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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA

MÔNICA VELOSO BORGES

O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na


contemporaneidade: do estágio à prática docente

SALVADOR
2015
MÔNICA VELOSO BORGES

O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na


contemporaneidade: do estágio à prática docente

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Pós-


Graduação em Língua e Cultura, Área de concentração –
Línguas, Linguagens e culturas contemporâneas, Linha de
Pesquisa - Aquisição, Ensino e Aprendizagem de Línguas, do
Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia, como
requisito para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Domingos Sávio Pimentel Siqueira

SALVADOR
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592

Borges, Mônica Veloso


O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na contemporaneidade: do estágio à prática
docente / Mônica Veloso Borges. - Salvador, 2015.
200f.

Orientador: Domingos Sávio Pimentel Siqueira.


Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras.

1. Professores de língua inglesa - Formação. 2. Língua inglesa - Estudo e ensino (Estágio).


3. Prática de ensino. I. Siqueira, Domingos Sávio Pimentel. II. Universidade Federal da
Bahia, Instituto de Letras.

CDD: 370.71
MÔNICA VELOSO BORGES

O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na contemporaneidade: do


estágio à prática docente

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Pós-Graduação em Língua e Cultura


da Universidade Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Mestre.

Aprovada em 30 de junho de 2015.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Domingos Sávio Pimentel Siqueira (Orientador)

______________________________________________________________________
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Prof. Drª Fernanda Mota Pereira

______________________________________________________________________
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Prof. Dr. Antônio José Bacelar da Silva

______________________________________________________________________
Pós-doutorando do PPGLinC.
Dedico esse trabalho a:
Eduardo José Santos Borges, dono do meu coração e
companheiro de longa estrada. Pelo grande incentivo nos
direcionamentos e aperfeiçoamentos da minha vida profissional;
Caio Veloso Borges e Maria Eduarda Veloso Borges, meus
lindos filhos e donos do meu amor incondicional;
Maria da Graças Veloso Da Silva, mãe querida, que torce
sempre por tudo que eu faço;
Dedico, enfim, essa pesquisa a todos que lutam por uma
Educação mais igualitária, justa e transformadora.
AGRADECIMENTOS

A meu orientador Prof. Dr. Domingos Sávio Pimentel Siqueira pelas correções e
direcionamentos importantes desde o projeto até o momento final;
Aos meus colegas da turma de mestrado de 2013, pelo carinho, solidariedade, união e pelas
dicas que tanto fortaleceram e direcionaram meus estudos;
À Universidade do Estado da Bahia (UNEB), instituição de ensino a qual tenho o imenso
orgulho em pertencer, por ter me concedido a Bolsa (PAC) que muito me ajudou financeiramente
no custeio de livros e eventos;
Aos meus colegas de trabalho da UNEB, Campus XIV, pelo suporte dado na minha ausência
durante a minha licença para estudos;
A querida colega da UNEB, Campus XIV, Letícia Telles, pelas muitas contribuições, pela
disponibilidade e paciência;
A minha amiga Neila Santana pela torcida e apoio;
Ao meu querido amigo Raulino Batista Figueiredo, pelas contribuições, conversas e
paciência nas horas que mais precisei de apoio durante a escrita da minha dissertação;
Aos meus informantes pela disposição em participar dessa pesquisa abrindo as portas das
suas salas com o intuito de contribuir para a melhoria da disciplina Estágio Supervisionado;
A gentileza do professor orientador, da disciplina Estágio Supervisionado, ao fornecer dados
imprescindíveis a minha pesquisa, bem como a sua preocupação em detalhar todos os dados,
contribuindo, assim, para o enriquecimento do meu trabalho;
Aos meus alunos por me inspirarem para a escolha do meu tema de pesquisa e me fazerem,
sempre, refletir na construção de um planejamento voltado para a melhoria do ensino de línguas;
Ao meu irmão Antônio Marcos Vitória de Moraes e cunhada Manuela Neves de Moraes
pelo suporte tecnológico e pelo carinho;
Ao meu irmão Luciano Jacques Veloso de Moraes pelo amor a mim dedicado e por me
apoiar na minha escolha profissional;
A família Borges, D. Baby em especial, pelo carinho e apoio;
E a todos aqueles que, de uma forma ou outra, contribuíram para a realização deste trabalho,
meu muito obrigada!
“O resultado de gerir uma escola reflexiva é ter a satisfação de saber que a sua
instituição tem rosto próprio e é respeitada por isso mesmo: por que é a escola X ou
a escola Y, com nome próprio com identidade.” (ALARCÃO, 2008, p. 85)

“A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem
identificar o que os separa e não o que os une.”
Milton Santos

“A educação e a cultura, nas suas várias formas, fazem crescer a liberdade das
pessoas. A cultura, é a educação fora de ordem, livre e bagunçada. Para cursos, há
currículos. Para a cultura, não. Um curso sobre a abolição da escravatura é educação,
o filme “Lincoln” é cultura. Cada vez mais, a educação deverá se culturalizar: um,
deixando de seguir currículos rígidos; dois, tornando-se prazerosa; três, criativa.”
Renato Janine Ribeiro – Valor Econômico
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Número de sujeitos do 7º Semestre do Curso de Letras com Inglês, UNEB, Campus
XIV e professor orientador que participaram da investigação – Semestre 2014.1 25

QUADRO 2 – Fases de Reflexão 40

QUADRO 3 – Ementa da disciplina Estágio Supervisionado I 92

QUADRO 4 – Ementa da disciplina Estágio Supervisionado II 94

QUADRO 5 – Ementa da disciplina Estágio Supervisionado III 95


LISTA DE ABREVIATURAS

CONSEPE – Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão


CONSU – Conselho Universitário
CNE/CES – Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior
CNE/ CP – Conselho Nacional de Educação / Conselho Pleno
ES – Estágio Supervisionado
LA – Linguística Aplicada
LDB – Lei de diretrizes e bases da educação nacional
LE – Língua Estrangeira
LI – Língua Inglesa
NEI – Núcleo de Estudos interdisciplinares
NUPE – Núcleo de Pesquisa e Extensão
OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Médio
PF1 – Professor em Formação 1
PF2 – Professor em Formação 2
PF3 – Professor em Formação 3
PR – Professor Regente
PO – Professor Orientador
UNEB – Universidade Estadual da Bahia
RESUMO

Esta dissertação é resultado de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, realizada com
professores em formação do quinto semestre da licenciatura em Língua Inglesa da UNEB, campus
XIV, da cidade de Conceição do Coité. O objetivo principal deste trabalho é o de investigar como a
reflexão crítica, atrelada à ação fomentadora de se pensar o ato de ensinar, alcança o aluno
estagiário no âmbito da disciplina Estágio Supervisionado. A metodologia utilizada teve como
instrumentos de pesquisa a análise dos regulamentos que regem a disciplina Estágio
Supervisionado; as ementas e planejamentos do professor orientador; a observação de aulas dos
futuros professores de língua inglesa; análise de entrevistas semiestruturadas e questionários
realizados com os professores em formação. O uso da memória documental da disciplina Estágio
Supervisionado me permitiu acompanhar em detalhes o fazer cotidiano dos estagiários na
construção das estratégias metodológicas a serem aplicadas em sala de aula. No que se refere ao
acompanhamento das aulas, a experiência me possibilitou identificar o comportamento dos
estagiários diante dos desafios que se impõem na imprevisibilidade que constitui a dinâmica de uma
prática escolar. Os dados da pesquisa foram nos revelando que os estagiários, independentemente
de que tivessem ou não experiência prévia em sala de aula, apresentavam uma visível fragilidade na
composição do plano de aula, em termos de reflexão crítica sobre seu fazer cotidiano. Por outro
lado, à medida que o debate reflexivo, possibilitado pela disciplina Estágio Supervisionado, ia se
legitimando, foi perceptível o impacto, entre eles, ainda de forma muito incipiente, tanto na reflexão
teórica quanto na ação prática, À título de conclusão foi possível identificar, no processo de
formação de futuros professores, o quanto a reflexão crítica se caracteriza como um elemento
imprescindível. A reflexão crítica cumpre a função de desconstrução e ressignificação de valores,
crenças e preconceitos, identificados nos estagiários e refletidos de maneira direta em sua prática
profissional. Nesse contexto, a disciplina Estágio Supervisionado, acaba por transformar-se no
instrumento de mediação por excelência do dialético encontro entre o conhecimento prévio do
estagiário e a construção de novos saberes. No fundo, o que realmente está em jogo é a
possibilidade de realização de um trabalho que contemple como resultado final a melhor
qualificação dos futuros profissionais de língua inglesa.

Palavras-chaves: Estágio Supervisionado; Professor em formação; Professor crítico-reflexivo;


ABSTRACT

This is the result of a qualitative ethnographic research, carried out with teachers in training
attending the fifth semester of the Undergraduate English Language at UNEB Campus XIV, in the
town of Conceição do Coité. The main objective of this study is to investigate how critical
reflection, linked to a fomenting action of thinking the act of teaching, reaches the intern student
within the Supervised Internship discipline. The metodology used had as instruments of research the
analysis the regulations governing the Supervised Internship discipline; the summaries and planning
of the mentor teacher; class observation of future English language teachers; analysis of semi-
structured interviews and questionnaires answered by teachers in training. The use of
documentation from the Supervised Internship Discipline, allowed me to perceive in detail the daily
tasks of the trainees in their construction of methodological strategies to be applied in their classes.
The experience of class observation enabled me to identify the behavior of trainees towards the
challenges imposed on the unpredictability that is the dynamics of a school practice. The survey
data revealed that, regardless of whether trainees had had some prior experience in the classroom,
they had a tangible weakness in the lesson planning, concerning critical reflection about their daily
tasks. On the other hand, it was noticeable among them the impact on both the theoretical reflection
as in practical actions, as the reflective debate made possible by the Supervised Internship discipline
would be legitimizing. In conclusion, it was possible to identify how critical thinking is
characterized as an essential element in the formation of future teachers. Critical reflection fulfills
the function deconstruction and redefinition of values, beliefs and prejudices, identified the trainees
and reflected in a direct way in their professional practice. In this context, Supervised Internship
discipline ultimately becomes a mediation tool for excellence of dialectical encounter between the
prior knowledge of the intern and the construction of new knowledge. What really is at stake, after
all it is the possibility of carrying out a work that contemplates the final result the best qualification
of future English language professionals.

Keywords: Supervised Internship; Teacher training; Critical and reflective teacher;


SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 PERCURSO INICIAL


1.1 INTRODUÇÃO 13
1.2 PROBLEMAS E QUESTÕES DA PESQUISA 18
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA 20
1.4 ORIENTAÇÃO TEÓRICO E METODOLÓGICA 20
1.5 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA 25
1.6 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS 26
1.7 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO 28

CAPÍTULO 2 A REFLEXÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LI: UM DEBATE


TEÓRICO
2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO 31
2.2 DA TEORIA A PRÁTICA: A CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR REFLEXIVO 36

CAPÍTULO 3 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO


3.1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A ABORDAGEM COMUNICATIVA
INTERCULTURAL 43
3.2 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A PRÁTICA CRÍTICO-REFLEXIVA 50
3.3 A PEDAGOGIA CRÍTICA E A CONSTRUÇÃO DE UM CONTRA-DISCURSO NA SALA
DE AULA DE LI 54
3.3.1 A pedagogia crítica e o papel do professor orientador de estágio 59

CAPÍTULO 4 REFLEXÃO E PLANEJAMENTO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE


LÍNGUA INGLESA
4.1 ORGANIZANDO A PESQUISA 65
4.1.1 O Regulamento Geral da disciplina Estágio Supervisionado 66
4.1.2 Regulamento Setorial de Estágio de Língua Inglesa 77
4.2 DIALOGANDO COM AS EXPECTATIVAS 80
4.2.1 Os entrevistados expõem suas expectativas 81
4.3 O QUE DIZ O DOCUMENTO ESCRITO 89
4.3.1 O professor orientador e as ementas da disciplina Estágio Supervisionado I,II, III 92
4.4 O PAPEL DO PROFESSOR ORIENTADOR FRENTE ÀS DEMANDAS DA DISCIPLINA
ESTÁGIO SUPERVISIONADO 101
4.4.1 Percebendo a estrutura em que se atua 102
4.4.2 O ponto de vista de quem orienta: interculturalidade e prática pessoal 106
4.4.2.1 O tema intercultural em questão 106
4.4.2.2 O professor orientador frente aos desafios do Estágio Supervisionado 108
4.5 COM A MÃO NA MASSA 115
4.5.1 Análise do desenvolvimento crítico-reflexivo do professor em formação PF1 116
4.5.2 Análise do desenvolvimento crítico-reflexivo do professor em formação PF2 124
4.5.3 Análise do desenvolvimento crítico-reflexivo do aluno PF3 131
4.6 A ENTREVISTA FINAL: CONVERSANDO COM OS FUTUROS PROFESSORES 137
4.6.1 Expectativa versus realidade 138
4.6.2 Planejamento: um ato de reflexão 141
4.6.3 Teoria, prática reflexiva e interculturalidade: como pensar a sala de aula 147
4.6.4 Como penso meu lugar como futuro professor de LI 151
4.7 REVISITANDO A ANÁLISE 156

CONSIDERAÇÕES FINAIS 170

REFERÊNCIAS 180

ANEXOS
ANEXO A: Amostra do plano de PF1 do dia 9 de maio de 2014 184
ANEXO B: Atividade de PF1 do dia 26 de maio de 2014 186
ANEXO C: Amostra do plano de aula de PF2 do dia 25 de julho de 2014 188
ANEXO D: Amostra do plano de aula de PF3 do dia 19 de maio de 2014 190
ANEXO E: Gravuras da aula de PF3 do dia 19 de maio de 2014 192
ANEXO F: Organização Curricular do curso de Letras com Inglês, UNEB, Campus XIV, pelos
eixos de articulação, após ajustes feitos de 2007 194
APÊNDICES
APÊNDICE A: Questionário realizado com o professor orientador de estágio 195
APÊNDICE B: Questionário realizado com os professores em formação (PFs) 198
APÊNDICE C: Roteiro de entrevista semi-estruturada realizada com os professores em formação
(PFs) 200
13

CAPÍTULO 1 PERCURSO INICIAL

1.1 INTRODUÇÃO

Ao trabalhar durante cinco anos com a disciplina Estágio Supervisionado em língua inglesa,
na UNEB/ Campus XIV/ Conceição do Coité, surgiram vários momentos em que me questionei
sobre seu planejamento, a construção dos planos com os alunos estagiários, até a fase conclusiva
que consiste em leitura dos relatórios finais por eles produzidos. Tais questionamentos, sem dúvida,
me fizeram repensar o meu trabalho. Dentre muitas questões, as mais recorrentes foram: Qual o
objetivo do estágio para os futuros professores de Língua inglesa? Como devemos orientar o
estágio? Devemos fazer intervenções? A teoria e a prática andam juntas? Qual o papel do professor
orientador de estágio? O orientador de estágio deve ser especialista em Linguística Aplicada ou
Educação? Qual o papel do professor regente? Qual o papel do aluno estagiário? Como ensinar?
Como criticar? Como se relacionar em um mundo tão heterogêneo? A lista, certamente, não se
esgota aqui.
Na realidade, as referidas questões são, a meu ver, bastante pertinentes a todos aqueles que
estão envolvidos no cotidiano da formação profissional de futuros professores, e, no meu caso
especificamente, na formação de professores de língua inglesa (doravante LI). Assim, em sentido
mais amplo, longe de ser um desafio de fácil resolução, o ato de se pensar o funcionamento de uma
sala de aula de língua estrangeira (doravante LE) passa, necessariamente, por entendê-la como um
espaço de diversidade e com alto grau de complexidade.
Para esta dissertação em particular, logicamente, tenho ciência das dificuldades em
responder a todas as minhas inquietações, entretanto, o que busco aqui é esboçar um embrião de
debate que leve à reflexão do fazer cotidiano da sala de aula. Para tanto, discutirei a formação
profissional voltada para a reflexão crítica, nos moldes do que propõe Paulo Freire (1996, p. 22),
para quem: “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/ Prática
[...]”, ou seja, a busca por saberes fundamentais que justifique a prática “educativo-crítica”.
Parafraseando o próprio autor, tal movimento reflexivo se dá na instância primeira onde se
intersectam teoria e prática, isto é, a partir da criação de um ambiente de sala de aula fundamentado
na construção do conhecimento (PAULO FREIRE, 1996).
Ainda que tenha consciência da abrangência de abordagens que poderiam ser contempladas
como referência de reflexão sobre o ato de ensinar, optei pela abordagem intercultural (MENDES,
14

2008). Essa escolha se justifica por algumas razões básicas: a princípio, pelo fato de tal abordagem
estabelecer uma flagrante interface com os objetivos do projeto pedagógico da Licenciatura em
Língua Inglesa do Campus XIV/ Departamento de Educação/UNEB1. Por outro lado, por se
constituir a abordagem intercultural em uma porta privilegiada de debate em torno de questões de
identidade local e regional, temática que se enquadra perfeitamente no contexto do lugar de onde
falo: a região do semiárido baiano2. Assim, por entender a sala de aula como um espaço de
confluências locais e globais, parto do pressuposto de que há nesse cenário um ambiente
heterogêneo, principalmente em tempos de globalização, internet, redes sociais e todas as
influências atreladas a essa realidade. Associado a isso, há também as diferenças ideológicas,
sociais, de gênero, religiosas, dentre outras, que tornam a sala de aula um ambiente diverso,
propenso a conflitos e que exige reflexão dos sujeitos envolvidos. Vejamos a afirmativa de Maher
(2007) sobre a questão:
Além das identidades culturais não serem uniformes ou fixas, o que ocorre em sala de aula
não é simples justaposição de culturas. Ao contrário: as identidades culturais nela presentes
(tanto de professor, quanto de alunos) esbarram, tropeçam umas nas outras o tempo todo,
modificando-se e influenciando-se continuamente, o que torna a escola contemporânea não
o lugar de “biculturalismo”, mas de interculturalidade (MAHER, 2007, p. 89).

A dificuldade de repensar o momento do estágio não está somente no trabalho individual do


professor de estágio, há, na verdade, vários elementos que compõem essa disciplina e que
influenciam na formação do futuro profissional de línguas. Essa dissertação tem o desafio de
articular esses diversos elementos, dentre os quais podemos destacar não só os sujeitos envolvidos
(professor orientador/estagiário/professor regente), como questões mais específicas como a que diz
respeito ao domínio da língua, e outras mais amplas como aquelas que envolvem ações de natureza
legal tais como regimentos e estatutos.
Referindo-me ao âmbito escolar, do qual dependo diretamente para executar o estágio,
temos o questionamento de Leffa (2011) como um exemplo do chamado “jogo de culpa”:

1
No artigo “Diretrizes curriculares”, do projeto do curso de Letras Língua Inglesa da UNEB/ Campus XIV/ Conceição
do Coité, temos o seguinte objetivo, na página 14 (2010): “O objetivo do Curso de Letras é formar profissionais
interculturalmente competentes, capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, nos
contextos oral e escrito, e conscientes de sua inserção na sociedade e das relações com o outro”.
2
O semiárido baiano, também conhecido como sertão, é uma área geográfica onde as chuvas são bastantes irregulares.
Essas características acarretam longos períodos de seca. Consiste de uma abrangência de 265 municípios dos 417
municípios baianos, quase 6,7 milhões de habitantes. Portanto, esta região se apresenta bastante carente em relação a
sua situação socioeconômica.
15

Procuro lançar dois olhares sobre o fracasso do ensino de LE na escola: o primeiro, voltado
para trás, procurando localizar a origem do fracasso; o segundo, olhando para frente,
tentando vislumbrar possíveis soluções. Entendo que há várias maneiras de ver esse
fracasso, desde a criação de bodes expiatórios até a apoteose da carnavalização. A tentativa
de criar bodes expiatórios é a mais primitiva: põe- se a culpa em alguém, que pode ser o
governo, o professor, ou mesmo o aluno: é o mundo da condenação que separa pessoas e
grupos em inocentes e culpados. Já a carnavalização é o domínio do mundo sem culpa, em
que administradores, professores e alunos circulam impunemente da ordem para desordem
e vice-versa. Nada é feito e tudo fica por isso mesmo (LEFFA, 2011, p.15).

O autor expõe que a tentativa de procurar os culpados para o fracasso da educação termina
nos levando a uma inércia em que todos se isentam das suas responsabilidades. Entendo que esta
questão levantada por Leffa (2011), reflete de maneira bastante corriqueira o cotidiano daqueles que
estão envolvidos na formação de professores. Acredito que entre aqueles que estudam a educação
no Brasil questões como essas devem ser objeto de estudo dos mais contundentes. Entretanto,
continuo a questionar sobre o porquê do fracasso escolar continuar presente de maneira tão
reincidente em nossas escolas. O fracasso escolar, como se sabe atribuído a um projeto educacional
público completamente desestruturado, a ausência de motivação e a problemas sociais e
econômicos, não pode nos deixar inertes diante desse quadro nem nos render facilmente aos
obstáculos que são inerentes à nossa área, infelizmente. O caminho para a resolução desse problema
se encontra justamente na identificação e reflexão do grau de importância de cada elemento
envolvido no processo ensino-aprendizagem e na articulação positiva entre eles.
Naquilo que me interessa diretamente, qual seja, o trabalho de formação do profissional de
línguas, identifico como primeiro passo do processo o domínio da língua para a qual se está
habilitado a ensinar. Não podemos ensinar o que não sabemos, e para tanto, precisamos estar
atentos às novas formas de aperfeiçoamento3. No fundo, isso deveria ser uma condição sine qua non
para o exercício da profissão do licenciado em língua estrangeira.
Além da competência linguística, outro tema que entendo como central no processo de
formação de um professor crítico-reflexivo4 é o estudo dos seus alunos e suas necessidades. Por
essa razão, os desafios a esse profissional vão muito além das demandas de ensino e exigem dele,
não só a perspectiva puramente metodológica, mas, sobretudo, o diálogo com questões da vida
política e social dos educandos. O professor contemporâneo, e nesse caso estou de acordo com

3
Percebo o quanto podemos obter de conhecimento através da internet e, sendo assim, na atualidade, é plausível afirmar
que a rede mundial de computadores se apresenta como principal fonte de aperfeiçoamento e estudos linguísticos, com
sites variados que podemos fazer uso para nosso próprio benefício profissional.
4
A noção de professor crítico reflexivo está na condução do seu fazer pedagógico atrelado à capacidade do pensamento
reflexivo do ser humano como criativo nas suas escolhas práticas, e no contexto brasileiro se dá na percepção dos
problemas sociais e políticos influenciando a construção do planejamento dos conteúdos escolares (ALARCÃO, 2008).
16

Celani (2008, p. 27), precisa ter “[...] uma conscientização política e uma sensibilidade em relação
aos problemas inerentes à linguagem e sua estreita vinculação com o contexto social, e com seu
papel na construção dos contextos sociais nos quais vivemos”.
Entendo que essas demandas de base socioeconômica podem ser mais proveitosamente
cumpridas se forem levadas a cabo por alguém da área de linguística aplicada 5. Além disso,
compreendo que a sala de aula não é uma ilha desconectada da realidade social que a cerca. O fato
de valorizar a presença de um linguista aplicado à frente das pesquisas de sala de aula é algo
justificável, em virtude de haver nesse profissional a capacidade de articular diversas áreas do
conhecimento, como a sociologia, a história e a pedagogia, caracterizando o próprio campo como
um terreno híbrido e aberto a novas interlocuções com outras áreas da investigação científica
(MOITA LOPES, 2006).
O interessante das pesquisas em LA é a premissa e a abertura para que o professor faça uso
das teorias nascidas desses estudos para criar novas asserções e propor contribuições de trabalhos
relevantes que venham a auxiliar na sua prática. O profissional que reconhece o valor real de sua
profissão utiliza sua sala de aula como fonte de pesquisa, gravando, anotando diários e utilizando de
teorias para propor possíveis soluções e avanços em todas as frentes.
Do mesmo modo, outro já citado elemento desse mosaico que compõe a disciplina de
Estágio Supervisionado é o professor orientador. Compreendo esse professor como um indivíduo
capaz de exercer a função não só de articulador, como, também, o de sugerir a aproximação da
pesquisa em LA com a sala da aula, ao mesmo tempo que possibilita ao estagiário refletir sobre o
ato de ensinar. Por esse viés, a ideia da associação do professor de estágio com a área de LA sugere
também, que o mesmo proponha um diálogo entre a LA e a Educação no sentido de melhorar o
processo de formação profissional dos alunos da graduação. Transformar a sala de aula em objeto
de estudo e reflexão é transformá-la em espaço de ressignificação de valores e de antecipação de
obstáculos6.
Como professora formadora que sou, tenho consciência, de que o ato de refletir é algo que
não é vivenciado por todos que habitam o universo escolar. Nesse sentido, muitos acreditam que
participar de um treinamento já se faz suficiente, postura que, aliás, nos auxilia a compreender o

5
Ressalto, neste momento, a formação na área de LA, por considerá-la, como sugere Moita Lopes (2006, p. 97) “[...]
não como disciplina, mas como área de estudos” que convergem para áreas diversas a fim de entender e explicar o
contexto em que se insere o profissional. E no caso do futuro professor de língua inglesa esse diálogo com outras áreas
alicerça seu entendimento das suas escolhas pedagógicas.
6
Cito valores no sentido do profissional em formação refletir e repensar sobre suas escolhas pedagógicas e desfazer-se
de falsas crenças que permeiam o seu processo de ensino-aprendizagem. Os obstáculos se referem aos problemas
naturais encontrados em sala de aula, em relação, também, ao processo de ensino-aprendizagem.
17

porquê de muitos desses sujeitos não conseguirem entender a reflexão como elemento que se
constitui como algo muito maior do que treinamento. Tal raciocínio implica em dizer, portanto, que
para a consecução do processo crítico-reflexivo, torna-se fundamental, então, buscar, à luz da teoria
e na vivência profissional, a melhoria desse processo educacional, procedimento que viabiliza o
bom desempenho dos profissionais que estão em constante processo de formação. Nessa mesma
perspectiva Leffa (2001, p. 4) pontua: “O treinamento tem um começo, um meio e um fim. A
formação, não. Ela é contínua. Um professor, que trabalha com um produto extremamente perecível
como o conhecimento, tem obrigação de estar sempre atualizado”.
Sendo assim, Leffa (2001, p. 3) distingue formação profissional de treinamento profissional,
em que a primeira tem como objetivo preparar para o futuro, enquanto a segunda visa atingir um
resultado imediato. Diferente do que se propõe o treinamento, acredito que o Estágio
Supervisionado é um meio de tentar desenvolver a prática reflexiva, incentivando o futuro professor
a busca por aperfeiçoamento constante. Consequentemente, precisamos dar um novo significado ao
período do estágio, ou seja, permitindo que este nos conduza a um processo de formação contínua,
em que teoria, prática e reflexão atuem como um ciclo constante.
Outro agente envolvido nesse processo com participação também decisiva para o bom
andamento do estágio é o professor regente. Sua presença surge, à primeira vista, como um
elemento “estranho” ao processo. O fato de não pertencer ao universo acadêmico parece minimizar
a importância desse profissional na formação do estagiário. Trata-se de impressão das mais
equivocadas. Na verdade, ao professor regente cabe cumprir a função de interlocutor externo e
servir de ponte entre a universidade e a prática profissional7. Entretanto, o professor regente não
apenas atua como parte do processo, acolhendo o aluno e apresentando-o ao que há de mais
próximo da vida real, como pode também, ser inserido no contexto do estágio como alguém que se
beneficia deste que é, por natureza, um rico processo de troca de experiências. Refiro-me, nesse
caso, às possibilidades que se abrem ao regente de interlocução com novas teorias e novos saberes,
advindos do debate teórico e prático que envolve o processo de estágio.
Retomando o debate do professor pesquisador, ainda é possível afirmar que a fase de estágio
também se constitui em espaço de incentivo e preparação de profissionais que venham a ser futuros
pesquisadores de sua sala de aula, estimulando, desse modo, que estes tenham como objetivo
principal a melhoria desse ambiente dentro de um universo de conhecimento e pesquisa sobre sua
prática. Para que isso possa ser alcançado, torna-se fundamental que o professor orientador de
7
Refiro-me a externo no sentido de pertencer a uma instituição fora da universidade e interno se constitui aos elementos
pertencentes a universidade.
18

estágio se utilize de maneira estratégica do debate teórico a fim de refletir, juntamente com seus
alunos, sobre as experiências que já trazem e projetar um novo conhecimento que surja da dialética
relação entre a teoria e a prática.
O Estágio Supervisionado seria, então, para o aluno estagiário, o momento por excelência
que o levasse a (re)pensar sua prática docente. Por outro lado, trata-se de uma via de mão dupla,
pois cabe ao professor orientador criar as possibilidades que conduzam a esse repensar levando em
consideração que a reflexão não é um processo técnico e mecânico e sim algo que acontece a partir
de uma pesquisa sobre as relações de trabalho, nas dificuldades oriundas do meio que dificultam o
processo de ensino aprendizagem e, finalmente, do levantamento de possibilidades de melhoria e
planejamento do seu próprio cotidiano escolar.
O ato de pesquisar é também o ato de refletir sobre sua sala de aula. Segundo Pimenta e
Lima (2008, p.127), o processo de reflexão se faz na comunicação entre os pares e na busca por
referenciais teóricos que auxiliem o professor. No caso do estágio, a troca de informações entre os
colegas, relatando oralmente suas dúvidas e problemas, além de algumas medidas adotadas neste
período e a construção coletiva de planejamento, auxiliam no aprendizado através da troca de
experiência entre eles. Ressalto que toda essa troca deve ser feita sob a supervisão do professor
orientador de estágio.
O reconhecimento da importância de um exercício reflexivo acompanha o futuro
profissional de língua inglesa e se legitima através de um processo contínuo de formação, pois este,
enfim, deveria ser o objetivo do período de estágio. Isso posto, as contribuições principais desta
pesquisa estão na construção de um planejamento para a disciplina Estágio Supervisionado, que
tente fomentar a reflexão crítica no processo de formação docente e que esse mesmo processo de
reflexão se torne algo permanente na vida profissional dos alunos estagiários.

1.1 PROBLEMA E QUESTÕES DE PESQUISA

Algo que sempre me inquieta como professora da disciplina Estágio Supervisionado de


língua inglesa é a necessidade que se impõe aos alunos da citada disciplina de refletirem
permanentemente em relação ao seu lugar de professor. Entendo, desse modo, que se não há uma
formação profissional crítica e comprometida com valores que levem em conta questões como o
papel social do professor de língua, a valorização da disciplina no currículo escolar, o professor
como um fomentador da pluralidade e como alguém que precisa renovar-se continuamente, a
formação desse futuro profissional tende a se mostrar insuficiente. Diante desse desafio, surge,
19

então, a questão problema: Como a reflexão crítica, relacionada à ação fomentadora de se pensar o
ato de ensinar, alcança o aluno estagiário?
O problema se desdobra nas seguintes questões norteadoras:

a) De que forma os alunos estagiários de Língua Inglesa refletem sobre seu período de estágio?
b) Como esses futuros profissionais pensam sua atuação como educador no contexto da região
sisaleira da Bahia?
c) Como os futuros professores percebem a questão da abordagem intercultural no seu contexto
de sala de aula de estágio?
d) É possível que ao final do curso esses professores em formação consigam identificar e
conceber sua prática de sala de aula como espaço de reflexão da realidade social na qual eles
estão inseridos?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

O objetivo geral desta pesquisa concentra-se em analisar o processo de reflexão do futuro


professor de língua inglesa, formado na UNEB, Campus XIV, Conceição do Coité, sobre qual deve
ser o papel do profissional de línguas na contemporaneidade. Assim, é por figurar como o lugar
onde se materializam as discussões teóricas e o fazer pedagógico que a disciplina Estágio
Supervisionado é aqui identificada como o espaço ideal de ocorrência desse ato reflexivo,
procedimento que articula teoria e prática como ação associativa de um processo que conduza à
consecução de uma ação irmanada à reflexão.
Os objetivos específicos foram pensados de acordo com as questões de pesquisa, com o
intuito de orientar o trabalho. Nesse sentido, elenco os seguintes objetivos: a) Avaliar como os
professores em formação refletem sobre seu período de estágio e como associam teoria e prática; b)
Analisar como os professores em formação refletem o papel de professor a partir de um espaço
geograficamente definido; c) Verificar de que forma os alunos estagiários lidam com a questão da
interculturalidade; e d) Avaliar o nível de conscientização a partir da qual os alunos compreendem a
sala de aula como um espaço de reflexão da realidade que os cerca.

1.3 ORIENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Ao longo dos cinco anos trabalhando com a disciplina de Estágio Supervisionado me vi


diante de questões desafiadoras e que me fizeram decidir sobre o que estudar em nível de pós-
20

graduação. A aproximação dos meus estudos a área de Linguística Aplicada delineou-se a partir de
minha identificação com as possibilidades de pesquisas nela existentes8. A aproximação com a
abordagem etnográfica se mostrou bastante pertinente para os objetivos que havia estabelecido, não
só àquilo que dizia respeito ao meu papel como pesquisadora, mas também como orientadora de
estágio, pois meu objetivo durante as 400 horas da disciplina Estágio Supervisionado, é estar
sempre em sintonia com o diálogo em torno da pesquisa contínua de sala de aula para que os futuros
professores tornem essa meta sua rotina profissional. É interessante, portanto, ressaltar a
importância de iniciarmos na graduação o debate de pesquisa e formação contínua e, para tanto, se
faz necessário que o futuro professor de línguas comece a se envolver com esse tipo de pesquisa a
partir do período do estágio, e que após o término da graduação, esse hábito de pesquisar venha a se
solidificar ao longo de sua carreira. Portanto, para melhor entendimento sobre a escolha da
metodologia se faz necessário entender como chegamos a esse contexto.
Na trajetória da Linguística Aplicada (LA), a maior preocupação foi com o processo de
ensino e aprendizagem de línguas, e ainda que outros focos tenham sido incorporados, sua grande
contribuição continua sendo às questões relacionadas à teoria e a prática de sala de aula. Partindo
desse pressuposto, se justifica a escolha da etnografia como metodologia investigativa, pois esta
modalidade de pesquisa é a mais comumente usada e a que mais se encaixa na nossa proposta,
apesar de reconhecer que, em LA, outras abordagens são também de valor inestimável. Portanto,
com a preocupação de utilizar um corpo teórico já existente na LA, acredito estar em direta sintonia
com Almeida Filho (2008, p. 43), quando ele afirma que “[...] desse corpo teórico se formarão
novas hipóteses para investigação, outras propostas de soluções e contribuições de novos
conhecimentos de relevância para o ensino e outros fins”. A procura por respostas às nossas
dificuldades em sala de aula e de como ensinar e aprender línguas encontra-se na investigação da
realidade existente na prática, como também na busca por conhecimentos teóricos de áreas diversas,
que auxiliem e melhorem essa prática. Sendo assim, a etnografia surge como metodologia
apropriada para este fim. Para Mendes (2004, p. 21),
O pesquisador, ao predispor-se a estudar um determinado recorte da realidade, [...] deve ter
em mente a complexidade de aspectos que estão em jogo e também das dificuldades que irá
enfrentar para dar conta desta realidade. Ele também deve estar apto para eleger o
arcabouço teórico mais adequado à consecução desta tarefa, o qual forneça os
procedimentos e instrumentos adequados de observação e análise que permitam, além da
geração e apreensão de dados, a realização de uma adequada interpretação do fenômeno
estudado.

Portanto, na definição de Cançado (1994, p.55-56):


8
As possibilidades de pesquisa em LA são muitas, entre elas há o estudo de caso, a pesquisa ação.
21

Etnografia é literalmente a descrição de culturas ou de grupos de pessoas que são


percebidas como portadoras de um certo grau de unidade cultural. É um método muito
utilizado em antropologia e enquadra-se dentro de um paradigma qualitativo ou
interpretativista de pesquisa.

O paradigma qualitativo de pesquisa nasceu no século XIX, quando elementos referentes à


eficácia do método de pesquisa predominante a época foram colocados em pauta. Os estudos
levantados se mostraram passíveis de crítica pelo fato, segundo seus críticos, de se basearem em
princípios positivistas para estudar os fenômenos sociais e humanos. O primeiro estudioso a fazer
esse tipo de questionamento foi o historiador Wilhelm Dilthey (1833-1911). Preocupado em buscar
uma nova metodologia de estudo, Dilthey julgava se constituírem os fenômenos sociais algo
bastante complexo. Sendo assim, esse historiador apresentou a abordagem hermenêutica9 para o
estudo de texto demonstrando uma preocupação maior com a interpretação do contexto social e suas
inter-relações (ANDRÉ, 2007, p.16).
Em tal contexto, Max Weber (1833-1920) se alinhou a Dilthey nesse questionamento e
juntos defenderam uma perspectiva de conhecimento chamada idealista- subjetivista. Outros, mais
tarde, também viriam a se juntar a eles na defesa desta mesma concepção de pesquisa, ou seja
investigação calcada na interpretação de textos e atrelada ao entendimento do seu contexto
histórico-social.
Esse ambiente de críticas e ressignificações daquilo que diz respeito a um novo paradigma
de pesquisa se estende até o final da década de 1980 e acaba por expor de maneira explícita a
validade da, até então presente, concepção positivista. O positivismo, corrente filosófica nascida na
França a partir das ideias de Augusto Comte (1798-1857), caracterizou-se por defender a tese de
que o conhecimento científico seria a única forma de conhecimento real. Uma síntese do
pensamento de Comte foi assim feita por Santos e Costa (2004, p. 20):
Segundo Comte, não há como observar e conhecer a essência dos fenômenos, suas causas
íntimas, - eficientes ou finais-, pois as mesmas permanecem impenetráveis, desconhecidas
e, portanto, não seria possível ao homem alcançar noções absolutas. Poderia, apenas
conhecer os fenômenos empíricos e suas relações observáveis e evidentes.

De acordo com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi
comprovada através de métodos científicos válidos. Desta abordagem de pesquisa surge o método
quantitativo que se limita a apurar dados, através de questionários padronizados.

9
Hermenêutica é um ramo da filosofia que estuda a teoria da interpretação, que pode referir-se tanto à arte da
interpretação, ou a teoria e treino de interpretação. A sua abordagem consiste na interpretação de textos levando em
conta seu contexto social e suas inter-relações.
22

A dicotomia entre o qualitativo e o quantitativo caracteriza-se pelo embate entre a


mensuração e a interpretação dos fatos sociais. Segundo André (2007, p.17),
É com base nesses princípios que se configura a nova abordagem (alguns autores preferem
o termo paradigma) de pesquisa, chamada de “naturalística” por alguns ou de “qualitativa”
por outros. Naturalística ou naturalista porque não envolve manipulação de variáveis, nem
tratamento experimental; é o estudo do fenômeno em seu acontecer natural. Qualitativa
porque se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide a realidade em
unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente), defendendo uma visão
holística dos fenômenos, isto é, que leve em conta todos os componentes de uma situação
em suas interações e influências recíprocas.

No interior da abordagem qualitativa se encontra a perspectiva idealista-subjetivista ou


fenomenológica do conhecimento. É na fenomenologia que identifico a importância do estudo do
sujeito e suas interações sociais. É nela também que existe a ideia do interacionismo simbólico, da
etnometodologia e da etnografia. Como discute André (2007, p. 18-19) ao conceituá-los,
A fenomenologia enfatiza os aspectos subjetivos do comportamento humano e preconiza
que é preciso penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que
tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e às interações sociais que ocorrem em sua vida
diária.
[...] o interacionismo simbólico assume como pressuposto que a experiência humana é
mediada pela interpretação, a qual não se dá de forma autônoma, mas à medida que o
indivíduo interage com o outro. É por meio das interações sociais do indivíduo no seu
ambiente de trabalho, de lazer, na família, que vão sendo construídas as interpretações, os
significados, ou a sua visão de realidade. Como se desenvolve essa visão é que constitui o
objeto de investigação do interacionismo simbólico. Outro ponto importante nessa linha de
pensamento é a concepção do self. O self é a visão de si mesma que cada pessoa vai criando
a partir da interação com os outros. É, nesse sentido, uma construção social, pois o conceito
que cada um vai criando sobre si mesmo depende de como ele interpreta as ações e os
gestos que lhe são dirigidos pelos outros.
A etnometologia é outra corrente da sociologia que vai influenciar na abordagem
qualitativa da pesquisa. [...] não se refere ao método que o pesquisador utiliza, mas ao
campo de investigação. É o estudo de como os indivíduos compreendem e estruturam o seu
dia-a-dia, isto é, procura descobrir “os métodos” que as pessoas usam no seu dia-a-dia para
entender e construir a realidade que as cerca.
[...] a principal preocupação da etnografia é com o significado que têm as ações e os
eventos para as pessoas ou grupos estudados10.

Estas conceituações, listadas acima, partem do estudo qualitativo que se preocupa com o
sujeito no seu ambiente social, originando assim, uma pesquisa de cunho humanista. Neste sentido,
a propagação da pesquisa qualitativa teve uma grande importância para as pesquisas em sala de
aula. Telles (2002, p.102) argumenta que:
Atualmente, a opção por modalidades qualitativas de investigação tem sido cada vez mais
frequente na pesquisa em educação, visto que os educadores e os professores têm se
interessado pelas qualidades dos fenômenos educacionais em detrimento de números que
muitas vezes escondem a dimensão humana, pluralidade e interdependência dos fenômenos
educacionais na escola.

10
(grifo meu)
23

Mesmo assim, não desconsideramos a importância do estudo quantitativo, pois segundo


Demo (2009, p. 8), “todo fenômeno qualitativo é dotado também e naturalmente de faces
quantitativas e vice-versa”. Portanto, essa discussão dicotômica iniciada pela emergência da
abordagem qualitativa não é pertinente nas pesquisas atuais, pois há o entendimento que,
dependendo do objeto de estudo ou objetivo da pesquisa realizada, a pesquisa qualitativa poderá
conter traços quantitativos.
Para o foco de pesquisa em língua estrangeira, a etnografia é realizada em meio a
observações não-estruturadas de sala de aula. Essa observação se caracteriza por ser mais subjetiva,
pois tem como intenção “[...] identificar conceitos relevantes, descrever variáveis, e gerar
hipóteses11 para comprovações” (CANÇADO, 1994, p. 56). Segundo Erickson (1981), citado por
Cançado (1994, p.56), a etnografia é conduzida por dois princípios, o holístico e o êmico.
O “princípio êmico” demanda que o observador deixe de lado visões pré-estabelecidas,
padrões de medição, modelos, esquemas e tipologias, e considere o fenômeno sala de aula
sob o ponto de vista do dia a dia. “O princípio holístico” examina a sala de aula como um
todo: todos os aspectos têm relevância para a análise da interação; tanto os aspectos sociais,
como os pessoais, os físicos, etc

Em uma pesquisa interpretativista não tem como o observador não fazer parte do processo
de pesquisa a partir do momento em que sua figura não se faz invisível em sala de aula. Mas,
mesmo assim, a isenção pode ser garantida quando, no momento da observação, o pesquisador
etnográfico, mantém “[...] um comportamento de não julgamento em relação ao seu foco de
pesquisa, isto é, estudar a interação do jeito que ela ocorre no contexto, sob a perspectiva daqueles
que estão sendo estudados” (CANÇADO, 1994, p. 57). Desta forma, se faz importante que o
observador tenha o conhecimento do uso de tecnologias e técnicas de gravação para realizar sua
pesquisa, como também a preocupação em preparar os observados antes de utilizar de técnicas que
possa se configurar na exposição do pesquisado, ou causar-lhe algum tipo de desconforto.
Cavalcante e M. Lopes (1990 apud Cançado 1994, p.52) desenvolveram o seguinte roteiro
de orientação de pesquisa etnográfica para o pesquisador:

a. o pesquisador deve estabelecer um campo;


b. determinado este campo, estabelecer um papel e a maneira de nele entrar;
c. definir os informantes;
d. desenvolver um relacionamento entre os informantes;
e. realizar a coleta de dados: diários, notas de campo, gravações, entrevistas, questionários;

11
No caso desta pesquisa não foram geradas hipóteses e sim, perguntas de pesquisa, análise e conclusões.
24

f. fazer a análise do corpus;


g. conduzir a interpretação.

Para a finalização da pesquisa, se faz imprescindível o uso daquilo que veio a se chamar
triangulação. Isso acontece devido à natureza subjetiva existente na pesquisa, havendo, assim, a
necessidade de comparação de dados. Ou seja, “[...] o uso de diferentes tipos de corpus, a partir da
mesma situação alvo de pesquisa” (CANÇADO, 1994, p. 57). A triangulação tem por finalidade
não só a comparação dos dados, mas também a comprovação destes, visando evitar qualquer tipo de
desvio de julgamento do pesquisado, como reitera Cançado (1994, p. 58),
A triangulação metodológica pode ser feita de duas maneiras. Uma seria intra-métodos: o
observador emprega variedades do mesmo método. E a outra maneira seria inter-métodos: o
observador emprega vários métodos. A triangulação múltipla é a combinação de múltiplos
métodos, vários tipos de corpus, vários observadores e teorias dentro da mesma
investigação.

Por se tratar de uma dissertação de mestrado, com espaço de tempo pouco curto, se justifica,
assim, minha opção pela triangulação intra-métodos, a qual a variedade do mesmo método deve
estabelecer uma maior comprovação das respostas que devo encontrar ao longo da minha pesquisa e
a junção dos resultados, assim sob essa triangulação, poderá dar mais consistência ao meu trabalho.
Em conformidade com o escopo da pesquisa utilizarei observação de sala de aula, questionários,
entrevistas e análises de documentos (ementas, regulamentos e planejamentos).
Para tanto, termino a metodologia com a citação de André (2007, p. 45) sobre o trabalho do
verdadeiro pesquisador etnográfico:
[...] a pesquisa etnográfica não pode se limitar à descrição de situações, ambientes, pessoas,
ou a reprodução de suas falas e de seus depoimentos. Deve ir muito mais além e tentar
reconstruir as ações e interações dos atores sociais segundo seus pontos de vista, suas
categorias de pensamento, sua lógica. Na busca das significações do outro, o investigador
deve, pois, ultrapassar seus métodos e valores, admitindo outras lógicas de entender,
conceber e recriar o mundo.

Portanto, as observações em sala de aula, os questionários iniciais, as entrevistas semi-


estruturadas, assim como a análise de documentos referentes ao Estágio Supervisionado (ES) de
Língua Inglesa (Regulamento de estágio, planejamento dos estagiários, ementas da disciplina ES e
planejamento do professor orientador e planejamento da unidade do professor regente), foram
concebidos e conduzidos no intuito de realizar uma leitura mais profunda sobre os conteúdos
abordados na disciplina Estágio Supervisionado III, sobre como o futuro professor conduz a sua
prática reflexiva e lida com questões interculturais e, finalmente, a análise comparativa dos
documentos gerais de Estágio e sua prática real, na UNEB, Campus XIV, Conceição do Coité.
25

1.5 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA

A pesquisa se desenvolveu em três momentos distintos: no primeiro, realizei um


questionário, em razão de considerar que deveria sondar as ansiedades dos alunos em relação a esse
momento inicial de regência, como também deveria ter conhecimento do conteúdo trabalhado pelo
professor orientador. O segundo momento teve como objetivo a análise da parte prática, através da
observação das aulas dos alunos estagiários, e o terceiro, e último momento, foi a finalização do
período do estágio e a análise, através de entrevista, do feedback dos professores em formação.
Sendo assim, considerando o primeiro passo mais detalhadamente, o primeiro momento, consistiu
em um questionário elaborado para quatro participantes (alunos em início de estágio supervisionado
do 7º semestre) e outro elaborado para o professor orientador de estágio. Desses quatro alunos, a
continuidade de observação de suas aulas, nesse período, só aconteceu com três deles12. Portanto,
três estagiários participaram da pesquisa por completo e o professor orientador de estágio preencheu
um questionário.
O quadro a seguir retrata os participantes da pesquisa e as etapas realizadas:
Quadro 1 – Número de sujeitos do 7º semestre do Curso de Letras com Inglês, UNEB, Campus XIV e
professor orientador que participaram da investigação – Semestre 2014.1
ALUNOS NÚMEROS DE AULAS QUESTIONÁRIOS ENTREVISTAS SEMI-
OBSERVADAS ESTRUTURADAS

Professor em formação(PF1) 6 1 1
Professor em formação(PF2) 4 1 1
Professor em formação(PF3) 4 1 1
Professor em formação(PF4) 2 1 0
Professor orientador 0 1 0

Total 16 5 3

Os obstáculos presentes em uma observação de turmas de Estágio Supervisionado são vastos


e variados e o imprevisto nem sempre é a exceção. Problemas tais como, mudança de escola,
horários, ausência de alunos estagiários, responsabilidades destes em comparecer e realizar seu

12
Um aluno se retirou da pesquisa, pois houve um problema de ajuste de horário, o que exigiu sua transferência para
outra escola cujos horários terminaram se chocando com outro participante da pesquisa.
26

trabalho e, em alguns casos, mesmo quando comparecem, não apresentam o planejamento e


negligenciam a orientação do professor de estágio.
Outro agravante, durante o período da pesquisa, foi a suspensão das aulas, pois no período
entre maio e julho as escolas pararam por um mês durante a Copa do Mundo da FIFA. Outro
aspecto com interferência direta no processo foi a falta de comunicação dos alunos no tocante a
mudanças de planos e horários. Entretanto, tais dificuldades encontradas, felizmente, não foram
suficientes para impedir que eu alcançasse minha meta de observação.
Dos três alunos observados em todas as etapas 2 (dois) são estudantes do sexo feminino e
1(um) do sexo masculino, todos de faixa etária entre 18-25 anos. A diferença de gênero, certamente,
não representou interferências nas análises realizadas, já que são apenas dados de caracterização dos
sujeitos. Todos os estagiários já trabalhavam nas escolas da região, escolas particulares e públicas
no ensino fundamental e médio. Dois deles estavam participando do Programa Institucional de
Iniciação à Docência (PIBID)13. Tal projeto foi elaborado por duas professoras da licenciatura em
Língua Inglesa do Departamento de Ensino da UNEB, Campus XIV, Conceição do Coité. O
objetivo geral desse citado programa é trabalhar com técnicas de leitura de textos diversos em
língua inglesa, além de estimular os estudantes a produzirem textos de sua própria autoria na língua
alvo.

1.6 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Esta pesquisa foi fundamentada nos estudos sobre formação profissional. Dentre os temas
debatidos, abordei o conceito de formação do profissional crítico-reflexivo, assim como a
importância da formação contínua após a graduação e a necessidade de estudar temas que ajudem
na prática de sala de aula do futuro profissional de línguas. Para isso utilizei alguns instrumentos de
pesquisa, como explicam Cavalcanti e Moita Lopes:
Geralmente, o desenho da pesquisa inclui instrumentos outros, por exemplo, entrevistas,
questionários, diários de participantes (alunos e professores), gravação de aulas em vídeos e
áudio, documentos, etc. na tentativa de triangular os dados coletados na investigação. Desta
maneira, a assim chamada subjetividade inerente a estes tipos de dados adquire uma
natureza intersubjetiva ao se levar em conta várias subjetividades – ou várias maneiras de
se olhar para o mesmo objeto de investigação – na tarefa de interpretação de dados,
aumentando assim sua confiabilidade (CAVALCANTI & MOITA LOPES, 1991 p. 139).

13
PIBID – O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência é um projeto financiado pela CAPES, que
consiste em uma iniciativa de aperfeiçoamento e valorização a docência. O projeto envolve a inserção de alunos de
licenciatura, pela Universidade filiada, no universo escolar de ensino básico.
27

Dentre as atividades de pesquisa e observação, contei com a implementação de vários


instrumentos de coleta a fim de gerar os dados do meu trabalho. Procedi a coleta em quatro etapas.
Em um primeiro momento, foram organizados dois questionários iniciais, um para o professor
orientador e outro para os estagiários. Na segunda etapa, analisei alguns documentos: O
regulamento geral e setorial de estágio da UNEB, Ementas de disciplinas e planejamento do
professor orientador de estágio, planejamento do professor regente e planejamentos diários dos
alunos estagiários. Na terceira etapa, que se constituiu das observações, produzi um diário de campo
a partir do acompanhamento das aulas. Na quarta e última etapa realizei uma entrevista semi-
estruturada com os professores em formação envolvidos.
A primeira etapa de pesquisa foi destinada não só aos alunos estagiários, como também ao
professor orientador de estágio. O objetivo geral do questionário dirigido aos alunos foi entender as
expectativas destes no período pré-estágio. Já o que se direcionou ao professor orientador visava
identificar as teorias abordadas por ele em sala de aula, assim como entender seu objetivo de
trabalho. A descrição mais detalhada do questionário dirigido aos estagiários teve como meta
analisar as expectativas do seu período de estágio, assim como sondar como esse aluno enxergava a
escola pública, o ensino de línguas na atualidade e a associação entre teoria e prática.
O questionário para o professor orientador teve como objetivo descobrir os principais temas
abordados em sua aula teórica, desde o Estágio I até o Estágio III. No referido questionário, foi
sondada a importância que o professor atribuía à presença desta disciplina no currículo de uma
licenciatura em inglês. Além disso, buscou-se a condução dada ao processo reflexivo em relação à
atuação da prática do aluno estagiário e ao processo de planejamento do estágio; procurei entender a
sua avaliação em relação ao trabalho e conteúdo abordado pelo professor regente; a opinião sobre o
ensino público na região e sua visão da associação teoria e prática. Isto dito, ainda que meu foco de
pesquisa tenha sido os alunos estagiários, o fato de buscar informações referentes ao orientador
decorre da necessidade de identificar os elementos teóricos que iriam influenciar os estagiários.
Esses questionários foram aplicados em abril/2014, portanto no início do semestre de 2014.1.
Na segunda etapa, foram realizadas as observações que culminaram com a composição de
um diário de campo, o qual foi constituído com o intuito de observar todo o ambiente escolar e a
atuação do aluno estagiário, além de verificar como estes organizavam seus planejamentos e
refletiam sobre sua prática. Como explicam Cavalcanti e Moita Lopes (1991, p.138) sobre o
processo de observação,
28

Aqui a observação é feita através da elaboração de notas de campo que vão fornecer os
meios para a posterior construção de diários em que o pesquisador-observador procura
descrever o que, na sua visão, ou seja, na sua interpretação, está ocorrendo no contexto de
ensino-aprendizagem.

De modo análogo, entendo que, para esse período de Estágio Supervisionado, a observação
não seguiu um roteiro estruturado, mas houve um foco a ser mantido devido ao objetivo da
pesquisa. Sendo assim, segui um roteiro flexível, que foi reavaliado durante o procedimento da
investigação. Acompanhei, então, um total de 16 (dezesseis) horas de aulas realizadas pelos alunos
estagiários, as quais aconteceram de abril a julho de 2014. Assim, dada a extensão desse processo
observativo, torna-se inevitável afirmar que a observação dá margem a muitas situações
inesperadas, portanto, tive como interesse de pesquisa, assuntos relacionados a uma gama de
questões já identificadas por Mendes (2004, p.25) como: “[...] diferenças individuais, os modos
como os alunos interagem com a língua e desenvolvem o seu processo de aprendizagem”. Ainda
segundo a autora os referidos elementos “[...] são importantes para estabelecer variações de
comportamento representativos do grupo em questão”.
Feitas as considerações, a terceira etapa da pesquisa foi composta pela coleta de documentos
relacionados com o período do estágio. Para entender a organização e o planejamento, assim como
os temas abordados pelo professor orientador durante os quatro períodos da disciplina, recolhi as
ementas das disciplinas Estágio Supervisionado I, II, III e os planejamentos do professor orientador
de estágio. Busquei, também, o acesso ao planejamento dos regentes14 e o plano diário dos
estagiários participantes. Foram documentos que me possibilitaram o entendimento em relação ao
processo de elaboração e reflexão da prática dos sujeitos envolvidos no estágio. Por fim, analisei os
regulamentos, geral e setorial da disciplina Estágio Supervisionado, a fim de identificar até que
ponto a legislação se materializava na prática.
Por último, realizei a entrevista semi-estruturada, a qual foi aplicada ao término do estágio,
cujo objetivo foi aprofundar os temas levantados no primeiro questionário e entender a conclusão
do estágio e suas particularidades para cada futuro professor envolvido com a pesquisa. A adoção
de duas etapas distintas de questionamentos15 se justificou por permitir acompanhar o
desenvolvimento tanto do planejamento quanto da própria reflexão dos partícipes e o consequente
impacto na prática de sala de aula, permitindo, de modo mais extensivo, a investigação detalhada do
fenômeno pesquisado.

14
Cada futuro professor teve um regente diferente.
15
O primeiro foi um questionário estruturado, realizado no início da pesquisa e por último uma entrevista semi-
estruturada, realizada no final do estágio regência.
29

1.7 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

Esta dissertação está organizada em cinco capítulos. No primeiro capítulo, encontra-se a


introdução, em que levanto algumas questões sobre o período do estágio, suas incertezas e
imprevisões que afetam o ato de planejar. Estes são os primeiros passos do trabalho.
Em seguida, abordo a necessidade de se entender e aplicar uma abordagem comunicativa
intercultural em sala de aula de língua inglesa, para os futuros professores quando estes atuarem na
escola básica da região. Tal constituição de abordagem intercultural deve estar concentrada em uma
construção de planejamentos e currículos voltados a um enfoque dialético, em que a troca de
opiniões e conhecimento sejam a base de uma educação de respeito às diferenças culturais do outro,
pertencente ao universo escolar dos alunos, assim como o respeito a elementos culturais
constituintes da língua alvo em foco.
Ainda nesse primeiro capítulo se encontram o problema de pesquisa, as perguntas, os
objetivos, a caracterização dos sujeitos envolvidos e a metodologia utilizada no trabalho de
investigação.
No capítulo dois, tratei da reflexão na formação de professores, fazendo algumas
considerações sobre o conceito de professor reflexivo, além de remeter ao trabalho precursor de
Donald Shön (1998). Este autor desenvolveu uma epistemologia prática que influenciou muitos
teóricos, e seu trabalho se tornou referência obrigatória ao se tratar sobre formação de professores e
construção de conhecimento através da prática profissional. Posteriormente discuti sobre como ser
um profissional reflexivo na prática e dialoguei com autores como Perrenoud (2002), Alarcão
(2008) e Almeida Filho (2007; 2008). Para finalizar esse capítulo, defini as competências deste
profissional reflexivo e as fases do processo de reflexão.
No capítulo três abordei o tema, o Estágio Supervisionado como objeto de investigação.
Neste momento dialoguei com a abordagem intercultural como premissa básica para o planejamento
dos alunos estagiários, durante o período do estágio, e a importância do desenvolvimento desta
abordagem como forma de interação e compreensão das culturas diversas existentes, não só na
aprendizagem da língua inglesa, como também no meio social em que a escola está inserida. No
segundo tópico tratei da construção de uma formação crítico-reflexiva para os futuros professores,
como meta a ser trabalhada continuamente após a graduação destes profissionais, e no terceiro e
último tópico discuti sobre a pedagogia crítica na formação de professores e o papel fundamental do
professor orientador ao conscientizar seus alunos para uma formação mais emancipadora.
30

No capítulo quatro, referente à pesquisa etnográfica realizada, dividi a análise da pesquisa de


campo em sete etapas: [1] Na primeira analisei os Regulamentos geral e setorial de estágio; [2] na
segunda lancei mão de um questionário sobre as expectativas dos futuros professores; [3] a terceira
foi composta da análise da Ementa da disciplina Estágio Supervisionado I, II, II; [4] na quarta
utilizei um questionário direcionado ao professor orientador com o intuito de conhecer os temas e
abordagem desenvolvidos por ele para o período do estágio; [5] a quinta etapa deteve-se na
observação prática das aulas com o objetivo principal de investigar o processo crítico-reflexivo dos
futuros professores; [6] na sexta parte constituí a análise da entrevista semi-estruturada, com o
objetivo de dialogar com o futuro professor sobre o período do estágio. [7] Na última etapa, sob o
título “Revisitando as análises”, tratei, especificamente, das análises, bem como da triangulação dos
resultados.
O quinto e último capítulo traz, primeiramente, o resumo da parte teórica da dissertação, o
objetivo e as questões de pesquisa articuladas com o resultado das análises realizadas, além de
apresentar, no momento final, as possíveis contribuições da pesquisa.
31

CAPÍTULO 2 A REFLEXÃO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LI: UM DEBATE


TEÓRICO

Neste capítulo, abordarei a importância de entender o conceito de profissional reflexivo na


formação de futuros professores de língua inglesa. A necessidade de se formar profissionais atentos
à importância da manutenção do seu processo reflexivo para além da graduação é o objetivo dos
mais caros à disciplina Estágio Supervisionado.
Percebi, ao longo da minha experiência profissional, no exercício de tal disciplina teórica e
prática, que a formação docente atrelada ao desenvolvimento das competências profissionais e ao
ato de refletir pode conduzir a um profissional mais engajado eticamente na organização e nas
escolhas do seu planejamento escolar.

