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SSUMÁS SUMÁRIO

1 APRESENTAÇÃO......................................................................................................................7

2 AS TRANSFORMAÇÕES DISCIPLINARES.............................................................................10

3 CONCEITUANDO .....................................................................................................................13

3.1 O que é Ética? ...........................................................................................................................14


2
3.2 O que é Moral? ..........................................................................................................................15

3.3 O que é Direto? .........................................................................................................................16

3.3.1 Direito Natural............................................................................................................................17

3.3.2 Direito Costumeiro .....................................................................................................................17

3.3.3 Direito Positivo...........................................................................................................................18

3.3.4 Direito Objetivo e Subjetivo .......................................................................................................18

3.3.5 Direito e Moral ...........................................................................................................................19

3.4 Saúde, o que é? ........................................................................................................................20

4 CAMINHANDO E CRIANDO CAMINHOS NOVOS ..................................................................22

5 NOVOS TERMOS E SUAS CONTRIBUIÇÕES ........................................................................23

5.1 Disciplina ...................................................................................................................................23

5.2 Os Novos Termos ......................................................................................................................24

5.2.1 Multidisciplinaridade ..................................................................................................................24

5.2.2 Interdisciplinaridade ...................................................................................................................25

5.2.3 Transdisciplinaridade .................................................................................................................26

6 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE ........................................................................................27

6.1 Solidariedade na Constituição Federal ..................................................................................... 27

7 HUMANISMO IDEAL, HUMANIDADES E HUMANISMO JURÍDICO .......................................29

7.1 Humanismo ...............................................................................................................................29

7.2 Humanidades ............................................................................................................................30

7.3 Humanismo Jurídico ..................................................................................................................30


8 SOBRE A DIGNIDADE HUMANA ............................................................................................32

8.1 Os Pensadores ..........................................................................................................................32

8.2 A dignidade na Constituição da República Federativa do Brasil................................................34

8.3 A Dignidade Como Principio Fundamental ................................................................................35

9 PERSONALIDADE....................................................................................................................47

9.1 Direitos da Personalidade..........................................................................................................37


3
9.2 Direitos da Personalidade no Código Civil .................................................................................39

10 INDIVIDUALISMO, LIBERALISMO E ANARQUISMO .............................................................41

11 INTERESSE PUBLICO E BEM COMUM ..................................................................................42

11.1 Bem Comum..............................................................................................................................42

11.2 Interesse Público .......................................................................................................................43

12 RESUMO ..................................................................................................................................44

13 A CIÊNCIA E A ÉTICA..............................................................................................................46

14 BIOÉTICA .................................................................................................................................48

14.1 Fontes Histórica e Finalidade ....................................................................................................48

14.2 Princípios Bioéticos ...................................................................................................................50

14.2.1 Autonomia .................................................................................................................................50

14.2.2 Beneficência ..............................................................................................................................50

14.2.3 Não Maleficência .......................................................................................................................51

14.2.4 Justiça .......................................................................................................................................51

15 AS NOVIDADES BIOCIENTÍFICAS E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS ............................53

16 BIODIREITO..............................................................................................................................55

16.1 O Biodireito no Ordenamento Jurídico Brasileiro .......................................................................55

16.2 O Direito à Vida na Constituição Federal..................................................................................55

16.3 O Respeito à Vida no Código Civil............................................................................................57

16.4 O Respeito à Vida no Código Penal .........................................................................................59

16.5 O Direito ao Nascimento...........................................................................................................66


16.6 A Proteção à Maternidade ........................................................................................................67

17 O ABORTO ...............................................................................................................................71

17.1 A Prática Abortiva Na História Do Mundo ..................................................................................71

17.2 O Aborto E A Legislação Brasileira............................................................................................72

17.3 A Biociência, O Aborto, O Alvará Judicial ..................................................................................77

17.4 Procedimentos Do SUS .............................................................................................................78


4
17.5 Argumentos A Favor E Argumentos Contra O Aborto ...............................................................80

17.5.1 Contra o Aborto .........................................................................................................................81

17.5.2 A Favor do Aborto.....................................................................................................................81

18 PLANEJAMENTOS FAMILIARES E ESTERILIZAÇÃO HUMANA ARTIFICIAL .....................84

18.1 Planejamento Familiar ...............................................................................................................84

18.2 O Que Se Entende Por Esterilização Artificial ...........................................................................86

18.3 Maternidade E Paternidade Responsável .................................................................................87

18.4 Direito À Descendência .............................................................................................................87

19 RESUMO ...................................................................................................................................89

20 SAÚDE FÍSICA E MENTAL – EXPRESSÃO DA DIGNIDADE HUMANA ................................90

20.1 Direito Constitucional À Saúde ..................................................................................................90

20.2 O Biopoder: A Medicalização Da Vida E A Judicialização Da Saúde ........................................92

20.3 Direito Sanitário .........................................................................................................................97

21 O DIREITO À SAUDE MENTAL ..............................................................................................103

21.1 Tratamento Psiquiátrico E Bioética ...........................................................................................106

22 IMPLICAÇÕES ÉTICAS E LEGAIS DAS TRANSFUSÕES SANGUÍNEAS ............................109

22.1 A Autonomia Da Vontade E A Transfusão De Sangue .............................................................113

22.2 O Direito Da Criança E Do Adolescente E O Credo Dos Pais ..................................................114

22.3 A Primazia Da Maior Relevância ..............................................................................................116

23 INFECÇÃO HOSPITALAR: PREVENÇÃO E CONTROLE......................................................117

24 A ESTÉTICA HUMANA ...........................................................................................................120


25 A IDENTIDADE SEXUAL: TRANSEXUALIDADE ...................................................................123

26 RESUMO ..................................................................................................................................126

27 BIODIREITO E BIOTÉCNICAS ................................................................................................128

28 TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E DE TECIDOS ...................................................................129

28.1 Doação De Órgãos No Direito Brasileiro ..................................................................................129

28.1.1 Doação de Órgãos Post-Mortem ..............................................................................................131


5
28.1.1.1 Morte encefálica - questões éticas ........................................................................................135

28.1.2 Doação Intervivos .....................................................................................................................138

29 O DIREITO À MORTE DIGNA .................................................................................................140

29.1 O Papel Da Bioética E Do Biodireito.........................................................................................140

29.2 O Paciente Terminal .................................................................................................................141

29.2.1 Cuidados Paliativos .................................................................................................................142

29.3 Suicídio Assistido .....................................................................................................................142

29.4 Eutanásia..................................................................................................................................143

29.5 Distanásia .................................................................................................................................144

29.6 Ortotanásia ...............................................................................................................................144

30 A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA ............................................................................................146

31 AS QUESTÕES CONTROVERTIDAS, A BIOÉTICA E O BIODIREITO .................................147

32 A ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS ...............................................148

32.1 Orientações Internacionais .......................................................................................................148

32.2 Orientações No Brasil ...............................................................................................................149

32.3 Princípios Ético-Jurídicos Das Pesquisas Envolvendo Seres Humanos ..................................150

33 BIOTECNOLOGIA ...................................................................................................................153

33.1 Engenharia Genética E Genoma Humano ...............................................................................153

33.2 A Reprodução Humana Assistida .............................................................................................155

33.2.1 Fertilização In Vitro ...................................................................................................................155

33.2.2 Inseminação Artificial ................................................................................................................156


34 DOAÇÃO DE OÓCITOS, DE SÊMEN E A CRIOCONSERVAÇÃO .........................................157

35 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL DA SAÚDE .............................................160

35.1 Responsabilidade Institucional .................................................................................................162

36 OS DIREITOS DO PACIENTE .................................................................................................164

37 A BIOÉTICA, O BIODIREITO E A REALIDADE DO SÉCULO XXI .........................................168

38 RESUMO ..................................................................................................................................169
6
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................171
1 APRESENTAÇÃO

O conteúdo deste primeiro módulo tem o propósito de nos situar no ambiente no qual
vem sendo construídos os saberes que compõem o Biodireito. Para que tenhamos a dimensão
da matéria com que estamos travando, esse contato é importante para sabermos em que
contexto ela teve seu nascedouro, quais são suas propostas e qual o caminho que vem 7
traçando.

A evolução humana, em um fluxo contínuo, introduz no mundo, juntamente com novos


conhecimentos, um novo modo de convívio, exigindo o nascimento de novas regras que venham
manter a harmonia e a paz social. O ser humano tem uma inesgotável capacidade de evolução,
de transformação e de adaptação. Por essa razão, todo o saber humano, todo o conhecimento
está em constante movimentação evolutiva.

A matéria objeto de nossos estudos encontra-se em seu nascedouro, está em fase de


construção e crescimento, buscando uma identidade própria. Nasceu da necessidade de
humanização das relações intersubjetivas. Veio para ajustar o mundo das relações apoiada nos
apelos da ética reguladora das relações no mundo da técnica, a Bioética.

As bases para a construção do presente estudo estão fundadas em diversos autores


de diferentes áreas, todos com reflexões brilhantes e ensinamentos importantes e cujas
referências encontram-se ao final dos módulos nos dados bibliográficos. Assim não poderia
deixar de ser, já que o Biodireito vem brotando das relações multi e interdisciplinares.
Destacamos, entretanto, o trabalho da professora Dra. Maria Helena Diniz em “O Estado Atual
do Biodireito”, (2007), escolhido dentre tantos outros de excelente nível como norteador de
nossos passos nesse curso, por o considerarmos o mais abrangente dentro da nossa proposta.

Bioética e Biodireito surgiram da necessidade de se regular a vida social a partir das


inovações científicas na área da saúde. Nascem a posteriori. A ética sai do mundo das
idealizações para o mundo das realizações e vem lembrar ao homem seu compromisso com sua
própria humanidade. O direito vem regular comportamentos, impor limites, empunhar a bandeira
da dignidade humana.

O progresso da ciência introduz novas discussões à vida prática, como: legalização da


eutanásia; manutenção de doentes terminais em estado vegetativo por anos a fio; doentes
mentais e criminosos são esterilizados por práticas de delitos sexuais; mulheres que são mães
após a menopausa; reprodução humana assistida e conflitos de paternidade ou maternidade
sobre uma mesma criança; geração de crianças com a finalidade exclusiva de doação de tecido
medular para outro filho; estoque de embriões humanos excedentes – subprodutos de
fertilização in vitro; mapeamento do genoma; abortos eugênicos; diretrizes internacionais para
pesquisa com seres humanos, e muitas outras novidades tecnocientíficas que modificaram as
ações e decisões dos envolvidos com a ciência médica e biológica. 8

São inúmeras as modificações nas relações humanas advindas da introdução das


novas técnicas biomédicas na vida social. Socializou-se o atendimento médico, desaparecendo a
figura do médico de família e surgindo outros padrões de conduta nas relações médico-paciente
(planos, convênios, atendimentos em massa) com o reconhecimento do direito de todo cidadão
ser atendido em suas necessidades de saúde.

Hoje, a denominada telemedicina propicia a possibilidade de tratamento a distância,


por teleconferência (consultas a especialistas de outros países; por meio de fonemed, aparelho
que grava a frequência cardíaca do paciente, envia os dados em forma de som e os ruídos
tornam-se gráficos, sendo possível efetuar o procedimento a partir de qualquer telefone, ligando
para um call-center. Surgem entidades internacionais preocupadas com as questões éticas
nascidas a partir da engenharia genética e da embriologia e que editam recomendações acerca
dos procedimentos e suas implicações éticas. Multiplicam-se as ofertas de serviços médicos com
atuações em diferentes fases da vida. Embriologia, neonatologia, pediatria, obstetrícia,
gerontologia, geriatria, cirurgia estética, etc., estabelecendo uma medicalização da vida, a busca
frenética pelas últimas novidades, que garantam uma juventude eterna, que afastem os
fantasmas da morte.

De um lado surgem as multiplicidades de ofertas e, de outro, as dificuldades de


acesso. O paciente torna-se cliente, consumidor, ao mesmo tempo quer consumir novos
métodos e drogas de última geração, reclama o reconhecimento e respeito a seus direitos
fundamentais, à sua autonomia de vontade. Há um clamor mundial pelo respeito à vida de todo
ser humano, independentemente de raças, de credo, de poder econômico.

Criam-se os Comitês de Ética Hospitalar e os Comitês de Ética em Pesquisa com


Seres Humanos com a finalidade de orientar e tutelar os interesses do ser humano, como
sujeito, não como objeto, das novidades biotécnicas, das pesquisas e das práticas médicas. A
sociedade da pós-modernidade reclama padrões morais a serem compartilhados por pessoas
com diferentes moralidades.

É necessário reverter a inversão dos valores, retirar a humanidade da apatia e


fragmentação ética em razão do caráter pluralista da sociedade mundial. O entrecruzamento da
ética com as ciências da vida e o progresso biotecnológico clama por mudanças no modo de agir
dos profissionais da saúde e potencializa a bioética, esse novo saber.

A bioética nasceu e cresceu, nas últimas três décadas, animada pela biologia 9
molecular e pela biotecnologia aplicadas à medicina. Denúncias de abusos contra a vida humana
aproximaram filósofos e teólogos preocupados com a qualidade da vida, com a reprodução, o
nascimento, o viver e o morrer. O presente estudo tem por objetivo apresentar àqueles que se
interessam pelo tema uma disciplina que vem se construindo constantemente, na qual a
formulação teórica vem caminhando lado a lado com o mundo das ações, com o fascínio das
descobertas, com as inovações da tecnologia. É um caminho que vem sendo construído durante
o caminhar.

Não temos pretensões, nem poderíamos ter, de trazer formulações prontas, intocáveis,
mas desejamos tão somente apresentar uma matéria que se encontra em seu nascedouro e
estimular contribuições daqueles que se interessam pelas reflexões éticas e pela regulação dos
comportamentos. Importante destacar que nem todos os assuntos que interessam ao Biodireito
serão aqui tratados, pois não seria possível, são inumeráveis, brotam das reflexões, dos saberes
múltiplos, das inter-relações das disciplinas.

Traremos os aspectos mais comuns da influência das novidades da biotecnologia na


vida humana. Muitas vezes teremos que transcrever todo teor de uma lei, no qual estão contidos
os valores a serem preservados, clamando por hermenêutica. Apenas as questões ambientais
que também desafiam ao Biodireito não estarão contempladas em nosso estudo, pois são de tal
abrangência que reclamam dedicação particular. Esperamos que nossas reflexões sejam úteis e
proveitosas. Desejamos que nosso caminhar, lado a lado, seja harmonioso e que nossos
estudos sejam inovadores e engrandecedores a todos. Vamos, então, aos primeiros passos.
2 AS TRANSFORMAÇÕES DISCIPLINARES

Tudo o que conhecemos hoje teve sua origem na filosofia, a arte de pensar, e todas as
reflexões têm por finalidade a resolução das questões humanas. Todo o saber tem uma só
origem, a alma humana, e uma só finalidade que é tornar o espírito humano mais feliz. O homem
quer suprir suas necessidades e satisfazer seus desejos. O ser humano é insatisfeito,
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questionador, buscador e almeja uma felicidade transcendente, uma satisfação constante e, em
regra, busca saciar essa sensação de incompletude no mundo ilusório que cria fora de si
mesmo.

As reflexões que fazemos sobre o mundo estão sempre vinculadas à época e ao


ambiente em que vivemos. Os questionamentos que fazemos referem-se à realidade que vemos,
queremos encontrar soluções para nossas insatisfações, procuramos transformar o lugar onde
estamos a fim de que nos proporcione mais conforto, mais alegria, mais saúde, enfim, para que
possamos ter satisfeitas as nossas necessidades, das mais básicas às mais sofisticadas.

É também da essência humana o desejo de exercer o domínio sobre o meio e sobre os


outros. Toda ação humana interfere inevitavelmente, para o bem ou para o mal, na esfera de
domínio de outro ser humano. A satisfação que queremos pode significar a contrariedade para
outrem. O domínio pode ser exercido de muitas formas e uma delas é o domínio pelo saber. É
inegável que em todas as épocas os pensadores, os construtores de saber, foram detentores de
prestígios e de preponderância sobre os demais.

Não são poucas as lendas e histórias infantis em que o reino depende dos
conhecimentos de alguém que vem de longe, de fora, e é chamado de sábio. Ocorre que nem
sempre o conhecimento vem acompanhado da sabedoria. E é justamente a sabedoria na
aplicação do conhecimento que fará dele a redenção de toda a sociedade ou a sua subjugação
ao domínio de poucos. O desconhecimento é uma das causas de submissão. O
desconhecimento, em qualquer área, deixa em nível de inferioridade o desconhecedor daquele
assunto.

Embora nossas considerações sejam, de certo modo, simplistas, é possível


compreender que a mente humana criou um modelo de construção do poder ligado ao domínio
do saber. O saber, repetimos, é construção humana e, para ser mais bem compreendido e
dominado foi sendo dividido, fatiado, e o ser humano, embora dotado de múltiplas possibilidades
de desenvolvimento e expansão, foi voltando o olhar apenas para as partes e perdendo-se da
totalidade.

Especializamo-nos, interessamo-nos por fatias e desprezamos o todo. Dividimos o


mundo e os seres, criamos compartimentos, nomeamos e vamos dando às mesmas explicações
diversas de acordo com os interesses que queremos defender. O ser humano foi
compartimentado, estudado e compreendido sob vários olhares. O olhar biológico, sociológico,
11
psicológico, antropológico, espiritual. E dentro de cada um desses olhares/saberes há novas
divisões e por aí vão sendo criados novos campos de domínio do saber.

Presos às minudências acabamos por nos afastar da concepção do todo, da


integralidade e do ser biopsicossocioespiritual que somos. Somos inteiros, compostos de partes
complementares e interdependentes. O surgimento das especializações, se inevitáveis por um
lado, por outro fez com que cada vez mais fôssemos impondo limites ao conhecimento integral
em nome de um maior (e ilusório) domínio sobre uma pequeníssima parte. O aprisionamento do
saber em uma pequena e única disciplina resulta em um limitado entendimento da vida e como
consequência tornam-se mais escassas as possibilidades de harmonia, de partilhamento, de
tolerância entre os homens. O resultado é o empobrecimento do conhecimento e das relações
humanas.

Sendo a vida um movimento constante, o final do século passado trouxe-nos o


rompimento de fronteiras, a aproximação de diferenças culturais, a globalização. Tivemos no
século XX o despertar para a saúde do corpo e da mente. O século XXI vem nos convocar à
união, à aproximação, à conjugação dos saberes, ao partilhamento da vida e para a volta da
simplicidade.

O mundo globalizou-se. As novas tecnologias diminuem distâncias, criam novas


possibilidades de trocas de conhecimento e informações. Permitem diagnósticos, tratamento e
cura a distancia. Hoje é possível que nós, em diferentes espaços do planeta, partilhemos nossas
ideias, troquemos informações e encontremos juntos novas soluções para questões emergentes.
Estamos, nesse exato momento, eu e você, trilhando por um caminho novo. O Biodireito é um
saber em formação e crescimento.

Aspectos sociológicos, psíquicos, econômicos, permeiam a todo o momento, como não


poderia deixar de ser as nossas ponderações. Este trabalho é um convite à abertura da
recepção para a visão holística e integral da vida, para a integralização dos saberes e
oferecimento de alguns subsídios para reflexões inovadoras. Mais do que trazer respostas
desejamos suscitar perguntas, questões a serem geradas pela inquietação do espírito, por
reflexões inovadoras.

Desta forma, desejamos que esse nosso encontro e convívio possibilitado pela era
tecnológica, pela quebra de paradigmas, pelo desejo unificador, venham a ser proveitosos para
todos e que possamos chegar ao final transformados, engrandecidos e verdadeiramente
12
inseridos em um contexto de conjugação dos saberes a que somos convocados pela evolução
humana.

A Biologia, como toda ciência objetiva, separou-se da filosofia como se possível fosse
apartar a vida física da reflexão. A ciência nasce, toma corpo e ganha o mundo a partir de uma
primeira reflexão. Todo saber nasce da arte de pensar. É esse atributo que torna o humano
diferente dos demais seres do planeta, que lhe outorga a responsabilidade pela vida, pelo
cuidado consigo, pelo cuidado com o outro e com o ambiente.

As produções humanas precisam ser nominadas. Temos necessidade de dar nomes,


de diferençar, faz parte do nosso modo de compreensão do mundo estabelecer diferenças,
distanciamentos e aproximações. As novidades técnicas surgidas na área da saúde suscitaram o
encontro e a imbricação de matérias multidisciplinares, dando à luz novos olhares sobre a vida e
para nominá-las acrescentou-se o prefixo “Bio” aos saberes, às disciplinas, significando tratar-se
de novos olhares, ou de olhares conjuntos, às questões que emergiram na área da saúde com
consequentes repercussões em todas as áreas da vida social. Temos então a Bioética e o
Biodireito.
3 CONCEITUANDO

Para melhor nos situarmos nas dimensões do nosso assunto principal é imprescindível
que assentemos entendimento acerca de alguns conceitos que, certamente, ampliarão a
compreensão acerca da disciplina. Sendo o humano um ser curioso, questionador, buscador de
soluções, consideramos interessante apresentarmos os termos em forma de questões e 13
sugerimos que antes de ler a definição oferecida responda você mesmo às perguntas, busque
dentro de você a resposta e irá se surpreender com a quantidade de saberes que possui.

Mas, o que é conceituar? De acordo com a doutrina do Conceitualismo, os conceitos


são ideias trazidas para o mundo real com a finalidade de organizar nossos padrões de
conhecimento. É, portanto, a objetivação de ideias. Por meio dos conceitos expressamos e
unificamos um saber. Conceito é um modo de expressar uma compreensão. Conceituamos a
partir de experiências e de intuições. Conceituar é, enfim, formular uma opinião por meio de
palavras.

Os conceitos que traremos a seguir têm o objetivo de suprir nossas imediatas


necessidades de compreensão do surgimento e do valor da disciplina “Biodireito” e do lugar de
sua inserção no mundo relacional e seu vínculo com outros saberes. Os objetivos de nosso
curso não comportam aprofundamentos acerca de cada área do saber. Aqueles que porventura
desejarem maior profundidade conceitual dos termos poderão buscá-la nas obras relacionadas
na bibliografia e nos sites que indicamos ao final.

Passemos então às conceituações. Primeiro pense, sinta, medite, qual é a


conceituação que há dentro de você acerca de cada termo? Podemos aprender somando,
acrescendo o novo àquilo que já sabemos, mas muitas vezes é preciso desconstruir nossas
velhas convicções para tomar parte no novo.
3.1 O QUE É ÉTICA?

Ética é parte da filosofia que trata de princípios e valores que regem as relações
humanas. Faz reflexões acerca do bem e do mal, do certo e do errado, levando em consideração
valores gerais e abstratos, e regras universalmente aceitas. Retirando o conceito de ética do
mundo das ideias e trazendo para o mundo dos fenômenos, da realidade social, traçaremos aqui 14
uma breve diferenciação entre as regras da ética e as regras da técnica.

Ética e Técnica são estabelecedoras de normas, de ditames comportamentais.


Entretanto, as normas estabelecidas pela técnica diferem substancialmente das normas ditadas
pela ética. As normas técnicas são obtidas após exaustivas observações dos fenômenos e
repetitivas experimentações. Conclui-se assim que para que se obtenha o resultado desejado é
preciso que se repitam os mesmos passos sem modificações. A esse guia de procedimentos
para se obter um resultado desejado denominamos técnica.

Normas técnicas referem-se à atuação do homem no ambiente em que vive e sobre


seus fenômenos, no intuito de obter maior proveito das atividades, tais como maior
produtividade, maior segurança, maior conforto. A inobservância de uma norma técnica trará
consequências indesejáveis, ou pelo menos não levará ao resultado pretendido. O objetivo
técnico depende inteiramente de que sejam seguidas, fielmente, as regras prescritas.

As normas técnicas para um procedimento cirúrgico, as regras de técnica jurídica para


petição em juízo, as regras para uma edificação, são exemplos de regras técnicas que devem
ser rigorosamente observadas sob pena de não se atingir ao objetivo almejado. As normas
éticas estabelecem as regras de convívio entre as pessoas. Estabelecem comportamentos
individuais adequados ao bem-estar coletivo. São universais. Integram o indivíduo ao grupo
social.

Enquanto as normas técnicas determinam “como fazer” para alcançar um objetivo, as


normas éticas nos questionam “para que” comportar-se de tal modo e “por que” se pretende
alcançar determinado objetivo. Enfim, enquanto a norma técnica regula o “fazer” para se
alcançar um objetivo, a norma ética refere-se ao “ser”, volta-se para a razão, para a consciência
humana.
Para uma única ação poderemos ter normas técnicas e normas éticas. A manipulação
de substâncias agressivas ao ser humano deve obedecer a um rigoroso procedimento técnico e
deve ter um fim ético. Também as regras da técnica jurídica não dispensam as normas da ética
para que a realização da justiça seja alcançada. A Ética, enquanto estipuladora de valores,
estabelecedoras de comportamentos, engloba a Moral e o Direito que também são estipuladores
de comportamento.

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3.2 O QUE É MORAL?

A moral também se refere a valores e impõe regras de convívio sendo, porém, adstrita
a uma cultura, a uma sociedade, a um grupo. Enquanto a ética é universal, a moral diz respeito a
grupos determinados, em locais específicos. Em certo sentido, falar em moral remete-nos a
costumes, valores e normas de certos grupos, de culturas específicas. Enquanto que a ética é
geral e abstrata.

Quando falamos de moral estamos, geralmente, nos referindo a comportamento de um


determinado grupamento que tem um consenso acerca do valor de determinadas condutas que
são tidas como boas ou más, certas ou erradas. Podemos falar que há diferentes morais. A
moral num país difere da moral de outros países, assim como difere entre grupos sociais dentro
de um mesmo espaço geográfico.

Assim, por exemplo, atitudes consideradas imorais e reprimidas no Brasil podem ser
perfeitamente aceitas em outros países e vice-versa. Aquilo que é comum, habitual, aceito
socialmente no Brasil poderá ser considerado imoralidade em um país de cultura mulçumana,
por exemplo. Como qualquer regra as normas morais têm sanções para o caso de
descumprimento. Aquele que infringe uma regra moral sofre a sanção imposta pelo grupo, com
exclusão, afastamento ou sofre mesmo uma sanção interna, padecendo de culpa, de sentimento
de inferioridade ou outras afecções psíquicas de caráter íntimo.

O infrator de uma regra moral pode sofrer a sanção em sua intimidade com a dor da
exclusão do grupo, pelo isolamento social. A moral religiosa, por exemplo, pode fazer com que
aquele seguidor de determinada religião que a infringe sinta-se intimamente menor, pecador,
mesmo que não haja conhecimento de seus pares acerca da infração que cometeu. A sanção é
de foro íntimo, é interna, é a dor de não ter atingido um ideal, de ter ofendido a Deus.

3.3 O QUE É DIRETO?

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Direito é um fenômeno social, é conjunto de regras dotadas de sanções que regem a


conduta do homem em sociedade. Ao contrário da moral, ao direito não interessam as infrações
de cunho interno, nem sanções de foro íntimo. Ao direito interessa o comportamento humano em
sociedade. Não há direito para o homem solitário vivendo em uma ilha deserta. O direito reclama
a existência do outro.

Filosoficamente, o fato e o direito estão em oposição. Os fatos impõem-se e não


podem ter sua existência afirmada enquanto não ocorrerem. Nascimento e morte, por exemplo,
são fatos que se afirmam no momento em que ocorrem. Já o direito é dado, é legitimo, pode não
depender de nenhum fator, nenhum acontecimento, podendo ser afirmado a qualquer momento.
Como exemplo, temos o direito à vida, que em nosso ordenamento jurídico é inviolável,
independentemente de qualquer fator, mas o fator morte é inexorável.

Etimologicamente, Direito é aquilo que é reto, que segue sem desvios. Socialmente é
aquilo que está conforme a razão, a justiça e a equidade. O ser humano com suas necessidades
particulares necessita, em sua rota de evolução, de limites que minimizem os conflitos entre
desejos opostos, de regras que o façam, coercitivamente, respeitarem os desejos e as
necessidades alheias.

A coação é o modo social de se impor comportamentos, de fazer com que se


respeitem as regras e se mantenha a ordem geral em equilíbrio com os interesses individuais.
Sem coação o direito como regra jurídica, como lei, como norma, como regra de comportamento
será inócuo, pois aquele que descumpre a regra e não sofre qualquer penalidade não terá
parâmetros para compreender a gravidade de seu gesto e certamente repetirá sua ação.

Nenhuma regra de direito terá eficácia se não vier acompanhada de penalidade para o
caso de ser descumprida. No direito penal temos as penas, no direito civil temos, por exemplo,
as multas, as indenizações, para os casos de descumprimento das regras impostas. O Direito
não se concebe fora do contexto social, assim como não se pode compreender grupo social sem
regras de comportamento e sem sanções para o seu descumprimento. Todo grupo tem suas
regras e suas sanções. Cada família, por exemplo, tem suas normas, muitas vezes tácitas, que
são construídas em silêncio, mas que todos trazem no íntimo e sabem que descumprimento e o
desacordo serão geradores de atritos.

17

3.3.1 Direito Natural

Direito Natural é aquele que transcende e orienta o Direito Positivo, também


denominado de Direito Filosófico. O Direito que emana da própria natureza humana é um direito
ideal, universal, justo. É um sentimento que antecede a qualquer regra positiva. Para a teoria do
Direito Natural a natureza é a fonte de onde emanam os princípios inspiradores do Direito
Positivo.

Os romanos entendiam o direito natural como o direito de todos os homens e animais


que se opunha ao direito dos homens. Vem da acepção do direito natural como direito emanado
da razão divina, traz a equidade compreendida como a interpretação benigna da lei, como a
humanização da interpretação legislativa, como o fundamento da igualdade entre os desiguais
como realização da justiça. É um conjunto de normas imutáveis, eternas, expressões da
liberdade e da dignidade humana que devem fundamentar o direito positivo civilizado.

3.3.2 Direito Costumeiro

Juridicamente, costume é o princípio ou a regra que por sua prática continua com o
consentimento social, que adquiriu força de norma de comportamento a ser seguida. O Direito
Consuetudinário, ou Costumeiro, é compreendido como o conjunto de regras advindas do
costume, de práticas repetidas e aceitas socialmente.

3.3.3 Direito Positivo

18

Direito Positivo é aquele composto de normas em uma determinada época, em um


determinado lugar. No dizer de Dourado de Gusmão (2007), citado por Orlando de Almeida
Seco, em “Introdução ao Estudo do Direito”:

É o direito que depende da vontade humana, seja na forma legislada


(lei, estatuto, regulamento, tratado internacional, etc.), seja na forma
consuetudinária (costume), em ambas objetivamente estabelecidas
(...) razão pela qual o direito positivo seria histórico e válido em
determinados ou determináveis espaços geográficos (...) (SECO,
2007).

Assim, temos o direito brasileiro, o direito espanhol, o direito argentino, etc.

3.3.4 Direito Objetivo e Subjetivo

Quando falamos de “Direito Objetivo” estamos nos referindo às normas vigorantes em


um determinando lugar, dirigida a todos, impondo comportamentos e cominando sanções para o
descumprimento. O “Direito Subjetivo” é a norma objetiva referida a um sujeito determinado, é a
regulação da própria conduta, a faculdade de agir. Temos, por exemplo, em vigor em todo
território brasileiro o Código do Consumidor, que são as regras que regulamentam as relações
de consumo, é direito objetivo.

A partir do momento em que um cliente busca atendimento profissional para a solução


de uma questão de saúde estabelece-se entre ele e o profissional uma relação jurídica de
consumo, que deve obedecer às regras consignadas naquele código (direito objetivo) e que
permitem ao cliente exigir do profissional a prestação do serviço e ao profissional o pagamento
do preço ajustado. A estas faculdades de ambos chamamos de direito subjetivo. Podemos
afirmar então que direito subjetivo é o direito objetivo que sai do papel e vem para a existência
19
no mundo.

3.3.5 Direito e Moral

Direito, então, é o conjunto de regras, emanadas de um poder externo, que regem as


condutas sociais. O direito difere da moral, que também dita regras de comportamento, mas que
provém da cultura de grupos sociais. Encontramos, muitas vezes, valores morais diferentes
dentro de um mesmo território politicamente organizado. Um bom exemplo são as diferentes
religiões dentro do território brasileiro e cada qual ditando suas regras morais. Em cada religião
há valores morais que diferem das outras.

As sanções para a transgressão dos valores morais serão internas, as pessoas podem
se sentir culpadas, punidas e, às vezes, podem mesmo ser banidas do convívio com o grupo. As
penas para as transgressões morais não são emanadas de poder externo, são de foro íntimo,
não atingem a todos indiscriminadamente, mas apenas aos integrantes daquele grupo.
3.3.6 Saúde, o que é?

A Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu preâmbulo, define


saúde como: “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente
20
da ausência de uma doença ou enfermidade”. Ao nos deparamos com tal afirmação temos a
impressão de estar não diante de um conceito, mas de um desafio. É mais do que um conceito,
é uma meta a ser alcançada.

Se para ser e estar saudável o ser humano deve estar gozando de “bem-estar físico,
mental e social” é necessário que nos desfaçamos de velhos conceitos e preconceitos, que
permitamos a entrada em nossas vidas, em nossas práticas, de novos paradigmas para
ampliarmos nossa compreensão e verificarmos que todos nós, de todas as áreas do
conhecimento, estamos implicados na promoção da saúde.

O bem-estar, conforme consignado pela OMS, é expressão que nos remete a um


estado de ausência de transtornos físicos, psíquicos e sociais. E o que isso quer dizer? Em
suma, temos a afirmação de que a saúde não se resume ao corpo físico, ao equilíbrio fisiológico,
mas que depende também do equilíbrio emocional, das relações entre os seres, da inclusão
social, do equilíbrio socioeconômico.

Para falarmos em saúde sob o signo do atual paradigma é necessário olharmos o ser
humano de modo integral; um ser biopsicossocioespiritual, para além do corpo físico. É preciso
atentar para o ser emocional, o ser de relações pessoais e sociais. Pierre Weil (2002), no
Simpósio “O Espírito na Saúde, Integração das Terapias Perenes e Modernas”, que teve as
palestras compiladas no livro “O Espírito na Saúde”, assim define: “a saúde verdadeira é um
estado no qual se leva em consideração que tudo depende de tudo.”

Esta é uma visão holística, a ideia da integralidade que buscamos. Não se pode
conceber mais a saúde como ausência de doença. Saúde é muito mais que isso. Estar saudável,
ter o domínio de si mesmo e a consciência de suas limitações e de suas incontáveis
possibilidades. Ser saudável é ter o conhecimento de seu corpo, é estar consciente de si
mesmo, de respeitar seus próprios valores e suas limitações. É tomar posse da sua vida.
Saudável é estar disponível para a vida em todas as suas dimensões e suas
implicações, seus prazeres e dores, suas alegrias e tristezas, e ser feliz por poder experimentar
sentimentos, ter sensações e se saber maior que eles. O ser humano não é a alegria, nem é a
tristeza, não é o prazer, e muito menos a dor que sente. O humano é o único ser vivente que
aprende com os acontecimentos. Aprende com aquilo que vivencia, que experimenta, aprende
também com os acontecimentos que atingem seus semelhantes. É o único ser capaz de
transcender, de ir além, de transformar e transformar-se.

21
Saudável é perceber-se como agente participante e transformador da vida. É olhar
para o outro e vê-lo como parceiro nessa caminhada. É perceber que tudo o que fazemos é
parte de um enorme sistema orgânico e que não é possível caminhar sozinho.
4 CAMINHANDO E CRIANDO CAMINHOS NOVOS

Após a formulação da ideia por meio dos conceitos resta-nos pensar, transcender ao
estabelecido e refletir acerca da ligação que se pode fazer entre aquilo que já conhecemos e o
novo que se apresenta. Os acontecimentos atravessam nossas vidas e clamam por definições.
Não é possível lidarmos com novos acontecimentos usando velhas formulações. O novo clama 22
por novidade, por revisão do que é velho, por transformações.

Seguindo os passos de Hilton Japiassu em “O Sonho Transdisciplinar e as Razões da


Filosofia”, buscamos então definições para os meios que temos utilizado para o preenchimento
das fissuras do pensamento científico geradas por uma especialização exacerbada que impõe
limite à engenhosidade e nega a integralidade humana.

O intercâmbio entre as diversas disciplinas e seus diferentes métodos é imprescindível


para a construção da almejada integralidade. É preciso que o especialista permita-se ousar,
permita-se atravessar a fronteira de seu campo de estudo para interagir com outros aspectos do
saber, oferecendo os seus saberes e aceitando conhecimentos diferentes, métodos diversos.

A troca entre as diferentes disciplinas, a construção de uma linguagem que perpasse a


todos os campos do conhecimento, trará um novo paradigma para a construção de um novo
saber mais flexível, mais abrangente, mais integral. É importante que se crie institucionalmente
espaços para essa troca entre os especialistas e que estes se permitam ser tocados por uma
abordagem diferente daquela a que estão habituados.

Tudo o que é novo encontra resistência porque questiona o que já está estabelecido,
portanto esse novo caminhar depende de atitude, de perseverança. Depende da ousadia
daqueles que já entenderam que a realização do espírito humano reside na expansão e não no
aprisionamento e limitação de suas potencialidades.

O surgimento do novo traz também a criação de novos termos, novas expressões.


Precisamos então defini-los para nos sintonizarmos com as novidades, falarmos a mesma
língua. Isso é imprescindível para harmonizar as discussões, principalmente quando estamos
falando de novos modos de construção do saber, novas abordagens da vida. Caminhando então
para a finalização desse primeiro caminhar, passemos às definições pertinentes.
5 NOVOS TERMOS E SUAS CONCEITUAÇÕES

Palavras são representações simbólicas de ideias. A cada nova criação


ressignificamos vocábulos antigos e criamos novos. Enfim, é por meio das palavras e suas 23
significações que colocamos no mundo os saberes, que difundimos os conceitos. Atualmente
sentimos que não é possível lidar com as recentes transformações e necessidades sem a
ampliação do conhecimento e a conjugação dos saberes.

Cada fenômeno da vida é imensuravelmente maior do que qualquer saber


compartimentado, especializado. O que queremos dizer é que o aprofundamento de cada
questão não poderá solucionar por si só as questões humanas, pois estas não estão confinadas
em um único modo de saber. Aproveitando as reflexões e conceituações de Hilton Japiassu,
examinaremos os termos que vêm sendo utilizados atualmente no mundo acadêmico e que
pretendem explicar o modo como vem sendo construída a interação entre as diferentes
disciplinas do mundo da ciência.

5.1 DISCIPLINA

Você deve estar se perguntando por que razão o termo “disciplina”, um velho
conhecido, está incluído no item que trata de conceituação de novos termos. Expliquemos. É
justamente por ser um termo utilizado tão comumente e com significações diferentes que
entendemos ser pertinente conceituá-lo de acordo com a significação desejável para a
composição das novas expressões das quais falaremos a seguir.

Para fins dos nossos estudos é importante que tenhamos em mente a ideia de
disciplina como a reunião de conhecimentos, formando uma especialidade a ser estudada.
Referimo-nos à disciplina científica, mais abrangente do que a disciplina escolar.

5.2 OS NOVOS TERMOS

24

Os termos que passaremos a definir referem-se não exatamente a disciplinas, mas a


movimentos que vem acontecendo no mundo acadêmico. Não há conceitos prontos, fechados,
mas ao contrário, estão em formação e é possível que se encontre no futuro outras definições
melhores articuladas. Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade são
acontecimentos aos quais vamos tentando definir, conceituar, à medida que vão se dando no
mundo dos fatos. São movimentos que partem do particular para o geral e visam à resolução das
questões do cotidiano.

5.2.1 Multidisciplinaridade

Um estudo, uma pesquisa multidisciplinar acontece quando várias pessoas,


pesquisadores, estudiosos, profissionais de diferentes especialidades emitem seus pontos de
vista acerca de um único objeto. Multidisciplinaridade é o exame, avaliação e definição de um
único objeto sob diversos olhares de diferentes disciplinas. Cada especialista, neste caso, faz
suas próprias observações considerando seus saberes, sem estabelecer contato com os
saberes diferentes do seu. Não há, neste caso, articulações entre os diferentes pontos de vista
acerca do mesmo assunto.

Imaginemos vários profissionais, com especialidades diferentes, sendo chamados a


emitirem parecer acerca de um mesmo paciente. Viria o cardiologista, o dermatologista, o
nutricionista, o psicólogo, por exemplo, e cada um emitiria seu parecer com base em seus
próprios conhecimentos, sem fazer qualquer contato com os outros profissionais e seus saberes.
Ou, ainda, que vários advogados, juristas, especialistas em direito tributário, direito do trabalho,
direito econômico sejam chamados a opinar acerca de uma determinada ocorrência e deixem
seus pareceres sem se comunicarem uns com os outros.

Não há no trabalho multidisciplinar qualquer intenção de se estabelecer relações


diretas e integrativas entre as diversas disciplinas. O que se pretende com a reunião das
diferentes especialidades é que cada especialista emita um ponto de vista único, a partir de seus
25
saberes particularizados.

5.2.2 Interdisciplinaridade

O trabalho interdisciplinar é articulado entre especialidades distintas com o


estabelecimento de diálogo entre seus saberes. A interdisciplinaridade busca, diante do objeto
de observação e estudo, estabelecer pontos comuns entre as diferentes disciplinas, seus
métodos, suas regras, procurando sintetizá-los para a aplicação concreta.

Busca-se o ponto de contato, o entrelaçamento entre as diferentes disciplinas. É


interdisciplinar, por exemplo, o estudo realizado no ponto onde se dá o encontro entre a
psicologia, a sociologia e o direito. Para o saber interdisciplinar a hegemonia de uma disciplina é
desprezada em prol da construção de uma síntese entre as diferentes proposições.

A prática interdisciplinar tem por objetivo solucionar as questões concretas que nos
afligem no dia a dia. O que se quer é fazer nascer uma nova abordagem das questões do
cotidiano. O trabalho interdisciplinar flexibiliza os velhos modelos de exame dos fenômenos da
realidade. O movimento interdisciplinar tem seu foco no objeto a ser estudado, na solução das
questões reais, objetivas e não na defesa de posições ortodoxas, nas pretensões de ser o
detentor da verdade, nas posições acadêmicas.

Pode acontecer que das investigações conjuntas e da busca pelo ponto comum das
diferentes disciplinas surja outra disciplina, embora não seja este o objetivo primário, gerada pela
interdisciplinaridade, como por exemplo, a bioquímica.

5.2.3 Transdisciplinaridade

26

O estudo transdisciplinar atravessa o campo das disciplinas, estabelecendo-se no


âmbito do conhecimento indiviso. A transdisciplinaridade conjuga e transcende aos diversos
campos cognitivos com vistas à produção de um novo saber, à construção de novo paradigma
que permita a interação das diferentes expressões do conhecimento.

O saber transdisciplinar não despreza o conhecimento disciplinar, aproveita-o,


expande-o, trazendo-o para o mundo dos fatos, da realidade. A visão transdisciplinar é ampla,
globalizante, inclusiva, não despreza saberes, ao contrário, percebe no diferente a oportunidade
de crescimento. Não há qualquer pretensão de fazer nascer uma nova disciplina, mas de
integralizar a visão de mundo.

A transdisciplinaridade permite que coexistam saberes distintos, prescindindo de


formas instituídas. Constitui um novo campo onde coexistem as ciências humanas e as ciências
da natureza, sem hierarquias. Busca o saber no interior da cultura, nas construções filosóficas e
científicas. Todos partilham o mesmo espaço. Reúne em torno do mesmo objeto diversos
segmentos sociais com seus saberes distintos. O homem de dentro e de fora se expressa livre e
harmonicamente.

Não há intenção de criar novas disciplinas, nem novos termos, ou uma nova técnica,
mas de ir além do que já está posto e lançar um olhar unificado, sem hegemonia, sem
hierarquia, mas harmônico, completo, integral. E a razão de tal fenômeno está no afastamento
que se dá entre o saber e a realidade. Seja qual for a origem do saber, científico ou filosófico,
para que sobreviva ao mundo da pós-modernidade é necessário que seja aplicável à realidade
comum, que seja palpável por todos os mortais. Não se pode permanecer perscrutando o que
está além sem se olhar para o que está acontecendo ao redor.
6 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

Podemos falar de solidariedade sob pontos de vista diferentes, mas o resultado será
sempre semelhante. A solidariedade acontece quando o homem toma consciência da
27
interdependência que há entre ele e seus semelhantes. Decorre das obrigações recíprocas que
temos uns com os outros. Quanto menos racional, mecanizado é o ato solidário, quanto mais
dotado de verdade, de gentileza, maior será a liberdade de cada um.

O sentido da solidariedade na biologia é de uma interdependência orgânica.


Reciprocamente há uma dependência sistemática, na micro ou na macrobiologia. A
solidariedade é mais do que um envolvimento emocional com a causa. A solidariedade
pressupõe ações modificativas da situação que gera a dor para outrem.

6.1 SOLIDARIEDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, norma programática, traça as metas que
deverão nortear as políticas públicas do Estado brasileiro:

TÍTULO I

Dos Princípios Fundamentais

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da


República Federativa do Brasil:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária.


(CF/88, art. 3º, inciso I).
Ao constitucionalizar metas, tais como erradicação da pobreza e marginalização,
redução das desigualdades, o legislador constituinte consagrou o princípio da solidariedade,
alçando-a o nível de fundamentação das relações intersubjetivas na sociedade. Tirou-a do plano
da transcendência e trouxe-a para o mundo dos acontecimentos, para o concreto. Assim, foi
consagrada no mundo jurídico a necessidade da colaboração intersubjetiva. O coletivo e o
individual interagindo. O bem de um interligado ao bem do outro, vinculado ao bem do conjunto.
28
É o prestígio da colaboração à frente da obrigação.
7 HUMANISMO IDEAL, HUMANIDADES E HUMANISMO JURÍDICO

Usarmos o vocábulo humanidade com diversos sentidos. Usamos a palavra para


designar o conjunto dos seres humanos, mas também para designar atributos positivos. 29
Costumamos qualificar as ações com a expressão humanidade. “Agir com humanidade” dá a
ideia de uma ação eivada de bondade, de delicadeza, de justiça. “Tratamento desumano” é
aquele onde não há respeito à dignidade da pessoa.

7.1 HUMANISMO

O movimento humanista nascido no fim da Idade Média teve como escopo principal a
demonstração da grandeza humana, da dignidade do ser humano. Movimento de confiança na
razão e no espírito crítico. O termo ‘humanismo’ alargou-se e ganhou novas significações.
Filosoficamente, humanismo significa a doutrina que tem o ser humano como centro de suas
reflexões e, como consequência, o humanismo pretende encontrar os meios para as realizações
humanas.

Para a filosofia humanista o homem é o centro de tudo. Todas as atitudes devem ter
como parâmetro a dignidade do homem. Na atualidade o humanismo vê o homem como
construtor de si mesmo. Não há dúvidas de que a evolução humana tem origem no próprio
homem. O homem é criador de si mesmo.
7.2 HUMANIDADES

Atualmente usa-se no meio acadêmico o termo “humanidades” para designar os


saberes necessários à formação do ser humano, à construção de subjetividades, à incorporação
de valores. A finalidade almejada pelas disciplinas denominadas humanas, incluindo as artes,
não é a construção nem transmissão de saberes científicos e é justamente neste aspecto que 30
reside a dificuldade acadêmica das “ciências humanas”, pois há a pretensão das ditas
“humanidades” e a edificação do ser humano de acordo com um ideal de civilidade.

A conquista da consciência de que a cientificidade deve obediência aos valores éticos


e respeito à dignidade humana trouxe à bioética e ao biodireito as luzes do humanismo. A justiça
está inegável e irremediavelmente vinculada aos progressos científicos. Não se pode vilipendiar
a dignidade e a personalidade em nome de quaisquer avanços em nome da ciência.

É inconcebível que se fale em progressos científicos em prol da humanidade, que é


uma abstração, e se desrespeite ao ser humano que se apresenta concretamente expondo-se
aos riscos das pesquisas. A grande conquista da humanidade é a consciência do respeito ao ser
humano, seus valores, sua dignidade, sua liberdade.

7.3 HUMANISMO JURÍDICO

As concepções do Humanismo influenciam de modo muito positivo as construções


jurídicas, dando início ao movimento de Humanismo Jurídico. A ordem jurídica positiva não pode
ser contrária aos direitos humanos, que são o conjunto das necessidades básicas de todo ser
humano e a garantia de suas satisfações. O Direito Positivo, que se consubstancia nas regras,
nas leis internas, não pode se contrapor aos ideais de justiça nem à ética exigida pela dignidade
do ser humano.

Embora ainda haja no mundo muita resistência, muita luta para a manutenção de
privilégios. Embora a força militar e a força econômica ainda sejam armas para impedir
mudanças que tragam melhor divisão das riquezas, maior liberdade, menos humilhações, menos
preconceito e discriminação, e mais respeito à dignidade, já podemos perceber as mudanças no
direito positivo de todos os povos.

31
8 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Conforme temos afirmado desde o início da nossa conversa, estamos tratando de


saberes em construção, estamos falando do novo. Assim sendo, a construção do conhecimento
32
vai se dando à medida que os fatos, que as transformações das relações humanas vão
acontecendo. Tratar de conhecimento em seu nascedouro é ousar falar daquilo que se
transforma e que nos transforma, que nos inquieta, e que está em permanente crescimento e
modificação. Devemos ter em mente que o farol que deve nos guiar por todo o caminho do saber
é o respeito e a preservação da dignidade do ser humano.

O centro de todas as pretensões progressistas deve ser a pessoa e sua dignidade. As


novas técnicas devem ter por objetivo a maior interação humana. Devem estar a serviço do bem-
estar, da dignidade humana. Não se poderá falar em avanços científicos ou tecnológicos se não
estiverem fundados no bem-estar do ser humano, na defesa e manutenção da sua dignidade.
Sendo a pessoa humana o centro de todas as atividades, de todos os saberes, passaremos
agora às considerações sobre a Dignidade Humana.

8.1 OS PENSADORES

Immanuel Kant

Kant defendia a possibilidade da convivência harmônica entre a ciência e a moral. Sua


principal obra é a “Crítica da Razão Pura” e seu pensamento é o maior influenciador da filosofia
contemporânea. Em sua análise dos fundamentos da lei moral, formulou o seguinte princípio:
“Age de tal forma que a norma de tua ação possa ser tomada como lei universal”.

Para Kant Dignidade tem a seguinte definição: “Aquilo que constitui a condição única,
permitindo que algo possua um fim em si, não somente tendo um valor relativo, isto é, um preço,
mas um valor intrínseco, ou seja, uma dignidade.” Quando afirmamos a dignidade do ser
humano estamos, portanto, falando de seu valor intrínseco, não de valor relativo.

A existência humana tem um valor em si mesmo, sem que precise estar relacionada a
nada mais. O nascimento do ser humano já é por si só um fato merecedor do mais profundo
respeito e reverência, devendo ser o núcleo de todas as atividades, científicas ou não.

33

Giovanni Pico Della Mirandola

Humanista excepcional, considerado na Itália como o mais sábio, belo e rico de sua
época. Seus textos têm beleza e leveza ímpares, e datam do século XV, mas possuem uma
dimensão atemporal. É corrente o entendimento de que seu pensamento demonstra
preocupação com a tecnologia.

Hoje é eticamente inconcebível a existência de ordenamentos jurídicos ofensivos à


dignidade humana, embora em algumas sociedades as regras jurídicas ainda sejam
instrumentos de repressão. Todos os ordenamentos jurídicos de todas as sociedades deveriam
se pautar no respeito à dignidade do ser humano. A responsabilidade pelas escolhas que se faz
depende da liberdade que se tem para fazê-las.

Em novembro de 1975 a ONU, no art. 6º da Declaração sobre a Utilização do


Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade, assim
pronunciou-se:

Todos os Estados adotarão medidas tendentes a estender a todos os


estratos da população os benefícios da ciência e da tecnologia e a
protegê-los, tanto nos aspectos sociais quanto materiais, das possíveis
consequências negativas do uso indevido do progresso científico e
tecnológico, inclusive sua utilização indevida para infringir os direitos
do indivíduo ou do grupo, em particular em respeito à vida privada e à
proteção da pessoa humana e de sua integridade física e intelectual.
(ONU, 1975).
O Conselho da Europa adotou, em novembro de 1996, a prescrição do art. 2º da
Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina que afirma que: “os interesses e o bem-estar
do ser humano devem prevalecer sobre o interesse isolado da sociedade ou da ciência.”

8.2 A DIGNIDADE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL


34

A Constituição é lei, na qual se fundamentam as regras de organização do Estado, ou


seja, uma sociedade politicamente organizada composta de território, povo e soberania. Para
nossos propósitos do momento não é necessário aprofundamento acerca da formação do
Estado. Importa-nos saber apenas que as regras de convivência dentro da nossa sociedade
estão fundadas na Constituição da República.

Alexandre de Moraes (2005), citado por Nelson Rosenvald em “A Dignidade Humana e


a Boa-Fé no Código Civil”, assim a define:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à


pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação
consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a
pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se
em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar,
de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações
ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar
a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos. (ROSENVALD, 2005).

Concluímos então que a dignidade é um atributo inato, natural do ser humano. A


pessoa deve, apenas por sua existência e essência, ser respeitada pelo Estado. O poder estatal
não pode desconhecer a dignidade da pessoa. A dignidade, sendo um atributo inato, antecede a
qualquer direito, constituindo-se como um valor ético. É o núcleo de qualquer direito. A dignidade
é um valor da ética.
A dignidade não é um valor cultural. É um valor que antecede a qualquer cultura. Antes
de se agrupar o homem traz em si a dignidade, ela não lhe é conferida socialmente, pelo
contrário, a dignidade social é garantida pelo respeito à dignidade individual. No Título I que trata
dos Princípios Fundamentais, ou seja, dos princípios que constituem a base da República, a
Constituição Federal consigna a “dignidade da pessoa humana” como um dos pilares do Estado
Democrático de Direito, conforme transcrevemos:

35

DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I- a soberania;

II- a cidadania;

III- a dignidade da pessoa humana;

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- o pluralismo político.

Parágrafo Único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
constituição. (CF/88, art. 1º, grifo nosso).

8.3 A DIGNIDADE COMO PRINCIPIO FUNDAMENTAL

E qual seria então a importância de estar consignada “a dignidade da pessoa humana”


dentre os princípios fundamentais da nossa Constituição? Se os princípios fundamentais são as
diretrizes do nosso ordenamento jurídico, isto é, se qualquer norma legal deve estar em sintonia
com os princípios fundamentais da República democrática, concluímos que qualquer regra de
conduta para ter validade em nosso território não poderá ser ofensiva à dignidade da pessoa
humana.

E mais que isso, o não atendimento a um princípio fundamental é de extrema


gravidade, pois significa desrespeito a todo o sistema jurídico, teremos uma insubordinação aos
36
valores socialmente considerados como fundamentais, como imprescindíveis para a existência
do Estado Democrático de Direito. A dignidade deve ser o valor que orienta as atividades
humanas, inclusive e, principalmente, àquelas que têm existência no mundo jurídico.

A inserção da dignidade como fundamento do Estado Democrático de Direito é a


garantia de que o sistema normativo do Estado brasileiro estará comprometido com o respeito à
dignidade do ser humano. Todo o ordenamento jurídico brasileiro deve respeitar a dignidade da
pessoa, que é o começo e fim de todos os objetivos sociais. Nenhuma regra de conduta que
ofenda a dignidade deve ter aplicação. O princípio da Dignidade Humana deve ser a base de
toda construção normativa social. A pessoa deve ser a razão primeira e última das regras sociais
ou institucionais dentro do território nacional.

Chamamos a atenção para o seguinte: estamos falando de reconhecimento dos


valores humanos, do respeito à dignidade e não podemos evitar a perplexidade ao tratar de tal
assunto porque é certo que é o ser humano que olha para seu semelhante como objeto e não
como sujeito de direitos. É o mesmo ser humano que reivindica seus direitos, que se entende
merecedor de privilégios, como se sua vida, sua dignidade, tivesse mais valor do que a vida e a
dignidade de seu semelhante. Por essa razão pensamos que para que se possa compreender
verdadeiramente o significado e o valor de cada regra é necessário buscar dentro de si mesmo o
valor da dignidade.
9 PERSONALIDADE

A Personalidade é atributo jurídico para o desempenho dos papéis sociais.


Diferentemente da Dignidade, que é um atributo inato do ser humano, a Personalidade é uma 37
atribuição jurídica. Filosoficamente, Personalidade é “o conjunto de qualidades que constituem a
pessoa”, conforme De Plácido e Silva, in “Dicionário Jurídico”.

Historicamente, temos diferentes modos de atribuição da personalidade ao homem


pelo ordenamento jurídico. Na Idade Média o status social era determinante para o
reconhecimento jurídico da personalidade. Chegando à Modernidade, e ao liberalismo do século
XIX, temos a vinculação do indivíduo ao patrimônio. Para ser “sujeito” de direito, de relações
jurídicas era necessário ser proprietário de bens materiais.

O humano foi desvalorizado em si mesmo, passando a instrumento do mercado. E


sendo a pessoa proprietária de seu próprio corpo, a ideia liberal era de que este era também
comercializável. O corpo, sendo de propriedade da pessoa era, de acordo com as concepções
da época, coisa dentro do comércio, podendo inclusive ser reivindicado pelo credor em face da
inadimplência do devedor. Para o liberalismo não havia preponderância do valor humano em si
sobre a prescrição jurídica.

Nossa Codificação Civil de 1916 foi contaminada pelo ideário liberal e também não
dedicava, como faz o Código Civil de 2002, um capítulo aos Direitos da Personalidade. Tendo a
criatura humana um valor em si mesmo, podemos entender que o reconhecimento deste valor é
que dá origem aos direitos concedidos pela ordem jurídica.

9.1 DIREITOS DA PERSONALIDADE


Francisco Amaral (2005), citado por Nelson Rosenvald in “Dignidade e Boa-Fé no
Código Civil”, conceitua os direitos da personalidade como “direitos subjetivos que têm por
objetivo os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual.”
Quando falamos em direitos à personalidade estamos nos referindo à pessoa como centro do
bem a ser tutelado pela ordem jurídica.

Os direitos da personalidade são oponíveis erga omnes (em relação a todos,


indistintamente), o quer dizer que devem ser respeitados por quem quer que seja. O limite do
38
direito da personalidade é o direito do outro. É dever de todos o respeito aos direitos da
personalidade de outrem e, consequentemente, de abstenção de prática que venha a lesar
àqueles direitos.

Os Direitos da Personalidade têm caráter extrapatrimonial e são indisponíveis. Significa


que além de imensuráveis quantitativamente, não têm valor de mercado e ninguém deles poderá
privar-se. Não é possível a expropriação, isto é, a perda dos direitos da personalidade. São
direitos inatos. Extinguem-se os direitos da personalidade apenas com a morte do ser humano,
embora alguns atributos desses direitos possam ser estendidos após, possibilitando aos
descendentes a preservação da memória e da dignidade do morto.

Todos têm direito a reivindicar o direito à diferença, à individualidade. Entretanto,


necessário se faz para a saúde social que cada um, ao se reconhecer como ser único também
reconheça no outro um titular dos mesmos direitos à diferença, merecedor de respeito a seus
valores e crenças. Não podemos esquecer que toda coletividade é uma soma de
individualidades. A dignidade e a personalidade não podem ser sobrepujadas por quaisquer
outros interesses. O interesse pelo coletivo não pode ignorar o individual. O interesse econômico
não pode ser um atentado contra a dignidade e a personalidade.

Globalização e avanço tecnológico não podem desprezar a solidariedade, massificar o


ser humano, tornando-o objeto. E o que é mais estarrecedor é que todos os desrespeitos, todas
as violações desses direitos, da dignidade, seja pela busca de lucro, seja em nome do progresso
da ciência, são cometidos pela vaidade, pelo egoísmo de seres humanos escondidos atrás de
discursos progressistas.

O ser humano é, em si mesmo, o maior valor, a razão de existência da sociedade, não


pode ser tratada como meio, pois que toda a batalha humana tem por fim tornar melhor a própria
vida humana.
9.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE NO CÓDIGO CIVIL

Consagrando os direitos da personalidade e tendo a dignidade como núcleo do direito 39

privado, o Código Civil trata Dos Direitos da Personalidade, do art. 11 ao art. 21. Consagra-se o
direito civil como direito da pessoa e não do patrimônio. A pessoa deve preponderar sobre o
patrimônio, este só existe em função daquela, e não o contrário. A existência da pessoa
independe do patrimônio, cujo valor é atribuído justamente pela pessoa. Não há patrimônio sem
a existência da pessoa.

Todos têm a faculdade de exercício de seus atributos da personalidade. Todos têm


direito à vida, direito ao nome, direito ao corpo, sendo este limitado pelos bons costumes e pela
preservação da integridade física. O próprio Estado cuida de proteger a integridade física do
indivíduo. A seguir transcreveremos os artigos 11 a 15 do Código Civil:

Capítulo II

Dos Direitos da Personalidade

Art.11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos à


personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o
seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art.12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da


personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimidade para


requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou
qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art.13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do


próprio corpo, quando importar em diminuição permanente da
integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Art.14. É válida com objetivo científico, ou altruístico, a disposição


gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.

Parágrafo único. O ato de disposição pode ser revogado a qualquer 40


tempo.

Art.15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de


vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. (CÓDIGO CIVIL,
art. 11 a 15).
10 INDIVIDUALISMO, LIBERALISMO E ANARQUISMO

O individualismo, teoria surgida no século XIX, considera que sociedade nada mais é
do que a soma de individualidades, sem que se cogite da interação e da colaboração entre seus 41
membros. O cerne da doutrina do individualismo é a defesa de que os direitos individuais devem
ser preservados e protegidos pelo Estado. O individualismo é uma forma de liberalismo.

Tanto o liberalismo quanto o anarquismo defendem a preservação da liberdade


individual diante das pressões sociais. Para o liberalismo o Estado não deve intervir nas relações
intersubjetivas, respeitando as vontades individuais. O poder estatal é limitado.

O anarquismo prega a liberdade da organização humana em grupos, por acreditar que


os homens são essencialmente bons e sociáveis e não precisam do Estado. Em sentido oposto
encontramos a teoria do coletivismo, que afirma a despersonalização do indivíduo para dar
origem à comunidade, não se falando em direitos da pessoa, visto que esta só existiria em
função da sociedade. Nenhuma dessas teorias se sustenta, pois tem visões limitadas e idealistas
que não se apoiam na realidade humana.

O ser humano não pode viver egoisticamente. As diferenças individuais são


complementares. É a relação de troca entre os seres humanos que possibilita a realização de
desejos, o suprimento de necessidade, a sobrevivência e um viver digno, material e
psicoemocional.
11 INTERESSE PÚBLICO E BEM COMUM

Por último, mas não menos importante examinaremos o significado das expressões
“Bem Comum,” para onde deverão convergir as atividades públicas e particulares, e “Interesse 42
Público”.

11.1 BEM COMUM

O homem é um ser social. Os anseios de progresso, de transcendência, só podem ser


realizados na presença do outro. O valor intrínseco do ser humano, seu valor em si mesmo, só
pode ser reconhecido na vida em sociedade. Ao contrário da ideia da dignidade, que é um
atributo, um valor intrínseco do ser humano, o ‘Bem Comum’ é um princípio que só faz sentido
na vida em sociedade.

Alceu Amoroso Lima, citado por Yves Gandra Martins (2009) em artigo dedicado ao
Bem Comum afirma: “A Alma do Bem Comum é a solidariedade. E a solidariedade é o próprio
princípio constitutivo de uma sociedade realmente humana”. O Bem Comum é o bem do
indivíduo que é parte da comunidade. O bem da comunidade é o bem de cada indivíduo que a
compõe. Cada integrante da comunidade deseja o bem desta uma vez que será seu próprio
bem.

O bem particular almejado é em última análise a felicidade, que mesmo tendo um


conceito abstrato/subjetivo tem um significado geral de satisfação de seus anseios, de interesse
alcançado. Ao aspecto transcendental do homem interessam os bens espirituais, enquanto sua
natureza animal tem exigências de ordem material. Tanto um quanto outro aspecto deve ser alvo
de cuidado e atenção, pois o ser humano tem necessidades biopsicossocioespirituais que
precisam ser satisfeitas.

Os homens unem-se socialmente e organizam a sociedade que compõem em função


“bem comum” que pretendem alcançar. E que se distingue do bem particular buscado
individualmente por cada um, isoladamente.

43
11.2 INTERESSE PÚBLICO

Quando o bem é almejado pela comunidade temos então o Interesse Público. O


interesse público é a relação entre uma determinada sociedade e o Bem Comum que pretende.
Cabe aos componentes do grupo social que estão investidos de autoridade a persecução do
bem almejado pela coletividade. Ao administrador público, ao governante, cabe a promoção do
bem comum expressando, com suas ações, o interesse público.

O interesse privado refere-se ao bem particular. O interesse público refere-se ao bem


público. Para que haja harmonia e paz social é imprescindível que cada pessoa reconheça que a
realização do Bem Comum, que se consubstancia no interesse público, é fundamental para a
realização individual e que depende da participação de todos por meio de bons hábitos,
especialmente no trato social, exercício da cidadania e respeito às liberdades e diferenças.

