surgir no mundo por via de parto, mas dis por de oportunidades para engendrar-se novamente ‘em meio hostil, ser liberado para novos renascimen- tos e poder viver no apenas uma vida, mas consti- tul-la como autobiografia, numa personalizago ou apropriacio de seu préprio nascimento fatual Consideragées finais Habermas e Jonas [8 Indicaram possibilida- des de leitura da obra de Arendt para a filosofia e a bioética; sobre a contribuigdo do pensamento de Zambrano para a bioética, nao fo! encontrada lite- ratura. £ preciso estudar com cuidado os textos das duas pensadoras para delinear mais claramente sua presenca na biostica. Comecamos a fazer isso em nossa investigacéo". Entendemos a importancia de contar com ver- betes em dicionarios técnicos de filosofia e bioética para marcar 0 estatuto floséfico existencial, politico @ poético da natalidade. No “Diciondrio Houaiss da lingua portuguesa’, encontramos amplo léxico nos verbetes “nascer”, “nascente", “nascido”, “nasci- mento’, “nascituro”, “nascivel”®. No “Diciondrio de filosofia’ ®, ha um verbete sobre “morte”; no “Diciondrio Oxford de filosofia”® constam “morte”, “morte com dignidade” e “morte de Deus’. Mas, no "Vocabulario técnico e critico da filosofia”™®, nada encontramos sobre nascer ou morrer, nascimento & morte, ou natalidade e mortalidade. © cenério é similar em obras do campo da biostica, que retoma referéncias tradicionais da filosofia e de outras ciéncias naturals e humanas, Na “Encyclopedia of bioethics" e no "Diccionario latinoamericano de bioética’ * encontram-se consi deracdes floséficas, médicas, antropolégicas, socio légicas, psicolégicas e teolégicas sobre a morte eo morrer e sobre temiticas associadas & terminalidade da vida, como eutanasia, suicidio, morte cerebral, pena de morte, genocidio e infanticidi. Especialmente no “Diccionario latinoame- ricano” ~ relevante por sua atencdo a temas, conceitos e ferramentas da bioética e por seu empenho em reunir aportes e linhas de investiga 80 latino-americanas ~ novamente deparamos com 0 padrio da tradicao: hd um capitulo sobre “Muerte y mori’, mas nada encontramos, por ‘exemplo, sobre Nacimiento y nacer. H8 um capi tulo sobre “Vida y vivir", 0 que, no entanto, gera estranha polaridade entre vida e morte, em vez de px. org/10.1590/1983-20422018264265, Bioéticae condigge humana: contribuigdes para pensar onascimento ccontribuig&es para pensar a vida, existencialmente considerada, entre o nascimento e a morte. Na volumosa reflexio bioética latino-ame- ricana sobre reproducdo humana, nascimento parto, ainda buscamos consideracéo existencial des- ses temas. Aos trabalhos jé mencionados anterior- mente**", acrescentamos: o de Schramm e Braz, ‘que organizaram em livro material signficativo sobre politicas piiblicas de sade para mulheres e crian ‘G28, Sob a rubrica de bioética do inicio da vida; 0 manual de Kottow, que contém um longo capitulo ‘em que s3o destacadas as questées da naturlezo y generaciones futuras e dilemas en relacién a la reproduccién humana; e a dissertacao de mestrado de Feitosa®, que dedica um capitulo a “insuficiéncia do nascimento biolégico”. Incluimos 2 referéncia ao livro “Bioética coti- diana’, de Giovanni Berlinguer, por sua influéncia hist6rica e conceitual na bioética brasileira, desta- cando seu primeiro capitulo, “Nascer hoje, entre 4 natureza e a ciéncia”. Todavia, é significativa a ‘observagao de Berlinguer: uma