2.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO

No âmbito do processo de aprendizagem escolar, o “ato de refletir” vai além de uma simples
ação individual do sujeito. Refletir em uma sala de aula é analisar de maneira profunda a
complexidade que constitui os diversos aspectos da atividade humana, seus valores e suas visões de
mundo. Pimenta (2002, p.18) alerta que o conceito simplório do termo “reflexão” é apenas um
adjetivo e que o verdadeiro conceito se remete ao trabalho do docente na sua prática diária e na
junção entre teoria e prática.
Nesse campo de estudo, não podemos esquecer do filósofo, psicólogo e pedagogo norte-
americano John Dewey (1859-1952), pois o termo profissional reflexivo tem como uma de suas
raízes as ideias desse autor, que influenciou o trabalho de muitos pesquisadores que fazem uso do
elemento reflexão para a melhoria do trabalho docente. O também pesquisador norte americano
Donald A. Shön colheu muito das ideias de Dewey para desenvolver uma epistemologia prática16
que, entre outras coisas, valorizava a construção do conhecimento através da prática.
Donald Schön foi professor de Estudos Urbanos no MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachutts, EUA). Formou-se em filosofia em 1951 (Universidade de Yale), se tornou mestre em
1952 e Ph.D. em 1955, na área de filosofia. As atividades de Shön como pesquisador concentraram-

16
Epistemologia prática significa a “[...] valorização da prática profissional como momento de construção de
conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o reconhecimento do conhecimento tácito,
presente nas soluções que os profissionais encontram em ato.” (PIMENTA, 2002, p. 19)
32

se na eficácia profissional e no aprendizado organizacional. Seu currículo se estende de consultor


do serviço público até a indústria privada.
Alarcão (1996) é uma das que identificam em Schön o precursor do movimento sobre
profissionais reflexivos. Segundo a autora, as ideias de Schön estiveram presentes referendando
parte da produção intelectual produzida nos anos 1980 do século passado, e esta veio a se tornar
referência obrigatória entre aqueles que pesquisavam sobre formação de professores.
Apesar de não ter tido como objeto central de estudo a figura do professor, e sim de
profissionais de outros campos diversos como engenheiros e arquitetos, a grande contribuição de
Schön, para a área de formação profissional, deriva de suas discussões em torno da necessidade de
se ampliar o debate sobre o tema prática reflexiva. Alarcão (1996, p. 11) chama atenção para o
porquê do despertar de tanto interesse de pesquisadores em formação de professores no trabalho de
Schön. A autora justifica sua afirmativa com base na análise, apenas, de alguns títulos dos livros de
Schön, tais como: “The reflective Practitioner: How Professionals Think in Action e Educating the
Reflective Practitioner” e “Toward a new Desigh for Teaching and Learning in the Professions17”
Segundo a autora, da simples leitura dos três títulos citados podemos apreender que Schön chama
atenção para três temas: “[...] por um lado, o conceito de profissional que tem que ser eficiente e a
quem se pedem contas; por outro, o da relação entre a teoria e a prática; e, finalmente, a temática da
reflexão e da educação para reflexão” (ALARCÃO, 1996, p.11). Se constituindo, assim, teórico
pioneiro a dar maior valorização a parte prática no período da graduação.
Ainda segundo Schön, os profissionais em formação necessitam de um desenvolvimento
coerente com a vivência na prática, ao qual este estará atrelado após a sua formação, se fazendo
necessário que o aluno tenha aulas mais práticas e não só com o enfoque numa visão tecnicista de
educação18. Schön, portanto, enfatizava que “[...] os educadores expressam sua insatisfação com um
currículo profissional que não é capaz de preparar os estudantes para a atuação competente em
zonas incertas da prática” (SHÖN, 1998, p. 21). Nesse caso, Schön refere-se às dificuldades e
situações imprevistas que os futuros profissionais se deparam ao lidar com a vida prática e real e a
falta de uma agenda da universidade voltada para a preparação de profissionais para o mundo do
trabalho. Por essa ótica, o autor externa a preocupação da mudança no currículo, mas, ao mesmo

17
O profissional reflexivo: Como pensam os profissionais em ação e educação para a prática reflexiva; Rumo a uma
nova Desigh de Ensino e Aprendizagem nas profissões.
18
Visão tecnicista de educação que se refere a um conhecimento profissional rigoroso, baseado na “racionalidade
técnica” e ausente de um conhecimento da vida profissional real, incerta e indeterminada.
33

tempo, questiona como diminuir a distância entre a prática e os conteúdos técnicos19 abordados na
universidade. Essa mudança, segundo Schön, está enraizada na epistemologia da prática, ou seja,

[...] “ensino prático reflexivo” – um ensino prático voltado para ajudar os estudantes a
adquirirem os tipos de talento artístico essenciais para a competência em zonas
indeterminadas da prática. [...] as escolas profissionais devem repensar tanto a
epistemologia da prática quanto os pressupostos pedagógicos sobre os quais seus currículos
estão baseados e devem adaptar suas instituições para acomodar o ensino prático reflexivo
como um elemento-chave da educação profissional. (SHÖN, 1998, p. 25)

Shön (1998) apresenta muitas contribuições no que diz respeito ao profissional reflexivo,
dentre elas está a importância do “talento profissional artístico20”. Desse modo, na tentativa de
entender como alguns profissionais se destacam em seu trabalho diante de seus pares, o autor
explica que este talento está vinculado às escolhas que o profissional faz durante o processo de
ensino aprendizagem, visando diminuir os problemas inesperados do cotidiano. De acordo com o
autor: “[...] para referir-me aos tipos de competência que os profissionais demonstram em certas
situações da prática que são únicas, incertas e conflituosas” (SHÖN, 1998, p. 29).
Shön destaca algumas noções fundamentais para entender ou até mesmo desenvolver esse
talento artístico no futuro profissional. Assim, tentaremos traçar, aqui, um breve resumo destas
competências, a saber: o “conhecimento na ação”, “reflexão na ação” e “reflexão sobre reflexão na
ação”:

a) A competência do “conhecimento na ação”

É o conhecimento que usamos sem pensar a respeito, na execução de uma ação inteligente,
na performance requerida pelo momento, ou seja, “[...] é tácito e manifesta-se na espontaneidade
com que uma acção é bem desempenhada” (ALARCÃO, 1996, p. 16). Essa noção é refletida pela
ação que tomamos no momento, portanto, ela é dinâmica. Shön (1998, p. 31) cita como exemplos
práticos dessa ação: andar de bicicleta; analisar rapidamente uma folha de balanço. Portanto, é uma
ação revelada pela nossa execução, e muitas vezes é uma característica que temos, mas não
sabemos como explicá-la. Todavia, podemos entender como funciona tal conhecimento tácito

19
Schön se refere a “racionalidade técnica” como uma “epistemologia da prática dominante”, abordada pelas
universidades, até aquele momento. Epistemologia, até então, alicerçada na filosofia positivista, em que os profissionais
devem solucionar “problemas” instrumentais, através da aplicação da teoria e da técnica derivadas de conhecimento
sistemático científico. Porém, a “epistemologia prática” defendida por Schön é fundamentada numa concepção menos
engessada e no conhecimento tácito, valorizando os elementos imprevisíveis referentes à vida profissional “real”,
fazendo uma análise reflexiva do meio, e construindo, assim, um novo conhecimento.
20
Para Schön (1998, p.29) “Não se diz que profissionais bastante destacados têm mais conhecimento profissional do
que os outros, mas mais “perspicácia”, “talento”, “intuição”, ou “talento artístico”. Esse termo “talento artístico” é
usado pelo autor durante toda a sua obra.
34

através da auto-observação e da reflexão sobre nossas ações. Ao examinar a sequência de operações


subjacentes que realizamos ou ao tentar prever as estratégias utilizadas para efetuar um
conhecimento na ação, estamos formando as nossas estratégias, ou as nossas “teorias” de ação
(Schön, 1998).

b) A competência “reflexão na ação”

Se constitui quando nos deparamos, em uma rotina, com um ato inesperado ou um erro
persistente, ou seja um elemento surpresa e fora do planejado, podemos, então refletir sobre a ação
de duas formas diferentes, a primeira seria no ato da ação, a segunda seria posterior a ação. A
primeira acontece quando, simultaneamente, refletimos sobre a ação no momento em que ela está
acontecendo, sem necessariamente interrompê-la. Podemos, então, refletir na ação, analisando o
que fizemos e tomando uma possível solução no momento do ato. A segunda reflexão surge quando
refletimos sobre a ação, após o fato, em um outro ambiente neutro e tranquilo, ou mesmo fazendo
uma pausa e dando uma nova forma e interferindo na situação em desenvolvimento (Shön, 1998).

c) A competência “reflexão sobre a reflexão na ação”

Essa é a última competência, definida por Shön, segundo a qual a partir da construção de um
repertório de experiências, através da repetição de situações similares, se configura, então, um
“conhecimento prático”. Contudo, tal conhecimento não finda neste repertório de experiências, os
novos momentos “inesperados” sempre surgem, exigindo, assim, um envolvimento consciente do
profissional, buscando, através do planejamento, desenvolver ações futuras, compreender futuros
problemas, assim como procurar por soluções possíveis a fim de desenvolver um ambiente de sala
de aula propício ao desenvolvimento do aluno, com o objetivo de tentar solucionar possíveis
lacunas na aprendizagem. Segundo Alarcão (1996, p. 17),

A análise da actividade profissional, feita por Schön, salienta o valor epistemológico da


prática e revaloriza o conhecimento que brota da prática inteligente e refletida que desafia
os profissionais não apenas a seguirem as aplicações rotineiras de regras e processos já
conhecidos, ainda que através de processos mentais heurísticos correctos, mas também a
dar resposta a questões novas, problemáticas, através da invenção de novos saberes e novas
técnicas produzidos no aqui e no agora que caracteriza um determinado problema.

Para Pimenta (2002, p. 20), as contribuições de Schön para a formação de profissionais,


estão na valorização da prática,

[...] mas uma prática refletida, que lhes possibilite responder às situações novas, nas
situações de incertezas e indefinição. Portanto, os currículos de formação de profissionais
deveriam propiciar o desenvolvimento da capacidade de refletir. Para isso, tomar a prática
35

existente (de outros profissionais e dos próprios professores) é um bom caminho a ser
percorrido desde o início da formação, e não apenas ao final, como tem ocorrido com o
estágio.

Em suma, Schön abriu portas para discussões a respeito de uma formação voltada para
prática e suas ideias foram repercutidas, por estudiosos envolvidos em educação, em diferentes
países. Ademais também ampliou o interesse nas mudanças de currículos para uma fuga de
perspectivas técnicas de ensino. Contudo, expandiu-se o debate em pesquisas na área de formação
de professores que analisaram temas pertencentes à área docente como também temas decorrentes
que não foram abordados originalmente pelo autor. Seguindo uma perspectiva crítica, Pimenta
(2002) vê limitações no trabalho de Schön e cita algumas questões que merecem maiores reflexões
originadas através de posturas reflexivas e críticas. A exemplo, temos a formulação de currículos
necessários à formação de professores reflexivos e pesquisadores, condições de exercício de uma
prática profissional reflexiva na escola. Atrelando tudo isso à reformulação do “[...] projeto
pedagógico da escola; a importância do trabalho coletivo; às questões referentes à autonomia dos
professores e das escolas; condições de trabalhos, de carreira, de salário, de profissionalização de
professores [...]” (PIMENTA, 2002, p.21).
Todas essas questões resultam em uma mudança muito mais drástica, começando pela
reformulação do currículo nas graduações para formação de professores. No caso específico da
graduação em Letras Língua Inglesa, objeto dessa dissertação, a reformulação curricular21, já em
vigor, teve como pressuposto básico a criação de ações que favoreceram a prática e o exercício
cotidiano do Estágio Supervisionado.
Entendo que uma reformulação curricular, que ainda possa vir a acontecer, deva atingir
diretamente questões relacionadas a demandas, tais como: acompanhamento da prática escolar
desde o início do estágio, proficiência na língua, questões metodológicas, interculturais,
indisciplina, desinteresse, a questão da língua inglesa como língua franca22, identidade, violência,
desemprego e tantos outros temas para proposta de análise e discussão feita pelo aluno estagiário,
com o objetivo do professor orientador proporcionar um ambiente de reflexão no contexto da
observação do meio escolar.
Acredito que, ao trabalhar na formação de professores de línguas, temos responsabilidade de
fazer com que este futuro profissional entenda o conceito do perfil do professor crítico-reflexivo,

21
Resolução CNE/CP 2, de fevereiro de 2002, traz 800 horas de atividades práticas: 400 horas de prática como
componente curricular e 400 horas de estágio curricular.
22
Segundo Siqueira (2005), a língua inglesa, ao se tornar uma língua franca, se torna livre e uma língua sem nação.
36

principalmente quando voltado para o ensino básico público23 tão carente de um ensino mais
emancipatório, Siqueira (2011, p. 108) dá seguimento a esse pensamento quando acrescenta,

[...] seria de grande valia termos nos quadros do serviço público professores fluentes na LE
e tecnicamente capacitados, mas em especial dotados da capacidade de refletir criticamente
sobre sua prática, visando ao aprimoramento constante do processo de ensino-
aprendizagem de LE, assim como contribuindo para combater e jogar por terra todos os
mitos e preconceitos que pairam sobre a capacidade de aprender LE dos alunos das classes
menos privilegiadas (SIQUEIRA, 2011, p. 108).

Nesse sentido, devemos compreender, também, que exclusivamente através da graduação,


não há maneira de se tornar um professor que contemple todas as demandas de sua profissão. O que
se faz necessário, na verdade, é o investimento do próprio professor no seu aperfeiçoamento e isso
só se concretiza através dos anos de experiência e debate reflexivo.

2.2 DA TEORIA À PRÁTICA REFLEXIVA: A CONSTITUIÇÃO DO PROFESSOR


REFLEXIVO

Tomando o trabalho reflexivo do professor24 como elemento precípuo da prática pedagógica


remeto-me, neste momento da dissertação, a alguns autores que discutem o papel desse profissional
e a necessidade de repensarmos o processo formativo de professores de língua inglesa em um curso
de Letras. Em sintonia com essa proposta, isto é, pelo viés da prática reflexiva, é possível entender
esse movimento como algo estreitamente relacionado aos processos de pensar e repensar dentro da
própria práxis, e de sua aprendizagem. Tal procedimento é compreendido por Perrenoud (2002, p.
41) como os “fatores motivadores da reflexão”, elementos que variam no profissional da educação e
que são acrescidos do estilo cognitivo25 de cada um e das situações provenientes do meio. De modo
complementar, encontramos em Bakhtin (2006, p.33), a indicação da ideologia como importante
elemento para a constituição da reflexão do profissional de línguas. Segundo essa perspectiva, é a
ideologia, construída ao longo da vida do profissional, que viabiliza e institui um constante diálogo
com as chamadas ideologias dominantes, permitindo que esse profissional crie mecanismos de
rupturas para construir seu próprio pensamento ideológico. Sob essa ótica, Perrenoud (2002, p. 41),
afirma que os fatores motivadores para a prática reflexiva são:

23
É para o ensino básico público que vai a maioria dos alunos da região e é neste ambiente que o Estágio
Supervisionado é realizado.
24
Refiro-me ao professor em serviço neste momento.
25
Estilos cognitivos são formas de utilizar habilidades e formas diversas utilizadas pelos indivíduos para compreender
um mesmo tema.
37

Problema a resolver; crise a solucionar; decisão a tomar; ajuste do funcionamento; auto-


avaliação da ação; justificativa frente a um terceiro; reorganização das próprias categorias
mentais; vontade de compreender o que está acontecendo; frustração ou raiva a superar;
prazer a ser salvaguardado a todo custo; luta contra rotina ou contra o tédio; busca de
sentido; desejo de manter-se por meio de análise; formação, construção de saberes; busca
de identidade; ajuste das relações com o outro; trabalho em equipe; prestação de contas.

No que se refere ao licenciado em língua inglesa acrescentaria a esta lista as dificuldades


inerentes ao aprendizado de uma segunda língua, a falta de conhecimento sobre a representação
simbólica do inglês como língua estrangeira, a baixa carga horária destinada à disciplina, a
desvalorização da disciplina, entre outras. Segundo Jorge (2009, p. 166), “[...] essa carga horária é
fruto de uma cultura escolar que, por anos, entendeu a língua como um conteúdo de importância
marginal”. Portanto, uma vez tornando os futuros professores conscientes da importância da LE na
nossa vida, podemos alertá-los da necessidade de repassar essa consciência para as escolas e as
comunidades em que eles irão trabalhar.
Logicamente, cada um tem sua forma de refletir sobre sua prática, contudo, este
posicionamento que aqui ensejo relaciona-se a um processo regular e metódico empreendido pelo
professor. Sem esse movimento não há como gerar mudanças e melhorias naquilo que desejamos,
ou seja, o desenvolvimento de um processo situado na reflexão constante da própria prática. Digo
isto, por perceber, ao longo dos anos, que nem todo profissional de ensino tem consciência,
sensibilidade e, adicionaria ainda, competência suficiente para desatar seus nós. Consequentemente,
o professor precisa de direcionamento para desenvolver um hábito reflexivo em si mesmo. Nesse
sentido, o exercício diário da reflexão nas aulas teóricas de estágio visa criar condições para que o
professor em formação, ao vivenciar situações adversas na prática escolar, possa interferir
positivamente no processo, contribuindo para um ano letivo melhor planejado e com resultados
mais significativos em termos de aprendizagem.
Acredito que essa falta de competência reflexiva, no professor em serviço, anteriormente
identificada deve ser analisada a partir de princípios concretos que levem em conta fatores
estruturais presentes na própria condição social do indivíduo, com influência direta no nível de sua
formação intelectual. Além disso, devemos atentar para o fato de alguns indivíduos reproduzirem
uma postura de pouco engajamento diante de situações pedagógicas que exigem atitudes mais
contundentes. Nesse caso, vislumbro uma formação que busque um foco reflexivo e crítico que
estude, pelo viés da língua estrangeira, e para além dela, a cultura, a sociedade, a história política do
local e estimule a ideia de mudanças e sentimentos de transformação nesse profissional. Se não
temos um profissional crítico, consequentemente não teremos um aluno que possa assumir
38

igualmente tal postura. A tarefa de um professor reflexivo é contínua, como explicita Perrenoud
(2002, p.43):
Um “professor reflexivo” não pára de refletir a partir do momento em que consegue
sobreviver na sala de aula, no momento em que consegue entender melhor sua tarefa e em
que a angústia diminui. Ele continua progredindo em sua profissão mesmo quando não
passa por dificuldades e nem por situações de crise, por prazer ou porque não o pode evitar,
pois a reflexão transformou-se em uma forma de identidade e de satisfação profissionais.

Em outras palavras, esse profissional é, além de professor de conteúdos, o desenvolvedor de


uma prática reflexiva e dos mecanismos para aperfeiçoá-la usando de uma abordagem que atinja os
pontos fracos de sua sala de aula. Consequentemente, é através desta postura que o profissional que
se quer crítico e reflexivo passa a engajar-se como aquele que transita das questões imediatamente
associadas à sala de aula para a autoria, isto é, reescrevendo currículos, estabelecendo objetivos e
planejamentos. Este processo de reflexão deve conduzi-lo a um novo conhecimento que necessita
ser transformado em ações na vida do alunado.
Acredito na formação profissional reflexiva do professor de língua inglesa, especialmente
quando este busca conhecer a si mesmo e seu papel como profissional de língua. O ensino de inglês,
pela própria condição ideológica que essa língua representa no mundo, não pode prescindir de uma
proposta pautada na interculturalidade e que envolva, portanto, o respeito às diferenças e às
desigualdades sociais. Como defende Alarcão (2008, p. 41),

A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento de


reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias
e práticas que lhe são exteriores. É central, nesta conceptualização, a noção de profissional
como uma pessoa que, nas situações profissionais, tantas vezes incertas ou imprevistas,
atua de forma inteligente e flexível, situada e reativa.

Para tanto se faz necessário que o futuro professor de línguas aprenda a refletir sobre a sua
prática, pois a reflexão é um processo de análise realizado pelo educador, em que a busca por
soluções para problemas pertencentes ao seu meio profissional, e que só se alcança através da
pesquisa e da associação entre teoria e prática. O Estágio Supervisionado é o momento inicial para
o futuro professor ir além da condição de mero reprodutor do conhecimento, mas também para
formular suas próprias teorizações através da análise do meio social e suas influências históricas e
políticas.
Para Almeida Filho (2008, p. 40-41), a perspectiva para a formação de professores no curso
de Letras deve inserir o desenvolvimento de três competências. A primeira é a “linguístico-
comunicativa”, em que o autor inclui as subcompetências sociocultural, estratégica, metalinguística,
lúdica e estética. A segunda é a “competência aplicada”, em que o autor insere a subcompetência
39

teórica que emerge do diálogo entre a teoria conhecida e a prática implícita que se vive. A terceira e
última é a “competência formativo-profissional”, a qual abarca todos os conhecimentos de um
professor de línguas (ALMEIDA FILHO, 2008).
O autor descreve a “competência linguístico-comunicativa” como a capacidade do professor
de usar a língua alvo com as habilidades específicas para fins de ensino e aprendizagem. O
conhecimento cultural e artístico também se constitui elemento estratégico em torno do ensino de
língua que tenha como referência a construção lúdica do conhecimento.
“A competência aplicada” refere-se à capacidade do profissional articular teoria e prática, ou
seja, “[...] viver profissionalmente aquilo que sabe teoricamente [...]” (ALMEIDA FILHO, 2008,
p.42). A grande importância dessa competência está em desenvolver nos graduandos a capacidade
de levantar questionamentos sobre a prática docente e investigá-los, utilizando-se da teoria da
linguística aplicada e formando outros conhecimentos a partir do que é visualizado e analisado no
trabalho prático. O professor precisa, portanto, se envolver com análises, observações,
planejamentos de aulas reais e nada melhor do que fazer uso da pesquisa em linguística aplicada
desde o início do seu estágio. Já “a competência profissional”, de acordo com Almeida Filho
(2008, p.43), é algo relacionado com a vontade que cada um deve ter em se tornar um profissional
engajado com sua prática e sedento por mudanças.
Assim, para que o ato de refletir se converta como algo natural a vida de um futuro
profissional de línguas é importante que ele seja um ato contínuo no interior de uma sala de aula de
Estágio Supervisionado. Partindo do pressuposto de que o ato de refletir é um exercício de
autoanálise, Almeida Filho (2007, p.73) sugere que para o professor 26 desenvolver essa autoanálise
de seu ofício deve possuir características de autocrítica que permitam essas mudanças de atitudes e
rotinas em si mesmo. Algumas das ações identificadas por Almeida Filho que favorecem o
exercício da autoanálise foram assim relacionadas pelo autor:

x
27
Busca sentidos globais do próprio ensino (em pormenores );
x Pauta-se por critérios próprios (isto é, do professor observado);
x Estabelece juízos de coerência entre o que diz fazer e o que de fato faz;
x
28
Busca dados e evidências nas gravações e transcrições de aulas (típicas );
x Busca explicações para os procedimentos e conteúdos que das aulas (= explica porque
ensina da maneira como ensina);

26
Neste caso Almeida Filho se refere ao profissional já formado, mas nós podemos iniciar o processo de auto-análise ou
reflexivo no período da graduação.
27
Acredito que o autor está se referindo ao conhecimento profundo que o professor deve ter da importância do ensino
de língua inglesa, seu poder hegemônico e globalizante nas sociedades diversas e, mais especificamente, no Brasil,
nosso contexto de ensino.
28
O autor se refere a aulas típicas, como aquelas do cotidiano do professor.
40

x Assume a subjetividade do ato de avaliar interpretando e toma providências para minimizar


os efeitos indesejados;
x Busca rigor na amostragem, na triangulação de evidências e na completude das observações
(gravações, notas de campo, diários);
x Busca compreensões novas e crescentes acerca da complexidade dos processos de ensinar e
29
aprender línguas na escola (teoria apropriada ) (ALMEIDA FILHO, 2007, p.73).

Para que o processo de reflexão aconteça, é importante que o professor orientador de estágio
se preocupe com o modo como esse futuro profissional se autoanalisa. A criação de critérios de
autoanálise é um bom exercício de reflexão e também um bom preparo para a vida profissional após
a graduação.
Almeida Filho (2007, p. 74), baseado em Bartlet (1998), desenvolve um quadro de fases da
reflexão:
Quadro 2: Fases de reflexão.

Fases da reflexão
1. Mapear o acontecido na aula (e antes dela): O que eu faço como professor?
2. Informar : Qual o significado do meu ensino? O que eu pretendia?
3. Contestar: Como me tornei o professor que sou? Incongruências entre o meu
dizer e o meu fazer? Como emergiu esse meu fazer?
4. Avaliar: Como ser diferente do que sou?
5. Agir: Como posso atuar na prática?
Pontos a resolver:
x que fazer com os “meteoritos” (conceitos deslumbrantes) de outras
áreas próximas que distraem os professores de uma agenda estabelecida?
x todo professor deveria ser também um pesquisador com um sólido
preparo para transitar no mundo da ciência? Esse é que seria o nível basal para todos
ou se reservaria a cara e difícil preparação do pesquisador para os que insistissem na
empreitada?
x Podemos nos aperfeiçoar como professores sem aperfeiçoar os outros
agentes parceiros como os alunos, colegas, diretores, formadores de opinião?
(ALMEIDA FILHO, 2007, p. 74)

29
Neste momento a teoria apropriada seria aquela que mais se aproximasse do contexto no qual o professor está
inserido.
41

Ainda que essas fases elucidadas por Almeida Filho (2007) se refiram a profissionais
graduados, elas se constituem referência importante, como elemento de preparação para futuros
professores em formação. No âmbito da disciplina Estágio Supervisionado refletir é exercer a
capacidade de prever situações. Vemos que todo processo de reflexão exige uma pausa para análise,
portanto, deve-se tratar de um processo cíclico, com necessidade de reestudos, releituras e
reavaliações sobre as práticas utilizadas (ALMEIDA FILHO, 2007, p.74).
Tomo emprestado das “fases de reflexão” construídas por Almeida Filho (2007), dois dos
três pontos que ele identifica como uma espécie de nós a serem desatados pelos professores. A
tentativa de responder a esses dois questionamentos passa, de antemão, pela forma com que o
professor reflete sobre sua prática e, principalmente, sobre a sua profissão.
O primeiro questionamento é: “que fazer com os “meteoritos” (conceitos deslumbrantes)
de outras áreas próximas que distraem os professores de uma agenda estabelecida?”. Acredito que
esses “meteoritos”, citados por Almeida Filho (2007), não tão explicitamente detalhados,
signifiquem qualquer evento ou temas exteriores ao cronograma estabelecido pelo professor que
venha a influenciar e desviar de seu planejamento. Dito isto, entendo que o professor de línguas
deve, durante o percurso da sua disciplina, fazer escolhas que venham a acrescentar ao
conhecimento de seu aluno. Dessa forma, o planejamento torna-se um importante dispositivo para o
desenvolvimento do conhecimento dos alunos e para a própria segurança do professor. Segundo
Harmer (2000, p.256), “os melhores professores são aqueles que pensam cuidadosamente sobre o
que eles irão fazer nas suas salas de aulas e aqueles que planejam como irão ser organizados o
ensino e a aprendizagen30”. Por outro lado, professor nenhum está imune a lidar com os
“meteoritos”, e é justamente nesse momento que se faz necessária a capacidade de construir um
planejamento em constante diálogo com a prática e se está conectado com as dinâmicas que
constituem a relação ensino-aprendizagem. Nesse caso, planejar e refletir são frutos de um mesmo
processo.
O outro questionamento de Almeida Filho (2007) traz ao debate os diversos elementos que
compõem o ambiente escolar: “Podemos nos aperfeiçoar como professores sem aperfeiçoar os
outros agentes parceiros como os alunos, colegas, diretores, formadores de opinião?”. Acredito
que caminhar sozinho no ambiente de conhecimento é uma tarefa árdua e injusta para qualquer

30
Todas as traducões são de minha responsabilidade: “ The Best teachers are those who think carefully about what they
are going to do in their classes and Who plan how they are going to organise the teaching and learning”.
42

profissional, em especial de educação. A reflexão não pode ser um exercício exclusivo da


individualidade humana. Em um ambiente escolar, a formação geral dos alunos deve ser objetivo da
coletividade e, portanto, fruto da reflexão de todos os envolvidos. Para que um processo reflexivo
funcione plenamente se faz essencial que a escola entenda seu papel nesta empreitada e caminhe
para se tornar reflexiva também. Alarcão (2008, p. 95) sugere que, para gerir uma escola reflexiva é
necessário:
[...] ser capaz de liderar e mobilizar as pessoas; saber agir em situação; nortear-se pelo
projeto da escolar; assegurar uma atuação sistemática; assegurar uma participação
democrática; pensar e escutar antes de decidir; saber avaliar e deixar-se avaliar; ser
consequente; ser capaz de ultrapassar dicotomias paralisantes; decidir; acreditar que todos e
a própria escola se encontram num processo de desenvolvimento e de aprendizagem.

Desta forma, o trabalho reflexivo se faz coletivamente também, mas entendo que o processo
é difícil e complexo e nem todos os envolvidos no ambiente de aprendizagem desejam assumir esta
tarefa. A intenção da disciplina Estágio Supervisionado, no que compete à minha visão de
professora formadora, é criar um ambiente de reflexão para formar profissionais mais conscientes
de seu papel e que busquem por mudanças em seu contexto.
Dessarte, ao longo deste capítulo 2 objetivei tratar das origens do termo “professor
reflexivo”, chegando até a compreensão sobre como se forma um professor reflexivo. Em outras
palavras, sustentei que caberá a este profissional o alinhamento e introjeção da perspectiva da
reflexão em sua práxis. Por esta lógica, tomei a competência reflexiva como um movimento
contínuo do professor, procedimento que impõe a busca de teorias que o auxiliem para o exercício
constante de pesquisa de sala de aula. Tal tarefa não se faz exequível sem algum esforço, processo
que só se materializa quando tomamos consciência de que um trabalho reflexivo depende do
envolvimento de todos os participantes envolvidos. Contudo, entendo o período da graduação e,
especificamente, o período do estágio, como essencial na formação de um professor reflexivo, haja
vista que é lá que devemos iniciar a debater e a instituir uma conscientização em torno da difícil
tarefa de ensinar. Nesse sentido, entendo o trabalho de reflexão e, sobretudo, de ação, como
condição fundamental para a instituição de um ensino que se proponha a abrir horizontes de
transformação e empoderamento para os alunos menos favorecidos de escola pública. Sendo assim,
no Capítulo seguinte, adentro as questões mais específicas referentes à disciplina Estágio
Supervisionado e as novas teorias e estudos que permeiam este rico universo de formação
profissional.
43

CAPÍTULO 3 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO

Considero fundamental a constituição da prática investigativa31 como elemento norteador


para o trabalho em sala de aula. Tal preocupação advém das situações de incertezas e conflitos que
fazem parte do ofício diário de ser um professor reflexivo. Pesquisar sua própria sala de aula é
procurar entender os elementos que fazem parte desta e a identificam com perfil próprio. Este tipo
de estudo é importante, pois amplia os tipos de inserções pedagógicas32 que o professor possa vir a
escolher para sua turma.
Lançando mão de um olhar intercultural como prática conducente da perspectiva crítico-
reflexiva da sala de línguas, a presente pesquisa, procurou dar margem à discussão dialógica do
respeito às culturas diversas e, consequentemente, ás diferenças culturais. Atrelado a esse
planejamento de base intercultural, situa-se a pedagogia crítica e a capacidade deste conceito
pedagógico em oportunizar aos alunos, oriundos de classes sociais menos favorecidas, a alternativa
de mudança através da ampliação de conhecimento e abertura de diálogos críticos em relação ao
mundo social e econômico que permeia o universo do aluno.

3.1 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A ABORDAGEM COMUNICATIVA


INTERCULTURAL

Atualmente, na área de ensino de línguas, percebemos a necessidade de se trabalhar uma


abordagem mais humana que contemple o desenvolvimento cultural, ético, social e emancipatório
do aluno. Para tanto, se faz necessário que o processo de formação de professores, nas
universidades, busque construir um ambiente de discussões teóricas que abarquem tal prática
educacional. Na minha visão de ensino de línguas nos tempos atuais, o período do estágio deve
considerar uma orientação intercultural33 para a sala de aula, para que esse conhecimento teórico se
solidifique no ato da prática escolar e perdure durante a vida profissional do futuro professor.

31
Como prática investigativa, me refiro à pesquisa em sala de aula, feita pelo próprio professor.
32
Inserção pedagógica são as diversas formas de ensinar, constitui-se de técnicas diversas, ou seja, atividades que
possam melhor conduzir o processo de se ensinar e aprender.
33
O conceito de abordagem intercultural será contemplado ao longo do texto, mas o significado do conceito
intercultural está no processo de comunicação entre grupos de nacionalidades distintas que não compartilham a mesma
nacionalidade, origem cultural, étnica, de gênero e etc, ou, no caso do ensino de língua estrangeira com pessoas que
falam a mesma língua e compartilham o mesmo território, o termo intercultural significa uma forma de comunicação
entre pessoas de grupos culturais diversos, podem ser de gênero, étnico, social e etc.(MENDES, 2007, p.120)
44

Voltando um pouco na história do ensino de língua inglesa, temos conhecimento que ao


longo do tempo, a metodologia, sob a influência do contexto social e político de cada época, sofreu
muitas mudanças. Longe de querer traçar aqui toda uma trajetória histórica da evolução
metodológica do ensino de línguas, o farei apenas no limite do que ela pode nos favorecer para
introduzirmos no debate a questão da pluralidade cultural, respaldando a discussão em torno da
abordagem intercultural.
Começo essa retrospectiva destacando, entre os diversos métodos e abordagens, o
audiolingual, que teve sua importância e sua força em termos de influência cultural, quando
privilegiava, em seus materiais, a cultura norte-americana (estadunidense) como o mundo ideal,
incutindo no imaginário dos alunos a busca pelo tão almejado “sonho americano”. Além desse
enfoque de subserviência cultural, o ensino da língua alvo era baseado em estruturas linguísticas e
na repetição de produções fonológicas, desejando assim, atingir a produção nativelike (MOTA,
2010, p. 41).
Contextualizando o método audiolingual à sua época, observamos que ele surgiu no período
da segunda guerra mundial, devido à necessidade de aliados e inimigos falantes de outras línguas se
comunicarem. A questão do ensino de línguas direcionou os estudos da psicologia e da linguística
para confecções de manuais e métodos, pois, apesar do ensino de línguas ter um histórico antigo de
existência, foi no período pós-guerra que ele se tornou científico pela primeira vez (ALMEIDA
FILHO, 2007, p. 11). Essa estrutura behaviorista de ensino predominou por décadas e o reflexo de
tal método está na supervalorização da cultura do outro em detrimento da cultura local. De acordo
com Mota (2010, p.41), em uma conjuntura de rebeldia estudantil, como foi o caso da década de
sessenta do século passado, “os professores de inglês eram considerados os mais alienados e
reacionários de qualquer instituição de ensino”. Tudo isso tendeu não só a caracterizar no
profissional de língua um perfil bastante alienado, como contribuiu por servir como um veículo de
manipulação ideológica da cultura hegemônica34. O que fica claro, como característica deste

34
Mesmo tendo o método audiolingual sido concebido há um bom tempo, observa-se que ele ainda é muito utilizado
nos dias atuais. A grande preocupação neste tipo de abordagem metodológica está na manutenção de uma aula acrítica,
apolítica e anti-reflexiva, que para formação de professores que, supostamente, devam incentivar discussões em torno
do empoderamento do aluno menos favorecido de escola pública, esse tipo de método foge totalmente dessa proposta.
Sendo assim, a discussão aqui nesta dissertação está na construção da formação ideológica do método e não na sua
eficácia.
45

período, é a falta de um trabalho mais voltado para valorização da cultura local, de posturas mais
críticas e a falta de um ensino mais emancipatório35.
Essa supostamente postura alienada foi analisada por estudiosos, como Siqueira (2005, p.3),
que, ao refletir sobre o tema, chegou à conclusão de que “[...] parece emergir uma atitude
exageradamente positiva, pouco crítica e de quase adoração pela(s) cultura(s) de língua inglesa”.
Contudo, não podemos generalizar e acreditar que ainda nos dias de hoje essa postura continue a se
estabelecer entre a maioria dos profissionais. O que é importante para o período da graduação e,
finalmente, na consolidação do desenvolvimento do futuro professor de língua estrangeira, é a
ampliação do debate em sala de aula e a formação de profissionais que demonstrem uma atitude
mais crítica em relação às questões de hierarquização cultural.
Apesar de o método audiolingual ter perdurado durante décadas, existiram outros não-
ortodoxos que fizeram parte do cenário da década de 1970. Refiro-me aqui aos métodos como
sugestopedia, silencioso, comunitário e da resposta física total (ALMEIDA FILHO, 2007, p. 61),
que, na verdade, tratavam de “treinar” o professor a agir de forma engessada, através da
metodologia que se destinava específica, a cada um dos métodos. Contudo, a questão aqui tratada
não está no sucesso ou insucesso desses métodos, mas no efeito duradouro que alguns deles
mantiveram nas instituições de ensino de línguas ao redor do país. O método audiolingual e o
comunicativo são exemplos disso e ambos trouxeram impactos de fortes influências culturais de
países hegemônicos no ensino de LE no Brasil.
Posteriormente, na década de 1980, o método comunicativo trouxe elementos para sala de
aula que, de certa forma, necessitava promover situações comunicativas reais, diferente da sala
audiolingual que se centrava na imitação do “modelo americano36”, com diálogos prontos e
repetição. Contudo, essa utilização de situações de comunicações reais, segundo aponta Mota
(2010, p. 42), ainda se tratava de uma metodologia rasa para trabalhar a consciência crítica dos
alunos. Nessa perspectiva, Santomé (1995 apud MOTA, 2010, p. 42) destaca que nesse momento
inicial do método comunicativo, os conteúdos culturais são vistos como um mero “currículo
turístico”, que possuem cinco tipos de enfoque:

1. Trivialização – conteúdos abordados com superficialidade e banalidade;

35
Não quero afirmar, com isso, que o ensino audiolingual inviabilize o empoderamento e emancipação do aluno, mas
como tratamos, nesta pesquisa, da escola pública, tal método, não acrescenta nenhum tipo de reflexão crítica para este
ambiente carente de discussões que o empodere.
36
O modelo americano a que me refiro, é a tentativa de reproduzir o modelo de fala norte americano, ou seja o desejo
“ilusório”, de muitas escolas de língua, de ensinar o aluno a falar inglês igual a um nativo.
46

2. O souvenir – apresentar conteúdos culturais sem abordagem crítica;


3. Celebrações étnicas – celebração de uma data específica de forma descontextualizada, sem
fazer parte do currículo escolar;
4. A estereotipagem – práticas enfatizando estereótipos culturais;
5. A tergiversação – a simplificação ou não confrontação crítica de situações de opressão.

Destaco, nesse caso, que a má utilização de conteúdos culturais mantém as situações de


manipulação, opressão e sentimentos de inferiorização em relação à cultura do outro, não propondo
nenhum sentido de mudança e emancipação para o verdadeiro objetivo de uma educação que se
constitua intercultural.
A evolução histórica da linguística aplicada testemunhou uma caminhada que se constituiu
de uma fase embrionária – voltada pela incessante busca de um método de ensino que se mostrasse
mais eficaz se comparado aos seus contemporâneos – e de uma segunda fase, que alcançou o que se
chamou de era pós-métodos por pesquisadores como: Prabhu (1990), Kumaravadivelu (1994),
Brown (2007) e tantos outros.
No contexto dessa era pós-método, a linguística aplicada caminhou em direção a uma visão
mais abrangente de sala de aula e de suas especificidades, abrindo espaço para o conceito de
abordagem, visto assim, diferente da rigidez dos métodos, como algo mais amplo e mais abstrato,
que depende de um conjunto de saberes para se efetivar na construção da prática (ALMEIDA
FILHO, 2007, p. 63). Brown (2007, p. 45) pontua que no final dos anos 1980 e início dos anos 1990
foi visto um desenvolvimento de abordagens que ressaltavam as propriedades comunicativas da
língua em que as salas de aulas ficaram caracterizadas pela autenticidade, simulação do mundo real
e tarefas significativas.
Contudo, não podemos falar de abordagem sem perceber o caminho que a LA percorreu e
ainda avança nos seus estudos para chegar ao entendimento que temos hoje do que seria necessário
a uma boa formação profissional da área de línguas. Miller (2013, p. 100) apresenta quatro razões
que justificam o uso da LA como referência na investigação relacionada com a formação de
professores de línguas:

1. Como área de investigação, a LA traz fortalecimento acadêmico para as práticas de


formação profissional, no processo inicial na graduação e a longo prazo na sua vida
profissional;
47

2. No campo metodológico, nas investigações trazendo inovações alinhadas às


pesquisas qualitativas e interpretativistas;
3. Contribuições de ordem política na academia, alavancando o status institucional dos
formadores de professores;
4. Na transformação social, de ética e de identidade dos agentes diversos envolvidos no
processo de formação.

Referindo-me especificamente a essa questão da transformação social, tema bastante caro a


quem trabalha com a temática da formação crítico-reflexiva do professor, tornou-se ponto
importante a ser contemplado nos planejamentos de ensino. Para Miller (2013, p. 103), “[...] busca-
se no século XXI, formar um professor crítico-reflexivo e ético, bem como investigar sua formação.
O formador se insere na pesquisa, buscando atuar e entender sua própria postura crítica, reflexiva e
ética”.
Nessa tarefa de formar professor crítico-reflexivo, acredito haver lugar especial para a já
aqui citada abordagem intercultural, tal abordagem deve entrar nesse contexto de ensino como meta
do professor formador. É tendo-a como referência que devemos repensar o papel da escola na
sociedade, construindo a conscientização dos agentes escolares, não só por intermédio dos
estagiários e seus planejamentos redesenhados em torno do tema, mas também através do trabalho
de conscientização feito pela universidade que deve deslocar-se de seu lugar de fomentadora do
conhecimento e adentrar o ambiente escolar debatendo e propondo mudanças. Nesse sentido não
podemos deixar também de pensar na importância de uma visão multiculturalista de educação.
Segundo Mota (2010, p. 43):
A educação multiculturalista pretende recontextualizar o papel político da escola,
discutindo a adoção de novos currículos multirreferenciais que venham a incorporar
discursos historicamente silenciados e a desprezar aqueles potencialmente silenciadores.
Em outras palavras, a pedagogia multicultural acredita na valorização da voz do
sujeito/professor e do sujeito/estudante, assim como no desenvolvimento da sensibilidade
de escuta às múltiplas outras vozes, desconstruindo a polarização dos saberes e assumindo,
através do dialogismo, uma perspectiva de construção do conhecimento de forma dialética e
multidimensional.

Portanto, é importante, que o futuro professor desenvolva essa consciência ao longo do


curso e que o período do estágio sirva de exercício prático para tal objetivo.
Quando falo de abordagem intercultural não posso deixar de trazer ao debate o poder
homogeneizante que a globalização provoca através dos “seus círculos econômicos, financeiros e
culturais” (HALL, 2003, p. 59), voltados para o Ocidente e com predominância da cultura de países
hegemônicos. Entendo que talvez exista uma linha muito tênue entre ensinar a língua inglesa e
48

reproduzir posturas de subserviência cultural. Portanto, cabe ao professor orientador, estar atento
para desconstruir, sempre que necessário essa armadilha que o acompanha o tempo inteiro.
A fase do estágio se constitui – na formação geral do aluno de línguas – em um momento de
reflexão permanente do que representa o professor na contemporaneidade. Mais do que um simples
profissional da área de ensino, ao professor, de maneira geral, e ao de línguas, de maneira
específica, se “exige” a função de uma espécie de mediador da relação instituída entre os alunos e
os valores da sociedade que o cerca. Longe de agir como um doutrinador, o professor de línguas
deve estabelecer, através do diálogo, a desconstrução de posturas culturais subservientes, visando
estabelecer relações interculturais plurais e não hierarquizantes.
Outro aspecto pertinente quando nos referimos à questão da interculturalidade em sala de
aula diz respeito à identidade linguística. De acordo com Rajagopalan (2003, p. 59), “[...] nunca na
história da humanidade a identidade linguística das pessoas esteve tão sujeita como nos dias de hoje
às influências estrangeiras”. Para o autor, “volatilidade e instabilidade tornaram-se as marcas
registradas das identidades no mundo pós-moderno” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 59). A
possibilidade de acesso quantitativo e qualitativo a informações de quaisquer regiões do mundo
antes algo impensável, tende a minimizar na periferia37 sua condição de periferia. Esse é o cenário
que tem se legitimado cada vez mais em nossas salas de aulas. O alcance da mídia e da internet
diminuiu as desigualdades entre o centro e a periferia, abrindo espaço para questionamentos dentro
da escola sobre os problemas da comunidade e reformulações de debates nesse sentido. Como
grande aliada do professor, a pedagogia crítica38 emerge para desenvolver essa empreitada,
investindo nas estratégias de empowerment (RAJAGOPALAN, 2003, p. 61). Observamos as
mudanças que a atual globalização forneceu ao propagar o uso da língua inglesa ao redor do mundo,
mudando assim seu status para língua franca global e “[...] ao torna-se uma língua franca,
desmembrando-se de uma miríade de “ingleses”, o inglês não mais pertence a um grupo específico
de falantes nativos, e a nação alguma pode se arvorar em requerer custódia sobre a mesma”
(SMITH, 1976 apud SIQUEIRA, 2005, p. 12).
Consequentemente, diante de tal cenário, a formação profissional de línguas deve privilegiar
a construção do respeito mútuo, a valorização da cultura local e respeito às diversidades culturais.
É importante termos, em relação ao professor, um olhar sobre sua concepção de mundo, suas

37
Refiro-me a periferia como os sujeitos menos favorecidos socialmente, por fatores como pobreza, violência e falta de
oportunidades, que merecem de fato e de direito, através da escolarização, ter acesso à aquisição de conhecimento como
também as boas oportunidades de trabalho e de condições de vida.
38
No próximo tópico iremos tratar da pedagogia crítica de forma mais aprofundada.
49

crenças e saberes, dando contribuições para que ele se desenvolva com senso crítico, competência,
autonomia, na construção da sua abordagem em sala de aula de línguas, no sentido de sempre estar
dialogando com teoria, prática, ação e reflexão (MENDES, 2008, p. 3).
Nesse sentido, a abordagem intercultural, de acordo com Mendes (2008, p. 3),
[...] pode ser resumida como a força potencial que pretende orientar as ações dos
professores, alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma
língua, materna ou estrangeira, o planejamento de cursos, a produção de materiais e a
avaliação da aprendizagem, com o objetivo de promover a construção conjunta para um
diálogo entre culturas.

Agir de forma intercultural não está atrelado a elaborar, exclusivamente, um currículo


escolar que debata sobre uma determinada cultura de um país, ressaltando aspectos superficiais ou
discutindo temas sobre questões étnicas e de representação de minorias. A abordagem intercultural
prevê a inserção do aluno, de forma mais ampla, no estudo da língua alvo, no reconhecimento da
língua estudada como uma fonte cultural e contextual, com suas especificidades, se identificando
como sujeito participativo e relacionando suas experiências e seu modo de ser e agir através da
língua alvo estudada (MENDES, 2008, p.5).
Portanto, para Mendes (2007, p. 138),
Uma abordagem de ensino que se pretende intercultural deve ser, por natureza, dialógica.
Desse modo, promover o diálogo de culturas significa estarmos abertos para aceitar o outro
e a experiência que ele traz para o encontro a partir do seu ponto de vista; é permitir que as
nossas próprias experiências possam dialogar com as do outro de modo intersubjetivo; é
colocarmo-nos junto ao outro quando interpretamos o mundo à nossa volta, o mundo que
nos abriga; é, finalmente, recebermos o outro tal como se recebêssemos um amigo.

Ser intercultural não significa, assim, assumir a cultura do outro ou vice-versa, mas,
sobretudo, conhecer esse mundo de saberes, culturas e ideologias diferentes e torná-lo nosso,
utilizando da linguagem para transitar por esse novo espaço diverso, buscando um outro “olhar”
sobre o diferente, um “olhar” respeitoso e sensível para com o outro.
Através do movimento constante e da ampliação de debates sobre a prática, a disciplina
Estágio Supervisionado se torna um palco de importantes discussões e conscientizações sobre o
papel do professor de línguas na contemporaneidade. Se vivemos em um mundo dinâmico e de alta
volatilidade, o ato de ensinar exige um profissional atualizado, crítico e, principalmente, reflexivo.
O conhecimento, assim como as sociedades, está sempre em constante movimento e transformação.
A língua, como um instrumento privilegiado de provocar contatos e interações entre pessoas, sofre
diretamente o reflexo da dinâmica socioeconômica de qualquer época. Portanto, ao profissional que
lida diretamente com o ensino de uma língua – principalmente o inglês que se firma cada vez mais
como franca – espera-se estar consciente da importância e centralidade de sua função profissional.
50

3.2 O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A PRÁTICA CRÍTICO-REFLEXIVA

Acredito que para uma boa formação profissional seria necessário o futuro professor
entender seu papel como professor crítico-reflexivo, no intuito de fugir de um perfil meramente
técnico, em que tenha como função apenas seguir um currículo gramatical, ou distanciado das
necessidades básicas dos seus alunos. Giroux (1997) nos chama atenção para a ameaça de uma
abordagem tecnocrática no processo de formação de professores. Segundo o autor, existe, no
contexto da formação de professores, uma “racionalidade instrumental”, que traz em si elementos
como: “[...] o apelo pela separação de concepção de execução; a padronização do conhecimento
escolar com o interesse de administrá-lo e controlá-lo; e a desvalorização do trabalho crítico e
intelectual de professores e estudantes pela primazia de considerações práticas” (GIROUX, 1997,
158-159).
Essa atitude racional e instrumental do conhecimento distancia-se do que pensamos ser um
pensamento crítico-reflexivo no profissional de língua inglesa. O que realmente acredito é que esse
futuro profissional tenha, enfim, uma apreensão mais subjetiva e reflexiva dos conteúdos escolares
e da vida social, como também uma atitude mais crítica, visando uma reflexividade que critique a
sociedade e seja emancipatória para o futuro professor e, consequentemente, para seu aluno.
Ainda nessa linha de pensamento, Giroux (1997, p.159) apresenta o argumento de John
Dewey39 sobre os programas de formação de professores que visam apenas o conhecimento técnico
em prol de uma formação voltada para metodologias ou fórmulas de ensino que, subliminarmente,
negam o desenvolvimento do pensamento crítico e prestam um desserviço à natureza da prática
educacional e, principalmente, a seus alunos, tão necessitados de uma formação que os empodere.
Minha experiência em sala de aula, no âmbito da disciplina Estágio Supervisionado, tem me
permitido refletir sobre a reprodução dessa mentalidade identificada por Giroux (1997). Percebi que
os futuros professores, por mais que tenham acesso a uma teoria de bases crítica e emancipatória
durante seu período da graduação, repetem, ao estagiar, o mesmo tipo de ensino tecnocrático ao
qual foram submetidos durante sua vida escolar. Acredito que, do ponto de vista do estagiário,
submeter seu planejamento e, consequentemente, sua aula, a uma dinâmica devidamente pré-
estabelecida e engessada por conteúdos gramaticais, supostamente irá favorecê-lo na melhor
administração de sua sala de aula. Mais do que comprometer a qualidade da aprendizagem dos

39
John Dewey (1859-1952) foi um filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano. O termo profissional reflexivo tem
como uma de suas raízes as ideias desse autor, que influenciou o trabalho de muitos pesquisadores que fazem uso do
elemento reflexão para a melhoria do trabalho docente.
51

alunos, esse tipo de comportamento de mentalidade de ensino tecnicista, por parte do estagiário,
ainda o favorece a encobrir possíveis deficiências em termos de domínio da língua40. Desconstruir
essa mentalidade equivocada é o desafio que se impõe no espaço da disciplina Estágio
Supervisionado.
Uma das maneiras de provocar mudanças nessa estrutura tecnicista, além, é claro, da ênfase
na formação crítico-reflexiva, seria formar professores como intelectuais transformadores, pois
além de refletir sobre sua prática ao longo da carreira profissional, se atualizando diante das
limitações, seja elas quais forem de ordem teórica ou linguística, se faz necessário sua formação
como um intelectual que critique e ajude a modificar a sociedade. Segundo Giroux (1997, p. 161),
A categoria de intelectual é útil de diversas maneiras. Primeiramente, ela oferece uma base
teórica para examinar-se a atividade docente como forma de trabalho intelectual, em
contraste com sua definição em termos puramente instrumentais ou técnicos. Em segundo
lugar, ela esclarece os tipos de condições ideológicas e práticas necessárias para que os
professores funcionem como intelectuais. Em terceiro lugar, ela ajuda a esclarecer o papel
que os professores desempenham na produção e legitimação de interesses políticos,
econômicos e sociais variados através das pedagogias por eles endossadas e utilizadas.

Ao intelectual transformador precede, entretanto, uma formação crítico-reflexiva. O ato de


transformar não chega ao sujeito através de uma abstração. Para transformar algo é preciso
conhecê-lo, diagnosticá-lo e, principalmente, refletir sobre todas as suas variáveis. Na formação de
um futuro profissional de educação, a fase do estágio se configura no espaço por excelência deste
processo de reflexão.
Reporto-me também à relação entre o professor orientador e o professor em formação.
Como se sabe, cabe ao orientador conduzir o processo de reflexão e à Linguística Aplicada, o papel
de detectar questões da prática a serem estudadas por meio de investigações e da relação com
teorias já existentes ou, mesmo, das originadas desses estudos realizados pelo professor. Já me
posicionei anteriormente sobre o entendimento de que seria aconselhável ao professor orientador de
estágio ter formação em LA. E, assim, reforço aqui que essa ciência tem todas as condições de
desenvolver um diálogo com as pesquisas realizadas a partir da própria sala de aula e de seus
fenômenos, assim como procurar respostas para problemas encontrados na prática do diálogo com
outras disciplinas. Por esse viés, Moita Lopes (2006, p.97) reconhece a necessidade de entender a
LA como área híbrida/mestiça ou área da indisciplina para construir conhecimento que seja
responsivo à vida social e destaca que “ como linguistas aplicados, nossa posição deve ser nos situar

40
A realidade é que muitos futuros professores chegam ao período do estágio com pouco domínio da língua inglesa e,
consequentemente, tendem a voltar seus planejamentos para uma abordagem tecnicista, pouco crítica e longe de se
constituir comunicativa.
52

nas fronteiras onde diferentes áreas de investigação se encontram” (MOITA LOPES, 2006, p. 99),
consequentemente, para quem lida com sala de aula, nada melhor do que se aproximar do universo
de pesquisa proporcionado pela LA, no intuito de melhorar o processo de ensino e aprendizagem
em sala de aula de LI.
Partimos do pressuposto de que a LA se constitui em uma área do conhecimento que tem
trabalhado de maneira eficaz a relação entre a linguagem e as diversas atividades humanas. Veio de
Celani (2008) uma definição de LA que respalda e dialoga diretamente com essa concepção:
A LA como área do conhecimento é vista hoje como articuladora de múltiplos domínios do
saber, em diálogo constante com vários campos que têm preocupação com a linguagem. É
mediadora de mudanças na sua comunicação com a coletividade e com a participação desta.
Tendo em vista que a linguagem permeia todos os setores de nossa vida social, política,
educacional e econômica, uma vez que é construída pelo contexto social e desempenha
papel instrumental na construção dos contextos sociais nos quais vivemos, está implícita a
importância da LA no equacionamento de problemas de ordem educacional, social, política
e até econômica (CELANI, 2008, p.20).

Outro aspecto da LA diretamente vinculado ao ato de ensinar é aquele que se refere ao que
Almeida Filho chamou de “soluções mágicas”. Ao criticar a pouca aplicabilidade das teorias
pedagógicas na prática profissional, o autor apresenta a investigação em LA como uma solução
viável ao afirmar que esta “[...] informa e forma o professor para detectar questões da prática que
serão estudadas em investigações e projetos segundo um corpo teórico crescente da própria
Linguística Aplicada”. Ao trazer novas hipóteses e novas abordagens ao campo da pesquisa em
educação a LA tende a preencher um espaço tornado deficiente por outras áreas do conhecimento.
Almeida Filho (2008) faz o contraponto essencial entre a LA e suas “concorrentes”:
O lugar da explicação de tudo através da teoria linguística ou de outras ciências e dos
métodos prontos será substituído pela busca de traços que caracterizam às concepções da
linguagem (e L2), do trabalho realizado, de aprender e ensinar línguas em aulas verdadeiras
de professores reais, gravadas e transcritas para explicar porque se ensina como ensina
(ALMEIDA FILHO, 2008, p.43).

Portanto, a responsabilidade do professor orientador de estágio de língua inglesa está em


associar teoria e prática com seus alunos e refletir com eles sobre suas experiências vividas e propor
novas ressignificações de suas práticas, incluindo como princípio dessa disciplina “[...] o caráter de
formação contínua, tendo como base a ideia de emancipação humana” (PIMENTA; LIMA, 2008, p.
127). Sendo assim, o estágio surge como um espaço de diálogo, de descoberta de caminhos, de
novos saberes, de superação, e finalmente, de construção de planejamentos que tragam resultados
para os alunos.
A formação contínua encontra-se atrelada ao processo de reflexão do professor e da projeção
de práticas enraizadas em teorias que visem a valorização das necessidades dos alunos, sua cultura,
53

história, vida cotidiana. Consequentemente, o futuro professor de línguas não deverá ter uma
postura estática, em relação às atualizações de seus estudos, após o período de sua graduação, se faz
necessário que sua formação perdure além dos limites da graduação.
A base da mudança de postura profissional tida como mecânica estaria no início de sua
formação no período do estágio. O futuro professor precisa reaprender a refletir e a utilizar do
momento de relato compartilhado com seus colegas para analisar seu período de observação ou
regência no estágio supervisionado, voltando-se para explicações, não só linguísticas, mas de cunho
social, econômico, cultural e ideológico, para tentar resolver alguns problemas encontrados. Para
além disso, temos que associar também a necessidade de mudanças nos currículos, nos
planejamentos, a fim de avaliar o que é realmente necessário para determinado grupo ou
comunidade.
Pimenta e Lima (2008, p.132-133) destacam cinco pontos do tipo de reflexão que deve ser
feita ao período do estágio:

1) Para os alunos estagiários que já exercem o magistério, a reflexão pode ser ancorada na
análise das relações de trabalho às quais se encontram submetidos, na análise das
dificuldades que enfrentam para realizar um bom trabalho e, ao mesmo tempo, no
levantamento das possibilidades do professor em seu cotidiano e da escola como
organização;
2) A reflexão se faz no diálogo entre pares, com os referenciais teóricos, em atividades
coletivas e individuais. O estágio adquire significado quando integra o projeto pedagógico
coletivo do curso;
3) A consciência de que os professores se formam também na relação com seus pares, com
seus alunos e no trabalho que realizam nos leva a enfatizar a troca de experiências como
processo privilegiado para a reflexão, mas uma troca de experiências mediada pela análise
crítica contextualizada delas;
4) A reflexão tem como objeto de estudo a vida e o trabalho do professor nas escolas e seus
resultados na formação dos alunos;
5) A cultura docente, os hábitos dos professores como corpo docente na instituição escolar,
seus vícios e qualidades, as influências recebidas e a forma como vêm reagindo aos
impactos das reformas e mudanças que ocorrem no âmbito educacional são fatores que
necessitam sempre de renovadas visões. O estágio supervisionado pode ser o espaço em
que todas essas questões sejam amplamente discutidas. Dessa maneira, a vida, o trabalho, o
desenvolvimento profissional, a escola como organização, as experiências e todas as demais
relações ocorridas entre a docência e a sociedade acabam compondo um mosaico de partes
diferentes da reflexão docente.