Estamos contribuindo para o bem comum, por exemplo, ao exercermos nossas


profissões com dedicação, com respeito, com sinceridade e apreço pelo outro, sejam superiores,
subalternos, clientes, fornecedores, enfim, por todos nossos semelhantes que se constituem o
grupo social onde estamos inseridos. Em cada gesto nosso há uma expressão do nosso
comprometimento social ou do nosso egoísmo.
12 RESUMO

Tratamos no módulo I da introdução ao tema do nosso curso, Biodireito, que é um


campo do saber que se encontra em fase de germinação. Neste primeiro momento nossa 44
preocupação foi colher e transmitir informações que facilitem as reflexões necessárias para que
possamos adentrar pela nossa área de interesse.

Lembramos que o nascimento da Bioética e do Biodireito decorrem da necessidade de


se lidar com os excessos cometidos em nome da ciência, em detrimento dos valores que
sustentam a dignidade humana. Falamos da detenção do conhecimento como expressão do
poder, do domínio e da necessidade de sua distribuição e expansão.

Lembramos da importância de nos situarmos no contexto social e histórico para


ajustamos nossa compreensão às circunstâncias motivadoras das transformações sociais. Como
dissemos, o Direito compõe-se de normas que visam regular o convívio social, pautado em
princípios como Justiça e Equidade. Diante de novos fatos, como as novas tecnologias aplicadas
à saúde, o Direito manifesta-se com vistas a regular e trazer um apaziguamento das dúvidas e
controvérsias que sempre aparecem com o surgimento do novo.

Recordamos conceitos e apresentamos novos movimentos de construção do


conhecimento e dos termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade,
cujas definições também estão sendo, ainda, edificadas. O que se constata até o presente
momento é que o Biodireito constitui-se em uma maneira de interpretação e aplicação de regras
presentes no ordenamento jurídico à luz dos princípios da Bioética.

Tratamos da dignidade como um valor da vida humana, sua definição filosófica e sua
posição em nosso direito positivo como princípio constitucional. Finalizamos apresentando as
expressões “Bem Comum” e “Interesse Público”, que expressam os anseios do ser humano em
sua expressão individual e social.

O ordenamento jurídico brasileiro tem por base os princípios e valores da vida e da


dignidade humana. Refletimos sobre o bem comum e o interesse público e constatamos os
liames que nos prendem uns aos outros. O que mais nos importa é a conscientização de que
todos os esforços humanos estão para além das satisfações do nosso individualismo e
imediatismo.

Há, no âmago de cada um, um clamor pelo reconhecimento de nossa inteireza, de


nossa capacidade e necessidade de gerirmos nossa própria vida, a consciência de que a
responsabilidade está vinculada à liberdade. O nosso existir, o nosso bem-estar, a nossa
felicidade, depende do existir, do bem-estar e da felicidade de todos os seres. Realizamos a
45
nossa grandeza humana quando trazemos para nossas atitudes no cotidiano os valores éticos
que jazem em nosso íntimo e fazem parte de nossa essência humana.
13 A CIÊNCIA E A ÉTICA

Os avanços científicos, principalmente a evolução da biotecnologia e suas


consequências construtivas e destrutivas, requerem a intervenção ético-jurídica para que a 46
hegemonia da ciência não torne de menor importância a dignidade humana. As questões sociais
geradas pelas inovações científicas não poderiam ser previstas, eram até então, inimagináveis.

Atualmente questões como eutanásia, distanásia, clonagem e reprodução humana


assistida, o destino de embriões excedentes da fertilização in vitro, são discussões sociais e a
ética e o direito, como ordenadores de comportamento que são não poderiam abster-se do
diálogo com as ciências biológicas e médica. As relações dos profissionais da saúde com seus
clientes passam também por importantes transformações.

Conforme vimos no módulo anterior, hoje é possível o tratamento a distância, consultas


podem ser realizadas por meio de videoconferência, exames podem ser realizados por meio de
linha telefônica. Se tais avanços, dentre tantos outros, possibilitam o salvamento de vidas
resultam também num distanciamento entre as pessoas, diminuem o contato físico e
desumanizam a relação.

Conforme já foi dito anteriormente as razões econômicas e psíquicas das


transformações que vem ocorrendo na saúde e que decorrem do advento da Biotecnologia não
estão inclusas no tema desse curso, embora sejam interessantes e mereçam ser conhecidas.
Aqui o principal foco é o Direito, em especial o Direito Brasileiro, já que é o jurídico que trata da
objetividade das relações. O Direito quer regular a vida em sociedade, quer apaziguar as
relações, ditando as regras, impondo as normas de convívio e sancionando as transgressões.

As importantes transformações que ocorreram na vida social em decorrência da


biotecnologia instigaram e ainda instigam os operadores do direito a pensar e repensar a
aplicação das regras existentes às situações emergentes. O legislador é constrangido a votar
novas leis que regulem as novas relações. O indivíduo, cliente, cidadão, é convocado a pensar a
respeito de sua autonomia de vontade e participação em seu processo de diagnóstico,
terapêutica e prognóstica.

Mediante tais mudanças nas relações sociais surge um novo padrão moral com vistas
à harmonia de pessoas com padrões morais distintos. A ciência não pode prescindir da ética. As
ciências da vida aproximaram-se e interligaram-se com a filosofia ética e a biotecnologia e a
esse novo olhar denominou-se de bioética. A finalidade primeira da bioética é a preservação da
dignidade humana.
47
A repercussão social dos avanços da biotecnologia, com as polêmicas e difíceis
questões surgidas, conduziu ao inevitável estudo jurídico dos novos fenômenos sociais com
inspiração na bioética. A meta é a preservação da dignidade humana e mais do que preservar no
princípio da dignidade a intenção é estabelecê-lo como um valor preponderante frente avanços
técnico-científicos.

Qual o valor intrínseco de um novo método, uma nova técnica, se não for o de tornar a
vida humana mais digna ou de, ao menos, preservar a dignidade do ser humano? A vitalidade
humana ultrapassa qualquer saber. A existência humana não para de surpreender e será
sempre uma novidade para o próprio homem. Prosseguiremos em nosso caminhar por esse
mundo novo lembrando que, como dissemos alhures, temos por base a obra da Prof.ª Maria
Helena Diniz, que por sua maior abrangência foi escolhida como base dos nossos passos daqui
pra frente.
14 BIOÉTICA

A Bioética visa à preservação dos valores humanos e à proteção da vida humana e da


vida planetária. Conjuga saberes diversos e traz para o mundo da prática os valores éticos. Seu 48
estudo convoca saberes de diversas áreas tais como a psicologia, o direito, a biologia, a
antropologia, a teologia, a ecologia, a filosofia, dentre outros.

14.1 FONTES HISTÓRICAS E FINALIDADE

O biólogo e oncologista Van Rensselaer Potter, em 1971, usou, pela primeira vez o
termo bioética em seu livro “Bioethics: bridge to the future”. A ela referia-se como uma nova
disciplina com a finalidade de dar ao ser humano respaldo ético para garantir sua dignidade e
controle sobre sua própria vida diante da hegemonia das ciências da biologia.

Para Potter a bioética era a “ciência da sobrevivência” e fazia referencia à ecologia, à


melhoria da qualidade de vida do homem sobre a Terra. Seria uma ciência que nascia com o
compromisso de harmonizar a vida humana com a vida do planeta. Atualmente, o termo vem
sendo usado com nova conotação. Andre Hellegens, fundador do Joseph and Rose Kennedy
Institute for the Study of Human Reproduction an Bioethics, passou a utilizar o termo como a
“ética das ciências da vida”.

O francês Jean Pierre Marc-Vergnes propõe o uso do termo como referência a uma
ética biomédica. Sua proposta é abraçada por Beauchamp e Childress que, em 1979, utiliza o
termo com essa conotação na obra “The Principles of Bioethics”. Na edição de 1978, a
Encyclopédia of Bioética definiu o termo como: “O estudo sistemático da conduta humana no
campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios
morais”. Em 1995, na segunda edição da Encyclopedia, bioética foi assim definida: “O estudo
sistemático das dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma
variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”.

Podemos então entender que a bioética nasceu da necessidade de expansão da ética


diante das novidades científicas no campo da saúde. Sua amplitude abrange além das situações
surgidas com o advento das novas tecnologias e das transformações das antigas concepções
acerca do nascimento e da morte do ser humano e de seu modo de vida, as pesquisas que o
49
envolvem e o meio ambiente onde vive. Sem contar que são incontáveis as situações vividas no
dia a dia dos profissionais da saúde que demandam comportamento ético na utilização das
técnicas e tecnologias no tratamento de seus clientes.

O campo de nossos estudos limita-se à microbioética, que é referida às relações


intersubjetivas, isto é, às relações onde estão envolvidos os profissionais de saúde e seus
clientes. O macrobioética refere-se aos estudos das questões ecológicas, com a finalidade de
preservar a vida humana. Por fim, concluímos que a mais completa definição de bioética é a de
Maria Helena Diniz, que afirma que bioética...

É um conjunto de reflexões filosóficas e morais sobre a vida em geral e sobre as


práticas médicas em particular. Para tanto, abarcaria pesquisas multidisciplinares,
envolvendo-se na área antropológica, filosófica, teológica, sociológica, genética,
medica, biológica, psicológica, ecológica, jurídica, política, etc., para solucionar
problemas individuais e coletivos derivados da biologia molecular, da embriologia, da
engenharia genética, da medicina, da biotecnologia, etc., decidindo sobre a vida, a
morte, a saúde, a identidade ou a integridade física e psíquica, procurando analisar
eticamente aqueles problemas, para que a biossegurança e o direito possam
estabelecer limites à biotecnociência, impedir quaisquer abusos e proteger os direitos
fundamentais das pessoas e das futuras gerações. (DINIZ, 2007).

E em uma frase resume de modo brilhante o conceito: “A bioética consistiria ainda no


estudo da moralidade da conduta humana na área das ciências da vida, procurando averiguar o
que seria lícito ou científico ou tecnicamente possível.” A bioética requer a assunção de
compromisso com a vida humana, com a dignidade do indivíduo, com sua liberdade e
autonomia.
14.2 PRINCÍPIOS BIOÉTICOS

Os princípios bioéticos são diretrizes para as ações dos profissionais da saúde e


orientam a aplicação do direito.

50

14.2.1 Autonomia

Autonomia é a faculdade de, livremente, traçar suas próprias condutas, sem


imposições externas. Refere-se ao respeito que se deve ter à vontade do cliente, do sujeito da
pesquisa, a seu autogoverno. Abrimos aqui um parêntese para chamar atenção para o termo
“cliente”, ao invés de “paciente”, que vem sendo usado atualmente para dar a ideia de alguém
que questiona, que escolhe, que interage, enquanto ‘paciente’ tem a conotação de submissão.
Fechamos então o parêntese dizendo que usaremos ora um termo ora outro, indistintamente.

Aplicar o princípio da autonomia é reconhecer e respeitar a vontade do outro,


compreender seus valores, suas crenças, suas convicções. Agir com autonomia é agir com
conhecimento pleno, livre de enganos, de coação. Só a ação com autonomia gera
responsabilidade e cada ser deve ser responsável por sua própria vida, por seu corpo e sua
mente.

Situações há onde o próprio cliente não é capaz de responder por si, como uma
criança ou um cliente comatoso, por exemplo, quando então as informações devidas serão
prestadas aos seus responsáveis e estes decidirão. O princípio da autonomia deu origem ao
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do qual falaremos adiante quando tratarmos dos
Comitês de Ética.

14.2.2 Beneficência
É o princípio segundo o qual qualquer tratamento de saúde deve ter em vista fazer o
maior bem possível e evitar todo e qualquer mal. Os profissionais de saúde devem ter em vista o
bem-estar do cliente. Se houver situação em que haja procedimentos conflitantes, isto é, se
algum dano for inevitável deve-se ter em vista o maior bem possível naquela situação. Um
exemplo bem típico é de situações em que será inevitável a amputação de um membro para que 51
se garanta a sobrevivência.

Todos os riscos e benefícios devem ser esclarecidos ao cliente, ou ao responsável


para que ele consinta na realização do procedimento. O princípio da beneficência implica no
cuidado ao agir. Toda ação humana, e em especial aquela que envolve riscos a outrem, não
pode prescindir do dever de cuidado

14.2.3 Não Maleficência

Desenvolve-se a partir do princípio da beneficência. Nenhum mal deve ser causado


intencionalmente. Ou seja, antes de tudo vem a obrigação de não fazer o mal. O profissional da
saúde deve ter como princípio que todo o seu conhecimento apenas deverá ser aplicado para
beneficiar ao cliente e/ou à coletividade e os fins devem ser lícitos. Nenhum procedimento sob
nenhum argumento deve causar danos, mesmo que tenha um fim útil. Os fins não justificam os
meios.

14.2.4 Justiça
O princípio da justiça requer o agir com equidade, isto é, com o reconhecimento das
diferenças, das necessidades e do direito de cada um. As desigualdades socioeconômicas, por
exemplo, causam um acentuado desnível no tratamento individual. Para o nivelamento das
diferenças é preciso tratar-se de modo diferenciado ao diferente. Só há uma raça, a raça
humana, e é a condição humana que deve nos mover ao encontro do outro. Riscos e benefícios
devem ser distribuídos igualmente.
52
Além de vedar a discriminação o princípio da justiça requer que se aja com equidade.
Agir com equidade significa agir fundamentado na igualdade e tratar a todos igualmente significa
que alguns, em alguns casos, precisam ser tratados diferentemente. A equidade abranda a
rigidez da regra, flexibiliza os modos de ação. É preciso tratar diferentemente àquele que é
diferente.
15 AS NOVIDADES BIOCIENTÍFICAS E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

Além dos avanços tecnocientíficos temos hoje o que chamamos de “socialização do


atendimento médico” que, com o argumento de tornar mais acessíveis procedimentos e 53
tratamentos, culmina com o distanciamento entre o profissional e seu cliente. Temos convênios
com as empresas que contratam e descontratam serviços de acordo a viabilidade econômica;
temos os planos de saúde que credenciam e descredenciam os profissionais de acordo com
seus próprios critérios, não restando ao usuário outra opção a não ser escolher outro profissional
para atendê-lo em questões delicadas como a saúde.

Já é possível realizar consultas intercontinentais por videoconferência. Aparelhos


telefônicos podem ser usados para monitoramento cardíaco, orientando o médico que se
encontra a quilômetros de distância. Os prontuários são digitalizados. Avanços tecnológicos não
precisam, necessariamente, significar arrefecimento de relações pessoais, mas, infelizmente, o
fascínio exercido pela máquina pela manipulação de aparelhagem complexa, a interpretação de
dados, impingem nos profissionais a sensação de poder, da mesma forma que induz no cliente a
sensação de impotência.

O desconhecimento é sentido como inferioridade e delega-se ao outro a decisão sobre


seu corpo, sua saúde física e mental, sua condição de vida e sobre a sua morte. Estas e muitas
outras questões, especialmente o reconhecimento da autonomia de vontade do cliente e seu
direito sobre sua existência e sobre seu corpo, trouxeram importantes modificações nas relações
entre os profissionais de saúde e seus clientes.

Como apontamos anteriormente, até mesmo a terminologia sofreu modificação.


Transformou-se a passividade do paciente na participação ativa do cliente, que é usuário, é
consumidor, e que exige tratamento diferenciado e a quem todas as informações devem ser
prestadas. Discute-se hoje a reprodução humana assistida, com seu leque de questões novas,
jamais imaginadas, como a gestação por substituição, o banco de sêmen, as experiências em
excedentes em embriões humanos, descarte de embriões, etc.

Com tantas questões emergentes, o direito como ordenador social não poderia ignorar
as transformações relacionais advindas do uso das novidades tecnológicas na área da saúde e
de todas as suas repercussões. Não poderíamos seguir adiante sem mencionar o filósofo Luiz
Fuganti que, no 1º Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, tratando do assunto “Biopoder
nas Políticas de Saúde e Desmedicalização da Vida”, chama-nos atenção para a maneira como
direcionamos nossas energias para os investimentos em cuidados com o corpo orgânico,
investimentos na saúde não como um valor que se produz para a vida em si, mas um
investimento em um determinado tipo de vida, independentemente da capacidade de cada um
de criar e cuidar de suas próprias condições de viver. 54

O que se quer na maior parte das vezes é investirmos no culto ao corpo, seguindo as
atuais tendências mercadológicas. O que se quer saber é o que acontece com a humanidade
para que precisemos de discursos que clamem pela vida e porque não questionamos acerca da
produção das doenças. Por que estamos cada vez mais doentes se são tantos os investimentos
em saúde? Por que nos tornamos objetos de cuidados biomédicos em lugar de assumirmos o
lugar de sujeitos capazes de transformar a própria vida?

Se ontem tínhamos nas mãos resultados de exames que indicavam os níveis de


normalidade de nossas taxas bioquímicas, amanhã poderemos acordar doentes crônicos com
indicativos de que todos os níveis que eram normais já se tornaram excessivos, após novas
descobertas que chegam às mídias enquanto dormíamos felizes e saudáveis. Vivemos
dominados pela técnica e tomados pela crença de que a tecnologia poderá solucionar todas as
nossas questões existenciais. Para essa reflexão somos convocados.
16 BIODIREITO

A necessidade de regular o avanço biotecnológico deu nascimento ao biodireito


calcado nos princípios da bioética. É um ramo do direito público ainda em formação e que se 55
preocupa com o comportamento humano diante dos avanços da medicina e da biotecnologia.
Tem em vista a preservação da dignidade humana. O biodireito é composto por regras esparsas,
não compiladas ou codificadas. O biodireito retira de todo o ordenamento as regras que se
refiram ao direito à vida e à dignidade humana.

16.1 O Biodireito no Ordenamento Jurídico Brasileiro

As regras de biodireito estão esparsas pelo ordenamento jurídico com a finalidade de


disciplinar o surgimento das biotecnológicas a partir dos princípios bioéticos, do primado da vida
e do respeito à dignidade humana. Examinemos agora o ordenamento jurídico brasileiro à luz da
bioética e do biodireito.

16.2 O Direito à Vida na Constituição Federal

A existência do ser humano antecede a qualquer conjectura acerca das relações


sociais que experiência. O viver humano tem um valor em si mesmo. A vida é da essência dos
seres, transcende a qualquer normatividade social. Antecede a qualquer ordenamento ou
concessão jurídica e, portanto, o direito à vida não é um direito concedido, é inerente à
existência, independe da vontade estatal.

Quando falamos de direito à vida, estamos nos referindo ao direito de nascer, de


continuar vivo, de viver e de morrer dignamente. Está ínsito no direito à vida o direito à saúde
como direito à vida digna. A Constituição Federal garante o direito à vida e à dignidade, no Título
II dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo I dos Direitos e Deveres Individuais e
56
Coletivos, no do art. 5º, que transcrevemos a seguir:

TÍTULO II

DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Capítulo I

Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

XLVII- não haverá penas

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis. (CF/88, art. 5º, grifo nosso).

A norma constitucional, cujo caput e inciso foram transcritos acima, não pode ser
alterada, nem mesmo por emenda à Constituição, tal é sua magnitude. O § 4º, do art. 60 da
Constituição assim determina.

Subseção II

Da Emenda à Constituição

Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante


proposta:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de


emenda tendente a abolir:

IV - os direitos e garantias individuais. (CF/88, art. 60, §4º,


grifo nosso).

Todo ordenamento jurídico infraconstitucional deve estar consonante com as regras


constitucionais sob pena de ser inaplicável por inconstitucionalidade. O dispositivo constitucional 57
do art. 60 tem força de impedir que as regras constitucionais que concedem direitos e garantias,
dispostas no art. 5º venham a ser suprimidas ou modificadas por emenda à Constituição.
Obviamente, alguma regra infraconstitucional que venha a ferir quaisquer dos preceitos da Carta
Magna ofenderá as regras constitucionais e a própria ordem jurídica nacional. O direito à vida e
sua inviolabilidade são garantias constitucionais.

O respeito à vida e à sua preservação, o respeito à dignidade de cada ser e o respeito


à memória do morto são resguardados por nossas leis, demonstrando o valor social da vida
humana que não pode ser vilipendiada nem mesmo após o desaparecimento da pessoa da face
da Terra. E é dever de todo ser humano, em todas as sociedades do planeta, o respeito à vida
de seu semelhante. Queremos ressaltar aqui que respeito à vida implica também o cuidado com
o meio ambiente e, embora o Direito Ambiental não seja tratado em nosso curso é, também, fatia
importante do Biodireito.

16.3 O Respeito à Vida no Código Civil

O art. 2º do Código Civil resguarda os direitos do nascituro, aquele que foi concebido,
que tem vida intrauterina, mas ainda não veio à luz. Estes direitos são elencados em diversos
artigos do Código Civil. O nascituro é considerado pelo direito como o início da vida humana:
“Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Outros artigos preservam ao nascituro o
direito à dignidade e o principal deles é o que lhe concede direito ao reconhecimento da
paternidade:

Art. 1609 - O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e


será feito:

Parágrafo Único - O reconhecimento pode preceder ao nascimento do filho ou ser


posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. (CÓDIGO CIVIL, art.
1609, grifo nosso).
58

Art.1779 - Dar-se-á curador do nascituro se o pai falecer, estando grávida a mãe, e


não tendo poder familiar.

Parágrafo Único - Se a mulher estiver interdita seu curador será o do nascituro.


(CÓDIGO CIVIL, art. 1779, grifo nosso).

O nascituro tem garantida a defesa de seus interesses, por terceiro, o curador, na


ausência e/ou impossibilidade dos responsáveis legais. Preservam-se os direitos do nascituro,
ainda que lhe faleça o pai, estando grávida a mãe e não esteja esta em condições de assumir o
poder familiar por impedimento tal como, por exemplo, doença mental. Há ainda dispositivo que
garante ao nascituro direito à sucessão, no art. 1798: “Art. 1798 - Legitimam-se a suceder as
pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”. (grifo nosso).

A garantia à sucessão é a garantia à herança de bens e direitos. De acordo com a lei


civil, o nascituro é aquele que já foi concebido no momento da abertura da sucessão, ou seja, no
momento da morte de seu ascendente. A vida e a dignidade já são garantidas à pessoa antes
mesmo de seu nascimento. A personalidade jurídica como atributo para a existência no mundo
jurídico está condicionada ao nascimento com vida. Ainda no ventre materno e dede que foi
concebido o ser já tem garantidos seus direitos, ao nascer adquire personalidade jurídica.

Além de garantir a vida, a lei garante também o direito à existência. Não basta a
garantia ao nascimento, ao nome, ao patrimônio, é necessário que se garanta a subsistência. A
criança tem direito à moradia, alimento, afeto, cuidados que lhe proporcionem um
desenvolvimento digno. A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente assim estabelece:
TÍTULO II

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Capítulo I

Do direito à Vida e à Saúde

Art. 7º - A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante


a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento
sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (ECA, 1990, art. 7º). 59

Temos no ordenamento jurídico a Lei 5.478, de 25 de julho de 1968, norma especial


que trata da prestação de alimentos e no Código Civil, no subtítulo que trata dos alimentos,
destacamos o artigo seguinte:

Art. 1694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros
os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (CÓDIGO CIVIL,
art. 1694).

No artigo que transcrevemos está ínsita a obrigação nascida da relação familiar de


proporcionarmos uns aos outros um mínimo material para uma existência digna.

16.4 O Respeito à Vida no Código Penal

A proteção à vida também é tratada pela lei penal. O Código Penal pune o homicídio, o
infanticídio, o induzimento ao suicídio:
PARTE ESPECIAL

TÍTULO I

Dos Crimes Contra a Pessoa

Capítulo I

Dos Crimes Contra a Vida

Homicídio Simples

Art. 121 - Matar alguém


60
Pena - reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o
faça:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão,


de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de
natureza grave.

Infanticídio

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto
ou logo após.

Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (CÓDIGO PENAL, art. 121 a 123).

Importa que façamos aqui uma pausa para exame reflexivo da norma penal que trata
do infanticídio. Citado por Maria Helena Diniz, Karl Engisch aponta a diferença de tratamento
dado pela legislação aos crimes de infanticídio e homicídio, classificando-a de antinomia, um
paradoxo, de valor. Refere-se aos artigos do Código Penal que tratam daqueles crimes. Ambos
estão inclusos no capítulo dos crimes contra a vida, mas são valorados diferentemente, pois, o
homicídio doloso é punido com maior severidade do que o aborto e infanticídio.
Segundo aquele doutrinador, o infanticídio é crime mais grave, pois a vítima é indefesa,
e é punido com pena mais leve. Tal antinomia imprópria não pode ser ultrapassada pelo
aplicador do direito, que deverá aplicar a norma tal como apresentada, diferindo do caso de
antinomia própria, onde o aplicador da lei deverá optar entre duas normas que tratam do mesmo
tema, mas são contraditórias. Infanticídio é o crime cometido por mulher sob influência do estado
puerperal. Fazemos aqui uma pausa e uma pergunta: o que é o estado puerperal?
O estado puerperal é o período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a
volta do organismo da mãe para o estado anterior à gravidez. Há quem diga que o
estado puerperal dura somente de três a sete dias após o parto, mas também há
quem entenda que poderia perdurar por um mês ou por algumas horas. A mãe em
estado puerperal pode apresentar depressão, não aceitando a criança, não
desejando ou aceitando amamentá-la, e ela também fica sem se alimentar. Às vezes
a mãe fica em crise psicótica, violenta, e pode até matar a criança, caracterizando
crime de infanticídio (CÓDIGO PENAL, art. 123).

61
O estado puerperal é, conforme vimos acima, um momento delicado em que a mãe
apresenta alterações comportamentais, podendo desencadear uma crise psicótica, ocorrendo
então o infanticídio. Ora, se o infanticídio é cometido em meio a um surto psicótico, o que a
mulher precisa é de tratamento e não de agravamento da punição. Diz o artigo 26 do Código
Penal ao tratar da inimputabilidade:

Inimputáveis

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento


mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento. (CÓDIGO PENAL, art. 26, grifo nosso).

Entendemos, portanto, que não há antinomia valorativa no dispositivo que trata do


infanticídio. É preciso lembrar que todas as construções sociais, regras morais ou legais,
espelham um pensamento vigente à época de suas elaborações. Ainda que no momento de
elaboração da regra punitiva estivesse o legislador impulsionado pela rigidez moral do momento
entendeu que a pena deveria ser abrandada em razão da complexidade da situação,
especialmente se a gravidez foi indesejada.

Se a proteção é voltada à vida, por que razão se permite o aborto em caso de estupro,
em reconhecimento ao sofrimento psíquico da mulher violentada e se pune descontrole psíquico
da puérpera? A recente Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, vigente desde novembro do
mesmo ano, denominada Lei Nacional da Adoção, introduziu importantes modificações na Lei
8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dentre as modificações
temos interesse nesse momento na alteração feita no art. 8º do Estatuto da Criança e do
Adolescente e que transcrevemos a seguir:
Art. 2º - A lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente,
passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 8º - É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o


atendimento pré e perinatal.

§ 1º - A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo


critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e
hierarquização do Sistema.

§ 2º - A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a 62


acompanhou na fase pré-natal.

§ 3º - Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que


dele necessitem.

§ 4º - Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à


gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir
ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010,
de 2009) (LEI 12.010/2009, grifo nosso).

A regra fala por si só. O art. 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente trata da


assistência à gestante pelo SUS, com vistas a proteger a vida desde a gestação. E é expressa
em dizer “prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal”. Está aqui reconhecido o
estado puerperal como uma questão de saúde e não de prisão. O dispositivo tem como objeto a
preservação da saúde e da vida do nascituro e do recém-nato. Está ínsita aqui a proteção do
direito à vida e à saúde da criança.

Pensamos em caso de não ser prestada a assistência psicológica legalmente


determinada, a puerperal acometida de transtornos psíquicos poderá acionar judicialmente o
poder público pelo descumprimento da lei, ensejando ressarcimento de danos morais.
Entendemos que urge ser revista a regra do Código Penal. Vejamos então a hipótese em que se
admite a privação da vida de outrem. São as excludentes de ilicitude.
São suposições em que se leva em conta o instinto de preservação, o dever legal e o
exercício de um direito. Note-se também que não serão admitidos excessos, ou seja, atos
desnecessários que extrapolem a defesa e denotem temperamento irascível, vingança.

Exclusão de Ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso Punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo
excesso doloso ou culposo.
Estado de Necessidade
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de
perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-
se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar
o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá
ser reduzida de um a dois terços. (CÓDIGO PENAL, art. 23 e 24).

Admitida uma agressão no intuito de se defender um direito a pena cominada para o 63


crime será reduzida de até dois terços. Mas a punição permanece. O que prepondera é a
integridade da pessoa:

Legítima Defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
(CÓDIGO PENAL, art. 25).

A configuração da legítima defesa exclui a ilicitude da ação. Para isso é necessário que
o agente esteja defendendo a si mesmo ou a outrem de modo moderado, a defesa deve ser
equivalente ao ato ofensivo, o que significa que não podem ser excessivas as ações necessárias
a repelir a agressão. Os excessos serão punidos. Trata-se de defesa da vida, não de castigo ou
vingança. Há que se ter justo motivo para defender a si mesmo ou a outrem de agressão injusta.
Não iremos aqui adentrar por discussões de hermenêutica jurídica. Cumpre-nos
apenas demonstrar que o ordenamento jurídico brasileiro contém muitos dispositivos que não
deixam dúvidas quanto à hegemonia dada ao princípio que deve anteceder à proteção de
qualquer direito: o primado da vida. Mais adiante tornaremos a falar sobre estes dispositivos
legais, buscando apenas demonstrar que a proteção à vida está contida em cada regra. A vida
prepondera sempre. O ordenamento jurídico brasileiro tem a vida como primada.
Vejamos então as regras que excluem a ilicitude do ato ou extinguem a punibilidade
das ações incriminadas. Percebemos que não se trata de permitir práticas homicidas ou
abortivas, por exemplo, mas de não punir quem as pratica. E quando se tolera a violação do
respeito à vida de outrem? Primeiro, falemos do homicídio. A lei enumera alguns casos em que o
ato de “Matar Alguém” não será crime e, portanto, não será penalizado. Em cada situação
elencada pela lei há um elemento preponderante, um valor maior que a vida ceifada, e qual
será?
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
(CÓDIGO PENAL, art. 23).

A primeira excludente da ilicitude do fato de matar alguém é o estado de necessidade.


A lei não o define objetivamente, mas especifica o que é estar em estado de necessidade:
64

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar


de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-
se. (CÓDIGO PENAL, art. 24).

Estará em estado de necessidade aquele que, por exemplo, para salvar-se ou salvar
um ente querido de um naufrágio, no qual não tem qualquer responsabilidade, arranca da mão
de outro náufrago o último colete salva-vidas. Não se podia exigir, nessas circunstâncias, que
escolhesse morrer. A luta pela vida, a briga pela sobrevivência, seja a própria ou de entes
queridos, em circunstâncias limites é instintiva. Não há como exigir atitude diversa.
No mesmo dispositivo legal temos a hipótese em que não se permite a alegação do
estado de necessidade, que é o caso de cumprimento do dever legal: “§ 1º - Não pode alegar
estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”. Neste caso podemos
pensar em situações, por exemplo, do salva-vidas, que tem o dever legal de empreender todos
os esforços para salvar a vida do afogado, mesmo que pondo em risco a sua.
No mesmo caso está o bombeiro, que não poderá alegar estado de necessidade
quando no exercício da profissão. São situações que exigem do profissional treinamento,
equilíbrio e altruísmo. Outra situação que não exclui a ilicitude, apenas reduz a pena, situação
em que o direito ameaçado era menos relevante e poderia ter sido sacrificado em prol da vida
alheia. Nesse caso permanece a ilicitude do ato, mas reduz-se a pena: “§ 2º - Embora seja
razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois
terços”.
Seria o caso, por exemplo, em que para salvar ou preservar um bem material, ou
mesmo um animal de estimação, permitisse a morte de alguém. A segunda excludente da
ilicitude é a legítima defesa, que é também definida pela lei: “Art. 25 - Entende-se em legítima
defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem”. (grifo nosso).

Portanto, aquele que se defende, sem exageros, de agressão injusta está agindo em
legítima defesa. Entendemos como injusta a agressão não provocada ou uma reação exagerada,
excedente. Não age em legítima defesa aquele que atira em alguém que reclama proferindo um
palavrão. A lesão corporal ou a morte é extremamente mais grave do que a injúria. O exagero na
agressão também pode descaracterizar a legítima defesa.
Aquele que portando licitamente uma arma de fogo atira uma vez em alguém que
65
pretendia atacá-lo com uma faca e lhe fere mortalmente, poderá alegar em seu benefício a
excludente da ilicitude, pois ágil razoavelmente. Mas se lhe desfere 10 tiros após o ofensor já
estar fora de combate denota seu descontrole, seu temperamento irascível e não poderá alegar
que agiu em legítima defesa.
Na terceira e última excludente da ilicitude o agente não cometerá crime se estiver
cumprindo um dever legal ou exercendo um direito: “III - em estrito cumprimento de dever legal
ou no exercício regular de direito”. A lei, no caso deste dispositivo, não tratou da definição do que
considera como dever legal e exercício regular de direito. Estará no cumprimento de seu dever
legal o policial que, tentando apreender um bem encontra resistência de quem o detém
ilicitamente e causa lesão corporal.