maior dedica¢do ao fato de que 0 nascido, & medida que cresce, encon- tra mais dificuldade de construir 0 seu caminho na vida, 6 uma questio pela qual, segundo o autor, tanto a bioética quanto a politica ainda mostram escasso interesse®. Além de novos verbetes em dicionérios téc- nicos, seria necessdrio introduzir de maneira mais incisive abordagens existenciais e vitais ligadas & ccondigao humana nos trabalhos de bioética, desde dissertagdes e teses até artigos € livros, O tema do rnascimento poderia ser o ponto inicial, mas ndo 0 terminal; na verdade, todos os problemas bioéti- cos tém dupla dimensio, fisco-biolégica e existen- cial, sendo esta ultima largamente negligenciada na literatura ‘© nascimento, como problema de fundo para a bioética e a filosofia, diz espeito a dignidade possi- vel, politica e poética da vida humana em sua radical contingéncia e sua articulag3o com a morte, como parte estruturante dos seres natais no drama de sua humana existéncia, Trata-se de pensar o que esta- mos fazendo a este respeito e, especialmente, como ‘© nascimente deve ser considerado na formagio filoséfica e bioética ~ na transmisso de um cénone nem sempre bem examinado em seus pressupos tos — em sua tarefa de educar as geracées jé nasci- das. Talvez essa perspectiva seja um dos elementos indispensévels para refletir sobre os fundamentos da bioética, sobretudo em suas correntes mais atentas a condigao humana, em distintas apresentagées his- t6ricas, culturais e socials Rew biog. (imp). 2018; 2 (2): 484-93, eee e NOT 491 Bioéticaecondiglo humana: contribuigdes para pensar onascimento ‘Artigo baseado na tese de doutoramento em Biétic, Programa de Pés Graduacdo em Bioético, Universidade de Brasila(Un8) Referéncias 4. Garrafa , Kotow M, Saade A, erganizadores. Bases conceituais da biodtica: enfoque laine americano So Paulo: Gaia; 2006. p. 2712 2. Warnock M. Os usos de flosoi, Campinas: Papitus; 1994 3 Singer Rapersar i vida ylamuere:elderumbe de nuestra sce tradiconal. Barcelona: Padé; 1997, 1 ArendtH, A condigto humana, 13¥ed, re Rla de Jane: Forense Universitit; 2016, p12, Arent Op p34 3, Arendt H:Op. ct p. 112 ° RM 4. ons i.o pcp expensed ena de ume dea para hay erage Ro de S. Janeiro: Contrapota 2006, i 5. Jonas H, Tenis, medina e 6a: sobre a prbtea do principio responsabldade. So Palo PY Pauls; 2033, s 6. Habermas. futur natures humana: a caminho de ua evgnia bral? So Paulo: Mars r Fontes 2008, 4 120. Arendt H. Op. ep 21, ArenotH. Op. cit p11 12, Arendt H, Op. cit p.218, 423. Arendt H. Op. ct. 23, 18 ArenatH. Op. ct. 10. 15. Arendt H, Op. cit p. 118, 36. Arendt H. Op. et. 220. 7, ArenatH. Op. ct. 5. 28. Arent H, Op. cit p. 305 29. Arendt H. Op. ct 9-10, 20. Wuensch AM. Hannah Arendt e Maria Zambrana: pensadoras éo nastimento. In: Siva UR, Micheion F, Senna NC, organizadores. Género, arte e meméria:ensaios iterdcplinares. Peotas: Unversicade Federal de Peotar; 2009, p. 13150 21, Zambrano M, Hata un saber sobre el alma, ens Aes: Losads; 2005.10, Tracu ve) 22. Zambrano M. Op. tp. 205. (Tadd ve) 23, Zambrano M La confesion génerliteraro, 2 ed, darcelona: Sues; 1995p. 6-6, (radu ie) 26, Zambrano M, Persona y demacreca, Barcelona: Anthropoe 2986, p. 143 (reduc live) 25. Zambrano M, Op. it, 2005p, 10 (Tadueso lve) 26. Zambrano M. Op, ck 2005p. 4S. (Traduit ve) 27. Zambrano M. Op. cit. 195. p. 107. (radu live) 28. Woench AM, Op. et. 186. 29. Wuensch AM. Op. ct. p.138. 