Na realidade, o período do Estágio Supervisionado em língua inglesa deve ser o espaço para
discutir todas estas questões em torno da prática e dos relacionamentos profissionais que os alunos
estagiários irão enfrentar. Sendo assim, devemos abrir espaço para discutir sobre temas como
organização da escola, papel do futuro professor e identidade profissional e necessidade de reajustar
conteúdos e planejamentos, entre outros.
Portanto, segundo Pimenta e Lima (2008, p. 132),
54

[...] situamos a reflexão como elemento de emancipação humana, que é histórica, localizada
e intencional. Trata-se de dar um sentido social à própria prática, mediando-a com a
realidade vivida e analisando-a criticamente. É a formação contínua, assumida como atitude
de vida e de profissão, como autoformação, a postura conceitual metodológica que
manifesta a transparência das opções e a consciência desta.

Quanto ao papel da língua inglesa neste determinado ambiente crítico-reflexivo, é fato


inegável a questão da sua importância para o convívio internacional, ou seja é algo que não
podemos negar aos nossos alunos. Não estou aqui deixando de lado outras línguas estrangeiras,
mas por tratarmos nesta dissertação de estágio em língua inglesa, é nela que irei focar. Desta forma,
esse domínio de pelo menos uma língua estrangeira para fazer parte deste mundo tecnológico de
informações ricas e socializadas entre os diferentes povos se torna essencial para o contexto social
em que estamos inseridos. Como aponta Celani (2008, p.23), “é responsabilidade das autoridades
educacionais oferecer condições adequadas para que essa base se realize”. Isto posto, complementa
a autora, “essas condições deverão ser levadas em conta ao se traçar a política educacional”
(CELANI, 2008, p. 23).

3.3 A PEDAGOGIA CRÍTICA E A CONSTRUÇÃO DE UM CONTRA-DISCURSO NA SALA


DE AULA DE LI

Como professores de inglês temos que ter consciência de que lidamos com uma língua que
ao mesmo tempo em que abre fronteiras para um novo cenário global, pode ser identificada também
como a língua do poder e representativa do imperialismo anglo-americano. Lidar com o ensino de
inglês sob uma perspectiva de reflexão e criticidade, nos leva a adentrar em universo complexo em
termos de relações de poder. Diante de um mundo que flerta, permanentemente, com a globalização
das relações entre os povos e em que as fronteiras culturais têm se tornado cada vez mais fluidas, a
necessidade da preservação da cultura local se faz importante para que façamos uso dessa língua
franca41 de forma consciente. Assim, deve-se evitar sempre a sobreposição de culturas, estimulando
a abertura ao diálogo cultural, o qual somente se estabelece a partir do respeito mútuo. No caso da
língua inglesa, é sempre importante não perder de vista seu papel colonizador diante do mundo.
Nesse contexto Cox e Assis-Perterson (2007, p.7) refletindo sobre o pensamento de
Pennycook, ao se referirem sobre a expansão do inglês, concluem que, “[...] a expansão do inglês
não é a expansão apenas da língua, mas é também a expansão de um conjunto de discursos que, ao

41
Ao se torna uma língua franca, de alcance global, o inglês não mais pertence a um grupo específico de falantes
nativos e, consequentemente, a nenhuma nação (SIQUEIRA, 2005).
55

promoverem o inglês, promovem concomitantemente ideais do Ocidente e da modernidade, como


progresso, liberalismo, capitalismo, democracia etc.” Ao identificarem essa ausência de
neutralidade presente na expansão do inglês, Cox e Assis-Peterson propõem, ainda baseado em
Pennycook, não a capitulação diante dessa realidade, mas a apropriação desse discurso visando a
produção de um contra-discurso.
Nesse caso, ao propor a apropriação e a utilização do inglês como um elemento de
resistência aos valores colonialistas impostos pelas instituições britânicas e norte-americanas, os
autores o fazem por reconhecer as limitações das línguas locais no cumprimento dessa função.
Trazendo esse debate para o cotidiano de nossas salas de aulas, só se confirma a importância da
disciplina língua inglesa no currículo escolar. Já no que se refere ao papel da linguística aplicada e
da pedagogia crítica na construção do citado contra-discurso, Cox e Assis-Perterson (2007, p.7)
apostam “[...] numa linguística aplicada e numa pedagogia crítica que encarem o ensino-
aprendizagem do inglês como “possibilidade” de os alunos se apropriarem da língua para formular
contra-discursos aos discursos e práticas que promovem desigualdade e dependência”.
Em termos de função social penso que o uso dos princípios de uma pedagogia crítica por
parte do professor de língua estrangeira orienta-o no sentido de estabelecer abordagens de temas
que façam parte do meio social de seu aluno. Em consequência dessa mudança de atitude é possível
presenciar o desenvolvimento da criticidade no educando atrelada à busca por soluções viáveis para
os problemas da sua própria comunidade, essa movimentação de consciência acontece através do
espaço aberto para discussões em sala de aula.
Segundo Rajagopalan (2003, p. 105) “O primeiro compromisso de um pedagogo crítico é
com a comunidade, da qual a sala de aula é uma pequena, porém fiel amostra”. Reproduzindo Paulo
Freire, Rajagopalan ressalta que o pedagogo crítico é um militante buscando avidamente por
mudanças sociais. Portanto, não há espaço para comodismo sem a discussão clara de como resolver
os problemas locais da comunidade em que os alunos pertencem (RAJAGOPALAN, 2003, p. 106).
O professor tem que tornar sua sala de aula um ambiente em que os alunos possam
participar da decisão do que é melhor para si. Toda decisão tomada em sala de aula deve estar
alicerçada em bases sólidas de conhecimento teórico e de mundo. Em última instância, o professor
deve agir como um militante, pois de acordo com Leffa (2005, p. 208) “[...] o desprezo que temos
pela militância, pode levar a um estado de alienação”. A alienação, nesse caso, é decorrente, dentre
outros fatores, da falta de conhecimento crítico em relação ao mundo a que pertencemos.
56

Sem uma leitura crítica do que é transmitido através de jornais, revistas e TV, o professor
pode ser levado a fazer escolhas de temas não condizentes com a realidade e necessidade dos
alunos, trabalhando assim, um planejamento irreal, irrelevante e em alguns casos, culturalmente
subserviente. A longo prazo, um planejamento distanciado da realidade – mesmo que possa ser
visto como algo supostamente inocente – dentro de um contexto de relações de poder, pode vir a
servir como o reprodutor de um conformismo acrítico entre os alunos. Pennycook (1990, p. 310)
endossa esse raciocínio ao refletir que:
A crítica atual da política educacional não está só embasada no desempoderamento dos
estudantes, mas também no desempoderamento dos professores, que têm, gradativamente,
se posicionado como empregados técnicos de sala de aula para transmitir um corpo de
42
conhecimento estático .

Para se construir um contra-discurso, o professor não pode contentar-se em agir como um


técnico de sala de aula. O ato de transmitir o conhecimento deve ser permanentemente
acompanhado da ressignificação desse conhecimento. A sala de aula deve ser viva e dinâmica, as
informações que nela circulam não podem ser estáticas, mas interpretadas à luz de teorias que
possibilitem o desenvolvimento de um olhar crítico e construtivo.
O desafio educacional que sugere transformações sociais emerge da pedagogia crítica que,
segundo Pennycook (1990, p. 310) é essencial para que os professores se empoderem para dotá-los
de “autoridade emancipatória”. Nesse sentido, o professor deve ser um profissional que reflete
sobre as questões ideológicas que envolvem a sua prática, ou seja, o professor deve conectar a teoria
pedagógica com uma visão mais ampla dos problemas sociais, deve compartilhar ideias, discutir
sobre os exercícios de poder que envolvem a sociedade e, finalmente, contribuir, através da
educação, para uma construção de uma vida melhor para os educandos (PENNYCOOK, 1990, p.
310).
O professor não deve caminhar sozinho nessa difícil empreitada de lidar com questões
políticas, sociais e culturais que envolvem a sociedade e, principalmente, a comunidade da qual a
escola faz parte. O papel da escola, nesse caso, através da pedagogia crítica, é enxergá-la como um
local de debates, em que a diversidade ideológica e social estão em constantes conflitos.
Corroborando com esta reflexão diz Giroux (1997, p.124):
Devo argumentar que, para vencer este desafio, os educadores críticos precisam
desenvolver um discurso que, por um lado, possa ser usado para questionar as escolas
enquanto corporificações ideológicas e materiais de uma complexa teia de relações de

42
(tradução minha) “ The criticism of current educational policy are not only aimed at the current disempowerment of
students but also at the disempowerment of teachers, who have become increasingly positioned as classroom
technicians employed to transmit a fixed body of knowledge” (PENNYCOOK, 1990, p. 310).
57

cultura e poder, e, por outro, enquanto locais socialmente construídos de contestação


ativamente envolvidos na produção de experiências vividas.

As escolas devem ser instrumentos de formação intelectual e, consequentemente, de


construção da consciência crítica. É, pois, da finalidade do espaço escolar ocasionar mudanças
sociais em cidadãos dispostos a romper ou resistir a qualquer postura imperialista e colonizante43.
No caso da sala de aula de língua inglesa esse desafio é ainda maior, pois lidamos, constantemente,
com a língua que representa, simbolicamente, o poder.
Inspirada no trabalho de Paulo Freire, a pedagogia crítica, também é citada por Pennycook
(1998, p.45) como um meio de provocar mudanças sociais através da escolarização. Portanto, mais
uma vez, o conhecimento do sujeito como múltiplo e formador do discurso e das relações de poder
faz com que busquemos práticas que beneficiem e modifiquem sua condição social. Giroux (1997,
p.146) afirma que a educação na visão de Freire,
[...] torna-se tanto ideal quanto referencial de mudança a serviço de uma nova espécie de
sociedade. Enquanto ideal, a educação refere-se a uma forma de política cultural que
transcende os limites teóricos de qualquer doutrina política específica, enquanto ao mesmo
tempo liga teoria a prática social aos aspectos mais profundos de emancipação.

Educar é principalmente emancipar. O aluno não deve ser doutrinado, mas motivado a
analisar e entender o mundo que o cerca sob o ponto de vista da criticidade. É função da educação
ou do processo de ensino-aprendizagem, preparar os educandos para a vida além da escola. Nesse
caso, a educação, segundo Freire (GIROUX,1997), vai além da escolarização, pois o período que o
sujeito passa na escola é momentâneo, a continuidade do que foi trabalhado nela segue adiante do
período vivenciado na instituição. Visando exemplificar a matriz do pensamento freiriano, afirmou
Giroux (1997, p. 147):
A singularidade teórica da obra de Freire pode ser melhor compreendida examinado-se
rapidamente como seu discurso situa-se entre duas tradições radicais. Por um lado, a
44
linguagem da crítica expressa em sua obra incorpora muitas das análises que
caracterizam o que tem sido chamado de nova sociologia da educação. Por outro lado, sua
filosofia da esperança e luta tem raízes na linguagem da possibilidade que está em grande
45
parte calcada na tradição da teologia da libertação . É a partir da mescla destas duas
tradições que Freire produziu um discurso que não apenas dá significado e coerência a seu
trabalho, mas também fornece as bases para uma teoria mais abrangente e crítica da luta
pedagógica.

43
O termo “Colonizante”, segundo Moita Lopes (2008), se refere à língua inglesa que, exercendo os interesses
universalizantes dos que detém o poder e que envolve questões de desigualdade social, influência política, social e
econômicamente.
44
(grifo meu)
45
(grifo meu) foi um movimento de intelectuais cristãos que surgiu na década de 1970, com o objetivo de interferir nas
comunidades, através de ideais de igualdade e contra a opressão das classes menos favorecidas.
58

Crítica e libertação essas que nos parecem ser as palavras chaves da pedagogia freiriana. As
ações que envolvem a linguagem crítica permeiam o universo da formação crítico-reflexiva do
futuro profissional de línguas – o qual é o nosso foco de pesquisa –, e deve conduzi-lo, não só na
escolha da construção dos conteúdos programáticos escolares, mas também fomentar, na sua sala de
aula, um debate crítico com origem na reflexão dos acontecimentos históricos, sociais e políticos
provenientes da sociedade. A linguagem, assim, serve como instrumento de discussões e a reflexão
surge para que o professor repense a sua prática educativa, usando a sala de aula como meio para
debater temas representativos para o universo de seus alunos.

3.3.1 A Pedagogia crítica e o papel do professor orientador de Estágio

O trabalho do orientador de estágio não é tarefa fácil, cabe a esse profissional lidar com
questões de difícil solução e, principalmente, com as desconstruções de falsos conceitos em relação
ao ensino e aprendizagem de línguas que permeiam não só o universo dos seus alunos, mas também
o imaginário dos profissionais ligados à escola pública – professor regente, diretores de escola,
coordenadores –, fazendo do ambiente de estágio um momento de reflexão constante.
O cerne da questão, para o professor orientador, é desenvolver profissionais críticos-
reflexivos, que se preocupem com a sua sala de aula, com a escolha dos conteúdos e que conduza
seu aluno a refletir sobre a sua realidade social, cultural e política, analisando-a criticamente. Para a
formação de professores é necessário que o futuro professor entenda, como destaca Graman (1988
apud SIQUEIRA, 2008, p. 161) “[...] que a sala de aula não deve servir de palco de treinamento de
vozes prescritas, mas se tornar o microcosmo do próprio mundo real. Isto, é, a sala de aula não
deveria se imbuir do objetivo de preparar o aluno para o mundo, mas, ao contrário, ser o mundo
real46”.
Nessa perspectiva de modificar os discursos de sala de aula de língua inglesa, voltado para
uma educação emancipatória e para a formação de professores críticos-reflexivos, penso sobre essas
questões: Qual seria o objetivo da disciplina Estágio Supervisionado? Qual seria o conceito de
professor orientador nesse contexto? Quais são as responsabilidades do professor orientador? E
quais são as estratégias a serem utilizadas nessa tendência?
O estágio deve ser entendido como uma disciplina que oportuniza ao futuro professor o ato
de investigar e refletir sobre sua própria prática. Faz-se necessário que o estagiário entenda a

46
(grifo do autor)
59

importância dessa disciplina na sua vida profissional, compreendendo seus princípios. O estágio
deve ter como meta a formação contínua e como base, a emancipação humana (PIMENTA e LIMA,
2008), prevendo não só a emancipação do futuro professor, como também seu preparo para se
engajar na emancipação de seu aluno.
O professor orientador encontra-se como mediador entre a teoria e a prática, refletindo sobre
as experiências vindas deste período e produzindo novos conhecimentos que auxiliem ao futuro
professor repensar sobre suas escolhas e, consequentemente, incentivando tal postura reflexiva para
a sua sala de aula futura. Sendo assim, Pimenta e Lima (2008, p. 129) propõem que “[...] o estágio,
em seus fundamentos teóricos e práticos, seja esse espaço de diálogo e de lições, de descobrir
caminhos, de superar obstáculos e construir um jeito de caminhar na educação de modo a favorecer
resultados de melhor aprendizagem dos alunos”.
Nesse contexto surgem outras questões a respeito do papel do professor orientador e do
aluno estagiário. Amaral et al (1996, p. 94) esclarecem que,
47
Supervisionar deverá por isso ser um processo de interação consigo e com os outros,
devendo incluir processos de observação, reflexão e acção do e com o professor. Este, por
sua vez, também deverá observar – o supervisor, a si próprio, os alunos –, deverá reflectir
sobre o que observou, questionar o observado; receber feedback do supervisor e dos alunos;
reflectir sobre esses dados, auto-avaliando-se constantemente de modo a corrigir e melhorar
as práticas pedagógicas para poder promover o sucesso educativo dos seus alunos e o seu
próprio sucesso profissional. Torna-se assim agente de mudança: de si próprio, dos outros e
da sociedade.

Sendo assim, o orientador deverá assumir papéis de reflexão sobre todas as suas ações e as
ações de seus estagiários, a fim de haver um trabalho em consonância com o papel exigido no
futuro profissional. Ser um professor orientador reflexivo deve representar, para seus alunos, na
prática, essa atitude reflexiva constante como prova de um trabalho contínuo, incentivando assim,
tal atitude reflexiva nos futuros profissionais. Amaral et al (1996, p. 94) concluem que, “[...] este
período de formação com o início de uma nova fase que se pretende interminável. É então altura de
experimentar e pôr em prática os seus próprios esquemas conceptuais, reflectindo sobre os
resultados obtidos e reformulando constantemente a sua actuação”.
No fundo a prática reflexiva deve ser exercício cotidiano, pois dela resulta o bom andamento
do processo ensino-aprendizagem. Todos os aspectos que são demandados diariamente pelo ato
educativo, ou seja, pela atuação do professor, devem ser, necessariamente, objeto de reflexão
(Amaral et al 1996). O ensino reflexivo, ao permitir a (re)construção de saberes, tende a diminuir a
polarização entre a teoria e a prática, permitindo uma troca dialética entre ambas pelo fato de se

47
(grifo dos autores) Os autores chamam o professor orientados de supervisor e a ação de orientar de supervisionar.
60

assentar “na construção de uma circularidade em que a teoria ilumina a prática e a prática questiona
a teoria” (Amaral et al 1996, p. 99).
Visando estabelecer alguns parâmetros conceituais sobre o ensino reflexivo, Amaral et al (
1996, p. 99) se utilizam de Zeichner quando este recorre ao pensamento de Dewey, visando definir
as três atitudes básicas para a ação reflexiva:

x abertura de espírito ou o desejo de se ouvir mais que uma opinião, atender a outras
alternativas e admitir a possibilidade de erro, mesmo naquilo que se acredita como certo;
x responsabilidade ou a ponderação cuidada das consequências de uma determinada acção.
Esta atitude de responsabilidade implica que o professor reflicta nas consequências
pessoais, sociais e políticas dos efeitos da sua acção sobre a vida dos alunos;
x empenhamento ou a predisposição para enfrentar a actividade com curiosidade, energia,
48
capacidade de renovação e luta contra rotina .

Diante dessas citadas atitudes é possível identificar o quanto é complexo o exercício diário
da ação reflexiva em sala de aula. Abertura de espírito, responsabilidade e empenho, são ações que
exigem um nível de amadurecimento que não se conquista em pouco tempo. Só a experiência nos
permite incorporar essas três ações de maneira mais natural.
Naquilo que se refere ao papel do professor orientador, essas três ações devem alicerçar seu
programa e sua prática de maneira categórica. A abertura de espírito diante das demandas dos
futuros professores é um ato permanente na vida do professor orientador, exigindo dele a distância e
o equilíbrio necessários a uma boa resolução dos problemas. A responsabilidade é o desafio de
tratar de maneira ponderada a linha tênue que separa o ato de ensinar da atitude de doutrinar. É
preciso termos consciência, enquanto professor orientador, dos efeitos que podem provocar, na vida
pessoal de nossos alunos, determinadas afirmativas caracterizadas como verdades.
A reflexão crítica entra nesse contexto quando nos conduz, diante da construção do
planejamento, à análise do meio político, social e étnico em que estão inseridos os alunos. O
processo ensino-aprendizagem está baseado em uma ampla rede de relações complexas que
envolvem diversos segmentos. Os alunos, os professores, a escola e a comunidade devem ser vistos
como “sujeitos” ativos e, portanto, passíveis de serem incorporados na ação reflexiva (Amaral et al
1996).
Nesse contexto que incorpora a escola e a construção de suas relações com a comunidade no
conjunto da ação reflexiva Giroux (1997, p. 158) assim identifica seu papel:
[...] instituições essenciais para manutenção e desenvolvimento de uma democracia crítica,
e também para a defesa dos professores como intelectuais transformadores que combinam a

48
(grifo dos autores)
61

reflexão e a prática acadêmica a serviço da educação e dos estudantes para que sejam
cidadãos reflexivos e ativos.

O ensino reflexivo deve levar em consideração, o estudo do meio, as experiências


profissionais existentes, o estudo teórico aliado à prática, as pessoas e suas necessidades e as
limitações provenientes do ambiente envolvido. Segundo Amaral et al (1996, p. 100), professores
reflexivos “[...] são aqueles que são capazes de criticar e desenvolver as suas teorias sobre a prática
ao reflectirem, sozinhos ou em conjunto, na acção e sobre ela assim como sobre as condições que a
modelam”. Esses fatores que ajudam a conceitualizar o professor reflexivo enquadram-se
perfeitamente nos desafios que se impõem cotidianamente ao professor orientador de estágio.
No período de estágio, quando tudo reflete ainda uma situação de transição entre duas fases
na vida do futuro professor, cabe ao professor orientador incorporar e valorizar ao máximo todas as
possibilidades que venham a colaborar com a construção da formação profissional do futuro
professor.
Entendo que ao professor orientador e ao aluno estagiário cabem a posição das duas pontas
mais importantes no âmbito do processo de estágio. Não sendo uma tabula rasa, o aluno estagiário é
parte importante da ação reflexiva. Entretanto, sua posição me parece ser a mais vulnerável em
termos de acúmulo de informações e experiência. Percebi, ao longo dos anos, ministrando a
disciplina Estágio Supervisionado, a difícil tarefa de romper com falsas crenças do processo de
ensinar e de aprender já estabelecidas nesse aluno49. Essa realidade tende a exigir da parte do
professor orientador um processo constante de reconstrução e ressignificação de objetivos,
conceitos e saberes que envolvem o ato de ensinar. Van Manen (1992 apud AMARAL et al 1996, p.
101) cita algumas estratégias de formação de professores reflexivos, que devem provocar reflexão
tanto no professor orientador como no professor em formação. São estratégias que se transformam
em apoio aos envolvidos e os fazem questionar, sistematicamente, a sua prática. O autor dividiu as
estratégias nos seguintes níveis de ocorrência:

1. Nível técnico: a reflexão visa que os formandos atinjam, a curto prazo, determinados
objetivos – manter a disciplina na aula, com seguir criar um propósito para uma atividade,
conseguir manter a atenção e interesse dos alunos, levá-los a compreender o conteúdo da
aula, etc. A tarefa primordial para os formandos é reflectirem no seu próprio ensino –
reflexão sobre e na acção – e aprenderem de outras fontes de modo a atingir esses
objectivos.
2. Nível prático: a reflexão revela preocupação com os pressupostos, predisposições, valores e
consequências aos quais as acções estão ligadas. Os formandos avaliam seu próprio ensino:

49
Acredito que essas falsas crenças, já encontradas nos alunos, são provenientes de vários anos a que foram submetidos,
nas escolas públicas que frequentaram, a um estudo direcionado a um ensino com foco instrumental, com conteúdos
técnicos e poucos ou nada significativos.
62

teorizam sobre a natureza da disciplina que leccionam, sobre os processos de aprendizagem


a longo prazo, sobre os seus alunos e sobre os objectivos mais vastos da escolarização.
3. Nível crítico ou emancipatório: a reflexão centra-se nos aspectos étnicos, sociais e políticos
de âmbito geral, incluindo as forças institucionais e sociais que podem limitar a liberdade
de acção do indivíduo ou constranger a eficácia das suas práticas. O formando deve, desde
o início da sua formação, começar a compreender o modo como seu trabalho, moldado
pelas estruturas institucionais e sociais, pode servir a interesses diferentes (ou até opostos)
dos alunos que ensina.

De acordo com esses níveis estruturais de reflexão, fica evidente que a associação teoria e
prática é essencial para desenvolver as estratégias de orientação. Além disso, não há hierarquia
entre os níveis de estratégias, eles podem ser organizados conforme a necessidade dos alunos em
formação e assim como associado ao grau de desenvolvimento e capacidade crítica de cada
estagiário. Consequentemente, se faz necessário um professor orientador atento e reflexivo sobre
seu papel a cumprir e com o entendimento que novas estratégias e novas formas de se formar um
profissional crítico-reflexivo devem estar sempre abertas à pesquisa e reformulações.
Finalizo esse capítulo consciente de que lidar com um mundo em constante movimento não
é tarefa simples, e que formar profissionais reflexivos requer um trabalho intenso e profundo ao
professor orientador. Acredito que um dos papeis mais importantes desse profissional está em fazer
o futuro professor entender que todos fazem parte de um mundo com influências culturais
globalizantes, portanto, a ação que cabe a esse profissional é desenvolver conhecimento crítico-
reflexivo em si para que, sucessivamente, seu aluno seja orientado nesta mesma perspectiva
emancipadora.
O capítulo a seguir trata-se da pesquisa de campo realizada com futuros professores da
UNEB/Campus XIV, Conceição do Coité. Parto, assim, para a análise dos documentos e das
práticas observadas em 2014. 1.
63

CAPÍTULO 4 REFLEXÃO E PLANEJAMENTO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE


LI.
Como já visto em capítulos anteriores, quando me refiro à reflexão e planejamento penso, no
meu caso, em um professor de línguas como um profissional capaz de possuir um pensamento
autônomo e sistemático, no sentido de se deparar com situações diversas, incertas e imprevistas, no
seu cotidiano escolar e buscar, de forma inteligente e flexível, ações que viabilizem a melhoria da
sua ação pedagógica (ALARCÃO, 2008).
Para este futuro profissional de línguas é importante perceber que a resposta para seus
questionamentos nem sempre se encontra tão facilmente posta. Às vezes as respostas se organizam
em caminhos diversos, difusos, em que se faz necessário um estudo profundo do problema para
poder reorganizar as opções de soluções. Portanto, o ato de refletir necessita de um bom conjunto de
saberes para poder realmente se concretizar (ALARCÃO, 1996). Neste caso, é importante o futuro
professor entender que o ato de refletir demanda “aprofundar conhecimentos sobre teorias,
conceitos e processos” (MICCOLI, 2011, p. 176). Consequentemente, “[...] os anos de formação ou
aperfeiçoamento se transformarão numa base sólida que permitirá ao professor em formação sentir-
se seguro para entrar em sala de aula” (MICCOLI, 2011, p. 176).
A competência profissional do futuro professor de línguas deve ter como base o ato
reflexivo, pois o processo de reflexão atrelado ao ensino de línguas e ao estudo do contexto social
deve estar presente em todo o processo da graduação. Como assinala Celani (2008, p.25) “é
refletindo sobre seu próprio processo de aprendizagem que ele irá desenvolvendo a compreensão
crítica de seu trabalho futuro como educador-professor de língua(s)”.
Este trabalho, como explicitado, visa à formação do profissional crítico-reflexivo50 no
momento do período do Estágio Supervisionado. Tendo como base perceber como esses futuros
profissionais de ensino de línguas estão conduzindo sua associação teoria e prática no ato das
escolhas que envolvem seus planejamentos para a disciplina Estágio Supervisionado.
Nesse capítulo, portanto, dedicado à pesquisa propriamente dita, descreverei cada etapa da
pesquisa de campo e aqui discutirei a análise dos dados gerados a partir dos
instrumentos/procedimentos utilizados para sua realização, dentre os quais, regulamentos geral e
setorial da UNEB, questionários estruturado, diário de campo, notas de observação, planejamento
do professor orientador e do professor regente, e entrevista semi-estruturada.

50
Como consta no objetivo geral desta pesquisa “[...] concentra-se em analisar o processo de reflexão do futuro
professor de língua inglesa [...] sobre o qual deve ser o papel do profissional de línguas na contemporaneidade”.
64

4.1 ORGANIZANDO A PESQUISA

O campo de pesquisa estabelecido foi a UNEB Campus XIV, em Conceição do Coité. A


escolha desse ambiente se justifica pelo fato de ser meu local de trabalho há mais de cinco anos,
ministrando a disciplina Estágio Supervisionado. Durante esses anos, apareceram algumas
dificuldades e questionamentos quanto à qualidade dos profissionais que formamos, fazendo com
que emergisse a necessidade de pesquisar sobre este ambiente, visando entender possíveis conflitos
e resultados contraditórios.
Elaborei documentos que explicavam o objetivo do meu trabalho e que solicitavam a
permissão de cada pessoa envolvida. Algumas etapas da pesquisa foram realizadas na UNEB
campus XIV, como as entrevistas, a inicial e a final. As observações foram realizadas nas escolas
em que os alunos estagiários realizaram suas respectivas regências. As escolas estão localizadas na
cidade de Conceição do Coité.
Foram observados 3 (três) alunos da disciplina Estágio Supervisionado III. Houve conversas
iniciais sobre a pesquisa que iria se realizar, estabeleci que os nomes dos informantes não fossem
divulgados e, em todos os momentos de observação, solicitei aos professores em formação para ser
apresentada à turma em que eles estavam estagiando. Expliquei claramente o objetivo de visita, para
que os alunos não se sentissem intimidados com minha presença.
Em seguida, dividi a análise da pesquisa de campo em sete etapas: [1] Na primeira analisei
os Regulamentos geral e setorial de estágio, os quais se configuram de forma distinta. O primeiro
trata-se de um documento para alcance de todos os Departamentos e o segundo regulamento, mais
específico, sugere desenvolver a disciplina com base nas necessidades de cada colegiado.
Na segunda etapa [2], lancei mão de um questionário sobre as expectativas dos futuros
professores, com o objetivo de entender como os futuros professores estavam refletindo no pré-
estágio. A terceira [3] etapa foi composta da análise da Ementa da disciplina Estágio
Supervisionado I, II, II. Na quarta [4] utilizei um questionário direcionado ao professor orientador.
Ambos os momentos de análise tiveram, como intuito, conhecer os temas e abordagem
desenvolvidos pelo professor orientador para o período do estágio.
A quinta etapa [5] deteve-se na observação prática das aulas e elaboração de um diário de
campo, com o objetivo principal de investigar o processo crítico-reflexivo dos futuros professores,
analisei, também, neste momento, os planejamentos elaborados por este futuro professor, associado
à sua aula prática. Finalizei as análises com a sexta etapa [6], a qual se constituiu da análise da
65

entrevista semi-estruturada, com o objetivo de dialogar com o futuro professor sobre o período do
estágio e algumas ocorrências envolvidas no processo.
A sétima [7] etapa, sob o título “Revisitando as análises”, tratei, especificamente, da
triangulação de todos os dados encontrados.
Para preservar os nomes dos professores em formação e do professor orientador, foram
escolhidos símbolos fictícios. Para os professores em formação: PF1, PF2 e PF3 e para professor
orientador foi escolhido o símbolo PO.

4.1.1 O Regulamento Geral da Disciplina Estágio Supervisionado

Neste momento, analisarei o documento que rege a disciplina Estágio Supervisionado na


UNEB e o regulamento setorial de língua inglesa na UNEB/ Campus XIV, Conceição de Coité. O
curso de língua inglesa do Campus XIV teve uma nova configuração em 2010 com o
reconhecimento do curso de Licenciatura em Língua Inglesa e Literaturas. Nessa nova modalidade,
o curso objetiva habilitar profissionais que reconheçam as relações linguísticas como produto de
relações históricas, sociais, políticas e culturais, compreendendo o valor dessas influências como
pertencentes a um mundo heterogêneo e globalizado, em que tal produto se torna agente
modificador dos indivíduos.
De acordo com esta configuração, para o futuro profissional de línguas se faz necessário o
desenvolvimento de várias competências, entre elas o conhecimento da língua alvo, além da
habilidade de ensiná-la e utilizá-la em contextos diversos. Outra competência importante é a
chamada competência profissional, que teria como principal meta desenvolver no futuro
profissional de língua inglesa o interesse na pesquisa e pelo conhecimento teórico, com a finalidade
de este desenvolver práticas que venham melhorar o ensino ao longo de sua vida docente.
Portanto, para o Estágio Supervisionado, após a resolução CNE/CP 251, de 19 de fevereiro
de 2002, que amplia a carga horária da disciplina Estágio Supervisionado para 400 horas, se fez
necessário a reorganização do seu planejamento, distribuindo-se essas 400 horas ao longo do curso
de língua inglesa. Essa ampliação de carga horária buscou contemplar não só a prática de sala de
aula, mas também uma parte teórica em que a associação entre teoria e prática seja discutida.

51
Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
˂http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf˃
Resolução CNE/CP 2/2002. Disponível em: ˂http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CP022002.pdf˃
66

Sendo assim, há dois documentos que regem o estágio supervisionado em língua inglesa na
UNEB, o primeiro é o Regulamento Geral (Resolução n. 795/2007- CONSEPE52) e o segundo é o
Regulamento Setorial de Língua Inglesa/ Campus XIV, que foi elaborado pelos professores da área
de Estágio em 2010. Este último trata-se de um regulamento mais específico para a área, que tenta
diminuir as dificuldades e regulamentar algumas pendências existentes no Regulamento Geral
elaborado pelo CONSEPE.
Há também, o Regulamento Geral da UNEB53 que contém praticamente o que há no
Regulamento Geral de Estágio – na parte destinada à supervisão – com maior detalhamento de
alguns pontos, mas, em âmbito geral, contém informações similares. Portanto, não percebi a
necessidade de abordá-lo aqui nessa análise de forma mais contundente.
Nesse primeiro momento analiso o Regulamento Geral de Estágio e o seu papel como
referência de condução do processo de formação profissional presente na disciplina Estágio
Supervisionado. Esse regulamento foi elaborado para regimentar os estágios docentes da UNEB de
diferentes graduações. Como se pode perceber, trata-se de um documento de bases universalizantes
no interior da Instituição. Com esta acepção em mente, nesta parte da dissertação, selecionei alguns
artigos mais importantes e vou analisá-los à luz da realidade do estágio em língua inglesa em
Conceição do Coité, Campus XIV. Começo, então, com a definição de estágio supervisionado
proposta pelo documento:
Art. 1º - Considera-se estágio curricular as atividades de aprendizagem social, profissional
e cultural, proporcionadas ao educando pela vivência em situações reais de vida e de
trabalho, no ensino, na pesquisa e na extensão, na modalidade regular e Projetos Especiais
perpassando todas as etapas do processo formativo e realizadas na comunidade em geral, ou
junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, ONGs, Movimentos Sociais e outras
formas de Organizações, sobre a responsabilidade da Coordenação Central e Setorial (2007,
p. 3)

Como se trata de uma licenciatura, nossos alunos, consequentemente, irão realizar seus
estágios e projetos em escolas básicas públicas da região. Os projetos, mais especificamente, podem
ser realizados em ONGs ou em movimentos sociais, como consta na citação acima, significando
que é possível e salutar envolver vários setores no engajamento de um processo educacional mais
amplo.

52
Resolução nº 795/2007 – Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão – CONSEPE e Pró- Reitoria de Ensino
de Graduação – PROGRAD. Estágio Curricular - Regulamento Geral.
53
Capítulo V– Das atividades Acadêmicas Articuladas à Formação: Prática profissional e/ou Estágio. Págs. 76 à 81.
Disponível em: ˂http://www.uneb.br/files/2009/10/REGIMENTO-GERAL-DA-UNEB-2012.pdf˃
67

O estágio, segundo o documento, deve promover a vivência na prática e relacionar teoria e


prática sob a coordenação do professor orientador. Como exemplo do que estou falando, seguem
alguns artigos que repercutem de maneira direta as questões aqui levantadas:
Art. 2º - O estágio curricular visa oferecer ao estudante a oportunidade de:
I- Vivenciar situações reais de seu campo de trabalho, de modo a ampliar o
conhecimento e a formação teórico- prática construídas durante o curso;
II- Analisar criticamente as condições observadas nos espaços profissionais com base em
conhecimentos adquiridos e propor soluções para problemas levantados, por meio de
projetos de intervenção social;
III- Desenvolver a capacidade de elaborar, executar e avaliar projetos na área específica
de seu estágio.
Art. 4º - Os cursos desenvolverão programas que possibilitem a inserção dos discentes
de estágio curricular, promovendo a interação entre: ensino, pesquisa e extensão.
Art.5º - Os estágios obedecerão aos regulamentos próprios, elaborados pelas
coordenações setoriais, em conjunto com o colegiado de cada curso e aprovado pelo
Conselho de Departamento, observado o que dispõe a legislação pertinente (2007, p.3).

Nesses artigos, grifei o que considerei mais pertinentes para a pesquisa. No artigo segundo,
percebemos a necessidade de o aluno viver a prática, analisar, criar meios para diminuir as
dificuldades, criticar e executar ações. Para alcançar êxito nessa empreitada, a disciplina Estágio
Supervisionado é dividida em quatro etapas, as quais serão detalhadas no tópico seguinte deste
capítulo. Mas podemos adiantar que o trabalho é realizado diante da análise reflexiva do meio 54 e
criação de projetos ou planejamentos que diminuam os problemas relacionados ao ensino e
aprendizagem de LI.
Já o artigo quarto se refere aos projetos de intervenção elaborados pelos futuros professores
sob a supervisão do professor orientador. Esses projetos são realizados a partir da disciplina Estágio
II, e se configuram em um exercício estratégico de pesquisa e elaboração em torno de um
determinado conteúdo cujo objetivo maior é possibilitar uma primeira inserção, por parte do aluno,
em termos de construção de um discurso pedagógico que o favoreça vivenciar uma primeira
experiência de sua futura vida profissional.
No caso do artigo quinto, ao determinar a criação de regulamentos próprios, o Regulamento
Geral pressupõe as especificidades que diz respeito a área de estágio e, ao mesmo tempo, dialoga
diretamente com a natureza multicampi da instituição.
No capítulo II que versa sobre a coordenação do estágio curricular, o Regulamento Geral
contempla, de maneira específica, o referido tema, nos artigos 7º55 e 9º. O artigo 7º prevê a

54
Este meio que estou me referindo trata-se do Campus XIV/ Conceição do Coité.
55
Art. 7º - A Coordenação Central de Estágios da UNEB está vinculada à Pró-Reitoria de Ensino de Graduação –
PROGRAD e tem as seguintes atribuições: I - assessorar os coordenadores de estágio dos Departamentos; II -
acompanhar e avaliar as atividades desenvolvidas pelos coordenadores; III - promover reuniões para análise e discussão
68

existência de uma Coordenação Central de Estágios com abrangência para toda a instituição, cuja
função, de maneira geral, é coordenar as questões relativas ao funcionamento do estágio nos
diversos Departamentos56 da UNEB.
Já o artigo 9º determina a existência de coordenações setoriais por curso, cujas funções
foram assim contempladas no texto:
Art.9º - As coordenações setoriais de estágios da UNEB, serão organizadas, por curso,
tendo as seguintes atribuições:
I- elaborar anualmente o plano de atividades da coordenação de estágios;
II- elaborar o projeto e o regulamento de estágio do curso;
III- planejar, acompanhar e avaliar o processo dos estágio;
IV- cadastrar as instituições locais, regionais e estaduais que possam oferecer estágio;
V- propor convênios de estágio;
VI- encaminhar os estagiários aos locais de estágio.

As coordenações setoriais no Campus XIV ainda estão em fase de organização para tentar
cumprir o regulamento, na verdade, muitas destas atribuições são realizadas individualmente pelos
professores orientadores.
Já no capítulo III, o documento refere-se aos sujeitos envolvidos no estágio no âmbito dos
Departamentos. Aqui, ele trata dos profissionais cujas funções são estabelecer, na prática, o que está
previsto no artigo 9º. Reproduzo o artigo 12º que não só estabelece os profissionais envolvidos –
Coordenador de estágio, professor orientador e o regente de classe – como suas respectivas funções:
Art. 12 – Os profissionais envolvidos com o processo do estágio curricular terão as
seguintes denominações e competências, a saber:

I – Coordenador de estágio e/ou professor de estágio será(ao) docente(s) da UNEB e lhe(s)


competem:
a) o planejar semestralmente as atividades, devidamente aprovados pelo colegiado do
curso;
b) acompanhar o desenvolvimento do estágio;
c) realizar reuniões com demais docentes da disciplina/componente curricular de estágio;
d) responsabilizar-se pela articulação dos docentes e pelo processo de fechamento da
disciplina /componente curricular;
e) exercer atividades de coordenação, acompanhamento e avaliação do aluno nos diversos
campos do estágio.

II- Professor orientador e/ou supervisor de estágio será(ao) docente(s) da UNEB e lhe(s)
competem:

de temas relacionados a estágios; IV - reunir informações relativas a estágio e divulgá-las entre os campi;V - promover
o Encontro Anual de Estágio Supervisionado.
56
Cada Campus da UNEB pode ter um ou vários Departamentos, de acordo com as graduações oferecidas. Para
exemplificar temos: Na UNEB de Serrinha o “Departamento de Educação (DEDC)”; em Barreiras o “Departamento de
ciências Humanas (DCH)”; em Conceição de Coité temos o “Departamento de Educação (DEDC)”; e em Alagoinha
temos dois Departamentos, o “Departamento de Educação (DEDC)” e o “Departamento de ciências exatas e da terra
(DCET)”.
69

a) orientar os alunos durante o estágio, nos aspectos específicos de sua área de atuação;
b) realizar supervisão com visitas in loco;
c) promover a articulação entre a UNEB e a instituição ou empresa concedente do
estágio;
d) exercer atividades de acompanhamento e avaliação do aluno, nos diversos campos do
estágio;
e) fornecer dados à coordenação setorial, para tomada de decisão relacionada com o
estágio.
III – Orientador de Estágio/supervisor de campo/regente de classe/preceptor do estágio,
profissional da instituição cedente de estágio que orienta o aluno na sua área de atuação.

Esse artigo 12º merece uma análise mais apurada, pois abarca questões muito caras ao
grupo envolvido com o cotidiano do estágio em meu Departamento.
O Regulamento Geral determina o funcionamento do estágio – em termos de
Departamentos57 – a partir da organização de uma coordenação setorial58, o que está previsto em
seu artigo 9º, o qual já tratamos, cuja liderança é exercida pela figura do coordenador de estágio59,
que deve ser alguém que coordene o estágio em todos os Departamentos da UNEB. Não obstante
reconhecer a importância da Coordenação Setorial, em termos organizacionais, e, portanto,
reproduzir na prática todas as suas determinações, optamos60 por uma dinâmica própria, em termos
de funcionamento, que contemple o diálogo entre as três licenciaturas presentes no Departamento
de Educação do Campus XVI/Conceição do Coité.
De maneira extraoficial, trabalhamos articulando as demandas das três licenciaturas,
respeitando as especificidades setoriais de cada uma, cuja materialização se dá através de uma
espécie de coordenadoria geral de estágio no âmbito do Departamento. Tal ação se justifica a partir
não só da existência de demandas afins aos três cursos, mas também pela própria realidade
estrutural do Departamento que, ao se constituir apenas de três licenciaturas, reproduz, na prática, a
limitação – principalmente, referente ao número de professores – inerente a essa realidade.
O último dos sujeitos contemplados pelo Regulamento Geral é a figura do professor regente.
Segundo o documento, cabe a ele, a função de orientar o aluno estagiário na sua área de atuação.
Identifico nesse sujeito uma peça importante da relação entre a Universidade, o estágio e as
instituições de ensino parceiras. Entretanto, trata-se de um sujeito que tem a sua participação no

57
Departamento no sentido de como o estágio acontece em cada campus e em cada Departamento, pois observamos que
o Campus pode ter de um a mais Departamentos.
58
Cada colegiado tem, especificamente, uma coordenação setorial dividida por área de estudos. Por exemplo: a área de
estudos Linguísticos deve ter um coordenador de Estudos Linguísticos. A licenciatura em História deve ter um
coordenador setorial por área de estudos. Por exemplo: a área de estudos da Europa tem um coordenador setorial.
59
O coordenador de estágio geral tem representatividade no Campus I, e este profissional coordena todos os
Departamentos da UNEB.
60
Optamos, pois foram todos os professores de estágio da UNEB, Campus XVI/Conceição do Coité.
70

processo com algumas limitações61 e acaba por se transformar na ponta mais frágil do processo.
Vieira-Abrahão (2007, p.160) identifica esse sujeito como “professor-formador” e levanta questões
pertinentes no tocante à escolha que o professor orientador deve fazer sobre qual regente deverá
nortear o futuro professor, ou na importância motivacional, que coloca este profissional nesta difícil
tarefa de orientar um futuro professor com acréscimos de horas a seu trabalho sem retorno
financeiro algum. Para ela, o pressuposto de que esse professor regente tem que ser de reconhecida
competência é dificultada pela própria dinâmica que envolve a avaliação e escolha desse
profissional. Vejamos seu raciocínio:
Se pensamos que o professor competente e reconhecido é o profissional experiente, com
vários anos de exercício na profissão, deixamos de lado pessoas mais jovens, bem
formadas, que também desenvolvem um trabalho eficiente. Anos de serviço e experiência
não podem ser usados como critério, então. Um professor competente é aquele que
consegue motivar seus alunos, gerenciar a interação de forma bem sucedida e criar boas
oportunidades de aprendizagem, seja de uma perspectiva gramatical, seja de uma
perspectiva comunicativa (VIEIRA- ABRAHÃO, 2007, p. 160).

Outra questão levantada pela citada autora é a que se refere a uma contrapartida em termos
de aferir alguma vantagem por parte desse parceiro. Mais uma vez, a análise de Vieira-Abrahão é
de uma objetividade bastante esclarecedora. Escreve ela:

O que ganha esse profissional com o acréscimo de tarefas a ele impostas? Sua carga horária
de aulas continua exatamente a mesma, e a ela serão acrescidos tempo de conversa e
orientação do estagiário. Será fácil encontrar tanta gente engajada, que se disponha a
trabalhar sem receber nada em troca? (VIEIRA-ABRAHÃO, 2007, p. 160-161)

Trata-se, sem dúvida, de uma questão bastante pertinente e com reflexo direto na condução
do estágio supervisionado. Partindo de minha realidade, identifico claramente as dificuldades, na
prática, dessas questões levantadas por Vieira-Abrahão (2007). Vivencio as consequências, não só
da questão da inexistência do acréscimo financeiro para o professor regente, mas também do
próprio preparo teórico – ou ausência dele – para que esse profissional possa desempenhar um
trabalho a contento.
Entendo ser assunto complexo e que foge às nossas possibilidades. Qualquer tentativa de
resolução desse problema passa pelo envolvimento dos poderes governamentais, em especial com
direta participação das universidades. Quanto a nós, professores de estágio, temos que continuar
construindo relações com as instituições parceiras e seus respectivos profissionais, cientes das

61
Essas limitações são explicadas posteriormente neste mesmo capítulo, mas são referentes a falta de preparo de alguns
destes profissionais ao lidar com o estágio.
71

limitações impetradas por obstáculos que envolvem tal relação. Quanto ao professor regente, sua
vivência em sala de aula é peça importante da engrenagem ainda que essa função pressuponha
muito mais um engajamento altruísta em que nem todos os docentes estejam interessados em
cumpri-lo.
Outro assunto de importância central na dinâmica de um estágio supervisionado, no caso a
formação profissional de quem irá conduzi-lo, é contemplado no Regulamento através do artigo
13º. Reproduzo-o a seguir, juntamente com seus incisos:
Art. 13- Os profissionais envolvidos com o processo do estágio curricular – coordenador,
professor, orientador, supervisor/regente/preceptor–, terão formação acadêmico-
profissional na área de conhecimento do curso, salvo em situações específicas de cada área,
a serem discutidas e aprovadas em colegiado.
§ 1º - Nos cursos de licenciatura, o professor supervisor será licenciado na área. Quando
não houver disponibilidade de professor com essa formação, ficarão responsáveis
conjuntamente pelos estágios os professores da área específica e professores graduados em
Pedagogia, com experiência em ensino superior.
§ 2º - Na inexistência de professor com a formação exigida no caput desse artigo, caberá
ao Conselho de Departamento, ouvida a comissão setorial, indicar o profissional, levando-
se em conta:

a) A formação acadêmica;
b) A experiência profissional;
c) A legislação em vigor.

Considerando que essa dissertação tem como foco a formação do futuro profissional de
língua inglesa, identifico nesse artigo, principalmente no texto de seus dois incisos, uma questão
bastante preocupante. A princípio, o artigo assegura que os profissionais envolvidos no processo de
estágio devem ter formação acadêmico-profissional na área de conhecimento. Reconheço que é a
decisão mais acertada, o problema reside justamente nas exceções.
O inciso primeiro afirma que na impossibilidade de haver professores com formação na
área, professores graduados em pedagogia possam assumir a disciplina estágio, o que, para mim,
torna-se uma preocupação. Independentemente de qual área seja, acredito que um profissional para
trabalhar com as demandas da disciplina Estágio deve ser alguém com experiência e competência
adquiridas exclusivamente através de formação específica, uma vez que esse profissional lida com
conteúdos característicos da disciplina, que um pedagogo não saberá conduzir.
No que se refere à língua inglesa, entendo que o profissional deva ter domínio sólido dos
conteúdos que envolvem a disciplina, e que tenha, preferencialmente, experiência em pesquisa em
sala de aula. Além disso, logicamente, competência na língua alvo que será o principal foco do
planejamento do futuro professor. Que seja, também, um profissional consciente das questões
relacionadas às demandas da disciplina no mundo atual e globalizado e que ajude seu aluno a
72

entender mais sobre seu ambiente de trabalho e as necessidades da comunidade onde ele irá
trabalhar.
Mais do que isso, ao sugerir que um profissional da área possa ser substituído por alguém
com formação em pedagogia, o Regulamento, a meu ver, demonstra uma total desconexão com a
realidade, negligenciando a importância estratégica em termos de ensino-aprendizagem por parte da
disciplina Estágio. Nesse pormenor, Gimenez (2005, p. 196) argumenta a falta de conhecimento dos
colegas de outra área sobre o tipo de preparo acadêmico que deve ter um profissional que lida com
formação de professores:

[...] é comum pensar que formadores de professores são apenas os envolvidos com prática
de ensino, geralmente restritos a departamentos de Educação. Parece até haver desprestígio
para quem se envolve com essa atividade do curso, como se fosse algo menor. [...]
Entretanto, nos tempos atuais, torna-se difusa a separação entre pesquisador e formador,
uma vez adotados referenciais metodológicos que buscam solucionar problemas de
ensino/aprendizagem ou da formação de professores com participação dos próprios
implicados nos processos estudados.

Neste sentido, argumento que, um profissional somente com formação pedagógica não irá
dispor do conhecimento linguístico para ajudar no planejamento do futuro profissional de LE.
Considero a disciplina Estágio Supervisionado um dos momentos mais importantes da junção teoria
e prática na vida de um discente de Letras. Nesse caso, vou mais longe, e defendo para o caso
específico do professor da disciplina Estágio Supervisionado em Língua Inglesa, a preferência por
profissionais com formação em Linguística Aplicada. A LA tem a capacidade de operar na fronteira
do conhecimento, dialogando entre as diversas áreas e fazendo com que o futuro professor procure
respostas para questões de naturezas variadas em sua sala de aula. Ensinar não depende
exclusivamente do conhecimento linguístico, mas também das diversas influências sociais,
econômicas, históricas e culturais que permeiam o universo do aluno.
Ainda que não esteja pregando a obrigatoriedade de uma formação em LA do professor
orientador, minha defesa por profissionais com formação em Linguística Aplicada se ampara na
capacidade que esta área do conhecimento tem de articular conhecimento específico com estratégias
de ensino e com o debate teórico que contempla a sala de aula como instrumento de transformação
da realidade. A Linguística Aplicada favorece àqueles que a ela recorrem, no sentido de
desenvolver capacidades de trabalhar com os alunos as metodologias de pesquisa relacionadas à
área, pois nada é mais importante que formarmos profissionais que estejam acostumados a
pesquisar seu próprio espaço de trabalho e a tentar solucionar os problemas surgidos.
73

O Inciso II, ao entregar ao Conselho do Departamento a função de escolher o profissional


que irá substituir o professor sem formação específica da área, me parece uma atitude cômoda por
parte do Regulamento, pois além de legitimar a existência do problema, acaba por jogar toda a
responsabilidade para o Departamento, sem aprofundar a questão, e consequentemente, apresentar
soluções. A alternativa das mais óbvias me parece ser a abertura de concursos e principalmente de
novos cursos baseados em princípios responsáveis que levem em conta a capacidade da
universidade em oferecer um serviço de qualidade à comunidade em que estará inserida. Pode
parecer utópico, mas não há caminho mais coerente a se cogitar.
Reafirmo que a disciplina Estágio Supervisionado é de essencial importância para o futuro
profissional de línguas e esta deve ser encarada com responsabilidade e respeito. Os profissionais a
ensiná-la devem ter as competências para tal empreendimento, principalmente se tivermos como
meta uma formação profissional docente que proponha melhorias e transformações para o ensino
público nacional, sabidamente tão carente de mudanças.
Outro artigo que identificamos como central para um diálogo com a prática de sala de aula é
o artigo 15, que se refere a como o professor orientador de estágio deve avaliar seus alunos. Vamos
a ele:
Art. 15- Para o estágio curricular serão considerados os critérios de acompanhamento e de
avaliação do processo de ensino-aprendizagem, a saber:

I - Articulação entre teoria e prática, nas produções e vivências do aluno, durante o estágio;
II- Frequencia integral na realização da atividade-campo do estágio;
III- Trabalhos realizados durante o período do estágio e socialização dos mesmos, de
acordo com o projeto pedagógico e normatização do estágio de cada curso;
IV- Participação do aluno nos encontros de orientação de estágio, atendendo ao critério
mínimo de assiduidade na disciplina/componente curricular, conforme legislação vigente;
V- Auto-avaliação do aluno;
VI - Outros critérios definidos pela coordenação setorial ou coordenação geral dos projetos
especiais.

Deles, destaco os tópicos III e V. No tocante ao tópico III, a socialização dos trabalhos é
momento de extrema importância em termos de trocas de experiências. Mais do que debater
posturas profissionais, discutimos sobre o currículo escolar, a função social da escola e seu papel na
comunidade; analisamos o diálogo com a professora regente; tendo em mente com o objetivo de
avaliar o nível de criticidade do aluno estagiário e estabelecer uma sala de aula reflexiva, através de
discussões de teorias que auxiliem no desenvolvimento da prática. Celani (2008) destaca que o
papel de discutir temas que agucem o processo reflexivo do futuro professor deve ser incentivado
desde o início da graduação e que este debate não deve ser realizado apenas ao final do curso com
as disciplinas de prática de ensino. Entendo que dentro dessa categoria de “prática de ensino”
74

encontra-se o Estágio Supervisionado. Seguem as palavras de Celani (2008, p. 25) sobre o assunto,
a qual corroboro:
O processo reflexivo relacionado à questões da linguagem, seu papel e sua construção
sociais deve acompanhar a formação dos graduandos desde o início. É refletindo sobre seu
próprio processo de aprendizagem que ele irá desenvolvendo a compreensão crítica de seu
trabalho futuro como educador-professor de língua(s). Essa tarefa não pode ser deixada
para o final do curso, talvez apenas como um dos itens da Prática de Ensino. É na LA que
os responsáveis por esse componente da formação do graduando de Línguas vão encontrar
subsídios. É a LA que se ocupa primordialmente dessas questões.

Outro aspecto relevante desse momento é a possibilidade de identificarmos obstáculos e


desenvolvermos diagnósticos que levem a resoluções de problemas. Na verdade, trata-se do
elemento mais importante na construção crítico-reflexiva do futuro profissional de línguas. A
culminância é uma conversa ampliada e diversificada em termos de temas, em que todos falam e
ouvem, estabelecendo-se um diálogo multilateral com resultados positivos para todos os
envolvidos.
Quanto ao tópico V, que também destaco aqui, vê-se que este se refere à auto-avaliação,
elemento avaliativo utilizado por muitos professores, ainda que, não raramente, este acabe por gerar
conflitos de opiniões entre os educadores. Para alguns, se trata de uma avaliação com base em um
alto grau de abstração, o que pode gerar algum tipo de “falsificação” do resultado. Sem dúvida que
a auto-avaliação tem elementos de abstração, mas isso é da própria lógica que caracteriza esse tipo
de avaliação. Mas não pode ser esta questão justificativa suficiente para eliminarmos tal processo
avaliativo. A auto-avaliação exercita a autonomia uma vez que “[...] é parte importante do processo
de aprendizagem, pois é ela que faz que o aprendiz seja o agente de sua própria aprendizagem e não
um objeto que se plasma [...]” (PAIVA, 2005, p. 140).
Por último, identificamos no artigo 16, um elemento essencial para a efetiva prática da
disciplina Estágio Supervisionado. O citado artigo refere-se à responsabilidade da UNEB de suprir
as necessidades e os recursos para que o estágio seja gerido:
Art. 16 – Caberá à UNEB disponibilizar os recursos necessários aos Departamentos, para
garantirem a realização do estágio curricular dos cursos regulares.
§ 1º - A UNEB se responsabilizará pela efetivação anual do seguro de vida para os docentes
de estágios dos cursos regulares cujo campo de trabalho implique em situação de risco.
§ 2º - Quando o estágio ocorrer fora da unidade sede, além dos recursos previstos no caput
deste artigo, a UNEB se responsabilizará pelo seguro de vida, despesas de deslocamento e
hospedagem para os docentes (quando necessário).

O caput do artigo é bastante direto ao afirmar sobre os recursos necessários a serem


disponibilizados para a melhor realização do estágio curricular. No fundo, se trata de uma condição
básica e essencial, ainda que não necessariamente, seu desdobramento, na prática, aconteça sem
75

pequenos obstáculos. Entendo que a realização do estágio curricular corresponde a um dos


momentos mais ricos, e ao mesmo tempo complexos, da vida acadêmica de um discente.
Aquilo que estou identificando como complexo se refere às demandas que envolvem a
construção da disciplina na prática. A título de exemplo do que estou me referindo, temos, nós
professores de estágio do Campus XIV, questões como organização de regimentos próprios,
articulação com as instituições de ensino e suas respectivas comunidades e permanente situação de
risco quando da necessidade de deslocamentos e gerenciamento dos alunos em ambientes externos
ao departamento. Tudo isso é razão suficiente para transformar o Estágio Supervisionado em uma
disciplina com características que a diferenciam das demais que compõem o currículo acadêmico
das licenciaturas.
O artigo 16, de maneira geral, contempla a importância de se oferecer infraestrutura
necessária para que, na prática, se possa ser efetivado o estágio curricular. Para o caso específico do
alcance desse artigo no âmbito do departamento em que atuo, destaco seu inciso segundo que trata
do deslocamento dos professores orientadores. “§ 2º - Quando o estágio ocorrer fora da unidade
sede, além dos recursos previstos no caput deste artigo, a UNEB se responsabilizará pelo seguro de
vida, despesas de deslocamento e hospedagem para os docentes (quando necessário)”.
Tem havido certo distanciamento entre o que se propõe no texto do regulamento e o que se
efetiva na vida real. Mesmo partindo do pressuposto de que se trata de uma questão de cunho
administrativo/financeiro, aquilo que está registrado no inciso segundo do referido artigo, não
necessariamente, tem se materializado na prática de maneira uniforme e planejada. Questões de
natureza burocrática acabam por interferir na aplicação do que se propõe o regulamento e,
consequentemente, interferem diretamente na qualidade do trabalho a ser desenvolvido pela
disciplina Estágio Supervisionado.
Um exemplo específico sobre o que estou debatendo se constituiu em objeto de discussão no
interior da área formada por todas as licenciaturas do Departamento. Me refiro aqui, ao fato dos
alunos, não moradores da cidade de Conceição do Coité, terem a oportunidade de estagiar na sua
própria comunidade. Esse estágio, realizado em cidades distintas, tem acarretado uma série de
consequências negativas para o bom exercício do trabalho dos professores orientadores.
O fato de terem de realizar a observação de seus alunos fora das fronteiras da cidade sede
exigia uma adaptação a questões básicas tais como, conhecer a comunidade, a escola e os regentes
de cada região distinta. Além disso, havia, também, questões de natureza estruturais como o
deslocamento rodoviário – que nem sempre se viabilizava a contento – que ocorria em estradas
76

perigosas, principalmente nas visitas noturnas, o que colocava em risco a própria segurança do
professor. Depois de uma série de discussões e justificativas ficou decidido, em regulamento
setorial específico, que a partir de 2014.1 o estágio fosse realizado apenas na cidade de Conceição
do Coité.
Quero esclarecer neste capítulo que, apesar do Regulamento Geral de Estágio da UNEB
prever seguro e deslocamento para os professores orientadores, o seguro nunca veio a ser efetivado
na prática e o deslocamento, nem sempre acontece, pois temos apenas um carro que serve a todo o
Departamento de Educação do Campus XIV, composto de quatro graduações e cada uma com sua
demanda específica. Diante disso, nosso posicionamento não poderia ser outro senão a realização
do estágio, exclusivamente, na cidade de Conceição do Coité, cidade sede do Campus XIV.