A lesão corporal causada por um lutador de boxe durante a luta, por exemplo, não será
ilícita uma vez que ele está exercendo um direito já que a luta é considerada esporte, bem
primitivo, diga-se de passagem, e ferir o outro e um direito do lutador. Isso em pleno século XXI,
mas e lícito. Lembramos que nossos objetivos aqui fogem ao exame da lei penal em seu teor
punitivo, interpretações e aplicações. Nossa pretensão é lembrar a essência da norma, o
princípio que a inspira, o valor que se quer proteger. Estamos tratando de respeito à vida.

Interessa-nos buscar na essência de cada dispositivo legal o bem jurídico que se quer
preservar. Qual valor prepondera quando surge o conflito de interesses? É o que interessa ao
Biodireito. Vimos que tanto nos dispositivos legais punitivos dos atos que violam o direito à vida,
quanto naqueles que excluem a ilicitude, isto é, naqueles que desconsideram que tenha sido
criminosa a conduta praticada, a proteção à vida é sempre o elemento preponderante.

Ao não considerar crime o ato que causa lesões corporais a outrem ou que lhe tira a
vida o legislador, ainda assim, considerou a preponderância do direito à vida. Há situações onde
é preponderante a vida do agente porque se considera inexigível que se abdique da própria vida
em favor da vida de outrem. Assim fundamenta-se a legítima defesa e o estado de necessidade.
Quem tem o dever legal de enfrentar o perigo não poderá alegar o estado de necessidade para
deixar de priorizar a vida alheia. Exemplo: o bombeiro deixar de salvar uma vida por não querer
expor-se ao fogo.

16.5 O Direito ao Nascimento


66

Ao iniciarmos tal assunto esclarecemos que não pretendemos travar discussões sobre
o tema. Há quem entenda que falar de “Direito Ao Nascimento” e fazer discurso antiabortista.
Não é essa nossa intenção. Nem defender, nem atacar os defensores do aborto.
Apresentaremos apenas as prescrições jurídicas pertinentes ao assunto e que interessam ao
nosso tema, nada mais.
O legislador protege a vida desde a concepção, garante direitos ao nascituro,
criminaliza práticas abortivas. A Assembléia Geral da ONU adotou, em novembro de 1959, a
Declaração dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, que em seu preâmbulo afirma “... que
a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados
especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento.”
Como já demonstrado alhures, quando falamos do respeito à vida, no Código Civil
Brasileiro defende-se a vida desde a concepção.

LIVRO I

Das Pessoas

TÍTULO I

Das Pessoas Naturais

Capítulo I

Da Personalidade e da Capacidade

Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (CÓDIGO CIVIL, art. 2º,
grifo nosso).
O que se depreende do dispositivo legal mencionado é que, para o ordenamento
jurídico brasileiro começa a vida no momento da concepção, ou seja, o momento em que o
espermatozoide fecunda o óvulo. Assim sendo, as regras jurídicas vêm resguardar os direitos
daquele que ainda não nasceu. São garantidos os direitos patrimoniais e extrapatrimoniais do
nascituro, aquele que já foi concebido, vive no útero materno, mas ainda não nasceu.

67

16.6 A Proteção à Maternidade

A primazia do direito à vida inspira a proteção à maternidade. Ao contrário do que se


pensa ordinariamente, as garantias constitucionais que garantem emprego, salário, licença, não
tem por escopo proteger a mulher, mas preservar a espécie. A Constituição Federal inclui a
maternidade dentre os Direitos Sociais, garantindo à mulher o exercício de sua função biológica.
A lei ordinária garante a assistência previdenciária, sempre com o objetivo de assegurar o direito
à vida e à dignidade.

É importante que se preserve e promova a saúde materna em sua integralidade,


garantindo o desenvolvimento saudável do feto, a saúde materna, a vida digna e a preservação
da espécie.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Dos Direitos Sociais

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a


segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:

XVIII- licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de


cento e vinte dias;

Da Previdência Social
Art. 201- A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que se preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei, a:

II- proteção à maternidade, especialmente à gestante;

Da Assistência Social

Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar,


independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice. (CF/88,


art. 6º, 7º, 201 e 203). 68

A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, estabelece a finalidade e os princípios


norteadores da Previdência Social.

TÍTULO I

Da Finalidade e dos Princípios Básicos da Previdência Social

Art. 1º - A Previdência Social, mediante contribuição, tem por


fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis
de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego
involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos
familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam
economicamente. (LEI 8.213/1991, art. 1º, grifo nosso).

O salário maternidade é assegurado pela Previdência Social à mulher em razão de sua


função materna, seja em razão de parto, adoção ou guarda judicial. Tal é a importância de se
garantir a subsistência da mãe e da criança que não é exigida carência para a concessão do
benefício. O Art. 71 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, alterada pela Lei 10.710, de 5 de
agosto de 2003, trata da concessão do salário maternidade:

LEI 8.213, DE 24 DE JULHO DE 1991

Subseção VII

Do Salário-Maternidade

Art. 71 - O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante


120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do
parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas
na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Art. 71-A - À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial
para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120
(cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias,
se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a
criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade. (LEI 8.213/1991, art. 71 e 71-A,
grifo nosso). 69

Não é por outra razão senão a proteção ao bem-estar do nascituro e do recém nato
que a Constituição Federal, no Ato das Disposições Transitórias, veda a dispensa, pelo
empregador, da gestante e da mãe. A dispensa da mãe implica em ausência do salário, que tem
caráter alimentar. A saúde da mulher, do nascituro e do bebê ficará afetada com a supressão do
salário e a capacidade de aquisição de bens imprescindíveis à subsistência.

E se estamos tratando de dignidade, respeito humano e saúde integral é necessário


lembrar o direito ao convívio paterno, assegurado constitucionalmente pelo inciso XIX, do art. 7º,
em combinação com o art. § 1º art. 10 do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais
Transitórias.

CAPÍTULO II

ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Dos Direitos Sociais

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:

XVIII- licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de


120 dias;

XIX - licença paternidade, nos termos fixados em lei;

Art.10 - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º da
Constituição:

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o


parto.
§1º - Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX da Constituição, o
prazo da licença paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias. (ATO DAS
DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS, art. 7º e art. 10).

70
17 O ABORTO

Antes de prosseguirmos, façamos uma breve pausa apenas para definirmos,


conceitualmente, o que é aborto. Utilizamo-nos do termo “aborto” para designar a interrupção da
gravidez antes desta chegar a seu termo. 71

17.1 A PRÁTICA ABORTIVA NA HISTÓRIA DO MUNDO

A prática do aborto é antiga questão clamando a interferência jurídica. O entendimento


sobre sua prática passou por transformações. Na antiguidade, gregos e romanos consideravam
o feto como parte que integrava o corpo da mãe que podia, então, dispor do concepto como bem
lhe aprouvesse. Em torno de 200 d. C. o aborto de mulher casada era tido como ofensa ao
marido, que tinha direito aos descendentes pretendidos. Assim sendo, sendo solteira a mulher
não teria qualquer impedimento para a prática abortiva.

A instabilidade religiosa de Roma cedeu espaço à magia e ao preparo de poções e


dentre estas as abortivas. O preparo dessas fórmulas era punido e se houvesse morte da
gestante as pessoas que as preparavam eram punidas com pena de morte. Após o advento do
cristianismo o aborto passou a ser reprovado socialmente. Passou-se a considerar o feto como
um ser provido de alma na era medieval, não mais entendido como sendo parte do corpo
materno.

A partir de então a prática do aborto passou a ser punido como homicídio quando
praticado após o primeiro mês gestacional. Ha divergência entre autores quanto ao exato
momento em que a técnica do aborto seria punível. As primeiras incriminações do aborto
surgiram na Alemanha, na Constitutio Bambergensis, de 1507, que o punia com pena de morte.
Foi substituída em 1532 pela Constitutio Criminalis Carolina, que punia a prática abortiva com
castigo a ser arbitrado por peritos em direito.
Na França medieval o aborto era crime gravíssimo, punido com pena de morte. No
século XVIII, na Itália, a Ordenação Criminal de Toscana, de 1786, considerou o aborto como
crime contra a vida do feto tal e qual ao homicídio. O clamor social conseguiu a substituição da
pena de morte pela pena de prisão, quando da prática do aborto. O tempo de privação da
liberdade era arbitrado ou substituído por multa. Nesta época havia quem se opusesse à
incriminação do aborto, entendendo que não se poderia comparar o feticídio com o homicídio e
que a punição tinha razões demográficas.

72
No segundo quartil do século XX, no Reino Unido o aborto era punido com trabalhos
perpétuos, pena que foi convertida em prisão perpétua em 1948. Atualmente encontramos
diferentes posições acerca do aborto e de todas as questões de ordem ética, moral e religiosa
que o envolvem. Deparamos com pessoas que defendem a descriminalização da prática do
aborto total e incondicionalmente de um lado e no lado oposto quem lute pela criminalização da
prática abortiva, sob quaisquer argumentos, defendendo a aplicação de severas punições.

Temos entendimentos que advogam a não punição para a mulher que consente na
prática do aborto defendendo, entretanto, punições para o terceiro que o realiza, para o
aborteiro. Algumas legislações permitem o aborto parcialmente, por razões socioeconômicas,
outras consentem por razões emocionais, e outras ainda toleram o aborto incondicionalmente,
como, por exemplo, os Estados Unidos e o Canadá.

Recentemente a Espanha teve aprovado projeto de lei que permite o aborto até as 14
semanas de gravidez. Após 22 semanas a permissão restringe-se aos casos de malformação do
feto e risco à saúde da mulher. Permite a prática por adolescentes, a partir de 16 anos de idade,
sem o consentimento dos pais. Em Portugal permite-se o aborto por vontade da mulher até 10
semanas de gravidez.

17.2 O ABORTO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Vejamos então o tratamento dado, até o presente momento, pela ordem jurídica
brasileira à polêmica questão do aborto. A lei civil, conforme já demonstramos, considera a
existência da pessoa humana desde a concepção.

LIVRO I

Das Pessoas

TÍTULO I

Das Pessoas Naturais 73


Capítulo I

Da Personalidade e da Capacidade

Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (CÓDIGO CIVIL, art. 2º,
grifo nosso).

O direito positivo brasileiro protege o direito do nascituro desde a concepção. O que


significa essa proteção? Quais as implicações advindas dessa determinação legal? Em primeiro
lugar é importante que tenhamos definido o termo “concepção”. Se consultarmos um dicionário
da língua portuguesa vai encontrar a definição do substantivo concepção como o ato de
conceber, de gerar, e ainda, seu sentido biológico como o conjunto de fenômenos que levam à
formação do ovo. E é essa segunda definição, a definição da biologia, que nos importa para que
saibamos a partir de que momento o legislador considera a existência do sujeito de direitos.

Biologicamente, o momento da concepção é o momento em que o gameta masculino


encontra e fecunda o gameta feminino. Para a lei civil, neste momento começa a existência do
sujeito de direito e se nascer com vida adquirirá personalidade jurídica material. Não importa
aqui se a fertilização é natural ou assistida. Trataremos então da lógica jurídica para a
criminalização do aborto em nosso ordenamento.

A Constituição Federal, quando cuida Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no


Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos, no Art. 5º, que se encontra supratranscrito, garante a inviolabilidade do direito à vida,
significando que o Estado tem a obrigação de zelar pela vida. O Código Civil, como examinamos,
considera o nascituro sujeito de direitos desde a concepção.

É de fácil verificação, portanto, que os dispositivos legais que criminalizam o aborto


foram recepcionados pela Constituição, ou seja, embora datem de antes da Constituição Federal
de 1988, estão em perfeita consonância com seus valores, princípios e determinações e, por via
de consequência, suas regras permaneceram no ordenamento jurídico.

CÓDIGO PENAL – DECRETO-LEI 2.848/1940

PARTE ESPECIAL

TÍTULO I 74
Dos Crimes Contra a Pessoa

Capítulo I
Dos Crimes Contra a Vida

Aborto Provocado pela Gestante ou com seu Consentimento


Art. 124 - Provocar Aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 126 - Provocar Aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior se a gestante não é maior de 14
(quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência
Forma Qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a
gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer
dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (CÓDIGO PENAL, art. 124,
126, 127 e 128, grifo nosso).

Não vamos nos ater às designações médicas que diferenciam aborto e parto
prematuro, pois o que nos interessa é a interrupção da gravidez criminalizada pela ordem
jurídica. Nossas reflexões estão adstritas ao aborto provocado.

Classificações do aborto segundo a motivação:

1 - Aborto Terapêutico: engloba o Aborto Necessário e o Aborto para Evitar


Enfermidade Grave:
1.a - Aborto Necessário: é o aborto praticado por médico quando for a única alternativa
para salvar a vida da mãe, conforme permissivo legal do artigo 128, inciso I (aborto necessário).
Nesse caso não é necessária a autorização da gestante. Para que o procedimento seja realizado
basta a constatação médica de que a vida da mãe corre perigo. É inexigível a autorização
judicial em face de situação emergente. É recomendável, porém, que o médico que constatou a
gravidade do caso solicite o parecer de um colega para confirmar a necessidade do aborto.
O entendimento é de que em casos em que a vida da mãe exclui a vida do feto,
quando é necessário optar entre a vida materna ou vida fetal a recomendação é de que se salve
a vida da mãe, que neste caso é preponderante. Pensamos que mesmo constatado o risco de
vida pela gestante deveria haver um consenso para o abortamento, inclusive com Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pela mulher ou, em caso de não ser possível, por 75
um responsável. É o mínimo que o respeito ao princípio da autonomia e da dignidade exige.
Sabemos de casos em que ao ser avisada a mulher decidiu assumir o risco, assinando
inclusive um termo de responsabilidade, e levou até o fim a gestação. Hoje vivem muito bem,
mãe e filha. Para alguns autores avessos à prática do aborto, conta-nos Maria Helena Diniz, o
aborto do art. 128, inciso I, deveria nos dias atuais denominar-se “Aborto Desnecessário” diante
dos avanços biotécnicos de que dispomos.
Afirmam que haveria a possibilidade de tentativas terapêuticas, cirúrgicas ou não, que
poderiam evitar a morte materna, ainda que pusessem em risco a vida fetal. Repudiam a opção
entre a vida materna ou a do feto quando seria possível a tentativa de salvar a ambos:

1.b - Aborto para Evitar Enfermidade Grave: praticado quando a saúde materna corre
risco de ser abalada por doença grave iminente. Esta prática NÃO é legalmente autorizada. A
interrupção da gravidez, que tem por finalidade evitar doença grave da mãe, será penalizada
conforme a lei criminal.
2 - Aborto Sentimental: denominação dada pelos tribunais. É autorizado legalmente
em caso de estupro.
3 - Aborto Eugênico: É o aborto praticado quando a gestação é interrompida por
suspeita de que doenças congênitas acometeram o nascituro, graves lesões físico-mentais, tais
como, mongolismo, idiopatia, epilepsia genuína, dentre outras.
4 - Aborto Econômico: seria a interrupção da gravidez sob o argumento de que a
gestante, ou o casal, não possui recursos materiais para arcar com o sustento da criança, ou
ainda, que o nascimento da criança viria tornar mais penosa a vida financeira familiar. Não há
autorização da lei para o aborto econômico.
5 - Aborto Estético: é aquele praticado pela mulher que não quer ficar com o corpo
disforme. Não tem permissão legal. Sua prática será criminosa.
6 - Honoris Causa: sua prática ocorre quando a gestante não deseja que sua gravidez
seja socialmente conhecida. Seja efetuado pela própria gestante, seja com concurso de outra
pessoa, médico ou não, a prática será criminosa, uma vez que não há permissão legal.
Cremos que tais classificações são importantes para as reflexões acerca das
motivações da prática do aborto. Sendo contra ou a favor não nos cabe fazer julgamentos. Nem
de quem o pratica, nem de quem o ataca. A ética deve pautar nossas atitudes. Não se pode
esquecer-se do princípio da dignidade humana, que deve sobrepairar nossos atos. O julgamento
é oficio do juiz. Para nós, enquanto seres humanos, compreender, respeitar, colaborar, orientar,
encaminhar e, acima de tudo, respeitar o outro, é o melhor caminho. 76

A Legislação Criminal

As classificações são criações doutrinárias e jurisprudenciais. Sob a ótica da lei


brasileira o aborto será sempre legal ou ilegal.

a) Legal: será o caso de aborto não punível. Casos em que a lei extingue a
punibilidade em razão de valores preponderantes: a vida da grávida e a saúde psíquica da vítima
de estupro.
b) Ilegal: é o caso de interrupção da gestação, em qualquer fase, ainda que não haja a
expulsão do feto do ventre materno, uma vez que nos ensina a literatura médica que é possível
que o produto da concepção fique retido no ventre materno mesmo após sua inviabilidade.

É possível que ocorra o aborto sem que tenha havido a intenção de cometer o crime.
Se, por exemplo, o médico, tendo conhecimento da gravidez da cliente prescreve um
medicamento abortivo ou arrisca uma manobra que interrompe a gravidez. O crime terá a
modalidade culposa e ensejará a responsabilidade civil do médico, por negligência, imprudência
ou imperícia. O aborto criminoso é, na legislação brasileira, um delito contra a vida, conforme
verificado quando transcrevemos os artigos do Código Penal.

Configuração do Crime de Aborto

Estará configurado o crime de aborto quando presentes os seguintes requisitos:


1- Gravidez, que se inicia com a fecundação do óvulo e termina com o início do parto;
2- Dolo, que é a intenção de interromper gravidez provocando a morte do concepto;
3- Técnicas Eficientes para a produção da morte fetal.
4- Morte do concepto no ventre materno.

Temos ainda como questões a serem refletidas o uso do “DIU, Dispositivo Intrauterino”
e a “Pílula do Dia Seguinte” que são métodos contraceptivos com uso permitido pela legislação
brasileira, mas que ainda geram polêmica pelo fato de, segundo afirmam alguns, serem métodos
abortivos. Juridicamente não há qualquer dúvida quanto ao uso em razão da permissão legal. O
que ainda não temos pacificados são entendimentos de ordem médico-científica quanto à
questão de serem abortivos ou não e fica então a critério ideológico e moral de cada um o uso 77
do método.

17.3 A BIOCIÊNCIA, O ABORTO, O ALVARÁ JUDICIAL

Em nossos dias, quase que diariamente a ciência nos apresenta descobertas,


métodos, técnicas com a promessa de maior controle da vida, de libertação da dor física e
psíquica. Mas como a vida não se submete a nossos desejos ou caprichos para cada descoberta
ou criação surgem outras tantas ameaças que nos obrigam a recomeçar.
Discute-se a admissibilidade, ou não, da “Interrupção Seletiva da gravidez (ISG)” na
hipótese de que, por meio de técnicas diagnósticas como amniocentese, ultrassom, biologia
molecular, fetoscopia, etc., constate-se que o feto sofre de afecção ou anomalias graves e
incuráveis. Opiniões divergem quanto ao direito dos pais de interromperem a gestação em casos
de malformação do feto, de anencefalia, ou qualquer outra patologia que impossibilite a vida
extrauterina.
Seria eugenia impedir o nascimento de um feto portador de uma anomalia? Para
alguns estudiosos, distingue-se a Interrupção Seletiva da Gestação (ISG) da Interrupção
Eugênica da Gestação (IEG), pelo modo como se dá o aborto. Na interrupção eugênica não se
leva em conta a vontade da gestante, o aborto é realizado mesmo contra sua vontade por
motivações racistas, étnicas, etc., e na interrupção seletiva está presente a anuência da gestante
ou do casal.
Para que se proceda ao aborto por razões de inviabilidade física ou mental do feto é
necessária a expedição de alvará judicial, e não há na legislação brasileira permissivo legal à
prática do aborto por razões de inviabilidade fetal. A Dra. Débora Diniz, antropóloga dedicada ao
estudo da bioética, em ensaio publicado no Portal Médico, acerca das fundamentações dos
alvarás em que há permissão judicial para o procedimento do aborto seletivo informa-nos o
seguinte:

Segundo estimativas extraoficiais, existem hoje no Brasil cerca de 350 alvarás


judiciais autorizando a prática da interrupção seletiva da gravidez (ISG) em nome de
anomalias fetais incompatíveis com a vida extrauterina. A partir da análise do
discurso de oito alvarás, este artigo avalia o peso concedido às diversas categorias
técnicas e morais utilizadas pelos juízes na busca pela legitimação do ato,
destacando que os argumentos biológicos são postos como suporte à argumentação
moral. (DINIZ, 207)

Pelo que se depreende a motivação que leva à concessão do alvará judicial que 78
autoriza a prática abortiva em razão de anomalias fetais e situação psicomoral da mulher é a
fundamentação da decisão judicial, que tem respaldo biotécnico.

17.4 PROCEDIMENTOS DO SUS

A portaria nº 1.508, de 1º de setembro de 2005, que dispõem sobre a Justificação e


Autorização da Interrupção da Gravidez em casos de estupro não estabelece outro requisito autorizador
do aborto além do relato da ofendida ou de quem a legalmente represente. Ainda assim há quem entenda
ser importante que a vítima dirija-se à delegacia e realize um boletim de ocorrência por ser o estupro um
fato criminoso.

PORTARIA Nº 1.508, de 1º de setembro de 2005

Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da


Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe confere o


inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal, e

Considerando que o Código Penal Brasileiro estabelece como requisitos para o


aborto humanitário ou sentimental, previsto no inciso II do art. 128, que ele seja
praticado por médico e com o consentimento da mulher;

Considerando que o Ministério da Saúde deve disciplinar as medidas assecuratórias


da licitude do procedimento de interrupção da gravidez nos casos previstos em lei
quando realizado no âmbito do SUS;
Considerando a necessidade de se garantir aos profissionais de saúde envolvidos no
referido procedimento segurança jurídica adequada para a realização da interrupção
da gravidez nos casos previstos em lei; e

Considerando que a Norma Técnica sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos


Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes não obriga as
vítimas de estupro da apresentação do Boletim de Ocorrência para sua submissão
ao procedimento de interrupção da gravidez no âmbito do SUS, resolve:
79

Art. 1º - O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez


nos casos previstos em lei é condição necessária para adoção de qualquer medida
de interrupção da gravidez no âmbito do Sistema Único de Saúde, excetuados os
casos que envolvem riscos de morte à mulher.

Art. 2º - O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez


nos casos previstos em lei compõe-se de quatro fases que deverão ser registradas
no formato de Termos, arquivados anexos ao prontuário médico, garantida a
confidencialidade desses termos.

Art. 3º - A primeira fase é constituída pelo relato circunstanciado do evento, realizado


pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde do serviço.

Parágrafo único - O Termo de Relato Circunstanciado deverá ser assinado pela


gestante ou, quando incapaz, também por seu representante legal, bem como por
dois profissionais de saúde do serviço, e conterá:

I - local, dia e hora aproximada do fato;

II - tipo e forma de violência;

III - descrição dos agentes da conduta, se possível; e

IV - identificação de testemunhas, se houver.

Art. 4º - A segunda fase dá-se com a intervenção do médico, que emitirá parecer
técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico,
avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que
porventura houver.

§ 1º - Paralelamente, a mulher receberá atenção e avaliação especializada por parte


da equipe de saúde multiprofissional, que anotará suas avaliações em documentos
específicos.

§ 2º - Três integrantes, no mínimo, da equipe de saúde multiprofissional


subscreverão o Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção da Gravidez,
não podendo haver desconformidade com a conclusão do parecer técnico.

§ 3º - A equipe de saúde multiprofissional deve ser composta, no mínimo, por


obstetra, anestesista, enfermeiro, assistente social e/ou psicólogo.

Art. 5º - A terceira fase verifica-se com a assinatura da gestante no Termo de


Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse
Termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade
ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso
não tenha sido vítima de violência sexual.
80

Art. 6º - A quarta fase se encerra com o Termo de Consentimento Livre e


Esclarecido, que obedecerá aos seguintes requisitos:

I - o esclarecimento à mulher deve ser realizado em linguagem acessível,


especialmente sobre:

a) os desconfortos e riscos possíveis à sua saúde;

b) os procedimentos que serão adotados quando da realização da intervenção


médica;

c) a forma de acompanhamento e assistência, assim como os profissionais


responsáveis; e

d) a garantia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos dados confidenciais
envolvidos, exceto quanto aos documentos subscritos por ela em caso de requisição
judicial;

II - deverá ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica, pela gestante


ou, se for incapaz, também por seu representante legal; e

III - deverá conter declaração expressa sobre a decisão voluntária e consciente de


interromper a gravidez. (PORTARIA 1.508/2005, art. 1º a 6º).

17.5 ARGUMENTOS A FAVOR E ARGUMENTOS CONTRA O ABORTO

São muitos os argumentos pros e contras à prática do aborto. Aqueles que são
contrários à prática abortiva argumentam que se a vida é o maior bem e se prepondera sobre
quaisquer outros não há razão alguma que justifique sua interrupção. Afirmam que não se pode
comprovar que portadores de deficiências tenham vida pior e que são os pais que temem
enfrentar os problemas.
Dentre outras coisas dizem que se deficiências físicas ou psíquicas inviabilizassem a
vida seria o caso de se matar aqueles que nascem perfeitos e as adquirem posteriormente. Para
casos de anencefalia, quando se sabe que a vida extrauterina terá tempo limitadíssimo,
argumenta-se que os pais poderiam nesses casos, após viver a experiência de convivência e
cuidado, doar seus órgãos e tecidos para serem transplantados.
Afirma-se que com os avanços científicos não se justifica o aborto para salvar a vida da
gestante, conforme já demonstramos anteriormente quando falávamos do aborto legal. Vejamos
separadamente os elencos de argumentos que rejeitam e que admitem o aborto. 81

17.5.1 Contra o Aborto

a) Há outros meios para se salvar a vida da gestante. Os avanços da medicina podem


possibilitar a garantia de uma gestação próxima da normalidade e salvar a vida de ambos.
b) Não é possível ter-se absoluta certeza de que a gestante iria a óbito. Os
tratamentos possíveis sugerem que a probabilidade maior é a da sobrevivência da mãe, não o
óbito.
c) Pode se causar um risco maior à vida da gestante. O aborto, por ser um
procedimento contra a natureza, poderá acarretar danos irreversíveis para a mulher.
d) A vida da gestante não tem maior valor do que vida do feto. Na verdade não há
colisão entre direitos, pois se tratam de pessoas distintas.
e) Tirar a vida do feto fruto de violência sexual perpetrada contra a mãe não repara o
mal causado. O aborto seria um erro para corrigir outro. Cabe ao estado proporcionar assistência
psicossocial à mulher que poderá encaminhar a criança para doação, se assim o desejar.

17.5.2 A Favor do Aborto

a) O feto é parte do organismo materno e a mulher tem livre disposição de seu corpo.
b) Há no ventre materno apenas protoplasma, que é uma substância indefinida
contendo os processos vitais contidos no interior das células. Não pode haver homicídio onde
não há vida humana, figurando-se aí um crime impossível.
c) Critérios Sociais, Políticos e Econômicos. O aborto justifica-se por razões que porão
em risco a vida da humanidade:

c.1) a superpopulação põe em risco a suficiência de alimentos e gera uma crise de


fome no mundo; 82
c.2) mulheres de baixa renda submetem-se a aborto clandestinamente, arriscando a
vida em lugares precários, sem condições de higiene.
d) Razões de ordem particular do casal ou da gestante:
d.1) questões físicas ou psicológicas que advêm, por exemplo, de incesto ou estupro.
Lembramos aqui que nestes casos a atual lei penal não pune o aborto.
d.2) questões de ordem financeira em razão de os responsáveis pelo sustento,
normalmente os pais, não terem suficientes recursos para manter o filho que vai nascer
principalmente quando já existem outros que também serão prejudicados em suas qualidades de
vida;
d.3) deficiência física ou mental que acometerá o ser vindouro;
d.4) desinformação acerca dos métodos para se evitar a gravidez;
d.5) falha do método contraceptivo utilizado;
d.6) comprometimento da saúde mental materna;
d.7) preservação da saúde física da mãe;
d.8) danos à reputação da mulher ou à sua condição social quando a gravidez é fruto
de relação socialmente reprovada;
e) Rejeição de filho advindo de uma gravidez indesejada pelos pais e que será
maltratado ou abandonado, sujeitando-se a traumas psíquicos.

Apresentamos aqui os argumentos que são costumeiramente mostrados pelos


opositores e pelos defensores da legalização do aborto. Abstivemo-nos de tecer comentários
acerca de cada um deles que importariam na emissão de opinião pró ou contra, já que não é
nosso objetivo no momento. O que é importante no momento é que cada um possa conhecer e
examinar cada argumento à luz dos princípios da bioética e elaborar dentro de si um
entendimento, tendo consciência de que cada um de nós tece seus comentários, emite suas
opiniões com base em suas próprias crenças e regras éticas e morais.
As leis devem, pelo menos em tese, expressar os sentimentos, desejos e modus
vivendi da sociedade que visam ordenar. Recentemente acalorou-se a discussão acerca do
aborto em diversos segmentos sociais, com argumentos prós e contra, por ocasião do Decreto
dos Direitos Humanos. Em 28 de janeiro de 2010 o Jornal O Globo noticiou que “o governo deve
voltar atrás em mais um ponto: a defesa da descriminalização do aborto.” O Ministro da
Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, segundo o periódico citado, afirmou
que “a maneira como o aborto está colocada deve ser reformulada. Ela responde a um ponto de 83
vista das mulheres. Essa é uma bandeira feminista...” Segue ainda a reportagem dizendo:

Segundo o ministro, o trecho que diz “apoiar a descriminalização do aborto” seria


menos polêmico se terminasse aí, mas o complemento “tendo em vista a autonomia
das mulheres para decidir sobre seu próprio corpo” é uma bandeira do movimento
feminista. (JORNAL O GLOBO, 28 de janeiro de 2010).
18 PLANEJAMENTOS FAMILIARES E ESTERILIZAÇÃO HUMANA ARTIFICIAL

O planejamento da família e a esterilização artificial devem ser uma decisão do casal,


cabendo ao Estado a criação de políticas públicas de conscientização da
84
maternidade/paternidade responsável.

18.1 PLANEJAMENTO FAMILIAR

A Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, com escopo de regulamentar o art. 226


Constituição Federal, disciplina o planejamento familiar e no artigo 10 trata da esterilização
voluntária. O Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, dá ao casal a liberdade de
planejar a família.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

TÍTULO VIII

DA ORDEM SOCIAL

Capítulo VII

Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso

Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade


responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito,
vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
(CF/88, art. 226, §7º, grifo nosso).

CÓDIGO CIVIL

Capítulo IX
Da Eficácia do Casamento

Art. 1565 - Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de


consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§2º- O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado


propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado
qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. (CÓDIGO
CIVIL, art. 1565, grifo nosso).

LEI Nº 9. 263, DE 12 DE JANEIRO DE 1996 85


Regula o §7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do Planejamento
Familiar, estabelece as penalidades e dá outras providências. O PRESIDENTE DA
REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Capítulo I

Do Planejamento Familiar

Art. 2º - Para fins desta Lei entende-se planejamento familiar como o conjunto de
ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição,
limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para
qualquer tipo de controle demográfico.

Art. 10 - Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco


anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo
mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período
no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da
fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando
desencorajar a esterilização precoce;

II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em


relatório escrito e assinado por dois médicos.

§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa


manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a
respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua
reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.

§ 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou


aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas
anteriores.

§ 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa


durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de
álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou
permanente.

§ 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada


através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente
aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia.

§ 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento


expresso de ambos os cônjuges.

§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá


ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.

86
Art. 11 - Toda esterilização cirúrgica será objeto de notificação compulsória à
direção do Sistema Único de Saúde.

Art. 12 - É vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática da


esterilização cirúrgica.

Art. 13 - É vedada a exigência de atestado de esterilização ou de teste de gravidez


para quaisquer fins.

Art. 14 - Cabe à instância gestora do Sistema Único de Saúde, guardado o seu nível
de competência e atribuições, cadastrar, fiscalizar e controlar as instituições e
serviços que realizam ações e pesquisas na área do planejamento familiar.

Parágrafo único - Só podem ser autorizadas a realizar esterilização cirúrgica as


instituições que ofereçam todas as opções de meios e métodos de contracepção
reversíveis. (LEI Nº 9. 263/1996, grifo nosso).

