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1 APRESENTAÇÃO......................................................................................................................7
2 AS TRANSFORMAÇÕES DISCIPLINARES.............................................................................10
3 CONCEITUANDO .....................................................................................................................13
9 PERSONALIDADE....................................................................................................................47
12 RESUMO ..................................................................................................................................44
13 A CIÊNCIA E A ÉTICA..............................................................................................................46
14 BIOÉTICA .................................................................................................................................48
16 BIODIREITO..............................................................................................................................55
17 O ABORTO ...............................................................................................................................71
19 RESUMO ...................................................................................................................................89
26 RESUMO ..................................................................................................................................126
29.4 Eutanásia..................................................................................................................................143
33 BIOTECNOLOGIA ...................................................................................................................153
38 RESUMO ..................................................................................................................................169
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REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................171
1 APRESENTAÇÃO
O conteúdo deste primeiro módulo tem o propósito de nos situar no ambiente no qual
vem sendo construídos os saberes que compõem o Biodireito. Para que tenhamos a dimensão
da matéria com que estamos travando, esse contato é importante para sabermos em que
contexto ela teve seu nascedouro, quais são suas propostas e qual o caminho que vem 7
traçando.
A bioética nasceu e cresceu, nas últimas três décadas, animada pela biologia 9
molecular e pela biotecnologia aplicadas à medicina. Denúncias de abusos contra a vida humana
aproximaram filósofos e teólogos preocupados com a qualidade da vida, com a reprodução, o
nascimento, o viver e o morrer. O presente estudo tem por objetivo apresentar àqueles que se
interessam pelo tema uma disciplina que vem se construindo constantemente, na qual a
formulação teórica vem caminhando lado a lado com o mundo das ações, com o fascínio das
descobertas, com as inovações da tecnologia. É um caminho que vem sendo construído durante
o caminhar.
Não temos pretensões, nem poderíamos ter, de trazer formulações prontas, intocáveis,
mas desejamos tão somente apresentar uma matéria que se encontra em seu nascedouro e
estimular contribuições daqueles que se interessam pelas reflexões éticas e pela regulação dos
comportamentos. Importante destacar que nem todos os assuntos que interessam ao Biodireito
serão aqui tratados, pois não seria possível, são inumeráveis, brotam das reflexões, dos saberes
múltiplos, das inter-relações das disciplinas.
Tudo o que conhecemos hoje teve sua origem na filosofia, a arte de pensar, e todas as
reflexões têm por finalidade a resolução das questões humanas. Todo o saber tem uma só
origem, a alma humana, e uma só finalidade que é tornar o espírito humano mais feliz. O homem
quer suprir suas necessidades e satisfazer seus desejos. O ser humano é insatisfeito,
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questionador, buscador e almeja uma felicidade transcendente, uma satisfação constante e, em
regra, busca saciar essa sensação de incompletude no mundo ilusório que cria fora de si
mesmo.
Não são poucas as lendas e histórias infantis em que o reino depende dos
conhecimentos de alguém que vem de longe, de fora, e é chamado de sábio. Ocorre que nem
sempre o conhecimento vem acompanhado da sabedoria. E é justamente a sabedoria na
aplicação do conhecimento que fará dele a redenção de toda a sociedade ou a sua subjugação
ao domínio de poucos. O desconhecimento é uma das causas de submissão. O
desconhecimento, em qualquer área, deixa em nível de inferioridade o desconhecedor daquele
assunto.
Desta forma, desejamos que esse nosso encontro e convívio possibilitado pela era
tecnológica, pela quebra de paradigmas, pelo desejo unificador, venham a ser proveitosos para
todos e que possamos chegar ao final transformados, engrandecidos e verdadeiramente
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inseridos em um contexto de conjugação dos saberes a que somos convocados pela evolução
humana.
A Biologia, como toda ciência objetiva, separou-se da filosofia como se possível fosse
apartar a vida física da reflexão. A ciência nasce, toma corpo e ganha o mundo a partir de uma
primeira reflexão. Todo saber nasce da arte de pensar. É esse atributo que torna o humano
diferente dos demais seres do planeta, que lhe outorga a responsabilidade pela vida, pelo
cuidado consigo, pelo cuidado com o outro e com o ambiente.
Para melhor nos situarmos nas dimensões do nosso assunto principal é imprescindível
que assentemos entendimento acerca de alguns conceitos que, certamente, ampliarão a
compreensão acerca da disciplina. Sendo o humano um ser curioso, questionador, buscador de
soluções, consideramos interessante apresentarmos os termos em forma de questões e 13
sugerimos que antes de ler a definição oferecida responda você mesmo às perguntas, busque
dentro de você a resposta e irá se surpreender com a quantidade de saberes que possui.
Ética é parte da filosofia que trata de princípios e valores que regem as relações
humanas. Faz reflexões acerca do bem e do mal, do certo e do errado, levando em consideração
valores gerais e abstratos, e regras universalmente aceitas. Retirando o conceito de ética do
mundo das ideias e trazendo para o mundo dos fenômenos, da realidade social, traçaremos aqui 14
uma breve diferenciação entre as regras da ética e as regras da técnica.
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3.2 O QUE É MORAL?
A moral também se refere a valores e impõe regras de convívio sendo, porém, adstrita
a uma cultura, a uma sociedade, a um grupo. Enquanto a ética é universal, a moral diz respeito a
grupos determinados, em locais específicos. Em certo sentido, falar em moral remete-nos a
costumes, valores e normas de certos grupos, de culturas específicas. Enquanto que a ética é
geral e abstrata.
Assim, por exemplo, atitudes consideradas imorais e reprimidas no Brasil podem ser
perfeitamente aceitas em outros países e vice-versa. Aquilo que é comum, habitual, aceito
socialmente no Brasil poderá ser considerado imoralidade em um país de cultura mulçumana,
por exemplo. Como qualquer regra as normas morais têm sanções para o caso de
descumprimento. Aquele que infringe uma regra moral sofre a sanção imposta pelo grupo, com
exclusão, afastamento ou sofre mesmo uma sanção interna, padecendo de culpa, de sentimento
de inferioridade ou outras afecções psíquicas de caráter íntimo.
O infrator de uma regra moral pode sofrer a sanção em sua intimidade com a dor da
exclusão do grupo, pelo isolamento social. A moral religiosa, por exemplo, pode fazer com que
aquele seguidor de determinada religião que a infringe sinta-se intimamente menor, pecador,
mesmo que não haja conhecimento de seus pares acerca da infração que cometeu. A sanção é
de foro íntimo, é interna, é a dor de não ter atingido um ideal, de ter ofendido a Deus.
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Etimologicamente, Direito é aquilo que é reto, que segue sem desvios. Socialmente é
aquilo que está conforme a razão, a justiça e a equidade. O ser humano com suas necessidades
particulares necessita, em sua rota de evolução, de limites que minimizem os conflitos entre
desejos opostos, de regras que o façam, coercitivamente, respeitarem os desejos e as
necessidades alheias.
Nenhuma regra de direito terá eficácia se não vier acompanhada de penalidade para o
caso de ser descumprida. No direito penal temos as penas, no direito civil temos, por exemplo,
as multas, as indenizações, para os casos de descumprimento das regras impostas. O Direito
não se concebe fora do contexto social, assim como não se pode compreender grupo social sem
regras de comportamento e sem sanções para o seu descumprimento. Todo grupo tem suas
regras e suas sanções. Cada família, por exemplo, tem suas normas, muitas vezes tácitas, que
são construídas em silêncio, mas que todos trazem no íntimo e sabem que descumprimento e o
desacordo serão geradores de atritos.
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Juridicamente, costume é o princípio ou a regra que por sua prática continua com o
consentimento social, que adquiriu força de norma de comportamento a ser seguida. O Direito
Consuetudinário, ou Costumeiro, é compreendido como o conjunto de regras advindas do
costume, de práticas repetidas e aceitas socialmente.
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As sanções para a transgressão dos valores morais serão internas, as pessoas podem
se sentir culpadas, punidas e, às vezes, podem mesmo ser banidas do convívio com o grupo. As
penas para as transgressões morais não são emanadas de poder externo, são de foro íntimo,
não atingem a todos indiscriminadamente, mas apenas aos integrantes daquele grupo.
3.3.6 Saúde, o que é?
Se para ser e estar saudável o ser humano deve estar gozando de “bem-estar físico,
mental e social” é necessário que nos desfaçamos de velhos conceitos e preconceitos, que
permitamos a entrada em nossas vidas, em nossas práticas, de novos paradigmas para
ampliarmos nossa compreensão e verificarmos que todos nós, de todas as áreas do
conhecimento, estamos implicados na promoção da saúde.