30. Zambrano M. Op. ci. 1985p. 34 (TraducSo lve) 31, Zambrano M, Op. et 2005p. 93. (Traductolve) 32. Zambrano M, La vocacién del massto, In: Cambres GG, La aurora de a randn pos, Malaga Eettrial Agora; 2000p. 135. (Traduca lve) 33, Zambrano M, Op. it, 2005p, 68:9. (Tradugolwe) 34, Zambrano M. Op, ct 2008p. 149. (Tradugi lve) 35. Rattner D. Humanizazo na atengo a nascimentos patos: breve referencia teéreo. Interface ‘Comun Saide Educ [Internet], 2008 {acesso 1° ago 2017)13(Supl 1) 585-602, Disponivel: heps/it /2atkrc 36. Santos ML Os Gesafos de uma flosfia para a humarizacdo do part edo nascimento. Tempus [terre] 2020 [acess 12 ago 2017)44417-24, Dsponivelhtps//otI/223Grin| 37, Osent iM, O camponése 2 pater: uma atenatva 3 induslalzago da agrcutur edo panto, ‘So Paulo: Ground; 2003, 38, Odent M, © renascimento do part. Flranépois Sant Geman; 2002 29. Cavareo A. Decl nacimianto, I: Distma,Taer al mundo el mundo: objet yobjetivida ala luz deta diferencia sexval. Madr cari; 1996. p. 115.46. p, 1305. (Taducde live) 40, Jonas H. Actua, conocer, pensar la obra flosélca de Hannah Arendt. Brule F,organzador. Hannah Arend el orguilo de pensar Barcelona: Gels 2000p. 23-40 41, JonasH. Op. ct. 2000.28. (Tradusso live) 42, Habermas. Op. cp. 82 13, Singer PEs gratia, 2 a, Ho Paulo: Marin Fontes; 2002p. 146. 44, Singer P Op. ct. 1987p. 23 45, Arendt H, Lge sobre a flosfia politica de Kant 2 ed. rev ampl lo de Janel: Relume: “bumaré 3994 ggg. Rev bit (impr). 2018; 26 2): 488-93, tp. org/10 1590/1983-80422018264265, Bioéticae condigge humana: contribuigdes para pensar onascimento 46, Arendt. Orgons do totaltarisme: antisemitism, imperialism, totaltrsmo,3¥reimpr Seo Paulo: Companhia das Letras; 1989p. 12 47, Mori M. Fecundagoassisidaeliberdade de procrago, Bostic [internet], 2001 facesso 18 ago 2017;3(2):57 7. Disponvel:htps:/bitly/2O2vev6 48, GarrataV Kottow M, Saada A, organzadores. Op ct. 2. 255.75 48, wuensch AM, Pensaro nascimenta:contrbulgbespolcae poéica de Hannah Arendt e Maria Zambrano para a biodtica [tse [Internet] Braslia; UnB; 2017 fcesso 1® ago 2017], Disponvel: pst y/2AMY 50, Houaise A, Vilar MS, Franco FMM. Dicionsrio Houses da ingus portuguesa. Ro de Janeiro (Objet; 2001, 9.1997, 51, Absagnane Nl, Diiondrie de Nlosoia. 2 ed. So Paulo: Martins Fontes; 1988. 683 52. Blackburn S, Dicondrio Oxford de flosofia, Rio de Janeiro: Zaha; 1997. p.257. 53, Lalande A, ecabulcio ttencae ertca de Mosofa, So Palo: Martins Fontes; 1999, 58, Post SG. eneylopedia of bioethics. 3 ed, vo, New York: MacMillan Reference; 2008 55, Teal JC. Oicconari atinoarericano de biota, Sopot: Unesco; 2008 56, Teall JC. Ope p. 484 57, TealdlJC-Op. et p. 595, 58. Schramm F, Braz M. Bites e sade: novos tempos para mulheres clangas? Rio de Jane: Frocrst 2005, 59, Kottow M. Inroduecin a a biodtica. Santago de Chil: Eltvial Universita; 1995, 60, Fttosa SF Pluralsmo morale creta da: apontamentos bidicos sabres pritca da lnfantito lem comunidades indgenas no Bras [dsertaio] [internet], Brasila: UnB; 2010 [acesso 8 nov 2018). p. 44-5, Disponvel:htps:/oitN/2aWaGpl 61, Beringuer 6. Blogsea cnclana. Sasi: Edt Un; 2004 62. Beringuer . Op. ct p. 1034 Partclpagio dos autores snahihan Wun cote ried emi aloe, Caer ead paces tp. org/20.1590/1983-80422018264265, Recebida: 3.82017 | evade: 2442018 | porovedo: 26.2018 Rew biog. (imp). 2018; 2 (2): 484-93, C S re fa e NOT 493

Você também pode gostar