4.1.2 Regulamento Setorial de Estágio de Língua Inglesa

De acordo com o Art. 5º do Regulamento Geral de Estágio da UNEB (Resolução CONSEPE


nº 795/07), cabe às coordenações setoriais62 elaborarem seus respectivos regulamentos. No caso
específico do curso de Língua Inglesa, tal documento norteia os professores orientadores quanto à
quantidade de horas destinadas à prática, teoria, orientações, planejamentos e socializações de
trabalhos. Nesse regulamento também se encontram todas as documentações63 e orientações
previstas para encaminhamento dos alunos, assim como as especificidades de cada etapa do estágio.
É importante salientar que esse regulamento setorial sofre mudanças sempre que necessário, de
acordo com a demanda do curso.
Segundo o Regulamento setorial, a estrutura do Estágio Curricular se organiza da seguinte
forma: dividida em 400 horas, a disciplina apresenta quatro seções em que o aluno já se envolve
com a prática escolar a partir do quinto período do curso. Portanto, são três modalidades e quatro
componentes, conforme o descrito abaixo:
1) Modalidade de Estágio de Observação - Estágio I
2) Modalidade de Estágio de Intervenção - Estágio II
3) Modalidade de Estágio de Regência - a) Estágio III (no Ensino Fundamental)
b) Estágio IV (no Ensino Médio)

62
Coordenação setorial se refere a cada graduação do Campus e a cada área de estudo específica. Como exemplo, o
curso de Letras Inglês de Conceição do Coité tem uma coordenação setorial de Estágio Supervisionado.
63
Os futuros professores (PF) devem levar um documento produzido pela UNEB, com a finalidade de comprovar que o
PF está estagiando em determinada escola.
77

Sendo assim, cada componente tem a sua especificidade, a qual ocorre da seguinte forma,
segundo o Regulamento Setorial:
Na primeira etapa do estágio, ou seja, no Estágio I, o aluno deverá preparar uma pesquisa/
diagnóstico nas escolas da sua comunidade com o objetivo de ter uma visão geral do funcionamento
da escola e da sala de aula e, também, diagnosticar possíveis problemas no ambiente escolar. O
aluno observará professores regentes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. O professor de
estágio deverá orientá-lo quanto ao objetivo da observação e o que de fato deve ser relevante para o
aluno. Isso deverá ficar a critério de cada orientador. No final deste período, o educando deverá
fazer um relatório com base em suas observações e pesquisas bibliográficas. Posteriormente, ele
deve esboçar o anteprojeto de intervenção que será aplicado em forma de oficina no Estágio II. O
Estágio I tem 100 horas e o professor deverá dividi-las entre, observação em loco, discussões
teóricas, orientações para o anteprojeto e socialização de relatório de observação. As pontuações
das avaliações ficam a critério do professor, porém ele deve estar atento a:
1. Frequência integral no estágio;
2. Participação nas discussões teóricas (através de aulas discursivas e/ou apresentações como
“posters”, mini-aulas, e etc.)
3. Socialização e apresentação do relatório;
4. Frequência nas orientações do anteprojeto;
5. Apresentação do anteprojeto.
O estágio II é o momento de estruturação, execução e relato do projeto de intervenção,
esboçado no Estágio I. Esta proposta de intervenção poderá acontecer na forma de regência, mini-
cursos, oficinas e projetos de extensão, em escolas da Educação Básica e em outros espaços e
instituições de educação não-formal, tais como, Escolas Comunitárias, ONGs, Projetos Especiais,
como consta no Regulamento Geral. A carga horária de 100 horas é dividida em estruturação do
projeto de intervenção iniciado no estágio I, a aplicação do projeto, aulas teóricas, elaboração do
relatório da oficina e socialização do resultado do projeto implementado. Novamente, a avaliação
fica a critério do professor, mas ele deve estar atento a:
1. Frequência nas orientações do plano de ação;
2. Frequência integral no estágio (oficina ou mini-curso ou extensão);
3. Participação nas discussões teóricas;
4. Socialização (feedback) e apresentação do relatório.
78

Os estágios III e IV são os momentos da Regência de classe na disciplina Língua Inglesa


correspondente à habilitação no Ensino Fundamental II, do sexto ao nono ano e habilitação no
Ensino Médio, do primeiro ao terceiro ano, respectivamente. Esses estágios têm uma configuração
mais complexa, uma vez que o professor orientador64 deve ter um planejamento bem organizado,
pois dependemos do calendário da escola básica para prosseguirmos, além de termos que prever
possíveis alterações e adaptações neste mesmo planejamento, pois este é o período em que nos
encontramos com momentos inesperados da prática.
O professor em formação (doravante PF) deve seguir as instruções do professor orientador e
seu planejamento deve ser feito sob esta supervisão. O PF tem horas destinadas a planejar e o
direito de orientação sempre que houver algum tipo de “desvio” no seu planejamento, como, por
exemplo, suspensão das aulas determinada pela escola parceira.
O professor regente65, neste período de estágio regência, deve fornecer os conteúdos e
nortear os futuros professores quanto ao direcionamento das aulas66. O professor orientador deve
conduzir seus estagiários a respeitarem os direcionamentos do professor regente. Contudo, os
planejamentos diários dessas aulas ficam sob a orientação do professor de Estágio. O momento de
debate de sala de aula, realizado com o professor orientador e o futuro professor, é articulado
teoricamente, onde as questões são levantadas, os entraves debatidos e as possíveis soluções são
argumentadas.
Nesta fase, o professor orientador de estágio deve estar atento a como dividir sua carga
horária, prevendo as ações que o PF deverá cumprir ao longo das 100 horas da disciplina Estágio
Supervisionado. Segue as ações previstas para o estagiário durante este período do estágio III ou IV:
1. Contato com a escola, campo de estágio: interação com a administração da escola, com a
proposta pedagógica, com a coordenação com o(s) professor (es) e o seu planejamento para
elaboração do plano de ação na área da disciplina objeto de estágio;
2. Supervisão do professor orientador de Estágio para elaboração do plano de ação;
3. Cooparticipação em sala(s) de aula(s) com o propósito de conhecer a realidade da
turma/classe;

64
Muitas vezes o planejamento é refeito devido a greve, tanto nas escolas públicas da região, quanto na UNEB. O
calendário muda de acordo com o planejamento da escola e o da universidade. É previsto pelo Regulamento Setorial,
que o futuro professor deve comparecer a pelo menos uma unidade do ano letivo da escola básica, contudo, muitas
vezes, devido a greve, a coordenação faz uma estimativa de quantas horas são necessárias e os alunos frequentam o
estágio regência até acabar aquele horário organizado fora do calendário escolar.
65
O professor da escola básica.
66
Ao longo do Regulamento Geral discuti mais profundamente, sobre o papel do professor regente.
79

4. Regência em uma classe, para cumprimento de carga horária referente a uma unidade de
ensino (carga horária mínima);
5. Obrigatoriedade de o estágio ocorrer apenas em uma só escola;
5.1 O acompanhamento do estagiário durante a docência deve ser feito pelo professor regente;
5.2 As atividades de regência não poderão sofrer interrupções 67 a não ser por ocasião do seu
término. A carga horária de cada regência deve ser previamente distribuída e contabilizada de
modo a garantir a continuidade da ação;

6. Sessões subsequentes de orientação ao aluno, realizada pelo professor orientador, quando


este apresentar dúvidas, ou problemas ao longo do Estágio Supervisionado;
7. Aula teórica sobre tema relevante com o Professor Orientador de Estágio;
8. Elaboração do Relatório;
9. Socialização (feedback), realizada pelo futuro professor, dos resultados do período do
estágio68.
Em suma, até o presente momento, assim se configura o estágio em Língua Inglesa na
UNEB/ Campus XIV, pois, como se sabe, ele é específico em cada campus, de acordo com as
necessidades encontradas na comunidade e com o apoio dado pela administração central da UNEB
para que se viabilizem as ações. Contudo, o mesmo regulamento, como já foi ressaltado
anteriormente, pode sofrer alterações.

4.2 DIALOGANDO COM AS EXPECTATIVAS

Nesse momento, utilizei das informações advindas do primeiro questionário (apêndice B),
realizado com os futuros professores, com o objetivo de tentar perceber quais os elementos
concretos que constituíam o pensamento do PF no período que antecedeu o exercício efetivo do
Estágio.
Este que antecede a entrada dos estagiários em sala de aula trata-se de momento dos mais
sensíveis no processo de formação de professores. A proximidade com a realidade e com a
concretização de um momento esperado desde o ingresso no curso, cria no aluno uma expectativa
diante dos desafios que essa nova experiência acadêmica e profissional pode lhes proporcionar.

67
Pressupõe-se assim, mas com as greves e mudanças no calendário, às vezes é impossível cumprir.
68
Esta socialização compreende um debate teórico do período do estágio.
80

Por mais que a formação de um futuro profissional de língua inglesa não comece apenas na
fase do estágio, este é, sem dúvida, o momento em que o conhecimento teórico adquirido é
colocado à prova diante dos desafios demandados pela prática. A leitura que cada aluno faz da
expectativa em se identificar como professor, não necessariamente, corresponde a um reflexo
homogêneo de sua vida acadêmica.
O fato de utilizar-me apenas de quatro questões como base para a identificação das
expectativas dos PFs no período pré-estágio se justifica por objetivar especificamente a construção
de um perfil inicial a fim de perceber o nível de evolução de cada um deles entre as fases inicial e
final da pesquisa. Essa ação visou, principalmente, adentrar na proposta deste trabalho, que se
alicerça no estudo do processo de desenvolvimento da reflexão crítica dos PFs.

4.2.1 Os entrevistados expõem suas expectativas

Inicio pela questão em que os alunos estagiários refletem sobre o momento pré-estágio.
Procurei saber deles quais as expectativas em relação ao período do Estágio Supervisionado (ES) e
como cada um deles enxergava esse momento para seu futuro profissional como professor de língua
inglesa. Apresento a seguir, a resposta de todos os PFs a esse questionamento.
[PF1] Apesar de já ser professora, minhas expectativas em relação ao estágio é de
novidades. Novidade na forma de trabalhar, já que sou professora de escola particular e
não pública. O público alvo também demanda preocupação em relação a forma de
trabalhar, porque cada um assimila/ reconhece de forma diferenciada as coisas.
[PF2] Esse momento é marcado e diferenciado por conta da oportunidade de ser avaliado
como professor. Tenho expectativas de desenvolver melhor as habilidades de ensino,
expandir as possibilidades de trabalho e corrigir erros e crenças.
[PF3] Minhas expectativas são de poder realizar um bom estágio e ter um bom
relacionamento com os alunos. O estágio é importante, pois nos coloca no lugar do
professor e nos permite uma experiência em sala de aula. O papel do professor é
desafiador, uma vez que a disciplina tem uma carga horária pequena e os alunos não
levam muito a sério.

Os três professores em formação levantam questões da “novidade” que é ensinar, ser


avaliado (como ressalta PF2) e se relacionar com os alunos. Tais afirmações demonstram a
importância do período do estágio como sendo aquele em que se materializam as experiências de
ensinar, errar, aprender e testar novas possibilidades. Esse período gera uma ansiedade grande nos
futuros professores, pois é o momento de lidar com o inesperado, é o momento inicial de uma
prática reflexiva que deve ser construída nesse período de preparação para vida profissional.
Sabemos que muitos estagiários nunca entraram em uma sala de aula, aumentando ainda mais o
81

sentimento de ansiedade e gerando uma responsabilidade maior para o professor orientador no


momento de prepará-los para esta prática tão enriquecedora.
Sendo assim, é essencial que os professores de estágio tenham um trabalho de alcance
coletivo, juntamente com seus pares e seus alunos em formação, a fim de possibilitar uma análise
em conjunto da realidade, questionando-a criticamente, sempre alicerçados na teoria. É importante
que essa caminhada em buscas de saberes sirva para novas experiências na vida profissional futura
(PIMENTA; LIMA, 2008).
O processo avaliativo, como cita PF2, nada mais é do que o exercício reflexivo do professor
em formação, em que ele, juntamente com o professor orientador de estágio, tenta planejar, avaliar,
corrigir falhas e testar procedimentos em sala de aula. Ou seja, é um período de construção de
saberes para conduzir a sua prática como futuro professor de línguas. PF2, ao propor tal reflexão,
demonstra o quanto é consciente no tocante a este período como um momento de aprendizagem e
amadurecimento para o exercício da profissão docente.
Já PF1 introduz sua resposta identificando que há diferenças entre os alunos de escola
pública e os de escola particular, com isso ele reflete sobre o contexto diverso entre os alunos
pertencentes a essas duas instituições. Nesse caso, percebo que há no discurso de PF1 uma ideia
pré-concebida sobre as diferenças em termos de nível de aprendizagem entre alunos de escolas
públicas e de escolas privadas. Esse pressuposto de PF1 parte de uma premissa visivelmente sem
qualquer comprovação empírica. Tal afirmativa não pode preceder uma investigação prévia da
prática escolar.
Outro aspecto que pode ser debatido a partir da fala do PF1 é o da responsabilidade social do
professor em contato com alunos em condições de vulnerabilidade que tanto caracteriza o estudante
da escola pública. Trata-se de um desafio duplo, em que, por um lado, cabe ao profissional construir
um planejamento que coloque o aluno menos favorecido em pé de igualdade de conhecimento com
o aluno socialmente melhor colocado, com o objetivo de diminuir a disparidade de oportunidades
de conhecimento. De outro lado, e em paralelo, cabe também a esse profissional transformar-se em
um sujeito político a cumprir o papel transformador que, em última instância, também é o da escola.
Dialogando com essa questão, Giroux (1997, p.163) fez a seguinte afirmativa: “[...] a reflexão e
ação críticas tornam-se parte do projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem
uma fé profunda e duradoura na luta para superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e
humanizarem-se ainda mais como parte desta luta”.
82

Ainda no tocante às ansiedades dos professores em formação, surge a preocupação com o


relacionamento com os alunos que é enfatizada por PF3. Essa questão é facilmente explicável em
decorrência da completa falta de experiência com os elementos constitutivos das relações
interpessoais presentes em uma sala de aula. Ao tratar da relação entre professor e aluno, Leffa
(2011, p.29) se refere a uma construção de cumplicidade entre ambos. Segundo o autor, trata-se de
uma “cumplicidade saudável”, aquela estabelecida a partir de uma aproximação entre professor e
aluno com base em um “pacto de silêncio” e de respeito mútuo em que professor e aluno não se
acusam e “tudo que acontece na sala de aula fica ali mesmo” (LEFFA, 2011, p.29). Indo mais
além, afirma PF3: “O papel do professor é desafiador, uma vez que a disciplina tem uma carga
horária pequena e os alunos não levam muito a sério”. Neste excerto, o PF3 expõe a condição de
certa “marginalidade” em que é tratada a disciplina língua inglesa no âmbito do currículo escolar
(JORGE, 2009, p.166). No fundo, PF3 reproduz uma constatação que parece ser realidade em
grande parte das escolas. Diante disso, sou levada à conclusão de que ao professor de língua
estrangeira, mais do que apenas transmitir seu conhecimento, se impõe, também, demonstrar a
relevância de se aprender uma segunda língua. Nesse caso, cabe igualmente ao futuro professor, a
tarefa de desconstruir a imagem periférica da disciplina e, ao mesmo tempo, demonstrar sua
valorização na formação do aluno.
Sobre as estratégias de valorização do conhecimento da aprendizagem da língua inglesa,
Jorge (2009, p.163) postula o seguinte:
O caráter educativo de uma LE está nas possibilidades que o aluno pode ter de se tornar
mais consciente da diversidade que constitui o mundo. As múltiplas possibilidades de ser
diferente, seja pela cultura, seja pelas identidades individuais, podem fazer com que o
indivíduo se torne mais consciente de si próprio, em relação a seu contexto local e ao
contexto global.

Negar tal conhecimento ao aluno menos favorecido é contribuir para a exclusão dos mesmos
do mundo globalizado, tecnológico e rico em cultura e identidades diversas. Não há razão para
perpetuar tal postura quando temos o poder de transformá-la.
A segunda pergunta do trabalho discute um tema recorrente dos bastidores acadêmicos e que
acredito gera muitas opiniões diferentes, e refere-se a como o futuro professor percebe a relação
entre a teoria e a prática no auxílio das suas escolhas pedagógicas.Vejamos as respostas:
[PF1] A prática é a confirmação ou não dos estudos teóricos. Deve-se, primeiramente,
estudar as teorias e refletir sobre elas, estendendo essa reflexão a prática.
[PF2] A base teórica dirige a prática em sala de aula. Portanto, é de relevância muito
grande analisar e aplicar teorias em sala de aula, já que elas foram elaboradas para
expandir as possibilidades de práticas dentro de sala de aula.
83

[PF3] A teoria vista na graduação é importante, mas quando partimos para prática em
sala de aula muitas das teorias acabam não funcionando e a gente precisa saber conduzir
a situação e o conhecimento prévio ajuda muito.

As respostas de PF1 e PF2 são muito próximas e refletem uma tentativa de conciliação entre
teoria e prática. No entanto, quando PF2 afirma que “a base teórica dirige a prática em sala de
aula”, nada mais faz do que reproduzir o discurso que tradicionalmente identifica – no âmbito da
disciplina Estágio – a teoria como algo que precede à prática. Esse discurso que tende a caracterizar
uma relação dicotômica entre teoria e prática, entretanto, já vem sendo devidamente questionado
pela literatura especializada.69 Adicionamos a essa perspectiva a visão de Hissa (2013, p. 78), ao
tratar da pesquisa70, quando o autor argumenta que ao reproduzir um discurso que divide em partes
e abre abismos entre o conceito dicotômico de teoria e prática, assume-se um posicionamento do
pensamento racionalista71, que considera que só é possível abordar um objeto pelos transmites
científicos através da quantificação. Segundo o autor:
A separação entre teoria e prática reproduz dicotomias. Focaliza-se, aqui, a já consagrada
pela ciência convencional: entre quantitativo e qualitativo. Os adjetivos não fazem as
distinções, e os mundos das qualidades e das quantidades se entrecortam, a despeito da
insistência, explícita na universidade moderna, da reprodução de infrutíferas e
ideologizadas dicotomias (HISSA, 2013, p. 78).

O autor reflete que teoria e prática ao contrário dessa visão polarizante fazem parte de “[...]
um único sujeito: de ciência e de arte; de ciência-saber. Sujeito do saber e sujeito do mundo, em um
único sujeito” (HISSA, 2013, p. 82). Ou seja, percebo que o entendimento de PF2 ainda se encontra
enraizado na noção do distanciamento entre os conceitos teoria e prática, e, logicamente, intrincado
neste pensamento bipartidário de origem cartesiana. Percebo que a maioria dos nossos alunos
apresenta tal tipo de pensamento, o qual acredito esteja intricado na forma como a escola trata o
currículo. Consequentemente, os estagiários passam anos de sua vida expostos a esse conceito
estruturalista de ensino, refletindo, assim diretamente na construção dos seus conceitos para sua
vida profissional.
Portanto, dentro desta perspectiva de relação de conceitos entre teoria e prática, a disciplina
Estágio Supervisionado (ES) deixou de ser considerada uma disciplina exclusivamente prática e
passou por novas conceitualizações, que se configuraram diferente da sua antiga proposta, como
69
Dentre alguns autores que tratam desse tema estão: Pimenta, Selma Garrido. O Estágio na formação de professores:
Unidade Teoria e Prática?. São Paulo: Cortêz, 2002; Candau,Vera M. & Lelis, Isabel. A relação teoria-prática na
formação do educador. RevistaTecnologia Eduacacional. Rio de Janeiro, (55): 12-18, Nov-dez. 1983.
70
Em seu texto Hissa remete a pesquisa quando questiona essa separação entre teoria e prática, sendo assim considero
que o trabalho reflexivo do professor se constitui, também, uma pesquisa, e como tal, deve ser refletida no sentido de se
entender a relação entre a teoria e a prática.
71
O pensamento a racionalista se refere ao método cartesiano, o qual, para atribuir significado a determinado objeto
deve dividi-lo em partes, cada vez que necessário, para se encontrar a solução.
84

uma disciplina, na realidade, teórica (PIMENTA; LIMA, 2008). Hoje, se entende que tal disciplina
– como na concepção epistemológica prática de Shön72 (1998) –, ao tratar de analisar a prática
escolar à luz da teoria, cria uma ação teórica fomentada na base das discussões da realidade do
contexto de sala de aula.
Essa nova concepção de estágio, vista como disciplina teórica, avança no sentido de
desconstruir a organização da disciplina em dois momentos distintos73, separados no tempo e no
espaço. Já não mais faz sentido estabelecer no todo da carga horária da disciplina um primeiro
momento teórico, que se daria no espaço da universidade, e de um segundo momento prático, este
acontecendo no espaço da escola e, possivelmente, sendo identificado como o grande clímax da
disciplina. O que deve existir, na realidade, é a articulação constate entre teoria e prática.
Entendo que a teoria exerce um grande papel na formação do futuro professor, pois, segundo
Pimenta (2002, p.24) “[...] dota os sujeitos de variados pontos de vista para uma ação
contextualizada, oferecendo perspectiva de análise para que os professores compreendam os
contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si próprios como profissionais”. Ao
aprofundar esse debate, Pimenta e Lima (2008, p. 45) concluíram que “o estágio, ao contrário do
que se propugnava, não é uma atividade prática, mas teórica, instrumentalizadora da práxis docente,
entendida esta como atividade de transformação da realidade”. Nesse sentido, o professor em
formação que perpassa todas as modalidades de estágio74, deve entender que a realidade, observada,
questionada e discutida em classe, juntamente com seus pares, se configura em um momento de
associação e discussões de teorias que auxiliem o PF a refletir e tentar rever suas questões. Essa é a
caracterização da relação teoria e prática no período do estágio, na realidade não há prioridade de
uma em detrimento da outra, ambas estão interligadas em um único sentido.
A resposta do PF3 sobre essa questão vai no mesmo sentido dicotômico: a teoria precede a
prática.
[PF3] A teoria vista na graduação é importante, mas quando partimos para prática em
sala de aula, muitas das teorias acabam não funcionando e a gente precisa saber conduzir
a situação e o conhecimento prévio ajuda muito.

Observo que do ponto de vista do PF3, mesmo ressaltando a importância da teoria, ele
acredita que esta não funciona na prática e que o “conhecimento prévio”, o qual acredito ser a

72
A concepção epistemológica prática de Schön, refere ao estudo da prática e através dela a criação de novas teorias.
73
Ou seja, uma parte voltada para teoria e outra parte voltada para prática, ao contrário do que se pensava a disciplina
Estágio Supervisionado, ao questionar a prática, está na verdade teorizando-a, pois não há separação entre teoria e
prática e sim uma relação constante, dentro dessa nova conceptualização.
74
São quatro modalidades, como já foi discutido na sessão do Regulamento Geral. A primeira é estágio observação, a
segunda é estágio oficina e a terceira e a quarta são estágio regência (ensino fundamental e médio respectivamente).
85

experiência de sala de aula, é o que verdadeiramente ajuda ao professor. Obviamente, que a


experiência é de fato crucial na ajuda das escolhas feitas pelo professor em classe, mas não
podemos descartar a teoria e a construção dela a partir do que se percebe do processo de ensino/
aprendizagem dos alunos. A sala de aula é o palco para pesquisas e estudos sobre o meio e
necessidades dos alunos, assim, o professor deve ter esta consciência e utilizar de teorias que
favoreçam sua realidade escolar, como também formular, através da pesquisa de seu ambiente,
teorias que auxiliem na sua prática.
A terceira pergunta, em que foi questionado o olhar que o participante tinha sobre o ensino
de língua na contemporaneidade, ganha pertinência na medida em que estou tentando entender
como os PFs enxergam a importância e a valorização da disciplina LI para o contexto escolar.

[PF1] Tem que ser creditado maior importância ao ensino de língua inglesa, os alunos
tendem a valorizar algumas coisas anglófonas , como músicas e seriados, e assim eles têm
buscado conhecer um pouco deste contexto. A disponibilização de material didático pelo
governo, que antes não havia, deve ser considerado.
[PF2] Insuficiente. Existe uma supervalorização de uma habilidade, que é leitura e que
torna o aprendizado de língua inglesa insuficiente. O ensino de LI poderia apresentar
melhores resultados se houvesse uma interação maior da língua no dia-a-dia do estudante.
[PF3] Acho que o ensino de língua inglesa seja muito importante, mas não tem espaço
necessário nas escolas.

Antes de analisar as respostas dos PFs, devo destacar que, apesar de alguns estagiários não
terem experiência no ensino público, nas etapas da disciplina Estágio eles entram em contato com a
realidade de escolas públicas para observar aulas e planejar projetos de intervenção. Por isso, os
alunos estagiários conhecem um pouco sobre o ambiente escolar, além de muitos terem sido alunos
desta instituição durante toda a sua vida.
A terceira pergunta revelou respostas muito enriquecedoras para o estudo. Como pode-se
ver, o PF1 sugere que se os alunos tendem a valorizar as influências culturais de países anglófonos,
consequentemente isso deve ser aproveitado pelos professores na hora de planejar suas aulas. Pode
ser percebido que PF1 acredita que o uso de estratégias de ensino voltadas para materiais de cultura
de países de língua inglesa se mostra, na prática, algo verdadeiramente factível. Por outro lado,
surgem algumas questões que merecem um desdobramento mais amplo, as quais PF1 não se dá
conta. Primeiramente, o informante corre o risco de estar reproduzindo uma mentalidade que se
encontra no limite entre o uso de materiais culturais de origem inglesa como estratégia de
aprendizagem e o risco da subserviência cultural ocorrido pela ausência da criticidade em sala de
aula. Acredito que PF1, ainda não percebe a língua inglesa como uma língua internacional, ao
alcance de todos e com possibilidades de pessoas de origens diversas fazerem uso dela. Dentro
86

dessa perspectiva, PF1 não compreende que há vários outros modelos de uso da língua além do
nativo evidenciado por ele. Contudo, o novo professor deve ter consciência que ensinar cultura
significa abordar a língua alvo em toda sua complexidade, então surge um impasse entre os PFs
sobre qual cultura ensinar, o qual é um questionamento diante desse quadro do inglês como língua
internacional, que Siqueira (2005,p.14) também o faz:
Os professores que elaboram e trabalham com conteúdos culturais nas suas aulas,
certamente, enxergam nesses materiais um fator de motivação extra para os seus alunos de
LE, em especial aqueles de inglês (McKAY, 2001). Entretanto, à medida que a língua
inglesa assume o papel de uma língua internacional, surge a questão sobre qual cultura se
deve ensinar e como se deve abordar o tema na sala de aula.

Isto posto, PF1 precisa entender que neste novo contexto, em que a língua inglesa é
assumida como língua internacional, o ensino de cultura deve se estabelecer como uma troca onde o
respeito mútuo e a relação entre culturas aconteça de forma crítica e não imposta, em que uma se
sobrepõe à outra. A demanda atual para o ensino de língua-cultura está atrelada, de acordo com
Cortazzi e Jin (1999 apud Siqueira, 2005, p.18) a três fontes: [1] na escolha de materiais culturais
que abordem a cultura local do aluno; [2] na pesquisa por materiais culturais na língua alvo, ou seja
em países diversos que o inglês é a língua nativa – abrindo as opções e assumindo uma proposta que
se afasta do foco exclusivo em busca por materiais culturais de origem americana ou inglesa –, e,
finalmente, [3] a opção pela inclusão de materiais que abordem culturas de países falantes de inglês
ou não.
Tal proposta pedagógica de ensino de língua e cultura deve estar ancorada em um processo
de formação de professores que vise à inclusão de temas e debates sobre o perfil do professor
crítico-reflexivo e a necessidade de formação contínua. Talvez, ainda por se tratar do início do
processo crítico-reflexivo de PF1, ele ainda precise se aprofundar e debater essas questões que não
estão refletidas na condução de sua prática.
Ainda sobre esta temática referente à terceira pergunta sobre ensino de língua inglesa na
contemporaneidade, PF2 critica o uso exclusivo de uma habilidade para ensinar a língua inglesa. Na
realidade, isso demonstra o conhecimento do aluno em relação à importância da língua inglesa
como língua global e de comunicação entre povos, pois vê o ensino de forma mais interacionista e
em toda a sua complexidade comunicativa. Sendo assim, o aprendizado da língua não deve ficar
restrito ao ensino de uma habilidade específica (PAIVA, 2009). O uso real da língua, sob o ponto de
vista do PF2, se mostra como elemento essencial no processo de aprendizagem do aluno.
87

Já o PF3 se mostra mais pragmático em sua resposta ao demonstrar sua angústia em relação
ao desprestígio da disciplina língua inglesa no âmbito do espaço escolar. PF3, de certa forma,
evidencia em sua resposta a falta de importância revelada pelas escolas que frequentou no tocante à
relevância do ensino de uma segunda língua.
A quarta e última pergunta do questionário estruturado buscou perceber como o professor
em formação reflete sobre as atuais demandas da sociedade em relação à necessidade do que deve
ser ensinado e aplicado no ensino de língua inglesa. Vejamos algumas respostas:

[PF1]- A contemporaneidade tornou mais dinâmica as relações das pessoas com o


conhecimento. Sendo assim, tem que se adequar a essa dinâmica seja tecnológica, as
relações de comportamento em sala de aula, etc.
[PF2]- Interdisciplinaridade seria uma base bastante consistente para um ensino de melhor
qualidade de LI, pois através desta ferramenta pode-se expandir a consciência sobre como
a língua inglesa faz relação com um mundo maior de coisas e não somente a sala de aula e
os objetos gramaticais.
[PF3]- O ensino de língua inglesa deveria ser mais valorizado nas escolas públicas e com
uma Carga horária maior.

As três respostas demonstram que os estudantes de letras têm conhecimento das


necessidades de mudanças no ensino de línguas e das novas demandas existentes na sociedade. Não
sabemos se tão profundamente, mas, de maneira geral, eles têm noção da realidade75 que os cerca.
Um exemplo disso está no avanço tecnológico, citado por PF1. Entender o alcance tecnológico na
sociedade requer ter conhecimento da globalização e suas influências através deste recurso. Percebo
que PF1 entende a necessidade de adequação e utilização deste elemento tecnológico, cujo exemplo
mais representativo é a internet, na construção do planejamento do currículo escolar. Acredito que o
futuro professor tenha compreensão que a internet serviu como um instrumento de diminuição de
fronteiras entre os países, com seu grande poder de alcance, mudando as relações, as interações e os
comportamentos. Nesse contexto, o inglês é a língua básica da internet, cuja força tende a cada vez
mais a hibridizar as outras línguas tornando-se realidade do cotidiano de muitas comunidades.
No bojo desta discussão, o PF2 nos brinda com a questão da interdisciplinaridade como
estratégia de ampliação dialógica do inglês com outras áreas do conhecimento. Quando afirma que
a “língua inglesa faz relação com um mundo maior de coisas e não somente a sala de aula e os
objetos gramaticais”, o participante demonstra ostentar uma concepção de ensino de língua
conectada com toda sua complexidade comunicativa (PAIVA, 2009).

75
Entender a realidade social e educacional que se encontram os alunos de escola pública.
88

No caso de PF3, vê-se que ele segue seu repertório pragmático76 ao chamar atenção para a
insuficiência da carga horária da disciplina Língua Inglesa. Em relação a isso, este informante,
dialoga diretamente com Jorge (2009, p.166), quando a autora reflete sobre a questão da carga
horária:
Essa carga horária é fruto de uma cultura escolar que, por anos, entendeu a língua como um
conteúdo de importância marginal. Conscientes da importância da LE, podemos hoje
reeducar nossos colegas de escola, criar oportunidades para que compreendam a
importância da LE. Além disso, os professores precisam ser mais reivindicativos, exigir
boas condições para a realização de seu trabalho.

Portanto, mesmo que questões vinculadas ao uso de novas ferramentas tecnológicas e


mesmo a materialização da interdisciplinaridade continue em déficit nas escolas, as respostas a esta
última pergunta mostram que os professores em formação não estão completamente ausentes desse
debate.
Finalizo essa parte do primeiro questionário, reafirmando que as questões aqui propostas
servem de base para dar continuidade aos estudos do desenvolvimento do professor reflexivo. O
meu foco de pesquisa foi o desenrolar do seu processo reflexivo. Sendo assim, as quatro perguntas
elaboradas serviram como o momento inicial da pesquisa que se seguirá, de forma mais
contundente, durante o período do estágio regência dos futuros professores.
Na próxima sessão irei analisar as ementas e o planejamento do professor orientador de
estágio. Essa análise se faz importante, pois, assim, posso perceber o que os futuros professores
estão estudando de teoria e como o professor orientador de estágio conduz o desenvolvimento
crítico-reflexivo dos PFs.

4.3 O QUE DIZ O DOCUMENTO ESCRITO

A UNEB se caracteriza como uma universidade multicampi que se espalha por diversas
regiões da Bahia. Os cursos têm seu projeto pedagógico individual, de acordo com as necessidades
gerais da região em que se encontra cada campus universitário. Contudo, o mesmo deve seguir,
segundo o Regulamento Geral da UNEB (2012), Artigo 125º, as Diretrizes Curriculares Nacionais
de Educação. Portanto, não há uma obrigatoriedade de padronização de ementas para todos os
departamentos, ou seja, não existe nenhum documento que obrigue tal padrão.

76
Repertório pragmático, no caso de PF3, este aluno demonstra ao longo de suas respostas uma visão muito prática em
relação à forma que ele analisa as questões feitas pelo pesquisador.
89

Segundo determina seu projeto pedagógico, o curso de Língua Inglesa e Literaturas da


UNEB, Campus XIV foi implantado em 2004.1, sendo autorizada pelo CONSU77, através da
Resolução nº 271/2004. Em 2004, professores de diversos campi se reuniram para promover uma
reforma na área de ensino de línguas, resultando em reformulação de ementas e fluxogramas78.
Após a operacionalização dos novos currículos, e consequentemente, a necessidade de avaliação e,
ao mesmo tempo, alteração de possíveis entraves levantados, em 2008, o CONSEPE79 aprovou as
propostas e alterações no currículo, e assim, as turmas que ingressaram no ano de 2007 já seguiram
este formato do curso redimensionado.
Os currículos de Letras Língua Inglesa do Campus XIV, segundo o projeto do curso
aprovado em 2010, foram elaborados de acordo com as seguintes legislações:

• Parecer CNE/CES no 492/2001;


• Parecer CNE/CES no 1.363/2001
• Parecer CNE/CP nº 009/2001;
• Parecer CNE/CP 28/2001;
• Resolução CNE/CP no 01 de 18.02.2002 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, cursos de licenciatura de
graduação plena;
• Resolução CNE/CP no 02 de 19.02.2002 que institui a duração e a carga horária dos cursos de
licenciatura, de graduação plena, de formação de Professores da Educação Básica em nível
superior (Nela consta a inclusão do aumento de carga horária da disciplina Estágio Supervisionado
para 400 horas);
• Resolução CNE/CP no 18 de 13.03.2002 que estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos
de Letras.
O projeto de curso da UNEB, Campus XIV, reitera que a proposta de Diretrizes Curriculares
considera os desafios e transformações decorrentes das influências estabelecidas pela sociedade
atual, nas instâncias referentes ao mundo de trabalho e suas novas exigências. A proposta salienta a
necessidade de a universidade intervir na sociedade construindo relações criativas e éticas.
Sendo assim, segundo o projeto de curso da UNEB, os cursos de graduação em Letras
deverão ter estruturas flexíveis que:

77
Conselho Universitário (É um conselho superior da UNEB que define as leis que regem a graduação).
78
O fluxograma completo do curso de língua inglesa da UNEB, Campus XIV, se encontra no anexo F.
79
Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (É um conselho superior da UNEB)
90

• facultem ao profissional a ser formado opções de conhecimento e de atuação no mercado


de trabalho;
• criem oportunidade para o desenvolvimento de habilidades necessárias para se atingir a
competência desejada no desempenho profissional;
• dêem prioridade à abordagem pedagógica centrada no desenvolvimento da autonomia do
aluno;
• promovam articulação constante entre ensino, pesquisa e extensão, além de articulação
direta com a pós-graduação;
• propiciem o exercício da autonomia universitária, ficando a cargo da Instituição de Ensino
Superior definições como perfil profissional, carga horária, atividades curriculares básicas,
complementares e de estágio.

Dentro desta proposta, é importante que se amplie o conceito de currículo levando-se em


conta a influência cultural, social, histórica que se encontra o universo acadêmico. Assim, o
currículo deve ser constituído tanto pelo conjunto de conhecimentos, competências e habilidades,
como pelos objetivos que busca alcançar. No projeto Pedagógico do Campus XIV, a definição de
currículo se encontra da seguinte forma, “currículo como todo e qualquer conjunto de atividades
acadêmicas que integralizam um curso”. Seguindo esta definição temos o conceito de atividade
acadêmica curricular, que, de acordo com o projeto do curso é “aquela considerada relevante para
que o estudante adquira competências e habilidades necessárias a sua formação e que possa ser
avaliada interna e externamente como processo contínuo e transformador”. Contudo, mesmo com
essa ampliação na conceituação de currículo e nas possibilidades de trabalho nela existentes, ainda
possuímos um quadro de ementas para cada disciplina da graduação.
Ainda no projeto pedagógico há a descrição do objetivo principal do curso: “O objetivo do
Curso de Letras é formar profissionais interculturalmente competentes, capazes de lidar, de forma
crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, nos contextos oral e escrito, e conscientes de sua
inserção na sociedade e das relações com o outro”. Neste objetivo surge a questão do domínio da
língua, e sabemos das dificuldades dos professores de línguas, da graduação, em desenvolver essa
habilidade nos futuros professores. Em suma, muitos terminam por se formar sem essa competência
adquirida. Dando complementação a competências a serem desenvolvidas ao longo da graduação,
destaco aqui, algumas competências presentes no projeto do curso de Letras:
• domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas suas
manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de textos;
• reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional,
social, histórico, cultural, político e ideológico;
• visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações lingüísticas e literárias,
que fundamentam sua formação profissional;
• preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado de trabalho;
• percepção de diferentes contextos interculturais;
• utilização dos recursos da informática;
• domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e aprendizagem no
ensino fundamental e médio;
91

• domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição dos


conhecimentos para os diferentes níveis de ensino.

Com o objetivo de desenvolver competências que vão além da linguística, o profissional de


Letras Língua Inglesa deverá ter conhecimento de mundo atualizado e interdisciplinar; desenvolver
uma reflexão crítica da sociedade que o cerca; ter domínio de informática, dos conteúdos em
relação à língua estudada e técnicas e sala de aula. Além destes domínios destacados, o profissional
de Letras, segundo o projeto pedagógico, deve “estar compromissado com a ética, com a
responsabilidade social e educacional, e com as consequências de sua atuação no mundo do
trabalho”. E, finalmente, o entendimento de desenvolver uma habilidade reflexiva que o faça
atualizar-se frente às novas demandas de ensino, permanentemente.
O projeto do curso de Língua Inglesa da UNEB, Campus XIV segue este novo formato,
como também possuem as Ementas redesenhadas como foi elaborada durante a alteração dos
currículos, em 2007.
Sendo assim, entendo que a ementa de uma disciplina é um documento formal, que, não
obstante, possa sofrer alterações no decurso da prática, cumprem, então, o papel de norteadora de
princípios. O professor pertencente ao Colegiado de Língua Inglesa do Departamento de Educação
do Campus XIV, ao lecionar uma disciplina, deve se embasar nas ementas elaboradas no projeto e
nas referências bibliográficas propostas, mas este tem a liberdade para escolher referências
adicionais e elaborar os seus objetivos e planejamento alicerçado na ementa geral da disciplina.

4.3.1 O professor orientador e as ementas da disciplina Estágio Supervisionado

Na presente seção, não tenho a intenção de analisar todas as ementas do curso, mas apenas
aquelas referentes à disciplina de Estágio Supervisionado (doravante ES). A análise desses
documentos objetiva identificar a teoria vista pelos professores em formação ao longo do curso, e
investigar o desenvolvimento do planejamento decorrente da sua proposta até o Estágio III. Retirei
a análise do componente Estágio IV, por não haver como relacioná-lo com a situação em que
concentrei a pesquisa. Tal estratégia ancora-se no fato do trabalho se pautar na análise dos
Professores Formadores atuando no Estágio III.
O professor orientador do estágio, PO daqui por diante, formula a disciplina Estágio I, tendo
em vista a observação da prática realizada pelo professor em formação e elaboração de projeto para
92

ser aplicado na disciplina seguinte de estágio. Como pode ser visto, o quadro a seguir apresenta a
ementa criada pela UNEB e desenvolvida pelo professor orientador (PO):

Quadro 3: Estágio Supervisionado I


ESTÁGIO SUPERVISIONADO I

EMENTA: Estuda e diagnostica a prática e a realidade do ensino de línguas estrangeiras no ensino


fundamental e médio.

OBJETIVOS:

1. Diagnosticar os espaços de atuação profissional dos professores de Língua Inglesa tendo por base as
teorias e abordagens sobre ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira;
2. Experienciar situações concretas do ensino de Língua Inglesa a fim de analisar e refletir sobre a prática
de sala de aula;
3. Elaborar um anteprojeto visando atender determinada necessidade constatada nas observações, no que
diz respeito ao ensino e aprendizagem de Língua Inglesa.

CONTEÚDO PROGAMÁTICO:

1. O que dizem os documentos oficiais sobre o ensino de LI nas escolas públicas;


2. A operação global do ensino de línguas (planejamento, material didático, experiências, avaliação);
3. Práticas de letramento nas salas de aula de LI;
4. Linguagem, gênero e aprendizagem de LI;

BIBLIOGRÁFIA BÁSICA

x BROWN, Douglas H. Teaching by Principles: An Interactive Approach to Language Pedagogy:


Longman, 2001.
x HARMER, Jeremy. The Practice of English Language Teaching: Longman, 2001, 3rd edition.
x WAJNRYB, Ruth. Classroom Observation Tasks: A resource book for language teachers and
trainers. Cambridge University Press, 1992.
x MOITA LOPES, Luís Paulo da (Org.) Linguística Aplicada na Modernidade Recente. São Paulo.
Editora Parábola. 2013.
x MOTA, Kátia; SCHEYERL, Denise (Orgs.). Recortes Interculturais na sala de aula de Línguas
Estrangeiras.Salvador. EDUFBA, 2010.
x UR, Penny. A Course in Language Teaching: practice and theory. Cambridge University Press,
2003.
x PAIVA, Vera Lúcia Menezes de O. Ensino de Língua Inglesa: reflexões e experiências. Campinas,
SP: Pontes Editores, 3. ed. 2005

BIBLIOGRÁFIA COMPLEMENTAR

x BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Inglesa: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1998 (site: www.mec.gov.br).
x BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Linguagens, Códigos e Suas
Tecnologias. Brasília: MEC/SEMT, 1999 (site: www.mec.gov.br).
x CONSOLO, Douglas Altamiro e ABRAHÃO, Maria Helena Vieira (Org). Pesquisas em Linguística
Aplicada: Ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira. UNESP, 2004.
x FILHO, José Carlos Paes de Almeida. Lingüística Aplicada: Ensino de Línguas e Comunicação.
93

Pontes Editores e Arte Língua, 2005.


x MOITA LOPES, Luis Paulo da. Oficina de Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional dos
processos de ensino / aprendizagem de língua. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996.
x ALMEIDA FILHO, José Carlos P. de. O professor de língua estrangeira em formação. Campinas,
SP: Pontes, 2.ed., 2005.
*As referências bibliográficas não fora analisadas.

Já a disciplina Estágio II é a culminância do projeto elaborado na disciplina anterior. O


momento agora é de planejar passo a passo e executar as oficinas, minicursos, cursos de extensão e
demais atividades, da escolha do professor orientador. O quadro abaixo apresenta a Ementa e o seu
desenvolvimento:
Quadro 4: Estágio Supervisionado II
ESTÁGIO SUPERVISIONADO II

EMENTA: Planeja e executa as atividades docentes através de minicursos, cursos de extensão, e


outros, visando a prática docente para o ensino fundamental e médio.

OBJETIVOS:

1. Executar os projetos de intervenção elaborados no Estágio Supervisionado I, com base nos


diagnósticos traçados, através da modalidade de minicurso, vivenciando situações concretas da prática
docente, dentro de uma sala de aula;

2. Analisar os resultados alcançados com base no planejamento traçado previamente no plano de ação da
modalidade executada e nas discussões teóricas implementadas durante o semestre;

3. Elaborar o portfólio de Estágio Supervisionado II com base nas análises e reflexões realizadas.

CONTEÚDO PROGAMÁTICO:

1. O uso de diferentes habilidades nas salas de aula de LI;


2. Os diferentes recursos que podem ser usados como aliados do professor de LE;
3. O papel da gramática e da tradução nas aulas de LI;
4. A formação de leitores críticos;
5. A importância do Estágio Supervisionado na formação docente.

BIBLIOGRÁFIA BÁSICA

x BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Inglesa: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1998 (site: www.mec.gov.br).
x BRASIL MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio: Linguagens, Códigos e Suas
Tecnologias. Brasília: MEC/SEMT, 1999 (site: www.mec.gov.br).
x CONSOLO, Douglas Altamiro e ABRAHÃO, Maria Helena Vieira (Org). Pesquisas em Linguística
Aplicada – Ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira. UNESP, 2004.
x PAIVA, Vera Lúcia Menezes de O. Ensino de Língua Inglesa: reflexões e experiências. Campinas,
SP: Pontes Editores, 3. ed. 2005
x ALMEIDA FILHO, José Carlos P. de. O professor de língua estrangeira em formação. Campinas,
SP: Pontes, 2.ed., 2005.
94

BIBLIOGRÁFIA COMPLEMENTAR
x BROWN, Douglas H. Teaching by Principles: An Interactive Approach to Language Pedagogy.
Longman, 2001.
x CARDOSO, Rita de Cássia Tardim. The Communicative Approach to Foreign Language Teaching
– a short introduction. Pontes, 2003.
x FILHO, José Carlos Paes de Almeida. Lingüística Aplicada: Ensino de Línguas e Comunicação.
Pontes Editores e Arte Língua, 2005.
x HARMER, Jeremy. The Practice of English Language Teaching. Longman, 2001, 3rd edition.
x MARTINS, Jorge Santos. O trabalho com projetos de pesquisa: do ensino fundamental ao ensino
médio. Campinas, SP: Papirus, 2001.
x MOITA LOPES, Luis Paulo da. Oficina de Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional dos
processos de ensino / aprendizagem de língua. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996.
x TOSI, Maria Raineldes. Planejamento, programas e projetos: orientações mínimas para a
organização de planos didáticos. 2.ed.. Campinas, SP: Alínea, 2003.

*As referências bibliográficas não foram analisadas.

No caso da disciplina Estágio III, os futuros professores experimentam a regência no Ensino


Fundamental II. O Estágio IV se constitui da prática da regência no Ensino Médio, mas não vou me
ater a esse período, como já foi justificado anteriormente. O quadro abaixo ilustra a ementa do
Estágio Supervisionado III e o desenvolvimento do planejamento do professor orientador.
Quadro 5: Estágio Supervisionado III
ESTÁGIO SUPERVISIONADO III

EMENTA: Orientação, reflexão da teoria e da prática do fazer pedagógico, avaliando e


diagnosticando as deficiências do processo ensino-aprendizagem, elaborando formas de intervenção pedagógica
através da regência no ensino fundamental.

OBJETIVOS:

1. Aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos até então, na prática de sala de aula.


2. Refletir sobre sua prática pedagógica com base nas discussões em sala, pautadas em diversos
teóricos.
3. Elaborar os planos de aula referentes a uma unidade letiva para dar suporte ao período de regência.
4. Sugerir formas de intervenção pedagógica com base na experiência vivida em sala de aula.

CONTEÚDO PROGAMÁTICO:

1. PCNs para o Ensino Fundamental


2. Plano de aula
3. Gestão e dinâmica de sala de aula

BIBLIOGRÁFIA BÁSICA

x BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental.


Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Inglesa: 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1998 (site: www.mec.gov.br).
x TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
x PIMENTA, Selma Garrido. O Estágio na Formação de Professores: unidade teoria e prática? 6.ed.
95

São Paulo: Cortez, 2005


x PAIVA, Vera Lúcia Menezes de O. Práticas de Ensino e Aprendizagem de Inglês com foco na
autonomia. Campinas: Pontes Editores, 2. ed., 2007
x ____. Ensino de Língua Inglesa: reflexões e experiências. Campinas, SP: Pontes Editores, 3. ed.
2005
x ALMEIDA FILHO, José Carlos P. de. O professor de língua estrangeira em formação. Campinas,
SP: Pontes, 2.ed., 2005

BIBLIOGRÁFIA COMPLEMENTAR

x BROWN, Douglas H. Teaching by Principles: An Interactive Approach to Language Pedagogy.


Longman, 2001.
x CARDOSO, Rita de Cássia Tardin. The communicative approach to foreign language teaching: a
short introduction. Pontes, 2003.
x CONSOLO, Douglas Altamiro e ABRAHÃO, Maria Helena Vieira (Org). Pesquisas em Linguística
Aplicada: Ensino e aprendizagem de Língua Estrangeira. UNESP, 2004.
x MOITA LOPES, Luis Paulo da. Oficina de Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional dos
processos de ensino / aprendizagem de língua. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996.
x UR, Penny. A Course in Language Teaching: practice and theory. Cambridge University Press,
2003.
*As referências bibliográficas não foram analisadas.

Dando início a análise das ementas, no Estágio I, o professor orientador (PO) sugere uma
discussão acerca dos documentos oficiais que regem o ensino básico brasileiro (OCEM, PCN,
PCNEM, LDB80). Tal discussão é de extrema importância para o conhecimento dos futuros
profissionais sobre as orientações curriculares (OCEM, PCN, PCNEM) e as leis que regem o ensino
de língua estrangeira nas escolas básicas do Brasil (LDB). É interessante, também, a partir da leitura
crítica destes documentos, o PO descobrir, junto com os estagiários, o que, possivelmente, irá
funcionar ou não na sala de aula do futuro professor. A discussão sobre o que o governo
implementa para a educação nacional e a comparação com a realidade vivida dos futuros
professores, contribui para o desenvolvimento crítico e engajado visando qualificá-los a um debate
mais amplo que leve a questionar o que está posto e propor mudanças.
Na sequência PO registra como um dos objetivos da disciplina Estágio I “Experienciar
situações concretas do ensino de Língua Inglesa a fim de analisar e refletir sobre a prática de sala
de aula”. Este objetivo refere-se ao período de observações de aulas realizado pelos PFs. Considero
este momento extremamente rico para o processo de formação de novos professores crítico-
reflexivos. Neste sentido, se os PFs forem bem orientados, no ato de observar aulas, este período
poderá conduzi-los para uma ação efetiva em sua vindoura prática pedagógica.
Os outros conteúdos teóricos que se seguem, fazem parte da rotina desse período e se
encontram como foco de reflexão e análise por parte dos PFs. As discussões estabelecidas por PO
80
Os documentos oficiais OCEM, PCN, PCNEM e LDB, encontram-se em siglas e abreviações nos pré-textuais.
96

são sobre planejamento, material didático, experiências, avaliação, letramento, linguagem, gênero e
aprendizagem de LI. Acredito, que para a disciplina Estágio I, essas escolhas de conteúdo abordam
parte da demanda para os futuros professores81e, consequentemente, é possível perceber que tais
escolhas são temas atuais e recorrentes no mundo acadêmico.
Neste sentido, como parte da formação reflexiva dos PFs, ao final do período de
observação, há a elaboração de um anteprojeto com base no que foi detectado como problema na
análise realizada em escolas de ensino básico da região82. Dentre os objetivos de PO se encontra a
tarefa de “elaborar um anteprojeto visando atender determinada necessidade constatada nas
observações, no que diz respeito ao ensino e aprendizagem de Língua Inglesa”. Neste anteprojeto,
os PFs, em grupo, devem refletir e detectar uma forma de trabalhar alguma questão encontrada na
observação. Sendo assim, o tema do anteprojeto deve estar relacionado à aprendizagem de LI. Em
suma, este anteprojeto significa a culminância de uma análise reflexiva do período de observação
In loco realizada pelos futuros professores.
Já na disciplina Estágio II, que se constitui basicamente da efetivação do projeto idealizado
na disciplina anterior, PO determina como objetivo deste projeto: “Executar os projetos de
intervenção elaborados no Estágio Supervisionado I, com base nos diagnósticos traçados, através
da modalidade de minicurso, vivenciando situações concretas da prática docente, dentro de uma
sala de aula”. A importância da construção e execução deste projeto está inscrita em bases
reflexivas, em que os PFs devem associar teoria e prática para desenvolver um trabalho que foi
elaborado de acordo com uma questão observada, por eles, no período do Estágio I.
Após a execução deste projeto idealizado pelos PFs, há a realização do feedback como
visualizamos através deste objetivo traçado pelo PO: “Analisar os resultados alcançados com base
no planejamento traçado previamente no plano de ação da modalidade executada e nas discussões
teóricas implementadas durante o semestre”. Ou seja, trata-se aqui da abertura para a discussão
teórica do que aconteceu na prática. Esse feedback de atividades aprofunda o processo crítico-
reflexivo do futuro professor, fazendo com que o mesmo pratique a auto avaliação do trabalho que
projetou, revisitando os pontos positivos e negativos a fim de entender o que funcionou ou não no
processo.
Como complemento ao trabalho crítico-reflexivo acima descrito, ainda é possível tomar as
atividades orientadas por PO, a exemplo do portfólio, como práticas enriquecedoras para sua

81
Esta é uma escolha de conteúdos realizada pelo orientador de estágio, não há obrigatoriedade de temas a serem
abordados.
82
A observação é a primeira etapa a ser realizada nas modalidades de estágio.
97

formação, haja vista que este material compreende um conjunto das melhores atividades elaboradas
pelos estagiários, contribuindo para que os PFs reflitam sobre o que produziram. Por esse percurso
reflexivo, PO complementa a discussão teórica desse período com os seguintes debates elencados:
“1- O uso de diferentes habilidades nas salas de aula de LI; 2 - Os diferentes recursos que podem
ser usados como aliados do professor de LE; 3- O papel da gramática e da tradução nas aulas de
LI; 4- A formação de leitores críticos; 5 - A importância do Estágio Supervisionado na formação
docente”. Os referidos debates, todos imbricados a temas caros ao debate teórico da disciplina ES,
se bem conduzidos, fazem com que a disciplina seja espaço de diálogo e de lições que se entrelaçam
através da junção teoria e prática.
Gostaria de ressaltar que, no caso da análise dos conteúdos programáticos de PO, a forma
como este conduz tal debate só pode ser perceptível a partir da análise de seus conteúdos em razão
de não ter sido realizado observações das aulas do professor orientador. Mesmo assim, me foi
possível identificar, em seu debate, a presença das quatro habilidades, (Speaking, Listening,
Writing, Reading), sem escolher nenhuma como específica, posicionamento que se configura como
um entendimento de ensino de línguas voltado para toda a sua complexidade comunicativa.
Encontrei, ainda no conteúdo programático da disciplina Estágio II, a importância do debate
sobre o ensino da gramática e da tradução, o qual no âmbito das escolas básicas é um tema muito
significativo, pois percebo que, ao longo dos anos trabalhando com esta disciplina, a estrutura dos
conteúdos elaborados pelos regentes são, expressivamente, gramaticais.
Em relação a esse último ponto 5, elencado por PO, que se refere à importância do Estágio
na formação docente, cabe ao PF entender a centralidade desta disciplina em sua vida profissional,
mesmo os estagiários que já têm experiência em ensino. Trago então, a reflexão de Pimenta e Lima
(2008, p. 129) sobre a importância do ES: “[...] o estágio se configura, para quem já exerce o
magistério, como espaço de reflexão de suas práticas, a partir de teorias, de formação contínua, de
ressignificação de seus saberes docentes e de produção de conhecimento.” As demandas adquiridas
no ambiente de sala de aula se tornam, sob a coordenação do professor orientador, ricos elementos
de debate e reflexão sobre a relação teoria e prática.
Sigo, então, para o Estágio III. Nesse período, começo analisando os dois primeiros
objetivos. Neste sentido, PO propõe: “1. Aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos até então,
na prática de sala de aula; 2. Refletir sobre sua prática pedagógica com base nas discussões em
sala, pautadas em diversos teóricos”. Além de discutir sobre a prática, o PF, segundo o professor
orientador, deverá aplicar os conhecimentos teóricos discutidos em sala. Esse momento não é fácil
98

para o estagiário, pois fazer essa articulação teoria e prática é bastante desafiador, muitas vezes eles
continuam representando um modelo estruturalista de ensino, baseado em formas gramaticais
desconectadas das necessidades dos alunos da escola básica. Desconstruir tal postura é difícil para o
PF.
Os dois seguintes objetivos do Estágio III traçados pelo PO são: “3. Elaborar os planos de
aula referentes a uma unidade letiva para dar suporte ao período de regência; 4. Sugerir formas de
intervenção pedagógica com base na experiência vivida em sala de aula”. É importante ressaltar
que os planos de aulas são planejados seguindo o conteúdo programático que foi elaborado pelo
professor regente (PR). Muitas vezes esses conteúdos se configuram gramaticais e o Professor
orientador deve entender que há limitações nessas intervenções pedagógicas, não havendo, portanto,
maior liberdade de ação por parte dos estagiários frente a conteúdos já pré-estabelecidos. O que é
possível ser realizado, como planejamento, é uma nova forma de abordar tal conteúdo pré-
determinado. Esse trabalho exige uma boa orientação do PO e criatividade do PF. A análise crítica
dessa situação, que considero bastante proveitosa para o futuro professor, oferece experiência para
planejar em meio a limitações, além de promover uma visão crítica do processo de
ensino/aprendizagem que deseja oferecer aos seus futuros alunos.
Um dos conteúdos programáticos para este período, traçado por PO, são os PCN para o
ensino fundamental (1998). Acredito83 que, neste caso, há uma discussão mais aprofundada do
documento, indo além de seu foco inicial referendado fortemente na leitura. Hoje, com novas
demandas no ensino, principalmente com a influência do avanço tecnológico, percebo que o ensino
de uma habilidade única apenas limita e engessa as possibilidades de se aprender uma segunda
língua de forma ampla e mais condizente com as necessidades da comunidade em que o futuro
professor irá exercer sua prática.
Os dois últimos conteúdos abordados no estágio III são “Planejamento” e “Gestão e
dinâmica de sala de aula”. O primeiro é conteúdo essencial para os futuros professores aprenderem
as etapas de um planejamento e a importância do mesmo para sua futura vida profissional. Acredito
que o planejamento, nesse período, é um exercício muito produtivo para o futuro professor. Ele é
exigido, neste momento de estágio, de forma detalhada com todas as atividades que irão ser
trabalhadas pelos PFs. Os estagiários têm obrigação de comparecer ao período de planejamento para

83
Ressalto aqui, que não assisti a nenhuma aula do professor orientador, mas como faço parte do colegiado de Língua
inglesa do PO da análise, essa discussão sobre o foco dos PCN ser voltado, majoritariamente, para a habilidade de
leitura já é algo conhecido e debatido por todos. Inclusive em: “PAIVA, V.L.M.O. A LDB e a legislação vigente sobre
o ensino e a formação de professor de língua inglesa. In: STEVENS, C.M.T e CUNHA, M.J. Caminhos e Colheitas:
ensino e pesquisa na área de inglês no Brasil. Brasília: UnB, 2003. p.53- 84” há essa discussão.
99

ter orientação com o PO e discutir suas escolhas, o cumprimento desta ação faz parte do processo
avaliativo dos PFs.
O segundo conteúdo, “Gestão e dinâmica de sala de aula”, vem dialogar com os futuros
professores sobre novas possibilidades de agrupar seus alunos e tornar as escolhas das atividades
dinâmicas e motivadoras. Nesse caso, entendo haver a necessidade de uma variedade de atividades
e uma flexibilidade de escolhas. Segundo aponta Harmer (2000, p. 258), o conceito de variedade
está atrelado a envolver os alunos em um número de tipos de atividades diferentes, que constitui
também abordar um número amplo de materiais. Isso faz com que a aprendizagem se torne algo
interessante e motivador para os alunos. Quanto ao conceito de flexibilidade diz respeito a como o
professor lida com o plano de aula, ou seja, é a capacidade de refletir sobre se aquela determinada
atividade está funcionando ou não para os seus alunos. Isto posto, a característica do professor de
ser flexível ajuda-o a lidar com os imprevistos de sala de aula.
Vejamos agora uma análise das ementas em articulação com o desenvolvimento do
planejamento de PO:

Estágio I – EMENTA: Estuda e diagnostica a prática e a realidade do ensino de línguas


estrangeiras no ensino fundamental e médio;
Estágio II – EMENTA: Planeja e executa as atividades docentes através de minicursos,
cursos de extensão, e outros, visando a prática docente para o ensino fundamental e médio;
Estágio III – EMENTA: Orientação, reflexão da teoria e da prática do fazer pedagógico,
avaliando e diagnosticando as deficiências do processo ensino-aprendizagem, elaborando
formas de intervenção pedagógica através da regência no ensino fundamental.