Para falarmos em saúde sob o signo do atual paradigma é necessário olharmos o ser
humano de modo integral; um ser biopsicossocioespiritual, para além do corpo físico. É preciso
atentar para o ser emocional, o ser de relações pessoais e sociais. Pierre Weil (2002), no
Simpósio “O Espírito na Saúde, Integração das Terapias Perenes e Modernas”, que teve as
palestras compiladas no livro “O Espírito na Saúde”, assim define: “a saúde verdadeira é um
estado no qual se leva em consideração que tudo depende de tudo.”
Esta é uma visão holística, a ideia da integralidade que buscamos. Não se pode
conceber mais a saúde como ausência de doença. Saúde é muito mais que isso. Estar saudável,
ter o domínio de si mesmo e a consciência de suas limitações e de suas incontáveis
possibilidades. Ser saudável é ter o conhecimento de seu corpo, é estar consciente de si
mesmo, de respeitar seus próprios valores e suas limitações. É tomar posse da sua vida.
Saudável é estar disponível para a vida em todas as suas dimensões e suas
implicações, seus prazeres e dores, suas alegrias e tristezas, e ser feliz por poder experimentar
sentimentos, ter sensações e se saber maior que eles. O ser humano não é a alegria, nem é a
tristeza, não é o prazer, e muito menos a dor que sente. O humano é o único ser vivente que
aprende com os acontecimentos. Aprende com aquilo que vivencia, que experimenta, aprende
também com os acontecimentos que atingem seus semelhantes. É o único ser capaz de
transcender, de ir além, de transformar e transformar-se.
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Saudável é perceber-se como agente participante e transformador da vida. É olhar
para o outro e vê-lo como parceiro nessa caminhada. É perceber que tudo o que fazemos é
parte de um enorme sistema orgânico e que não é possível caminhar sozinho.
4 CAMINHANDO E CRIANDO CAMINHOS NOVOS
Após a formulação da ideia por meio dos conceitos resta-nos pensar, transcender ao
estabelecido e refletir acerca da ligação que se pode fazer entre aquilo que já conhecemos e o
novo que se apresenta. Os acontecimentos atravessam nossas vidas e clamam por definições.
Não é possível lidarmos com novos acontecimentos usando velhas formulações. O novo clama 22
por novidade, por revisão do que é velho, por transformações.
Tudo o que é novo encontra resistência porque questiona o que já está estabelecido,
portanto esse novo caminhar depende de atitude, de perseverança. Depende da ousadia
daqueles que já entenderam que a realização do espírito humano reside na expansão e não no
aprisionamento e limitação de suas potencialidades.
5.1 DISCIPLINA
Você deve estar se perguntando por que razão o termo “disciplina”, um velho
conhecido, está incluído no item que trata de conceituação de novos termos. Expliquemos. É
justamente por ser um termo utilizado tão comumente e com significações diferentes que
entendemos ser pertinente conceituá-lo de acordo com a significação desejável para a
composição das novas expressões das quais falaremos a seguir.
Para fins dos nossos estudos é importante que tenhamos em mente a ideia de
disciplina como a reunião de conhecimentos, formando uma especialidade a ser estudada.
Referimo-nos à disciplina científica, mais abrangente do que a disciplina escolar.
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5.2.1 Multidisciplinaridade
5.2.2 Interdisciplinaridade
A prática interdisciplinar tem por objetivo solucionar as questões concretas que nos
afligem no dia a dia. O que se quer é fazer nascer uma nova abordagem das questões do
cotidiano. O trabalho interdisciplinar flexibiliza os velhos modelos de exame dos fenômenos da
realidade. O movimento interdisciplinar tem seu foco no objeto a ser estudado, na solução das
questões reais, objetivas e não na defesa de posições ortodoxas, nas pretensões de ser o
detentor da verdade, nas posições acadêmicas.
Pode acontecer que das investigações conjuntas e da busca pelo ponto comum das
diferentes disciplinas surja outra disciplina, embora não seja este o objetivo primário, gerada pela
interdisciplinaridade, como por exemplo, a bioquímica.
5.2.3 Transdisciplinaridade
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Não há intenção de criar novas disciplinas, nem novos termos, ou uma nova técnica,
mas de ir além do que já está posto e lançar um olhar unificado, sem hegemonia, sem
hierarquia, mas harmônico, completo, integral. E a razão de tal fenômeno está no afastamento
que se dá entre o saber e a realidade. Seja qual for a origem do saber, científico ou filosófico,
para que sobreviva ao mundo da pós-modernidade é necessário que seja aplicável à realidade
comum, que seja palpável por todos os mortais. Não se pode permanecer perscrutando o que
está além sem se olhar para o que está acontecendo ao redor.
6 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE
Podemos falar de solidariedade sob pontos de vista diferentes, mas o resultado será
sempre semelhante. A solidariedade acontece quando o homem toma consciência da
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interdependência que há entre ele e seus semelhantes. Decorre das obrigações recíprocas que
temos uns com os outros. Quanto menos racional, mecanizado é o ato solidário, quanto mais
dotado de verdade, de gentileza, maior será a liberdade de cada um.
O art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, norma programática, traça as metas que
deverão nortear as políticas públicas do Estado brasileiro:
TÍTULO I
7.1 HUMANISMO
O movimento humanista nascido no fim da Idade Média teve como escopo principal a
demonstração da grandeza humana, da dignidade do ser humano. Movimento de confiança na
razão e no espírito crítico. O termo ‘humanismo’ alargou-se e ganhou novas significações.
Filosoficamente, humanismo significa a doutrina que tem o ser humano como centro de suas
reflexões e, como consequência, o humanismo pretende encontrar os meios para as realizações
humanas.
Para a filosofia humanista o homem é o centro de tudo. Todas as atitudes devem ter
como parâmetro a dignidade do homem. Na atualidade o humanismo vê o homem como
construtor de si mesmo. Não há dúvidas de que a evolução humana tem origem no próprio
homem. O homem é criador de si mesmo.
7.2 HUMANIDADES
Embora ainda haja no mundo muita resistência, muita luta para a manutenção de
privilégios. Embora a força militar e a força econômica ainda sejam armas para impedir
mudanças que tragam melhor divisão das riquezas, maior liberdade, menos humilhações, menos
preconceito e discriminação, e mais respeito à dignidade, já podemos perceber as mudanças no
direito positivo de todos os povos.
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8 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
8.1 OS PENSADORES
Immanuel Kant
Para Kant Dignidade tem a seguinte definição: “Aquilo que constitui a condição única,
permitindo que algo possua um fim em si, não somente tendo um valor relativo, isto é, um preço,
mas um valor intrínseco, ou seja, uma dignidade.” Quando afirmamos a dignidade do ser
humano estamos, portanto, falando de seu valor intrínseco, não de valor relativo.
A existência humana tem um valor em si mesmo, sem que precise estar relacionada a
nada mais. O nascimento do ser humano já é por si só um fato merecedor do mais profundo
respeito e reverência, devendo ser o núcleo de todas as atividades, científicas ou não.
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Humanista excepcional, considerado na Itália como o mais sábio, belo e rico de sua
época. Seus textos têm beleza e leveza ímpares, e datam do século XV, mas possuem uma
dimensão atemporal. É corrente o entendimento de que seu pensamento demonstra
preocupação com a tecnologia.
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I- a soberania;
II- a cidadania;
V- o pluralismo político.
Parágrafo Único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
constituição. (CF/88, art. 1º, grifo nosso).
Nossa Codificação Civil de 1916 foi contaminada pelo ideário liberal e também não
dedicava, como faz o Código Civil de 2002, um capítulo aos Direitos da Personalidade. Tendo a
criatura humana um valor em si mesmo, podemos entender que o reconhecimento deste valor é
que dá origem aos direitos concedidos pela ordem jurídica.
privado, o Código Civil trata Dos Direitos da Personalidade, do art. 11 ao art. 21. Consagra-se o
direito civil como direito da pessoa e não do patrimônio. A pessoa deve preponderar sobre o
patrimônio, este só existe em função daquela, e não o contrário. A existência da pessoa
independe do patrimônio, cujo valor é atribuído justamente pela pessoa. Não há patrimônio sem
a existência da pessoa.
Capítulo II
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.
O individualismo, teoria surgida no século XIX, considera que sociedade nada mais é
do que a soma de individualidades, sem que se cogite da interação e da colaboração entre seus 41
membros. O cerne da doutrina do individualismo é a defesa de que os direitos individuais devem
ser preservados e protegidos pelo Estado. O individualismo é uma forma de liberalismo.