O direito ao sexo e à reprodução foi tratado pela primeira vez em 1994 na Conferência
Mundial sobre População e Desenvolvimento e confirmado em 1996 na Conferência
Internacional de Beijing. Com clareza, entendeu-se que o direito à reprodução é direito humano e
a decisão acerca de se ter ou não filhos e o número da prole devem ser daqueles que formam a
família. Não deve ser uma faculdade estatal.

18.2 O QUE SE ENTENDE POR ESTERILIZAÇÃO ARTIFICIAL


Esterilização artificial é o emprego de técnicas, cirúrgicas ou não, que impedirão a
fecundação. A esterilização pode ser feita no homem ou na mulher. É de longa data o uso da
emasculação ou castração com fins diversos, sejam estes terapêuticos, religiosos ou sociais
(demográfico e econômico). A castração ou esterilização pode ocorrer acidentalmente em
procedimentos cirúrgicos quando, por imperícia, o cirurgião secciona o cordão espermático do
paciente. São alguns exemplos de esterilização masculina:
Natural: seria a esterilização congênita, quando inexistem os testículos.
A ablação: técnica de cauterização por radiofrequência não é mais usada e foi 87
substituída pela vasectomia no homem e pela laqueadura, na mulher.
Nenhum dos procedimentos atuais interfere nas práticas sexuais normais e são
científica e legalmente aceitos.

18.3 MATERNIDADE E PATERNIDADE RESPONSÁVEL

As políticas públicas devem ter por meta a conscientização do exercício do direito à


maternidade e à paternidade. O Estado tem o dever de esclarecer e propiciar os meios
adequados para que cada cidadão tenha respeitada sua dignidade e possa exercer sua
autonomia no tocante à decisão de ter ou não filhos.
Tem-se a responsabilização do casal, não só da mulher, quanto à decisão de ter filhos
e de usar, ou não, os métodos contraceptivos, sem interferências externas. O que se quer
preservar aqui é o direito a ter um filho. Ao exercer seus direitos sexuais e reprodutivos o casal,
ou o indivíduo, estará comprometendo-se com as necessidades do filho gerado. A cada direito
corresponde uma obrigação. A liberdade de procriar requer que se assuma a responsabilidade
pela prole.

18.4 DIREITO À DESCENDÊNCIA

O casal sem possibilidades de procriar em razão de esterilidade de um dos cônjuges


ou de ambos também tem direito à descendência. É certo que essa impossibilidade de
procriação tem diferentes efeitos em cada um e pode ser fator de desencadeamento de
distúrbios psíquicos que precisam ser observados pelo poder público como questão de saúde,
pois interfere na autoestima e, consequentemente, nas relações sociais.

Muitas vezes, casais com problemas de infertilidade decidem por adotar uma criança
com a finalidade de suprir sua frustração com sua impossibilidade de procriar, ficando aquela
criança com a enorme responsabilidade de ocupar espaços em transtornos emocionais. A Lei
88
12.010, de 3 de agosto de 2009, Lei Nacional de Adoção (LNA), trouxe modificações ao Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), ficando o §3º do Art. 50 com a seguinte redação:

Art. 50 - A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um


registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de
pessoas interessadas na adoção.

§3º - A inscrição dos postulantes à adoção será precedida de um período de


preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da
Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis
pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.
(ECA, art. 50, §3º, grifo nosso).

É de suma importância esse momento de preparação, quando o casal ou indivíduo


que postula adoção tem oportunidade de rever os reais motivos que lhe moveram para tal
decisão. Temos notícias de que muitas vezes as pessoas desistem ou adiam o momento da
adoção quando tomam consciência da realidade do convívio em confronto com suas pretensões
e expectativas. Tudo o que se quer com tais cuidados é se evitar as frequentes devoluções das
crianças adotadas e que geram abalos na saúde psíquica da criança, da família e da sociedade.
19 RESUMO

A ciência esquece muitas vezes de que seu fim último é o bem-estar e a felicidade do
ser humano, entendendo-se como um fim em si tornar a pessoa um objeto a ser pesquisado
quando, na verdade, a pessoa é o sujeito da pesquisa e possível beneficiado pelo resultado. Os
avanços da biotecnologia terminam por trazer ao contexto social situações antes inimagináveis 89
que reclamam do ordenamento jurídico novas soluções para novos conflitos de interesses.

Historicamente, os princípios e valores éticos são trazidos para as práticas biomédicas


na década de 70 do século 20, quando foi criado o termo bioética. A bioética está dividida em
microbioética, que faz parte dos nossos estudos, e macrobiética, que trata do tema também
muito atual que é o meio ambiente. Foram conceituados os princípios bioéticos: Autonomia,
Beneficência, Não Maleficência e Justiça, que são orientadores do Biodireito.

Depois vimos as regras do nosso ordenamento jurídico, no qual está plasmado o


primado da vida expresso em normas que tratam do direito à vida desde a concepção, passando
pelos direitos maternos. A prática do aborto foi comentada sem partidarismo. Foram feitos
também alguns comentários acerca da maternidade/paternidade responsável e do direito à
descendência.
20 SAÚDE FÍSICA E MENTAL - EXPRESSÃO DA DIGNIDADE HUMANA

Vimos nos módulos anteriores as regras do nosso ordenamento jurídico que tem como
princípio a dignidade do homem e o direito à vida, o maior bem que temos a resguardar. A 90
saúde, em seu sentido pleno, é um estado onde a vida acontece em sua plenitude e o ser
humano pode expressar todo o seu potencial transformador. Os princípios bioéticos orientadores
do biodireito devem nortear a elaboração e a hermenêutica da lei para que o primado da vida
prepondere e possamos responder aos anseios humanos sintonizados com o paradigma do
milênio.

Lembramos agora a conceituação de saúde conforme consta do preâmbulo da


Constituição da Organização Mundial de Saúde, preconizando a observação dos princípios para
a felicidade dos povos, a harmonia das relações e a segurança: “Saúde é um estado de
completo bem-estar físico, mental e social e não consiste apenas na ausência de doença ou de
enfermidade”. (OMS, 1946).

Estabelece ainda a saúde como direito fundamental do ser humano: “Gozar do melhor
estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser
humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social”.
(OMS, 1976). E responsabiliza os governos pelo estabelecimento de medidas sociais e
sanitárias com vistas ao alcance do bem-estar almejado: “Os governos têm responsabilidade
pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas
sanitárias e sociais adequadas”. (OMS, 1976).

20.1 DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE


O Estado brasileiro, como signatário da Constituição da OMS, não poderia se abster da
responsabilização pela saúde coletiva. A Constituição Federal, ao tratar da Ordem Social, no
capítulo que dispõe sobre a Seguridade Social, na seção II, dedica os artigos de 196 a 200 à
saúde. No artigo 196, a Constituição Federal trata do direito à saúde e do dever do Estado de
prever e prover os meios de alcançá-la, mantê-la ou recuperá-la.

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
91
ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (CF/88, art. 196).

Os artigos 197 a 200 da Constituição Federal cuidam das ações que efetivamente
tornam realidade os serviços idealizados nas políticas públicas de saúde e que são fundamentais
para que se alcance a paz social. Os profissionais de saúde comprometem-se ética e
juridicamente com o atendimento ao cliente, visto ser a saúde um direito humano.

O financiamento da saúde e a distribuição dos recursos públicos a ela designados


devem ser equitativos. Os cuidados com a saúde não podem depender de variáveis
mercadológicas e deve prevalecer o princípio da equidade, isto é, deve-se tratar desigualmente
aos desiguais. Paga mais quem tem melhores condições econômico-financeiras e todos devem
ter direito à assistência de boa qualidade, inclusive os desfavorecidos social, econômica e
culturalmente.

Para a promoção e manutenção da saúde urge que se dê especial atenção aos


cuidados básicos de saúde.

E observou ainda o citado debatedor: “A saúde precisa assumir um pacto, no caso, o


pacto pela vida, pela defesa do SUS e pela gestão. O grande desafio é fazer com que esses
pactos se efetivem”. O que se depreende então de tal conceituação é que não se confundem
“Atenção Básica” e “Assistência Primária” e pode-se concluir também que esta está incluída
naquela, pois está compreendida nas práticas de prevenção e promoção da saúde.

A gestão passa pela seguinte e angustiante questão: para que se efetivem tais práticas
trabalha-se com previsão de custos e alocações de recursos. Como resolver questões
emergentes em face do surgimento de novas tecnologias para diagnóstico e terapêutica de alto
custo, que extrapolam o poder aquisitivo das pessoas, e estão além da possibilidade de
financiamento pelo estado? Está implicitamente compreendido no direito à vida o uso de
sofisticada aparelhagem e medicamentos de última geração, disponíveis em qualquer parte do
mundo, custe o que custar?

92
20.2 O BIOPODER: A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA E A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

Muito se tem discutido acerca da “Medicalização da Vida” e da “Judicialização da


Saúde”. E qual o significado dessas duas expressões? E por que “biopoder”? Biopoder foi
expressão usada por Michel Foucault para expressar o domínio das biotécnicas sobre o corpo. É
a biologia comandando a biografia. É o entendimento do corpo como sendo a única expressão
do humano e a criação de rígidos padrões de cultura do físico.

Surgem inúmeras fórmulas de longevidade. Há pílulas para todas as dores. Panaceias


para males jamais sentidos, mas que estão na ordem do dia. Sofisticados aparelhos
diagnosticam males cujos sintomas não foram sentidos e para os quais são ingeridas drogas
preventivas. Medicalizou-se a vida. O fenômeno é mundial. O jornal The New York Times
publicou matéria traduzida tratando dessa questão e que foi traduzida por Daniel de Menezes
Pereira.
Transcrevemos abaixo trechos do artigo “Epidemia de Diagnósticos”, de Gilbert Welch,
da University of California Press, e Lisa Schwartz e Steven Woloshin, pesquisadores seniores:

Para a maioria dos americanos, a principal ameaça à saúde não é a gripe aviária, a
febre do Nilo ou o mal da vaca louca. Mas sim o próprio sistema de saúde. A maior
ameaça apresentada pela medicina americana é o fato de cada vez mais estarmos
nos afundando nesse sistema, não por uma epidemia de doenças e sim por uma
epidemia de diagnósticos.

Apesar de os americanos viverem mais do que nunca, cada vez mais nos falam que
estamos doentes. Essa epidemia é uma ameaça à saúde e tem duas fontes distintas.
Uma delas é a “medicalização” da vida cotidiana. A maioria de nós passa por
sensações físicas ou psicológicas desagradáveis que, no passado, eram
consideradas como parte da vida. No entanto, hoje tais sensações são consideradas,
cada vez mais, como sintomas de doenças.
Eventos como insônia, tristeza, inquietação de pernas e diminuição do apetite sexual,
hoje, se transformam em diagnósticos: distúrbio do sono, depressão, síndrome de
pernas inquietas e disfunção sexual. Conselhos de especialistas, constantemente,
expandem os conceitos de doenças: todos os valores de referência para o
diagnóstico de diabete, hipertensão, osteoporose e obesidade caíram nos últimos
anos.

O critério utilizado para considerar o nível de colesterol normal despencou múltiplas


vezes. Com estas mudanças, doenças agora são diagnosticadas em mais da metade
da população. Ninguém deveria adotar a conduta de transformar pessoas em
pacientes, ainda que sem gravidade. Isto gera grandes prejuízos. O fato de rotular
pessoas como doentes pode deixá-las ansiosas e vulneráveis, em especial as
crianças. Mas o principal problema é que a epidemia de diagnósticos conduz a uma
epidemia de tratamentos. 93
Nem todos os tratamentos têm reais benefícios, mas quase todos podem ter
prejuízos. Algumas vezes os prejuízos são conhecidos, no entanto, frequentemente
os prejuízos de algumas terapias levam anos para serem descobertos, após muitas
pessoas já terem sido expostas aos malefícios. Além disso, para pacientes rotulados
como “predispostos” ou de “grupos de risco” que estão destinados a permanecer
saudáveis o tratamento só pode causar prejuízos.

A epidemia de diagnósticos tem muitas causas. Mais diagnósticos significa mais


dinheiro para a indústria farmacêutica, hospitais, médicos e advogados.
Pesquisadores e até mesmo organizações federais de medicina asseguram suas
posições (e financiamentos) promovendo a descoberta de “suas” doenças.
Preocupações médico-legais também conduzem à epidemia.

Se por um lado uma falha no diagnóstico pode ser objeto de uma ação judicial, por
outro não existe qualquer punição para diagnósticos exacerbados. Além disso, o que
os clínicos menos têm dificuldade de fazer é diagnosticar desenfreadamente, mesmo
quando existem dúvidas de se diagnosticar, ou não, realmente vai ajudar nossos
pacientes. Desta forma, quanto mais nos falam que estamos doentes, menos nos
dizem que estamos bem. As pessoas precisam ponderar sobre os riscos e benefícios
da ampliação de diagnósticos.

A questão principal a ser enfrentada é sobre ser ou não um paciente. E os médicos


precisam relembrar o valor que tem ou não um paciente e assegurar a uma pessoa
que ela não está doente. Talvez se devesse começar a estudar uma nova medida de
saúde: a proporção da população que não precisa de cuidados médicos. E as
instituições nacionais de saúde poderiam propor uma nova meta para os
pesquisadores: reduzir a demanda de serviços médicos, ao invés de aumentá-la.

Como podemos ver a medicalização da vida está globalizada, pois coincide com a
multinacionalização da indústria farmacêutica e de materiais e equipamentos de saúde.
E é justamente a medicalização da vida, a sensação de que nos é imprescindível todo
esse aparato da biotecnologia, a urgência de consumir os mais novos e mais caros
medicamentos, a ter necessidade dos mais novos aparelhos de diagnóstico, como se fossem a
única e derradeira chance de viver, que nos induziu a recorrer ao Judiciário e instaurarmos a
Judicialização da saúde. Com respaldo no dispositivo constitucional que garante a todos o
acesso à saúde, com o dever do Estado de proporcionar tal acesso, conforme transcrito abaixo:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
TÍTULO VIII
DA ORDEM SOCIAL
Capítulo I
Disposição geral
Art.193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais.

Capítulo II
DA SEGURIDADE SOCIAL
94
Seção II
Da Saúde
Art.196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (CF/88, art. 193 e 196).

O Poder judiciário tem sido chamado a intervir nos serviços de saúde para que obrigue
o ente público a prestar o atendimento conforme a prescrição médica, seja para a compra de
caros medicamentos, geralmente novidades no mercado, seja para o pagamento de sofisticados
exames. De modo geral, impressiona ao Judiciário o pedido do requerente e suas alegações de
necessidade a certa prestação de responsabilidade do Estado e o descumprimento da obrigação
por parte deste.
Por outro lado, não tocam ao órgão judicante as alegações da Administração Pública
de sua impossibilidade, pelo menos momentânea, de prover as medidas por escassez de
recursos materiais, financeiros e/ou humanos. O que acontece a partir daí são sérios problemas
de gerenciamento de verbas públicas, pois a administração para cumprir as determinações
judiciais precisa retirar os recursos destinados a outros projetos, também importantes, para o
pagamento de valores exorbitantes. É um conflito entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo.
Queixa-se a Administração Pública que as decisões judiciais que se fundamentam na
garantia do direito à saúde não atentam para a escassez material e para as áreas, também
importantes, da saúde coletiva que ficarão desfalcadas de recursos com o desvio de verbas
orçamentárias para o cumprimento da decisão judicial, além de ferir o princípio da separação dos
poderes estatais, pois cabe ao Legislativo a destinação orçamentária e é tarefa do Executivo a
administração da verba que lhe foi destinada, não sendo cabível a interferência do Judiciário.
É bem verdade que o Estado tem deixado a desejar no cumprimento de seu dever
constitucional de assegurar a saúde. Mas não é menos verdade que saúde é muito mais do que
atendimento farmacêutico e hospitalar. Obviamente a população pode e deve lutar por melhor
atendimento médico, por acesso a medicamentos e exames, mas saúde é muito mais do que
isso. Não se pode ficar a mercê do poder do mercado de medicamentos e de aparelhos
sofisticados.
Lembremos a definição da OMS: “estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade.” (grifo nosso)
Nossa busca por saúde junto ao poder público não deve se restringir apenas aos métodos
curativos – sejam eles cirúrgicos, medicamentosos ou diagnósticos –, mas também e até
principalmente reivindicar medidas preventivas de saneamento básico, de vigilância sanitária, de
lazer, educação e segurança. Fatores primordiais para nossa saúde mental e social. 95
Se observarmos apenas os dispositivos iniciais da Lei 8.080, de 19 de setembro de
1990, que trata do Sistema Único de Saúde, já temos subsídios importantes para reivindicarmos
do Poder Público a implementação das condições mínimas necessárias para o alcance coletivo
da saúde. Temos lei para tanto, falta-nos programas educativos para o exercício da cidadania.

LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.

Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a


organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu


sanciono a seguinte lei:

DISPOSIÇÃO PRELIMINAR

Art. 1º - Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde,
executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por
pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado.

TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2º - A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover


as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de


políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de
outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal
e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da


sociedade.
Art. 3º - A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e
serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País. (grifamos)

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do
disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade
condições de bem-estar físico, mental e social. (LEI Nº 8.080/1990, art. 1º a 3º,
grifo nosso).

96
É importante sabermos como vem sendo tratado o assunto pelos especialistas que
vivenciam na sua prática as questões da judicialização da saúde. No VII Seminário do Projeto
Integralidade: saberes e práticas no cotidiano das instituições de saúde, realizado na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2008, onde se discutiu o tema
“Razões públicas da integralidade em saúde: o cuidado como valor”, abordando ética e saúde,
foi abordado por especialistas o biodireito e a judicialização da saúde.

A Dra Élida Seguin, defensora pública e diretora da Escola Superior do Instituto


Brasileiro de Administração Pública do Rio de Janeiro (IBAP-RJ), tratando da legislação
referente aos direitos sociais na saúde e pontuando a abrangência do conceito de saúde da Lei
8.080/90, observou que a saúde é a condição de bem-estar físico, mental e social. É influenciada
pela qualidade de moradia, trabalho e alimentação do indivíduo. Questões ambientais podem
gerar patologias.

A defensora fez ainda observações acerca da relação terapêutica como uma relação
de consumo que dá ao paciente o direto de obter informações sobre a composição dos
medicamentos, tendo o médico o dever de respeitar: “Os direitos dos pacientes cobram dos
profissionais de saúde uma dimensão ética e jurídica”, comentou. E ainda tratando dos direitos
do paciente (ou cliente), referiu-se à necessidade de seu consentimento livre e esclarecido para
que possa vir a ser submetido a intervenções e seu acesso ao prontuário. Falou também da
necessidade de se promoverem campanhas de esclarecimentos.

No mesmo evento, a representante do Ministério Público Anabelle Macedo, tratando da


judicialização da saúde, afirmou que hoje este termo não é um “monstro”, nem uma “salvação”,
mas é necessário enfrentar as obrigatoriedades. Atualmente, existe uma média de 300 ofícios
em tramitação, que precisam ser priorizados. Defendemos a juridificação e não a judicialização,
ou seja, antes de virar sentença, é necessário buscar o diálogo e ajustamento de condutas.
Como podemos observar, a promotora propõe uma modificação terminológica de
judicialização para juridificação da saúde. E, segundo a Dra Roseni Pinheiro, médica sanitarista,
doutora em saúde coletiva e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, dentre
outros títulos que respaldam o reconhecimento da sua autoridade no assunto, o termo
juridificação em substituição à judicialização foi objeto de intenso estudo em exame sob sua
coordenação no Laboratório de Pesquisa sobre Prática de integralidade em Saúde (LAPPIS).

Para nós o que importa saber é que não se trata tão somente de uma modificação
97
terminológica, mas de uma transformação de atitude, de um ajustamento de condutas, de uma
direção harmônica das questões que chegam ao judiciário em razão de descumprimento, pela
Administração, de seu dever de promoção e manutenção da saúde.

20.3 DIREITO SANITÁRIO

O Direito Sanitário nasce como resposta aos anseios sociais pela efetivação do direito
à saúde. Seus fundamentos extrapolam os limites da ciência jurídica e respaldam-se em uma
visão multidisciplinar da saúde. A afirmação das regras de direito sanitário no ordenamento
jurídico brasileiro acontece a partir da promulgação da Constituição de 1988, que tem no art. 194
a expressão da dimensão dada à saúde para a sociedade brasileira.

DA ORDEM SOCIAL

Capítulo II

Da Seguridade Social

Seção I

Disposições Gerais

Art. 194 - A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de


iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo Único - Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social com base nos seguintes objetivos:

I- universalidade da cobertura e do atendimento;

II- uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e


rurais;

III- seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV- irredutibilidade do valor dos benefícios;

V- equidade na forma de participação no custeio;


98
VI- diversidade de base de financiamento;

VII- caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão


quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (CF/88, art. 194, grifo nosso).

Verificamos então que a Constituição Federal consagra como fundamento da


seguridade social os princípios da universalidade da cobertura e do atendimento; da
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços; da seletividade e distributividade; da
irredutibilidade do valor do benefício; da equidade na forma de participação no custeio; da
diversidade de financiamento; do caráter democrático e descentralizado da administração.

Veremos de modo rápido e simples a significação de cada princípio para melhor


compreendermos a importância dada pela constituição à saúde como direito social. Em primeiro
lugar, o que é Seguridade Social? Podemos entender como aquele conjunto de ações, tanto do
poder público quanto da sociedade, com vistas à garantia dos direitos à saúde da população, do
direito à assistência e à previdência.

Princípios constitucionais da seguridade social:

1 - Universalidade da Cobertura e do Atendimento

Vamos primeiramente fazer uma separação diferencial entre universalidade da


cobertura e universalidade do atendimento. A universalidade da cobertura é objetiva, refere-se a
eventos que ensejam a necessidade de cobertura, refere-se a fatos, como por exemplo, a
maternidade, a velhice; a doença; a invalidez; acidentes; a morte. A universalidade de
atendimento e subjetiva faz referência aos sujeitos que têm necessidade do atendimento e que
serão, indistintamente, atendidos.

Não se pode, porém, confundir a Previdência Social com a Seguridade Social, esta
engloba aquela, mas a previdência tem caráter contributivo, ou seja, seus benefícios dependem
de contribuição para serem usufruídos. Dessa forma, será fácil compreendermos a aplicação do
99
benefício no que se refere à Assistência Social e à Saúde, que independem de contribuição.
Haverá estranheza apenas no que se refere à Previdência Social que, por seu caráter
securitário, depende de contribuição.

No caso da Previdência, o princípio da universalidade é aplicado no que se refere à


garantia de participação de todos que assim desejarem. Em resumo, o princípio da
universalidade vem afirmar que políticas sociais e econômicas deverão garantir o acesso de
todos às ações e aos serviços que têm por finalidade promover, proteger e recuperar a saúde
em consonância com o art. 194 da Constituição Federal, cujo teor encontra-se supratranscrito.

Apenas para consolidar nossos entendimentos, o Ministério da Previdência Social


define Previdência Social como o seguro social para a pessoa que contribui. É uma
instituição pública que tem como objetivo reconhecer e conceder direitos aos seus segurados. A
renda transferida pela Previdência Social é utilizada para substituir a renda do trabalhador
contribuinte, quando ele perde a capacidade de trabalho, seja pela doença, invalidez, idade
avançada, morte e desemprego involuntário, ou mesmo a maternidade e a reclusão. (grifo
nosso).

2 - A Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços às Populações Urbanas e


Rurais

Em primeiro lugar vamos nos familiarizar com a diferenciação entre a conceituação dos
termos Benefícios e Serviços. Benefícios são as prestações pecuniárias e os Serviços são
prestações imateriais disponibilizadas a todos indistintamente, como os serviços de saúde, por
exemplo. A uniformidade e equivalência das prestações às populações urbanas e rurais quer
dizer que não poderá haver diferença de tratamento entre o usuário urbano e rural, significando a
“equivalência” que os benefícios terão na mesma modalidade de cálculo. Os benefícios não
serão iguais, mas equivalentes.

3 - Seletividade e Distributividade na prestação dos Benefícios e Serviços

100
Todos têm necessidades sociais a serem satisfeitas. O princípio da universalidade é o
fundamento da justa petição que fazemos ao Estado para que venha nos suprir em nossas
necessidades sociais objetivas. Sabemos, entretanto, que os recursos públicos são escassos e
impedem que todas as necessidades de todas as pessoas sejam sempre atendidas. A solução
para a administração e otimização dos recursos disponíveis é fazer a seleção das necessidades
e distribuir os recursos da melhor forma.

O princípio da seletividade orienta então para a seleção de ações e prestações que


venham atender da melhor forma aos objetivos da Seguridade Social, que são o bem-estar e a
justiça social, conforme consignado no art. 193 da Constituição Federal que já transcrevemos
alhures. É com base no princípio da seletividade que se selecionam as ações que serão
implementadas. A distributividade é um princípio que se refere às pessoas a quem serão
concedidos os benefícios com vistas ao almejado bem-estar e à justiça social. O princípio da
distributividade conduz à seleção das pessoas a quem serão concedidos os benefícios e
serviços disponibilizados dentro da medida do possível.

4 - Irredutibilidade do Valor dos Benefícios

O princípio da irredutibilidade quer dizer que o benefício legalmente concedido não


poderá ter seu valor nominal reduzido, o que não garante a manutenção do valor real. Por isso o
legislador constitucional tratou da irredutibilidade do valor real no art. 201, §4º da CF e no art. 58
do ADCT. Transcreveremos.

DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei, a:

4º - É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter


permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei. (CF/88, art. 201, §4º).

ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Art. 58 - Os benefícios de prestação continuada, mantidos pela Previdência Social na


data da promulgação da Constituição, terão seus valores revistos, a fim de que seja 101
restabelecido o poder aquisitivo, expresso em número de salários mínimos, que
tinham na data da sua concessão, obedecendo-se a esse critério de atualização até
a implementação de custeio a benefícios referidos no artigo seguinte. (ADCT, art.
58).

São princípios que dizem respeito diretamente à Previdência Social. A Lei 8.142, de
28 de dezembro de 1990, ao tratar da participação da sociedade na gestão do Sistema Único de
Saúde (SUS), institui os Conselhos de Saúde.

LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990

Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde


(SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área
da saúde e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e


eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1° - O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de


setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções
do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:

I - a Conferência de Saúde e

II - o Conselho de Saúde.

§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente deliberativo, órgão colegiado


composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais
de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução
da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos
e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente
constituído em cada esfera do governo. (LEI nº 8.142/1990, art. 1º, §§ 1º e 2º, grifo
nosso).
Os Conselhos de Saúde têm atribuições deliberativas acerca das políticas de saúde,
das diretrizes de elaboração dos planos de saúde, além de atuarem como órgãos de consulta no
planejamento do SUS. Propõem parâmetros assistenciais, controlam a assistência privada,
fiscalizam a movimentação de recursos, além de, entre outras atribuições, acompanharem o
processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área da saúde.

As políticas de organização do sistema de saúde devem observar aos princípios


bioéticos da beneficência, da não maleficência, da autonomia e da justiça. A “equidade”, o
102
“respeito à dignidade humana”, são princípios constitucionais que precisam também embasar as
políticas públicas de saúde. O direito sanitário preocupa-se com a saúde pública e prioriza a
prevenção de doenças, visando à melhoria das condições biopsíquicas da coletividade. Tem o
olhar voltado para as medidas de saneamento básico. Tem como meta a melhoria das condições
de vida, em todos os aspectos: habitação, alimentação, lazer, humanização das relações de
trabalho, solidariedade entre as pessoas.
21 O DIREITO À SAUDE MENTAL

No Módulo I, quando falamos dos direitos da personalidade, dissemos que a pessoa


deve ser o centro da tutela dos bens. A pessoa será sempre sujeito, nunca objeto de direito. 103
Todos devem respeitar os direitos da personalidade e os limites dos direitos de cada um será
sempre o direito do outro. Devemos, portanto, nos abster da prática que possa ser lesiva aos
direitos da personalidade de outrem.

A integridade da estrutura psíquica é direito da personalidade, cabendo a todos o dever


de respeitá-la. As ofensas à integridade psíquica podem ser muito sutis. Ações ou omissões,
atos repressivos, podem agredir a sanidade mental de alguém. Quem causa danos à sanidade
mental de outrem pode ser responsabilizado penal e civilmente. A família e o Estado têm o dever
de zelar por aquele que é acometido de enfermidade mental.

A Lei 9.867, de 10 de novembro de 1999, que trata da criação de cooperativas sociais,


inclui as pessoas acometidas de enfermidades e deficiências psíquicas como sujeitos de
programas socioeducativos com vistas a integrá-las ao convívio social.

LEI No 9.867, DE 10 DE NOVEMBRO DE 1999.

Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à


integração social dos cidadãos, conforme especifica.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e


eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o - As Cooperativas Sociais, constituídas com a finalidade de inserir as pessoas


em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, fundamentam-se
no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a
integração social dos cidadãos, e incluem entre suas atividades: (grifamos)

Art. 2o - Na denominação e razão social das entidades a que se refere o artigo


anterior, é obrigatório o uso da expressão “Cooperativa Social”, aplicando-se-lhes
todas as normas relativas ao setor em que operarem, desde que compatíveis com os
objetivos desta Lei.

Art. 3o - Consideram-se pessoas em desvantagem, para os efeitos desta Lei:


II – os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de
acompanhamento psiquiátrico permanente e os egressos de hospitais psiquiátricos;

III – os dependentes químicos. (LEI nº 9.867/1999, art. 1º a 3º, grifo nosso).

A Constituição Federal brasileira, tal como as legislações de todo o mundo civilizado,


consagra o respeito à integridade mental. Em vários dispositivos constitucionais está clara a
intenção de proteger a inteireza da saúde psíquica da pessoa. Vejamos:
104

TÍTULO II

DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Capítulo I

Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

III- ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem da pessoa,


assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;

XLIX- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

LVI- são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (CF/88, art.
5º).

Não se admite, portanto, a produção de provas por meios de atos constrangedores.


Não são admissíveis exames contra a vontade da pessoa, a menos que haja prevalência do
interesse público por razões de ordem sanitária. O Código Penal brasileiro em diversos
dispositivos tipifica e pune condutas que firam a integridade psíquica de outrem.

Lesão corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 2º - Se resulta:
II - enfermidade incurável;
Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais
grave.
Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de
lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer
o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Sequestro e cárcere privado
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção,
grave sofrimento físico ou moral: 105
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. (CÓDIGO PENAL, art. 129, 132, 146,
148).

Sempre que um dispositivo legal faz referência à saúde nos remete a definições de
saúde da Organização Mundial da Saúde, ao dispositivo constitucional brasileiro e às
disposições legais de nosso ordenamento jurídico que a conceituam. Se a saúde é um completo
bem-estar físico e psíquico toda ação que venha a causar danos moral ou patrimonial a alguém
dará origem à responsabilidade civil ou penal.
Afecções mentais são perturbações que atingem as faculdades psíquicas de alguém.
Juridicamente, aquele que está afetado em suas faculdades mentais não poderá gerir a própria
vida nem administrar seus bens. Tais perturbações podem ser congênitas ou adquiridas e, sejam
quais forem as causas dos transtornos psíquicos o portador de doença mental deverá ser
adequadamente tratado. Medicamentos ou técnicas não podem lhe produzir alterações artificiais
da personalidade, intimidá-lo pela dor ou pela emoção, com indução comportamental.
A autonomia da pessoa afetada por transtornos psíquicos é legalmente limitada.
Estigmatizado, o portador de afecção mental tem sua fala e suas ações creditadas à moléstia e
valem como sintomas. Os profissionais da saúde, psiquiatras, psicólogos, tornam-se seus
intérpretes com a aprovação familiar e do órgão judicante. Aquele que é atingido pela
enfermidade psíquica está sujeito aos saberes/poderes da biociência.
O que não se pode admitir e que tal sujeição signifique desrespeito ao ser humano. O
grau de liberdade e autonomia que deve adequar-se ao seu nível de compreensão e os limites
serão o respeito à sua própria dignidade, à liberdade e aos direitos alheios. Entretanto, é
necessária atenção redobrada para que sob o manto da proteção não esteja subjacente o
preconceito.
A Lei 10.216 trata dos direitos da pessoa portadora de transtornos mentais e sua
inclusão social. Transcrevemos abaixo os dois primeiros artigos do diploma legal mencionado:
LEI Nº 10.216 DE 04 DE JUNHO DE 2001
Art. 1º - Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental de
que trata essa lei são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à
raça, cor sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade,
família recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2º - Nos atendimentos de saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único - São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II- ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na 106
comunidade;
III- ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV- ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V- ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade
ou não de sua internação involuntária;
VI- ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII- receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII- ser tratada em ambiente terapêutico e pelos meios menos invasivos possíveis;
IX- ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. (LEI nº
10.216/2001, art. 1º e 2º).