Entendo que do ponto de vista formal, naquilo que se propõe em termos de identificar a
ementa de uma disciplina como um protocolo de intenções, o PO cumpre os elementos básicos que
favoreça a construção do processo da disciplina em todas as suas fases. Percebo tal construção
pedagógica, através das escolhas de seus objetivos e conteúdos. Seguindo uma linha progressiva,
PO, no Estágio I, orienta o processo de observação da prática do futuro professor; no Estágio II,
planeja e orienta a elaboração do projeto de intervenção; e, por fim, supervisiona o estágio regência
III no Ensino Fundamental. Os objetivos que PO desenvolve a partir das ementas84 e os conteúdos
escolhidos, de certa forma, tentam antecipar, a partir do diálogo entre a teoria e a prática, as
possíveis demandas que venham surgir no período do estágio.
Após analisar as ementas desenvolvidas pelo professor orientador, realizo um questionário
com este docente a fim de aprofundar os conteúdos elencados nas ementas e conhecer os temas
debatidos com os PFs em sala de aula de Estágio.

84
A elaboração das ementas, segundo consta na sessão 4.3, foi de responsabilidade de um grupo de professores da
própria instituição (pertencentes a campi diversos da UNEB).
100

Comento agora sobre a bibliografia escolhida nas ementas, longe de querer fazer uma
análise profunda desta, como já havia colocado antes, apenas evidencio que as escolhas destas
referências foram feitas pelo grupo de estágio do colegiado de língua inglesa. Neste sentido,
percebo a preocupação em trazer livros que abordassem assuntos como: O desenvolvimento da
língua inglesa e novas perspectivas de ensino (BROWN; HARMER; ALMEIDA FILHO); a
questão da interculturalidade (MOTA; SCHEYERL); novas abordagens para sala de aula de escola
básica (PAIVA); os parâmetros curriculares nacionais (EM e EF); formação de professores
(ALMEIDA FILHO; TARDIF), dentre outros.
Neste momento, sigo para outra etapa da pesquisa em que analiso o questionário realizado
com o professor orientador.

4.4 O PAPEL DO PROFESSOR ORIENTADOR FRENTE ÀS DEMANDAS DA DISCIPLINA


ESTÁGIO SUPERVISIONADO

Nesta sessão realizei um questionário (ver apêndice A) com o professor orientador (PO) de
estágio. O objetivo desta fase da pesquisa foi desvendar os caminhos por ele encontrados para que
este organize a sua disciplina. Entender o papel do PO significa adentrar no universo teórico
trabalhado em sala de aula com o futuro professor de línguas que, neste caso, é o sujeito da minha
pesquisa.
Não tenho a intenção de estabelecer o professor orientador como parte central da pesquisa,
contudo, não posso adentrar em questões como análise da relação teoria e prática e planejamento
reflexivo, sem entender como o professor orientador organiza os conteúdos e reflete sobre sua
prática.
Acredito que a base do trabalho do PO como orientador encontra-se em ensinar aos
formandos a refletir criticamente sobre sua prática, o que argumentam Amaral, Moreira e Ribeiro
(1996, p. 101),
A reflexão como meio de formação ajuda-os, no entender de Mclntyre (1993), a
compreender os seus problemas e necessidades e dá direcção e propósito a sua busca de
ideias que ajudem à teorização das mesmas. É neste âmbito, de recurso à reflexão o meio –
estratégia – para desenvolver professores reflexivos.

Sendo assim, este subtópico tem como objetivo entender como o professor orientador da
disciplina Estágio Supervisionado em língua inglesa da UNEB, Campus XIV organiza a sua
disciplina. Através de questionário direcionado a este docente, busco aprofundar os objetivos dos
conteúdos escolhidos por ele para todas as modalidades de Estágio.
101

O referido professor orientador de estágio, PO, tem 13 anos de experiência no ensino


superior, possui mestrado em língua e cultura pela UFBA e é doutorando em Língua e Cultura
também pela UFBA.

4.4.1 Percebendo a estrutura em que se atua

É importante entendermos como o professor orientador (PO) de estágio percebe a estrutura


em que se encontra organizada a disciplina Estágio Supervisionado. Esta disciplina faz parte do
currículo da licenciatura em Letras Língua Inglesa da UNEB e possui um regulamento próprio.
Porém, há acertos e falhas inerentes a qualquer documento oficial. Desta forma, o professor
orientador de estágio deve ter conhecimento de como a disciplina se regulariza dentro do currículo
da graduação, bem como estar atento ao que funciona ou não para o andamento da disciplina
durante o semestre planejado.
Intencionando compreender o conhecimento do professor orientador sobre a estrutura da
disciplina e sua funcionalidade no currículo de Letras Língua inglesa da UNEB, quis saber do PO
como ele analisa a presença da disciplina Estágio Supervisionado no currículo da universidade.
[PO]Com a reforma curricular dos cursos de Licenciatura em 2004, a disciplina de
Estágio Supervisionado teve um incremento substancial em termos de carga horária,
passando de 90h para 400h, e em termos de modalidade: Estágio I (OBSERVAÇÃO);
Estágio II (PROJETO DE EXTENSÃO NA FORMA DE MINI CURSOS); Estágio III
(REGÊNCIA NO EF); Estágio IV (REGÊNCIA NO EM). Essa mudança foi muito positiva
para a formação dos alunos, que têm a oportunidade de amadurecer profissionalmente e
de forma orientada pelo professor da disciplina, durante os dois anos finais do curso.

Sabemos que anterior à resolução CNE/CP85 2, de 19 de janeiro de 2002, da qual a reforma


citada por PO teve seu ponto de partida, a disciplina Estágio se organizava em apenas um semestre
ocorrendo apenas no final da graduação. Essa realidade se mostrava bastante deficitária em termos
de favorecer uma formação geral e profunda ao futuro professor. No que se refere à relação teoria e
prática, havia uma visível ausência de possibilidade de diálogo mais profícuo entre ambos.
(VIEIRA-ABRAHÃO, 2007, p.155). Diante disso, se torna incisiva a fala de PO em relação ao
aumento da carga horária como uma das condições de melhoria do funcionamento da disciplina.
Indo além, a distribuição por modalidades86, segundo PO, traz o benefício de conectar o estagiário
durante quatro semestres com a disciplina, possibilitando o acompanhamento da prática de forma
processual. Corroboro com seu ponto de vista de que essa nova estrutura não só proporciona contato
85
CNE/CP – Conselho Nacional de Educação/ Conselho Pleno.
86
As modalidades de Estágio são 4: Estágio I (observação); Estágio II (Intervenção); Estágio III( regência no Ensino
Fundamental); Estágio IV (Regência no Ensino Médio)
102

e tempo maior com o professor orientador, como também, possibilita um melhor ordenamento do
tempo que, se bem planejado, pode fomentar um trabalho melhor consolidado.
Continuando a questão da estrutura da disciplina Estágio no currículo de Letras Língua
inglesa, indaguei, então, sobre a importância que PO atribui à disciplina no interior do currículo de
formação de professores.
[PO] O Estágio Supervisionado é indispensável na formação profissional desses alunos.
Isso vale até mesmo para aqueles que já ensinam, porque é a oportunidade de se
“enxergarem”, ou melhor, refletirem sobre sua prática docente. A grande dificuldade que
tenho observado durante todos esses anos trabalhando com essa disciplina, é a
insegurança dos estagiários em relação ao uso da LI, seu objeto de ensino. Muitos
desenvolvem a competência profissional, mas o mesmo não acontece com a competência
linguístico-comunicativa. Esse aspecto tem resultado direto na sala de aula, no momento
em que precisam entrar na regência. Geralmente, esses alunos-estagiários se prendem
muito ao uso de dicionários, a aulas voltadas para gramática, além de usarem a língua
portuguesa em quase a totalidade do tempo da aula.

PO inicia sua resposta identificando a disciplina Estágio Supervisionado como indispensável


na formação do aluno estagiário. De acordo com o que podemos depreender da resposta de PO, o
Estágio Supervisionado funciona como uma espécie de “espelho”, pois possibilita ao PF ver
refletida na vida real, uma prática, cuja vivência, para ele, é apenas ensaios de realidade.
Além disso, PO também apresenta aquilo que, a meu ver, corresponde a um dos pontos mais
vulneráveis no interior de uma licenciatura em língua inglesa: a ausência da competência
linguístico-comunicativa. De acordo com PO, “esse aspecto tem resultado direto na sala de aula”.
Ao partir diretamente para a prática, os PFs ressentem esse déficit de conhecimento, e buscam
ancorar-se em estratégias que se apresentam como mais “fáceis” como o foco na gramática e no
vocabulário. Entendo que este tipo de planejamento, de foco único, em nada acrescenta aos alunos
das escolas básicas. Não podemos, como profissionais de línguas, delimitar o conhecimento do
aluno, engessando sua capacidade e não proporcionando toda a amplitude que a aprendizagem de
uma língua estrangeira possa vir a oferecer.
Por outro lado, essa questão da ausência de competência linguístico-comunicativa, demanda
a reflexão sobre os objetivos da própria Licenciatura em Língua Inglesa. Cabe perguntar que tipo de
alunos queremos entre os que ingressam no curso e como eles devem sair quando formados. A
dificuldade do uso comunicativo da língua é realidade que perpassa toda a vida acadêmica do aluno,
de Letras LE, no fundo, o período do estágio funciona apenas como o momento de clímax dessa
realidade. É quando esse problema de domínio da língua é mais explicitado. Não é objetivo da
disciplina Estágio ensinar ao aluno a falar inglês, isso é pressuposto básico de quem chega nele.
103

Esses alunos deveriam chegar com um nível de proficiência na língua alvo, pelo menos satisfatório,
ou seja, com sua habilidade comunicativa razoavelmente87 desenvolvida.
Neste particular aspecto, o que resta ao professor de estágio e talvez a única contribuição
que a ele se apresente, portanto, é o ato de reforçar no aluno o incentivo da aprendizagem
autônoma, que passa por um processo de conscientização e reflexão sobre quais competências um
professor de língua inglesa deve ter (ALMEIDA FILHO, 2008). Contudo, observo também, que o
próprio aluno deve ter autonomia para tentar aperfeiçoar sua capacidade linguística e muitos
acreditam que é a universidade que deve, exclusivamente, fornecer esse conhecimento.
Complemento este posicionamento enfatizando que o desenvolvimento da competência
comunicativa não deve ser papel de uma licenciatura, afinal, aprender uma LE demanda anos de
estudos, o qual o período da graduação, para o aprendizado de uma LE, está longe de ser suficiente.
A verdade é que a graduação ajuda a desenvolver a competência comunicativa, através da carga
horária prescrita no curso voltada para o ensino da língua alvo, mas acredito que não é suficiente.
Sendo assim, o esforço próprio do graduando é de extrema importância e ter a consciência disso faz
o aluno se movimentar para tentar diminuir suas barreiras linguísticas.
Além do que, os problemas de ordem linguística acarretam, segundo PO, a necessidade de o
futuro professor reconhecer a importância do ensino de uma língua estrangeira para a sociedade e
esta importância tem que ser entendida por todos os envolvidos no processo de educação no
ambiente escolar. Não há como ensinar o que não se sabe ou o que não é julgado como importante.
É imperativo o futuro profissional reconhecer que ele mesmo tem que aprender e valorizar a
disciplina que ensina, é uma condição essencial para a melhoria do ensino e, consequentemente,
para uma melhor preparação do futuro professor.
A próxima pergunta dirigida ao PO teve como objetivo verificar como o professor
orientador desenvolve a questão da reflexão da prática durante a disciplina Estágio Supervisionado.

[PO]Na minha opinião, todo professor que trabalha com formação de professores precisa
fomentar esse tipo de discussão em sala. Na UNEB, não existe nenhum componente
curricular específico para isso, mas há componentes cuja ementa permite a condução de
discussões por esse viés. Exemplo disso são as disciplinas de NEI (Núcleo de Estudos
Interdisciplinares), além das de Estágio Supervisionado. Nas disciplinas de Estágio que eu
leciono, eu sempre faço a seleção de textos que abordem o papel desse futuro profissional.
Além disso, eu realizei uma pesquisa de Mestrado de 2011 a 2013, na UFBA, buscando
mapear as crenças de professores em formação sobre a proficiência em língua inglesa. Os
sujeitos dessa pesquisa foram alunos do campus, que hoje já são egressos. O momento de
reflexão que eu considerei como ponto crucial da pesquisa, na formação daqueles alunos,
foi a realização de uma oficina após o mapeamento das crenças. Naquele momento, os

87
Acredito que o aluno possa chegar ao período de Estágio, pelo menos, no nível intermediário.
104

alunos puderam perceber a sua cultura de aprender, a falta de protagonismo nas próprias
vidas em relação ao aprendizado da língua à medida em que buscavam “culpados” para o
insucesso no desenvolvimento linguístico-comunicativo, a necessidade de se perceberem
como potenciais transformadores daquilo que lhes incomodava. Continuarei com essas
oficinas em 2014 e pretendo oferecê-las sempre, a cada semestre. Já apresentei no NUPE88
um Projeto de Pesquisa cujo título é “Crenças e suas repercussões na formação do
professor de LI”. Estou aguardando parecer.

PO reafirma o papel do professor formador como aquele que tem obrigação de desenvolver
uma formação reflexiva. Apesar de ressaltar de que não existe nenhum componente curricular
específico voltado exclusivamente para a reflexão da prática, PO cita as disciplinas de NEI (Núcleo
de Estudos Interdisciplinares) como espaço capaz de trabalhar por esse viés reflexivo. As
disciplinas vinculadas ao Núcleo em questão se constituem em torno de fases progressivas e
ascendentes no processo de aprendizagem dos alunos. Em cada fase, que corresponde a um
semestre letivo, são trabalhados aspectos pedagógicos que venham a aproximar o aluno tanto do
debate teórico quanto prático. Ao final de cada fase, os alunos são levados a produzirem um
trabalho conclusivo – sob a orientação de um professor da área de língua inglesa – que reflita o
debate acontecido em sala de aula e cujo resultado se apresenta em forma de pôsteres, artigos e
relatórios. No caso da disciplina Estágio Supervisionado, que é dividida em quatro etapas, além das
discussões em sala de aula e de textos teóricos, há também a primeira etapa da disciplina (Estágio I)
que se baseia na observação do ambiente escolar com construção de projeto para implementação na
disciplina seguinte de estágio.
Falando de sua experiência pessoal, PO relata sua pesquisa de mestrado cujo objeto de
estudo foi o mapeamento das crenças de professores em formação sobre a proficiência em língua
inglesa. De acordo com esse estudo, PO nos apresenta algumas estratégias reflexivas como a citada
oficina produzida após o mapeamento das crenças. Através dessa oficina, PO levantou questões
pertinentes quanto ao processo de formação de professores, principalmente no tocante ao
desenvolvimento linguístico-comunicativo. A pesquisa de PO também repercutiu um tema caro à
linguística aplicada –aqui me refiro à autonomia – quando identificou em suas fontes a dificuldade
de os PFs se enxergarem como protagonistas de suas próprias vidas em relação ao aprendizado da
língua. Fica da resposta de PO, a indireta sugestão de se contemplar no programa da disciplina
Estágio a estratégia de oficinas reflexivas que abordem diversos assuntos vinculados à formação de
um futuro profissional de língua inglesa.
Ressalto então, nesta primeira etapa, questões que abordaram a importância da disciplina,
estrutura e a reflexão. Passo, então, para a próxima parte das respostas de PO.
88
Núcleo de Pesquisa e extensão da UNEB.
105

4.4.2 O ponto de vista de quem orienta: Interculturalidade e prática pessoal

Nesse momento, além de discutir questões em torno do conteúdo escolhido pelo professor
orientador, busco entender o ponto de vista deste profissional que está em contato com os futuros
profissionais de línguas durante os quatro semestres da disciplina Estágio Supervisionado.
Ao lidar com tal disciplina, com características muito específicas para o currículo da
graduação em Letras (já tratei de tal especificidade em capítulos anteriores), percebi que o professor
orientador deve estar em contato com vários agentes envolvidos para que o estágio do futuro
professor aconteça de fato. Consequentemente, esses agentes envolvidos fazem o professor tocar em
questões que influenciam a construção do seu planejamento e na condução do mesmo, elaborando
uma visão do meio em que atua como participante direto e indireto do processo.

4.4.2.1 O tema interculturalidade em questão

Ainda tendo como referência o tema reflexão em sala de aula, procurei saber do professor
Orientador (PO) se a interculturalidade se fazia presente em suas reflexões. Julgo, tratar-se a
interculturalidade, uma das questões mais essenciais em termos reflexivos no contexto de uma sala
de aula em língua inglesa. Como ressaltei na discussão teórica, em capítulo prévio, ao se tratar de
suporte metodológico para a disciplina Estágio, a abordagem comunicativa intercultural (MENDES,
2008) se configura, para o contexto social da cidade de Conceição do Coité, tema que favorece
discussões em torno de um diálogo mais humano e interacionista em relação a assuntos caros ao
ambiente cultural em que se encontra a licenciatura em Língua Inglesa.
O projeto pedagógico de Letras Língua Inglesa e Literaturas da UNEB, Campus XIV,
aborda em seu documento a demanda da formação intercultural como um de seus objetivos durante
o curso, ressaltando a necessidade de o futuro profissional ter a capacidade de lidar, de forma
crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, no contexto oral e escrito, e consciente de sua
inserção na sociedade e das relações com o outro.
Isto posto, entendo que a questão da formação intercultural exige do profissional um olhar
mais específico sobre os conteúdos abordados na sala de aula. A abordagem intercultural se
apresenta para orientar ações, planejamentos e discussões, buscando a abertura de um diálogo
sensível entre culturas (MENDES, 2008, p. 59). Nesse sentido a resposta de PO me parece refletir
106

um discurso que possivelmente, esteja presente em grande parte das salas de aulas de língua inglesa,
senão vejamos:
[PO] Sim. Primeiro porque através dessas discussões nós percebemos (o professor e os
alunos), a concepção que temos de língua, a concepção que temos de cultura, a
necessidade de entendermos língua-cultura como algo inseparável, a necessidade de
compreendermos o “entre lugar” formado pelo contato entre culturas diferentes, onde uma
não é superior à outra. Eu acredito que, através de discussões sobre a temática
interculturalidade, ajudamos o aluno a transitar melhor entre as línguas-culturas,
valorizando a sua própria, reduzindo preconceitos, derrubando estereótipos.

Incrustado na região do semiárido baiano, o Departamento de Educação, do qual PO faz


parte, funciona como uma espécie de centro formador para onde se dirige boa parte dos cidadãos
das cidades circunvizinhas. Tratar, em uma sala de aula de língua inglesa, de um tema com a
capacidade reflexiva possibilitada pela interculturalidade, em um ambiente geográfico como o que
acabamos de identificar, torna-se quase uma obrigação.
A interculturalidade possibilita, dentre outras coisas, a valorização da cultura local, o
respeito à história, à política e a tudo que permeia o universo regional dos alunos. A intenção de
discutir sobre tal tema também se apresenta na necessidade de respeito a diferenças religiosas
(muito fortes na região), a discussão sobre o papel da mulher e sua valorização na sociedade,
racismo e homofobia, entre outras temáticas, os futuros professores são, em sua maioria, alunos em
situação de vulnerabilidade social e oriundos de escolas públicas deficientes, que trazem para a
universidade uma série de vícios e visões de mundo limitadas ou definidas a partir de conceitos
religiosos ou cultural e socialmente enraizados. Esses PFs vão, em sua maioria, trabalhar em escolas
públicas com este mesmo histórico social. Portanto, nós, como professores orientadores, precisamos
estar mais atentos a tais questões. Sendo assim, o ensino de línguas em torno de uma abordagem
intercultural se faz essencial na região para promover o respeito às diferenças sejam elas quais
forem.
Ainda refletindo sobre a resposta de PO, o que se faz importante entender é que o futuro
professor não só deve ter em si uma postura intercultural, como também deve trabalhar a
importância deste conceito em sala de aula, tornando esta última um ambiente interculturalmente
sensível. Hoje, na contemporaneidade, não podemos formar professores apenas para um ensino
técnico, o que se faz necessário é o futuro professor entender que além de dominar os conteúdos
referentes à língua estrangeira, ele deve ter conhecimento do entorno social em que seu aluno está
inserido.
107

4.4.2.2 O Professor orientador frente aos desafios do Estágio Supervisionado

Outro ponto de vista importante de se visualizar é como PO reflete sobre sua prática. Assim,
perguntei como ele avalia a sua participação, como professor orientador, no processo do estágio.

[P1]Eu sou uma pessoa comprometida com o meu trabalho, além de gostar do que faço.
Isso me ajuda a enfrentar os problemas que surgem na docência para todo e qualquer
professor. Dessa forma, eu parto da premissa de que eu posso e devo passar para eles a
minha experiência, mas eu sempre tenho muito a aprender com eles. A sala de aula é uma
via de mão dupla. Essa tem sido a minha concepção desde o primeiro momento em que
entrei em uma sala de aula. Acredito que minha colaboração tem sido positiva na
orientação do estágio.

Percebo que PO é envolvido no seu trabalho, não só através desta pergunta, mas no conjunto
de todas as outras. Da resposta de PO, depreendemos uma atitude que parece refletir os desafios
demandados cotidianamente de um professor de estágio e as consequentes ações a serem tomadas
por este profissional. Entendo que a disciplina Estágio, por apresentar uma dinâmica muito própria
no currículo universitário, exige dos profissionais envolvidos um perfil específico, pelo fato de estar
conectada não só à universidade, mas aos setores externos a ela, como a escola, o professor regente
e as demandas envolvidas no processo.
Acredito que a sala de aula é sim, uma “via de mão dupla” como cita PO, no sentido de
entendermos que a disciplina Estágio cria uma ponte entre a universidade e a escola básica. Nesse
momento, é possível visualizamos as necessidades, as demandas, os problemas encontrados e,
consequentemente, junto com nossos futuros professores, refletirmos sobre o meio, propondo
soluções possíveis e lutando para uma formação que conduza o professor a um ensino mais atento
às necessidades de seus alunos.
Outra questão bastante pertinente quando se diz respeito ao Estágio Supervisionado é o que
se refere à participação do professor regente89 no processo. Trata-se de momento delicado, pois
impõe ao professor orientador desenvolver uma relação com um profissional, cuja participação, a
princípio, se dá muito mais de maneira espontânea, pois pouco ou nenhum benefício advém em seu
proveito em decorrência dessa participação. Esta discussão já foi feita em capítulo anterior, mas
vale ressaltar que, como expõe Vieira-Abrahão (2007), o professor regente (PR) ganha apenas
acréscimo de tarefas, com o aumento da carga horária destinada a orientação com o estagiário, ou
seja, dependemos do engajamento deste profissional que não recebe nenhum apoio financeiro em
troca. Neste sentido, PO nos relata sua experiência com esse profissional:

89
Professor Regente é o professor de escola pública que recebe o futuro professor em sua sala para o estágio regência.
108

[PO] O professor regente às vezes mostra-se acolhedor e receptivo, mas às vezes fechado e
não disponível. Durante as orientações de estágio, eu costumo lembrar aos alunos que os
professores regentes podem se sentir desconfortáveis e, por isso, se fecham para a
presença de estagiários nas suas salas, principalmente no Estágio I, de observação. Na
minha opinião, isso acontece porque não há ainda uma parceria entre escola –
Universidade, para que o professor se sinta apoiado e não com a sensação de que está
sendo avaliado e julgado. O que tento acordar com os estagiários é a realização do
Estágio II (minicurso) na mesma localidade onde foram feitas as observações. Nos
Estágios III e IV (regência no EF e EM), os estagiários irão entregar ao regente um KIT de
sugestões de atividades usadas durante o estágio, que não estão no LD, com as devidas
orientações para uso.

Na sua fala, PO tenta estabelecer um processo de troca com o professor regente ao sugerir
minicursos no seu ambiente, ao oferecer um KIT com sugestões de atividades, contudo, acredito
que ainda se trata de um envolvimento de troca de conhecimento muito superficial. A questão que
envolve uma reflexão mais ampla que se refere na ausência da parceria, admitida por PO, entre
escola e universidade. Para entender melhor como seria essa parceria, nos remetemos a Vieira-
Abrahão (2007, p. 161), que enfatiza que esse relacionamento só aconteceria se houvesse
participação de todos os envolvidos no processo (professor orientador, o regente, a escola de campo
e os alunos estagiários) na construção do projeto de estágio em conjunto. Segundo a autora, o
projeto deve conter os seguintes tópicos:
1- Objetivos
2- Atribuições de cada uma das instituições e dos atores envolvidos no processo
3- Ações a serem envolvidas
4- Cronograma de execução das ações
5- Critérios para avaliação das ações pelos professores formadores (da universidade e da
escola campo de estágio) e pelo próprio estagiário. (VIEIRA-ABRAHÃO, 2007, p. 161),

Analisando o meu contexto, o que acontece na prática na UNEB, campus XIV é a


construção de um regulamento setorial com todos esses itens acima, – o qual já foram detalhados
em capítulo anterior –, elaborado exclusivamente pelo grupo de estágio do Departamento. A
parceria formal com a escola de campo não acontece, acredito, devido a uma falta de orientação
mais incisiva do governo neste sentido, como também devido à falta de um engajamento maior, por
parte dos professores orientadores do campus, no cumprimento desta tarefa. Uma questão a
enfrentar caso se ventile a possibilidade da construção desse projeto, é lidar com uma realidade que
é a escola, pois esta não ganha, financeiramente, nada em retorno com esse acréscimo de tarefa. Há
apenas o ganho de conhecimento, o qual demanda um altruísmo nesta parceria da parte da escola e
do professor regente. Ou seja, com a ausência de uma institucionalização do processo, o trato com
os envolvidos no estágio, fora do ambiente acadêmico, resulta em um relacionamento meramente
pessoal.
109

Como já afirmei anteriormente, o professor regente caracteriza-se como a ponta frágil90 da


relação entre a universidade, o estágio e as instituições de ensino. Essa conclusão é refletida na
resposta de PO ao destacar que, às vezes, o professor regente é participativo e acompanha o aluno
em formação em todos os detalhes e, às vezes, ele é fechado e não disponível, deixando o aluno à
mercê dos acontecimentos inusitados do dia a dia, com apenas o auxílio do professor orientador.
Trata-se, sem dúvida, essa questão do professor regente no processo do estágio supervisionado, é
algo que demanda um debate mais amplo e urgente, mas que de certa forma ultrapassa o escopo
desta dissertação.
Visando entender a ponte entre os alunos estagiários e as demandas da escola básica,
questionei PO sobre sua condução referente a possíveis intervenções, por parte do estagiário, no
planejamento do professor regente, eis a resposta:
[PO] Geralmente o professor regente passa para o estagiário os assuntos que quer que ele
trabalhe durante determinada unidade letiva. Com a chegada do LD às escolas, o
professor acompanha o livro e espera que o estagiário assim o faça. Via de regra, há um
enfoque gramatical na abordagem do professor, apesar dos LDs contemplarem as quatro
habilidades. Eu não costumo fazer intervenções nos assuntos elencados pelo regente. A
intervenção que tenho feito junto com o estagiário é no sentido de trabalhar com uma
abordagem mais comunicativa e intercultural, que ajude a desenvolver competências
dentro de um contexto significativo aos alunos, explorando o que o livro tem de melhor
para determinada realidade e não ficar preso nos exercícios de gramática e na prática da
tradução literal. Acho essas intervenções necessárias, porque podem contribuir para uma
interrupção de uma prática de aula de LI que não envolve e não motiva nem professores,
nem alunos. Além disso, é uma maneira de fazer regentes e estagiários refletirem juntos
sobre suas próprias práticas. Essas intervenções não acontecem efetivamente quando
esbarram na limitação do estagiário em usar a língua com mais confiança. Percebo que
aqueles alunos, cuja proficiência na língua é limitada, tendem a ficar presos a dicionários
e a fazer os alunos traduzirem muitas palavras, sem nenhum propósito plausível.

Na sua fala, PO informa que quem decide o conteúdo é o professor regente (PR). Sendo
assim, os professores orientadores devem ter como premissa dar continuidade ao trabalho dos PRs,
como também, não impor mudanças no conteúdo escolar da escola pública. A postura de intervir no
programa do regente pode acarretar futuros problemas com a relação escola/universidade, fazendo
com que esse regente se sinta desconfortável em receber futuros alunos da UNEB em suas turmas.
Portanto, se faz necessário, o respeito ao planejamento do regente, tendo consciência de que a
escola é nosso universo de pesquisa e trabalho e sem ela não há sentido à disciplina Estágio
Supervisionado. Por outro lado, entendo que sempre há uma forma de negociação com a construção

90
O professor regente se torna a ponta frágil devido a tudo que venho apontando diante do seu trabalho como orientador
de estágio, ou seja, a ausência de uma regulamentação e valorização deste trabalho que é feito com os futuros
professores.
110

do planejamento, mas isso deve ser debatido entre o estagiário, o professor orientador e,
principalmente, com o regente.
Contudo, mesmo que a premissa do respeito ao planejamento do regente seja verdadeira,
alguns desafios se impõem ao professor orientador quando este convive com essa realidade. PO
observa que o uso do livro didático por alguns professores regentes é bem mecânico, ou seja, ele
apenas acompanha o conteúdo fielmente, sem trazer acréscimos ou adequações ao ambiente escolar
dos alunos. PO ainda aponta que o enfoque dado pela maioria dos regentes ainda segue uma
abordagem gramatical, mesmo com a utilização de um livro didático que aponte o caminho do
ensino das quatro habilidades. Nesse caso, a estratégia utilizada pelo professor orientador com o
objetivo de contornar essas “distorções” se dá através da ênfase em uma abordagem comunicativa
intercultural (MENDES, 2008). Em outras palavras, ensinar língua, não significa apenas visar a
parte estrutural da mesma, mas incorporar uma perspectiva dialógica, voltada para uma postura
interculturalmente sensível as diferenças e respeito ao outro. O ensino é uma construção constante
de busca por significados e compreensão de culturas diferentes, tal abordagem, uma vez
implementada, estabelece um sentido de troca de conhecimento, ao propor aulas dinâmicas e mais
condizentes com a turma, mesmo dentro de um conteúdo limitado (gramatical) oferecido pelo
regente.
A intervenção proposta por PO sugere uma otimização do planejamento de alguns regentes
que ainda têm uma visão muito tecnicista de ensino, buscando fugir um pouco de perspectivas
exclusivamente gramaticais e de tradução literal, e sim, voltadas para um ensino mais significativo
para o aluno da escola básica. Com essa postura, PO intenciona levar ambos, futuros professores e
professores regentes, a uma reflexão da sua prática, percebendo o que é realmente pertinente para a
aprendizagem de seus alunos. Embora o contexto desfavoreça tal postura, é importante se delinear
tal possibilidade.
Infelizmente, PO observa também, que os alunos estagiários com proficiência limitada
pouco podem contribuir para um ensino mais enriquecedor. O que resulta disso é um ensino
meramente gramatical, preso à tradução, ou seja, sem significado para o aluno de escola básica. Tal
panorama exige um grande esforço do professor orientador em tentar propor uma abordagem mais
comunicativa para os futuros professores, mesmo sabendo que suas limitações linguísticas travam a
condução de um processo prático reflexivo do planejamento escolar. Ou seja, a limitação linguística
gera uma repetição do ciclo que ninguém ensina e ninguém aprende e sugere uma reflexão da
universidade de que tipo de profissionais se está formando e deseja formar.
111

Outra questão que abordamos com PO diz respeito à relação teoria e prática. Partimos da
ideia de que a ação reflexiva mais permanente que o futuro professor deve realizar é a associação
teoria e prática, que se torna condição básica para a melhoria do ensino. É através dela que
construímos um processo de ensino/aprendizagem mais condizente com a realidade e, portanto,
mais significativo. Sobre essa questão respondeu PO:

[PO] Necessária. A teoria dá suporte à prática e é revalidada por ela a cada experiência
vivida. Através da prática podemos ajudar o aluno-estagiário a perceber o que é plausível
para a sua realidade e o que não é. Mas para que essa reflexão seja feita, o aluno-
estagiário precisa conhecer a teoria, ou seja, precisa ler, discutir, reler, concordar,
discordar, refletir.

Nesta resposta, entendo que PO percebe a teoria como fundamental para a prática. PO
considera a teoria importante para avaliar o que é eficaz ou não na prática, além de essencial para
ajudar o aluno no processo reflexivo. PO também julga importante o ato de ler e discutir teorias já
formadas como auxílio à construção da prática. A resposta de PO nos remete novamente ao debate
entre concepção dicotômica e concepção dialética da relação teoria e prática. Sem querer adentrar
nesse debate, pois demandaria um nível de aprofundamento que não está nos objetivos dessa
dissertação, apenas entendo que vamos mais além quando aproximamos nossos futuros professores
de uma concepção que identifique no encontro teoria e prática uma relação de indissociabilidade no
processo de ensino e aprendizagem. Identifico na resposta de PO tratar-se de uma profissional
devidamente alinhado com essa concepção que ora defendo.
Na verdade, o que temos que compreender é que, da prática se faz a teoria, ou seja, da teoria
nasce o estudo da prática. Não há como dissociar esses dois conceitos. O professor que trabalhar
dentro desta perspectiva, irá fomentar no aluno a capacidade de analisar seu meio e criar suas
próprias teorias, desenvolvendo um ambiente de eterna reflexão de saberes e, consequentemente, de
eterna transformação.
Ainda sobre a questão, considero essa inter-relação essencial para o entendimento do futuro
professor sobre sua sala de aula. Ao término de sua graduação, o aluno deve estar bem seguro desse
conceito que unifica a relação teoria e prática, para que não considere a teoria e a prática elementos
distantes da realidade e absolutamente dicotômicos. O objetivo é que este novo profissional vá além
da graduação nos seus estudos e busque novas respostas para sua sala de aula, consciente de que o
entendimento da conexão teoria e prática é indispensável à continuidade dos seus estudos
reflexivos.
112

Outro elemento presente no processo do Estágio Supervisionado é o que se refere à


educação básica como lugar de onde acontece a prática escolar. Nesse caso, quando se trata do
professor orientador da disciplina Estágio Supervisionado, é importante entendermos como ele
enxerga este ambiente e o que ele tenta produzir de planejamento para melhorar a preparação dos
futuros profissionais. A pergunta que se segue foi feita nessa perspectiva de como ele reflete sobre o
ensino de língua inglesa na educação básica contemporânea. Vejamos o que diz PO:

[PO] Infelizmente ainda está bastante distanciado dos reais interesses discentes. Há 10
anos, eu tenho trabalhado no Campus XIV, em Coité, com a disciplina de Estágio
Supervisionado. Me afastei da regência dessa disciplina apenas no período de mestrado,
mas ela foi fundamental para a pesquisa. Os alunos que encaminho para estágio nas
escolas atualmente, encontram professores de LI que foram meus alunos no passado. As
experiências e os relatos provenientes desses encontros são diversos: ou são aulas
interessantes e alunos motivados, ou as aulas se limitam à correção de exercícios no
quadro, tradução de palavras com o uso de dicionário, total desmotivação de alunos e
professor. Por que isso? Me pergunto. Discutimos tanto nas aulas de estágio e quando o
aluno se forma, continua fazendo a mesma coisa. A resposta que eu encontrei na minha
pesquisa foi através das crenças. As crenças moldam nossas ações. No momento em que
esses alunos chegam à universidade, eles já apresentam um repertório de crenças
formadas durante toda a sua experiência enquanto eram alunos no EF e EM. Talvez seja
por essa razão que eles tendem a reproduzir uma prática que vivenciaram e, infelizmente, a
perpetuar o ensino que encontramos ainda hoje na escola pública.

PO relata que já trabalha há 10 anos com esta disciplina e que quando encaminha seus
alunos para o campo de atuação eles se deparam com dois tipos de profissionais. O primeiro é um
professor regente que desempenha excelente trabalho e que motiva seus alunos no estudo da língua
estrangeira, o segundo, trata-se de um profissional que se utiliza de aulas monótonas fincadas em
tradução e logicamente, com uma abordagem exclusivamente gramatical.
No seu trabalho de mestrado, PO realizou uma pesquisa sobre crenças e constatou que
alguns professores em formação mantêm a mesma postura que encontraram no ensino médio com
seus professores de línguas, devido a crenças formadas ao longo de sua vida escolar. Isso acontece,
infelizmente, mesmo muitos deles possuindo competência linguística na língua alvo. Ou seja, ainda
repetem tais posturas. PO informa também que as crenças moldam a nossa postura e esses alunos já
chegam a universidade com crenças bastante sedimentadas. PO ainda argumenta que vários destes
regentes que estão nas escolas, para as quais seus alunos estagiários irão ser encaminhados,
perpetuam um tipo de trabalho longe da realidade. Constato, nesse momento, a necessidade de a
universidade ficar mais próxima da escola, promovendo palestras, cursos e pesquisas naquele
universo. Faz-se necessário uma aproximação mais direta da universidade nesse setor. Acredito que
ainda estamos distantes, sem dar a devida retribuição das nossas pesquisas para este meio, pois a
113

mudança ainda é muito pontual. A graduação que trabalha com licenciatura tem que ter
preocupação com uma aproximação mais direta com a escola, como algo primordial.
Contudo, percebo que há vários meios para aprimorar os estudos de forma autônoma em
relação à aprendizagem de línguas. Basta o próprio professor entender a necessidade de melhorar a
sua condição, pois é esse seu papel como um bom profissional de línguas com compromisso sólido
com a sociedade. Ao mesmo tempo, o professor que tem o domínio da língua inglesa e não a utiliza
para compartilhar seu conhecimento com seus alunos, consegue, no meu entendimento,
proporcionar um desserviço maior a sociedade. Isso só prejudica o próprio aluno de escola básica,
que termina por repetir um ciclo que ninguém ensina e ninguém aprende, fazendo com que a escola
perca seu papel de fomentadora de conhecimento, colocando na sociedade indivíduos que passaram
anos e anos de sua vida sem aprender nada. Em suma, o professor precisa entender o seu papel para
provocar mudanças em seu meio.
Em complemento à resposta anterior à última pergunta dirigida a PO, mais do que saber
como ele reflete sobre o ensino de língua inglesa na educação básica, eu quis saber dele como ele
entende o ensino de língua inglesa na escola pública:
[PO] Acredito que o ensino deva priorizar o desenvolvimento de competências,
principalmente a competência leitora. Ler e compreender, para aprender a criticar,
sugerir, opinar, a partir de um assunto ou problema de interesse da comunidade. No caso
específico de LI, acredito que o trabalho com diferentes gêneros textuais seria um caminho
interessante. O professor poderia partir do gênero de maior interesse para o grupo,
oferecendo mostras de uso do idioma em diferentes localidades do mundo e expandir para
outros gêneros, para ampliar a percepção dos alunos em relação ao uso da língua/cultura.
Em um segundo momento, o professor poderia propor aos alunos a produção de um texto
na LI, dentro do gênero que o grupo escolhesse. Essa abertura e possibilidade de escolha
dá ao grupo a responsabilidade que eles precisam para crescer, dentro de um limite
acordado por todos e gerenciado pelo professor.

Como você pode ver, PO defende a priorização de todas as competências, mas enfatiza que
o foco deva ser na competência leitora. O interessante da proposta de PO é que no uso de gêneros
variados há também a sugestão de textos oriundos de países diversos, demonstrando um trabalho de
conhecimento linguístico e culturalmente abrangente. Esse tipo de abordagem retira a hegemonia
linguística de um país anglófono único e dá uma visibilidade ampla de mundo e culturas diferentes.
É um trabalho de natureza intercultural e que pode ser muito rico para os alunos de escola básica
cuja consequência pode vir a gerar posturas culturalmente sensíveis de respeito em relação à
diversidade encontrada em sala de aula.
A segunda parte da aula de língua inglesa idealizada por PO seria a produção textual na
língua alvo, dando uma liberdade dos alunos escolherem o gênero textual de preferência,
proporcionando um momento de criatividade, criticidade e desenvolvimento linguístico muito
114

pertinente com as demandas da sociedade. Nesta comunidade global em que estamos inseridos,
devemos nos comprometer a desenvolver cidadãos reflexivos e autônomos, dentro da proposta de
mudança e envolvimento social, postura que a escola na contemporaneidade deve estar
verdadeiramente atrelada.
Finalizo a análise das questões realizadas com o professor orientador de estágio e passo
agora para o próximo item, em que me refiro à análise das aulas práticas dos futuros professores. A
observação consistiu em assistir um total de 16 horas de aulas, as quais foram divididas entre os três
futuros professores. Neste momento, investiguei a evolução da reflexão crítica do PF no ato da
prática.

4.5 COM A MÃO NA MASSA

A observação consiste em um dos passos mais importantes para o pesquisador, pois


configura-se como o momento de analisar o que, de fato, ocorre na prática, ou seja, a construção do
processo de ensino/aprendizagem. Segundo Cavalcanti e Moita Lopes (1991, p. 136) “o que a
pesquisa de sala de aula pretende é exatamente dar conta dessa construção ao investigar [...] os
processos interativos que caracterizam o contexto de sala de aula, isto é, como o professor ensina e
como o aluno aprende”.
No que diz respeito a esse tema, intencionei estabelecer uma relação entre o que foi
planejado pelo futuro professor e o que aconteceu, de fato, durante seu período de estágio. Para
tanto, busquei verificar sua capacidade de lidar com acontecimentos imprevisíveis demandados pela
dinâmica da sala de aula. Sobre essa questão relacionada ao ato de refletir sobre a prática, tenho
consciência de tratar-se de professor que ainda se encontra em fase embrionária em relação a sua
capacidade de articular-se e ser um profissional crítico-reflexivo.
A título de organização, a análise, deste ponto específico, está dividida em três partes, uma
para cada aluno PF1, PF2 e PF3. Essa análise consiste em associar o plano diário do professor em
formação com a aula observada, visando investigar seu desempenho e poder de improviso e
reflexão durante a realização de sua aula.
115

4.5.1 Análise do desenvolvimento crítico-reflexivo do Professor em Formação (PF1)

Marquei com PF1 para assistir sua primeira aula de estágio regência em nove de maio de
2014. A escola escolhida é muito grande, com salas espaçosas e muito bem conservada. Observo
que os alunos são calmos, na sua maioria, e as turmas não são numerosas. A instituição é parceira
de estágio da UNEB, Campus XVI e costuma receber alunos das três licenciaturas.

Aula 1 de PF1
A observação tem como seu ponto de partida a descrição de trechos do plano de aula do
futuro professor. Segundo consta no planejamento de PF1 (em anexo A) a aula apresentou três
objetivos: o primeiro diz respeito à segurança da capacidade de se comunicar em língua inglesa; o
segundo objetiva o desenvolvimento da auto-estima do aluno; e o terceiro visa aumentar o
reconhecimento prévio em relação à língua estudada. Os objetivos não se referiam a nenhum
conteúdo linguístico, pois, segundo PF1, este era o primeiro dia de aula e sua intenção era apenas
resgatar alguns vocabulários já existentes na rotina dos alunos, assim como evidenciar algumas
regras e posturas diante da aprendizagem do inglês.
A metodologia utilizada consistia em realizar jogos que ativassem o vocabulário já
conhecido pelos alunos, portanto, o conteúdo foi apenas resgate de itens lexicais pré-existentes. Na
sequência, registro um excerto da referida aula, com destaque para a questão da importância da
presença do professor regente em sala de aula:
Aula 1, 9º ano, 9 de maio de 2014
13:10- A turma consta de 12 alunos e a aula começa atrasada – os primeiros horários nesta
escola sempre começam as 13:10; 13:15 –, pois o horário previsto é às 13:00. PF1 se
apresenta para os alunos, uma vez que o professor regente não aparece para apresentá-lo.
Sinto o nervosismo inicial em PF1, mas a aula começa, mesmo assim, com uma introdução
de “combinados”, que significa o que os alunos devem ou não fazer em sala de aula. PF1
escreve no quadro a palavra “disciplina” e depois escreve “respeito” e explica: Respeito
com o colega, com a pronúncia, que ali é um ambiente de aprendizagem, portanto, podemos
errar sem ser julgados. Escreve “ordem/organização” no quadro, pedindo organização com
o caderno. Pergunta se os alunos têm alguma dúvida. Arruma a sala em semicírculo. Os
alunos aparentam estar calmos. Os alunos ficam olhando para mim e indagando quem sou
eu, pedi para o PF1 me apresentar e ele esqueceu, está um pouco nervoso, pois é a primeira
vez nessa turma.

Uma das informações que apresento no trecho acima se refere à ausência do regente no
primeiro dia de aula do estagiário. Considero que esse tipo de atitude nos leva a questionar sobre
que tipo de preparo deve ter um professor regente para receber um professor em formação. Como
já tratei anteriormente sobre essa questão referente ao papel do professor regente, essa ausência
116

reflete o “problema” na prática. A não presença do regente pode gerar insegurança ao novo
professor com impacto direto em seu processo de formação. Em anos de experiência profissional,
presenciei esse tipo de atitude por parte de regentes – não foi o caso do regente de PF1 –, entretanto,
isso não tem significado uma regra absoluta, já que muitos dos regentes com os quais trabalhei se
mostraram profissionais sérios e comprometidos. No entanto, é sempre bom ressalvar, que o fato de
o regente se manter diariamente no interior da sala de aula, não necessariamente, corresponde a uma
situação positiva.
É importante que o professor regente entenda que o futuro professor precisa de
acompanhamento de qualidade, o que não implica, necessariamente, uma presença maciça na sala
de aula. Um trabalho de planejamento prévio e observações de aulas pontuais para correções de
posturas e orientações já são suficientes para caracterizar uma atitude positiva por parte do regente.
Logicamente que esse assunto não é tema de resolução simples, acredito que o que falte, entre a
UNEB e as escolas parceiras, é um planejamento conjunto do estágio com objetivos e regras
desenvolvidos e acordados entre estas duas instituições e não elaborado única e isoladamente pela
universidade, como se concretiza atualmente no Campus XIV. Entretanto, entendo que o regente,
por seu conhecimento prévio sobre a realidade em que atua, cumpre uma função estratégica em
termos de criação das condições objetivas em que o estágio se desenvolverá. Dando seguimento aos
registros produzidos a partir da aula de PF1, segue outro excerto da continuação da aula anterior:

Aula 1, 9º ano, 9 de maio de 2014


13:40 Por fim, começa uma dinâmica chamada “brincadeira da teia” – os alunos devem
falar uma palavra em inglês e passar o cordão para outro aluno fazer a mesma coisa, eles
não podem demorar mais que 5 segundos para pensar uma palavra –. PF1 lembra-se de me
apresentar agora, depois que observa o burburinho dos alunos. Os discentes aparentam ser
carinhosos e calmos e estão fazendo todas as ações indicadas por PF1. Os alunos estão
muito empolgados e alguns saem da brincadeira, pois não lembram mais nenhuma palavra.
Termina a brincadeira da teia e o PF explica que muitos alunos já sabem muitas palavras
em inglês, mas se inferiorizam achando que não sabem nada. PF continua conversando e
pedindo para os alunos se “soltarem” mais e falarem livremente. Depois dessa dinâmica há
outra semelhante utilizando vocabulário, só que o PF mostra gravuras (casa, carro, hospital,
supermercado, boneca...) e pede para os alunos dizerem o nome do objeto em inglês.

Por tratar-se do primeiro contato de PF1 com a turma, este utilizou-se da situação para
levantar questões relacionadas com a necessidade de se estabelecer posturas positivas de respeito ao
outro durante as aulas. Nesse caso, a estratégia lúdica com o vocabulário, demonstrada na
“brincadeira da teia”, mostrou valorizar a aprendizagem dos alunos até aquele momento, gerando
uma maior auto-confiança e ajudando a diminuir o filtro afetivo (KRASHEN, 1985 apud LARSEN
FREEMAN, 1991). Contudo, acredito que, para contato inicial, o estagiário deve se preocupar em
117

valorizar, também, a aprendizagem da língua inglesa tão fortemente esquecida pela escola. É
preciso seduzi-los no tocante à importância de aprendizagem da língua em seu contexto complexo e
profundo91, buscando a noção do domínio da língua como importante para o desenvolvimento da
condição de cidadãos que têm direitos de aprender e conhecer o mundo ao redor. Essa abordagem,
considero, principal e básica para a formação do futuro professor, para que, também, o aluno
estagiário tenha conhecimento da necessidade de trabalhar tal conceito de língua92, e o estudo de
sua complexidade para os seus futuros alunos, e que, no final, leve essa proposta de conhecimento
para a sua vida profissional.
A referida primeira aula de PF1 foi geminada com uma segunda aula. Dela originou-se uma
série de anotações e observações cujo trecho reproduzo abaixo:
Aula 1, 9º ano, 9 de maio de 2014
13:50- Inicia o segundo horário, aula na mesma turma. PF1 continua a aula anterior
mostrando mais gravuras e pedindo o nome do objeto em inglês. As gravuras terminam e
PF1 começa a aula pelo improviso, pois afirma que o professor deu o livro errado para ele
planejar. Mais uma vez outro jogo de vocabulário. PF1 explica que vai trabalhar muito com
pronúncia e começa a explicar o jogo que vai fazer a seguir. O nome do jogo é
“brainstorm” e que os alunos devem falar qualquer palavra que se associe a palavra “life” –
a palavra “life” é escrita no quadro dentro de um circulo feito por PF1, os alunos começam
a citar algumas palavras relacionadas: “ Love”, “fun”, “beautiful” e etc. Os alunos
completam muito bem o jogo sugerido por PF1, mas há alguns estudantes que se recusam a
participar do jogo. PF1 tenta encorajá-los. Há outra conversa informal com os alunos sobre
o que irá acontecer no período de regência e PF1 lembra que os alunos devem trazer
dicionário. A segunda aula termina antes do horário às 14:20, pois PF1 afirma que o
regente deu o livro errado de outra série para que ele planejasse. A aula é dada em
português com algumas frases em inglês.

Essa observação de PF1 possibilitou-me presenciar uma situação inusitada, ainda que
presente em qualquer realidade escolar. O regente equivocou-se no planejamento, trocando as
turmas, o que desencadeou a necessidade do improviso do PF1. Nesse momento, ficou evidenciado,
a completa falta de experiência e a incapacidade de resolver problemas de última hora. PF1 não
conseguiu dar prosseguimento à aula, encerrando-a antes do prazo final. Questões como essas,
mesmo que não estejam previstas em nenhum planejamento, devem fazer parte do debate que
antecede a entrada do estagiário na sala de aula. Sobre o comportamento de PF1 nesse episódio,
entendo tratar-se de atitude compreensível se levar em conta o fato de este se encontrar no início de
seu processo de articulação com a prática sem apresentar tempo suficiente de amadurecimento
requerido nesse tipo de situação.

91
No sentido de se entender que o estudo de uma língua estrangeira deve ser realizado considerando toda a sua
complexidade comunicativa, abordando todas as habilidades (ler, escrever, fala e escutar) e seus aspectos culturais.
92
Me refiro, a um conceito de língua atrelado ao estudo profundo desta, dentro de sua complexidade comunicativa e
cultural.
118

Aula 2 de PF1
Segundo PF1, essa segunda aula objetivou revisar o conteúdo “graus comparativos e
superlativos”, com metodologia proposta a partir de um diálogo inicial sobre o assunto, seguido da
aplicação de uma apostila com o enfoque gramatical revisado (ver anexo B), conforme se pode ver
nas observações abaixo:

Aula 2, 9º ano, 26 de maio de 2014.


14:45- Há uma média de 15 alunos. PF1 pergunta quem fez a atividade, mas a maioria não
fez. O professor regente não se encontra na escola. PF1 avisa que a aula será uma revisão
da aula anterior. PF1 inicia fazendo uma chamada, os alunos estão sentados aguardando,
mas o barulho do lado de fora é alto. PF1 coloca a data no quadro e os alunos avisam que
em inglês é primeiro o mês e depois a data. O assunto é sobre o grau dos adjetivos. Ele
começa a explicar o assunto colocando no quadro os adjetivos e a mudança de -er ou o
acréscimo de more than de acordo com o número de sílabas. -smaller, stronger- more
expensive than e segue assim até perto do final – PF1 faz perguntas sobre o grau dos
adjetivos e explica que só sabemos as quantidades das sílabas pela pronúncia. PF1 fala
também dos adjetivos irregulares. E depois começa a explicar sobre o “comparative of
equality”, PF1 dá um exemplo em português: “O cabelo dela é tão preto quanto...” e
escreve no quadro “Her hair is as Black as...”; “John é tão inteligente quanto Jane”; John is
as intelligent as Jane” – Os alunos levam um tempo copiando e depois ele distribui uma
apostila (Anexo), só com esse enfoque gramatical. PF1 lança algumas perguntas sobre o
assunto dado e os alunos não sabem responder. PF1 justifica que o assunto já foi ensinado e
não entende o porquê dos estudantes não saberem. PF1 começa a perguntar o que os alunos
não entenderam, pois todos eles aparentam ter muita dificuldade com o exercício que o PF
sugeriu. Os alunos questionam que não sabem identificar quando o adjetivo é grande ou
não. PF1 explica que com o tempo eles vão conseguir identificar. Depois PF1 salienta que
já vai determinar as sílabas dos adjetivos antes dos alunos fazerem a tarefa. PF1 passa pelas
carteiras tirando dúvida e há muitas. Inclusive tem um aluno que se recusa a fazer qualquer
atividade, termina a aula e ele vai embora. Essa aula é geminada, os alunos ficaram o final
da primeira aula e a segunda toda fazendo um exercício gramatical. Após o término do
exercício, PF1 recolhe a apostila e a aula acaba. A aula é explicada toda em português.

Novamente, percebo que o professor regente não se encontrava na escola naquele dia.
Observo o foco puramente gramatical desta aula, que, segundo PF1, é uma continuação do mesmo
assunto ensinado em aula anterior. Apesar da repetição do assunto, conforme me foi sinalizado por
PF1, a dificuldade de aprendizagem é muito grande, os alunos se sentem inseguros, ainda que o
professor em formação tenha passado de carteira em carteira para reexplicar individualmente as
dúvidas de cada discente. Observo que PF1 gasta bastante tempo em um exercício de grau
comparativo e superlativo que nada tem relacionado com vivência dos alunos, ou seja, um exercício
sem significado para os estudantes.
O fato de PF1 não entender a dificuldade dos alunos em estabelecer uma memória da aula
anterior só explica o quanto a fase do estágio é verdadeiramente embrionária. Os alunos não
entendem porque estão aprendendo tal assunto gramatical e qual a relevância disso em suas vidas.
Por outro lado, PF1 não consegue perceber que o processo de aprendizagem é muito mais complexo
119

e que não se restringe a uma simples dificuldade de memorização. Ensinar é, principalmente,


estabelecer diálogos contínuos e cumulativos. Entretanto, para que se alcance um resultado positivo
e duradouro, esse processo deve ser construído a partir de uma estratégia que leve em conta
elementos próximos da realidade cotidiana do aluno, caso contrário, restam apenas a abstração e o
desinteresse.

Aula 3 de PF1
De acordo com o plano de aula de PF1, o objetivo dessa aula foi trabalhar o verbo can. A
metodologia utilizada buscava desenvolver o enfoque gramatical, através de vídeos em que os
estudantes poderiam formular frases com o uso de can e can’t. A aula finalizou com uma
apresentação dos alunos, em que estes deveriam elaborar frases utilizando o verbo can apresentando
habilidades do seu cotidiano. Segue um trecho do início da aula de PF1, em que analiso a sua
capacidade de reconduzir seu planejamento em meio às dificuldades:

Aula 3, 8º ano, 11 de julho de 2014.


10:28 A sala consta de 22 alunos. A aula deveria começar as 10:15, são duas aulas
geminadas, mas encontro PF1 ainda fazendo chamada e o professor regente arrumando o
data show, pois a aula seria realizada na biblioteca da escola, mas esta já estava ocupada,
exigindo a procura rápida por outro local para se realizar a aula. Neste caso, observo que se
não fosse a ajuda do professor regente para montar o data show em outra sala, a aula de PF1
começaria ainda mais atrasada. Percebo a dificuldade de se organizar o data show a
contento, ocasionando em um atraso muito significativo para o início da aula.

Esse tipo de contratempo não pode estar completamente ausente do espaço da sala de aula
de Estágio Supervisionado. O inesperado, não obstante seja algo que nos pegue de surpresa, deve
ser devidamente previsto através do uso de um plano B93. Entretanto, quando se trata de um aluno
estagiário, não podemos exigir dele o completo controle da situação. Sua condição de aprendiz, tira
dele o nível de ação que poderia ser cobrado sobre um profissional experiente.
Em casos como esse, é ao professor orientador que recai maiores responsabilidades. É
preciso estar ciente que esse tipo de situação pode ser algo mais corriqueiro do que imaginamos, e
nesse caso, deve sim ser incorporado como elemento de reflexão da disciplina Estágio
Supervisionado.
Visando ter uma compreensão mais ampla do processo, mesmo que não seja essa a
metodologia central dessa dissertação, em algumas oportunidades busquei retirar do professor

93
O plano B consiste na elaboração de outro plano de aula sempre que os PFs decidirem trabalhar com o uso da
tecnologia.
120

regente algumas observações sobre o aluno estagiário. Na terceira aula que acompanhei de PF1 tive
a oportunidade de buscar um feedback do regente, me sendo possível identificar um traço de PF1
que talvez não tivesse oportunidade de descobrir por não acompanhá-lo em todo seu período de
estágio. Apresento o trecho de minhas anotações em que relato esse citado episódio:

Aula 3, 8º ano, 11 de julho de 2014


10:28 Enquanto PF1 faz chamada e o professor regente arruma o data show, aproveitei para
fazer umas perguntas sobre o desempenho de PF1 durante o período de estágio, pois o
professor orientador me avisou que PF1 havia faltado algumas aulas. O professor comentou
que PF1 é um ótimo professor, muito criativo, mas que tem problemas com
responsabilidade, faltando algumas vezes no decorrer do estágio sem avisá-lo previamente.

A presença do regente em auxílio ao estagiário se mostrou essencial para a segurança deste.