Por último, mas não menos importante examinaremos o significado das expressões
“Bem Comum,” para onde deverão convergir as atividades públicas e particulares, e “Interesse 42
Público”.
Alceu Amoroso Lima, citado por Yves Gandra Martins (2009) em artigo dedicado ao
Bem Comum afirma: “A Alma do Bem Comum é a solidariedade. E a solidariedade é o próprio
princípio constitutivo de uma sociedade realmente humana”. O Bem Comum é o bem do
indivíduo que é parte da comunidade. O bem da comunidade é o bem de cada indivíduo que a
compõe. Cada integrante da comunidade deseja o bem desta uma vez que será seu próprio
bem.
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11.2 INTERESSE PÚBLICO
Tratamos da dignidade como um valor da vida humana, sua definição filosófica e sua
posição em nosso direito positivo como princípio constitucional. Finalizamos apresentando as
expressões “Bem Comum” e “Interesse Público”, que expressam os anseios do ser humano em
sua expressão individual e social.
Mediante tais mudanças nas relações sociais surge um novo padrão moral com vistas
à harmonia de pessoas com padrões morais distintos. A ciência não pode prescindir da ética. As
ciências da vida aproximaram-se e interligaram-se com a filosofia ética e a biotecnologia e a
esse novo olhar denominou-se de bioética. A finalidade primeira da bioética é a preservação da
dignidade humana.
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A repercussão social dos avanços da biotecnologia, com as polêmicas e difíceis
questões surgidas, conduziu ao inevitável estudo jurídico dos novos fenômenos sociais com
inspiração na bioética. A meta é a preservação da dignidade humana e mais do que preservar no
princípio da dignidade a intenção é estabelecê-lo como um valor preponderante frente avanços
técnico-científicos.
Qual o valor intrínseco de um novo método, uma nova técnica, se não for o de tornar a
vida humana mais digna ou de, ao menos, preservar a dignidade do ser humano? A vitalidade
humana ultrapassa qualquer saber. A existência humana não para de surpreender e será
sempre uma novidade para o próprio homem. Prosseguiremos em nosso caminhar por esse
mundo novo lembrando que, como dissemos alhures, temos por base a obra da Prof.ª Maria
Helena Diniz, que por sua maior abrangência foi escolhida como base dos nossos passos daqui
pra frente.
14 BIOÉTICA
O biólogo e oncologista Van Rensselaer Potter, em 1971, usou, pela primeira vez o
termo bioética em seu livro “Bioethics: bridge to the future”. A ela referia-se como uma nova
disciplina com a finalidade de dar ao ser humano respaldo ético para garantir sua dignidade e
controle sobre sua própria vida diante da hegemonia das ciências da biologia.
O francês Jean Pierre Marc-Vergnes propõe o uso do termo como referência a uma
ética biomédica. Sua proposta é abraçada por Beauchamp e Childress que, em 1979, utiliza o
termo com essa conotação na obra “The Principles of Bioethics”. Na edição de 1978, a
Encyclopédia of Bioética definiu o termo como: “O estudo sistemático da conduta humana no
campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios
morais”. Em 1995, na segunda edição da Encyclopedia, bioética foi assim definida: “O estudo
sistemático das dimensões morais da ciência da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma
variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar”.
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14.2.1 Autonomia
Situações há onde o próprio cliente não é capaz de responder por si, como uma
criança ou um cliente comatoso, por exemplo, quando então as informações devidas serão
prestadas aos seus responsáveis e estes decidirão. O princípio da autonomia deu origem ao
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do qual falaremos adiante quando tratarmos dos
Comitês de Ética.
14.2.2 Beneficência
É o princípio segundo o qual qualquer tratamento de saúde deve ter em vista fazer o
maior bem possível e evitar todo e qualquer mal. Os profissionais de saúde devem ter em vista o
bem-estar do cliente. Se houver situação em que haja procedimentos conflitantes, isto é, se
algum dano for inevitável deve-se ter em vista o maior bem possível naquela situação. Um
exemplo bem típico é de situações em que será inevitável a amputação de um membro para que 51
se garanta a sobrevivência.
14.2.4 Justiça
O princípio da justiça requer o agir com equidade, isto é, com o reconhecimento das
diferenças, das necessidades e do direito de cada um. As desigualdades socioeconômicas, por
exemplo, causam um acentuado desnível no tratamento individual. Para o nivelamento das
diferenças é preciso tratar-se de modo diferenciado ao diferente. Só há uma raça, a raça
humana, e é a condição humana que deve nos mover ao encontro do outro. Riscos e benefícios
devem ser distribuídos igualmente.
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Além de vedar a discriminação o princípio da justiça requer que se aja com equidade.
Agir com equidade significa agir fundamentado na igualdade e tratar a todos igualmente significa
que alguns, em alguns casos, precisam ser tratados diferentemente. A equidade abranda a
rigidez da regra, flexibiliza os modos de ação. É preciso tratar diferentemente àquele que é
diferente.
15 AS NOVIDADES BIOCIENTÍFICAS E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS
Com tantas questões emergentes, o direito como ordenador social não poderia ignorar
as transformações relacionais advindas do uso das novidades tecnológicas na área da saúde e
de todas as suas repercussões. Não poderíamos seguir adiante sem mencionar o filósofo Luiz
Fuganti que, no 1º Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, tratando do assunto “Biopoder
nas Políticas de Saúde e Desmedicalização da Vida”, chama-nos atenção para a maneira como
direcionamos nossas energias para os investimentos em cuidados com o corpo orgânico,
investimentos na saúde não como um valor que se produz para a vida em si, mas um
investimento em um determinado tipo de vida, independentemente da capacidade de cada um
de criar e cuidar de suas próprias condições de viver. 54
O que se quer na maior parte das vezes é investirmos no culto ao corpo, seguindo as
atuais tendências mercadológicas. O que se quer saber é o que acontece com a humanidade
para que precisemos de discursos que clamem pela vida e porque não questionamos acerca da
produção das doenças. Por que estamos cada vez mais doentes se são tantos os investimentos
em saúde? Por que nos tornamos objetos de cuidados biomédicos em lugar de assumirmos o
lugar de sujeitos capazes de transformar a própria vida?
TÍTULO II
Capítulo I
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
A norma constitucional, cujo caput e inciso foram transcritos acima, não pode ser
alterada, nem mesmo por emenda à Constituição, tal é sua magnitude. O § 4º, do art. 60 da
Constituição assim determina.
Subseção II
Da Emenda à Constituição
O art. 2º do Código Civil resguarda os direitos do nascituro, aquele que foi concebido,
que tem vida intrauterina, mas ainda não veio à luz. Estes direitos são elencados em diversos
artigos do Código Civil. O nascituro é considerado pelo direito como o início da vida humana:
“Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a
salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Outros artigos preservam ao nascituro o
direito à dignidade e o principal deles é o que lhe concede direito ao reconhecimento da
paternidade:
Além de garantir a vida, a lei garante também o direito à existência. Não basta a
garantia ao nascimento, ao nome, ao patrimônio, é necessário que se garanta a subsistência. A
criança tem direito à moradia, alimento, afeto, cuidados que lhe proporcionem um
desenvolvimento digno. A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente assim estabelece:
TÍTULO II
Capítulo I
Art. 1694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros
os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição
social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. (CÓDIGO CIVIL,
art. 1694).
A proteção à vida também é tratada pela lei penal. O Código Penal pune o homicídio, o
infanticídio, o induzimento ao suicídio:
PARTE ESPECIAL
TÍTULO I
Capítulo I
Homicídio Simples
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o
faça:
Infanticídio
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto
ou logo após.
Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (CÓDIGO PENAL, art. 121 a 123).
Importa que façamos aqui uma pausa para exame reflexivo da norma penal que trata
do infanticídio. Citado por Maria Helena Diniz, Karl Engisch aponta a diferença de tratamento
dado pela legislação aos crimes de infanticídio e homicídio, classificando-a de antinomia, um
paradoxo, de valor. Refere-se aos artigos do Código Penal que tratam daqueles crimes. Ambos
estão inclusos no capítulo dos crimes contra a vida, mas são valorados diferentemente, pois, o
homicídio doloso é punido com maior severidade do que o aborto e infanticídio.
Segundo aquele doutrinador, o infanticídio é crime mais grave, pois a vítima é indefesa,
e é punido com pena mais leve. Tal antinomia imprópria não pode ser ultrapassada pelo
aplicador do direito, que deverá aplicar a norma tal como apresentada, diferindo do caso de
antinomia própria, onde o aplicador da lei deverá optar entre duas normas que tratam do mesmo
tema, mas são contraditórias. Infanticídio é o crime cometido por mulher sob influência do estado
puerperal. Fazemos aqui uma pausa e uma pergunta: o que é o estado puerperal?