Ainda na esteira de integração social do portados de afecção mental, a Lei nº 10.708,


de 31 de julho de 2003, institui o Auxílio Reabilitação Psicossocial para pacientes acometidos de
transtornos mentais egressos de internações.

Art. 1º - Fica instituído o Auxílio Reabilitação Psicossocial para assistência,


acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes
acometidos de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades
psiquiátricas, nos termos desta Lei.
Parágrafo único - o auxílio é parte de um programa de ressocialização de pacientes
internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado “De Volta Para
Casa”, sob coordenação do Ministério da Saúde. (LEI nº 10.708/2003, art. 1º).

21.1 TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO E BIOÉTICA

Estaremos falando aqui do tratamento psiquiátrico involuntário, ou seja, aquele em que


o paciente é impelido a fazer, sem seu consentimento ou até mesmo contra sua vontade.
Quando se considera legítimo o tratamento psiquiátrico à revelia da vontade do paciente. De
acordo com a Lei nº 10.216/2001, a que já nos referimos anteriormente, apenas quando
estiverem esgotadas as possibilidades de tratamento extra-hospitalar.

Art. 4º - A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os


recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§1º - o tratamento visará, como finalidade permanente, à reinserção social do
paciente em seu meio. (LEI nº 10.216/2001, art. 4º).

São comuns, e socialmente aceitos, os tratamentos e internações psiquiátricas mesmo


contra a anuência do paciente já que, de modo geral, não se sabe como lidar com as 107
imprevisibilidades das atitudes do doente, com a agressividade e a possibilidade de
agravamento do quadro caso não haja acompanhamento médico adequado. O diploma legal
mencionado enumera as situações em que se admite o tratamento psiquiátrico involuntário.

Art. 6º - A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico


circunstanciado que caracteriza os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I- internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II- internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário;
III- internação compulsória: aquela determinada pela justiça. (LEI nº 10.216/2001, art.
6º).
Fica o paciente submetido ao entendimento do médico acerca de seu destino. A
decisão do juiz, ainda que não esteja adstrita ao laudo, provavelmente o acatará em face da
delicadeza da situação e do manejo do conhecimento próprio da medicina. O tratamento
involuntário tem por escopo a oportunidade de se minorar as crises de agitação do paciente com
assistência especializada e adequada.
Mesmo nos casos em que se admite o tratamento e internação involuntária há pontos
que devem ser observados para a manutenção da dignidade, como por exemplo, o estímulo ao
cuidado pessoal, a manutenção do asseio e o contato com os outros. Abolição da repressão
física. A internação compulsória é autorizada pelo Estado quando há riscos para o próprio
paciente ou para outrem como, por exemplo, a presença de tendências suicidas ou propensão
ao homicídio.

Art. 9º - A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente,


pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do
estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e
funcionários. (LEI nº 10.216/2001, art. 9º).

Não estão descartadas as possibilidades de o próprio doente decidir sobre o seu


tratamento.
Art. 11 - Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser
realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante
legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao
Conselho Nacional de Saúde. (LEI nº 10.216/2001, art. 11).

No tratamento do doente mental muitas vezes é tênue a linha divisória entre a atenção
e o cuidado e a restrição de sua autonomia. A Resolução nº 1407/94 e nº 1.598/2000 do
Conselho Federal de Medicina adotaram os Princípios para Proteção de Pessoas Acometidas de
108
Transtorno Mental, aprovados em 1991 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Texto este
também acolhido pela Lei 10.216/2001, que já apresentamos acima.
O que se depreende dos textos mencionados é a preocupação com o respeito à
dignidade do paciente psiquiátrico que deve receber tratamento humanitário sempre com vistas à
preservação e aumento da sua autonomia. São vastas as situações, além das já comentadas,
onde se faz imprescindível a observação dos princípios bioéticos e a atuação do biodireito.
Temos priorizado – e vamos prosseguir ainda nesse diapasão – situações que se repetem
rotineiramente e que merecem nossa reflexão, nossa atenção e nosso cuidado.
22 IMPLICAÇÕES ÉTICAS E LEGAIS DAS TRANSFUSÕES SANGUÍNEAS

A transfusão sanguínea talvez seja o modo mais comum de transplante de tecido, daí
que porque decidimos por tratar dessa modalidade de atendimento à saúde física antes de
chegarmos aos transplantes. Deixamos para agrupar posteriormente as mais técnicas mais
109
complexas. Pode ser decisiva no salvamento de uma vida, mas como todo procedimento que
envolve a vida e a saúde tem riscos e cuidados importantes que precisam ser observados.
As “Boas Práticas”, expressão utilizada para definir o modo correto de atuação
profissional, são de especial importância nos cuidados com a saúde, inclusive com a
hemotransfusão. A importância da coleta e da transfusão sanguínea fez com que sua prática
fosse incluída no dispositivo constitucional do §4º do art. 199 da Constituição Federal:

SEÇÃO II
Da Saúde
Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo o tipo de comercialização. (CF/88, art. 199, §4º,
grifo nosso).

A Lei 10.205 veio complementar o dispositivo constitucional.

LEI 10.205/01, de 21 de março de 2001,


Regulamenta o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta,
processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e
derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução
adequada dessas atividades e dá outras providências.
TÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta,
processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, de seus
componentes e derivados, vedada a compra, venda ou qualquer outro tipo de
comercialização do sangue, componentes e hemoderivados, em todo o território
nacional, seja por pessoas físicas ou jurídicas, em caráter eventual ou permanente,
que estejam em desacordo com o ordenamento institucional estabelecido nesta Lei.

Capítulo II
DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES

Art. 14 - A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados rege-se


pelos seguintes princípios e diretrizes:

I- universalização do atendimento à população;

II - utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo


ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e
compromisso social;

III - proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue;

IV - proibição da comercialização da coleta, processamento, estocagem, distribuição


110
e transfusão do sangue, componentes e hemoderivados;

V - permissão de remuneração dos custos dos insumos, reagentes, materiais


descartáveis e da mão de obra especializada, inclusive honorários médicos, na forma
do regulamento desta Lei e das Normas Técnicas do Ministério da Saúde;

VI - proteção da saúde do doador e do receptor mediante informação ao candidato à


doação sobre os procedimentos a que será submetido, os cuidados que deverá
tomar e as possíveis reações adversas decorrentes da doação, bem como qualquer
anomalia importante identificada quando dos testes laboratoriais, garantindo-lhe o
sigilo dos resultados;

VII - obrigatoriedade de responsabilidade, supervisão e assistência médica na


triagem de doadores, que avaliará seu estado de saúde, na coleta de sangue e
durante o ato transfusional, assim como no pré e pós-transfusional imediatos;

VIII - direito à informação sobre a origem e procedência do sangue, componentes e


hemoderivados, bem como sobre o serviço de hemoterapia responsável pela origem
destes;

X - participação de entidades civis brasileiras no processo de fiscalização, vigilância


e controle das ações desenvolvidas no âmbito dos Sistemas Nacionais e Estaduais
de Sangue, Componentes e Hemoderivados;

X - obrigatoriedade para que todos os materiais ou substâncias que entrem em


contato com o sangue coletado, com finalidade transfusional, bem como seus
componentes e derivados, sejam estéreis, apirogênicos e descartáveis;

XI - segurança na estocagem e transporte do sangue, componentes e


hemoderivados, na forma das Normas Técnicas editadas pelo SINASAN; e

XI- obrigatoriedade de testagem individualizada de cada amostra ou unidade de


sangue coletado, sendo proibida a testagem de amostras ou unidades de sangue em
conjunto, a menos que novos avanços tecnológicos a justifiquem, ficando a sua
execução subordinada à portaria específica do Ministério da Saúde, proposta pelo
SINASAN.

§1º É vedada a doação ou exportação de sangue, componentes e hemoderivados,


exceto em casos de solidariedade internacional ou quando houver excedentes nas
necessidades nacionais em produtos acabados, ou por indicação médica com
finalidade de elucidação diagnóstica, ou ainda nos acordos autorizados pelo órgão
gestor do SINASAN para processamento ou obtenção de derivados por meio de alta
tecnologia, não acessível ou disponível no País.

§2º Periodicamente, os serviços integrantes ou vinculados ao SINASAN deverão


transferir para os Centros de Produção de Hemoterápicos governamentais as
quantidades excedentes de plasma.

§ 3º Caso haja excedente de matéria-prima que supere a capacidade de absorção


dos centros governamentais, este poderá ser encaminhado a outros centros,
resguardado o caráter da não comercialização. (LEI nº 10.205/2001, art. 1º e art. 14).

111
Observação: a guisa de informação, SINASAN é sigla do Sistema Nacional de
Sangues e Derivados, instituído pelo art. 8º dessa lei, e responsável pela implementação da
Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.

Todos, indistintamente, têm direito à transfusão sanguínea quando dela precisar. A


doação de sangue deve ser ato voluntário e altruísta. Não é admissível qualquer paga ao
doador. Os estímulos para a captação de doadores devem ser feitos pela conscientização da
necessidade de ser solidário e de práticas sociais que visem à ajuda mutua. A única recompensa
e a satisfação de ser útil, de ajudar a salvar e manter vidas.
Resolução emitida pela ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem
determinar o Regulamento Técnico que uniformiza no território nacional os procedimentos
hemoterápicos.

RESOLUÇÃO RDC Nº 153, DE 14 DE JUNHO DE 2004

ANEXO I

B - DOAÇÃO DE SANGUE

B.2 - O sigilo das informações prestadas pelo doador antes, durante e depois do
processo de doação de sangue deve ser absolutamente preservado.

B.3 - Todo candidato à doação de sangue deve assinar um termo de consentimento


livre e esclarecido, no qual declara expressamente consentir em doar o seu sangue
para utilização em qualquer paciente que dele necessite e consentir, também, na
realização de todos os testes de laboratório exigidos pelas leis e normas técnicas
vigentes. O doador deve, ainda, consentir que o seu nome seja incorporado a um
arquivo de doadores potenciais, se for o caso.

Deve constar do termo de consentimento a autorização para que o seu sangue,


quando não utilizado em transfusão, possa ser utilizado em produção de insumos e
hemoderivados, autorizados legalmente. Antes que o candidato assine esse termo,
devem ser-lhe prestadas informações, com linguagem compreensível, sobre as
características do processo de doação, os riscos associados ao mesmo, os testes
que serão realizados em seu sangue para detectar doenças infecciosas e a
possibilidade da ocorrência de resultados falso-positivos nesses testes de triagem.

Deve ser oferecida ao candidato à doação a oportunidade de fazer todas as


perguntas que julgar necessárias para esclarecer suas dúvidas a respeito do
procedimento e de negar seu consentimento, se assim lhe aprouver. RESOLUÇÃO
RDC Nº 153/2004).

O ato de doar deve ser anônimo, isto é, o receptor não deve saber quem foi o doador e 112
vice-versa, o doador não deve saber quem foi, ou foram os receptores dos componentes
extraídos do sangue que doou. Todas as informações do doador devem ser mantidas sob sigilo.
O doador assinará o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual declara sua ciência
acerca da destinação do sangue doado e dos testes que serão efetuados de acordo com as
regras técnicas vigentes e que garantem sua higidez.
Em seu consentimento deve também estar expressa a concordância de que seu nome
seja incluído em cadastro de doadores. As regras técnicas emitidas pela ANVISA devem ser
observadas com rigor. Deve haver um profissional especializado que se responsabilize
tecnicamente pelo serviço de hemoterapia. Sob sua orientação e supervisão as normas técnicas
e procedimentos deverão ser rigorosamente observados.

RESOLUÇÃO RDC Nº 153, DE 14 DE JUNHO DE 2004

ANEXO I

A - PRINCÍPIOS GERAIS

A.3 - A responsabilidade técnica e administrativa pelos serviços de hemoterapia deve


ficar a cargo de um médico especialista em hemoterapia e/ou hematologia, ou ser
qualificado por órgão competente devidamente reconhecido para este fim pelo
Sistema Estadual de Sangue. A este médico, o responsável técnico, cabe a
responsabilidade final por todas as atividades médicas, técnicas e administrativas.
Estas responsabilidades incluem o cumprimento adequação das indicações da
transfusão de sangue e de componentes.

A.14 - O serviço de hemoterapia deve estabelecer um programa de controle de


qualidade interno e participar de programas de controle de qualidade externo
(proficiência), para assegurar que as normas e os procedimentos sejam
apropriadamente executados e que os equipamentos, materiais e reativos funcionem
corretamente.
A.15 - Todos os registros obrigatórios definidos por essa resolução devem ser
guardados por um período mínimo de 20 anos.

A.16 - Todos os registros e documentos referentes às atividades desenvolvidas pelo


serviço de hemoterapia devem possibilitar a identificação do técnico responsável.
(RESOLUÇÃO RDC Nº 153/2004).

Para assegurar que todas as normas técnicas serão observadas com rigor deve haver
em cada serviço de hemoterapia um programa de controle de qualidade interno, além da
participação em programas de controle externo. Para seleção de doadores faz-se necessária 113

uma triagem, onde além dos critérios objetivos de avaliação, como verificação de temperatura e
pressão, são feitas perguntas acerca de uso de drogas lícitas e ilícitas, doenças
infectoparasitárias e sexualmente transmissíveis, etc., com garantia de sigilo ao doador, que
deverá estar ciente de que seu sangue será examinado para detecção de moléstias ou
quaisquer outras afecções impeditivas da doação e de que será avisado caso se detecte
qualquer anormalidade.
O doador deverá assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. São questões
éticas a serem rigorosamente respeitadas. Os serviços de hemoterapia terão responsabilidade
objetiva pelos danos ocorridos em razão da coleta ou da hemotransfusão com sangue
inadequado por razões de falha na seleção do sangue ou de quaisquer outros procedimentos de
sua responsabilidade. Tem sido frequente chegarem aos tribunais pátrios ações onde se requer
ressarcimento por danos físicos e morais em razão de se haver contraído doenças como AIDS
ou Hepatite B após transfusão sanguinea com sangue contaminado.

22.1 A AUTONOMIA DA VONTADE E A TRANSFUSÃO DE SANGUE

A autonomia é um dos princípios bioéticos e de dignidade do ser humano. Dissemos


que “aplicar o princípio da autonomia é reconhecer e respeitar a vontade do outro, compreender
seus valores, suas crenças, suas convicções. Agir com autonomia é agir com conhecimento
pleno, livre de enganos, de coação”. A Constituição Federal reconhece o direito fundamental do
ser humano de escolha de seu credo sobre o qual já se pronunciou a Declaração Universal
Direitos do Homem no artigo XVII:
Artigo 18: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. (CF/88, art. 18).

A autonomia para cuidar da própria saúde pressupõe a escolha do profissional ou da


terapêutica a ser adotada. Para que seja exercida a autonomia a respeito da terapêutica é
necessário esclarecimento, informações claras e acessíveis. Sendo o paciente plenamente
capaz, assinará o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, caso contrário um terceiro
responsável deverá fazê-lo. 114

22.2 O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O CREDO DOS PAIS

Há casos em que, por razões de ordem religiosa, o paciente não permite a transfusão
sanguinea. O que isso quer dizer? De início pode parecer que se optou pela morte, o que não é
verdade. Ao negar-se a aceitar um tratamento, deve-se entender que a opção foi por um
tratamento alternativo. Este deve ser nosso primeiro pensamento. Por isso é importante que o
paciente seja esclarecido o suficiente quanto a todas as suas possibilidades e alternativas, antes
de assinar o Termo de Consentimento.
E hoje, com os avanços da ciência médica, há possibilidades de utilização de
substitutivos ao sangue humano. E em caso de urgência? Se o paciente for adulto, capaz e em
condições de responder por si, a recusa em aceitar a transfusão é constitucionalmente legítima.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e as suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal
a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação. (CF/88, art. 5º).
Estamos falando aqui de situações em que, ou o próprio paciente está em condições
de expressar-se, ou de haver quem possa fazer por ele, e possa falar de suas convicções
impeditivas de que se efetue o tratamento. É obvio que pode ocorrer uma situação de
emergência em que não seja possível de se conhecer a vontade do paciente. Imaginemos a
ocorrência de um acidente em que o paciente está inconsciente e não haja quem por ele possa
falar. Neste caso o médico – atendendo às determinações de seu código de ética – irá priorizar a
vida e não poderá ser responsabilizado por desrespeito.
Questão delicada é a da criança, incapaz, ou do adolescente, relativamente incapaz, 115
que precisa de transfusão sanguinea e não aceita pela convicção religiosa dos pais. Geralmente,
a primeira reação é de se entender como absurda a posição do pai e/ou da mãe, mas é preciso
perceber que são convicções íntimas, que vão além da lógica científica. Importante é
compreender o outro, mesmo que tenhamos posições radicalmente opostas, e não julgá-lo de
acordo com nossos próprios padrões de entendimento da vida.

A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),


dispõe no Art. 3º:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à


pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei,
assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e de dignidade. (ECA, art. 3º).

Se a transfusão de sangue for imprescindível para salvar a vida de uma criança os pais
poderão, com base no artigo da ECA, alegar que estão preservando seu desenvolvimento
espiritual? E se o relativamente incapaz manifestar-se a favor da transfusão contra a vontade
dos pais? Supomos, nestas questões, que não haverá possibilidade na instituição de saúde de
se efetuar um tratamento alternativo. Qual deverá ser a atitude do médico? A questão não é de
fácil resposta.

Poderá o direito dos pais à crença religiosa sobrepor-se ao direito à vida dos filhos
civilmente incapazes? Bem, a polêmica é constante e o que importa no momento em que o
profissional se vê pressionado pela situação é que tenha respaldo técnico, ético e jurídico para
tomar decisões. Havendo negativa dos pais em aceitar que se faça a transfusão de sangue
considerada essencial pelo médico, e em face da impossibilidade de se efetuar um tratamento
alternativo, o diretor do hospital deverá registrar a ocorrência na polícia evitando, em caso de
morte, a responsabilização por omissão de socorro.

Há quem entenda, como Maria Helena Diniz, que o profissional da saúde “deve efetuar
a transfusão sem mesmo pedir autorização judicial, para que não se consume omissão de
socorro e periclitação de vida, por ser obrigação legal sua salvar vidas.” (DINIZ, 2007, p. 242).

116

22.3 A PRIMAZIA DA MAIOR RELEVÂNCIA

O que deve prevalecer: o direito à liberdade ou o direito à vida? Cremos que cabem
aqui duas respostas distintas, dependendo do ponto de vista. Para um ativista, a defesa da
causa que foi livre para escolher pode ser mais importante do que sua própria vida e por meio de
uma greve de fome disponha-se levar suas reivindicações ao extremo. Assemelha-se à situação
daquele que por sua crença religiosa recusa-se a aceitar a transfusão de sangue.

E o profissional da saúde, como deve agir diante de situações como essas? Em


primeiro lugar, devem-se abstrair as próprias convicções e agir de acordo com as regras legais
vigentes nos pais e do seu código de ética. A Constituição Federal resguarda o direito à vida, à
liberdade de consciência, o direito à convicção religiosa. Mas do que serve o direito à liberdade
se não houver vida? Talvez para aquele ativista a que nos referimos há pouco a causa que
defende valha a sua vida, mas e para o profissional de saúde, o que deve preponderar?

Parece-nos razoável que prevaleça a liberdade enquanto houver resistência física, a


partir daí o profissional de saúde deve intervir com seus conhecimentos para impedir o óbito,
pois sendo de seu arbítrio agir ou não, sua conduta devera atender à ética profissional. Não
deverá omitir-se, permitindo o óbito.
23 INFECÇÃO HOSPITALAR: PREVENÇÃO E CONTROLE

A infecção hospitalar é, em nossa realidade, um constante, perigoso e indesejável


problema. O direito constitucional à saúde e o dever estatal de promovê-la, protegê-la e 117
recuperá-la, ensejaram a criação de políticas públicas para o cumprimento de tais objetivos. A
Lei 8.080/90 estabelece o Sistema Único de Saúde e as condições de promoção, proteção e
recuperação à saúde, conforme já comentamos anteriormente.

O Art. 5º do referido dispositivo legal, ao elencar os objetivos do SUS, no inciso III,


estabelece a integração das ações assistenciais com as ações preventivas, visando à promoção,
manutenção e a recuperação da saúde.

CAPÍTULO I
Dos Objetivos e Atribuições
Art. 5º - São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas. (Lei 8.080/90, art. 5º).

A saúde dos pacientes internados em instituições de saúde, já debilitada, corre o risco


de sério agravamento, sendo imprescindível o cuidado de prevenção e controle. Todos os entes
públicos, Federal, Estadual e Municipal são responsáveis pela promoção, proteção e
recuperação da Saúde. A vigilância sanitária tem importante papel na realização do objetivo de
atenção à saúde.

No âmbito da prevenção e controle da infecção hospitalar todos os profissionais


devem estar envolvidos, os diretores institucionais, administradores, biólogos, enfermeiros,
farmacêuticos, médicos e especialistas em epidemiologia hospitalar. A Lei 9.431, de 6 de janeiro
de 1997, dispõe sobre o controle de infecções hospitalares.
LEI Nº 9.431, DE 6 DE JANEIRO DE 1997
Dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de programa de controle de
infecções hospitalares pelos hospitais do País
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1° - Os hospitais do País são obrigados a manter Programa de Controle de
Infecções Hospitalares - PCIH.
§ 1° - Considera-se programa de controle de infecções hospitalares, para os efeitos
desta Lei, o conjunto de ações desenvolvidas deliberada e sistematicamente com
vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções
hospitalares.
§ 2° - Para os mesmos efeitos, entende-se por infecção hospitalar, também
denominada institucional ou nosocomial, qualquer infecção adquirida após a
internação de um paciente em hospital e que se manifeste durante a internação ou 118
mesmo após a alta, quando puder ser relacionada com a hospitalização. (LEI Nº
9.431/1997, art. 1º).

Nessa batalha, primordial é a prevenção. As ações diagnósticas e terapêuticas em


seres humanos devem ter reduzidos ao mínimo seus efeitos adversos quando não for possível
eliminá-los. Aplica-se aqui o princípio bioético da beneficência. A Portaria 2.616/98 do Ministério
da Saúde regulamenta as ações de controle de infecção hospitalar no país, dentre elas as que
vão transcritas abaixo:
PROGRAMA DE CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR
ANEXO IV

LAVAGEM DAS MÃOS

1. Lavagem das mãos é a fricção manual vigorosa de toda a superfície das mãos e
punhos, utilizando-se sabão/detergente, seguida de enxágue abundante em água
corrente.
2. A lavagem das mãos é, isoladamente, a ação mais importante para a prevenção e
controle das infecções hospitalares.
3. O uso de luvas não dispensa a lavagem das mãos antes e após contatos que
envolvam mucosas, sangue ou outros fluidos corpóreos, secreções ou excreções.
4. A lavagem das mãos deve ser realizada tantas vezes quanto necessária, durante
a assistência a um único paciente, sempre que envolver contato com diversos sítios
corporais, entre cada uma das atividades.
4.1 A lavagem e antissepsia cirúrgica das mãos são realizadas sempre antes dos
procedimentos cirúrgicos.
5. A decisão para a lavagem das mãos com uso de antisséptico deve considerar o
tipo de contato, o grau de contaminação, as condições do paciente e o procedimento
a ser realizado.
5.1 A lavagem das mãos com antisséptico é recomendada em: realização de
procedimentos invasivos; prestação de cuidados a pacientes críticos; contato direto
com feridas e/ou dispositivos, tais como cateteres e drenos.
6. Devem ser empregadas medidas e recursos com o objetivo de incorporar a prática
da lavagem das mãos em todos os níveis de assistência hospitalar.
6.1 A distribuição e a localização de unidades ou pias para lavagem das mãos, de
forma a atender à necessidade, mas diversas áreas hospitalares, além da presença
dos produtos, é fundamental para a obrigatoriedade da prática.

PROGRAMA DE CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR


ANEXO V
RECOMENDAÇÕES GERAIS
1. A utilização dos antissépticos, desinfetantes e esterilizantes seguirá as
determinações da Portaria nº 15, de 23 de agosto de 1988, da Secretaria de
Vigilância Sanitária (SVS) do Ministério da Saúde e o Processamento de Artigos e
Superfícies em Estabelecimentos de Saúde/MS, 2ª edição, 1994, ou outras que as
complementem ou substituam.
1.1 Não são recomendadas, para a finalidade de antissepsia, as formulações
contendo mercuriais orgânicos, acetona, quaternário de amônio, líquido de Dakin,
éter e clorofórmio.
2. As normas de limpeza, desinfecção e esterilização são aquelas definidas pela
publicação do Ministério da Saúde, Processamento de Artigos e Superfícies em
Estabelecimentos de Saúde, 2ª edição, 1994 - princípios ativos liberados conforme
os definidos pela Portaria nº 15, SVS, de 23 de agosto de 1988, ou outras que a
complementem ou substituam.
3. As normas de procedimentos na área de Microbiologia são aquelas definidas pela 119
publicação do Ministério da Saúde - Manual de Procedimentos Básicos em
Microbiologia Clínica para o Controle de Infecção Hospitalar, 1ª edição, 1991, ou
outras que as complementem ou substituam.
4. As normas para lavanderia são aquelas definidas pela publicação do Ministério da
Saúde - Manual de Lavanderia Hospitalar, 1ª edição, 1986, ou outras que as
complementem ou substituam.
5. A Farmácia Hospitalar seguirá as orientações contidas na publicação do Ministério
da Saúde - Guia Básico para a Farmácia Hospitalar, 1ª edição, 1994, ou outras que
as complementem ou substituam. (Portaria 2.616/98 do Ministério da Saúde).

Dentre as infinitas questões de saúde física e mental que se pode abordar sob a luz da
bioética, enfocando o biodireito, escolhemos para finalizar este módulo a da adequação sexual.
24 A ESTÉTICA HUMANA

O causador de dano estético ou lesão corporal poderá ser responsabilizado criminal e


civilmente: 120

CÓDIGO PENAL

Lesão corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º - Se resulta:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º - Se resulta:
I - incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

Lesão corporal seguida de morte


§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Diminuição de pena
§ 4º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5º - O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção
pela de multa:
I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6º - Se a lesão é culposa:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano. (CÓDIGO PENAL, art. 129).

CÓDIGO CIVIL

Da Indenização
Art. 949 - No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido
das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença,
além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950 - Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu
ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além
das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá
pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja


arbitrada e paga de uma só vez. (CÓDIGO CIVIL, art. 949 e 950).
121

Dano estético constitui-se em um ferimento do qual resulta uma deformidade, fazendo


com que o ofendido provoque desagradável impressão. A reparação a que faz jus o ofendido
abrange o próprio dano e o dano moral. Sendo possível a reparação do dano estético por meio
de cirurgia plástica os custos desta serão incluídos no valor da indenização. Se, em decorrência
do dano, sobrevier incapacidade para o trabalho ou a diminuição do seu valor, incluir-se-á o
pagamento de pensão vitalícia com valor correspondente ao trabalho para o qual se inabilitou ou
à depreciação que sofreu.

O ressarcimento do dano moral ficará ao arbítrio do juiz. Aqui fazemos então pequena
pausa para tratar da diferença entre avaliação e arbitramento, conforme faz Enéas de Oliveira
Matos na obra “Dano Moral e Dano Estético”. A avaliação é feita em vida, considerando-se o
dano a partir da ótica da vítima, da intensidade como chega até seu íntimo, sua percepção da
vida e a lesão sofrida. Sob essa ótica deverá ser ponderada a integridade física, se foi atingida
ou não. Se a modificação da integridade física é reversível, se há ou não recuperação.

Avaliar-se-á também: 1) se o aspecto exterior da pessoa sofreu modificações


morfológicas; 2) se houve redução da possibilidade da própria pessoa fazer utilização de seu
corpo, isto é, se houve modificação na eficiência psicofísica; 3) se a capacidade de se relacionar
socialmente foi atingida; 3) se a pessoa está inabilitada para qualquer trabalho; 4) se ocorreu
perda da capacidade de escolher a profissão ou trabalho. Com auxílio pericial o magistrado terá
respostas às questões e arbitrará o valor da reparação do dano.

A arbitragem refere-se ao valor da indenização que será paga pelo ofensor,


considerando-se ser este reincidente ou não, além do papel educativo da punição. Carlos Alberto
Bittar, citado por Enéas de Oliveira Matos, defendendo a “Teoria do Desestímulo” (2008), em
tese defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, assim pronunciou-se:
Em consonância com essa diretriz, a indenização por danos morais deve traduzir-se
em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não
aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se,
portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito,
refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta,
efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido.
Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades
do patrimônio do lesante. (BITTAR apud MATOS, 2008).

122
25 A IDENTIDADE SEXUAL: TRANSEXUALIDADE

O tema da identidade sexual pertence ao campo da psicologia e tem profundidade que


não alcançaremos em nosso atual espaço de estudo. O que interessa ao mundo jurídico são os
123
reflexos psicossociais daqueles que vivem a estranheza da dicotomia entre o corpo físico e a
identidade psíquica. Para que se fale em saúde dos indivíduos que vivem essa angústia é
preciso discorrer sobre adequação do físico ao psíquico e isso só será possível com o
procedimento cirúrgico que requer autorização judicial.

Após conseguir a autorização judicial para que faça a cirurgia de alteração sexual
biológica e anatômica ainda resta a batalha pelos efeitos jurídicos da nova condição. Há
necessidade de retificação do registro civil. A autorização para a retificação do registro civil, com
mudança de sexo e nome, era admitida com mais frequencia no caso do intersexual, que é o
termo que designa às pessoas que nascem com desenvolvimento parcial ou total de ambos os
órgãos sexuais, masculino e feminino.

Nos casos conhecidos como hermafroditismo, a pessoa apresenta distúrbios físicos,


com órgãos reprodutores de ambos os sexos. Há também os casos de pseudo-hermafroditismo,
quando a genitália externa é de um sexo e internamente a fisiologia e a anatomia são do outro.
Em tais situações a cirurgia é recomendada para a definição física do sexo e a retificação do
registro civil é admitida, facilitando a adaptação psicossocial da pessoa.

O Conselho da Justiça Federal, na IV Jornada de Direito Civil, realizada em 2006,


uniformizando a interpretação do Código Civil de 2002, elaborou a respeito do art.13 o
Enunciado 276, que assim expressa:

O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência


médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os
procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente
alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. (CONSELHO DE JUSTIÇA
FEDERAL, 2006).
Tal interpretação é de extrema importância, uma vez que o art. 13 do Código Civil, a
que se refere o enunciado, está inserido no capítulo dos Direitos da Personalidade e assim
expressa:

DAS PESSOAS NATURAIS


Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art.13 - Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo,
quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons 124
costumes.
Parágrafo Único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante,
na forma estabelecida em lei especial. (CÓDIGO CIVIL, art. 13).

A exigência médica a que se refere o dispositivo legal encontra-se expressa em


resolução do Conselho Federal de Medicina. O transexual não tem quaisquer problemas com
sua genitália externa ou interna, mas intimamente sente-se uma pessoa do outro sexo. Há uma
incompatibilidade entre sua identidade física e sua identidade psíquica. O transexual não se
sente homossexual, ou seja, não é uma pessoa atraída sexualmente por alguém do mesmo
sexo, mas, internamente, sente que pertence a outro sexo que não o que aparenta biológica e
anatomicamente.
Para o Conselho Federal de Medicina define-se o transexualismo da seguinte maneira:

Art. 3º - Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios


abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;


2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e
secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo,
dois anos;
4) Ausência de outros transtornos mentais. (RESOLUÇÃO CFM nº 1.652/2002, art.
3º).

Tais definições, dentre outros parâmetros, segundo o Conselho, autorizam os médicos


a realização da cirurgia de transgenitalização. Em 18 de agosto de 2008 o Ministério da Saúde,
pela Portaria 1.707, instituiu no âmbito do SUS o processo transexualizador:

Considerando que a orientação sexual e a identidade de gênero são fatores


reconhecidos pelo Ministério da Saúde como determinantes e condicionantes da
situação de saúde”

resolve:
Art. 1º - Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo
Transexualizador a ser empreendido em serviços de referência devidamente
habilitados à atenção integral à saúde aos indivíduos que dele necessitem,
observadas as condições estabelecidas na Resolução nº 1.652, de 6 de novembro
de 2002, expedida pelo Conselho Federal de Medicina. (PORTARIA 1.707/2008).

Agora nos parece não haver quaisquer óbices para que sejam autorizadas as
modificações no registro civil, uma vez que já se reconhece a necessidade da cirurgia, não
havendo razão para se prosseguir com a dicotomia. Aliás, já se tem notícias de juízes que 125
autorizaram a retificação do nome no registro civil até mesmo antes de se efetuar a operação.