Apesar de ter se ausentado em determinadas aulas, foi possível identificar no regente, através de
conversas, seu nível de comprometimento e acompanhamento em relação ao trabalho de PF1. No
que diz respeito à questão da irresponsabilidade de PF1, em relação à frequência do estágio,
entendo como um exemplo de imaturidade de quem ainda não se deu conta do peso da
responsabilidade do que é ensinar. Acrescento, que ao tomar conhecimento das aulas perdidas por
PF1, o professor orientador assegurou a reposição de todas elas.
São questões como essa que o professor regente e o orientador devem estar preparados para
lidar, pois, infelizmente, alguns futuros professores devem ser mais cobrados do que outros para
entenderem o significado do compromisso com o ensino e a aprendizagem. Outra questão
importante, presente nesse episódio, foi a comunicação realizada entre o regente e o professor
orientador. Acontecendo via e-mail ou presencialmente, é importante observar a necessidade da
existência de um trabalho em conjunto entre esses dois sujeitos envolvidos no estágio
supervisionado.94 A participação do professor regente no episódio deu-se com a reprogramação das
aulas a serem dadas por PF1.
Ainda me referindo à terceira aula de PF1, me despertou atenção a seguinte ação:

Aula 3, 8º ano, 11 de julho de 2014


10:32 PF1 pergunta se os alunos pesquisaram uma música em casa. Nenhum aluno fez a
pesquisa.

Esse trecho nos remete à questão da autonomia e do interesse. O fato de nenhum aluno ter
feito a tarefa de casa, trata-se de apenas um sintoma de um problema muito mais profundo e que se
expande para além dos objetivos investigativos delineados nessa dissertação. Ao analisar um
94
Esse trabalho em conjunto não se configura um projeto de estágio, mas apenas uma relação entre regente e orientador,
que na verdade, já se concretiza durante muito tempo.
121

momento específico de um processo que se constitui muito antes de minha chegada ao espaço
escolar, restringi minha análise ao retrato identificado àquele momentâneo pedaço de realidade
sobre o qual o escopo desse trabalho se propõe a refletir. A princípio, o fato de os alunos tratarem
com negligência a tarefa de casa pode ser analisada sob diversas perspectivas. Questões de natureza
social podem sim estar na raiz do problema. Entretanto, prefiro ser mais pragmática e buscar
entender o problema como reflexo de um longo processo de desgaste e desvalorização do
conhecimento que, no caso específico de LE, sofre ainda de um histórico processo de
marginalização entre as disciplinas do currículo escolar.
PF1 apresenta, em sua terceira aula observada por mim, suas escolhas metodológicas, cuja
descrição que fiz dos primeiros passos de sua aula é possível identificar sua estratégia de warm up:

Aula 3, 8º ano, 11 de julho de 2014


10:32 PF1 pergunta se os alunos pesquisaram uma música em casa. Nenhum aluno fez a
pesquisa. PF1 mostra um vídeo de uma criança se apresentando em um show de música
chamado “Britain’s got talent”. Os alunos prestam atenção, mas falam por cima, ficam
agitados. O vídeo é sobre uma criança que tenta cantar, mas chora com medo do palco. A
criança se retira e volta com uma segunda chance, cantando muito bem. Os alunos gostam
do vídeo, falam por cima perdendo um pouco do diálogo. PF1 explica que escolheu o vídeo
devido ao medo da criança cantar e compara com o medo dos alunos de se expor na sala e
aprender inglês. PF1 pergunta, em inglês, o que aconteceu no vídeo, os alunos respondem,
em português, e PF1 completa dizendo que hoje eles vão também se apresentar em aula. Na
verdade, o objetivo do filme foi tentar desinibir os alunos para uma tarefa. PF1 continua
fazendo perguntas para os alunos: “Where is Mick from?”, os alunos respondem “de
Londres”; “How old is he?”, Os alunos respondem “nove”, PF1 diz “não entendi”, os
alunos respondem “nine”; PF1 complementa a resposta dos alunos: “He is nine years old”.

A escolha do PF1 sobre um vídeo preparatório como estratégia de quebra de inibição é


legítima e demonstra que ele está consciente em desenvolver este aspecto tão caro à aprendizagem
de línguas, ou seja, baixar o filtro afetivo (Krashen, 1985 apud LARSEN FREEMAN, 1991), para
que a aprendizagem flua. O uso da tecnologia, neste caso, anima os alunos e os motiva a aprender.
Isso é visível na agitação deles em comentar o vídeo e responder às perguntas de PF1.
A insistência, por parte de PF1, em fazer os alunos sempre responderem em inglês é algo a
ser notado e valorizado. Em uma sala de aula de língua estrangeira, a língua alvo deve ser
permanentemente “naturalizada” entre os alunos. É preciso transformá-la, não só em algo menos
abstrato, mas, principalmente, em algo que não acabe gerando uma atitude de medo e repulsa por
parte do aprendiz.
No segundo momento da aula continuo a perceber a preocupação de PF1 em preparar os
alunos antes de iniciar o vídeo. Tal atitude ajuda a diminuir o filtro afetivo, pois, como observo
122

nesta aula, o aluno se mostra consciente sobre o objetivo que se predispõe a tarefa seguinte e se
organiza para executá-la. Como segue no exemplo abaixo:
Aula 3, 8º ano, 11 de julho de 2014
10:55 PF1 projeta um segundo vídeo, mas antes escreve no quadro: “What can she do
without arms?”, e explica o que os alunos vão escrever – em português – ou seja, as ações
que a senhora pode fazer sem o braço. Os alunos se arrumam para a tarefa, ansiosos. Este
vídeo contém uma senhora que não tem os braços e que realiza várias tarefas com os pés.
PF1, ao final do vídeo lista no quadro em inglês, juntamente com os alunos, as tarefas
realizadas pela senhora: “She can collect crab; She can open the door...” Um aluno grita:
Bota em português pra gente entender! PF1 diz: vocês entendem, sim! e continua
escrevendo no quadro: “She can carry a bowl, She can get water, She can wash her face...”
Depois PF1 explica algumas ações que ele mesmo não sabe fazer: “I can’t cook, I can’t
drive a car...” e para fechar o assunto, PF1 passa uma atividade em que os alunos devem
escrever o que sabem fazer ou não fazer e escreve no quadro: “I can _____; I can’t______”.
Explica a estrutura da frase no quadro, utilizando o verbo can ou can’t. Tira dúvidas. PF1
distribui dicionários para os alunos e circula pela sala tirando dúvidas individualmente.
Todos fazem as tarefas.

Até onde me foi possível perceber, a aula de PF1 segue um processo metodológico bastante
consistente. Sua preocupação em construir uma sala de aula dinâmica e harmônica é visível através
de suas ações. Suas aulas são muito bem estruturadas apresentando proposta de preparação – warm
up – que considero essenciais para o começo de uma aula. O warm up prepara os alunos para o que
vai acontecer de forma suave e interessante e se bem planejado, realmente, “aquece” os alunos para
a aula que vai se seguir. PF1 é muito feliz em suas escolhas, o trabalho com o verbo can através de
um vídeo que mostre o uso e o significado do verbo no cotidiano, é realmente bastante motivador.
A criação de frases de autoria própria dos alunos é uma estratégia excelente de PF1. Esse
tipo de ação motiva, pelo fato de estar criando algo conectado ao mundo dos alunos, além de fazer
com que os estudantes aprendam a estrutura gramatical em seu verdadeiro uso, atrelado à prática da
rotina por eles vivenciada.
Transcrevo o trecho final de minha observação:
11:34 Os alunos finalizam a lição e PF1 explica que cada um vai ler suas frases na frente da
sala. Um aluno grita: “É pra falar em inglês, é?” Alguns protestam, mas leem. Em relação
aos mais tímidos PF1 aproximou-se da carteira para ouvi-los. A pronúncia é corrigida, os
alunos continuam se sentindo muito intimidados a falar inglês e a aula termina às 11:45.
Observo que PF1 não escreve nada das respostas no quadro, mas fala em inglês muitas
vezes.

O fechamento da aula se dá com a participação oral dos alunos. Mesmo PF1 preparando
seus alunos, desde o início da aula, para esse fim, ainda percebo resistência por parte de alguns
estudantes, o que é muito natural. Pela faixa etária adolescente, o medo de se expor e ser criticado é
alto nesse momento, mas o objetivo de todos realizarem a tarefa oral é alcançado. Em suma, PF1
demonstrou grande amadurecimento de uma aula para outra. A questão reflexiva também se
123

mostrou presente de maneira mais efetiva nas aulas de PF1. Essa última aula observada e
apresentada aqui em trechos, foi realizada com muito êxito. Os objetivos propostos foram
concluídos, a discussão do respeito ao outro e a necessidade de diminuir o filtro afetivo foram
contempladas. PF1 comprovou, mesmo com alguns pontos relacionados a sua responsabilidade e
assiduidade, que o seu processo de reflexão da prática está em efervescência.
Passemos agora para o segundo professor em formação (PF2) e o seu desenvolvimento
crítico-reflexivo nas aulas de regência no Estágio Supervisionado III.

4.5.2 Análise do desenvolvimento crítico-reflexivo na aula de PF2

Observei a primeira aula de PF2 em oito de maio de 2014. A escola escolhida para estágio é
vista como de muito boa qualidade na região por ter um bom funcionamento, ser organizada e,
principalmente, pelos professores serem bastante envolvidos com a instituição. Já trabalho com esta
escola desde que entrei na UNEB e realizei muitas observações de PFs orientados por mim e posso
afirmar que trata-se de uma escola muito comprometida com a comunidade. Observo, também, que
há poucos alunos por sala, o que, acredito, deve facilitar bastante à aprendizagem e o controle da
classe.

Aula 1 de PF2
A aula é planejada com os mesmos objetivos da aula de PF195. O fato dos professores em
formação PF1 e PF2 terem o mesmo planejamento é um ato corriqueiro em estágio, uma vez que
eles costumam se organizar para planejarem juntos ou trocam mensagens com atividades. Vejo a
troca de ideias e o desenvolvimento em conjunto do conhecimento como uma atitude
enriquecedora.
Vejamos um trecho em que descrevo os momentos iniciais da aula:
Aula 1, 9º ano, 8 de maio de 2014.
10:20 A turma tem 16 alunos e estão voltando do recreio. A primeira aula de PF2 é
semelhante a aula de PF1, é o mesmo planejamento, ele se apresenta sozinho para os
alunos, sem a presença do professor regente. Contudo, a turma de PF2 é muito reservada,
PF2 tem que se esforçar muito para os alunos participarem, inclusive alguns alunos se
recusam a participar da “brincadeira da teia”. PF2 explica que só vai trabalhar vocabulário
neste dia, pois é o primeiro dia e não apresentará conteúdos. Arruma a sala em semicírculo

95
Objetivo Geral: Sentir-se seguro da própria capacidade de se comunicar em Língua Inglesa, desenvolvimento da auto
estima e reconhecimento dos conhecimentos prévios.
Objetivos Específicos:Expandir vocabulário;Trabalhar a habilidade de speaking.
124

e começa uma dinâmica chamada “brincadeira da teia”. PF2 passa um tempo explicando o
jogo e incentivando aos alunos participarem – os alunos devem falar uma palavra em inglês
e passar o cordão para outro aluno fazer a mesma coisa– Depois dessa brincadeira há outra
semelhante utilizando vocabulário. A brincadeira é chamada “brainstorm” e os alunos
devem sugerir outras palavras relacionadas com a que PF2 escreve no quadro dentro de um
círculo (life). PF2 explica que muitos alunos já têm certo número de vocabulário, mas
pensam que não sabem. PF2 avisa que vai brincar muito com eles para ajudá-los na
aprendizagem.

Conforme relato, PF2 ao se utilizar da “brincadeira da teia”, usa da mesma estratégia inicial
de PF1. A princípio, esse tipo de comportamento semelhante, entre os futuros professores, me passa
a impressão de que se trata de uma atitude de busca de segurança. Nada é mais seguro, para quem
está iniciando o ato de dar aulas, do que seguir estritamente as estratégias previstas no
planejamento.
Naquilo que se refere à “brincadeira da teia”, ainda que ambos tenham demonstrado
interesses em valorizar a aprendizagem dos alunos e de gerar uma maior autoconfiança, percebi em
PF2 uma valorização da estratégia da “brincadeira da teia” como uma forma de realmente
transformar a introdução da aula em uma grande “brincadeira”. Diferente de PF1, que teve o mesmo
ponto de partida, mas buscou uma maior variação em termos de estratégias de ensino, PF2 acabou
por se restringir a uma única.
Esse tipo de comportamento pode ser o reflexo de uma desconexão entre o que se debate e
se reflete na sala de aula de Estágio Supervisionado, e o que, efetivamente, é executado pelo
professor em formação. A princípio, me parece que o professor orientador não teve acesso a esse
plano de aula96. Mesmo que ao estagiário caiba a responsabilidade sobre uma pequena parte do ano
letivo, é importante que, ao entrar em sala de aula, ele tenha a devida consciência de que sua
participação faz parte de um todo que deve ser refletido a partir da noção do estágio como uma fase
de transição. O estagiário é uma espécie de elo entre as unidades comandadas pelo professor
regente, portanto, sendo uma parte desse todo ele deve ter a devida noção de seu lugar nesse
processo e refletir permanentemente sobre ele97.
Ao restringir o tempo de aula a uma única dinâmica, PF2 perdeu a oportunidade de
colaborar positivamente no todo do processo em que ele assumiu momentaneamente uma parte. Os
PFs são orientados a planejarem sob a orientação do regente e do professor de estágio, mas muitas
vezes os estagiários conseguem desviar dessas orientações e acredito foi o que aconteceu nesta aula.

96
Muitas vezes os alunos faltam a orientação e vão para sala de aula sem o olhar do orientador sobre seu trabalho. Tal
situação acontece algumas vezes e, infelizmente, prejudica o processo de desenvolvimento reflexivo do PF.
97
O PF é orientado que deve cumprir o planejamento do professor regente.
125

Os PFs, além de refletirem sobre o planejamento prévio do regente, a fim de que a aula não sofra
uma dissolução de continuidade, devem investir parte de seu tempo conhecendo mais os alunos, ou
mesmo trabalhando a importância do estudo de uma língua estrangeira em sala.
No segundo horário deste mesmo dia, PF2 inicia a aula trabalhando com um assunto
gramatical “passado simples”. Em seu plano o objetivo geral sugere que os alunos deverão se
expressar no tempo passado da língua inglesa, utilizando a estrutura dos verbos regulares no
passado. Dando seguimento a aula de PF2, segue trecho da observação do segundo horário:

Aula 1, 9º ano, 8 de maio de 2014.


11:10 Começa o segundo horário e o planejamento tem como objetivo o estudo do passado
simples dos verbos regulares. O livro didático ainda não é utilizado e PF2 escolhe trabalhar
com slides. Os alunos prestam atenção enquanto PF2 explica os slides – os slides contêm
os verbos no presente e depois no passado. Ex: I visit my friends/ I visited my friends – PF2
pergunta em português qual seria a diferença entre as frases. Alguns alunos respondem que
é o acréscimo de -ed a palavra visit. PF2 utiliza o quadro para explicar o passado simples
dos verbos –. Os alunos ainda se mantêm tímidos, mas já começam a participar da aula com
mais entusiasmo. Mesmo uma aluna mais relutante, termina participando.

Neste primeiro momento da aula, observo que PF2 opta por não utilizar o livro didático e,
neste caso, utiliza-se de slides para explicar os pontos gramaticais do conteúdo abordado. Acredito
que esta escolha motivou os alunos a participarem mais ativamente da aula, já que há entre os
alunos uma propensão para o engajamento nas aulas que lançam mão de recursos tecnológicos. O
conteúdo proposto é bem trabalhado e entendido pelos alunos, além de estimular uma maior adesão
e segurança para a participação.
No segundo momento da aula PF2 avança, em termos de estratégia, para o uso de dois
textos, conforme relato em minha observação presente no excerto abaixo:

Aula 1, 9º ano, 8 de maio de 2014.


11:22 PF2 distribui pequenos textos e orienta que os alunos deverão identificar (em grupo)
os verbos que se encontram no passado, separando-os dos outros tempos verbais. Os alunos
não sentem muita dificuldade, alguns tiram dúvidas enquanto PF2 circula pela sala. A aula
leva um longo tempo nesta mesma atividade, alguns grupos já terminaram outros não, mas
PF2 continua levando a mesma atividade por um bom tempo. Alguns alunos dispersam
conversando e brincando entre si, enquanto PF2 ainda circula pela sala conversando com
alguns grupos. 11:38 PF2 decide que os alunos devem falar em voz alta os verbos no
passado selecionados do texto distribuído anteriormente. Os alunos, antes participativos, se
sentem tímidos e desencorajados a falar em inglês. PF2 incentiva dizendo que todos devem
respeitar o colega, mas mesmo assim alguns se sentem intimidados. Por fim, alguns alunos
respondem, outros se recusam a responder e outros só respondem se o PF2 falar primeiro.
A aula termina antes da finalização desta tarefa as 11:50.
126

Um constante desafio que se impõe ao professor de língua inglesa é a conciliação entre o


ensino gramatical e o comunicativo. E para o período do estágio essa relação exige muita
criatividade do futuro professor.
Ao utilizar-se do slide e toda a simbologia representada pela imagem como elemento
atrativo ao estudante, PF2 o faz para explicar pontos gramaticais do conteúdo abordado. Apesar do
uso da tecnologia e de suas benesses, como relatado anteriormente, PF2 ainda não consegue romper
com a maneira estática de apresentar o conteúdo. Os slides se restringem a apresentar os diferentes
tempos verbais através de frases estanques que em nada servem para incorporar nos alunos um
sentimento de cumplicidade entre o que se está ensinando e o que se está aprendendo.
Creio que, demonstrando a melhor das intenções, PF2, na segunda parte de sua aula, ao
trabalhar com textos em inglês, opta exclusivamente pela tarefa mecânica de identificação e
separação de verbos no conteúdo dos textos trabalhados. Mais uma vez, os alunos não são levados a
entender o conteúdo e o significado do que estão aprendendo. O texto, a seus olhos, é uma grande
abstração.
Ao propor, em seus objetivos, que a aula deveria levar os alunos a se comunicarem
utilizando o passado simples, entendo que o alcance desse objetivo ficou prejudicado diante da
abordagem hegemonicamente gramatical e muito pouco comunicativa. No que se refere à reflexão,
tema caro para essa dissertação, a aula de PF2 pouco dialogou com um trabalho crítico e reflexivo.
Suas estratégias, ao se restringirem ao foco gramatical, se limitaram a desenvolver um plano que
em nada acrescentou à aprendizagem contextualizada e significativa de seus alunos.

Aula 2 de PF2
A aula 2 do PF2, teve como objetivo geral, segundo o futuro professor, compreender,
interpretar e aplicar os recursos expressivos da linguagem revelados na rotina. Os conteúdos
propostos são os graus superlativo e comparativo de adjetivos. PF2 apresenta ainda mais cinco
objetivos específicos para essa aula de duas horas. São eles:
1. Adquirir vocabulário que lhe permita comparar entidades relacionadas a um grupo ou a dois
elementos específicos;
2. Aprender o uso apropriado de superlativos e comparativos em conversações;
3. Comparar e classificar objetos através de características e qualidades;
4. Praticar funções linguísticas a que será exposto;
5. Transformar informações em conhecimento.
127

A primeira questão a ser pontuada no tocante a essa aula de PF2 está no plano de aula que
apresenta alguns objetivos específicos bastante abstratos. Em entrevista, mais tarde, PF2 me
informou que ele não teria entregado o plano para avaliação do orientador. Esse tipo de atitude por
parte do estagiário é apenas mais uma das distorções que envolvem o processo do estágio e que
devem fazer parte da reflexão diária do professor orientador.
Ao propor, em seus objetivos, ações do tipo “Praticar funções linguísticas a que será
exposto” e “Transformar informações em conhecimento”, PF2 pouco informa, em termos práticos,
do que pretende realmente alcançar com sua aula. Quanto aos outros objetivos, esses sim, mais
factíveis de serem alcançados, foi possível perceber, através da observação da aula, uma tentativa
de alcançá-los, por parte de PF2. Vejamos o seguinte trecho de minha observação:
Aula 3, 9º ano, 25 de julho de 2014.
10:25 PF2 inicia a aula com apenas 12 alunos presentes, bem agitados, acredito que a causa
seja a chegada deles do intervalo, porém bem participativos. PF2 começa falando “good
morning”. Uma aluna se zanga porque PF2 fala em inglês (minha interpretação) e vai para
o fundo da sala. PF2 começa a arrumar a sala e faz perguntas em inglês fazendo mímica.
Mostra objetos e pergunta: what do you see? What color?,Is it large, small? Os alunos
reclamam: Fala em português!Conforme a aula continua, a aluna zangada senta na frente e
começa a participar, respondendo as questões. PF2 aponta para os objetos (uma bola, carro,
boneca e etc) e pergunta: Which is the biggest?. Os alunos respondem em português. PF2
explica o grau comparativo em inglês utilizando os objetos. PF2 escreve no quadro a
explicação: Superlative and comparative.E utiliza o quadro de forma muito organizada,
aliás toda a sua aula é bem estruturada.

Iniciei a observação da aula de PF2, identificando sua preocupação em organizar as cadeiras,


o que é de extrema importância para o andamento da aula e para a perspectiva da atividade que PF2
havia proposto. Isto é positivo, pois como se sabe, o professor que organiza a aula de acordo com a
tarefa proposta está mais propenso ao sucesso na aprendizagem, pois sua aula já estaria voltada a
um foco, em que a arrumação da sala se torna essencial.
A estratégia utilizada nessa aula visava alcançar dois de seus objetivos. O primeiro é o que
se refere a “Aprender o uso apropriado de superlativos e comparativos em conversações” e o outro é
o que visa “Comparar e classificar objetos através de características e qualidades”. Ao introduzir a
aula através de perguntas tais como, “What color is it? e Is it large, small?”, PF2 procura levar
seus alunos a classificarem objetos através de características e qualidades. De certa forma, PF2
cumpre o específico objetivo proposto para aula. Entretanto, quando se propõe em seus objetivos,
ensinar os superlativos e comparativos através da conversação, PF2 trai suas próprias intenções.
Não sei qual o conceito de PF2 para “conversação”, mas, definitivamente, está longe de se
enquadrar na dinâmica de perguntas e respostas utilizadas por ele. Mais uma vez, temos o déficit de
128

reflexão que tanto propomos como elemento de construção de uma aula mais crítica e mais
contextualizada.
Outro aspecto interessante dessa aula de PF2 é o que diz respeito à resistência dos alunos em
ouvir a aula na língua alvo. Aliás, esse aspecto é unânime entre os alunos das diversas turmas
observadas. Em alguns casos, no primeiro momento, foi de resistência de alguns alunos. Assim,
fenômenos desta natureza convertem-se como importante desafio para o futuro professor. É em
casos como estes que sentimos a “presença de espírito” no profissional. Não se deve desistir do
aluno logo no primeiro obstáculo, e PF2 não só não desistiu, como buscou criar todas as
possibilidades de convencimento que desconstruam a resistência dos alunos. Com essa postura, PF2
ultrapassou a intimidação inicial, fazendo uso de atividades motivadoras, mas sem abrir mão do uso
da língua na comunicação em sala de aula. Neste sentido, o importante é que o futuro professor
mantenha o uso da língua como atividade regular, trabalhando através de mímicas ou figuras, a fim
de criar no aluno o hábito de ouvir e falar na língua alvo, tornando-a o mais natural possível em sala
de aula.
Vejamos a sequência desta aula:
Aula 3, 9º ano, 25 de julho de 2014.
10:40 PF2 separa os alunos em equipes de 4 pessoas e distribui apostilas e objetos para
cada equipe. Observo que os comandos dados aos alunos por PF2 são claros e fáceis de
entender, os alunos não sentem dificuldade em acompanhar a aula de PF2, pois o estagiário
é muito organizado e claro nas instruções. A apostila contém uma lista de adjetivos que eles
devem usar adequadamente, de acordo com os objetos em mãos. PF2 explica que eles
devem criar frases tanto no grau superlativo quanto no grau comparativo. Os alunos tentam
seguir o que manda o estagiário e PF2 caminha pela sala tirando dúvidas.

PF2 tem um excelente senso de organização, não só no gerenciamento da aula e do warm up


dessa, mas também com o uso do quadro e apostilas. Com esse procedimento, mesmo os alunos
mais dispersos participam da aula, ou melhor, todos os alunos demonstram desejo em participar da
aula. O seu domínio da língua e da classe é visível. PF2 consegue dar importância ao que é
relevante e algumas atitudes de resistência não atrapalham a aula, pois as mesmas são devidamente
controladas por PF2 que se mostra um estagiário com surpreendente controle de sua sala de aula.
O trecho a seguir é quase autoexplicativo no que se refere a um dos maiores obstáculos
presentes em uma sala de aula de língua estrangeira: a vergonha em pronunciar palavras que
pertencem a um outro universo linguístico. Vejamos:
Aula 3, 9º ano, 25 de julho de 2014.
11:05 Os alunos continuam na mesma tarefa.
11:15 Após mais 10 minutos em uma mesma tarefa, a qual visualizo que o estagiário
poderia ter realizado outra e enriquecido mais a sua aula. PF2 pede para os alunos
apresentarem suas frases, mas eles relutam muito. PF2 insiste bastante e finalmente uma
129

pessoa do primeiro grupo, muito timidamente, apresenta as frases. E seguem as


apresentações nos outros grupos. No segundo grupo o aluno só consente em falar na
condição de PF2 repetir a frase. No terceiro grupo a aluna fala com menos inibição, mas os
colegas riem e ela se sente intimidada e diz: Ah! Não sei falar esses nomes, não! Diante
desse quadro PF2 continua solicitando a participação dos outros grupos numa tentativa de
não perder a dinâmica da aula. Ao final, resgata o que foi visto fazendo questionamentos
aos alunos referente, ao tema da aula e às 11:45 PF2 conclui a aula.

Diante da frase “Ah! Não sei falar esses nomes, não!” qual professor de inglês já não se
deparou com algo parecido? Posso dizer que essa realidade é exclusiva da disciplina Língua
estrangeira. Desse modo, se o aluno não se comunica na língua estrangeira, como podemos
desenvolver a aprendizagem?. Quebrar esse primeiro contato, estabelecer cumplicidade, naturalizar
a língua, são os grandes desafios do professor de inglês. No caso de PF2, não obstante todas as
dificuldades referentes à condição de estagiário, este demonstrou maturidade suficiente para tentar
transpor esse obstáculo.
Entretanto, essa questão não se trata apenas de um simples caso de inibição, existe, portanto,
uma maior complexidade por trás desse tipo de atitude representado na citada frase. Na visão dos
alunos, o inglês é a língua do outro, e esse outro normalmente é apresentado como representante de
uma cultura hegemônica. A carga cultural presente na língua inglesa muitas vezes pode ser
inibidora no processo de sua aprendizagem. Por outro lado, também pode fazer-se com força
suficiente para provocar atitudes de subserviência nesse mesmo processo de aprendizagem.
Diante disso, a pedagogia crítica e reflexiva, acaba por tornar-se ação básica dentro de uma
sala de aula de inglês. Ao professor de inglês, é preciso permanentemente refletir criticamente sobre
seu conteúdo. Mais do que uma simples relação de ensino e aprendizagem, está uma relação entre
valores culturais que, se não forem devidamente refletidos, podem transformar-se em uma perigosa
relação de subserviência.
Percebo que para a melhoria do desenvolvimento crítico da aula de PF2, falta uma
discussão prévia do seu plano com o professor orientador (PO). Acredito que uma revisão mais
apurada dos seus objetivos e das atividades escolhidas surtiria um efeito mais positivo na
construção de seu planejamento e, consequentemente, um reflexo de uma aula mais enriquecedora.
Sendo assim, tal atitude de não-apresentação do plano ao PO afetou a ação mais positiva de seu
desenvolvimento reflexivo.
Na sequência, passo agora para a análise dos trechos das aulas do terceiro e último futuro
professor observado (PF3).
130

4.5.3 Análise do desenvolvimento crítico-reflexivo da aula de PF3

Marquei com PF3 para assistir as suas aulas em 19 de maio de 2014. A instituição escolhida
pelo futuro professor nunca foi visitada por mim. É uma parceria nova do Campus XIV. Portanto,
só posso relatar o que visualizo no momento da observação e, logicamente, há pontos que merecem
um estudo mais profundo para se concluir alguma questão. Em minha percepção, achei a escola
muito preocupada em disciplinar os alunos, o que é positivo dependendo de como isso é realizado.
Isso é evidente pela organização de uma pasta azul que contém os nomes dos alunos e os problemas
evidenciados por todos os professores. A título de primeira impressão achei os estudantes
barulhentos e inquietos. Em comparação com o que vi nas duas outras instituições observadas
anteriormente, em que estagiaram PF1 e PF2, achei que a escola precisa avançar muito em termos
de relacionamento com os alunos. Durante minha observação surgiram questões a este respeito
evidenciado nos dados coletados, e que serão devidamente debatidos no momento propício.

Aula 1 de PF3
Inicio identificando o objetivo geral e específico do plano de aula (em anexo D) do futuro
professor. Em relação ao primeiro, ele propõe “Fazer com que os alunos percebam que o
superlativo serve para destacar um elemento do outro”. Já o que ele pretende alcançar de maneira
específica visa “Compreender o processo de formação dos graus dos adjetivos”. O conteúdo é o
grau superlativo e suas regras, introduzido por ele, com a utilização de gravuras que remetem a
adjetivos e comparações.
Ao me preparar para a observação das aulas, percebi que a referida escola já possuía o livro
didático e este estava sendo usado nas aulas98. Identifiquei nos livros uma abordagem mais
comunicativa, entretanto, ao me deparar com os conteúdos propostos pelo professor regente – Graus
comparativo e superlativo e passado simples – percebi que se restringia a temas gramaticais e pouco
dialogava com a proposta do livro.
Em sua primeira aula observada, PF3 buscou abordar os já citados conteúdos presentes no
plano da regente:
Aula 1, 7º ano- B, 19 de maio de 2014.
8:00 A aula já havia começado desde as 7:30, mas eu ainda não havia chegado. A sala tem
uma média de 30 alunos. Quando cheguei o assunto do dia era Superlative of adjectives, a
aula se desenvolve através de uma correção de um exercício do livro didático e observo que

98
KILINER, Mariana; AMANCIO, Rosana. Vontade de saber inglês. Língua estrangeira moderna inglês. 7º ano. São
Paulo. FTD. 2012.
131

apenas 2 alunos estão sem o livro. A regente se faz presente na sala, sentada ao fundo e
controlando pontualmente a disciplina(e/ou a aula). Os alunos estão arrumados em fila e a
turma é muito calma.
8:15 PF3 inicia o fechamento da aula fazendo algumas perguntas sobre o assunto que irá
ser abordado na próxima aula: o que é adjetivo?; E continua explicando em português, que
adjetivo indica qualidade ou defeito. Acaba a aula e PF3 retorna para essa turma só no 4º
horário.
4º horário: 10: 30 PF3 retorna para a turma e utiliza figuras (de pessoas, objetos) como
warm up. PF3 utiliza das figuras para ensinar o grau superlativo de adjetivos e escreve no
quadro “Superlative of adjectives” e os adjetivos das figuras (figuras em anexo E): Strong,
Angry, Hungry, Old, Fat, Tall, Short… todos eles com a tradução ao lado. Começa a
explicação gramatical. Os alunos copiam tudo do quadro e prestam muita atenção. PF3 usa
um exercício do livro texto sobre o assunto como fixação.
11:05 Começa a correção e a aula termina as 11: 20. A turma demonstra muita
tranquilidade, fazem tudo o que é pedido sem reclamar. Ao final da correção PF3 passa um
exercício para casa. Neste intervalo perguntei se PF3 gostou da aula, ou se modificaria
alguma coisa. Ele respondeu gostou bastante e que talvez acrescentasse mais dinâmicas.

A primeira impressão que tenho do PF3 é sua falta de domínio da língua inglesa. Esse déficit
tende a influenciar toda prática que vem a seguir. A aula é mecânica, organizada e voltada
exclusivamente para o foco gramatical. A aula é conduzida toda na língua portuguesa. Entretanto,
assim como PF1 e PF2, PF3 busca a segurança de seguir seu planejamento literalmente. O uso
constante do português não me parece ser fator de preocupação por parte do PF3. Mais do que a
dificuldade de falar a língua, me parece que essa questão do uso do inglês, no diálogo com os
alunos, é algo que diverge entre os professores em formação. Não existe um padrão de
comportamento entre eles sobre essa questão. Entretanto, é possível perceber que entre aqueles que
insistem – mesmo diante da repulsa dos alunos – em falar em inglês durante a aula, apresentam uma
postura muito mais reflexiva e comunicativa, e menos gramatical e mecânica.
Apesar das dificuldades apresentadas por PF3, ainda assim, observo que seu plano foi bem
elaborado e flui de forma eficaz dentro do objetivo proposto por ele. O uso de procedimentos, como
warm up, demonstra que o PF3 tenta construir uma aula de maneira mais criativa e dinâmica,
entretanto, ao se restringir a uma explicação focada apenas na gramática, deixa de estabelecer um
diálogo mais contextualizado com seu aluno. O fato de a turma ser composta de alunos bem
atenciosos me deixa a imaginar a quantidade de possibilidades de desenvolvimento da língua e a
variedade de atividades que poderia ser utilizada com uma turma, que, aparentemente, está disposta
a aprender. Outro ponto que chama atenção aqui, por esse professor em formação, é passar muito
tempo em uma atividade única, o qual parece ser uma característica dos três informantes da
pesquisa.
Retomando a questão do frágil domínio da língua, entendo que esses futuros professores
chegam ao período do estágio supervisionado com esse déficit de aprendizagem e isso só emperra
132

seu desenvolvimento como profissional crítico-reflexivo. É difícil exercer uma abordagem mais
intercultural e comunicativa sem o domínio da língua alvo. Nesse caso, ao professor de estágio,
pouco resta a fazer. Não está previsto nos estatutos da UNEB o teste de proficiência antes do
vestibular. Uma tentativa de remediar essa questão é tomada pelos professores da área de línguas
(laboratório) ao executarem um projeto de ensino de línguas para esses alunos a partir do início do
semestre. Por serem ações paliativas, muitos alunos continuam chegando à disciplina estágio com
essa fragilidade.
O impacto, causado na disciplina estágio, por esse déficit de conhecimento, é imediatamente
identificado pelo professor orientador. Receber o futuro professor em formação com no mínimo o
conhecimento intermediário da língua que pretende ensinar deve ser condição básica para uma
disciplina cujo cerne é o de construção e debate teórico e prático para o exercício da profissão.
Diante de uma situação como essa, o que resta aos professores orientadores envolvidos no processo
é discutir sobre a importância de melhorar o auto-desempenho comunicativo na língua alvo, através
do incentivo de estudos autônomos e de conscientização do papel do professor de língua inglesa na
atualidade. Ainda assim, acredito que deva haver um trabalho maior, em conjunto, dos professores
do colegiado de língua inglesa, para tentar diminuir essa limitação linguística nos futuros
professores. Um trabalho que acompanhe a evolução do nível desses alunos, periodicamente, e que
garanta o ingresso destes futuros professores na disciplina Estágio com o desempenho comunicativo
na língua alvo, pelo menos, no nível intermediário.

Aula 2 de PF3
Ainda que não tenha prejudicado o resultado final da pesquisa, no caso de PF3 só foi
possível acompanhar dois dos três encontros de observação propostos. Isso se justifica pelo fato de
PF3 ter encerrado seu estágio sem avisar-me, conforme tínhamos combinado. Fiquei apenas com as
quatro horas de aulas que foram realizadas no início de seu estágio.
Essa aula aconteceu em uma turma diferente e por conta disso PF3 repetiu o mesmo
planejamento da aula anterior. Vejamos alguns excertos da observação:
Aula 2, 7º ano A, 19 de maio de 2014.
8:25 A turma está bem agitada. A regente entra na sala também para tentar controlar os
alunos indisciplinados. PF3 começa a aula se apresentando e avisando que irá haver uma
dinâmica. A aula é interrompida por um aluno indisciplinado ocorrendo a devida
intervenção da regente no episódio.
8:30 A aula continua, são distribuídas gravuras. A sala é rearrumada e os alunos ficam em
dupla. A aula mais uma vez se baseia na fala dos alunos em relação ao que está na
gravura(em anexo). Eles podem se expressar em inglês ou português e PF3 escrever no
quadro o adjetivo com a tradução. O assunto é “superlative from adjectives”. PF3 grafa
133

uma palavra errada no quadro e depois corrige: Hungy = hungry – ele tem anotações em
que confere as palavras – e continua sua aula com a explicação gramatical. A aula é toda
em português.

Tal qual a aula da turma anterior, PF3 segue a mesma estratégia de seguir estritamente o que
está previsto no plano. Utiliza as figuras como warm up, sendo que no caso dessa turma, diferente
da anterior, os alunos são agitados e pouco se concentram. Abre-se aqui a possibilidade de
analisarmos uma questão importante no âmbito do estágio: como o professor deve se comportar
diante de públicos diferentes. Já identificamos, de maneira geral, que os futuros professores tendem
a seguir o plano de aula e reproduzir, em todo o tempo de duração da aula, um passo a passo básico.
Diante de uma aula devidamente enquadrada em pressupostos básicos, o que acontece
quando se lida com o imprevisto? PF3 preparou aulas semelhantes para serem aplicadas em turmas
com comportamentos diferentes. Ao insistir com uma aula exclusivamente gramatical, PF3 teve
dificuldade de construir uma relação de cumplicidade com seus alunos. Esse tipo de atitude me faz
questionar se PF3, em seu período de observação da turma99, não verificou tal comportamento e
tentou, junto com o professor orientador, elaborar planos com uma variedade de atividades maior e
que motivassem mais esse perfil de aluno. É sempre bom frisar que todos os alunos estagiários têm
bastante tempo e orientação programada para tentarem prever tais problemas e diferenças de
condutas entre as turmas. Sei que não é a primeira experiência de PF3 como professor e isso talvez
reforçasse um planejamento mais bem elaborado, contudo não é assim que acontece na prática.
Nessa segunda aula, PF3 segue apresentando sua dificuldade no domínio da língua, pois usa
o português durante todo o tempo da aula. Além disso, o não domínio da língua e de sua escrita
exige de PF3 uma constante consulta em anotações, o que acaba por quebrar a dinâmica da aula em
alguns momentos. Ao cometer erros básicos de escrita, PF3 acaba por fragilizar sua imagem diante
dos alunos.
A aula segue:
8:45 Entram dois alunos na sala ouvindo música no celular, falando alto e brincando com o
estagiário. A professora pega uma pasta azul e ameaça escrever o nome deles em tal pasta.
Os alunos se sentem intimidados e se calam.
8:47 A aula continua com mais regras gramaticais e exemplos escritos no quadro sobre
formas irregulares de superlativos. Bom- good – the Best... Os alunos copiam e PF3 espera.
No segundo momento PF3 pergunta quem tem livro didático e depois sai pela sala
observando quem está com o livro aberto. PF3 começa a correção do exercício de casa, que
corresponde a uma interpretação de texto. A aula é interrompida devido a uma reclamação
da regente em relação a um aluno que conversa. Ela avisa que a escola tem uma ficha em
que todos os professores escrevem sobre a conduta dos alunos.

99
Todos os alunos estagiários tem um período de observar a aula do professor regente, planejar e pesquisar, antes de
começarem a estagiar na turma.
134

8:50 A aula continua. PF3 volta a fazer a correção. Alguns alunos entram e saem – eles não
pedem permissão para sair.
9:13 PF3 pede para os alunos abrirem o livro na página 31. A regente tenta organizar as
“desordens”. PF3 continua a aula. Os alunos estão muito inquietos – não há interesse. Aula
muito gramatical e descontextualizada. Os alunos se xingam. Há muita indisciplina.

Finalizo a observação desse primeiro horário questionando-me sobre a presença quase


constante do conteúdo gramatical como elemento básico das aulas. Além disso, observo o quanto é
relevante no processo de condução de uma aula a questão da indisciplina. Tenho consciência de que
se trata – a indisciplina – de um objeto dos mais caros àqueles que se debruçam sobre o estudo da
realidade em nossas salas de aula. No âmbito da disciplina Estágio Supervisionado, a questão da
indisciplina escolar ganha centralidade no limite do que se pode prever em termos de aproximação
da realidade de uma sala de aula. Ao observar a atitude passiva de PF3 diante desse desafio de lidar
com a indisciplina em sala de aula, e ao mesmo tempo, identificando na didática e nas estratégias de
ensino um contraponto bastante positivo ao “problema” da indisciplina, entendo o quanto uma
permanente reflexão crítica, por parte do professor, sobre sua aula, pode gerar dividendos relevantes
em termos de condução do processo ensino-aprendizagem.
Diante da questão da indisciplina, PF3 se coloca distante da “desordem” dos alunos na sala,
deixando para a regente a função de resolvê-los. Pergunto-me se seria a ameaça de se escrever em
uma “pasta azul” o nome dos alunos indisciplinados, que irá melhorar a longo prazo o problema da
indisciplina. Logicamente, que não. A escola tem que entender seu papel para com a comunidade e
tentar não remendar problemas e, sim, enfrentá-los e prever possíveis soluções. O aluno estagiário,
por outro lado, não pode se abster de elaborar uma aula que adentre questões de comportamento,
postura e respeito ao próximo. Afinal, essa é a conduta de um professor que opta por uma
abordagem intercultural. Longe de mim afirmar que o estagiário deve tentar solucionar todos os
problemas de conduta encontrados na escola, já que é importante nesse momento é que o futuro
professor tenha consciência de que dar aula não é apenas ensinar conteúdos gramaticais. Assim, é
preciso se dar conta de que existe um universo cultural que seu aluno frequenta, muitas vezes com
ética e conduta próprias, o qual devemos adentrar e tentar melhorar através da escolha dos
conteúdos e das práticas.
Dando seguimento:
9:20 Começa o segundo horário nesta mesma turma. A tarefa de classe tem prosseguimento
e ela ganha o auxílio da regente.
9:30 O exercício gramatical continua. Com a ajuda da regente a indisciplina ficou
controlada. Uma aluna fala: Como hoje é o primeiro dia, você deveria ter passado mais
brincadeiras, né? Sei que não somos mais da primeira série, porque naquela época,
quando chegava um estagiário, tinha um monte de brincadeiras, mas já estamos grandes,
135

né? Deve ser por isso... PF3 pergunta: Vamos corrigir? Um aluno responde: Vamos
corrigir em outra aula?
9:40 Começa a correção. Um crossword com adjetivos no grau superlativo. Os alunos
ficam inquietos novamente, a regente tenta controlá-los. PF3 continua a correção com a
explicação gramatical. A regente pega a tal “pasta azul” e começa a escrever o nome dos
alunos inquietos.
9:50 Ainda na correção. PF3 explica a tarefa de casa e registra as páginas no quadro. Os
alunos estão muito inquietos e a aula termina.

Por mais que o estagiário esteja com seu plano organizado, o que PF3 não reflete é que sua
aula é descontextualizada e gramatical. Com essa postura, PF3 gasta duas horas da aula focando em
um só assunto, sem qualquer variedade de atividades. O questionamento da aluna referente ao
“primeiro dia de aula”, apesar de receber da parte de PF3 completo desprezo, é um sinal
interessante a ser levado em conta pelo professor. Por mais que as dificuldades que envolvem a
situação do estágio não sejam de simples resolução, em tese, um bom primeiro contato pode ser a
prevenção de uma série de contratempos e obstáculos que venham a interferir no bom andamento
do estágio. Ao agir de maneira passiva em relação ao questionamento da aluna, PF3 perde a
oportunidade de investir em ações que possibilitem um icebreaker inicial. A regente, pelo que
observei, reproduz a prática de que uma atitude mais repressiva, por parte do professor, pode ser a
solução para o problema da indisciplina. No fundo, fica a ideia de que os alunos é que são
“terríveis” e merecem ser punidos com o nome na pasta azul.
Contudo, o que deveria haver na escola é um trabalho em conjunto que investigue a fundo a
questão da origem da indisciplina e do desprezo, por parte dos alunos, pelo conhecimento. A
pesquisa da própria sala de aula pode vir a trazer “possíveis” respostas e “possíveis” soluções, para
escolhas de conteúdos e ações em geral – que deveriam ser realizadas por todo o corpo escolar
envolvido indiretamente ou diretamente no processo de ensino-aprendizagem –. As discussões e
conversas entre o corpo docente, sobre os resultados da pesquisa de cada um, também ajudariam na
troca de conhecimento e experiência sobre qual melhor solução para tentar diminuir o problema.
Em suma, lidar com educação e com seres humanos não é tarefa fácil, necessitando, portanto, do
interesse de todos os envolvidos em prol do benefício dos alunos, afinal a escola existe, para além
de alimentar o conhecimento, oportunizar os estudantes com a possibilidade de se questionar e
criticar a sociedade em que atuam. É papel da escola a responsabilidade de desenvolver seres
humanos críticos e conscientes do mundo que os cercam.
Sendo assim, do que me foi possível observar das atitudes de PF3 diante das demandas da
sala de aula, apesar de entender que ainda é o seu primeiro contato com a turma, identifico nele uma
ausência de reflexão mais profunda sobre os desafios que pesam sobre os ombros de um professor
136

em seu cotidiano escolar. Suas aulas, ao se basearem em regras gramaticais, perderam a


possibilidade de avançar em direção a uma dinâmica mais inclusiva e envolvente dos alunos com a
aula. O déficit de domínio da língua alvo foi outro obstáculo vivido por PF3 em relação ao
desenvolvimento estratégico de sua aula. Além disso, a indisciplina dos alunos, mesmo que tenha
raízes em fatos que fogem ao controle de PF3, não pode ser reduzida apenas a uma atitude de
“garotos terríveis”. Parte desse problema pode estar vinculado às dificuldades de PF3 em qualificar
suas aulas. Entretanto, tenho consciência de que tal melhoria de planejamento pode vir associado à
continuidade de orientações do PF no interior da disciplina estágio. As aulas de supervisão devem
servir como laboratórios em que discussões sobre a prática e análise cuidadosa dos planos e sua
respectiva aplicação, devem ser ação pedagógica central.
Sigo, neste momento, para a parte final da pesquisa, em que realizo a entrevista com os
futuros professores e discuto questões que procuram refletir na direção das escolhas e
desenvolvimento das práticas de sala de aula desses professores em formação. O interesse da
culminância deste trabalho é entender como esses PFs desenvolveram o processo crítico-reflexivo
ao lidar com a sua atuação na prática escolar.

4.6 A ENTREVISTA FINAL: CONVERSANDO COM OS FUTUROS PROFESSORES

No intuito de aprofundar e consolidar esta pesquisa utilizei também do instrumento


“entrevista semiestruturada” (apêndice C), em que formulei questões e a realizei com os três
professores em formação (PF) participantes da pesquisa (PF1, PF2 e PF3). Ouvir os participantes,
nesse ponto da pesquisa, é importante, pois possibilita maior interação com o PF e liberdade de
expor de forma livre o que pensa sobre determinado assunto. A entrevista semiestruturada
possibilita, também, maior flexibilidade por parte do pesquisador ao refletir conforme o decorrer da
pesquisa e questionar fatos que venham a surgir inesperadamente.
Sendo assim, para a pesquisa etnográfica, “a observação participante e as entrevistas
aprofundadas são os meios mais eficazes para que o pesquisador aproxime-se dos sistemas de
representação, classificação e organização do universo estudado” (ANDRÉ, 2007, p. 45). Neste
caso, a pesquisa etnográfica vai além da reprodução de falas e tenta investigar as interações sociais,
segundo o ponto de vista do entrevistado e a sua lógica de como concebe sua participação no
período do estágio.
137

4.6.1 Expectativa X Realidade

Por tratar-se do período pós-estágio em que os PFs já tinham vivido a experiência de


conduzir uma sala de aula, fiz questão de questioná-los a respeito do novo olhar que passaram a ter
sobre o ato de ensinar. Motivou-me, principalmente, identificar a capacidade dos estagiários em
refletir sobre a experiência vivida e assumir uma postura diferente ou não.
A primeira pergunta formulada foi: “Quais as expectativas que você tinha no início do
estágio e como você reflete agora após ter vivenciado o estágio, elas mudaram? Como?” O objetivo
dessa pergunta inicial consistiu em buscar saber se houve uma evolução no pensamento e na prática
dos futuros professores em comparação às expectativas do momento pré-estágio. Vejamos a
impressão de PF1:

[PF1] Minhas expectativas mudaram, pensei que o estágio iria me fazer trabalhar de graça.
Estava aqui para cumprir minha tarefa. E depois vi que era diferente, as relações eram
diferentes. Vi que quem faz as aulas são os alunos, muito tem que partir deles. O feeling do
aluno é importante. E mesmo por um período curto, os meninos se apegam à gente e eu
ensinaria até de graça por mais tempo, pois a gente conquista eles e eles conquistam a
gente.

Percebe-se que PF1 estava completamente distanciado da realidade do estágio e do próprio


ato de ensinar. Entendo que essa característica de PF1 pode representar uma situação extrema e,
possivelmente, está longe de ser geral. Entretanto, não pode ser descartada por completo em termos
de reprodução de uma mentalidade equivocada sobre o ato de ensinar como uma ação meramente
burocrática cujas relações se dão em bases mecânicas e completamente destituída de humanidade.
Diante dessa primeira resposta, percebi que PF1 poderia agregar novos dados à pesquisa e
quis saber dele o que mais acrescentaria de aprendizado sobre este período.
[PF1] Profissionalmente, cresci com o estágio, principalmente na parte de responsabilidade,
a burocracia. Apesar de que a burocracia não influencia a prática docente, mas mesmo eu
me matando em sala de aula eu quase perdi o estágio porque eu não assinava o diário. O
professor que não entrega as coisas em dia parece que ele é um irresponsável, sendo que ele
se mata em sala de aula. Se não tiver atividade no caderno parece que você não faz nada.
No estágio eu percebi que meus colegas chegavam com mil brincadeiras, dinâmicas e eu
não conseguia ter muita dinâmica. Eu falava: “Poxa... será que eu sou uma má professora
por causa disso?”. Porque no estágio, parece que o professor mais legal é o que tem mais
dinâmica. Eu percebi, então, como a burocracia pesa.

Há dois questionamentos aqui nesse trecho que merecem destaque, o primeiro é a questão da
responsabilidade de PF1 em realizar a parte “burocrática”, prevista para o estágio e de entregar suas
atividades em dia para o professor orientador. Logicamente, que o aluno deve perceber que a
burocracia faz parte de qualquer rotina de trabalho, ela representa organização, “controle” do que é
138

realizado em sala, enfim é algo que faz parte da vida de qualquer profissional. Portanto PF1 precisa
amadurecer a esse respeito. O mais saliente é quanto à entrega das atividades sugeridas pelo
professor orientador nas datas previstas. O momento de análise do plano de aula antes da realização
da aula pelo futuro professor, sob a orientação do professor de estágio, é essencial para a construção
reflexiva da sua prática pedagógica, a não realização desta orientação é bastante prejudicial à sua
formação.
O segundo questionamento está na suposta necessidade que teriam os estagiários em
associar um bom estágio com a realização de exaustivas dinâmicas. Trata-se de uma espécie de
“mito da dinâmica” como resolução para todos os problemas didáticos. Entendo que a legitimação
desse “mito” se dá em decorrência de um discurso corrente em termos pedagógicos e que, no caso
do estágio, envolve estagiários e orientadores. Entretanto, longe de descartá-la, as dinâmicas como
estratégia de ensino são imprescindíveis no processo de ensino-aprendizagem. O fato de identificar
as dinâmicas como um mito não corresponde à sua negação, mas uma compreensão mais realista de
sua função em sala de aula. O que há, na verdade, são a má condução e a interpretação dessas
“dinâmicas” de forma equivocada. Entendo que elas são necessárias, mas devem ser realizadas
dentro de um contexto pedagógico e com um objetivo específico. Um ponto que precisa ser
entendido é que as “dinâmicas” não podem ser usadas excessivamente, porque geram uma rotina
previsível e cansativa, o que não é ideal para a construção de um bom planejamento. O uso correto
de dinâmicas, chamando a atenção para objetivo, contexto e faixa etária, cria uma boa relação com
os alunos, diminuição do filtro afetivo e, finalmente, resulta em uma aprendizagem mais prazerosa.
Quanto ao questionamento de PF1 sobre não ser uma “boa professora”, por não ter
exercícios nos cadernos dos alunos e não fazer mil dinâmicas diferentes, não se configura como
condição indispensável ao perfil do professor. Mais uma vez, é uma crença repassada pelo
imaginário dos integrantes escolares que não se constitui verdadeira. Talvez tais conceitos, como
conhecer quais competências o professor deve assumir para seguir a sua carreira, não estejam
solidificados em PF1, pois ser um professor competente nos remete a muitas competências extensas
em suas classificações, as quais já foram discutidas em capítulos anteriores nesta dissertação e que
estão longe de se resumirem a quantidade de dinâmicas e exercícios no caderno.
PF1 finaliza suas impressões sobre o período do estágio com o trecho abaixo:
[PF1] O estágio ajudou na parte mais humana, pois consegui, em um período curto,
conquistar eles e serviu para minha graduação, por mais que eu já ensinasse em escola há
muitos anos. Toda a experiência é diferente, o planejamento é diferente.
139

O planejamento de estágio, realmente, é diferente de tudo que PF1 presenciou na sua


experiência de ensino. Isso se dá através de um trabalho intensivo de orientação e de associação
teoria e prática que são elementos da graduação. Essa última colocação ressalta a importância deste
período como algo caro na formação reflexiva desses futuros profissionais de língua.
Continuando, PF2 e PF3 respondem em relação às suas expectativas:
[PF2] Eu não tinha grandes expectativas, pois já havia ensinado antes, então, eu sabia o que
esperar mais ou menos. Só que uma coisa que eu percebi ao longo do estágio
principalmente nas últimas aulas que eu dei. Eu identifiquei um pouco da energia que o
professor precisa ter para o aluno prestar atenção, o que eles estão procurando para estar
interagindo com a disciplina de língua inglesa na sala de aula, foi a única coisa que
realmente mexeu com as minhas expectativas foi essa. Porque dentro da sala de aula é
quando caiu a ficha de como era preciso ser em sala de aula como professor. A postura do
professor chama a energia dele, o professor tem que ter uma energia diferente, até o modo
como ele anda em sala de aula faz o aluno prestar mais atenção, o comportamento do
professor, o tom de voz, eu sou muito detalhista e então, eu percebi que até o modo do
professor sorrir na sala de aula, faz o aluno ter uma visão diferente dele. E foi isso que eu
estava observando nas minhas últimas experiências no estágio. Ai depois que eu comecei a
perceber isso comecei a colocar em prática no outro colégio que eu estou ensinando e eu
percebi que os alunos esperam o momento da aula para ter aquele professor que tem uma
energia diferente.

Nos chama atenção o fato de que apesar de alguns dos entrevistados já terem experiência em
sala de aula, essa experiência parece desaparecer quando se vive a realidade do estágio. Os
estagiários não percebem que, no fundo, as experiências são as mesmas, o que difere é justamente
as ações crítico-reflexiva que eles são levados a exercitarem. PF2, depois do período do estágio,
passou a observar sua conduta como professor e a necessidade de refletir criticamente, não só sobre
os conteúdos ensinados, mas a forma como o professor deve conduzir sua aula e lidar com seus
alunos. É interessante essa observação de PF2, já que ele demonstra sua capacidade de tentar
entender e conduzir um trabalho com uma preocupação da sua relação afetiva com seus alunos.
Miccoli (2011, p. 174) sugere algumas qualidades a serem desenvolvidas que refletem muito a
colocação de PF2, pois o momento de observação do futuro professor, sobre como os seus alunos
interagem com a disciplina, nos remete à importância de o professor compreender as necessidades e
as dificuldades de seus alunos, nos posiciona a adotar uma postura profissional de observador que
compreende, analisa, avalia, disciplina, questiona, administra rotinas, dúvidas ou conflitos. Enfim,
que desempenha um papel sensível diante de seus alunos.
Seguindo com a resposta de PF3:
[PF3] Não fui com muitas expectativas, pois já havia ensinado antes, mas, ainda assim,
criamos um pouco porque, como estagiário, também seremos avaliados. Isso faz com que a
gente queira fazer um bom trabalho e ser coerente com o plano de aula, fazer uma aula bem
comunicativa, consegui trabalhar as 4 habilidades com os alunos, etc. Eu acho que sempre
vai haver expectativa, acho que faz parte do trabalho, ter expectativa. Sempre vai ser um
desafio, pois cada turma é diferente de outras e podemos nos surpreender.
140

Mais uma vez, se repete a questão da experiência prévia e o quanto ela se mostra pouco
eficiente no período do estágio. No caso dessa resposta de PF3, percebe-se, mesmo que de maneira
subliminar, uma questão de natureza ética. PF3 justifica seu trabalho e a melhoria dele devido ao
fato de estar sendo avaliado, o que exigiria “ser coerente com o plano de aula”. Longe de colocar
em prova a honestidade profissional de PF3, entendo que esse tipo de atitude representa muito mais
uma ação involuntária do que algo conscientemente pensado. Aquilo que PF3 identifica como
“avaliação” de sua conduta em sala de aula e que o levaria a repensar a qualidade de sua aula, no
fundo, corresponde, a uma consequência da reflexão crítica acontecendo na prática. Por mais que
tenhamos consciência da necessidade de algo, muitas vezes só o enxergamos quando alguém nos
demonstra sua existência. A ação do processo crítico-reflexivo incentiva que professores
competentes reflitam permanentemente sobre sua conduta profissional e, consequentemente, deve
também alcançar corações e formar seres humanos éticos e conscientes de seu lugar de educador
(MILLER, 2013, p. 103).
Observei que, antes do estágio, os estagiários não entendiam a proposta pedagógica da
disciplina, situação que só se alcançaria após viverem a experiência do estágio. A disciplina Estágio
pauta-se na orientação e na estratégia de levar o aluno à reflexão permanente de sua prática. Os
sujeitos envolvidos na disciplina – estagiário, orientador e regente – interagem de maneira dialética,
visando construir uma relação entre a teoria e a prática, cujo objetivo final será sempre a reflexão do
estagiário sobre o meio em que atua.

4.6.2 Planejamento: um ato de reflexão

Ao pensar sobre planejamento devemos lembrar da importância deste no direcionamento de


nossa prática, das escolhas de como vamos conduzir o processo de ensino e aprendizagem e abordar
os conteúdos. Planejar requer muitos questionamentos do professor e conhecimento sobre as
demandas no ensino de língua inglesa e das necessidades de seus alunos, tratando-se, assim, de um
processo que merece muita dedicação. Portanto, ao questionar os entrevistados sobre o
planejamento é por entender sua função estratégica não só na condução da aula, mas também, como
elo que interliga as duas pontas principais do estágio, o estagiário e o orientador. Vejamos a
impressão de PF1 sobre o ato de planejar:

[PF1] Planejar foi difícil, eu confio muito na minha mente e a gente não deve nunca fazer
isso. Eu faço planejamento nos colégios que ensino e é muito simples, é só preencher uns
141

quadradinhos, mas no do estágio é mais complexo e profundo. A avaliação que eu elaborei


(peguei na internet) foi muito gramatical, não achei ela condizente com o que eu queria
com o estágio, eu não gostei, mas eu não tinha contato com a turma, então eu nem sabia o
que fazer, mas em turmas mais antigas que tive sempre fui muito elogiada, passo histórias
em quadrinhos, os alunos acham legais.