O estado puerperal é o período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a
volta do organismo da mãe para o estado anterior à gravidez. Há quem diga que o
estado puerperal dura somente de três a sete dias após o parto, mas também há
quem entenda que poderia perdurar por um mês ou por algumas horas. A mãe em
estado puerperal pode apresentar depressão, não aceitando a criança, não
desejando ou aceitando amamentá-la, e ela também fica sem se alimentar. Às vezes
a mãe fica em crise psicótica, violenta, e pode até matar a criança, caracterizando
crime de infanticídio (CÓDIGO PENAL, art. 123).
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O estado puerperal é, conforme vimos acima, um momento delicado em que a mãe
apresenta alterações comportamentais, podendo desencadear uma crise psicótica, ocorrendo
então o infanticídio. Ora, se o infanticídio é cometido em meio a um surto psicótico, o que a
mulher precisa é de tratamento e não de agravamento da punição. Diz o artigo 26 do Código
Penal ao tratar da inimputabilidade:
Inimputáveis
Se a proteção é voltada à vida, por que razão se permite o aborto em caso de estupro,
em reconhecimento ao sofrimento psíquico da mulher violentada e se pune descontrole psíquico
da puérpera? A recente Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, vigente desde novembro do
mesmo ano, denominada Lei Nacional da Adoção, introduziu importantes modificações na Lei
8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dentre as modificações
temos interesse nesse momento na alteração feita no art. 8º do Estatuto da Criança e do
Adolescente e que transcrevemos a seguir:
Art. 2º - A lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente,
passa a vigorar com as seguintes alterações:
Exclusão de Ilicitude
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso Punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo
excesso doloso ou culposo.
Estado de Necessidade
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de
perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar,
direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-
se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar
o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá
ser reduzida de um a dois terços. (CÓDIGO PENAL, art. 23 e 24).
Legítima Defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
(CÓDIGO PENAL, art. 25).
A configuração da legítima defesa exclui a ilicitude da ação. Para isso é necessário que
o agente esteja defendendo a si mesmo ou a outrem de modo moderado, a defesa deve ser
equivalente ao ato ofensivo, o que significa que não podem ser excessivas as ações necessárias
a repelir a agressão. Os excessos serão punidos. Trata-se de defesa da vida, não de castigo ou
vingança. Há que se ter justo motivo para defender a si mesmo ou a outrem de agressão injusta.
Não iremos aqui adentrar por discussões de hermenêutica jurídica. Cumpre-nos
apenas demonstrar que o ordenamento jurídico brasileiro contém muitos dispositivos que não
deixam dúvidas quanto à hegemonia dada ao princípio que deve anteceder à proteção de
qualquer direito: o primado da vida. Mais adiante tornaremos a falar sobre estes dispositivos
legais, buscando apenas demonstrar que a proteção à vida está contida em cada regra. A vida
prepondera sempre. O ordenamento jurídico brasileiro tem a vida como primada.
Vejamos então as regras que excluem a ilicitude do ato ou extinguem a punibilidade
das ações incriminadas. Percebemos que não se trata de permitir práticas homicidas ou
abortivas, por exemplo, mas de não punir quem as pratica. E quando se tolera a violação do
respeito à vida de outrem? Primeiro, falemos do homicídio. A lei enumera alguns casos em que o
ato de “Matar Alguém” não será crime e, portanto, não será penalizado. Em cada situação
elencada pela lei há um elemento preponderante, um valor maior que a vida ceifada, e qual
será?
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
(CÓDIGO PENAL, art. 23).
Estará em estado de necessidade aquele que, por exemplo, para salvar-se ou salvar
um ente querido de um naufrágio, no qual não tem qualquer responsabilidade, arranca da mão
de outro náufrago o último colete salva-vidas. Não se podia exigir, nessas circunstâncias, que
escolhesse morrer. A luta pela vida, a briga pela sobrevivência, seja a própria ou de entes
queridos, em circunstâncias limites é instintiva. Não há como exigir atitude diversa.
No mesmo dispositivo legal temos a hipótese em que não se permite a alegação do
estado de necessidade, que é o caso de cumprimento do dever legal: “§ 1º - Não pode alegar
estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”. Neste caso podemos
pensar em situações, por exemplo, do salva-vidas, que tem o dever legal de empreender todos
os esforços para salvar a vida do afogado, mesmo que pondo em risco a sua.
No mesmo caso está o bombeiro, que não poderá alegar estado de necessidade
quando no exercício da profissão. São situações que exigem do profissional treinamento,
equilíbrio e altruísmo. Outra situação que não exclui a ilicitude, apenas reduz a pena, situação
em que o direito ameaçado era menos relevante e poderia ter sido sacrificado em prol da vida
alheia. Nesse caso permanece a ilicitude do ato, mas reduz-se a pena: “§ 2º - Embora seja
razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois
terços”.
Seria o caso, por exemplo, em que para salvar ou preservar um bem material, ou
mesmo um animal de estimação, permitisse a morte de alguém. A segunda excludente da
ilicitude é a legítima defesa, que é também definida pela lei: “Art. 25 - Entende-se em legítima
defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual
ou iminente, a direito seu ou de outrem”. (grifo nosso).
Portanto, aquele que se defende, sem exageros, de agressão injusta está agindo em
legítima defesa. Entendemos como injusta a agressão não provocada ou uma reação exagerada,
excedente. Não age em legítima defesa aquele que atira em alguém que reclama proferindo um
palavrão. A lesão corporal ou a morte é extremamente mais grave do que a injúria. O exagero na
agressão também pode descaracterizar a legítima defesa.
Aquele que portando licitamente uma arma de fogo atira uma vez em alguém que
65
pretendia atacá-lo com uma faca e lhe fere mortalmente, poderá alegar em seu benefício a
excludente da ilicitude, pois ágil razoavelmente. Mas se lhe desfere 10 tiros após o ofensor já
estar fora de combate denota seu descontrole, seu temperamento irascível e não poderá alegar
que agiu em legítima defesa.
Na terceira e última excludente da ilicitude o agente não cometerá crime se estiver
cumprindo um dever legal ou exercendo um direito: “III - em estrito cumprimento de dever legal
ou no exercício regular de direito”. A lei, no caso deste dispositivo, não tratou da definição do que
considera como dever legal e exercício regular de direito. Estará no cumprimento de seu dever
legal o policial que, tentando apreender um bem encontra resistência de quem o detém
ilicitamente e causa lesão corporal.
A lesão corporal causada por um lutador de boxe durante a luta, por exemplo, não será
ilícita uma vez que ele está exercendo um direito já que a luta é considerada esporte, bem
primitivo, diga-se de passagem, e ferir o outro e um direito do lutador. Isso em pleno século XXI,
mas e lícito. Lembramos que nossos objetivos aqui fogem ao exame da lei penal em seu teor
punitivo, interpretações e aplicações. Nossa pretensão é lembrar a essência da norma, o
princípio que a inspira, o valor que se quer proteger. Estamos tratando de respeito à vida.
Interessa-nos buscar na essência de cada dispositivo legal o bem jurídico que se quer
preservar. Qual valor prepondera quando surge o conflito de interesses? É o que interessa ao
Biodireito. Vimos que tanto nos dispositivos legais punitivos dos atos que violam o direito à vida,
quanto naqueles que excluem a ilicitude, isto é, naqueles que desconsideram que tenha sido
criminosa a conduta praticada, a proteção à vida é sempre o elemento preponderante.
Ao não considerar crime o ato que causa lesões corporais a outrem ou que lhe tira a
vida o legislador, ainda assim, considerou a preponderância do direito à vida. Há situações onde
é preponderante a vida do agente porque se considera inexigível que se abdique da própria vida
em favor da vida de outrem. Assim fundamenta-se a legítima defesa e o estado de necessidade.
Quem tem o dever legal de enfrentar o perigo não poderá alegar o estado de necessidade para
deixar de priorizar a vida alheia. Exemplo: o bombeiro deixar de salvar uma vida por não querer
expor-se ao fogo.
Ao iniciarmos tal assunto esclarecemos que não pretendemos travar discussões sobre
o tema. Há quem entenda que falar de “Direito Ao Nascimento” e fazer discurso antiabortista.
Não é essa nossa intenção. Nem defender, nem atacar os defensores do aborto.