Estando a identidade sexual intrinsecamente ligada à identidade pessoal por que


negar-se a adequação do sexo ao prenome? A partir da cirurgia e da mudança de prenome dar-
se-á início a outras batalhas judiciais, conforme cada caso, tais como: tempo de serviço para
aposentadoria e competição em esportes. O que importa é que se respeite a dignidade da
pessoa humana.
26 RESUMO

O módulo que terminamos dedicou-se aos aspectos mais relevantes da saúde física e
mental, enquanto expressão da dignidade do ser humano. A criatura humana não é só corpo, 126
não é só mente, mas a conjugação harmônica dos aspectos que possibilitam sua expressão no
mundo. A ordem mundial expressa pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a ordem
nacional contida na Constituição Federal e nas leis menores, que tem por objetivo regular o
tema, integra o Biodireito que, orientado pelos princípios da Bioética busca compatibilizar as
regras de organização institucional com os princípios que dizem respeito à liberdade, à
autonomia e à dignidade do ser humano.

Vimos que o conceito de saúde transcende aos limites do bem-estar físico e é maior do
que a simples ausência de estados de enfermidade. Saúde, mais do que uma aspiração é um
direito de todas as pessoas independentemente de etnia, classe social ou credo religioso. A
supervalorização do físico, da estética, a que estamos submetidos nestes tempos em que
vivemos nos induzem muitas vezes a entender que cuidar da saúde é ter acesso ao uso de
aparelhos sofisticados e à ingestão de medicamentos de última geração.

As indústrias farmacêuticas e de material hospitalar despejam todos os dias no


mercado novidade biotecnológicas, drogas de última geração, fazendo-nos crer que precisamos
consumi-las para nos curarmos ou nos mantermos saudáveis. Estamos medicalizando nossas
vidas. Movimentamos a máquina judiciária para termos acessos às últimas descobertas. As
liminares que reconhecem o direito de alguns a certos procedimentos ou medicamentos
interferem nos programas de saúde, nos planejamentos, resultam em transferências de verbas
orçamentárias de um setor para outro para poder cumprir a ordem judicial. A situação causa
atritos entre os poderes.

As controvérsias parecem em vias de encontrarem o caminho do meio,


administradores e juízes buscam encontrar soluções justas que não inviabilizem a gerência de
recursos escassos. Vimos que para que se obtenham resultados positivos no atendimento às
necessidades terapêuticas é necessária a implicação de todos nos processos sociais. A doação
de sangue, expressão de solidariedade, é fundamental para a manutenção dos serviços
hemoterápicos.

Foram lembradas as questões de conflitos entre os princípios da autonomia, da


liberdade, do primado da vida, em situações em que o profissional da saúde se vê entre o
respeito à autonomia da vontade do paciente e o seu dever de salvar vidas, ou pelo menos
utilizar de todos os seus conhecimentos para tentar fazê-lo.

O respeito ao portador de doença mental, à sua autonomia e a importância do 127


envolvimento da família para sua adaptação ao mundo social tem bem as questões trazidas à
reflexão. A importante questão da infecção hospitalar que perpassa a todas as questões de
tratamento da saúde que requerem a internação hospitalar. Tratamos da estética e sua estreita
ligação com a saúde psíquica, além da melhoria da condição psíquica de quem sofre de
desidentificação com o corpo físico no que concerne à identidade sexual.
27 BIODIREITO E BIOTECNICAS

A interferência humana em processos naturais, com influência direta na saúde, além


de estimular a aplicação da filosofia às práticas biomédicas, reclamou a interferência do direito 128
nas relações humanas decorrentes dos avanços das biotecnologias. Veio o Biodireito associar-
se à Bioética com vistas a resguardar a dignidade da pessoa humana. Veremos daqui pra frente
alguns dos avanços da ciência que mais comumente têm influenciado as mudanças de
comportamento interrelacional e as regras nascidas com o intuito de manter a dignidade humana
diante das novas técnicas.
28 TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS E DE TECIDOS

A notícia de que na Antiguidade já se realizavam transplantes pode não passar de


lenda, mas há dados que os informam. Diz a tradição chinesa que cerca de 300 anos antes da 129
era cristã foi feita uma troca de órgãos. Estudos arqueológicos sugerem a existência de práticas
médicas no Egito e na Grécia e dentre estas os transplantes.

O primeiro transplante bem-sucedido de que temos notícia foi um transplante de rim


em 1954, realizado por David Um, em Boston. Mas a notoriedade da técnica aconteceu em
1967, quando Christian Barnard realizou o primeiro transplante cardíaco na África do Sul.
Atualmente os transplantes de órgãos e tecidos são práticas comuns a ponto de a demanda para
tais procedimentos ser maior do que a capacidade de realizá-los. Em razão do impacto social
que causa, restam ainda muitas questões ético-jurídicas e míticas a serem ultrapassadas para
que o transplante de órgãos e tecidos venha a ser o grande gesto solidário transformador da vida
e restaurador da saúde em seus aspectos gerais.

28.1 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS NO DIREITO BRASILEIRO

Os direitos da personalidade dizem respeito aos valores essenciais para a pessoa em


seu aspecto físico, moral e intelectual. São intransmissíveis, imprescritíveis, empenhoráveis e
oponíveis erga omnes, ou seja, devem ser respeitados por todos. Os direitos da personalidade
são inerentes à pessoa humana e podemos classificá-los em direitos físicos da personalidade,
direitos psíquicos da personalidade e direitos morais da personalidade.

Com respaldo dos direitos da personalidade podemos afirmar que o corpo integra à
personalidade humana. O corpo e suas partes, separadas acidental ou voluntariamente, são
consideradas “coisas” e são de propriedade da pessoa de quem foram destacadas. Mas por
serem coisas “fora de comércio” não podem ser cedidas a título oneroso. É permitida a
disposição gratuita limitada à manutenção da própria vida e que tenha uma finalidade terapêutica
ou humanitária. A Constituição Federal veda expressamente, no § 4º do art. 199, a
comercialização de órgãos e tecidos.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CF - 1988


TÍTULO VIII 130
Da Ordem Social
Capítulo II
Da Seguridade Social
Seção II
Da Saúde
Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. (CF/88, art. 199).

O Código Civil inclui no capítulo dos direitos da personalidade o direito de disposição


do próprio corpo.

CÓDIGO CIVIL
PARTE GERAL
LIVRO I
Das Pessoas
TÍTULO I
Das Pessoas Naturais
Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 13 - Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial. (CÓDIGO CIVIL, art. 13).

A intervenção estatal impondo regras para a disposição de partes corporais, sem


embargos do direito ao próprio corpo, tem em vista evitar abusos de terceiros inescrupulosos,
que diante da necessidade de sobrevivência de um lado e a urgência de se garantir a
sobrevivência com transplante de outro, venham a intermediar negociações, transformando a
doação de órgãos em negócio rentável, em total desrespeito à vida e à dignidade humana, tanto
do doador quanto do receptor ou mesmo aquele mais abastado que, necessitado de um
transplante, proponha a alguém menos favorecido economicamente a negociação de seus
órgãos, o que poderia acabar submetendo o corpo humano à variação mercadológica, relegando
a um plano inferior a vida e a saúde.
A Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que trata da Remoção de Órgãos, Tecidos e
Partes do Corpo Humano para fins de Transplante e Tratamento, com importantes modificações
introduzidas pela Lei 10.211, de 23 de março de 200, veio complementar o dispositivo
constitucional supracitado.

131
28.1.1 Doação de Órgãos Post-Mortem

A intervenção legal visa à preservação da autonomia e da dignidade da pessoa


humana. Não se permite que se proceda à remoção de órgãos, tecidos ou quaisquer partes do
corpo de pessoa sem identificação do doador, para evitar que se desrespeite aqueles que
falecem na indigência.

LEI Nº 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997.

Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de
transplante e tratamento e dá outras providências.

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º - A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida


ou post-mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta
Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os
tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.

Art. 2º - A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do


corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou
privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente
autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde.

Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e


partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de
todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em
normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde. (LEI nº 10.211/2001,
art. 1º e 2º).
Estimula-se a doação altruística, voluntária, solidária quando em vida é possível e
desejável a doação de tecidos que não venham a acarretar danos ao doador e após a morte é
possível a doação de tecidos ou órgãos vitais para outras pessoas.

Art. 4º - A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para


transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou
parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o
segundo grau, inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas
presentes à verificação da morte. (LEI nº 10.211/2001).

132
Com a disposição do artigo 4º da Lei 9.434/97 supramencionado não tem mais
validade a expressão na Carteira de Identidade ou na Carteira Nacional de Habilitação da
condição de “não doador”. Não havendo tal expressão em pelo menos um dos documentos
presumia-se então que a pessoa era um doador. Atualmente, é válida a disposição gratuita do
próprio corpo para depois da morte desde que o doador expresse sua vontade,
documentalmente, em vida e essa vontade prevalecerá sobre a vontade dos familiares. Tal é o
entendimento do Conselho da Justiça Federal expresso no Enunciado 277, elaborado na IV
Jornada de Direito Civil.

Enunciado 277 – Art.14. O art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da


disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para
depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em
vida prevalece sobre a vontade dos familiares. (CNJ, Enunciado 277, 2006).

O artigo a que se refere o enunciado é o que segue infratranscrito.

CÓDIGO CIVIL
Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 14 - É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do
próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. (CÓDIGO CIVIL, art. 14).

O que temos então é que a aplicação do art. 4º da Lei nº 9.434/97 ficou restrita à
hipótese de silêncio do potencial doador. Para que se realize o transplante, além da anuência
do doador ou de seus familiares, é necessária a concordância do receptor do órgão ou tecido.
Aliás, convém não esquecer que por força do Código Civil e da lei supracitada mesmo nos
casos de autotransplante ou enxerto faz-se necessária a concordância daquele que ira
submeter-se ao ato.

CÓDIGO CIVIL
PARTE GERAL
LIVRO I
Das Pessoas
Título I
Das Pessoas Naturais 133
Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. (CÓDIGO CIVIL, art. 15).

LEI Nº 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997.

Capítulo IV
Das Disposições Complementares
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do
receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do
procedimento.
Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas
condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua
vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou
responsáveis legais. (LEI nº 9.434/1997, art. 10).

A vedação aos apelos emocionais também tem por finalidade impedir que se
transforme o ato solidário e altruístico de doação em negócio lucrativo.

Art. 11 - É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social,


de anúncio que configure:
a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos,
relativa a estas atividades;
b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano
para pessoa determinada, identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo
único;
c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante
ou enxerto em benefício de particulares.
Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema Único de
Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação
social, campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da
vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos. (LEI nº 9.434/1997, art. 11).

A limitação da disponibilidade do próprio corpo tem por objetivo a garantia da vida


digna. É possível que a pessoa consinta na extração de um órgão ou de um membro no sentido
de ter garantida a sua saúde ou a própria vida. Temos como exemplo os casos de isquemias
graves em que um membro é atingido pela necrose, que é a morte do tecido, e precisa ser
amputado sob pena de causar danos a todo corpo, chegando ao óbito. O que está em jogo é a
própria vida da pessoa. Até mesmo em casos em que um órgão comprometido é substituído por
outro, por meio de transplante, é necessário que o receptor autorize a troca.
É possível também a disposição de partes regeneráveis do corpo para salvar outras
pessoas, como acontece no caso, mais comum, da doação sanguínea e de leite materno,
esperma, óvulo, fígado, pele, medula óssea, sempre a título gratuito. A técnica de transplante foi,
inegavelmente, um grande avanço científico na busca do bem-estar e da saúde plena. Não
obstante represente riscos não só físicos, mas também riscos à dignidade da pessoa humana.
O Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997, regulamentou a Lei 9.434/97 organizando 134
o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), estruturando a captação de órgãos para transplante.

REGULAMENTAÇÃO DA LEI 9.434/97


TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS
Decreto 2.268, de 30 de junho de 1997
Capítulo I

Do Sistema Nacional de Transplante - SNT

Seção I

Da Estrutura

Art. 2º - Fica organizado o Sistema Nacional de Transplante - SNT, que desenvolverá


o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retirados do corpo
humano para finalidades terapêuticas.

Parágrafo único. O SNT tem como âmbito de intervenção as atividades de


conhecimento de morte encefálica verificada em qualquer ponto do território nacional
e a determinação do destino dos tecidos, órgãos e partes retiradas.

Art. 3º - Integram o SNT:

I- o Ministério da Saúde;

II- as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal ou órgãos


equivalentes;

III- as Secretarias de Saúde dos Municípios ou órgãos equivalentes;

IV- os estabelecimentos hospitalares autorizados;

V- a rede de serviços auxiliares necessários à realização de transplantes

Seção III

Dos Órgãos Estaduais

Art. 5º - As Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios


ou órgãos equivalentes, para que se integrem ao SNT, deverão instituir, na
respectiva estrutura organizacional, unidade com o perfil e as funções indicadas na
Seção seguinte. (Decreto 2.268/1997, art. 2º, 3º, 5º).
28.1.1.1 Morte encefálica - questões éticas

Questão delicada e ainda com algumas controvérsias é da constatação da morte


encefálica e o momento ideal para a extração do órgão a ser doado. Para o senso comum a 135
morte está relacionada à parada dos batimentos cardíacos, à falta de respiração, sinais vitais
mais facilmente verificáveis. Para a retirada de órgãos com o fim de transplante é necessário que
seja constatada a morte encefálica e que os outros órgãos permaneçam funcionando, ainda que
artificialmente ativados. A Lei 9.434/97 dispõe sobre o momento de retirada de órgãos para
transplante.

LEI 9.434, DE 4 DE FEVEREIRO DE 1997


O PRESIDENTE DA REPÚBLICA faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:

Capítulo II

Da disposição post-mortem de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins


de transplante.
Art. 3° - A retirada post-mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano
destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de
morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das
equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e
tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. (LEI
9.434/1997, art. 3º, grifo nosso).

E por força da lei o Conselho Federal de Medicina definiu critérios para que se ateste a
morte encefálica, estabelecendo a Resolução 1.480 de 8 de agosto de 1997 que transcrevemos:

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA


CRITÉRIOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA
RESOLUÇÃO Nº 1.480, de 8 DE AGOSTO DE 1997
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº
3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de
julho de 1958 e,
CONSIDERANDO que a Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a
retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Federal de
Medicina definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica;
CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale
à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;
CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do uso
de recursos extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com
parada total e irreversível da atividade encefálica;
CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do
emprego desses recursos;
CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo
indiscutível, a ocorrência de morte;
CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios
em crianças menores de sete dias e prematuros, resolve:

Art. 1º - A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames


clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para
determinadas faixas etárias.
Art. 2º - Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização 136
da morte encefálica deverão ser registrados no “termo de declaração de morte
encefálica” anexo a esta Resolução.
Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente
termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua
jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus itens.

Art. 3º - A morte encefálica deverá ser consequência de processo irreversível e de


causa conhecida.
Art. 4º - Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte
encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal e
apneia.
Art. 5º - Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a
caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo
especificado:
Art. 6º - Os exames complementares a serem observados para constatação de morte
encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:
a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,
b) ausência de atividade metabólica cerebral ou,
c) ausência de perfusão sanguínea cerebral.
Art. 7º - Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme baixo
especificado:
a) acima de dois anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas “a’’, “b’’ e “c’’;
b) de um a dois anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º, alíneas “a”, “b’’
e “c’’. Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários dois exames
com intervalo de 12 horas entre um e outro;
c) de dois meses a um ano incompleto - dois eletroencefalogramas com intervalo de
24 horas entre um e outro;
d) de sete dias a dois meses incompletos - dois eletroencefalogramas com intervalo
de 48 horas entre um e outro.
Art. 8º - O termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e
assinado, e os exames complementares utilizados para diagnóstico da morte
encefálica deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente.
Art. 9º - Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da
instituição hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis
legais do paciente, se houver, e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava
internado. (RESOLUÇÃO Nº 1.480/1997).

É forte o impacto da morte, seja por razões culturais, seja por motivos emocionais, o
fato é que a morte embora seja um fato tão natural quanto o nascimento quase sempre nos
surpreende e abala. Poucos têm preparo psíquico para enfrentar a morte de entes queridos ou
para se ver em eminência de partir desse mundo. Toda informação e orientação fazem-se
necessárias para aqueles que precisam decidir, em um momento delicado, quanto à doação de
órgãos e tecidos de uma pessoa querida.
Não é fácil para o profissional de medicina diagnosticar a morte encefálica. A questão
ética é crucial. É preciso que esteja bem certo de sua afirmação de morte encefálica, pois a
precipitação poderá, aí sim, ocasionar a morte do paciente e terá praticado homicídio culposo.
Para ilustrar, usaremos a situação ocorrida nos Estados Unidos em 14 de julho de 1973 e
relatada por Maria Helena Diniz, para exemplificar situação de erro de diagnóstico de morte
encefálica. 137
O fato se deu quando Jason Arthur Era, tendo sofrido grave acidente em uma piscina,
teve declarada sua morte encefálica e sua mãe consentiu na retirada de órgãos para fins de
transplantes. Qual não foi a surpresa de todos quando o “morto”, durante o preparo para ser
submetido à retirada dos órgãos, reagiu aos estímulos dolorosos, voltando a respirar depois de
45 minutos de apneia.
Por outro lado urge que o diagnóstico seja feito, pois, havendo a morte encefálica,
todas as outras funções fisiológicas que dependem das atividades do encéfalo estarão
comprometidas. O único órgão que permanece algum tempo em atividade é o coração, que
mantendo a circulação sanguínea por um tempo conserva a viabilidade dos órgãos para
transplante. A decisão é muito difícil, pois se por um lado a precipitação pode ocasionar um
homicídio, um atraso poderá desperdiçar a chance de salvar outras vidas.
O que se sabe é que na verdade ainda são muitas as controvérsias que circulam em
torno do diagnóstico da morte encefálica. A decisão legislativa de se acabar com a presunção da
doação, no caso de não haver na Carteira de Identidade ou na Carteira Nacional de Habilitação
a afirmação de que aquela pessoa era “não doadora de órgãos”, veio apenas regrar o que
comumente acontecia, pois a equipe médica não se sabe de caso em que tenha feito extração
de um órgão, em casos onde não havia a manifestação em contrário nas carteiras de identidade
e nacional de habilitação, contra a vontade da família, que era sempre consultada primeiro.
A coerência dessa decisão está respaldada no seguinte: se qualquer ser humano
merece respeito à sua dignidade e autonomia; se para o exercício da autonomia e liberdade de
escolha é imprescindível o consentimento livre e esclarecido, como podemos supor que alguém,
só porque não tem em seu documento a afirmação de que não é doador, foi suficientemente
esclarecido quanto à sua condição de doador presumido, se vivemos em uma sociedade em que
é grande o número de analfabetos reais e analfabetos funcionais, que são aqueles que embora
não considerados analfabetos pelas estatísticas, mas que não vão além da assinatura do nome
e de leitura precária de palavras isoladas, sem condições de qualquer interpretação de um texto
simples?
Em se tratando de morte de pessoa juridicamente incapaz a retirada de órgãos para
transplante dependerá de autorização de ambos os pais, ou de quem detenha o poder familiar se
um dos dois já houver falecido, ou ainda de responsável judicial: o guardião, o tutor. Pessoa sem
identificação não poderá ser doadora.

138
28.1.2 Doação Intervivos

É possível que órgãos ou tecidos sejam doados estando vivo o doador. Nestes casos a
decisão é de exclusivo arbítrio do doador, que num gesto solidário e altruístico fará a doação.
Em respeito à dignidade humana nada e ninguém pode constranger a outrem ao ato de doação
de órgãos. (O filme “Uma Prova de Amor” tem como tema central a doação de medula óssea
entre irmãs e, afora algumas restrições, é bem interessante). A Lei 9.434/97 e o Decreto
Regulamentar 2.268/97, ambos já mencionados anteriormente, permitem ao juridicamente capaz
a disposição gratuita de partes do próprio corpo desde que não sejam comprometidas suas
funções vitais.

LEI nº 9.434/97
Art. 9º - É permitido à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos,
órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em
cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4º
deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada
esta em relação à medula óssea. (LEI nº 10.211/2001, art. 9º).

DECRETO nº 2.268/97
Seção II

Da Disposição do Corpo Vivo

Art. 15 - Qualquer pessoa capaz nos termos da lei civil pode dispor de tecidos,
órgãos e partes de seu corpo para serem retirados em vida para fins de transplantes
ou outra finalidade terapêutica.

§1º - Só é permitida a doação referida neste artigo, quando se tratar de órgãos


duplos ou partes de órgãos, tecidos ou partes, cuja retirada não cause ao doador
comprometimento de suas funções vitais e aptidões físicas ou mentais e nem lhe
provoque deformação. (DECRETO nº 2.268/1997, art. 15).
A doação será gratuita sendo, porém, aceitável que se reembolse o doador das
despesas que teve com o processo de exames e cirurgia. Não se pode exigir de alguém que se
sacrifique por outrem a ponto de sofrer grave mutilação, como seria o caso de doação de córnea
de pessoa viva ou a doação de ambos os rins, tornando-se paciente renal crônico com
dependência total de hemodiálise, curto período de sobrevida, precária condição de vida e
candidato a transplante renal.
A gestante não pode ser doadora de órgãos e tecidos, salvo medula óssea, se não
oferecer risco ao feto. Tal vedação encontra-se consignada no §7º do artigo 9º transcrito acima. 139

Art. 9º, §7º - É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo
vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante
de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto. (DECRETO nº
2.268/1997, art. 9º).

Para preservar a integridade física e mental do doador só se permite a doação de


órgãos duplos, de partes regeneráveis ou recuperáveis de órgão único, como o fígado, e de
tecidos como pele e medula óssea. A transfusão de sangue é uma modalidade de transplante de
tecido regenerável. A doação intervivos deverá ser voluntária, esclarecida, gratuita e sem
prejuízos físicos para o doador.
O termo de doação será feito, preferencialmente por escrito, diante de duas
testemunhas, especificando qual parte do corpo, tecido ou órgão será doado, identificando o
receptor. O documento será expedido em duas vias e uma delas encaminhada ao Ministério
Público. Tais formalidades são dispensadas nos casos de doação de medula óssea.
Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgão (ABTO), as partes do
corpo que podem ser transplantadas entre pessoas vivas são: o fígado, único órgão que, tendo
uma parte retirada, regenera- se; medula, estrutura que fica dentro do osso e produz os
componentes do sangue, é o único tecido que pode ser transplantado com células da própria
pessoa – em geral, doentes com câncer, mas a reincidência da doença é menor nos transplantes
com células de outro doador; sangue, uma transfusão é um transplante de um tecido líquido e,
por fim, o rim, que é o órgão mais comum em transplantes intervivos, pois não há muita
dificuldade de o doador sobreviver com apenas um dos órgãos.
29 O DIREITO À MORTE DIGNA

A questão crucial é: se temos o direito a viver com dignidade, também não teríamos o
direito a morrer dignamente? Até que ponto é eticamente aceitável a manutenção da atividade
fisiológica do corpo por meio de aparelhos e drogas? Qual é o limite aceitável do prolongamento
140
do processo de morte? Por que prolongar o processo terminal de um paciente? De que modo é
possível conciliar o direito ao tratamento da saúde com o prolongamento da vida vegetativa?

Até que ponto é ultrapassável o momento da morte natural? Seria coerente, lícito,
eticamente aceitável, a oferta de tecnologia para manter a vida artificial, adiando o momento
natural da morte de uma pessoa, quando ela mesma não teve o mínimo para viver com
dignidade e continuaria sem tê-lo caso sobrevivesse? Quando àquela pessoa foram negadas as
mínimas condições de viver dignamente e jamais teve uma digna assistência à saúde?

Estas e dezenas de outras situações são questões sem respostas, que suscitam
reflexões profundas e diferentes soluções na prática. Em primeiro lugar não se pode perder de
vista que todo conhecimento humano, científico ou não, deve servir à humanidade e existir em
função da dignidade do ser humano. Lembramos aqui o princípio bioético da “beneficência” e o
da “não maleficência”.

Todo conhecimento deve ter como objetivo trazer o maior benefício possível à pessoa
humana, ou de pelo menos, não lhe causar nenhum mal. O fascínio pela técnica não deve
jamais superar os valores da ética. É desejo humano a superação da natureza, a submissão do
ambiente às suas necessidades e desejos. É expressão do mundo racional/ocidental o desejo de
vencer o fim da vida humana.

29.1 O PAPEL DA BIOÉTICA E DO BIODIREITO


Propõe-se a bioética ao levantamento de questões, alinhamento de possibilidades
de acerto e de erro, de benefícios e de malefícios. Unindo-se a ela caberá ao biodireito traçar as
exigências mínimas para a compatibilização dos avanços da biociência com os princípios e
valores humanos. Caberá à bioética desenvolver análise acerca das condições necessárias para
que um ato humano seja acolhido pela ética e pela moral; para que seja qualificado como bom
ou mau, justo ou injusto, moral ou imoral. Ao biodireito cabe a normatização, o regramento do
comportamento como positivo ou negativo de acordo com os princípios e valores humanos e
bioéticos. 141

29.2 O PACIENTE TERMINAL

Não é fácil a tarefa de se definir de modo objetivo o que é um paciente em fase


terminal da vida. A grande maioria dos profissionais da saúde prepara-se para a prevenção de
doenças para o diagnóstico e tratamento, para os cuidados intensivos, mas bem poucos estão
preparados para a morte, para o momento de dar um basta ao uso de métodos inúteis e permitir
que o paciente, com dignidade e naturalmente, despeça-se da vida.

Ocorrem muitas vezes orgulho e vaidade, no caso dos profissionais, ou apego


humano, no caso dos familiares e até do próprio paciente. Não podemos nos esquecer que
muitas vezes, e quase sempre, a própria pessoa também não quer morrer e o momento natural
da morte é adiado com artifícios bioquímicos, farmacológicos e tecnológicos. A morte ainda nos
assombra, mas deixa de ser uma questão psíquica e passa a ser uma questão ética e jurídica
quando estão envolvidos os jogos econômicos da utilização de métodos sofisticados em
circunstâncias absolutamente adversas à continuidade da vida.

Não são poucas as vezes em que um paciente sem condições terapêuticas é mantido
atado a tubos e fios, conectado a aparelhos, e morre sozinho, isolado, longe da família, de quem
lhe segure a mão, que lhe expresse amor, sem qualquer atenção à sua dignidade. Na verdade a
avaliação do estado terminal de um paciente pode ser uma questão bastante subjetiva do ponto
de vista do próprio paciente, de suas possibilidades pessoais, do médico que o assiste e da
família. Isto quer dizer que o reconhecimento do estado terminal de paciente é um processo
cultural, e humano, que ultrapassa as fronteiras da biologia.

Obviamente há dados objetivos, como exames laboratoriais aliados à experiência do


profissional, que podem tornar menos imprecisos esse momento. A admissão de esgotamento
dos recursos materiais não significa o esgotamento dos cuidados a serem dedicados ao
paciente, mas ao contrário, abre novas perspectivas. Mudam os instrumentos, mas os cuidados
permanecem agora mais humanizados.
142
Família e profissionais devem investir em cuidados que diminuam o desconforto, que
aliviem a dor. É o momento em que o ser biopsicosocioespiritual toma o lugar do ser biológico. A
equipe multidisciplinar tem grande importância no atendimento das necessidades psíquicas e
espirituais do paciente em estado terminal. Respeitar a individualidade do paciente, sua
autonomia, são imprescindíveis para a manutenção da dignidade e não permitir que chegue
VIVO ao momento de morrer.

29.2.1 Cuidados Paliativos

Os cuidados paliativos, ou medicina paliativa, é a humanização do atendimento ao


paciente em estado terminal. O único objetivo desses cuidados é melhorar a qualidade de vida
do doente e da sua família. É um modo humanista de cuidar dele. Orienta-se pelo respeito à
dignidade humana no momento de grave transformação física e psíquica, comuns no extinguir
da existência humana.
O alívio da dor é fundamental para melhorar a qualidade de vida desses pacientes e
suas limitações de movimento. Sentir-se seguro e amado tem enorme importância para a
preservação da saúde psíquica. É importante, igualmente, a atenção da equipe multiprofissional
à família cujo desgaste com a situação, principalmente quando a sobrevida é prolongada, pode
gerar esgotamentos físicos e psíquicos percebidos pelo doente, causando estresses, trazendo
transtornos e afetando a saúde psíquica de todos.

29.3 SUICÍDIO ASSISTIDO


O suicídio assistido consiste em auxiliar alguém que não consegue sozinho concretizar
o ato. Tal auxílio pode consistir em prescrição de doses letais de medicamentos ou apenas em
apoio e encorajamento. De um modo ou de outro aquele que contribui para a ocorrência da
morte do outro. Nos EUA, o Dr. Jack Kevorkian já contribui com dezenas de mortes quando
solicitado por pessoas que o procuraram, algumas das vezes colaborou com a morte de pessoas
com que teve um único contato, sem lhes conhecer as razões e veracidade dos males físicos
que alegavam. 143
No estado norte-americano de Oregan a lei permite a prática do suicídio assistido. Na
Suíça se aceita o suicídio assistido ao arbítrio da pessoa que o deseja, dispensa a ajuda médica
e não é necessário que se esteja em estado terminal. Só há impedimento para o suicídio
assistido se houver razões pessoais egoísticas da parte daquele que presta o auxílio. No Brasil,
inobstante a ausência de regra que criminalize o suicídio assistido, não há brecha para tal prática
ser aceita jurisdicialmente, uma vez que, além da consagração do direto à vida na Constituição
Federal o Código Penal prescreve no artigo 122 punição ao induzimento ao suicídio.

29.4 EUTANÁSIA

Eutanásia é palavra de origem grega e significa “boa morte”. Significa uma prática em
que a vida é abreviada em razão de uma enfermidade incurável. A eutanásia compõe-se de dois
momentos: o primeiro é o da intenção de provocar a morte de alguém. Tal intenção pode gerar
uma ação ou uma omissão. Pode-se, por exemplo, fazer o paciente ingerir um medicamento em
dose letal ou, ao contrário, deixar de prestar um cuidado imprescindível para a manutenção da
vida.
Não há para a bioética qualquer diferença entre a ação ou a omissão, uma vez que o
que importa é a intenção, que é provocar a morte. O segundo momento é onde se efetiva a
pretensão, o evento morte. Difere do suicídio assistido porque este é uma vontade do paciente
que solicita ajuda, já a eutanásia o paciente não é consultado acerca da sua vontade.
É importante estabelecer a diferença entre suicídio assistido e eutanásia da decisão de
suspender ou não iniciar um determinado tratamento, cuja eficácia é ou será nula, ou que
apenas gere desconfortos sem efetividade terapêutica senão apenas a vida do paciente. A
diferença está no fato de que a supressão do tratamento ou a sua não implantação não
acrescentará uma causa produtora de morte. Apenas se aguardará que esta ocorra
naturalmente, proporcionando o conforto dos cuidados paliativos.
No Anteprojeto de Código Penal, a eutanásia é tipificada como crime, e no artigo 121,
§4º, há uma situação de exclusão da ilicitude:

Art. 121, § 4º - Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém, por meio
artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e
inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de 144
ascendente, descendente, cônjuge ou irmão. (CÓDIGO PENAL, art. 121).

Já o Projeto de Lei 125/96 propõe a permissão da eutanásia em casos de sofrimento


do paciente e inutilidade do tratamento. O procedimento seria pedido pelo próprio paciente ou,
em caso de impossibilidade, por seus parentes próximos. Em sentido oposto temos o Projeto de
Lei 5.058 de 2005, que propõe a regulamentação do §7º da Constituição Federal e define a
eutanásia e a interrupção voluntária da gravidez como crimes hediondos.

29.5 DISTANÁSIA

Denomina-se distanásia a manutenção artificial da vida de um paciente terminal, não


havendo chances de cura ou de melhora. O paciente é mantido em estado de constante sedação
e algumas funções celulares mantidas por medicação. O significado da palavra é de morte com
sofrimento.

29.6 ORTOTANÁSIA
O significado etimológico de ortotanásia é de morte correta. A ortotanásia é o oposto
da distanásia. É permitir o desenvolvimento natural do processo de morte. Significa, para o
senso comum, a aceitação do momento da morte sem sujeição a técnicas e tratamentos inúteis.
Uma responsável e criteriosa avaliação antecederá a decisão de suspensão dos métodos e
técnicas que mantém a vida artificial. Critérios como a idade do paciente, a gravidade da
situação e a experiência do profissional que avalia são desejáveis.

145
30 A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA

Acontece a objeção de consciência quando há recusa em obedecer a uma norma


emanada do poder estatal por entender que fere seus direitos, sua autonomia. O princípio da
146
dignidade humana é fundamento para o respeito à autodeterminação da pessoa. Não podemos
olvidar, entretanto, que o poder decisório de uma pessoa está diretamente ligado ao seu nível de
esclarecimento. A decisão com base em um entendimento equivocado pode ser danosa para o
próprio paciente.

