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Cores do Gótico na arquitetura. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 2666
Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Montréal: Notre-Dame-de-Montréal
A Basílica Notre-Dame de Montréal, até meados do século XIX a maior igreja da América do
Norte, representa ainda hoje um dos monumentos arquitetônicos e da história cultural mais
impressionantes de Montréal, que desperta nos seus visitantes ao mesmo tempo admiração e
perplexidade.
O fascínio que essa igreja exerce é devido sobretudo a seu interior, marcado por uma profusão
ornamental, de cores e de luzes, que surpreende aquele que nela entra pela impressão que
causa de contos de fadas da literatura do século XIX.
Para alguns, uma aproximação da religião e da história religiosa com o lendário através da
linguagem visual pode parecer inapropriado, uma vez que vincula o que se concebe como
verdade e realidade com a fantasia e o irreal.
Outros, podem ver nas tensões assim sentidas entre o verídico e o não-verídico, entre o
conteúdo e a forma, uma expressão suprema de kitsch.
A força da impressão que essa obra arquitetônica cria, porém, e a qualidade excepcional de sua
realização artesanal e artística revelam o risco de tais apreciações baseadas em concepções
atuais, apontando para falhas nos critérios de leitura do próprio observador.
Essas falhas apenas podem ser supridas através de uma consideração mais adequada do
contexto e dos pressupostos que levaram ao projeto, à realização dessa igreja e à tradição que
determinou trabalhos posteriores. Somente a partir do estudo das intenções e de sua inserção
numa determinada corrente do pensamento é que se pode reconhecer o significado de Notre-
Dame de Montréal para uma história cultural em relações globais.
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Em 1889, o pároco de Notre-Dame promoveu a edificação de uma capela para celebrações com
um número menor de pessoas, para matrimônios e funerais. Foi denominada de Notre-Dame du
Sacré-Coeur e inaugurada a 8 de dezembro de 1891. Foi erigida também em estilo neo-gótico,
rica em esculturas.
Um incêndio destruiu parte dessa capela a 7 de dezembro de 1978. Foi reconstruída pelos
arquitetos Jodoin, Lamarre, Pratte e associados. Inspiraram-se ao trabalho de esculturas do
passado. Foi inaugurada em 1982.
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Primeiramente, deve-se considerar que a decoração
interna da igreja de Notre-Dame-de-Montréal é
marcada por trabalhos posteriores à construção do
edifício. Originalmente, seguia mais proximamente
tradições de igrejas góticas inglêsas, possuindo um
grande vitral. Por motivos de economia, quadros e o
próprio altar da igreja anterior haviam sido
provisoriamente mantidos.
A Sainte-Chapelle, a mais antiga capela palacial da antiga residência real francesa, construída
entre 1244 e 1248 e dedicada a Nossa Senhora, teve no Canadá, não apenas a sua função
modelar no âmbito do Neo-Gótico como um dos principais monumentos do alto gótico de meados
do século XIII, mas sim também pela seu valor simbólico de identidade francesa. O fato de ter
sido construída por desejo de Luís IX (1214-1270), o Santo, adquiria extraordinário significado
para aqueles ao mesmo tempo imbuídos do espírito da restauração católica e da identidade
francesa baseada na sua história mais antiga. Lembrava da ação destruidora da Revolução
Francesa, época na qual sofreu atos estragos, profanações, tendo sido alvo de intentos de
demolições e venda. A sua revalorização deu-se a partir da Restauração, tendo sido restaurada
sob Louis Philippe (1773-1850)
Criou-se, assim, em Montréal, uma ponte àquela capela que conservava das mais preciosas
relíquias da Paixão, entre elas partes da Vera Cruz, da coroa de espinhos de Cristo e da lança de
Longinus. Para essas relíquias, a Sainte-Chapelle de Paris, como capela palacial de dois
andares, apresenta a sua parte superior particularmente marcada pela riqueza de vitrais que
inundam o espaço em luz multicolor.
A Notre-Dame de Montréal traz à consciência uma questão que possui muito maior relevância do
que à primeira vista sugere: a da côr no Gótico e na arte medieval em geral. Essa questão
despertou particular atenção em meados do século XIX em Paris e vinculou-se com uma
transformação da imagem do Gótico.