Apresentaremos apenas as prescrições jurídicas pertinentes ao assunto e que interessam ao
nosso tema, nada mais.
O legislador protege a vida desde a concepção, garante direitos ao nascituro,
criminaliza práticas abortivas. A Assembléia Geral da ONU adotou, em novembro de 1959, a
Declaração dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, que em seu preâmbulo afirma “... que
a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados
especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento.”
Como já demonstrado alhures, quando falamos do respeito à vida, no Código Civil
Brasileiro defende-se a vida desde a concepção.
LIVRO I
Das Pessoas
TÍTULO I
Capítulo I
Da Personalidade e da Capacidade
Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (CÓDIGO CIVIL, art. 2º,
grifo nosso).
O que se depreende do dispositivo legal mencionado é que, para o ordenamento
jurídico brasileiro começa a vida no momento da concepção, ou seja, o momento em que o
espermatozoide fecunda o óvulo. Assim sendo, as regras jurídicas vêm resguardar os direitos
daquele que ainda não nasceu. São garantidos os direitos patrimoniais e extrapatrimoniais do
nascituro, aquele que já foi concebido, vive no útero materno, mas ainda não nasceu.
67
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
Da Previdência Social
Art. 201- A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que se preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei, a:
Da Assistência Social
TÍTULO I
Subseção VII
Do Salário-Maternidade
Art. 71-A - À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial
para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120
(cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias,
se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a
criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade. (LEI 8.213/1991, art. 71 e 71-A,
grifo nosso). 69
Não é por outra razão senão a proteção ao bem-estar do nascituro e do recém nato
que a Constituição Federal, no Ato das Disposições Transitórias, veda a dispensa, pelo
empregador, da gestante e da mãe. A dispensa da mãe implica em ausência do salário, que tem
caráter alimentar. A saúde da mulher, do nascituro e do bebê ficará afetada com a supressão do
salário e a capacidade de aquisição de bens imprescindíveis à subsistência.
CAPÍTULO II
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
Art.10 - Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º da
Constituição:
70
17 O ABORTO
A partir de então a prática do aborto passou a ser punido como homicídio quando
praticado após o primeiro mês gestacional. Ha divergência entre autores quanto ao exato
momento em que a técnica do aborto seria punível. As primeiras incriminações do aborto
surgiram na Alemanha, na Constitutio Bambergensis, de 1507, que o punia com pena de morte.
Foi substituída em 1532 pela Constitutio Criminalis Carolina, que punia a prática abortiva com
castigo a ser arbitrado por peritos em direito.
Na França medieval o aborto era crime gravíssimo, punido com pena de morte. No
século XVIII, na Itália, a Ordenação Criminal de Toscana, de 1786, considerou o aborto como
crime contra a vida do feto tal e qual ao homicídio. O clamor social conseguiu a substituição da
pena de morte pela pena de prisão, quando da prática do aborto. O tempo de privação da
liberdade era arbitrado ou substituído por multa. Nesta época havia quem se opusesse à
incriminação do aborto, entendendo que não se poderia comparar o feticídio com o homicídio e
que a punição tinha razões demográficas.
72
No segundo quartil do século XX, no Reino Unido o aborto era punido com trabalhos
perpétuos, pena que foi convertida em prisão perpétua em 1948. Atualmente encontramos
diferentes posições acerca do aborto e de todas as questões de ordem ética, moral e religiosa
que o envolvem. Deparamos com pessoas que defendem a descriminalização da prática do
aborto total e incondicionalmente de um lado e no lado oposto quem lute pela criminalização da
prática abortiva, sob quaisquer argumentos, defendendo a aplicação de severas punições.
Temos entendimentos que advogam a não punição para a mulher que consente na
prática do aborto defendendo, entretanto, punições para o terceiro que o realiza, para o
aborteiro. Algumas legislações permitem o aborto parcialmente, por razões socioeconômicas,
outras consentem por razões emocionais, e outras ainda toleram o aborto incondicionalmente,
como, por exemplo, os Estados Unidos e o Canadá.
Recentemente a Espanha teve aprovado projeto de lei que permite o aborto até as 14
semanas de gravidez. Após 22 semanas a permissão restringe-se aos casos de malformação do
feto e risco à saúde da mulher. Permite a prática por adolescentes, a partir de 16 anos de idade,
sem o consentimento dos pais. Em Portugal permite-se o aborto por vontade da mulher até 10
semanas de gravidez.
Vejamos então o tratamento dado, até o presente momento, pela ordem jurídica
brasileira à polêmica questão do aborto. A lei civil, conforme já demonstramos, considera a
existência da pessoa humana desde a concepção.
LIVRO I
Das Pessoas
TÍTULO I
Da Personalidade e da Capacidade
Art. 2º - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (CÓDIGO CIVIL, art. 2º,
grifo nosso).
PARTE ESPECIAL
TÍTULO I 74
Dos Crimes Contra a Pessoa
Capítulo I
Dos Crimes Contra a Vida
Não vamos nos ater às designações médicas que diferenciam aborto e parto
prematuro, pois o que nos interessa é a interrupção da gravidez criminalizada pela ordem
jurídica. Nossas reflexões estão adstritas ao aborto provocado.
1.b - Aborto para Evitar Enfermidade Grave: praticado quando a saúde materna corre
risco de ser abalada por doença grave iminente. Esta prática NÃO é legalmente autorizada. A
interrupção da gravidez, que tem por finalidade evitar doença grave da mãe, será penalizada
conforme a lei criminal.
2 - Aborto Sentimental: denominação dada pelos tribunais. É autorizado legalmente
em caso de estupro.
3 - Aborto Eugênico: É o aborto praticado quando a gestação é interrompida por
suspeita de que doenças congênitas acometeram o nascituro, graves lesões físico-mentais, tais
como, mongolismo, idiopatia, epilepsia genuína, dentre outras.
4 - Aborto Econômico: seria a interrupção da gravidez sob o argumento de que a
gestante, ou o casal, não possui recursos materiais para arcar com o sustento da criança, ou
ainda, que o nascimento da criança viria tornar mais penosa a vida financeira familiar. Não há
autorização da lei para o aborto econômico.
5 - Aborto Estético: é aquele praticado pela mulher que não quer ficar com o corpo
disforme. Não tem permissão legal. Sua prática será criminosa.
6 - Honoris Causa: sua prática ocorre quando a gestante não deseja que sua gravidez
seja socialmente conhecida. Seja efetuado pela própria gestante, seja com concurso de outra
pessoa, médico ou não, a prática será criminosa, uma vez que não há permissão legal.
Cremos que tais classificações são importantes para as reflexões acerca das
motivações da prática do aborto. Sendo contra ou a favor não nos cabe fazer julgamentos. Nem
de quem o pratica, nem de quem o ataca. A ética deve pautar nossas atitudes. Não se pode
esquecer-se do princípio da dignidade humana, que deve sobrepairar nossos atos. O julgamento
é oficio do juiz. Para nós, enquanto seres humanos, compreender, respeitar, colaborar, orientar,
encaminhar e, acima de tudo, respeitar o outro, é o melhor caminho. 76
A Legislação Criminal
a) Legal: será o caso de aborto não punível. Casos em que a lei extingue a
punibilidade em razão de valores preponderantes: a vida da grávida e a saúde psíquica da vítima
de estupro.
b) Ilegal: é o caso de interrupção da gestação, em qualquer fase, ainda que não haja a
expulsão do feto do ventre materno, uma vez que nos ensina a literatura médica que é possível
que o produto da concepção fique retido no ventre materno mesmo após sua inviabilidade.
É possível que ocorra o aborto sem que tenha havido a intenção de cometer o crime.
Se, por exemplo, o médico, tendo conhecimento da gravidez da cliente prescreve um
medicamento abortivo ou arrisca uma manobra que interrompe a gravidez. O crime terá a
modalidade culposa e ensejará a responsabilidade civil do médico, por negligência, imprudência
ou imperícia. O aborto criminoso é, na legislação brasileira, um delito contra a vida, conforme
verificado quando transcrevemos os artigos do Código Penal.
Temos ainda como questões a serem refletidas o uso do “DIU, Dispositivo Intrauterino”
e a “Pílula do Dia Seguinte” que são métodos contraceptivos com uso permitido pela legislação
brasileira, mas que ainda geram polêmica pelo fato de, segundo afirmam alguns, serem métodos
abortivos. Juridicamente não há qualquer dúvida quanto ao uso em razão da permissão legal. O
que ainda não temos pacificados são entendimentos de ordem médico-científica quanto à
questão de serem abortivos ou não e fica então a critério ideológico e moral de cada um o uso 77
do método.