Desse modo, pode-se entender que nas situações em que o paciente, ou quem por ele
tiver de decidir, não tiver capacidade cognitiva para decidir o que for melhor pra ele, o médico
deverá, com base em seus conhecimentos, decidir por ele o que é melhor, com objeção de
consciência, uma vez que a lei e a ética apontam para o esclarecimento do paciente e seu
consentimento livre e esclarecido.

Em sentido oposto pode-se afirmar que não se justifica a objeção de consciência e que
o paciente sempre poderá ser esclarecido quando se fala de igual para igual, as palavras devem
ser adequadas ao nível de compreensão do paciente, não se admitindo que não haja
consentimento livre e esclarecido.
31 AS QUESTÕES CONTROVERTIDAS, A BIOÉTICA E O BIODIREITO

Os valores da conduta humana ditados pela Bioética não se submetem às técnicas e


descobertas da ciência. Ao contrário, a ciência é que deve submeter-se aos valores da dignidade
humana, da vida e da saúde. O Biodireito com vistas a regular o uso da biotecnologia, tendo 147
como parâmetros o respeito à natureza do ser humano e sua dignidade. A pessoa humana será
sempre prioridade em face de qualquer novidade científica. A ciência deve estar a serviço do
homem ou não será útil à vida.
32 A ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

Os crimes cometidos durante a Segunda Guerra Mundial resultaram na formação do


Tribunal de Nuremberg pelos países aliados. A necessidade de fundamentar os julgamentos
148
resultou na elaboração do Código de Nuremberg, hoje com 62 anos. Atualmente a preocupação
mundial é com os riscos das experimentações de vacinas e medicamentos que envolvem
“grupos populacionais vulneráveis”, entendidos estes grupos como aqueles que premidos por
necessidades socioeconomicas veem-se propensos a submeterem-se a testes e experiências
biomédicas que, via de regra, representam a única maneira de acesso a tratamentos que
possam minorar seus males.

32.1 ORIENTAÇÕES INTERNACIONAIS

O Código de Nuremberg, desde sua elaboração, tem sido a base para orientação das
pesquisas médicas. A persistência no desrespeito à autodeterminação do ser humano fez com
que, em 1964, fossem adicionadas regras ao Código de Nuremberg pela Associação Médica
Mundial, em Helsinque, e mantém a denominação de Declaração de Helsinque, apesar de já
haver sofrido algumas revisões. Na década de 80, diante da persistência de abusos nas
pesquisas biomédicas, a Organização Mundial de Saúde (OMS), juntamente com os Conselhos
Científicos das organizações médicas, elaborou as Diretrizes Internacionais, que é documento
internacional dirigido a toda área biomédica.
32.2 ORIENTAÇÕES NO BRASIL

Desde 1988 o Brasil, por meio de conselhos formados para o estudo das questões 149
bioéticas das pesquisas, vem trabalhando e elaborando regras com vistas a regular as pesquisas
com seres humanos. Em 1985, por estímulo do Conselho Nacional de Saúde, nomeou-se um
Grupo Executivo de Trabalho (GET) com o objetivo de estabelecer normas para a pesquisa
envolvendo seres humanos.

Do trabalho do GET resultou a Resolução CNS 196/96 que é, reconhecidamente, um


dos poucos documentos de natureza essencialmente bioética, elaborado por grupo multi e
interdisciplinar. Sua abrangência é ampla, uma vez que diferentes dos documentos
internacionais que foram elaborados por médicos ou, no mínimo, por profissionais biomédicos.

A Resolução 196/1996 preocupa-se com a pesquisa envolvendo seres humanos em


todas as áreas do conhecimento. Não é um código ou uma lei, mas um instrumento de natureza
bioética. As condições preconizadas são a liberdade, “não preconceito, não coação, grandeza
para alterar opção, humildade para respeitar a opção do outro”, condições essenciais.

O Comitê de Ética é uma composição multidisciplinar com ações interdisciplinares.


Tem a responsabilidade de analisar projetos de pesquisas, identificar conflitos de valores e,
tendo por base a proteção da dignidade do ser humano, analisar a eticidade da pesquisa. Tarefa
que exige uma constante revisão de valores, de análise íntima e tomada de decisão.

Define-se, assim, o Comitê de Ética em Pesquisa:

O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um colegiado interdisciplinar e


independente, com munus público, que deve existir nas instituições que realizam
pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil, criado para defender os interesses
dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e para contribuir com o
desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. (RESOLUÇÃO CNS nº
1961996).
O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) tem como missão:

Salvaguardar os direitos e a dignidade dos sujeitos da pesquisa. (...) Contribuir para 150
a qualidade das pesquisas e para a discussão do papel da pesquisa no
desenvolvimento institucional e no desenvolvimento social da comunidade. Contribuir
ainda para a valorização do pesquisador que recebe o reconhecimento de que sua
proposta é eticamente adequada. O CEP, ao emitir parecer independente e
consistente, contribui ainda para o processo educativo dos pesquisadores, da
instituição e dos próprios membros do comitê. Finalmente, o CEP exerce papel
consultivo e, em especial, educativo, para assegurar a formação continuada dos
pesquisadores da instituição e promover a discussão dos aspectos éticos das
pesquisas em seres humanos na comunidade. Dessa forma deve promover
atividade, tais como seminários, palestras, jornadas, cursos e estudo de protocolos
de pesquisa. (RESOLUÇÃO CNS nº 196/1996).

Não só as pesquisas clínicas devem necessariamente ser avaliadas eticamente, mas


também as pesquisas sociais causam impactos nos sujeitos da pesquisa, podendo inclusive
desestruturá-los psiquicamente, em especial quando se trata de grupos vulneráveis.

32.3 PRINCÍPIOS ÉTICO-JURÍDICOS DAS PESQUISAS ENVOLVENDO SERES HUMANOS

Primeira observação a ser feita refere-se à nomenclatura. Trata-se de pesquisas


envolvendo seres humanos e não pesquisas com seres humanos. E por quê? A preposição
“com” ligando o substantivo “pesquisa” à expressão “seres humanos” dá a ideia de subordinação
do segundo ao primeiro, o que implicaria na subordinação do ser humano à pesquisa, o que é
inadmissível.
Assim, toda pesquisa que envolva seres humanos, direta ou indiretamente, no todo ou
em parte, estando aí abrangidos a utilização e manejo de informações, está subordinada à
observância de princípios básicos expendidos pela Resolução CNS 196/96.

1º - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelo próprio sujeito da


pesquisa ou por seu responsável legal;

2º - Obediência ao princípio bioético da beneficência e da não maleficência;

151
3º - Ter relevância, trazer benefícios relevantes para o sujeito da pesquisa;

4º - Previsibilidade dos possíveis danos e meios para evitá-los;

5º - Benefícios prevalecendo sobre os riscos e danos possíveis;

6º - Os danos porventura causados devem ser reparados;

7º - Os princípios científicos justificadores da pesquisa devem adequar-se à realidade


do campo e devem ser concretas as possibilidades de lidar com imprevistos;

8º - As pesquisas clínicas devem ter fundamentação em experimentos prévios em


animais;

9º - Os métodos e técnicas adequados a cada pesquisa devem ser rigorosamente


observados;

10º - O bem-estar dos sujeitos da pesquisa deve ser rigorosamente observado,


inclusive com adequação de materiais utilizados e recursos humanos disponibilizados e
supervisionados;

11º - A competência do pesquisador deve estar adequada ao nível da pesquisa;

12º - Garantia ao sujeito da pesquisa de que haverá confidencialidade e privacidade e


não utilização de informações que possam lhe trazer prejuízos socioemocionais;

13º - Respeito aos valores sociais, morais, éticos, culturais e religiosos;

14º - Comunicar às autoridades sanitárias os resultados de pesquisas que tenham


interesse à saúde coletiva;
15º - Não haver conflitos de interesses entre o pesquisador, o sujeito da pesquisa e o
patrocinador da pesquisa, se houver;

16º - O uso do material e dos dados da pesquisa exclusivamente para os fins previstos
no protocolo.

Tal elenco de princípios está editado em respeito aos princípios de bioética e biodireito:
152
I) Autonomia da Vontade - o sujeito da pesquisa decide livremente a sua participação;

II) Beneficência - os riscos devem ser minimizados, razoáveis ou proporcionais às


vantagens esperadas;

III) Não Maleficência - vedada qualquer intenção de causar danos;

IV) Justiça Distributiva - deve haver uma distribuição equânime de riscos e benefícios,
de ônus e bônus entre o grupo de sujeitos participantes da pesquisa. Permite-se apenas
distinção dos sujeitos vulneráveis.
33 BIOTECNOLOGIA

Biotecnologia é como chamamos os estudos e processos que envolvem diferentes


campos do saber básico, como a biologia e suas ramificações, os saberes aplicados, como a
153
bioquímica, a imunologia, por exemplo, e saberes tecnológicos, como a informática, a robótica, o
controle de processos. Daqui pra frente vamos tratar da apresentação de alguns temas que vêm
sendo objeto de estudo e reflexão em todo o mundo por sua importância científica e social. De
cada tema faremos apenas a apresentação e o convite à reflexão.

33.1 ENGENHARIA GENÉTICA E GENOMA HUMANO

A engenharia genética é parte da genética que trata do transporte de informações


genéticas entre células. As informações são diferentes daquelas contidas nas células para onde
foram levadas e dão origem a novas características no organismo receptor. As informações
contidas em uma célula denominam-se Genoma. No DNA, ácido desoxirribonucleico é onde
estão contidas todas as informações das características de cada pessoa. O conhecimento de
todo o código genético humano e das alterações responsáveis pelo surgimento das doenças
hereditárias é o objetivo do Projeto Genoma. A Declaração Universal do Genoma Humano prevê
a preservação da dignidade humana.

A DIGNIDADE HUMANA E GENOMA HUMANO - 29ª SESSÃO DA CONFERÊNCIA


GERAL DA UNESCO, DE 21 DE OUTUBRO A 12 DE NOVEMBRO DE 1997.
Artigo 1 - O genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os
membros da família humana, assim como do reconhecimento de sua inerente
dignidade e diversidade. Em sentido simbólico, é o legado da humanidade.
Artigo 2
a) Toda pessoa tem o direito de respeito a sua dignidade e seus direitos,
independentemente de suas características genéticas. b) Essa dignidade torna
imperativo que nenhuma pessoa seja reduzida a suas características genéticas e
que sua singularidade e diversidade sejam respeitadas.
Artigo 3 - O genoma humano, que por natureza evolui, é sujeito a mutações. Contém
potenciais que são expressos diferentemente, de acordo com os ambientes natural e
social de cada pessoa, incluindo seu estado de saúde, suas condições de vida, sua
nutrição e sua educação.
Artigo 4 - O genoma humano no seu estado natural não deve levar a lucro financeiro.
154
B. DIREITOS DAS PESSOAS

Artigo 5
a) Qualquer pesquisa, tratamento ou diagnóstico que afete o genoma de uma pessoa
só será realizado após uma avaliação rigorosa dos riscos e benefícios associados a
essa ação e em conformidade com as normas e os princípios legais no país.

b) Obter-se-á, sempre, o consentimento livre e esclarecido da pessoa. Se essa


pessoa não tiver capacidade de autodeterminação, obter-se-á consentimento ou
autorização conforme a legislação vigente e com base nos interesses da pessoa.

c) Respeitar-se-á o direito de cada pessoa de decidir se quer, ou não, ser informada


sobre os resultados do exame genético e de suas consequências.

d) No caso de pesquisa, submeter-se-ão, antecipadamente, os protocolos à revisão à


luz das normas e diretrizes de pesquisa nacionais e internacionais pertinentes.

e) Se, de acordo com a legislação, a pessoa tiver capacidade de autodeterminação,


a pesquisa relativa ao seu genoma só poderá ser realizada em benefício direto de
sua saúde, sempre que previamente autorizada e sujeita às condições de proteção
estabelecidas na legislação vigente. Pesquisa que não se espera traga benefício
direto à saúde só poderá ser realizada excepcionalmente, com o maior controle,
expondo a pessoa a risco e ônus mínimos, sempre que essa pesquisa traga
benefícios de saúde a outras pessoas na mesma faixa etária ou com a mesma
condição genética, dentro das condições estabelecidas na lei, e contanto que essa
pesquisa seja compatível com a proteção dos direitos humanos da pessoa.

Artigo 6 - Ninguém poderá ser discriminado com base nas suas características
genéticas, de forma que viole ou tenha o efeito de violar os direitos humanos, as
liberdades fundamentais e a dignidade humana.
Artigo 7 - Os dados genéticos relativos à pessoa identificável, armazenados ou
processados para efeitos de pesquisa ou qualquer outro propósito de pesquisa,
deverão ser mantidos confidenciais nos termos estabelecidos na legislação.
Artigo 8 - Toda pessoa tem direito, em conformidade com as normas de direito
nacional e internacional, à reparação justa de qualquer dano havido como resultado
direto e efetivo de uma intervenção que afete seu genoma.
Artigo 9 - Com vistas a proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais,
qualquer restrição aos princípios de consentimento e confidencialidade só poderá ser
estabelecida mediante lei, por razões imperiosas, dentro dos limites estabelecidos no
direito público internacional e a convenção internacional de direitos humanos. (A
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO GENOMA HUMANO E DOS DIREITOS
HUMANOS, 1997).
33.2 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Às operações da biotecnologia que visam à união artificial dos gametas feminino e


masculino para dar origem a um ser humano chamamos de Reprodução Humana Assistida. As
155
operações para a Reprodução humana assistida podem se dar por ectogênese ou fertilização in
vitro, ou por inseminação artificial, que é a fertilização in vivo.

A finalidade de tais técnicas é resolver problemas de infertilidade humana perante a


ineficácia de outros tratamentos, em respeito ao direito de concepção e descendência. Apenas a
título ilustrativo lembramos que tal direito também pode ser exercido por meio da adoção, mas
esta é uma longa e fascinante discussão que requer equipe multidisciplinar e que não cabe
nesse nosso espaço. Com fertilização in vitro surgem situações pouco usuais.

33.2.1 Fertilização in Vitro

a) a fecundação externa, in vitro, do óvulo da mulher com sêmen de seu marido ou


companheiro e a transferência para o útero de outra mulher;

b) a fecundação in vitro com sêmen e óvulo de pessoas desconhecidas, a pedido do


casal, e transferência para o útero da mulher;

c) fecundação com o sêmen do marido ou companheiro do óvulo de uma estranha e


implantação no útero da mulher ou companheira;

d) fertilização in vitro de óvulo da mulher com o sêmen do marido e transferência para


o útero da própria mulher;
e) fertilização do óvulo da mulher com sêmen de estranho e transferido para o útero de
outra mulher;

f) fecundação do óvulo da mulher com sêmen do marido e enviado para congelamento


para depois da morte da mulher ser implantado no útero de outra mulher ou em caso de morte
do marido ou companheiro ser implantado no útero da própria mulher ou de outra.

156

33.2.2 Inseminação Artificial

a) Inseminação Homóloga: é realizada na esposa ou companheira com sêmen do


marido durante a vida deste, ou após a sua morte; b) Inseminação Heteróloga: realizada na
esposa ou companheira com sêmen de estranho.
34 DOAÇÃO DE OÓCITOS, DE SÊMEN E A CRIOCONSERVAÇÃO

Como já vimos anteriormente, a Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, não se aplica à


doação de oócitos e de sêmen. 157

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º - A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida


ou post-mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta
Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os
tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. (LEI
9.434/1997, art. 1º, grifo nosso).

Assim, até que venha lei que regule a doação de óvulos e sêmen, o procedimento está
regulado, eticamente, pela Resolução nº 1358 do Conselho Federal de Medicina, tratando
inclusive da doação temporária de útero. Transcrevemos apenas alguns trechos da Resolução
que são interessantes para o momento, mas a íntegra pode ser conhecida no site
http://www.ghente.org/doc_juridicos/resol1358.htm.

RESOLUÇÃO CFM Nº 1.358, de 1992


Publicada no D.O.U. dia 19.11.92-Seção I Página 16053.
NORMAS ÉTICAS PARA A UTILIZAÇÃO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
ASSISTIDA

I - PRINCÍPIOS GERAIS
1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução
dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação
atual de infertilidade.
2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de
sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível
descendente.
3- O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e
doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de
uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações
devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O
documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará
completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo
ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de
evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 - É proibida a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que
não seja a procriação humana.
6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora
não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes
de multiparidade.
7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a 158
utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.

IV - DOAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES


1 - A doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial.
2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.
3 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de
gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as
informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas
exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.
4 - As clínicas, centros ou serviços que empregam a doação devem manter, de forma
permanente, um registro de dados clínicos de caráter geral, características
fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores.
5 - Na região de localização da unidade, o registro das gestações evitará que um
doador tenha produzido mais que 2 (duas) gestações, de sexos diferentes, numa
área de um milhão de habitantes.
6 - A escolha dos doadores é de responsabilidade da unidade. Dentro do possível
deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a
máxima possibilidade de compatibilidade com a receptora.
7 - Não será permitido ao médico responsável pelas clínicas, unidades ou serviços,
nem aos integrantes da equipe multidisciplinar que nelas prestam serviços,
participarem como doadores nos programas de RA.

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES


1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, óvulos
e pré-embriões.
2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos
pacientes, para que decidam quantos pré-embriões serão transferidos a fresco,
devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.
3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem
expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-
embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de
falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO


ÚTERO)
As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de
RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que
exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora
genética.
1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora
genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à
autorização do Conselho Regional de Medicina.
2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
(RESOLUÇÃO CFM Nº 1.358, de 1992, grifo nosso).
De conteúdo eminentemente ético a Resolução procura minimizar os efeitos danosos
que poderiam advir para os envolvidos da utilização da RA. Como em qualquer doação é
imprescindível o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a doação deve ser feita a título
gratuito e é vedada a utilização dos óvulos ou do sêmen para fins diversos da procriação
humana. Não poderá ser usada a técnica para a escolha do sexo de embrião. Os doadores não
devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa.

159
35 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL DA SAÚDE

Entendemos importante incluir nesse módulo as noções sobre responsabilidade dos


profissionais da área da saúde por estarem diretamente envolvidos com os processos de manejo 160
das biotécnicas, embora o assunto tenha tratamento mais adequado pela Responsabilidade
Civil, especialidade do Direito Civil. Normalmente, o que leva uma pessoa a procurar os serviços
de saúde é estar acometida de um mal-estar. Tal situação a coloca em um natural estado de
fragilidade.

A diferença de conhecimento especializado entre o paciente e o profissional coloca


aquele em uma condição díspar quanto ao conhecimento e capacidade de convencimento e a
relação respalda-se no elemento confiança. As relações que se estabelecem são de consumo e
devem ser respaldadas na boa-fé. A responsabilidade do profissional autônomo será apurada
mediante a comprovação de que agiu com culpa: negligência, imprudência ou imperícia.

Quando empregado, a instituição empregadora responderá objetivamente, isto é, será


responsável pelo dano a menos que se prove que a culpa foi da vítima, mas terá ação regressiva
contra o profissional responsável pelo dano.

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.


Dos Direitos do Consumidor
Capítulo I
Disposições Gerais
Art. 2° - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2°- Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde
e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a
ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e
equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (LEI Nº 8.078, de 1990,
grifo nosso).

161
Estaremos considerando as situações em que, por negligência, imprudência ou
imperícia, o profissional causou a morte ou grave lesão com ocorrência ou não de sequelas.
Houve a prática de ato ilícito, gerando a obrigação de indenizar.

CÓDIGO CIVIL

TÍTULO IX
Da Responsabilidade Civil
Capítulo I
Da Obrigação de Indenizar
Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
(CÓDIGO CIVIL, art. 927, § único).

O Código Civil de 1916 referia-se expressamente à obrigação de indenizar dos


médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentista. O diploma legal de 2002 trata de modo
geral o dever de indenizar, não se referindo especificamente a algumas profissões.

Capítulo II
Da Indenização
Art. 944 - A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Art. 945 - Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano.
Art. 946 - Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato
disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das
perdas e danos na forma que a lei processual determinar.
Art. 947 - Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada,
substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente.
Art. 948 - No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras
reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da
família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em
conta a duração provável da vida da vítima.
Art. 949 - No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido
das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença,
além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950 - Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu
ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além
das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá
pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único - O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja
arbitrada e paga de uma só vez. 162
Art. 951 - O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de
indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o
mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990


Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 – CDC)
SEÇÃO II
Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço
Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
§ 4° - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa. (LEI 8.078/90, art. 14, § 4º).

35.1 RESPONSABILIDADE INSTITUCIONAL

As instituições de saúde, hospitais, casa de saúde, clínicas, etc., respondem


objetivamente pelos danos sofridos pelos pacientes atendidos em suas dependências, tendo
ação de regresso em face do responsável pelo dano.

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990


Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 – CDC)
SEÇÃO II
Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço
Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência
de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° - O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor
dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre
as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º - O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (LEI Nº 8.078, 1990, art. 14).

163
36 OS DIREITOS DO PACIENTE

Terminamos esse item falando de direitos do paciente. Deixamos para o fim não por
ser de menos importância, pelo contrário, mas por ser uma estratégia de reflexão afinal. A
164
bioética e o biodireito visam à proteção e à manutenção da dignidade humana de pessoas em
um aspecto especial de cuidados com a saúde. É importante refletirmos acerca do fato de ser
necessário um elenco de direitos do paciente.

Não é o paciente uma pessoa com direitos inerentes à sua própria condição humana?
Quem somos nós que precisamos que nos digam que é preciso tratar com dignidade nosso
semelhante? Os dispositivos ora elencados têm por base documentos que atribuem direitos e
inspiraram a compilação feita pelo SUS/RJ.

DIREITOS DO PACIENTE

Declaração Universal dos Direitos - Constituição da República Federativa do Brasil

Código de Ética Médica

Estatuto da Criança e do Adolescente

Lei 8.112/ 90 – Responsabilidade do Servidor Público

Lei Estadual/RJ 2.472/95

Lei Estadual/RJ 2.828/97

PT – MS - Portaria do Ministério da Saúde

Todo cidadão tem direito a cuidados médicos sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, sexo, idade, condição social, nacionalidade, opinião política, religiosa
ou de outra natureza ou, por ser portador de qualquer doença, infectocontagiosa ou
não. (Princípio da Igualdade)

A maternidade e a infância têm direito a cuidados especiais. (Direto à Vida)

Todo paciente tem direito a atendimento gratuito e atencioso, respeitados seus


interesses, segurança e pudor, em local digno e adequado. (Princípio da
Dignidade)
Serão utilizados todos os recursos disponíveis para exames e tratamento em favor
do paciente. (Igualdade, Equidade)

É direito de o paciente receber tratamento de urgência em períodos festivos, feriados


ou durante greves profissionais. (Dignidade)

Em caso de urgência, o paciente tem direito a atendimento imediato na unidade em


que estiver, se não houver outro médico ou serviço de saúde em condições de fazê-
lo. (Dignidade, Equidade)

O paciente, ou seu responsável, tem direito à ficha clínica ou prontuário médico


individual, com resultado dos exames, descrição de seu estado de saúde e do
tratamento a que está sendo submetido. (Autonomia) 165
Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para
a permanência, em tempo integral, de um dos pais ou responsável, nos casos de
internação de crianças e adolescentes (até 18 anos). (Direito à Vida Digna - Afeto)

É obrigatório aos hospitais públicos, contratados ou conveniados com o SUS,


viabilizar meios que permitam a presença de acompanhante de pacientes maiores de
60 anos de idade, durante o período de internação. (Vida Digna - Afeto)

Qualquer procedimento médico (exame ou tratamento) será realizado com o


conhecimento e consentimento prévios do paciente. Para isso, ele pode exigir
explicações claras sobre seu estado de saúde, os métodos e resultados de seus
exames, sobre o tratamento a que deva ser submetido, seus riscos, objetivos e
provável duração. (Consentimento Livre e Esclarecido)

Se o médico julgar que a comunicação direta ao paciente pode causar-lhe danos ou,
ainda, se ele não estiver em condições de compreendê-las, as explicações serão
dadas a seu responsável, o qual dará consentimento ou não para os procedimentos
médicos. (exclusão da objeção de consciência)

O paciente, ou seu responsável, tem direito de desistir do consentimento dado


anteriormente. (Autonomia)

O médico poderá solicitar que paciente ou seu responsável dê o consentimento por


escrito, assim como declaração da desistência do exame ou tratamento. (Liberdade,
Autonomia)

Quando o paciente estiver correndo risco de vida, o médico responsável determinará


os exames e tratamentos necessários, independente do conhecimento ou
consentimento prévio do paciente. (Temos aqui, explicitamente, uma situação de
objeção de consciência.)

Serão informadas ao paciente as prováveis causas de sua doença e as condições


que podem agravá-la. Quando trabalhador, o paciente será alertado sobre condições
de trabalho que coloquem em risco sua saúde. (Liberdade, Autonomia, Dignidade)

As receitas médicas serão dadas por escrito, em letra legível, assinadas, com
identificação clara do nome do médico e seu número de registro no Conselho
Regional de Medicina. (Autonomia, Liberdade, Dignidade)

Dela constarão o nome comercial do medicamento e genérico, quando houver, e a


forma de utilização. (Autonomia, Liberdade, Dignidade)
É direito do paciente solicitar todo esclarecimento que julgar necessário para o
tratamento correto. (consentimento livre e esclarecido)

As informações sobre o paciente são segredos profissionais. O médico só poderá


revelá-las com autorização expressa do paciente ou se houver riscos à saúde de
terceiros, à saúde pública ou por imposição legal.

Se o paciente não tiver capacidade de avaliar e solucionar seus problemas e a não


revelação de seus segredos puder acarretar danos à sua saúde, as informações
serão reveladas ao seu responsável.

É direito do paciente exigir que todo material utilizado nos procedimentos médicos
seja descartável ou esterilizado e manipulado higienicamente. 166
Quando estiver internado, o paciente tem direito à alimentação adequada e higiênica,
preparada sob orientação de nutricionista. (Autonomia, Liberdade, Dignidade)

Nos casos de procedimentos especiais, como doação e transplante, esterilização,


fecundação artificial e abortamento, é direito do paciente receber todos os
esclarecimentos, inclusive sobre seus aspectos legais. (Consentimento Livre e
Esclarecido)

O paciente tem direito de recusar ou consentir ser submetido a exames ou


tratamentos experimentais ou que façam parte de pesquisa. Caso o paciente seja
consultado sobre consentimento para utilização de métodos experimentais ou
participação em pesquisas, é seu direito ser informado sobre os benefícios, riscos e
probabilidades de alteração em suas condições de dor, sofrimento e
desenvolvimento de sua doença. O consentimento será feito por escrito.
(autonomia)

Se o paciente não estiver em condições de decidir, qualquer experiência ou pesquisa


só poderá ser feita se for para seu próprio benefício e com o consentimento por
escrito de seu responsável. (Beneficência; Dignidade)

É direito do paciente receber declaração, atestado ou laudo médico para


apresentação a seu empregador, assim como para transferência ou
encaminhamento para outro profissional ou Unidade de Saúde para continuidade do
tratamento ou na alta.
Tais declarações serão dadas por escrito, em letra legível, assinadas, com
identificação clara do nome do médico e seu número de registro no Conselho
Profissional. (Dignidade)

É direito dos familiares de paciente falecido serem imediatamente avisados de sua


morte e receberem declaração de óbito emitido pelo médico que o assistia, exceto
quando houver evidências de morte violenta. (Dignidade)

Ao prestar serviço em unidades públicas, o médico é proibido de encaminhar o


paciente a serviços particulares, que acarretem despesas para o paciente. (ética
medica)

O paciente tem direito de não ser abandonado pelo médico que o mantém sob seus
cuidados. Para renunciar ao atendimento o médico deve comunicar ao paciente ou
ao seu responsável legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e
fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder.
(Dignidade) (LEI ESTADUAL/RJ 2.472/95).
Da leitura dos dispositivos supra é possível verificar que todos os princípios bases da
bioética e do biodireito encontram-se explícita ou implicitamente no elenco. Todos os dispositivos
visam o respeito à dignidade humana. Ao lado de alguns assinalamos o princípio ou valor
preponderante, não significando que não estejam implícitos nas normas outros princípios e
valores.
167
37 A BIOÉTICA, O BIODIREITO E A REALIDADE DO SÉCULO XXI

O século que passou mudou alguns paradigmas para a vida humana. Despertamos
para os cuidados com o corpo, para a saúde como um valor. Os exageros que presenciamos 168
devem-se ao movimento pendular da vida, da simetria nas mudanças comportamentais. Ao
sairmos de um polo onde permanecemos por muito tempo, como um pêndulo, vamos
imediatamente para o lado simetricamente oposto, e com o apaziguamento dos vai e vem entre
as posições que se opõem é que faremos os ajustes entre os opostos e alcançaremos o
equilíbrio.

As pesquisas, os avanços das técnicas, as novidades da biotecnologia, se por um lado


trouxeram alívio para algumas dores, renovaram esperanças, por outro lado nos mostraram uma
face sombria de nos mesmos: o egoísmo, a prepotência, o descaso com o outro e questões
ético-jurídicas têm representado um novo campo de reflexão nas relações entre profissionais da
saúde e seus clientes.

Diante da nova realidade a bioética e o biodireito apressaram-se em transformar os


velhos modos de relação e de legitimação. A necessidade de se impor uma nova ética logo se
apresentou diante dos avanços biotecnológicos. Da ética da liberdade de inovação científica
passamos à ética da responsabilidade. Neste século XXI somos desafiados a resgatar princípios,
sentimentos, delicadezas e cuidados. A dignidade humana é o paradigma do século e das ações
na área da saúde.

Bioética e biodireito estão desafiados a contribuir com as ciências da vida,


despertando a consciência da transcendência da própria vida, atentando para possibilidade e
necessidade da vida solidária; a abrir espaços para diálogos e reflexões, sem domínios ou
hegemonia de saberes; engendra a consciência de que a tecnologia deve servir à humanidade e
não aprisioná-la. E, acima de tudo, bioética e biodireito tem o desafio de promover o respeito à
dignidade da pessoa humana e o estímulo a transformações nas condições da existência. O
destino da bioética e do biodireito é propiciar meios de transposição para um futuro de harmonia
entre o conhecimento científico e a dignidade do homem.
38 RESUMO

As técnicas de transplante de órgãos começaram a ser desenvolvidas na Antiguidade,


mas só na década de 50 do século passado é que começamos a ter notícias de transplantes 169
realizados e bem-sucedidos na fase científica desse procedimento. Não obstante o direito ao
próprio corpo seja direito da personalidade, há interferência estatal nos limites da disposição do
próprio corpo para transplantes no sentido de se evitar comercializações que aviltariam a
dignidade humana.

No direito brasileiro, além das normas constitucionais temos leis infraconstitucionais


que vedam explicitamente a comercialização de órgãos e tecidos e, por outro lado, há estímulos
à doação solidária. Questão crucial é a de se estabelecer o momento exato de se retirar o órgão
na doação post mortem, visto ainda ser delicado o diagnóstico de morte encefálica. A
controvérsia em torno do tema incitou a resolução do Conselho Federal de Medicina a
estabelecer critérios para a caracterização de morte encefálica.

O direito à morte digna é também um tema que desafia a bioética e o biodireito.


Suicídio Assistido, Distanásia, Eutanásia, Ortotanásia, Cuidados Paliativos, são polêmicas
desafiadoras das legislações do mundo todo e a bioética e o biodireito não podem se furtar de
enfrentá-las.

Bioética e o biodireito foram chamados para transformar as relações entre as


pesquisas científicas e a pessoa, tida como “coisa”, objeto de pesquisa. As transformações
iniciaram-se com a criação de equipes multidisciplinares para fazerem exame crítico dos
protocolos de pesquisa, com participação inclusive dos usuários dos serviços de saúde e o
deslocamento da pessoa, que deixou de ser objeto para ser sujeito da pesquisa. Ser humano
não pode ser coisificado. A formação e o trabalho desse Comitê estão regrados, no Brasil, pelo
Conselho Nacional de Saúde, na Resolução 196/96.

Engenharia Genética, Projeto Genoma, Reprodução Assistida por Fertilização In Vitro


ou Inseminação Artificial, Doação Temporária de Útero, a Doação de Óvulo e Esperma, são
temas que desafiam a bioética e o biodireito em razão das mudanças que impõem nas relações
sociais. O profissional da saúde, no exercício da sua profissão responderá civilmente pelo dano
que causar ao seu cliente. Para ser responsabilizado civilmente será apurada a culpa:
negligência, imprudência ou imperícia. No caso institucional a responsabilidade é objetiva e
independe da apuração de culpa.

Finalizamos tratando dos direitos do paciente e lamentando que seja necessário tratar
separadamente dos direitos de um ser humano que se encontra, temporariamente, ou não, em
estado de debilidade da saúde e como qualquer outro deve ter sua dignidade respeitada acima
170
de tudo.
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