PF1 argumenta que o planejamento de estágio é “complexo e profundo”. No fundo, sua fala
apenas reproduz uma mentalidade antiburocrática que, tradicionalmente, identifica como
“trabalhosa” toda e qualquer demanda que exija um mínimo de organização e planejamento. Ao se
referir ao planejamento como um “preenchimento de quadrinhos”, PF1 refletiu a maneira de como o
ato de planejar tem se tornado um elemento descartável nas escolas. Ser profundo não significa
necessariamente ser complexo ou trabalhoso. Partindo do pressuposto de que planejar é condição
necessária para a condução de uma boa aula, fazer um planejamento detalhado e profundo deve ser
visto como uma mera consequência de um trabalho que precisa se impor de maneira natural no
cotidiano do ofício de ensinar. Um professor antenado com as novas demandas da sociedade,
atualizado em termos bibliográficos e em sintonia com as novas tecnologias, fatalmente, não terá
trabalho em produzir um planejamento que, ao servir como sustentáculo básico da aula, dará a ele a
segurança necessária para um bom exercício da profissão.
Vejamos como PF2 lida com o planejamento:
[PF2] Eu me baseei nas orientações que a professora de estágio me deu, sobre como
desenvolver os objetivos gerais e específicos no que focar, no que não dá tanta atenção, nos
detalhes que eu tinha que desenvolver em sala de aula, em coisas que eu tinha que observar
mais. Foi basicamente isso que eu me baseei nas orientações dela. Na verdade eu nunca fui
de fazer planejamento de sala de aula. Eu sabia o assunto e na sala eu desenvolvia, eu tenho
criatividade dentro da sala de aula. Eu fazia os planos e deixava em casa, eu já tinha tudo
em mente. No início eu fazia os planos, mas quando chegava na escola eu tinha ideias
melhores, então comecei a perceber que eu funcionava melhor assim, pensava antes no
assunto, mas e no momento que eu estava interagindo com os alunos eu percebia que tinha
ideias melhores do que quando estou em casa. Como se meu melhor desempenho fosse em
sala de aula, na hora do ato. E isso pode ser uma falha, pois existem burocracias para você
ter que fazer planejamento. Quando você ensina em escola particular você tem essa
obrigação de fazer o plano de aula e mostrar. Eu, como professora, não funciona comigo.
Eu paro e penso o que vou fazer na aula, mas colocar no papel, por incrível que pareça,
parece que me trava. Pode ser uma ideia absurda, mas me trava.

Não tenho dados empíricos para fazer qualquer afirmativa mais precisa, mas esse
depoimento de PF2 pode muito bem representar a mentalidade de uma parte do segmento de
professores que hoje transitam nas nossas escolas. PF2 sustenta que seus planos de aula foram feitos
sob a orientação do professor de estágio, mesmo ele não os apresentando ao orientador para
reavaliação. Mas foi percebendo, com o passar do tempo, que na hora da prática seus planos
mudavam muito. O que PF2 não percebe é que o planejamento prévio era feito por ele, mas, muitas
vezes, modificado ao longo da prática, e isso é um processo natural, devido ao fato de o período de
142

estágio conduzir a uma reflexão constante e ao seu amadurecimento profissional. Não há


necessidade de se seguir planos diários à risca, alterações são naturais e implicam que o professor
está fazendo interferências necessárias de acordo com a necessidade dos seus alunos. PF2 acredita
que os planos são elementos dispensáveis e se refere a eles como “burocracias”. Contudo, o que
observo é que os planos100 são essenciais no planejamento prévio, principalmente para professores
iniciantes. Na verdade, os objetivos nele propostos são a meta a ser seguida, e mesmo que
modifiquemos uma atividade ou outra, o objetivo deve se manter em foco, e esta é a finalidade dos
planos. É possível também elencar a quantidade de atividades que podemos pesquisar e colocar em
prática. O planejamento prévio dá esse suporte ao professor. Enfim, PF2, de uma forma ou outra, se
equivoca ao questionar o planejamento nesse sentido. Assim, é possível afirmar, que o PF não
entendeu o objetivo do ato de planejar.
Seguimos com a resposta de PF3:
[PF3] As orientações com a professora foram sempre muito boas, sempre dando boas
sugestões para atividades e sobre como agir em algumas situações na sala de aula. Nem
sempre o que era sugerido dava certo, dependia muito das turmas, em algumas
conseguíamos, já em outras, não muito.

PF3 repete seus colegas e valoriza o trabalho do professor orientador. Os três entrevistados,
pelo fato de já terem experiência em sala de aula, trazem uma série de concepções equivocadas
sobre o ato de planejar, entretanto, é possível perceber o impacto das reflexões do professor
orientador no sentido de desconstruir algumas “verdades” trazidas pelos estagiários em decorrência
dessas experiências prévias.
Para entender mais profundamente como se organizava o planejamento do futuro professor,
questionei qual seria o foco do planejamento e a orientação do regente. Nesse caso, é sempre bom
lembrar que o planejamento do estagiário é construído com base nos conteúdos definidos pelo
planejamento do professor regente. Vejamos o que dizem PF1 e PF2:
[PF1] O planejamento do regente não era gramatical, mas nos primeiros planos os meus
planejamentos eram mais gramatical. Porém só fiz isso uma vez ou outra, mas trouxe
músicas. Na verdade, tem coisas que a gente só percebe quando aplica, naquela explicação
que eu ficava rodando a sala tentando explicar 101, tentando ajudar, ali eu percebi que
parecia matemática, parecia uma fórmula pronta, você só precisa substituir, não tinha
contexto. Eu acho que gramática é importante serve de norte, mas não só ela, mas naquele
dia eu fiz isso. Depois deste exemplo, eu modifiquei todos os meus planos. Alterei baseada
no que eu passei em sala, na apatia dos alunos, para tentar movimentá-los e segundo era
que esse tipo de planejamento não era eu. Não era meu estilo de trabalho.

100
Refiro-me aqui aos planos diários.
101
PF1 está se referindo a uma aula de foco gramatical que eu assisti, inclusive o plano e a apostila se encontram em
anexo.
143

[PF2] Os conteúdos do regente eram gramaticais, tinham sugestões de temas, como a Copa
do Mundo, mas o foco era gramatical.

PF2 complementa sua resposta afirmando o que acredita sobre o ensino com foco
gramatical:
[PF2] Acredito que ensinar gramática não funciona. Quando fui para sala de aula pela
primeira vez eu... quando eu não tinha experiência, eu não sabia como funcionava o
ensino/aprendizagem e eu dava muita gramática e isso deixava muitos espaços abertos, ao
longo da aula os alunos terminavam criando uma visão errônea da língua inglesa, achavam
que é só aquilo ali, então acho que abordar gramática não é ideal. Tem que ter uma
interdisciplinaridade, tem que ter um envolvimento com outras coisas para os alunos
poderem se interessar, ninguém se interessa em gramática pura. É como a matemática,
matemática é um assunto muito fechado para cálculo aí, todo mundo acha matemática um
problema, não pode fazer o mesmo com a língua inglesa.

Além disso, PF3 relata os conteúdos solicitados pela regente.

[PF3] Os conteúdos eram gramaticais e tinha alguns textos: Superative from adjectives ,
Parts of House102, Past Simple, e textos como “when I was a child” e “Classifieds:
Properties for sale”. Acredito que dá forma que os assuntos foram trabalhados,
conseguimos trazer para a realidade dos alunos.

Diante desses depoimentos, mais uma vez, sinto a necessidade de frisar a não conexão entre
a realidade vivida pelos entrevistados em suas respectivas experiências prévias de sala de aula, e
aquelas observadas nos depoimentos após o contato com a disciplina Estágio. A sensação é de que
existe um tipo de profissional antes e outro depois do estágio. Muito pouco do que eles viveram
previamente parece ter sido alvo de reflexão por partes dos PFs. Os entrevistados apresentam uma
série de crenças que são desconstruídas a partir da reflexão com o orientador e cujas consequências
são facilmente assimiladas por eles. Refletir sobre essa situação torna-se muito importante quando
nos debruçamos no entendimento da relação teoria e prática no âmbito da disciplina Estágio
Supervisionado. Neste pormenor, valem as palavras de Amaral; Moreira e Ribeiro (1996, p. 99),
que refletem:
O modelo de ensino reflexivo permite a interacção harmoniosa entre a prática e os
referentes teóricos. Uma prática reflexiva leva à (re) construção de saberes, atenua a
separação entre teoria e prática e assenta na construção de uma circularidade em que teoria
ilumina a prática e a prática questiona a teoria.

O que fica perceptível quando identifico nos estagiários uma prática sem a devida reflexão
teórica é justamente um déficit em termos de amadurecimento profissional. Em outras palavras, a
prática sem a teoria que ajude o futuro professor a refletir sobre seu significado, pode se transformar
em uma ação inócua e pouco relevante na construção de uma carreira significativa.

102
PF3 expõe todos os conteúdos, não só os gramaticais, mas observei que mesmo trabalhando textos o foco maior era
na gramática e o trabalho com vocabulário era descontextualizado.
144

Observo que, por mais que PF1 já tenha passado pelas aulas de orientação, ele não se sentiu
seguro em utilizar uma abordagem mais comunicativa em sua aula. O fato de ter construído sua aula
com base em um planejamento de cunho gramatical, refletiu a insegurança de PF1 diante do desafio
compreendido pelas aulas do estágio. O interessante disso tudo é que, ao fazer a seguinte afirmativa
“esse tipo de planejamento não era eu”, PF1 desvia do que acredita ser verdadeiro nas suas escolhas
sobre o processo de ensinar, em favor de uma ação mais pragmática em que ele julga mais eficiente
para desenvolver seu trabalho. PF1 só consegue perceber seu engano quando se vê diante de uma
realidade que o leva a refletir sobre a estratégia escolhida e a identifica como completamente
desconectada com a demanda que se impôs. Ao identificar a “apatia” dos alunos, PF1 é
imediatamente conduzido à reflexão. Isso foi o suficiente para repensar sua prática e estabelecer a
estratégia que ele julgou apropriada para o momento.
Com PF2, percebi como ele analisa seu início de trajeto profissional e o transforma com o
passar do tempo, entendendo, o ensino de língua estrangeira de forma mais contextualizada com
outras disciplinas, fugindo, de um conceito de ensino mais gramatical. Porém, com PF3, não
percebi tal desenvolvimento reflexivo, uma vez que ele parece se filiar a um conceito de língua
mais estrutural que os outros dois, já que não vi nenhuma crítica ao modelo solicitado pela regente.
Na esteira dessa discussão, PF1 continua a se posicionar sobre a questão da gramática e sua
importância. Vejamos mais um excerto:
[PF1] A gente poderia trabalhar por níveis de conversação, mas os conteúdos gramaticais
são importantes eles ajudam a nortear, a mediar. Os conteúdos gramaticais não são básicos
para conversação, portanto, não são definidores de nada, caso contrário, os alunos
chegariam ao oitavo ano sabendo tudo e isso não acontece. Todos os diálogos que passei
são facílimos, se o conteúdo gramatical funcionasse eles entenderiam tudo, mas isso não
acontece.

Muito interessante o que PF1 coloca neste trecho, pois apresenta a percepção da posição da
gramática com resultados pouco satisfatórios, do ponto de vista da aprendizagem para os alunos.
Exemplifico esse posicionamento através do trecho dito por PF1: “Os conteúdos gramaticais não
são básicos para conversação, portanto, não são definidores de nada, caso contrário, os alunos
chegariam ao oitavo ano sabendo tudo e isso não acontece”. O ensino exclusivo da gramática não
proporciona benefício algum aos alunos. Observo isso na prática, a partir do momento que a
gramática exclusivamente ensinada, de forma descontextualizada, é facilmente esquecida no dia
seguinte, como sempre ouvimos tanto dos alunos da rede pública ao afirmarem que todo ano se (re)
ensina o verbo “to be”. O questionamento sobre a continuidade da repetição desse tipo de ação é
algo que merece maiores aprofundamentos em termos investigativos.
145

Partindo para a terceira questão da entrevista, perguntei como o futuro professor repensava e
propunha mudanças para seu planejamento após as aulas. Eis algumas respostas:
[PF1] As aulas da manhã eu saía bem feliz, não refletia muito. Os alunos eram mais
animados. Nas duas primeiras aulas, dei aula de quadro com modal verbs e superlativos,
quando chegou com o can, eu trabalhei mais indiretamente. Passei vídeo, música. Comecei
a deixar os conteúdos gramaticais mais implícitos como a professora orientadora falava
para a gente.
[PF2] Eu pensava no que na próxima aula o que eu poderia fazer melhor, quando eu
observava assim, pequenos momentos ao longo da aula que uma coisa chamava a atenção
deles eu memorizava e acumulava e levava para casa e pensava. Não chegava a pesquisar,
as minhas experiências falavam comigo e eu construía um planejamento, eu não chegava a
pesquisar.
[PF3] O que era repensado sempre era uma forma de conseguir trazer os alunos para
participarem, porque era nítida a falta de interesse de uma boa parte dos alunos.

Pode-se perceber que PF1 demonstra uma evolução no seu processo de ensino, ou seja isso é
bem nítido na sua fala. PF2, apesar de utilizar bastante da reflexão, esquece-se de associar esse
conhecimento à pesquisa. Seu pressuposto é o de que a experiência é suficiente para fazer um bom
professor. Como já venho afirmando nesta dissertação, o estágio supervisionado deve servir de elo
entre a teoria e a prática. Essa ideia parece não estar muito consolidada em PF2, afinal, a
verdadeira reflexão crítica só acontece através dessa associação. Quanto ao PF3, vê-se que ele
demonstra certa maturidade ao identificar no comportamento dos alunos a senha para mudanças em
seu planejamento.
Na última pergunta referente ao planejamento, quis saber se os entrevistados se ancoravam
em algum teórico que inspirasse seu planejamento. Vejamos as respostas:
[PF1] Nunca parei pra ler muita metodologia, não é a minha área. Como teórico, eu gosto
das coisas que Diógenes fala, ele fala muito sobre conversação, muita coisa que ele fala é
bem verdade, sobre a timidez. Ele é bem bacana. Tem um livro na biblioteca. Os livros de
Diógenes são bem realistas, tem um que é uma entrevista. Foi uma das coisas que eu mais
gostei de ler, mesmo sem ter interesse na área, é um teórico que mais me influencia. Os
livros dele são bem claros, apesar de não ter interesse na leitura de metodologias. Tento me
basear em aulas criativas na internet. Tento ver os vídeos do you tube. Também vejo
propagandas, elas são criativas e eu uso na minha aula. Já passei propagandas em aulas
minhas. Tudo que assisto, filme, novela... eu sugo para aulas.
[PF2] Ao longo do curso você vê muitas ideias diferentes que influenciam e que ajudam a
expandir sua mente, mas não tenho nenhum específico para exemplificar. Já li muitas ideias
que ajudam a guiar a minha prática.
[PF3] Nas aulas de estágio, sempre estávamos discutindo teoria versus prática e alguns
autores foram de fundamental importância para o nosso aprendizado, e o principal autor foi
Almeida Filho.

Como se vê, PF1 ressalta três vezes a seguinte questão sobre o estudo de metodologia
“Nunca parei pra ler muita metodologia, não é a minha área [...] mesmo sem ter interesse na área
[...] apesar de não ter interesse na leitura de metodologias”. Acredito que PF1 não entende que ser
professor está fortemente vinculado com os estudos metodológicos. Ler e debater metodologia de
146

ensino é condição básica para o bom exercício do ofício de professor. Mesmo que venha a construir
uma carreira de bacharel, PF1 deve pensar como um licenciado. Sua formação básica é de
licenciado em língua inglesa e este deve ser seu ponto de partida na sua vida profissional. A leitura
e o interesse nos textos teóricos referentes a metodologias de ensino serão sempre essenciais à
formação e competência profissional do futuro professor. Apesar de citar os trabalhos do professor
Diógenes Cândido (UESB) como sua referência de leitura, PF1 conclui afirmando que “não se
interessa por leitura de metodologias”. Entretanto, quando informa que usa vídeos e propagandas
em suas aulas, PF1 apenas reproduz a máxima de que, em educação, o improviso, destituído da
teoria, é a grande arma estratégica do bom professor.
Já PF2, na sua resposta afirma que lida com a teoria de maneira genérica. Entretanto, ele não
nega a importância da teoria em sua vida profissional. No caso de PF3 parece que ele comete um
“ato falho” ao se referir a uma “teoria versus prática”. Isso me remete ao debate já materializado
nessa dissertação em outros momentos. No entanto, PF3 demonstra que autores foram de
“fundamental importância” para seu aprendizado e cita o professor Almeida Filho (UNB) como
uma referência.
Em síntese, diante das respostas referentes ao planejamento, foi possível concluir que
planejar é essencial e tal ato está diretamente vinculado ao fato de se refletir criticamente sobre a
tarefa de ensinar. Além disso, identifiquei, através de diversos trechos das entrevistas que as
experiências prévias dos alunos na função de professores, fazem emergir uma situação que colocou
o estágio como um momento de desconstrução de certas concepções equivocadas sobre a sala de
aula e, ao mesmo tempo, serviram como uma representação positiva da maturidade profissional dos
entrevistados.

4.6.3 Teoria, Prática reflexiva e interculturalidade: como pensar a sala de aula

As próximas duas perguntas dirigidas aos entrevistados se referem à relação teoria e prática
e à abordagem intercultural em sala de aula de inglês. Lembremos que a pergunta referente à
relação teoria e prática, já apresentada aos entrevistados na etapa inicial dessa investigação, se
repete nesta fase final. Tal atitude se justifica por tentar identificar a existência ou não de algum tipo
de mudança na concepção dos professores em formação sobre o tema em questão, após terem
vivido a experiência da prática.
Alguns dos excertos são identificados a seguir:
147

[PF1] Acho que teoria e prática não se misturam muito, na verdade, depende do autor que
você vai se basear. Algumas coisas como Krashen e o filtro afetivo tudo isso eu acredito e
isso é uma filosofia que tem que ser encarada, vi no segundo semestre e não esqueci, mas
partes que falam que o professor tem que estar motivando o aluno e que o planejamento é
responsável por tudo eu não concordo com isso. E aprendi isso nas aulas trabalhando com a
turma da tarde, fiz de tudo, planejei e tentei movimentar eles o máximo que pude. Muitos
autores responsabilizam o professor por tudo, mas na verdade muita coisa depende deles,
do trabalho de casa também. Tem autores que consagram isso de forma muito rígida, sei
que sou responsável e tentei pesquisar e elaborar aulas animadas, eu até dormia tarde
planejando.
[PF2] São coisas que andam juntas, só que... eu não quero que a senhora atrapalhe com o
que eu disse sobre planejamento, entendeu? Eu tenho esse probleminha absurdo com
planejamento. Óbvio que teoria e prática andam juntas. Uma coisa pertence à outra. Um ato
sem um pensar antes não seria ideal. Dentro da área de ensino é fundamental que se tenha
uma teoria antes, que você tenha consultado teorias diferentes para você expandir as ideias
de como você vai atuar como professor.
[PF3] Acredito ser possível sim. Em alguns momentos você acaba se deparando com
alguma situação, feita pelos alunos e/ou até por você mesmo, que faz você lembrar aquela
teoria que estava sendo debatida em sala de aula.

Os entrevistados de certa forma repetem a mesma crença que tinham sobre a relação teoria e
prática antes de passarem pela orientação do professor. Admitem a importância de ambas em suas
formações profissionais, mas em casos como o de PF1, ainda se mostram inseguros no tocante ao
vínculo entre as duas. O que ficou perceptível sobre a forma de como os entrevistados lidam com
essa questão da relação é a explícita concepção funcional da teoria. Em última instância, a teoria
aparece aos olhos dos entrevistados como uma espécie de apêndice da prática. PF2 deixa
subliminarmente caracterizada a função pragmática da teoria quando demonstra a dificuldade de
vinculá-la ao planejamento. No caso de PF3, “acredita ser possível sim”, ou seja, ele não tem
certeza, mas ao afirmar que, “Em alguns momentos você acaba se deparando com alguma situação,
feita pelos alunos e/ou até por você mesmo, que faz você lembrar aquela teoria que estava sendo
debatida em sala de aula”, reproduz a visão pragmática e mais uma vez funcional da teoria103.
A concepção de teoria dos entrevistados a enxerga como uma fórmula pronta e acabada a
serviço da prática. A dificuldade de entender o encontro dialético entre a teoria e a prática por parte
dos entrevistados, reflete a separação feita por eles entre o debate teórico e a experiência concreta
do sujeito. Em muitos momentos destas entrevistas, os estagiários deixaram explícito o quanto
superestimavam a experiência concreta em detrimento da teoria. Eles não conseguem perceber o
quanto teoria e prática são indissociáveis no plano da subjetividade do sujeito, no caso, o professor
103
A meu ver, a visão pragmática de PF3 pode ser tanto positiva quanto negativa. Positiva na perspectiva de demonstrar
uma personalidade que se direciona diretamente ao cerne da questão e tenta solucioná-la, contudo pode ser negativa
quando por considerar que uma vez diante do problema e este tal problema se demonstrar de difícil solução, PF3 pode
apresentar neutralidade.
148

(PIMENTA, 2002). Se não podemos negar a importância da experiência prática ela não pode ser
vista como suficiente para formar um professor. De acordo com Pimenta (2002, p.26), ao se referir
a esse debate entre conhecimento pessoal e ação;
Esse conhecimento não é formado apenas na experiência concreta do sujeito em particular,
podendo ser nutrido pela ‘cultura objetiva’ (as teorias da educação, no caso), possibilitando
ao professor criar seus ‘esquemas’ que mobiliza em suas situações concretas, configurando
seu acervo de experiência ‘teórico-prático’ em constante processo de re-elaboração.

Pelas respostas dos entrevistados, percebi que todos entendem a importância da associação
teoria e prática, contudo, essa inter-relação ainda é fruto de muita abstração. Ainda que esse assunto
seja tema recorrente durante a graduação, acredito que a crença de que a teoria é dissociada da
prática se encontra enraizada no entendimento do aluno, ou seja, a teoria continua se apresentando
como algo abstrato e de difícil compreensão. De acordo com Pimenta, (2002, p. 26) “o papel da
teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos
históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais [...] para neles
intervir transformando-os”. Diante disso, no contexto da disciplina Estágio Supervisionado, debater
o papel da teoria torna-se objetivo central como um exercício diário para a construção da prática
reflexiva futura.
Finda a discussão sobre esta temática, vejamos agora como o tema da ‘interculturalidade’ na
sala de aula foi tratado pelos estagiários:
[PF1] Acho que tenho que me preocupar com conteúdos voltados para diversidade cultural,
respeito ao outro. Na minha aula tem de tudo, tem vídeos diversos, simulação de diálogos,
brincadeiras. Tentei fazer a diversidade através de pesquisa na internet. Poderia fazer mais,
mas desisti da ideia devido a não concordância da professora orientadora. Muita coisa eu
desisti, pois não sabia como a professora iria reagir. A professora reclamava por que eu não
mostrava o planejamento antes das aulas, eu acabava não trazendo. Ela não gostava porque
eu enviava por email.
[PF2] É relevante, eu penso muito em como mostrar a cultura inglesa pros alunos tanto que
acho que na terceira aula de estágio eu abordei um assunto sobre de como era diferente o
uso de uniformes na Inglaterra e eu queria poder tentar trazer dentro dos alunos um
questionamento, por que eles são assim e nós somos assim. E eu levei vídeo de estudantes
sendo entrevistados e explicando por que eles gostavam de usar esse tipo de uniforme se
eram a favor ou contra e tudo mais, nem foi só da Inglaterra, tinham estudantes da China
também que elas criavam o próprio uniforme para ir para escola e eu achei relevante levar
para sala de aula, pois o vídeo era todo em inglês então estava conectado. E eu acho que
através da aproximação da cultura quanto mais eles acham interessante ali, o interesse pela
língua inglesa acaba sendo secundário, mas é um encaminhamento, muitas vezes eu acho
que o interesse pela cultura vem primeiro, já é um passo muito grande para aprender a
língua. Então eu acho relevante, sim, trazer elementos de outras culturas para sala de aula.
[PF3] Com certeza, a intolerância em sala de aula é muito grande, não existe mais respeito
com os colegas e nem com o professor. Com esses valores perdidos, eu acredito que seria
muito bom se tivéssemos uma disciplina, ou que as várias disciplinas, do currículo escolar,
pudessem abordar assuntos como esses.
149

De acordo com as respostas acima, mesmo os PFs confirmando a importância de um ensino


intercultural, continuo a acreditar que esse tipo de abordagem ainda não está tão evidenciado entre
eles como um entendimento mais esclarecedor do que significa assumir uma postura intercultural
em sala de aula. O pressuposto que me parece faltar aos alunos é a percepção de que no estágio a
abordagem intercultural subtende o planejamento em torno das questões locais do dia a dia, das
relações entre os alunos e do respeito ao outro. Nessa perspectiva de abordagem existem tantos
outros assuntos, de ordem local104 e de interesse dos alunos que merecem destaque. Portanto, a
princípio, deve-se construir um planejamento com temas relevantes para o cotidiano dos alunos,
conectando-os a uma perspectiva de inseri-los dentro das culturas estudadas, através da língua alvo
e do debate crítico.
Observo que PF2 apresenta a importância de trabalhar eventos culturais de países de língua
inglesa, em comparação aos problemas locais, como um estímulo à aprendizagem da língua alvo.
Achei positiva essa postura de PF2 , mas adentrar em uma abordagem intercultural é mais profundo
que isso (MENDES, 2008). A questão não é só trabalhar eventos superficiais. A preocupação está
em desenvolver temas entre os alunos que os permita vivenciar as experiências, compartilhar
opiniões e construir um pensamento crítico em torno do mundo que os cerca. Nesse sentido, PF2
nos parece ser bem intencionado em seus propósitos, mas vejamos o seguinte trecho de sua
entrevista:
E eu acho que através da aproximação da cultura quanto mais eles acham interessante ali,
o interesse pela língua inglesa acaba sendo secundário, mas é um encaminhamento, muitas
vezes eu acho que o interesse pela cultura vem primeiro, já é um passo muito grande para
aprender a língua. Então eu acho relevante, sim, trazer elementos de outras culturas para
sala de aula.

PF2 aqui, utiliza-se da “cultura” como estratégia de ensino. Segundo ele, o fato de fazer o
aluno se interessar pela “cultura” da Inglaterra, pode seduzi-lo para o aprendizado da língua. PF2
reproduz a lógica da imersão cultural como trabalho intercultural de ensino. Ainda que isso possa
ser visto como uma abordagem, está longe de representar o trabalho intercultural em sala de aula. A
forma como PF2 pensa o tema em sala de aula corre o risco de reafirmar a hierarquização de
culturas. A depender de como a cultura do outro é apresentada, principalmente em uma sala de aula
com alunos em situação de vulnerabilidade social, pode se instituir um olhar subalterno em relação
ao outro, estabelecendo-se uma relação de subserviência cultural.

104
Em outro capítulo, apontei que na sociedade em que a universidade se encontra há muitas influências culturais,
religiosas, políticas, as quais fazem parte do cotidiano dos alunos e que podem ser usadas como temas interculturais,
pois dentro dessas influências há o preconceito religioso, político, de gênero e etc.
150

Entendo a interculturalidade como uma relação crítica cujo objetivo final é quebrar
hierarquias e não legitimá-las. Concordo com Mendes (2007, p. 119) quando ela justifica a adoção
da abordagem intercultural como uma forma de “promover a integração e o respeito à diversidade
dos povos, à diferença, permitindo ao aprendiz encontrar-se com a outra cultura sem deixar de ser
ele mesmo”.
Observo que PF3 se aproxima desse sentido mais amplo de abordagem intercultural, quando
ressalta a necessidade de trabalharmos em sala de aula temas como respeito e intolerância como
essenciais a todas as disciplinas. O que verdadeiramente caracteriza uma abordagem intercultural é
o fato de estarmos abertos ao diálogo com o outro, prevalecendo o respeito e a interação com
diferentes formas de se conceber o mundo (MENDES, 2007). Portanto, acredito que PF1 e PF2 não
entenderam esse conceito e reproduziram uma concepção de abordagem intercultural bastante
simplória, ressaltando fatos triviais, superficiais, ou reproduzindo aquilo identificado por Santomé
(1995, apud MOTA, 2010, p. 42) como um mero “currículo turístico”.
Sendo assim, a valorização da cultura local e a abertura sobre o conhecimento de novas
culturas é fundamental na construção do planejamento. Para isso, existem no período pré-regência,
horas destinadas à observação do meio, através de participação em reuniões, visitas às aulas,
questionários de sondagem e análise crítica para depois elaborar um planejamento diário em torno
do que foi pesquisado. A pesquisa prévia não é, necessariamente, a solução de todos os problemas,
mas, ao mesmo tempo, fazê-la corresponde a iniciar um processo de internalização de informações
e demandas, com impacto direto na construção de planejamentos que visem transformar a sala de
aula em um ambiente de interação e respeito mútuo.

4.6.4 Como penso meu lugar como futuro professor de LI

Sem a pretensão de extrair dos entrevistados resposta da qual eles não teriam
aprofundamento empírico para respondê-la105, quis saber deles qual a impressão que tinham sobre o
ensino público, mesmo considerando sua pouca vivência como profissional de ensino. Além disso,
também me interessou saber a forma de como eles pensavam o papel do professor de línguas na

105
Não tive a intenção de obter respostas de aprofundamento científico, o qual os PFs não possuem, pois ainda se
encontram em processo de construção de saberes, além de que, tal resposta aprofundada exigiria deles uma pesquisa.
151

contemporaneidade. A ausência de PF1 entre os entrevistados se justifica por motivos


operacionais106. Vejamos o que diz PF2:

[PF2] Não acho que melhorou, falta a influência maior da escola, o inglês ainda não faz
parte do cotidiano do aluno. O aluno não consegue relacionar o inglês que encontra no dia a
dia para a vida dele. E esse é um dos grandes problemas, o inglês só vindo da escola não
adianta. O ideal seria ter influência dentro e fora da escola. Ainda acho a influência externa
pouca. Essa comunidade em que atuo, considero ainda isolada deste mundo da língua
inglesa. Eu tento criar uma curiosidade de estar interagindo com pessoas diferentes eu falo
das minhas experiências para mostrar para os alunos que é um mundo diferente, mas é
muito difícil.

O questionamento que faço da fala de PF2 está no cuidado que devemos ter, como
professores de língua inglesa, de incentivar uma possível relação subserviente com a cultura da
língua alvo. Quando PF2 faz a seguinte afirmativa: “O aluno não consegue relacionar o inglês que
encontra no dia a dia para a vida dele. E esse é um dos grandes problemas, o inglês só vindo da
escola não adianta. O ideal seria ter influência dentro e fora da escola,” me leva a subtender de
que ele está se referindo à necessidade de que os jovens devam interagir com maior intensidade com
o universo cultural de língua inglesa. Mais do que isso, PF2 me parece quase que condicionar essa
relação cultural com a aprendizagem da língua inglesa. Entendo que exista uma boa intenção por
parte de PF2 ao defender essa estratégia. Entretanto, o que o futuro professor precisa entender é que
há uma linha tênue entre assumir posturas crítica ou acrítica frente à abertura do “vivenciar” a
cultura dos países de língua inglesa de maneira mais intensa. Como já afirmei, a posição de PF2 não
é passível de ser completamente descartada, pois é sim, papel da escola, estabelecer e qualificar o
diálogo entre o aprendizado da língua e o debate equilibrado entre as culturas.
A interação do estudante com o universo cultural de língua inglesa, de acordo com aquilo
que PF chama de “influência externa”, é bem vinda, desde que essa interação seja mediada pelo
professor em sala de aula. Cabe ao professor de língua inglesa estabelecer as estratégias
metodológicas desse diálogo intercultural para que a troca de conhecimento e experiências ocorra
sem a sobreposição de uma cultura em relação a outra.
Corroboro com os PCN (1998) quando estes afirmam que a importância do ensino de uma
língua estrangeira, no âmbito do ensino fundamental, deve refletir o diálogo entre povos
estabelecido em bases de igualdade. De acordo com os PCN (1998) alguns dos objetivos referentes
ao ensino de língua estrangeira para o ensino fundamental visa:
Vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua estrangeira, no
que se refere às novas maneiras de se expressar e de ver o mundo, refletindo sobre os

106
PF1 teve que ir embora antes do termino da entrevista.
152

costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões do seu próprio mundo, possibilitando


maior entendimento de um mundo plural e de seu próprio papel como cidadão do seu país e
do mundo (PCN, 1998).

Por outro lado, o professor, a escola e a própria universidade têm a responsabilidade sobre o
debate do inglês como língua global, e, consequentemente, podem colaborar para a valorização
intelectual da comunidade em que a escola e a universidade estão inseridas. Os PCN reproduzem
muito bem essa mentalidade ao reconhecer em seus objetivos que para o aluno “o aprendizado de
uma ou mais línguas lhe possibilita o acesso a bens culturais da humanidade construídos em outras
partes do mundo” (1998).
Dito isto, continuamos com a resposta de PF3 sobre o ensino público atual:

[PF3] Hoje, os alunos têm se distanciado muito das disciplinas de línguas estrangeiras,
principalmente falando de escola pública. Não há mais um interesse em aprender, e isso é
uma situação difícil, pois os alunos não têm motivação em aprender e, às vezes, o professor
também perde essa motivação de buscar uma melhoria.
Acredito que o ensino tenha melhorado em relação à qualificação de professores e de
materiais adequados para o ensino, principalmente no que diz respeito à língua estrangeira.

Resgato para interpretar a resposta de PF3 a questão dos objetivos do ensino de uma língua
estrangeira de maneira geral e do inglês de maneira específica. Entendendo a posição do inglês
como uma das principais referências de língua franca, seu papel universalista e, consequentemente,
sua funcionalidade em termos de acesso ao conhecimento que é produzido no mundo, deve
constituir-se no grande argumento de sedução para a sua aprendizagem no âmbito de uma sala de
aula. A resposta de PF3 fala da falta de “interesse” e “motivação”, mas analisa a responsabilidade
dessa realidade de maneira unilateral ao direcionar ao aluno a maior parcela dessa responsabilidade.
Trata-se de tema complexo e que exige permanente amadurecimento. É justamente nesse ambiente
de ponderações que a crítica reflexiva se faz necessária, uma vez que ela tem a capacidade e o
distanciamento necessários de diagnosticar os problemas e avançar sobre estes.
Ainda dentro deste contexto, PF3 continua refletindo sobre seu papel como profissional de
línguas:
[PF3] Acredito que meu papel como profissional de línguas seja de trazer todo o meu
conhecimento, adquirido nessas etapas de estágio e de teoria que vivi, para a minha região
com o objetivo de fazer uma diferença, de ser um profissional ético.

A resposta de PF3 recai no que é mais importante para esse período de estágio, que se
justifica por conscientizar o futuro profissional da necessidade de se formar para trabalhar com sua
comunidade. Podemos estender essa resposta para a questão da continuidade da manutenção dos
estudos para melhorar a sua prática. Ser um profissional ético corresponde a ser um profissional
153

crítico-reflexivo de sua prática e entender o seu verdadeiro papel como professor intelectual
transformador (GIROUX, 1997).
Visando entender a forma de como os estagiários refletiram sua experiência com o estágio,
quis saber deles sobre o impacto do ato de estagiar em seus respectivos processos de formação.
Vejamos alguns excertos:
[PF1] Estagiar tem um clima diferente de dar aula normal. Tem aluno que não confia na
gente, me acha estranha, não tem coragem de perguntar, no final é que alguns tiveram
coragem de perguntar. Isso muda tudo, muda o jeito que você está em sala de aula, porque
se eles ficam apáticos eu também fico, eu sou uma só, então eles me influenciam.
[PF2] Acho importante por que são experiências, por mais que a gente, futuros professores
de LI, já ensine e ache que vai ser a mesma coisa, mas vi que não é a mesma coisa, em
algum momento você encontra com muitas coisas diferentes. Eu tinha uns 2 anos ensinando
LI e eu não tinha grandes expectativas para o período do estágio, mas foi dentro do estágio
que tive ideias novas e novas concepções de ensino. Então, eu cheguei a conclusão que os
professores ao longo dos anos ele se reformula muito. Ele se reformula através de
experiência que ele tem em sala de aula e do que ele consegue observar. Eu imagino que
através da experiência também, acredito que ele possa estar em casa estudando novas
metodologias, estudando na área de ensino, mas o que eu realmente acredito que é dentro
da sala de aula que ele aprende a ser mais professor sempre.
[PF3] Foi importante, pois é nesse momento que a gente aprende e compartilha os
conhecimentos teóricos e práticos sobre como gerenciar uma sala de aula.
Acredito que a graduação é apenas uma etapa dessa carreira. Pretendo dar continuidade a
essa formação através de uma Pós, Mestrado, e quem sabe, até chegar ao Doutorado.

Observei que os três PFs são unânimes em identificar o estágio como uma fase essencial em
seus respectivos processos de formação profissional. O estágio, ao ser formatado com orientação e
associação entre teoria e prática, fomenta uma reflexão da prática mais sólida e, consequentemente,
possibilita a elaboração de planos mais reflexivos. O contato com um profissional, no caso o
professor orientador, voltado exclusivamente para fomentar ideias e refletir em detalhes o ambiente
da prática, acompanhando, sugerindo, ajudando na associação com a teoria, é de extrema
importância para a formação dos professores.
Outro aspecto recorrente entre os entrevistados é o fato de que, mesmo já tendo vivido a
experiência de ensino, eles demonstram o quanto o estágio tem a capacidade de fazer emergir coisas
novas. No caso de PF1 vejamos o seguinte relato quando ele se refere à participação dos alunos na
sala de aula: [...] não tem coragem de perguntar, no final é que alguns tiveram coragem de
perguntar. Isso muda tudo, muda o jeito que você está em sala de aula, porque se eles ficam
apáticos eu também fico. Vê-se que os anos de experiência em sala de aula de PF1 pouco valem
para os desafios que se impõem no período do estágio. PF1 se entrega diante da “apatia” dos alunos,
não oferecendo, inicialmente, nenhum tipo de contrapartida a atitude “apática” de seus alunos.
Mesmo que se constitua em apenas um laboratório com prazo definido para terminar, o estágio gera
desafios que exigem do profissional envolvido a habilidade de tomar decisões rápidas que nem
154

sempre a experiência prévia é suficiente para sanar. Ao observar as aulas de PF1, percebi que ele,
de certa forma, ao intervir em seu planejamento e instituir uma nova dinâmica de ensino, conseguiu
quebrar esse distanciamento de primeiro momento.
No caso de PF2, é a retomada da questão da experiência prévia e das novidades advindas do
estágio. Entretanto, PF2 repete algo já identificado em respostas anteriores e que, de alguma
maneira, virou marca de seu discurso. Refiro-me à importância e centralidade da experiência de sala
de aula na formação profissional e isso remete a questão da relação teoria e prática, ou seja da
relação experiência profissional e teoria, percebe-se, nitidamente, que é algo que continua confuso
aos olhos de PF2. Ainda que ele não negue a importância do conhecimento teórico, como podemos
perceber no trecho a seguir, “[...] acredito que ele possa estar em casa estudando novas
metodologias, estudando na área de ensino”, vê-se que, mais tarde ele faz questão de reafirmar que
é “dentro da sala de aula que ele aprende a ser mais professor”.
Já PF3 optou por uma análise mais genérica sobre sua experiência como estagiário,
diferentemente de seus colegas que se sentiram motivados a relatar experiências que talvez, pelo
fato de já serem professores, tenha se mostrado diferente do que eles tinham imaginado,
previamente, sobre o cotidiano de uma sala de aula. Ou seja, as respostas dos entrevistados,
colocam em xeque a supervalorização da chamada “experiência prévia” do estagiário como
elemento suficiente para transformar a fase do estágio em algo meramente formal. O que fica
evidenciado é que o estágio, dentre outras atribuições, tem a função de tirar o aluno de sua zona de
conforto, e desafiá-lo a pensar e refletir sobre sua prática permanentemente.
A última das perguntas é um complemento da anterior. Indaguei se o período da graduação é
suficiente para se tornar professor. Aqui estão algumas das respostas:

[PF1] Não, a prova disso é que sou professora há tantos anos, mas tudo pareceu tão novo.
Teve um aluno que eu não sabia como lidar com ele. Acho que eu deveria estar pronta
devido a minha experiência. Só a experiência e muito estudo, aí eu teria que ler os teóricos,
me apoiando nos teóricos, só eles podem ajudar a gente. Porque tem coisas que a gente não
consegue decifrar sozinho. A gente está sempre se baseando em técnicas pedagógicas, não
dá. Tem que ter uma visão humana, tem que ter experiência. Os alunos são diferentes,
alguns tímidos, alguns participativos, alguns rebeldes. Temos que observar e tentar ajudar.
Eu mudei muito neste sentido para tentar ajudar da melhor forma.
[PF2] A graduação não é suficiente para ser professor. Ser professor é um trabalho muito
árduo que os quatro anos de universidade não são suficientes para saber lidar com a sala de
aula. É isso que eu estou falando você leva muito tempo e dentro dessa linha do tempo
enorme que você tem na área de ensino, você se reformula inúmeras vezes, através do
contato com a experiência.
[PF3] Acho que o que foi e é aprendido na graduação é apenas um propulsor para que você
possa ir em busca de mais conhecimento. Acredito que para ser um bom profissional, o
professor precisar, antes de tudo, saber planejar, depois disso vêm as outras competências
155

como: saber trabalhar em equipe, ter o conhecimento na matéria/disciplina que vai ensinar,
estar atualizado, buscar novos métodos e técnicas de ensino, etc.

Percebi que os três futuros professores entendem que só a graduação não é suficiente para
sanar todos os problemas inesperados com que temos de lidar ao ensinar para um determinado
grupo tão heterogêneo. As influências vêm de todos os ambientes, as diferenças de aprendizagem
afetam a construção do planejamento, assim como as diferenças culturais que existem ao lidarmos
com alunos, que mesmo pertencentes à mesma comunidade, reagem e são únicos em sua
personalidade e formação ideológica.
A responsabilidade de entender que devemos desempenhar um bom papel ético para a
sociedade requer estudo, pesquisa da sala de aula e dedicação que nunca param de estar em
andamento. O conhecimento está em movimento e a sociedade também, portanto, nosso papel como
profissional é intenso. O ofício de ser professor é tarefa árdua como pontua Miccoli (2011, p. 175)
que não há um curso de formação de professores, que possa ensinar o ofício de ser professor, a
prática só é aperfeiçoada com a experiência e investimento do professor, seja na sua capacitação e,
como também, na pesquisa da sua própria sala de aula. Isto posto, a questão da ética entra nessa
jornada de autoconhecimento e investimento na prática e no desenvolvimento dos seus alunos. O
curso de formação profissional é apenas o início dessa empreitada.
Identifiquei, ao final de uma jornada de formação profissional, cujo início deu-se no Estágio
I e concluiu-se no Estágio III, que o futuro professor de língua inglesa acumulou conhecimento
suficiente para dar início a sua formação profissional crítico-reflexivo107. Ficou evidenciado que a
disciplina Estágio Supervisionado possibilitou aos PFs reconhecerem que a boa prática profissional
está atrelada à busca pelo conhecimento. Sendo assim, termino aqui, a última análise dos dados da
pesquisa e passo agora para a triangulação dos dados encontrados, associando documentos
(regulamento geral e setorial, ementas), questionários, observações de campo e entrevistas
realizadas com os futuros professores de língua inglesa da UNEB, campus XIV.

4.7 REVISITANDO AS ANÁLISES DOS DADOS

Nesta sessão da dissertação trata-se da triangulação das análises dos dados obtidos através
da pesquisa que foi realizada com os alunos do campus XIV, Conceição do Coité/UNEB. Os dados
revelaram questões que precisam ser debatidas e retomadas para (re) considerarmos um novo rumo
a ser seguido, dentro do campus XIV, frente ao processo de formação de professores de línguas. Os

107
Refiro-me ao início da sua formação crítico-reflexiva, pois tal processo é muito complexo e requer anos de prática e
de ensino.
156

temas emergem de um contexto social complexo, quando nos referimos à disciplina Estágio
Supervisionado e toda a demanda proveniente do relacionamento do futuro professor com a sala de
aula, a escola, os alunos, o contexto social em que se atua, o professor regente, o planejamento e,
enfim, o professor orientador de estágio.
Identifico no caminhar deste futuro profissional que este tende a estar exposto a uma série de
interferências externas e internas. As interferências internas remetem ao processo de reflexão crítica
e ética de cada ser ao fazer escolhas para sua prática pedagógica. Outra questão que merece
destaque e nos conduz a repensar nossos planejamentos, é a forma como os professores recém-
formados, consolidam seus conceitos teóricos para então os articularem na vida prática real no
interior da escola em que vão atuar.
Nesse contexto, optei por uma triangulação intra-métodos (CANÇADO, 1994, p.58), em que
o observador emprega variedades do mesmo método, a fim de obter várias maneiras de olhar para o
mesmo objeto de investigação. Como vimos, utilizei como instrumentos de pesquisa a análise do
Regulamento Geral de estágio da UNEB e do Regulamento setorial de língua inglesa do Campus
XIV, questionários estruturados para os PFs e professor orientador, análise da ementa da disciplina
Estágio supervisionado, Planejamento dos PFs, observação de aulas no período do Estágio
supervisionado III e, finalmente, a entrevista semi-estruturada com os alunos em formação.
Todos os instrumentos de pesquisa tiveram como objeto de estudo o aluno em formação e
seu processo de reflexão-crítica no período da disciplina Estágio Supervisionado III. Logo, para se
efetuar uma reflexão crítica, os alunos em formação precisam ter conhecimento teórico, sendo
assim, analisei a ementa do professor orientador e fiz um questionário estruturado com o objetivo de
entender, de forma mais detalhada, a escolha dos conteúdos por este profissional.
Portanto, nesse momento, utilizarei da estratégia de triangulação de todos esses
instrumentos, separando-os por temas que foram abordados neste trabalho final. Vejamos adiante:

a) Construção do conhecimento teórico e práticas reflexivas

A associação teoria e prática não é um processo fácil para o professor em formação.


Aparentemente, o PF se confunde um pouco com a ajuda que a teoria deva fornecer à prática.
Identifiquei em alguns deles uma concepção de teoria como se fosse uma “fórmula pronta” que
tivesse por “obrigação” auxiliar na solução do problema encontrado em sala de aula de forma
eficiente e imediata. Percebe-se a dificuldade de entender a relação teoria e prática de maneira mais
157

abstrata sem considerar ambas como inseparáveis no plano da subjetividade do sujeito (i.e. o
professor) (GIMENO, 1999 apud PIMENTA, 2002, p. 26).
Compreendi, ao longo das análises, que ainda falta um conhecimento maior de mundo por
parte dos professores em formação, como também um conhecimento teórico mais consolidado, que
vise a dar mais segurança às escolhas nas suas ações. Logicamente que isso é um processo natural,
pois trata-se de indivíduos em fase preparatória da carreira. O que importa e o que devemos levar
em conta, como professores formadores, é tentar fomentar um trabalho de conscientização sobre a
necessidade de se ampliar o conhecimento e, principalmente, de conhecer o público com que se vai
trabalhar. Neste pormenor, o trabalho de graduação ainda tem continuidade, pois temos mais um
semestre da disciplina Estágio Supervisionado para discutir e melhorar o que não deu certo no
Estágio III.
A questão referente à associação teoria e prática realizada no período pré-estágio, ainda se
encontrava confusa, como ressaltei na fase da análise. Os alunos estagiários têm noção desta
importância da associação, mas se perdem ao tentar explicá-la. PF1 e PF2 dão respostas similares,
mas que ainda se fundam no conceito bipolarizado de teoria e prática. Já PF3 admite que a teoria é
importante, mas, na prática, não funciona. PF3 ressalta ainda que a importância maior está na
experiência adquirida ao longo dos anos de profissão. Observei que os PFs precisam utilizar do
período do estágio para se ambientarem com a discussão referente à relação teoria e prática, ou seja,
a disciplina deve ter esta função, e tal objetivo deve ser entendido pelos futuros professores em
termos de formação profissional.
Ao efetuar as entrevistas antes e depois do estágio supervisionado propriamente dito, ainda
que tenha sido possível identificar algumas mudanças de pensamento entre os entrevistados, naquilo
que se referiu à relação teoria e prática, foi possível apreender uma evolução tímida por parte deles.
Como na fase que antecedeu o início do estágio, os PFs continuaram reproduzindo uma postura que
coloca a teoria e a prática em duas frentes, ao mesmo tempo em que mantêm a visão bipolarizada e
buscam na teoria receitas imediatas de orientação da prática. Esse tipo de conceitualização deve ser
reavaliado pelo professor orientador de estágio no intuito de desconstruir essa visão superficial que
segrega e não auxilia no entendimento da relação teoria e prática como um conjunto indissociável
de saberes que influencia diretamente na reflexão da sala de aula do futuro professor de línguas.
Quando revisitei o planejamento do professor orientador, no tocante ao tema teoria e prática,
observei que nas ementas da disciplina essa associação é prevista durante todo o processo, já que a
disciplina Estágio Supervisionado se pressupõe de um debate constante entre teoria e prática.
158

Entretanto, entendo, que diante das informações que emergiram das entrevistas a questão da relação
teoria e prática deve sofrer maior ênfase, quanto ao esclarecimento dessa relação, ganhando, assim,
centralidade no planejamento do professor orientador e talvez, caiba a este, discutir de maneira mais
contundente o objetivo desta disciplina com os PFs.
O papel do professor orientador e formador deve revestir-se no sentido de esclarecer a
importância do período do estágio e seus benefícios para o desenvolvimento do PF como um bom
profissional, e que tal característica deve estar atrelada a reflexão e a pesquisa do ambiente escolar
que este profissional estará inserido.
Consequentemente, percebi que PF1 e PF2 perderam muito do seu desenvolvimento
profissional ao evidenciarem que não gostavam de apresentar o planejamento ao professor
orientador. Isso acarretou, sob meu ponto de vista, uma falta de acompanhamento e questionamento
dos seus planejamentos, faltando algo básico que consta no Regulamento Geral de Estágio, a
orientação. Existe um período no estágio destinado à prática de orientar, e isso, segundo PF1 e PF2,
foi negligenciado por eles. A falta de compromisso dos PFs com algumas práticas é algo real e que
merece melhor atenção do professor orientador. Contudo, observei, que em algumas respostas das
entrevistas dos professores em formação, eles destacaram que a orientação do professor de estágio
ajudou muitas vezes na construção do seu planejamento e mesmo alguns não mostrando os planos a
contento, o professor orientador conseguiu desenvolver um trabalho que conscientizou e direcionou
o planejamento dos seus alunos.
Outro ponto que merece destaque nas pesquisas é a revelação do professor orientador sobre
a falta de domínio da língua estrangeira. O aluno de Letras chega ao período de estágio, no qual já
deveriam ter um grau relativo de habilidade linguística, com o domínio da língua alvo ainda muito
limitado. Isso leva para o período de estágio, um planejamento também limitado, com o processo
girando em torno de conteúdos gramaticais e estudos de vocabulários totalmente dissociados da
vida real dos alunos. Tal deficiência acarreta um planejamento pouco significativo e,
consequentemente, pouco reflexivo, causando uma estagnação no processo da desejada formação
crítico-reflexiva do professor em formação.
Visualizei, durante a pesquisa, que dentre os três alunos observados, apenas um não havia
desenvolvido sua habilidade linguística de maneira satisfatória. O reflexo disso em sala de aula foi
imediato. No que se refere a esse aluno, identifiquei sua falta de habilidade em desenvolver planos
mais atrativos e a dificuldade de compreender que alguns dos obstáculos surgidos em sala como,
por exemplo, o próprio desinteresse dos alunos em relação à disciplina, poderia estar diretamente
159

vinculado a essa deficiência do domínio linguístico. Por outro lado, entendo que essa realidade não
é um “privilégio” da Licenciatura em Língua Inglesa da UNEB/Campus XIV. Possivelmente,
algumas instituições, devem viver esse tipo de realidade. Reputo essa questão como primordial e
estratégica no processo de formação de futuros professores de LE. Por esse motivo, ela deveria
ganhar centralidade em termos de debate e reflexão no âmbito das licenciaturas em língua
estrangeira em todos os centros formadores.
Concluo esse tema, ressaltando a necessidade de estudos e pesquisas contínuas para entender
como se ensina e se aprende e assim melhorar sua dinâmica. Acredito que tal processo leva anos de
aperfeiçoamento, só a graduação não fomenta essa segurança teórica nos alunos. Contudo, o
período de estágio é o início desse processo e um professor orientador com formação em pesquisa
em LA se torna uma referência mais consistente no processo de desenvolvimento profissional dos
futuros professores de língua inglesa.

b) A abordagem intercultural nas aulas de estágio

A abordagem intercultural em sala de aula é um tema caro para os professores em


formação da UNEB, Campus XIV. Por localizar-se em uma região com diversas singularidades e
influências culturais, reflete um microcosmo social com características muito próprias. O universo
escolar reproduz uma gama de valores e crenças que transitam livremente nas ações e na formação
ideológica de cada indivíduo. É uma realidade que tende a exigir que o debate intercultural e a
incorporação deste tema se torne algo mais permanente nos planejamentos dos professores
formadores durante o período da graduação.
No desenvolvimento da ementa das disciplinas Estágio I, II, III, elaborado pelo professor
orientador, não consegui visualizar de forma concreta uma discussão em torno da questão da
abordagem intercultural. Contudo, pelo que percebi na resposta do questionário dirigido ao PO e
como também, em alguns planejamentos dos PFs, identifiquei uma preocupação com a
importância do referido tema. Observemos o trecho a seguir: “Eu acredito que através de
discussões sobre a temática interculturalidade ajudamos o aluno a transitar melhor entre as
línguas-culturas, valorizando a sua própria, reduzindo preconceitos, derrubando estereótipos.”
Quando revisito o projeto pedagógico de Letras Língua Inglesa e Literaturas da UNEB, Campus
XIV, identifico a formação intercultural como objetivo básico no desenvolvimento profissional
dos futuros professores. Observemos o trecho abaixo da parte das Diretrizes para o curso de Letras
do projeto pedagógico do Campus XIV/ UNEB (2010, p. 14).
160

O objetivo do Curso de Letras é formar profissionais interculturalmente competentes,


capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens, especialmente a verbal, nos contextos
oral e escrito, e conscientes de sua inserção na sociedade e das relações com o outro.
Independentemente da modalidade escolhida, o profissional em Letras deve ter domínio do
uso da língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua estrutura,
funcionamento e manifestações culturais, além de ter consciência das variedades
lingüísticas e culturais. Deve ser capaz de refletir teoricamente sobre a linguagem, de fazer
uso de novas tecnologias e de compreender sua formação profissional como processo
contínuo, autônomo e permanente. A pesquisa e a extensão, além do ensino, devem
articular-se neste processo. O profissional deve, ainda, ter capacidade de reflexão crítica
sobre temas e questões relativas aos conhecimentos linguísticos e literários. (grifos meus)

Diante deste fato, reafirmo a importância de fomentarmos debates que dialoguem com o
tema interculturalidade. Grifei aqueles trechos que estão intimamente relacionados com a pesquisa
que fiz e alguns tiveram sua reflexão aqui apresentada.
Notei que os PFs entendem o conceito geral que se sustenta na abordagem intercultural
quando questionados na entrevista. Eles destacaram a importância do respeito ao outro, ao diferente
e às várias formas de pensar. Porém, percebi que esses futuros professores ainda não entendem o
“conceito” de interculturalidade como algo contínuo a sua prática. A percepção, decorrente da
análise das entrevistas, é o de uma visão de interculturalidade como uma mera apresentação de
informações pitorescas, no fundo, tratando-se do que Santomé (1995, apud MOTA, 2010, p. 42),
chamou de “currículo turístico”, em que uma simples abordagem dos aspectos superficiais da
cultura inglesa ou americana, já contempla-se a prática da interculturalidade na sala de aula.
Tenho a devida consciência de que se trata o tema da interculturalidade algo complexo e em
constante processo de discussão por parte da literatura especializada. Interculturalidade, pressupõe
um conceito de cultura, o qual tem se mostrado fluido e bastante dinâmico quando nos debruçamos
sobre seu entendimento. No entanto, a interculturalidade em sala de aula de inglês, por exemplo, é
uma realidade que veio para ficar. Em um mundo cada vez mais globalizado, apresentando
fronteiras abertas de possibilidade de diálogos entre povos diversos e de democratização do acesso à
informação a um número infinito de pessoas, tende a demandar dos sujeitos envolvidos com a
formação de professores um nível de reflexão sobre o tema de maneira mais contundente e
responsável. Entendo que esse é o desafio para todos nós.
161

c) O papel do futuro profissional de língua inglesa

A demanda para a formação de professores de língua inglesa no contexto atual é muito


complexa. O domínio do idioma é importantíssimo e, atrelado a isso, se exige um profissional que
esteja atento às influências originárias da globalização, à desvirtuação de conceitos, a questões de
subserviência e estereotipação cultural, preconceitos e discriminações de diversas formas, sejam
elas culturais, sexuais, sociais, etc. Enfim, espera-se um profissional que reflita sobre sua prática,
que conheça o universo em que vive seus alunos, que se desenvolva na sua capacidade crítica e,
finalmente, que se articule em um mundo tecnológico em prol de um trabalho emancipatório.
Percebi que as demandas são grandes e os futuros professores, ao mesmo tempo que as
reconhecem, se assustam, quando são questionados a refletir sobre seu papel. O período de estágio
é um verdadeiro “entrelugar” (MILLER, 2013), no sentido de o aluno ainda estar em processo de
reconhecimento e aceitação de sua identidade como professor de línguas. As influências externas
do meio também são grandes e a presença dos diversos sujeitos vinculados ao ambiente escolar
exigem do futuro professor o desenvolvimento de relações de diálogo que lhe permitam adentrar e
ser agregado de maneira menos traumática ao universo escolar.
Observei ao longo da pesquisa algumas questões levantadas pelos futuros professores em
relação ao que eles pensam sobre o ensino de língua inglesa na atualidade, pois para entender seu
papel, é importante compreender como o meio em que vão trabalhar está lidando com o ensino de
LI. Vejamos alguns excertos:
[PF1] Tem que ser creditado maior importância ao ensino de língua inglesa.
[PF2] Existe uma supervalorização de uma habilidade, que é leitura, e que torna o
aprendizado de língua inglesa insuficiente. O ensino de LI poderia apresentar melhores
resultados se houvesse uma interação maior da língua no dia-a-dia do estudante.
[PF3] Acho que o ensino de língua inglesa seja muito importante, mas não tem espaço
necessário nas escolas.

Mesmo com o livro didático sendo fornecido pelo governo, dando, assim, uma maior
credibilidade ao ensino de LI, o caminho a se percorrer é longo. A principal habilidade ensinada é
ainda a leitura e vemos pelos planejamentos dos professores regentes a centralidade do foco
gramatical. A reprodução dessa prática entre os estagiários se mostrou presente no período inicial
do estágio. Por outro lado, ao longo do desenvolvimento de seus planejamentos, pude notar que eles
começaram a se questionar sobre a validade ou não de um ensino meramente gramatical e
desvinculado da realidade, ato imediatamente refletido no planejamento, cujo novo olhar sob o ato
de planejar abria espaço para um ensino mais amplo e mais significativo.
162

Outro aspecto levantado pelos entrevistados, aquele que identifica na disciplina língua
inglesa uma condição “marginal” entre as que formam o currículo escolar, me parece ser decorrente
de uma situação de longa tradição da crença escolar que sempre tendeu a valorizar as ciências
exatas em detrimento das humanas. Mesmo que isso possa parecer uma conjectura por parte dos
entrevistados, ela se respalda nessa tradição. Debater o papel da língua inglesa no processo de
aprendizagem das escolas se constitui em demanda ainda passível de ser refletida pelos sujeitos
envolvidos com a educação linguística.
O papel do professor e suas demandas e desafios foi algo que emergiu de maneira vigorosa
nas falas dos PFs. Em suas falas, me senti diante de sujeitos conscientes das dificuldades, mas
extremamente imbuídos em superá-las. Cada um, a seu modo, refletiu sobre sua prática e
apresentou soluções. Como podemos extrair dos excertos trazidos abaixo:

[PF1] A contemporaneidade se tornou mais dinâmica as relações das pessoas com o


conhecimento. Sendo assim, têm que se adequar a essa dinâmica seja tecnológica, as
relações de comportamento em sala de aula, etc.
[PF2] Interdisciplinariedade seria uma base bastante consistente para um ensino de
melhor qualidade de LI, pois através desta ferramenta pode-se expandir a consciência
sobre como a língua inglesa faz relação com um mundo maior de coisas e não somente a
sala de aula e os objetos gramaticais.
[PF3] O ensino de língua inglesa deveria ser mais valorizado nas escolas públicas e com
uma carga horária maior.