Pelo que se depreende a motivação que leva à concessão do alvará judicial que 78
autoriza a prática abortiva em razão de anomalias fetais e situação psicomoral da mulher é a
fundamentação da decisão judicial, que tem respaldo biotécnico.
Art. 4º - A segunda fase dá-se com a intervenção do médico, que emitirá parecer
técnico após detalhada anamnese, exame físico geral, exame ginecológico,
avaliação do laudo ultrassonográfico e dos demais exames complementares que
porventura houver.
d) a garantia do sigilo que assegure sua privacidade quanto aos dados confidenciais
envolvidos, exceto quanto aos documentos subscritos por ela em caso de requisição
judicial;
São muitos os argumentos pros e contras à prática do aborto. Aqueles que são
contrários à prática abortiva argumentam que se a vida é o maior bem e se prepondera sobre
quaisquer outros não há razão alguma que justifique sua interrupção. Afirmam que não se pode
comprovar que portadores de deficiências tenham vida pior e que são os pais que temem
enfrentar os problemas.
Dentre outras coisas dizem que se deficiências físicas ou psíquicas inviabilizassem a
vida seria o caso de se matar aqueles que nascem perfeitos e as adquirem posteriormente. Para
casos de anencefalia, quando se sabe que a vida extrauterina terá tempo limitadíssimo,
argumenta-se que os pais poderiam nesses casos, após viver a experiência de convivência e
cuidado, doar seus órgãos e tecidos para serem transplantados.
Afirma-se que com os avanços científicos não se justifica o aborto para salvar a vida da
gestante, conforme já demonstramos anteriormente quando falávamos do aborto legal. Vejamos
separadamente os elencos de argumentos que rejeitam e que admitem o aborto. 81
a) O feto é parte do organismo materno e a mulher tem livre disposição de seu corpo.
b) Há no ventre materno apenas protoplasma, que é uma substância indefinida
contendo os processos vitais contidos no interior das células. Não pode haver homicídio onde
não há vida humana, figurando-se aí um crime impossível.
c) Critérios Sociais, Políticos e Econômicos. O aborto justifica-se por razões que porão
em risco a vida da humanidade:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
TÍTULO VIII
DA ORDEM SOCIAL
Capítulo VII
CÓDIGO CIVIL
Capítulo IX
Da Eficácia do Casamento
Capítulo I
Do Planejamento Familiar
Art. 2º - Para fins desta Lei entende-se planejamento familiar como o conjunto de
ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição,
limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.
Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para
qualquer tipo de controle demográfico.
86
Art. 11 - Toda esterilização cirúrgica será objeto de notificação compulsória à
direção do Sistema Único de Saúde.
Art. 14 - Cabe à instância gestora do Sistema Único de Saúde, guardado o seu nível
de competência e atribuições, cadastrar, fiscalizar e controlar as instituições e
serviços que realizam ações e pesquisas na área do planejamento familiar.
O direito ao sexo e à reprodução foi tratado pela primeira vez em 1994 na Conferência
Mundial sobre População e Desenvolvimento e confirmado em 1996 na Conferência
Internacional de Beijing. Com clareza, entendeu-se que o direito à reprodução é direito humano e
a decisão acerca de se ter ou não filhos e o número da prole devem ser daqueles que formam a
família. Não deve ser uma faculdade estatal.
Muitas vezes, casais com problemas de infertilidade decidem por adotar uma criança
com a finalidade de suprir sua frustração com sua impossibilidade de procriar, ficando aquela
criança com a enorme responsabilidade de ocupar espaços em transtornos emocionais. A Lei
88
12.010, de 3 de agosto de 2009, Lei Nacional de Adoção (LNA), trouxe modificações ao Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), ficando o §3º do Art. 50 com a seguinte redação:
A ciência esquece muitas vezes de que seu fim último é o bem-estar e a felicidade do
ser humano, entendendo-se como um fim em si tornar a pessoa um objeto a ser pesquisado
quando, na verdade, a pessoa é o sujeito da pesquisa e possível beneficiado pelo resultado. Os
avanços da biotecnologia terminam por trazer ao contexto social situações antes inimagináveis 89
que reclamam do ordenamento jurídico novas soluções para novos conflitos de interesses.
Vimos nos módulos anteriores as regras do nosso ordenamento jurídico que tem como
princípio a dignidade do homem e o direito à vida, o maior bem que temos a resguardar. A 90
saúde, em seu sentido pleno, é um estado onde a vida acontece em sua plenitude e o ser
humano pode expressar todo o seu potencial transformador. Os princípios bioéticos orientadores
do biodireito devem nortear a elaboração e a hermenêutica da lei para que o primado da vida
prepondere e possamos responder aos anseios humanos sintonizados com o paradigma do
milênio.
Estabelece ainda a saúde como direito fundamental do ser humano: “Gozar do melhor
estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser
humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social”.
(OMS, 1976). E responsabiliza os governos pelo estabelecimento de medidas sociais e
sanitárias com vistas ao alcance do bem-estar almejado: “Os governos têm responsabilidade
pela saúde dos seus povos, a qual só pode ser assumida pelo estabelecimento de medidas
sanitárias e sociais adequadas”. (OMS, 1976).
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
91
ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (CF/88, art. 196).
Os artigos 197 a 200 da Constituição Federal cuidam das ações que efetivamente
tornam realidade os serviços idealizados nas políticas públicas de saúde e que são fundamentais
para que se alcance a paz social. Os profissionais de saúde comprometem-se ética e
juridicamente com o atendimento ao cliente, visto ser a saúde um direito humano.
A gestão passa pela seguinte e angustiante questão: para que se efetivem tais práticas
trabalha-se com previsão de custos e alocações de recursos. Como resolver questões
emergentes em face do surgimento de novas tecnologias para diagnóstico e terapêutica de alto
custo, que extrapolam o poder aquisitivo das pessoas, e estão além da possibilidade de
financiamento pelo estado? Está implicitamente compreendido no direito à vida o uso de
sofisticada aparelhagem e medicamentos de última geração, disponíveis em qualquer parte do
mundo, custe o que custar?
92
20.2 O BIOPODER: A MEDICALIZAÇÃO DA VIDA E A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
Para a maioria dos americanos, a principal ameaça à saúde não é a gripe aviária, a
febre do Nilo ou o mal da vaca louca. Mas sim o próprio sistema de saúde. A maior
ameaça apresentada pela medicina americana é o fato de cada vez mais estarmos
nos afundando nesse sistema, não por uma epidemia de doenças e sim por uma
epidemia de diagnósticos.
Apesar de os americanos viverem mais do que nunca, cada vez mais nos falam que
estamos doentes. Essa epidemia é uma ameaça à saúde e tem duas fontes distintas.
Uma delas é a “medicalização” da vida cotidiana. A maioria de nós passa por
sensações físicas ou psicológicas desagradáveis que, no passado, eram
consideradas como parte da vida. No entanto, hoje tais sensações são consideradas,
cada vez mais, como sintomas de doenças.
Eventos como insônia, tristeza, inquietação de pernas e diminuição do apetite sexual,
hoje, se transformam em diagnósticos: distúrbio do sono, depressão, síndrome de
pernas inquietas e disfunção sexual. Conselhos de especialistas, constantemente,
expandem os conceitos de doenças: todos os valores de referência para o
diagnóstico de diabete, hipertensão, osteoporose e obesidade caíram nos últimos
anos.
Se por um lado uma falha no diagnóstico pode ser objeto de uma ação judicial, por
outro não existe qualquer punição para diagnósticos exacerbados. Além disso, o que
os clínicos menos têm dificuldade de fazer é diagnosticar desenfreadamente, mesmo
quando existem dúvidas de se diagnosticar, ou não, realmente vai ajudar nossos
pacientes. Desta forma, quanto mais nos falam que estamos doentes, menos nos
dizem que estamos bem. As pessoas precisam ponderar sobre os riscos e benefícios
da ampliação de diagnósticos.
Como podemos ver a medicalização da vida está globalizada, pois coincide com a
multinacionalização da indústria farmacêutica e de materiais e equipamentos de saúde.
E é justamente a medicalização da vida, a sensação de que nos é imprescindível todo
esse aparato da biotecnologia, a urgência de consumir os mais novos e mais caros
medicamentos, a ter necessidade dos mais novos aparelhos de diagnóstico, como se fossem a
única e derradeira chance de viver, que nos induziu a recorrer ao Judiciário e instaurarmos a
Judicialização da saúde. Com respaldo no dispositivo constitucional que garante a todos o
acesso à saúde, com o dever do Estado de proporcionar tal acesso, conforme transcrito abaixo:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
TÍTULO VIII
DA ORDEM SOCIAL
Capítulo I
Disposição geral
Art.193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais.