Esse debate foi particularmente incentivado pela restauração da Sainte-Chapelle nas décadas de
40 e 50, quando, com base em estudos histórico-artísticos, procurou-se recuperar e reconstruir
imagens e decorações. A imagem que se fazia de igrejas medievais era a de interiores austeros,
pintados de branco. O Pe. Victor Rousselot, impressionando-se com a Sainte-Chapelle a ponto
de procurar recriá-la na Notre-Dame de Montréal, inseriu-se nesse movimento de transformação
de concepções relativas ao Medieval, transportou a discussão sobre a côr no Gótico e tornou-se
importante agente na introdução do Gótico colorido no continente americano.
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O impacto causado pela descoberta da côr no Gótico do século XIX não perdeu a sua atualidade
no decorrer das décadas, tendo-se apenas perdido a consciência de sua existência e
continuidade. Assim como o colorir templos da Antiguidade segundo vestígios arqueológicos
contraria imagens tradicionais do Classicismo, o mesmo ocorreu com o colorir de igrejas
medievais.
No decorrer do século XX, imagens coloridas e o colorido do interior das igrejas restauradas ou
edificadas no século XIX, sentidas como expressões de um passado a ser superado, foram
muitas vezes repintadas, em geral em branco ou cinza.
O observador europeu, hoje, acostumado com essa visão do Gótico, surpreende-se ao encontrar
o mundo multicolor do Gótico na Basílica Notre-Dame de Montréal e outras igrejas canadenses. A
perplexidade que causam essas obras ao observador, portanto, é, em parte, resultado de seu
próprio contexto histórico-cultural. O Canadá guardou, muito mais do que os países europeus, o
universo policrômico das suas igrejas neo-góticas. Esse colorido revela uma dimensão importante
dos anelos do historismo romântico do século XIX e das tentativas de redescoberta de uma
mística da luz e da côr.
Embora sendo católica grande parte dos irlandeses imigrados, o arquiteto James O‘Donnel era
protestante. Assim, singularmente, a igreja de Montréal que deveria marcar, no Canadá, de forma
particular o movimento de reconscientização católica do período da Restauração na França, foi
obra de um protestante.
Após a morte de O‘Donnel, as duas torres de Notre-Dame, gêmeas, foram completadas pelo
arquiteto John Ostell (1813-1892). As suas designações indicam a simbologia baseada em
concepções de virtudes: La Persévérance e La Tempérance, concluídas respectivamente em
1841 e 1843. Tornaram-se conhecidas supra-regionalmente também e sobretudo pelos seus
jogos de sinos, a primeira abrigando o
sino grande-bordão batizado de São
João Batista, com ca. de 11000 quilos,
a segunda um carrilhão com dez sinos.
Essa congregação havia sido fundada poucos anos antes, em 1642, por Jean-Jacques Olier,
pároco da igreja de St-Sulpice, em Paris e confirmada em 1664, ou seja, após a sua presença no
Canadá, pelo Papa Alexandre VI. O seu objetivo primordial, o da formação do clero secular em
seminários, tendo como modêlo o Seminário de sacerdotes St. Sulpice, em Paris, fundado em
1642, teve a sua expressão no continente americano no Seminário de Québec.
Chegando os primeiros Sulpicianos, esses encontraram já uma igreja dedicada a Nossa Senhora,
desejaram, porém, já de início, construir uma igreja maior e mais representativa.
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As suas intenções e o julgamento da sua obra pelos seus contemporâneos necessitam ser
estudados no âmbito de desenvolvimentos internos da Companhia de Jesus e de suas relações e
diferenças relativamente a outras tendências da história eclesiástica de sua época. Um dos
aspectos que deve ser particularmente salientado do contexto histórico em que se inseriu, na
França e no Canadá, diz respeito ao Sulpicianismo.
À época dos estudos de Lafitau na França e de sua ida ao Canadá, em 1711, a congregação dos
Sulpicianos estava em pleno florescimento. Como jesuíta, Lafitau inseria-se, porém, numa
tradição de pensamento, de método e de vida religiosa distinta, sob muitos aspectos, daquela dos
Sulpicianos. Enquanto a congregação de St. Sulpice era de clero secular, Lafitau pertencia à
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Companhia de Jesus, cujas origens remontavam a uma fase anterior e distinta da história cultural
e eclesiástica de início da era moderna.
É sob o pano de fundo dessa tradição que se pode compreender o significado da observação
empírica na obra de Lafitau e o papel a que faz jus como fundador dos estudos comparados em
contextos globais e da Antropologia Cultural.
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