À luz destas falas, noto o amadurecimento dos alunos e o conhecimento das demandas antes
do estágio, levantando aspectos como uso da tecnologia, interdisciplinaridade, aumento de carga
horária, entre outros, para uma disciplina tão importante na sua vida profissional e cotidiana.
Outro sujeito envolvido, no caso, o professor orientador, também se mostrou sensível a essas
demandas. Ao debater questões como letramento, gêneros textuais, estudo dos documentos que
regem e organizam o ensino de línguas e do uso das diferentes habilidades, o professor orientador
demonstrou uma postura que busca antecipar a essas demandas.
Entendo, também, que as demandas são muitas e que em uma graduação é muito difícil
contemplar tudo que surge de novo no processo de ensino/aprendizagem. O trabalho deve servir de
incentivo ao estudo contínuo, sendo o estágio apenas o princípio do processo de reflexão do futuro
profissional de línguas. Como exemplo da importância deste período, observemos o que PF3
evidencia.

[PF3] Acredito que meu papel como profissional de línguas seja de trazer todo o meu
conhecimento, adquirido nessas etapas de estágio e de teoria que vivi, para a minha região
com o objetivo de fazer uma diferença, de ser um profissional ético.
163

Os três alunos, de maneira geral, consideram o estágio supervisionado como um período


importante na graduação deles. Vejamos algumas falas:

[PF2] Acho importante porque são experiências, por mais que a gente, futuros professores
de LI, já ensine e ache que vai ser a mesma coisa, mas vi que não é a mesma coisa, em
algum momento você encontra com muitas coisas diferentes. Eu tinha uns 2 anos ensinando
LI e eu não tinha grandes expectativas para o período do estágio, mas foi dentro do estágio
que tive ideias novas e novas concepções de ensino. Então, eu cheguei à conclusão de que
os professores ao longo dos anos ele se reformula muito. Ele se reformula através de
experiência que ele tem em sala de aula e do que ele consegue observar. Eu imagino que
através da experiência também, acredito que ele possa estar em casa estudando novas
metodologias, estudando na área de ensino, mas o que eu realmente acredito que é dentro
da sala de aula que ele aprende a ser mais professor sempre.

[PF3] Foi importante, pois é nesse momento que a gente aprende e compartilha os
conhecimentos teóricos e práticos sobre como gerenciar uma sala de aula.
Acredito que a graduação é apenas uma etapa dessa carreira. Pretendo dar continuidade a
essa formação através de uma Pós, Mestrado e quem sabe até chegar ao Doutorado.

Como se vê, o estágio traz o momento de reflexão da prática de forma concreta para o aluno
e o papel do orientador neste momento é crucial para incentivar e fomentar o desenvolvimento de
um profissional crítico-reflexivo e ético.
Passemos, então, para o próximo tópico:

d) O período da observação e o desenvolvimento reflexivo de cada PF

Através do período de observação foi possível me aproximar do processo de


desenvolvimento ainda que inicial crítico-reflexivo dos futuros professores, desde suas
inseguranças iniciais, que se apresentaram com planejamentos voltados para um ensino gramatical
e descontextualizados, até a construção de planejamentos mais bem elaborados, reflexivos,
contextualizados e, enfim, construídos de forma a fomentar um trabalho mais significativo para os
alunos da escola pública.
Dentro desse contexto, nesse último tópico da análise geral, apresento uma conclusão que,
em última instância, se mostrou bastante positiva. Não obstante, ainda enxergo dificuldade em
lidar com questões que exigem um maior grau de abstração, como no entendimento, dos PFs, da
relação teoria e prática. Mesmo assim, os entrevistados demonstraram estar cientes da importância
do ensino da disciplina língua inglesa na formação geral de um indivíduo no espaço escolar,
entendendo-a como uma disciplina que possui um “caráter educativo” e que torna o sujeito
participativo de um mundo culturalmente diverso e rico de informações (JORGE, 2009).
164

Por incrível que pareça, o fato de todos os futuros professores participantes da pesquisa já
terem experiência profissional pré-período do estágio se mostrou, na prática, uma realidade pouco
suficiente para caracterizar o estágio como apenas uma tranquila fase de transição. Identifico nessa
situação um dos momentos mais positivos de minha investigação. O que foi identificado nas falas
iniciais dos entrevistados é o de que seria o período do estágio uma espécie de ato contínuo de
suas respectivas experiências em sala de aula. Sabemos que as coisas não são tão simples assim, e
o estágio, pelo contrário, acabou por se caracterizar em um caldeirão de grandes novidades. Diante
dessa realidade, a reflexão crítica sobre o ato de ensinar se mostrou elemento essencial de
“sobrevivência profissional”. A conclusão que chego é a de que os entrevistados não teriam se
dado conta de que a experiência, por mais importante que seja, não funciona se prescindir do ato
de se refletir permanentemente sua sala de aula.
Em suma, foram bastante proveitosas as análises que pude fazer em torno das respostas dos
entrevistados. Entre os futuros professores, reproduzindo crenças motivadas por concepções pré-
estabelecidas e sem um mínimo de base empírica, e, ao mesmo, se conscientizando da força e da
essencialidade do debate teórico crítico-reflexivo realizado em sala de aula com o professor
orientador, os entrevistados demonstraram entender o verdadeiro e estratégico papel do estágio na
formação de suas respectivas e futuras carreiras. Em seguida, apresento o desenvolvimento
reflexivo da construção do planejamento de cada entrevistado.

Desenvolvimento reflexivo do planejamento de PF1

Identifiquei no PF um sentimento de ansiedade no período pré-estágio, o que, inicialmente,


gerou um pouco de insegurança. O futuro professor, segundo os dados apresentados, começou
elaborando planejamentos gramaticais, com muito medo de inovar em um ambiente que ele
acreditava ser novo e diferente do que costumava trabalhar. Sua maior expectativa estava em
estagiar com alunos da rede pública, pois não tinha experiência com esse universo, criando falsas
crenças sobre dificuldade de aprendizagem. Vejamos o excerto que representa esta crença:
[PF1] Apesar de já ser professora, minhas expectativas em relação ao estágio é de
novidades. Novidade na forma de trabalhar, já que sou professora de escola particular e não
pública. O público alvo também demanda preocupação em relação a forma de trabalhar,
porque cada um assimila/reconhece de forma diferenciada as coisas.

Acredito que tal postura está baseada em conceitos pré-concebidos em relação a diferenças
de capacidade de aprendizagem de alunos de escola privada e pública. Contudo, ao avançar no seu
período de estágio, PF1 foi percebendo que deveria modificar seus planos e o resultado disso foram
165

aulas mais motivadoras e mais condizentes com a necessidade e realidade daqueles alunos. PF1, ao
meu ver, demonstrou que cresceu e que seu poder de reflexão se encontra encaminhado. Percebi
também que o trabalho do professor orientador foi bastante significativo. De acordo com as análises
feitas e com o crescimento reflexivo de PF1, observei que as discussões em sala surtiram efeito em
sua postura.
No que concerne às observações das aulas, percebo que PF1 começou muito inseguro, não
se preocupou em abordar a importância da língua inglesa nos dias atuais, com o objetivo de
valorizar seu aprendizado e motivar seus alunos. Esse tipo de planejamento, não efetuado por PF1,
considero de extrema importância nos contatos iniciais com a turma, pois eleva a importância do
ensino de uma LE e, principalmente, oferece objetivos mais concretos para o por quê de se estudar a
LI. Entretanto, PF1 se mostrou muito mais preocupado com ativação de vocabulário e conversas
sobre posturas em sala de aula. Nesse caso, considero um início muito superficial e PF1 perdeu uma
boa oportunidade de conhecer seus alunos mais profundamente no primeiro dia, motivando-os e
valorizando a aprendizagem de uma segunda língua.
Nesse sentido, dando procedimento ao desenvolvimento do seu planejamento durante o
período de estágio, PF1 se concentrou em ensinar gramática, totalmente descontextualizada e foi
neste dia que ele percebeu que deveria mudar de estratégia de ensino, pois concluiu que este tipo de
aula em nada acrescentava a seus alunos. No terceiro encontro, já identifiquei em PF1 uma postura
completamente modificada, apresentando um planejamento menos estrutural e mais significativo. O
reflexo da participação de seus alunos em sua aula foi imediato e esta se mostrou criativa e
motivadora. Ainda que tenha mantido a base gramatical, PF1 procurou contextualizar o conteúdo,
estabelecendo um diálogo com a realidade social dos alunos. Esta aula teve início, meio e fim, com
preparação, preocupação e acompanhamento de seus alunos, demonstrando que PF1 aproveitou de
seus conhecimentos teóricos e os utilizou na reflexão de suas aulas.

Desenvolvimento reflexivo do planejamento de PF2

Inicialmente, o PF levanta a expectativa de ser avaliado e o momento de aprender e rever


suas crenças nesse momento pré-estágio. Ele acredita, também, na teoria como base para a sala de
aula e ressalta que a língua deve ser ensinada em toda sua complexidade comunicativa108, fazendo,

108
Aprender a língua em toda sua complexidade comunicativa é quando não se restringe o estudo da língua a uma
habilidade ou a aspectos formais. Segundo Paiva (2009, p. 32-33) “A língua deve fazer sentido para o aprendiz em vez
de ser apenas um conjunto de estruturas gramaticais”.
166

assim, uso da interdisciplinaridade. PF2, então, apresenta pontos importantes para um ensino
significativo da LI. O repensar de sua aula recaiu na observação dos seus alunos e nas expectativas
refletidas em sua atitude durante as aulas. PF2 passou a observar a reação dos alunos e isso foi algo
que o período do estágio o fez descobrir, ou seja, a busca pela sensibilidade que há ao lidar com a
sala de aula.
Contudo, percebo que PF2 demonstrou dificuldade em entender a necessidade de elaborar
planos diários e apresentá-los ao orientador. Considera, assim, a construção dos planos uma
burocracia e não vê a necessidade em fazê-los. Outro ponto acrescentado por PF2 está na questão
do planejamento. Para ele, um bom planejamento, está atrelado majoritariamente na sua experiência
de tempo de ensino. Mesmo que tenha ressalvado, em alguns momentos, a importância da teoria em
sua formação, PF2 continuou reafirmando, acredito que de maneira equivocada, sua crença na
experiência como elemento central na formação profissional do professor. Um bom professor deve
ter uma boa formação teórica e experiência suficientes para poder desenvolver suas próprias teorias
em relação ao ofício de ensinar e aprender uma segunda língua. O conhecimento não para, exigindo,
assim, estudo e esforço desse profissional para se manter consciente das mudanças no mundo.
Ponto dos mais positivos na fala de PF2, foi o fato deste acreditar que o ensino exclusivo da
gramática não ajuda na aprendizagem de seus alunos e que há outros elementos interdisciplinares
disponíveis para embasar as aulas de LI. Em sintonia com essa ideia, PF2 tentou formular seus
planos, colocando ênfase no ensino interdisciplinar e no desenvolvimento das quatro habilidades.
Assim como PF1, PF2 repetiu a estratégia introdutória de utilizar como metodologia de
ensino “brincadeiras” com vocabulário109. Não se tratou de estratégia equivocada, mas ao se
restringir a esse tipo de estratégia, assim como PF1, PF2 perdeu a oportunidade de trabalhar temas
importantes, fomentar diálogo com a turma a respeito da importância do ensino de LI e,
principalmente, conhecer melhor seus alunos.
Nas aulas que se seguiram durante o período do estágio de PF2, pude perceber alguns
problemas na construção de suas aulas, como, por exemplo, demorar muito tempo, exclusivamente,
em uma atividade, enquanto poderia variar com outras opções, as quais iriam acrescentar bastante
ao desenvolvimento da turma. Contudo, visualizei um potencial de desenvolvimento nas suas aulas
muito proveitoso. PF2 tem um grande senso de organização e orienta muito bem seus alunos. A aula

109
PF2 e PF1 no primeiro dia de aula utilizaram o mesmo plano e neste sentido construíram 50 min de aula focados em
joguinhos com vocabulário.
167

tem início, meio e fim e é bem desenvolvida. Sendo assim, concluo que PF2, se bem orientado no
próximo estágio, irá aumentar bastante seu potencial como futuro professor de LI.

Desenvolvimento reflexivo no planejamento de PF3

De acordo com as primeiras impressões de PF3, passadas em nossas conversas iniciais, ele
demonstrou grande expectativa em estabelecer uma relação amigável com os alunos. Apresentando
um perfil bastante pragmático de lidar com as demandas da sala de aula, PF3 demonstrou certa
diferença em relação a seus colegas. Isto pôde ser evidenciado quando PF3, ao questionar a baixa
carga horária da disciplina, ofereceu uma visão bastante pragmática, em relação ao exercício da
profissão de professor. Vejamos o excerto:
[PF3] Minhas expectativas são de poder realizar um bom estágio e ter um bom
relacionamento com os alunos. O estágio é importante, pois nos coloca no lugar do
professor e nos permite uma experiência em sala de aula. O papel do professor é
desafiador, uma vez que a disciplina tem uma carga horária pequena e os alunos não
levam muito a sério.

Partindo para analisar seu período de estágio, percebi em PF3 a falta de domínio da língua
alvo110, o que refletiu diretamente na construção dos seus planos. A escola em que ele estagiou
também o limitou, pois a presença constante da regente na sala e a orientação gramatical e sem
nenhum tipo de relação afetiva com os alunos, gerou um ambiente frio, descontextualizado e pouco
atrativo para os estudantes com impacto direto tanto no PF quanto em seus alunos. Mesmo
reconhecendo que a sala de aula se constitui em um universo plural e diversificado, entendo que
faltou em PF3 iniciativa em driblar esses “obstáculos” e construir estratégias que possibilitassem a
diminuição do “filtro afetivo” (KRASHEN, 1985 apud LARSEN FREEMAN, 1991) dos seus
alunos.
A observação de PF3, ainda que não tenha interferido no objetivo geral da pesquisa, foi
momentaneamente prejudicada pelo fato do mesmo concluir seu estágio sem que eu tivesse sido
avisada com a devida antecedência. Contudo, vi refletido em suas respostas, o impacto direto da
ação do professor orientador ajudando-o a refletir sobre sua prática de maneira mais responsável e,
ao mesmo tempo, levando-o a repensar determinados valores e posicionamentos pré-concebidos.
Finalizo aqui, a triangulação das análises, ressaltando sobre a importância do período do
estágio como suporte para a construção reflexiva do planejamento dos futuros professores. Mesmo

110
Espera-se que o futuro professor chegue ao período de estágio com uma proficiência na língua no nível
intermediário.
168

apresentando, em meus dados, elementos que precisam ser revistos por nós professores orientadores
da UNEB, Campus XIV. Acredito que o processo crítico-reflexivo dos PFs foi iniciado, como
podemos perceber no desenvolvimento da construção crítico-reflexiva dos planejamentos dos PFs.
Outro ponto a ser elencado é sobre a participação do professor orientador no processo de orientação
desses professores em formação. O PO exerce uma função de extrema importância como articulador
na discussão teoria e prática, fazer funcionar essa associação é fundamental na orientação deste
futuro profissional. Neste sentido, o professor regente também é elemento essencial na construção
da articulação do futuro professor com o universo prático escolar. Acredito que esta função do
professor regente precisa ser maior desenvolvida pelas universidades visando melhorar a formação
de futuros professores e, consequentemente, proporcionar, na aliança escola-universidade, uma
conexão que fomente o conhecimento.
169

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste momento dou início às considerações finais de uma pesquisa que se originou das
questões existentes em minha sala de aula durante a disciplina Estágio Supervisionado. Entendo que
tal disciplina exige de nós, professores orientadores, uma articulação com instituições e pessoas,
que se encontram na parte externa do ambiente universitário, cuja dinâmica dessa relação é
suficiente para transformar o Estágio Supervisionado em uma disciplina com particularidades
únicas. No âmbito do estágio, professores orientadores e futuros professores, lidam com questões
inesperadas e imprevistas cujas soluções só são passíveis de serem encontradas a partir de um
acúmulo de diálogo entre as partes envolvidas. A riqueza de questões que envolvem o universo
escolar e o ato de ensinar exige da disciplina Estágio Supervisionado e seus sujeitos envolvidos, o
conhecimento e o debate de uma ampla pauta de temas. Nesse sentido, ao pensar nesta pesquisa,
tentei abordar uma diversidade de assuntos que conduzissem, a meu ver, para a melhoria do
processo de formação de professores na UNEB Campus XIV, Conceição do Coité.
Por tratar-se de uma pesquisa em espaço geográfico definido, busquei, sempre que foi
possível, matizar essa característica da cultura local. Ensinar uma língua estrangeira em um
ambiente que apresenta certa vulnerabilidade social, exige dos profissionais envolvidos a
sensibilidade de levar em conta essa realidade. Nesse caso, uma formação de professores alicerçada
em bases reflexivas e na ampliação da busca pelo conhecimento, político, social e cultural da
realidade em que a escola está inserida, se faz ação das mais necessárias.
Isto posto, a reflexão deve se firmar como referência para qualquer iniciativa educacional
em prol da transformação social. Portanto, o período do Estágio Supervisionado, do curso de Letras,
se configura como o momento de maior importância na vida do futuro professor. É nesse ambiente
de diálogo entre teoria e prática, orquestrado pelo professor orientador, que o PF tem a
oportunidade de entender seu papel como futuro profissional de línguas e debater uma gama de
fragilidades, falsas crenças e incertezas que envolvem o processo de ensino e aprendizagem de uma
língua estrangeira.
Tenho consciência de que o período do estágio, na graduação, não é capaz de sanar todas as
dificuldades encontradas no universo escolar. Essa tarefa está muito além de nossas possibilidades e
objetivos. Não temos como mensurar e acompanhar as inovações tecnológicas, a ampliação de
conhecimento e as diferentes formas de pensar e agir sobre o mundo. Contudo, posso afirmar que
esse período se trata de um momento importante do processo de abertura na reflexão da prática e de
170

questionamentos que possam vir a influenciar o futuro professor na busca por respostas para sua
sala de aula e, consequentemente, na sua vida profissional futura. A disciplina Estágio
Supervisionado se constitui, enfim, de forma essencial para todos que desejam adentrar na longa
caminhada que é ensinar uma segunda língua.
Sendo assim, essa dissertação se constituiu em um trabalho voltado para formação de
professores na UNEB, Campus XIV da cidade de Conceição do Coité. A pesquisa foi realizada com
três alunos no período de regência no Ensino Fundamental. Os futuros professores responderam a
questionários e foram observados durante esse período. Em paralelo, tive a preocupação de analisar
seus planos de estágio; os conteúdos oferecidos pelo professor regente para a elaboração do plano
de aula; assim como apliquei um questionário com o professor orientador e recolhi as ementas da
disciplina ES com o intuito de conhecer os conteúdos abordados pelo PO neste período.
Como pode ser percebido, o objetivo da pesquisa se concentrou em estudar como o futuro
professor de língua inglesa lida com a questão da reflexão crítica da sua prática no período da
disciplina Estágio Supervisionado III. Esse é o primeiro momento da modalidade regência para os
alunos da graduação, tratando-se, assim, do início do processo de construção e questionamento da
prática. Além disso, a pesquisa esteve embasada na seguinte questão problema: Como a reflexão
crítica, relacionada à ação fomentadora de se pensar o ato de ensinar, alcança o aluno estagiário?
Com o objetivo de obter respostas para minhas indagações utilizei na parte teórica da
dissertação a noção de professor reflexivo e percebi que o ato de refletir, para quem está vinculado
com a área de educação, compreende um envolvimento com os construtos teóricos que o embasam
e estão relacionados diretamente com a prática educacional. O trabalho precursor do pesquisador
Donald Shön, ao desenvolver uma epistemologia prática111, impulsionou as pesquisas sobre o ato de
refletir e sobre a formação profissional voltada para este tema. Autores como Perrenoud (2002);
Pimenta (2002); Alarcão (1996; 2008), dentre outros, muito contribuíram para essa discussão
teórica e acrescentaram outros elementos que permeiam o ato de refletir dando, assim, seguimento
aos estudos de Donald Schön.
Durante o debate teórico houve outras questões que estão conectadas com o processo de
reflexão do professor de línguas, como por exemplo: a formação continuada de professores e as
competências profissionais que permeiam o papel do professor que tiveram como suporte teórico os
trabalhos de Almeida Filho (2008). De Almeida Filho, também fomos buscar suporte teórico para

111
Epistemologia prática é o estudo do universo prático profissional que o futuro profissional deve executar, com o
objetivo de desenvolver novas teorias.
171

analisar o processo de auto-análise do professor e suas etapas para avaliar seu próprio trabalho
(ALMEIDA FILHO, 2007). Essas temáticas, em conjunto, devem ser sempre discutidas com os
futuros professores no período do estágio como premissas básicas do seu processo de formação.
Outro aspecto que intuímos como central em qualquer debate que tenha o processo ensino-
aprendizagem como foco é o que se refere à participação do professor na ação de empoderamento
de seus alunos. O envolvimento social do professor com os problemas cotidianos dos alunos é
essencial para elaborar planejamentos que colaborem para a emancipação dos aprendizes
(PENNYCOOK, 1990, 1998; GIROUX, 1997; PIMENTA & LIMA, 2008). Com essas discussões
elaboradas surge, então, o incentivo para sermos crítico-reflexivos e para lidarmos com uma
segunda língua e suas influências culturais. Esse assunto está relacionado diretamente com a prática
de quem ensina uma língua estrangeira e nos conectou com a abordagem intercultural (MOTA,
2010; MENDES, 2007, 2008), além da necessidade de analisar e responder questões referentes ao
respeito mútuo, valorização da cultura local e abertura de diálogos com outras culturas e outras
formas de pensamento.
A disciplina Estágio Supervisionado pode ser compreendida através de duas frentes, uma,
que diz respeito exclusivamente ao debate teórico e prático voltado para as questões relacionadas ao
ato de ensinar, e outra, que se vincula ao campo da legislação. Partindo desse pressuposto, procurei
contemplar, em momento específico dessa dissertação, uma análise dos documentos legais que
regem o estágio, visando identificar o possível diálogo entre a letra fria da Lei, com a realidade em
que se opera o estágio na UNEB, Campus XIV.
Da análise do Regulamento geral de estágio da UNEB emergiu um fato que passei a
entender como extremamente central na dinâmica do estágio, refiro-me à participação do professor
regente, o qual é responsável por envolver o PF na prática de sala de aula e no cotidiano da estrutura
escolar. Segundo o Regulamento, cabe a esse profissional orientar o aluno estagiário durante a
regência. Essa determinação, presente na legislação, levou-me a levantar alguns questionamentos
sobre a competência profissional desses profissionais ao lidar com orientação de futuros
professores, assim como o acréscimo de tarefas a ele imposta diante ao trabalho extra com
orientação. No que se refere a esse último questionamento, a literatura tem debatido a participação
desse profissional no processo do estágio a partir de uma perspectiva que o coloca, em muitos
casos, como um altruísta ao participar do processo de formação de novos professores (VIEIRA-
ABRAHÃO, 2007).
172

Essas respostas, na verdade, não são passíveis de serem respondidas sem um


aprofundamento mais específico do tema em questão, pois as mesmas estão vinculadas inclusive a
decisões políticas que fogem ao domínio do pesquisador. Contudo, vivencio as consequências da
falta de preparação teórica de alguns professores regentes para desempenhar uma orientação a
contento com os PFs. Neste sentido, a fim de minimizar os problemas externos de ES ao lidar com
os professores regentes, acredito que deve haver uma parceria escola-universidade e isso deve ser
concretizado pelo Departamento de Educação da UNEB, Campus XIV. Não basta o grupo de
estágio elaborar, individualmente, um projeto de supervisão. O que penso, de forma mais
contundente, é na criação de um projeto de estágio em conjunto com as escolas parceiras
envolvidas, a fim de avaliar, prescrever objetivos para o período do estágio em conjunto com o
professor regente.
No desenrolar da análise de dados, tentei responder às questões da pesquisa da dissertação,
sintetizando o resultado deste trabalho de pesquisa, sabendo que, mesmo encontrando alguns
obstáculos, conseguiria cumprir o que foi proposto nos objetivos. Seguem então, as respostas para
as questões da pesquisa na perspectiva da análise de dados realizados na dissertação.
Na primeira questão, que se refere à forma de como os alunos estagiários de Língua Inglesa
refletem sobre seu período de estágio, foi possível perceber que estes entendem a importância do
período do estágio e reconhecem que esse momento é de construção de saberes visando à condução
de sua prática como futuros professores de línguas. Os PFs apontaram algumas dificuldades
encontradas nas escolas em que atuaram e todos reconhecem que os espaços educacionais precisam
valorizar mais, acentuadamente, a importância do ensino de uma segunda língua. A língua inglesa,
foco dessa pesquisa, ainda continua sendo vista como disciplina “marginal” e secundária, longe de
ostentar o status de fomentadora de conhecimento e cultura que ela realmente representa. Por outro
lado, os estagiários reconhecem a condição da língua inglesa como língua franca e a necessidade de
ensiná-la em toda sua complexidade comunicativa, embora os conteúdos oferecidos pela escola
ainda estejam vinculados a um ensino meramente gramatical e distante das demandas do mundo
social.
Os futuros professores entendem que ser professor requer um conhecimento vasto para estar
atuando em um ambiente tão heterogêneo como uma sala de aula. Percebem também, que as
demandas da função exigem muito esforço do profissional para acompanhar e dar conta da
quantidade de informação que envolve o processo de ensino/ aprendizagem. Por isso, eles têm
conhecimento que habitam um “entrelugar”, pois ainda estão em processo de se tornarem
173

professores “reais”. Sendo assim, o estágio ainda não se configura como uma realidade de fato, pois
se trata de um fragmento de uma realidade já pré-estabelecida.
Além disso, observei nos dados dessa pesquisa, a dimensão e a importância desse período
para esses alunos, como crucial na sua formação. Essa percepção se faz ainda mais importante pelo
fato de que os três alunos observados já atuavam como professores antes do início do estágio. A
“experiência” prévia, entretanto, não foi suficiente para torná-los mais preparados para o exercício
do estágio. Mesmo que eles tenham chegado ao estágio tentando resgatar essa experiência prévia a
fim de demonstrar segurança, após tomarem consciência, na fase do estágio, da real dimensão que
caracteriza o ato de ensinar, perceberam que suas respectivas práticas anteriores, ao estarem
destituídas de uma reflexão teórica, os deixavam completamente defasados em relação aos diversos
elementos que envolvem o universo escolar. No estágio, os futuros professores reavaliaram suas
respectivas práticas e tentaram reconduzi-las depois de se questionarem através de autoanálises,
consequência direta da reflexão a que foram levados a fazer.
No tocante à segunda pergunta da pesquisa, que visa entender como esses futuros
profissionais pensam sobre sua atuação como educador no contexto da região sisaleira da Bahia, foi
possível depreender que os mesmos reconhecem as demandas para o ensino de LI, mas ainda falta-
lhes uma percepção sobre a necessidade do estudo do meio social em que vão atuar como
professores. A ideia de que só a pesquisa será capaz de fornecer resposta às inquietações desses
futuros professores se torna essencial. A necessidade eminente é de se ter consciência que a relação
teoria e prática deve permear sua vida profissional. O que me pareceu nos dados da pesquisa é que
os PFs participantes ainda distanciam os conceitos, criando uma polarização que nada acrescenta ao
seu desenvolvimento como profissional. Concluo, então, que os PFs consideram que a teoria
deveria trazer respostas práticas e diretas na condução de suas aulas, uma vez que, de alguma forma
eles parecem não perceber a subjetividade da teoria ao fornecer elementos de conhecimento e
conscientização que fornece suporte ao professor para a prática profissional.
Essa perspectiva dicotômica entre teoria e prática faz com que o PF não tenha consciência
do seu papel político e crítico como profissional de línguas. Ao distanciar teoria e prática o futuro
professor não consegue entender a profundidade de seu papel como profissional de suma
importância para a região. A ampliação desse conhecimento gera um futuro professor ético e
compromissado com as questões de injustiça, subserviência política e social que, como sabemos,
permeiam o universo do aluno de escola pública principalmente em uma sala de aula de uma língua
estrangeira.
174

Nós, professores formadores, sabemos que estamos lidamos com uma língua que tem um
poder hegemônico. O que temos de compromisso com esses futuros professores é conduzi-los a
romper esta condição e entender que não há línguas fortes e fracas nem culturas superiores ou
inferiores. Hoje, deve haver o entendimento entre os profissionais de ensino de que a língua inglesa
se apresenta como língua franca, ou seja, ela pertence a todos que desejam utilizá-la para se
comunicar com povos de culturas diversas. A amplitude de conhecimento e cultura que a
aprendizagem dessa língua franca pode oferecer é extensa.
Retomando, a título de conclusão, a questão da regionalidade, entendo que ainda exista um
distanciamento por parte do futuro professor sobre como incorporar esse tema em sua sala de aula.
Não se trata aqui de transformar a questão regional em tema transversal, mas codificar e associar os
elementos da cultura local como estratégia facilitadora de produção e transmissão do conhecimento.
Em resumo, percebi tal característica ao longo da pesquisa com esses futuros professores, e, diante
disso, pontifico pela necessidade de um repensar por parte dos professores formadores do
Departamento de Educação da UNEB, Campus XIV visando à reformulação de alguns conceitos
ainda equivocados dos graduandos.
No que diz respeito à terceira pergunta da pesquisa, se refere à busca por saber como a
questão da abordagem intercultural é refletida pelos alunos estagiários. Apesar de os alunos
confirmarem a importância de um ensino intercultural, ainda acredito que esse tipo de abordagem
não é compreendida em toda a sua complexidade, pois estes vão buscar exemplos de abordagem
intercultural em aspectos estanques, de culturas outras que nada acrescentam ao desenvolvimento
de seus alunos como seres sensíveis e respeitosos. Nesse caso, àquilo que entendo como central no
que se refere à interculturalidade, ou seja, a possibilidade de refletir e debater sobre diferenças,
ainda não é contemplado de maneira consistente pelos estagiários. Observei que apenas um PF se
aproxima desse sentido mais amplo da abordagem intercultural. Ao afirmar que,

([PF3] Com certeza, a intolerância em sala de aula é muito grande, não existe mais respeito
com os colegas e nem com o professor. Com esses valores perdidos, eu acredito que seria
muito bom se tivéssemos uma disciplina, ou que as várias disciplinas, do currículo escolar,
pudessem abordar assuntos como esses.

É perceptível sua preocupação com o tema, entretanto, toda essa preocupação se esvai, na
medida em que o mesmo não o reproduz em sua prática. A constância da abordagem meramente
gramatical nas aulas dos PFs observados, sinaliza para avançarmos, no âmbito da disciplina Estágio
Supervisionado, em direção a uma ação que amplie as abordagens para uma dimensão que
incorpore o diálogo necessário entre o estudo do conteúdo gramatical e a possibilidade de fazê-lo a
175

parte de estratégias que leve em conta elementos do universo cultural do aluno. Definitivamente,
não podemos formar professores apenas visando um ensino mecânico, de conteúdos
descontextualizados e desconectados da vida social e cultural dos alunos. O que se faz necessário é
que o futuro professor entenda seu papel de educador crítico, principalmente ao lidar com uma
língua estrangeira, como é o caso da língua inglesa, com toda uma carga de simbologia em termos
de superioridade cultural.
Em uma sala de aula de língua inglesa, a presença de valores culturais de um país
culturalmente hegemônico, como é o caso dos Estados Unidos da América, pode gerar situações de
subserviência em relação à cultura do outro. Por outro lado, e isso não está completamente
descartado, também pode provocar efeito inverso, gerando resistência. A interculturalidade entra
justamente para provocar e qualificar esse diálogo. Portanto, no momento em que identifico nos PFs
pesquisados, ainda a dificuldade de lidar com essa questão de maneira mais qualitativa, concluo
pela necessidade de incorporação do debate e da reflexão dessa temática no âmbito da disciplina
Estágio Supervisionado.
Passemos, então, para a quarta pergunta da pesquisa. Nela eu quis saber se, ao final da
disciplina Estágio, seria possível, aos PFs observados, identificarem sua prática de sala de aula
como espaço de reflexão da realidade social a qual ela está inserida.
Visivelmente, percebi que os PFs, após o estágio, encontravam-se mais reflexivos em
relação ao seu papel como futuros profissionais. O primeiro traço desse processo de reflexão foi que
todos se questionaram sobre o ensino gramatical desprovido de contextualização e começaram a
perceber as necessidades das suas turmas, mudando assim, os itens do planejamento que não
estavam “funcionando”. Entretanto, entendo que por ser a primeira vez de todos eles vivenciando
esse processo de reflexão, as dúvidas e as incertezas ainda se fizeram presentes nos diversos
momentos em que tivemos a oportunidade de dialogar.
Observei, por exemplo, que PF1 teve um grande amadurecimento no seu percurso, ainda
que, inicialmente, apresentasse muita insegurança gerada, provavelmente, por uma visão pré-
concebida do ambiente de escola pública. Suas falas e suas ideias evoluíram para uma atitude mais
reflexiva. O impacto no planejamento foi visível, apresentando uma tentativa de equilíbrio entre os
conteúdos e relacionando-os com as expectativas dos alunos. Tal atitude mostra que PF1 procurou
contextualizar o conteúdo, estabelecendo um diálogo com a realidade social dos alunos, dando
importância as suas necessidades, buscando realizar um trabalho mais significativo.
176

Já o PF2 refletiu seu repensar na observação da reação dos seus alunos em relação às suas
aulas. O estágio possibilitou que PF2 desenvolvesse sua sensibilidade ao tentar entender as
necessidades dos seus alunos. Isso demonstra uma preocupação com o que funciona ou não em suas
aulas. Podemos, assim, concluir que o processo de reflexão e preocupação com o social está em
efervescência nesse futuro professor.
Por outro lado, PF3 apresentou certa limitação no seu desenvolvimento devido à presença
constante da regente em sua sala. A orientação da regente era voltada para o ensino puramente
gramatical, e sua presença na sala gerou um ambiente frio, descontextualizado e pouco atrativo para
os alunos. Não percebi em PF3 o uso de estratégias para driblar essas aulas descontextualizadas no
momento da observação. Contudo, posteriormente, em entrevista, PF3 demonstrou que a orientação
do professor formador foi importante para rever conceitos pré-concebidos e fazê-lo repensar sobre
seus posicionamentos em sala de aula. Acredito que, ao final, PF3 refletiu bastante sobre a realidade
escolar que experimentou naquele momento ímpar.
Concluo, assim, afirmando que muitas das respostas aqui encontradas fazem parte do
processo de amadurecimento do novo professor de línguas. As dúvidas, os conceitos equivocados e
as ideias pré-concebidas sobre o universo escolar, fazem parte de sua formação e do seu
desenvolvimento crítico-reflexivo. Há muito trabalho a ser feito até o final da sua graduação, mas
sabemos que o processo de formar-se professor não termina nunca. Estamos sempre tentando nos
atualizar, sempre experimentando coisas novas e, de forma permanente, deveremos pesquisar a
nossa sala de aula através da reflexão e possibilidades de melhorá-la.
Como contribuição mais ampla dessa pesquisa, a qual foi realizada dentro do meu universo
de trabalho, desejo elaborar um projeto que aproxime a escola da universidade, para tentarmos,
juntos, em duas frentes melhorar a formação de novos professores de inglês e atualizar os
professores regentes com novas perspectivas para o seu fazer pedagógico. Esse projeto fará parte do
meu trabalho de Dedicação Exclusiva (DE) que será efetivado assim que eu retornar da minha pós-
graduação.
Ao fim e ao cabo, esse trabalho visou construir uma narrativa que buscasse demonstrar
como a disciplina Estágio Supervisionado pode ser identificada como um grande mosaico de
sujeitos e ações que juntos e articulados constroem as bases de funcionamento da disciplina. Os
sujeitos envolvidos no estágio, seja o próprio estagiário, o professor orientador e o professor
regente, participam, cada um a seu modo, como elementos que apesar de cumprirem funções
177

específicas têm que necessariamente fazê-las a partir da relação com o outro. O estágio
supervisionado não pode ser construído com seus sujeitos envolvidos trabalhando em paralelo.
Do professor orientador, espera-se cumprir o papel de fomentador de ideias e articulador de
ações. Sua função é o de provocar a mediação entre a teoria e a prática a fim de que ambas, não só
se distanciem ao máximo de uma relação bipolarizada, mas que se apresentem como
complementares no sentido de contribuir para construção do debate reflexivo em sala de aula. Do
professor regente, espera-se a colaboração como mediador entre estagiário e escola, e entre a
experiência e o aprendiz. Quanto ao aprendiz, no caso o futuro professor, deve ser visto como a
peça principal a quem todos os esforços devem ser direcionados. Entretanto, dele também se espera
a motivação e a maturidade de compreender a situação de transição e de “entrelugar” que tanto
caracteriza a fase do estágio.
A escola é o espaço por excelência da construção e da reprodução do saber e do
conhecimento. A escola e, principalmente, a sala de aula, pode ser reproduzida como um pequeno
microcosmo da sociedade, e por conta disso, ele é particular, mas é também, plural. Em uma sala de
aula de língua estrangeira, particularidades e pluralidades estão sempre em evidência e
efervescência. A carga simbólica representada pela constante sensação de hegemonia da língua
inglesa como representante da língua dos poderosos impõe, aos que com ela trabalhe, a devida
noção da tênue linha que separa as particularidades de uma cultura local, diante do avanço cada vez
mais globalizado da cultura norte-americana.
Ensinar inglês, não se trata nem da desconstrução da cultura dos países falantes da língua,
nem tampouco submeter-se a ela de maneira subserviente e acrítica. O desafio aos envolvidos com
o ensino de inglês, no âmbito da disciplina Estágio Supervisionado, é, justamente, o de buscar a
conciliação entre aprender uma língua sem, necessariamente, submeter-se a ela. Essa dissertação
visa, justamente, demonstrar que esse objetivo pode ser alcançado de maneira mais consistente e
duradoura com a valorização do exercício diário da reflexão crítica no processo de formação do
futuro profissional de línguas. Somente quem pensa e reflete sua prática, de maneira cotidiana,
consegue estar atento às constantes “armadilhas” a que está sujeito um professor em sua sala de
aula. O professor não é uma ilha imune aos valores e aos preconceitos que chegam até ele de
maneira muitas vezes “naturalizados”. A reflexão crítica cumpre, justamente, a função de manter
nesse professor a capacidade e o desprendimento de repensar constantemente sua prática e de
ressignificar, quando necessário, as possíveis distorções que chegam até ele.
178

Quanto à língua inglesa, uma das personagens centrais dessa dissertação, deve ser assumida
em seu status internacional e de facilitadora no processo de comunicação entre os diferentes povos.
Dentro desta perspectiva, retorno ao objetivo do projeto do curso de licenciatura em Língua Inglesa
do Campus XIV (2010), em que este evidencia que o egresso do curso deve ser o de um profissional
interculturalmente competente, capaz de lidar de forma crítica, com as linguagens, especialmente a
verbal, nos contextos oral e escrito, e consciente de sua inserção na sociedade e das relações com o
outro. Concluo, então, que a disciplina Estágio Supervisionado é elemento crucial na formação de
futuros professores. É através desta que podemos estabelecer o diálogo entre a teoria e a prática e,
consequentemente, incentivar o processo crítico-reflexivo, continuamente, na vida profissional do
futuro professor de línguas.
179

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LEFFA, Vilson J. Criação de bodes, carnavalização e cumplicidade: Considerações sobre o fracasso


da LE na escola pública. LIMA, Diógenes Cândido de Lima. (Org.). Inglês em escolas públicas
não funciona: uma questão, múltiplos olhares. São Paulo,SP: Parábola Editorial, 2011. p. 15- 31.
181

MAHER, T.M. Do casulo ao movimento: a suspensão das certezas na educação bilíngue e


intercultural. In: CAVALCANTI, M. BORTONI; RICARDO,M.S. (Org.). Transculturalidade,
linguagem e educação. Campinas, SP: Mercado das letras, 2007. p. 67-94.

MENDES, Edleise. Uma perspectiva intercultural no ensino de línguas: Uma relação “entre-
culturas”. In: ALVAREZ, Maria Luiza Ortiz; SILVA, Kleber Aparecido da. (Orgs.). Linguística
Aplicada: Múltiplos Olhares. Campinas, SP: Editora Pontes, 2007. p.119-139.

MENDES, Edleise. Língua, cultura e formação de professores: por uma abordagem de ensino
intercultural. In: MENDES, Edleise. CASTRO, M.L.S. (Org.). Saberes em português: ensino e
formação docente. Campinas,SP: Pontes, 2008. p. 57-77.

MENDES, Edleise. Abordagem comunicativa intercultural (ACIN) uma proposta para ensinar
e aprender língua no diálogo de culturas. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada), Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL), UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2004, 432f.

MICOLLI, Laura. O ensino na escola pública pode funcionar, desde que. In: LIMA, Diógenes
Cândido de. (org.). Inglês em escolas públicas não funciona: uma questão múltiplos olhares. São
Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 171-184.

MILLER, Inés Kayon de. Formação de professores de línguas: da eficiência à reflexão crítica e
ética. In: MOITA LOPES, Luis Paulo da. (Org.)Linguística Aplicada na modernidade recente.
São Paulo: Editora Parabóla, 2013. p. 99-121.

MOITA LOPES, Luis Paulo da. Linguística Aplicada e vida contemporânea: Problematização dos
construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, Luis Paulo.(Org.) Por uma
Linguística Indisciplinar. São Paulo, SP: Parábola Editorial, 2006. p. 85-107.

MOTA, Kátia Maria Santos. Incluindo as diferenças, resgatando o coletivo: novas perspectivas
multiculturais no ensino de línguas estrangeiras. In: MOTA, Kátia; SCHEYERL, Denise. (Orgs.).
Recortes Interculturais na Sala de Aula de Língua Estrangeiras. Salvador, Ba: EDUFBA, 2010.
p. 37-62.

PAIVA, V. L. M. de O. e; SILVA, M.M; GOMES, I.F.Sessenta anos de Linguística Aplicada: de


onde viemos e para onde vamos. In: PEREIRA, R. C.; ROCA, P.(Orgs.). Linguística Aplicada: um
caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contexto, 2009.

PAIVA, V. L. M. de O. e; O ensino de Língua estrangeira e a questão da autonomia. In: LIMA,


Diógenes Cândido de.(Orgs.). Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com
especialistas. São Paulo: Editora Parábola, 2009. p. 31-38.

PENNYCOOK, A. Critical pedagogy and second language education. System, Vol. 18, No. 3,
1990. p.303-314.

PENNYCOOK, A. A linguística aplicada nos anos 90: em defesa de uma abordagem crítica. In:
SIGNORINI, I.; CAVALCANTI, M. C. (Orgs.). Linguística aplicada e transdiciplinaridade.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 1998. p.23-50.
182

PERRENOUD, Philippe. Da reflexão na essência da ação a uma prática reflexiva. In:


PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão
pedagógica. Porto Alegre: Editora Artmed, 2002. p. 29-45.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Por que o estágio para quem já exerce o
magistério: uma proposta de formação contínua. In: Estágio e docência: Coleção docência em
formação. Série saberes pedagógico. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2008.

PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma
Garrido & GHEDIN, Evandro.(Orges.). Professor reflexivo no Brasil: Gênese e Crítica de um
conceito. São Paulo, SP: Editora Cortez, 2002. p. 17-52.

PRABHU N . S. There's no best method: why?. Tesol Quartely, Vol 24(2), 1990. p.161-176.

RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma linguística crítica: Linguagem, identidade e a questão


ética. São Paulo: Editora Parabóla, 2003.

SANTOS, Nivaldo dos; COSTA, Silvio. Positivismo e Republica. In: COSTA, Silvio. (Org.).
Concepções e formação do estado brasileiro. São Paulo: A. Garibaldi-UCG, 2004. p. 17-35.

SIQUEIRA, Sávio. O ensino de inglês na escola pública: do professor postiço ao professor mudo,
chegando ao professor crítico- reflexivo. LIMA, Diógenes Cândido de. (org.). Inglês em escolas
públicas não funciona: uma questão múltiplos olhares. São Paulo: Parábola Editorial, 2011, p.93-
110.

SIQUEIRA, Sávio Domingos Pimentel. Inglês como língua internacional: por uma pedagogia
intercultural crítica. Tese (Doutorado em língua estrangeira). Salvador/Ba: Instituto de Letras,
Universidade Federal da Bahia, 2008. 2v.

SIQUEIRA, Sávio. O desenvolvimento da consciência cultural crítica como forma de combate


à suposta alienação do professor brasileiro de inglês. In: Revista Inventário. 4. ed., jul/2005.
Disponível no web world wide em: http://www.inventario.ufba.br/04/04ssiqueira.htm. Acesso em:
24 de junho 2013.

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: Um novo design para o ensino e a


aprendizagem. Porto Alegre: Editora Artmed, 2000.

VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helena. A formação inicial do professor de língua estrangeira:


Parceria universidade e escola pública. In: ALVAREZ, Maria Luiza Ortiz; SILVA, Kleber
Aparecido da. (Orgs.) Linguística Aplicada: Múltiplos Olhares. Campinas, SP: Editora Pontes.
2007, p. 155-166.

TELLES, J. “É pesquisa é? Ah, não quero, não, bem!”: Sobre pesquisa acadêmica e sua relação
com a prática do professor de línguas. Linguagem e Ensino. Universidade Católica de Pelotas, RS.
v.5, n. 2, p. 91-116, 2002.
183

ANEXOS

ANEXO A: Amostra do plano de aula de PF1 do dia 9 de maio de 2014

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV – Conceição do Coité


COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS
COMISSÃO DE ESTÁGIO – Recurso em vigor desde julho/08
Estágio: Modalidade Regência

Unidade de Ensino: _____________________________________________________

Professor Regente: ______________________________________________________

Professor Estagiário: ____________________________________________________

Série: _____8º_______ Turma: ___A- B_________ Turno: _________________

1- Tópico do dia:
x Palavras da língua inglesa relacionadas a vida (life). Brainstorm;
x Palavras da língua inglesa utilizadas no dia-a-dia (jogo da batata quente).

2- Recursos:

3- Objetivo Geral: Sentir-se seguro da própria capacidade de se comunicar em Língua


Inglesa, desenvolvimento da auto estima e reconhecimento dos conhecimentos prévios.

4- Objetivos Específicos:

x Expandir vocabulário;
x Trabalhar a habilidade de speaking.

5-Aquecimento (warm up):

6-Atividade: Atividades baseadas no lúdico fazem os estudantes permanecerem atentos


a aula. Portanto, dois jogos foram selecionados para a realização da primeira aula.
Brainstorm é uma atividade de palavras ligadas a um conteúdo específico, onde o
professor estabelece um tema e os estudantes devem pensar palavras relacionadas a ele.
Esta atividade trabalha o vocabulário e a habilidade de speaking, já que os estudantes
devem se expressar em voz alta. O jogo Batata Quente é uma atividade lúdica que
permite o aluno reconhecer seu próprio conhecimento prévio a respeito da língua
184

inglesa.

Os alunos deverão se unir em forma de um círculo para abertura da aula que será dada
através do jogo Batata Quente. Os alunos deverão segurar um novelo de lã por 5
segundos, no máximo, e citar qualquer palavra utilizada no dia a dia em inglesa. Em
seguida, ele deve escolher um colega aleatoriamente para passar o novelo de lã. Cada
indivíduo que exceder o limite de 5 segundos é eliminado do jogo. Brainstorm é um
jogo que deverá ser realizado através da palavra “life”. Os alunos deverão pensar em
palavras em torno desse conteúdo proposto. Esta atividade os ajudará a criar um
mapeamento mental contextualizado de palavras da língua inglesa.

7- Feedback:

8- Conexão com a outra aula:

9- Plano B:

10- Referências:

11- Anexos:

Obs: Os planos de aula devem ser elaborados pelos estagiários sob orientação do professor-
orientador.
185

ANEXO B: Atividade de PF1 do dia 26 de maio de 2014

Exercise 1
Make sentences inte comparative form (…er than/ more… than):
Example: 1) Fred/tall/Jane Fred is taller than Jane
2) A train/fast/a car
3) Japanese /difficult/ English
4) I/ happy/ my friend
5) Paul/ intelligent/ John
6) Jane/ attractive/ her sister

Exercise 2
Choose one adjective from the box and complete the sentences below using the comparative of
equality. (as…as)

Big cheap powerful long serious

a) Plastic jewellery is _______________________diamonds and pearls.


b) His problems are________________________ her problems.
c) São Paulo is _________________________ Acre.
d) Your car is __________________________ my car.
e) The Amazon river is ___________________the Thames.
Exercise 3
Complete the sentences with words from the box in the comparative form using as…as.

Good beautiful intelligent difficult old fast


a) Peter and Bill always get 10 on their tests. Peter is ___________________his friend Bill.
b) You have a Fiat 93 and I have a Ford 99. My car is not _______________your car.
c) Lucy and Jane are top models. Lucy is ________________ Jane.
d) I’m very bad at History and Geography. History is_______________ Geography for me.
e) A Volkswagen is not __________________________ a Mercedes.
f) I always make chocolate cake but my chocolate cake is not__________________yours.
Exercise 4
Complete as frases com os adjetivos na forma comparativa de inferioridade.
a) Fusca is _______________________________ Palio. (expensive)
b) My bed is ___________________________ my brother’s. (heavy)
c) She is _____________________________I am. (pretty)
d) Mt. Everest is ________________________Aconcagua. (high)
e) January is ___________________________August. (hot)
f) This chair is ____________________________my sofa. (comfortable)
Exercise 5
186

Make sentences in the superlative form (the…est/the most…):


Example: 1) Fred/tall/in his family Fred is the tallest in his family.
a) Her bedroom/big/at home
b) A train/fast/ main of transportation
c) Japanese/difficult/language
d) I/happy/person in the world
e) Paul/intelligent/among his cousins
f) South Africa/hot/country

Exercise 6
Put the words in the right order to make a sentence in the superlative

a) Bill Gates/ the richest/ man/ in the world/ is

b) Successful/ brother/ his/ more/ than/ Joan/ is

c) Animal/ lion/ the strongest/ is/ in the forest

d) Love/ is / the most important/ in my life / thing

e) Better / than / Italian / American/ are/ pizzas / pizzas


187

ANEXO C: Amostra do plano de aula de PF2 do dia 25 de julho de 2014

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV – Conceição do Coité
COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS
COMISSÃO DE ESTÁGIO – Recurso em vigor desde julho/08
Estágio: Modalidade Regência

Unidade de Ensino: _____________________________________________________

Professor Regente: ______________________________________________________

Professor Estagiário: ____________________________________________________

Série: _______7º_____ Turma: ___A - B_________ Turno: _________________

1- Tópico do dia: Grau dos adjetivos comparativos e superlativos

2- Recursos:

3- Objetivo Geral: Compreender, interpretar e aplicar os recursos expressivos da


linguagem revelados na rotina.

4- Objetivos Específicos:

x Adquirir vocabulário que lhe permita comparar entidades relacionadas a um


grupo ou a dois elementos específicos;
x Aprender o uso apropriado de superlativos e comparativos em conversações;
x Comparar e classificar objetos através de características e qualidades;
x Praticar funções linguísticas a que será exposto;
x Transformar informações em conhecimento.

5-Aquecimento (warm up): Serão expostos canecos de formas e tamanhos diferentes,


onde inicialmente os alunos terão de fazer julgamentos a respeito dos mesmos. O
mesmo será feito com um par de camisas. O objetivo deste warm up é de fazer os
estudantes pensarem em como fazemos comparações frequentemente ou diariamente.

6-Atividade : Apresentar no quadro sobre as estruturas gramaticais de superlativos e


comparativos, por onde os alunos poderão visualizar as formas corretas de uso. Em
seguida, será entregue uma pequena lista de adjetivos que os alunos utilizarão em uma
188

atividade em dupla. Para cada dupla será entregue um objeto que servirá como
elemento de comparação. Os alunos deverão listar as diferenças e as qualidades entre
os dois objetos. Em seguida a dupla deverá apresentar estas características para os
colegas como uma forma de propaganda, onde eles argumentarão porque um objeto é
melhor do que outro(bigger, smaller than), quais as características são mais evidentes
(more colorful, less colorful).

Serão expostas imagens de cidades, países e lugares, onde os alunos terão que elaborar,
com o auxílio da lista de adjetivos, seis afirmações (3 verdadeiras e 3 falsas) a respeito
dos lugares que eles estarão fazendo julgamentos e exporão para os outros colegas que
deverão identificar quais afirmações são verdadeiras ou falsas.

7- Feedback:

8- Conexão com a outra aula:.

9- Plano B:

10- Referências:

11- Anexos:

Obs: Os planos de aula devem ser elaborados pelos estagiários sob orientação do professor-
orientador.
189

ANEXO D: Amostra do plano de aula de PF3 do dia 19 de maio de 2014

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV – Conceição do Coité


COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS

COMISSÃO DE ESTÁGIO – Recurso em vigor desde julho/08

Estágio: Modalidade Regência

Unidade de Ensino: _____________________________________________________

Professor Regente: ______________________________________________________

Professor Estagiário: ____________________________________________________

Série: ____________ Turma: ____________ Turno: _________________

1- Tópico do dia: Superlative from adjectives

2- Recursos: Gravuras, livro didático

3- Objetivo Geral: Fazer com que os alunos percebam que o superlativo serve para
destacar um elemento do outro.

4- Objetivos Específicos:

x Compreender o processo de formação dos graus dos adjetivos.

5-Aquecimento (warm up): Conceito de adjetivos através de gravuras, com o objetivo


de relembrá-los.

x Procedimento: distribuir algumas imagens para os alunos e pedir para que eles
digam o adjetivo (em português) que representa a mesma. Todos os adjetivos
ditos são colocados no quadro.

6-Atividade : Apresentar o grau superlativo dos adjetivos com o objetivo de


sistematizar o aprendizado do mesmo. Diferença de adjetivo curto e longo, adjetivos
irregulares e expondo exemplos de utilização contextualizando com a realidade dos
alunos.

Depois da explicação do conteúdo, os alunos irão fazer a atividade número 6 da página


190

31 do livro didático.

7- Feedback:

8- Conexão com a outra aula:

9- Plano B:

10- Referências:

11- Anexos:

Obs: Os planos de aula devem ser elaborados pelos estagiários sob orientação do professor-
orientador.
191

ANEXO E: Gravuras da aula de PF3 do dia 19 de maio de 2014


192
193

ANEXO F: Organização curricular do Curso de Letras com inglês, UNEB, Campus XIV, pelos eixos de articulação, após ajustes feitos em
2007
194

APÊNDICE

APÊNDICE A: Questionário realizado com o professor orientador de estágio (PO)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura

Pesquisadora: Mônica Veloso Borges

Orientador: Domingos Sávio Pimentel Siqueira

Título da pesquisa: O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na contemporaneidade: do estágio


à prática docente

Caro professor,

Estou realizando uma pesquisa com o objetivo de possibilitar o repensar a disciplina Estágio
Supervisionado em língua inglesa na UNEB, do Campus XIV, localizado na cidade de Conceição
do Coité. Solicito, então, a sua colaboração respondendo ao questionário abaixo. Desde já agradeço
a sua participação.

DADOS PESSOAIS:

Nome:_______________________________________________________________

Tempo de experiência no ensino superior: __________________________________

Escolaridade: ____________________________________________________________________

QUESTÕES ABERTAS:

1. Como você vê a disciplina Estágio Supervisionado na grade curricular do curso em que você
ensina?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
195

2. Que importância que você atribui a esta disciplina dentro do currículo de formação de futuros
professores de LE, em especial, inglês?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

3. No exercício da docência desta disciplina, existe algum trabalho específico voltado para uma
reflexão quanto ao papel do professor em formação? Se sim, como este processo de reflexão do
aluno estagiário é conduzido por você?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

4. Quais os principais temas abordados nas aulas teóricas do Estágio Supervisionado e como são
escolhidos? Com que objetivos?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

5. Você acha importante incluir nas suas aulas teóricas de Estágio Supervisionado questões
relacionadas à temática interculturalidade e LE? Justifique.
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

6. Como você avalia a sua participação como professora orientadora no processo do ES?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

7. Como você avalia o papel e a participação do professor regente no processo de condução do


Estágio Supervisionado de língua inglesa?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
196

8. Como você avalia possíveis intervenções no planejamento do professor regente durante o


período do Estágio Supervisionado?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

9. Como você enxerga a associação teoria e prática no processo de Estágio Supervisionado?


Justifique.

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

10. De acordo com sua experiência como professora de Estágio, quais são suas impressões sobre a
qualidade do ensino de língua inglesa na escola pública?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
197

APÊNDICE

APÊNDICE B: Questionário realizado com os professores em formação (PF)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura

Pesquisadora: Mônica Veloso Borges

Orientador: Domingos Sávio Pimentel Siqueira

Título da pesquisa: O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na contemporaneidade: do estágio


à prática docente

Caro aluno,

Estou realizando uma pesquisa com o objetivo de possibilitar o repensar a disciplina Estágio
Supervisionado em língua inglesa na UNEB, do Campus XIV, localizado na cidade de Conceição
do Coité. Solicito, então, a sua colaboração respondendo ao questionário abaixo. Desde já agradeço
a sua participação.

DADOS PESSOAIS:

Nome:_______________________________________________________________

Sexo: _____________________________________

Faixa etária:

( ) 18- 25

( )25- 35

( ) 35- 45

( ) 45- 50

Escolaridade: Graduação incompleta. Semestre em curso: __________

Possui experiência em ensino? ( ) sim ( ) não

QUESTÕES ABERTAS

1. Quais suas expectativas em relação ao período de Estágio Supervisionado (ES) ? Como você
enxerga este momento para o seu futuro profissional como professor de língua inglesa?
198

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

2. Como você enxerga a associação teoria e prática neste período do estágio? Como acha que
isso deva ser conduzido por você?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

3.Qual a sua opinião sobre o ensino de língua inglesa nas escolas públicas hoje em dia?

________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

4. De que forma você acha que o ensino de língua inglesa nas escolas públicas na
contemporaneidade deveria ser desenvolvido?

_______________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________

Muito obrigado!
199

APÊNDICE C: Roteiro de entrevista semi-estruturada112 realizada com os professores em formação


(PF)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura

Pesquisadora: Mônica Veloso Borges

Orientador: Domingos Sávio Pimentel Siqueira

Título da pesquisa: O professor crítico-reflexivo de língua inglesa na contemporaneidade: do estágio


à prática docente

1- Você já tinha experiência em ensino? Com que faixa etária trabalhou?


2- Você acha que o planejamento com seu professor orientador ajudou na sua prática? Em que
sentido? Você compareceu as orientações com o professor orientador?
3- Você obteve boas sugestões de planejamento com o professor orientador? De que tipo?
4- Você fez alterações no seu planejamento? Por que e que tipo de alteração foi realizada?
5- Em que você se baseou para fazer alterações em seu planejamento?
6- Você tem alguns/algum teórico(s) em mente que te ajuda/ajudaram a repensar sua prática?
Quem seria/ seriam? Se não, em que se inspira para planejar e repensar sua prática?
7- Você, quando terminava as aulas no estágio, repensava no que deu certo ou não? Se sim,
poderia dar um exemplo?
8- Quais conteúdos foram passados para você pela regente. Você achou esses conteúdos são
condizentes com a realidade da turma trabalhada? Por quê? Que conteúdos você acredita
que são importantes para aqueles alunos?
9- Você acha que o professor de línguas deva se preocupar com questões sobre respeito ao
outro, as diferenças sociais, religiosas, de gênero e tantas outras? Você acha que esse
assunto deva entrar nos conteúdos? Por quê?
10- Quais as expectativas que você tinha no início do estágio e como você reflete agora após ter
vivenciado o estágio, elas mudaram? Como?
11- Você acredita ser possível a associação entre teoria e prática no período do estágio? Isso
aconteceu com você? Em que situação?

112
Esta entrevista, não necessariamente, ocorreu nesta ordem. Como também, de acordo com cada professor em
formação, surgiu a necessidade de formular outras questões no ato da entrevista.
200

12- Qual a sua opinião sobre o ensino de língua inglesa na escola pública? O que você acha que
deva ser melhorado ou mantido? Ou ambos?
13- Qual acredita ser seu papel como futuro profissional de línguas da região?
14- Para você, o que você aprendeu no período da graduação foi importante para seu
desempenho como professor de línguas? Em que sentido?
15- Você acha que foi suficiente, o que aprendeu na graduação, para torná-lo um bom
profissional de línguas ou não? O que falta, então? Ou o que é preciso para ser um bom
profissional?
16- O que você acha que deva fazer com seus estudos após a graduação?

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