Capítulo II
DA SEGURIDADE SOCIAL
94
Seção II
Da Saúde
Art.196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (CF/88, art. 193 e 196).
O Poder judiciário tem sido chamado a intervir nos serviços de saúde para que obrigue
o ente público a prestar o atendimento conforme a prescrição médica, seja para a compra de
caros medicamentos, geralmente novidades no mercado, seja para o pagamento de sofisticados
exames. De modo geral, impressiona ao Judiciário o pedido do requerente e suas alegações de
necessidade a certa prestação de responsabilidade do Estado e o descumprimento da obrigação
por parte deste.
Por outro lado, não tocam ao órgão judicante as alegações da Administração Pública
de sua impossibilidade, pelo menos momentânea, de prover as medidas por escassez de
recursos materiais, financeiros e/ou humanos. O que acontece a partir daí são sérios problemas
de gerenciamento de verbas públicas, pois a administração para cumprir as determinações
judiciais precisa retirar os recursos destinados a outros projetos, também importantes, para o
pagamento de valores exorbitantes. É um conflito entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo.
Queixa-se a Administração Pública que as decisões judiciais que se fundamentam na
garantia do direito à saúde não atentam para a escassez material e para as áreas, também
importantes, da saúde coletiva que ficarão desfalcadas de recursos com o desvio de verbas
orçamentárias para o cumprimento da decisão judicial, além de ferir o princípio da separação dos
poderes estatais, pois cabe ao Legislativo a destinação orçamentária e é tarefa do Executivo a
administração da verba que lhe foi destinada, não sendo cabível a interferência do Judiciário.
É bem verdade que o Estado tem deixado a desejar no cumprimento de seu dever
constitucional de assegurar a saúde. Mas não é menos verdade que saúde é muito mais do que
atendimento farmacêutico e hospitalar. Obviamente a população pode e deve lutar por melhor
atendimento médico, por acesso a medicamentos e exames, mas saúde é muito mais do que
isso. Não se pode ficar a mercê do poder do mercado de medicamentos e de aparelhos
sofisticados.
Lembremos a definição da OMS: “estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade.” (grifo nosso)
Nossa busca por saúde junto ao poder público não deve se restringir apenas aos métodos
curativos – sejam eles cirúrgicos, medicamentosos ou diagnósticos –, mas também e até
principalmente reivindicar medidas preventivas de saneamento básico, de vigilância sanitária, de
lazer, educação e segurança. Fatores primordiais para nossa saúde mental e social. 95
Se observarmos apenas os dispositivos iniciais da Lei 8.080, de 19 de setembro de
1990, que trata do Sistema Único de Saúde, já temos subsídios importantes para reivindicarmos
do Poder Público a implementação das condições mínimas necessárias para o alcance coletivo
da saúde. Temos lei para tanto, falta-nos programas educativos para o exercício da cidadania.
DISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 1º - Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde,
executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por
pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado.
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do
disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade
condições de bem-estar físico, mental e social. (LEI Nº 8.080/1990, art. 1º a 3º,
grifo nosso).
96
É importante sabermos como vem sendo tratado o assunto pelos especialistas que
vivenciam na sua prática as questões da judicialização da saúde. No VII Seminário do Projeto
Integralidade: saberes e práticas no cotidiano das instituições de saúde, realizado na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro em setembro de 2008, onde se discutiu o tema
“Razões públicas da integralidade em saúde: o cuidado como valor”, abordando ética e saúde,
foi abordado por especialistas o biodireito e a judicialização da saúde.
A defensora fez ainda observações acerca da relação terapêutica como uma relação
de consumo que dá ao paciente o direto de obter informações sobre a composição dos
medicamentos, tendo o médico o dever de respeitar: “Os direitos dos pacientes cobram dos
profissionais de saúde uma dimensão ética e jurídica”, comentou. E ainda tratando dos direitos
do paciente (ou cliente), referiu-se à necessidade de seu consentimento livre e esclarecido para
que possa vir a ser submetido a intervenções e seu acesso ao prontuário. Falou também da
necessidade de se promoverem campanhas de esclarecimentos.
Para nós o que importa saber é que não se trata tão somente de uma modificação
97
terminológica, mas de uma transformação de atitude, de um ajustamento de condutas, de uma
direção harmônica das questões que chegam ao judiciário em razão de descumprimento, pela
Administração, de seu dever de promoção e manutenção da saúde.
O Direito Sanitário nasce como resposta aos anseios sociais pela efetivação do direito
à saúde. Seus fundamentos extrapolam os limites da ciência jurídica e respaldam-se em uma
visão multidisciplinar da saúde. A afirmação das regras de direito sanitário no ordenamento
jurídico brasileiro acontece a partir da promulgação da Constituição de 1988, que tem no art. 194
a expressão da dimensão dada à saúde para a sociedade brasileira.
DA ORDEM SOCIAL
Capítulo II
Da Seguridade Social
Seção I
Disposições Gerais
Não se pode, porém, confundir a Previdência Social com a Seguridade Social, esta
engloba aquela, mas a previdência tem caráter contributivo, ou seja, seus benefícios dependem
de contribuição para serem usufruídos. Dessa forma, será fácil compreendermos a aplicação do
99
benefício no que se refere à Assistência Social e à Saúde, que independem de contribuição.
Haverá estranheza apenas no que se refere à Previdência Social que, por seu caráter
securitário, depende de contribuição.
Em primeiro lugar vamos nos familiarizar com a diferenciação entre a conceituação dos
termos Benefícios e Serviços. Benefícios são as prestações pecuniárias e os Serviços são
prestações imateriais disponibilizadas a todos indistintamente, como os serviços de saúde, por
exemplo. A uniformidade e equivalência das prestações às populações urbanas e rurais quer
dizer que não poderá haver diferença de tratamento entre o usuário urbano e rural, significando a
“equivalência” que os benefícios terão na mesma modalidade de cálculo. Os benefícios não
serão iguais, mas equivalentes.
100
Todos têm necessidades sociais a serem satisfeitas. O princípio da universalidade é o
fundamento da justa petição que fazemos ao Estado para que venha nos suprir em nossas
necessidades sociais objetivas. Sabemos, entretanto, que os recursos públicos são escassos e
impedem que todas as necessidades de todas as pessoas sejam sempre atendidas. A solução
para a administração e otimização dos recursos disponíveis é fazer a seleção das necessidades
e distribuir os recursos da melhor forma.
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial e atenderá nos termos da lei, a:
São princípios que dizem respeito diretamente à Previdência Social. A Lei 8.142, de
28 de dezembro de 1990, ao tratar da participação da sociedade na gestão do Sistema Único de
Saúde (SUS), institui os Conselhos de Saúde.
I - a Conferência de Saúde e
II - o Conselho de Saúde.
TÍTULO II
Capítulo I
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
LVI- são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. (CF/88, art.
5º).
Lesão corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 2º - Se resulta:
II - enfermidade incurável;
Perigo para a vida ou saúde de outrem
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais
grave.
Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de
lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer
o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Sequestro e cárcere privado
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção,
grave sofrimento físico ou moral: 105
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. (CÓDIGO PENAL, art. 129, 132, 146,
148).
Sempre que um dispositivo legal faz referência à saúde nos remete a definições de
saúde da Organização Mundial da Saúde, ao dispositivo constitucional brasileiro e às
disposições legais de nosso ordenamento jurídico que a conceituam. Se a saúde é um completo
bem-estar físico e psíquico toda ação que venha a causar danos moral ou patrimonial a alguém
dará origem à responsabilidade civil ou penal.
Afecções mentais são perturbações que atingem as faculdades psíquicas de alguém.
Juridicamente, aquele que está afetado em suas faculdades mentais não poderá gerir a própria
vida nem administrar seus bens. Tais perturbações podem ser congênitas ou adquiridas e, sejam
quais forem as causas dos transtornos psíquicos o portador de doença mental deverá ser
adequadamente tratado. Medicamentos ou técnicas não podem lhe produzir alterações artificiais
da personalidade, intimidá-lo pela dor ou pela emoção, com indução comportamental.
A autonomia da pessoa afetada por transtornos psíquicos é legalmente limitada.
Estigmatizado, o portador de afecção mental tem sua fala e suas ações creditadas à moléstia e
valem como sintomas. Os profissionais da saúde, psiquiatras, psicólogos, tornam-se seus
intérpretes com a aprovação familiar e do órgão judicante. Aquele que é atingido pela
enfermidade psíquica está sujeito aos saberes/poderes da biociência.
O que não se pode admitir e que tal sujeição signifique desrespeito ao ser humano. O
grau de liberdade e autonomia que deve adequar-se ao seu nível de compreensão e os limites
serão o respeito à sua própria dignidade, à liberdade e aos direitos alheios. Entretanto, é
necessária atenção redobrada para que sob o manto da proteção não esteja subjacente o
preconceito.
A Lei 10.216 trata dos direitos da pessoa portadora de transtornos mentais e sua
inclusão social. Transcrevemos abaixo os dois primeiros artigos do diploma legal mencionado:
LEI Nº 10.216 DE 04 DE JUNHO DE 2001
Art. 1º - Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental de
que trata essa lei são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à
raça, cor sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade,
família recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu
transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2º - Nos atendimentos de saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único - São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II- ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na 106
comunidade;
III- ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV- ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V- ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade
ou não de sua internação involuntária;
VI- ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII- receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII- ser tratada em ambiente terapêutico e pelos meios menos invasivos possíveis;
IX- ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. (LEI nº
10.216/2001, art. 1º e 2º).
No tratamento do doente mental muitas vezes é tênue a linha divisória entre a atenção
e o cuidado e a restrição de sua autonomia. A Resolução nº 1407/94 e nº 1.598/2000 do
Conselho Federal de Medicina adotaram os Princípios para Proteção de Pessoas Acometidas de
108
Transtorno Mental, aprovados em 1991 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Texto este
também acolhido pela Lei 10.216/2001, que já apresentamos acima.
O que se depreende dos textos mencionados é a preocupação com o respeito à
dignidade do paciente psiquiátrico que deve receber tratamento humanitário sempre com vistas à
preservação e aumento da sua autonomia. São vastas as situações, além das já comentadas,
onde se faz imprescindível a observação dos princípios bioéticos e a atuação do biodireito.
Temos priorizado – e vamos prosseguir ainda nesse diapasão – situações que se repetem
rotineiramente e que merecem nossa reflexão, nossa atenção e nosso cuidado.
22 IMPLICAÇÕES ÉTICAS E LEGAIS DAS TRANSFUSÕES SANGUÍNEAS
A transfusão sanguínea talvez seja o modo mais comum de transplante de tecido, daí
que porque decidimos por tratar dessa modalidade de atendimento à saúde física antes de
chegarmos aos transplantes. Deixamos para agrupar posteriormente as mais técnicas mais
109
complexas. Pode ser decisiva no salvamento de uma vida, mas como todo procedimento que
envolve a vida e a saúde tem riscos e cuidados importantes que precisam ser observados.
As “Boas Práticas”, expressão utilizada para definir o modo correto de atuação
profissional, são de especial importância nos cuidados com a saúde, inclusive com a
hemotransfusão. A importância da coleta e da transfusão sanguínea fez com que sua prática
fosse incluída no dispositivo constitucional do §4º do art. 199 da Constituição Federal:
SEÇÃO II
Da Saúde
Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§4º - A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo o tipo de comercialização. (CF/88, art. 199, §4º,
grifo nosso).
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º - Esta Lei dispõe sobre a captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta,
processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, de seus
componentes e derivados, vedada a compra, venda ou qualquer outro tipo de
comercialização do sangue, componentes e hemoderivados, em todo o território
nacional, seja por pessoas físicas ou jurídicas, em caráter eventual ou permanente,
que estejam em desacordo com o ordenamento institucional estabelecido nesta Lei.
Capítulo II
DOS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES
111
Observação: a guisa de informação, SINASAN é sigla do Sistema Nacional de
Sangues e Derivados, instituído pelo art. 8º dessa lei, e responsável pela implementação da
Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados.
ANEXO I
B - DOAÇÃO DE SANGUE
B.2 - O sigilo das informações prestadas pelo doador antes, durante e depois do
processo de doação de sangue deve ser absolutamente preservado.
O ato de doar deve ser anônimo, isto é, o receptor não deve saber quem foi o doador e 112
vice-versa, o doador não deve saber quem foi, ou foram os receptores dos componentes
extraídos do sangue que doou. Todas as informações do doador devem ser mantidas sob sigilo.
O doador assinará o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual declara sua ciência
acerca da destinação do sangue doado e dos testes que serão efetuados de acordo com as
regras técnicas vigentes e que garantem sua higidez.
Em seu consentimento deve também estar expressa a concordância de que seu nome
seja incluído em cadastro de doadores. As regras técnicas emitidas pela ANVISA devem ser
observadas com rigor. Deve haver um profissional especializado que se responsabilize
tecnicamente pelo serviço de hemoterapia. Sob sua orientação e supervisão as normas técnicas
e procedimentos deverão ser rigorosamente observados.
ANEXO I
A - PRINCÍPIOS GERAIS
Para assegurar que todas as normas técnicas serão observadas com rigor deve haver
em cada serviço de hemoterapia um programa de controle de qualidade interno, além da
participação em programas de controle externo. Para seleção de doadores faz-se necessária 113
uma triagem, onde além dos critérios objetivos de avaliação, como verificação de temperatura e
pressão, são feitas perguntas acerca de uso de drogas lícitas e ilícitas, doenças
infectoparasitárias e sexualmente transmissíveis, etc., com garantia de sigilo ao doador, que
deverá estar ciente de que seu sangue será examinado para detecção de moléstias ou
quaisquer outras afecções impeditivas da doação e de que será avisado caso se detecte
qualquer anormalidade.
O doador deverá assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. São questões
éticas a serem rigorosamente respeitadas. Os serviços de hemoterapia terão responsabilidade
objetiva pelos danos ocorridos em razão da coleta ou da hemotransfusão com sangue
inadequado por razões de falha na seleção do sangue ou de quaisquer outros procedimentos de
sua responsabilidade. Tem sido frequente chegarem aos tribunais pátrios ações onde se requer
ressarcimento por danos físicos e morais em razão de se haver contraído doenças como AIDS
ou Hepatite B após transfusão sanguinea com sangue contaminado.
Há casos em que, por razões de ordem religiosa, o paciente não permite a transfusão
sanguinea. O que isso quer dizer? De início pode parecer que se optou pela morte, o que não é
verdade. Ao negar-se a aceitar um tratamento, deve-se entender que a opção foi por um
tratamento alternativo. Este deve ser nosso primeiro pensamento. Por isso é importante que o
paciente seja esclarecido o suficiente quanto a todas as suas possibilidades e alternativas, antes
de assinar o Termo de Consentimento.
E hoje, com os avanços da ciência médica, há possibilidades de utilização de
substitutivos ao sangue humano. E em caso de urgência? Se o paciente for adulto, capaz e em
condições de responder por si, a recusa em aceitar a transfusão é constitucionalmente legítima.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e as suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal
a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação. (CF/88, art. 5º).
Estamos falando aqui de situações em que, ou o próprio paciente está em condições
de expressar-se, ou de haver quem possa fazer por ele, e possa falar de suas convicções
impeditivas de que se efetue o tratamento. É obvio que pode ocorrer uma situação de
emergência em que não seja possível de se conhecer a vontade do paciente. Imaginemos a
ocorrência de um acidente em que o paciente está inconsciente e não haja quem por ele possa
falar. Neste caso o médico – atendendo às determinações de seu código de ética – irá priorizar a
vida e não poderá ser responsabilizado por desrespeito.
Questão delicada é a da criança, incapaz, ou do adolescente, relativamente incapaz, 115
que precisa de transfusão sanguinea e não aceita pela convicção religiosa dos pais. Geralmente,
a primeira reação é de se entender como absurda a posição do pai e/ou da mãe, mas é preciso
perceber que são convicções íntimas, que vão além da lógica científica. Importante é
compreender o outro, mesmo que tenhamos posições radicalmente opostas, e não julgá-lo de
acordo com nossos próprios padrões de entendimento da vida.
Se a transfusão de sangue for imprescindível para salvar a vida de uma criança os pais
poderão, com base no artigo da ECA, alegar que estão preservando seu desenvolvimento
espiritual? E se o relativamente incapaz manifestar-se a favor da transfusão contra a vontade
dos pais? Supomos, nestas questões, que não haverá possibilidade na instituição de saúde de
se efetuar um tratamento alternativo. Qual deverá ser a atitude do médico? A questão não é de
fácil resposta.
Poderá o direito dos pais à crença religiosa sobrepor-se ao direito à vida dos filhos
civilmente incapazes? Bem, a polêmica é constante e o que importa no momento em que o
profissional se vê pressionado pela situação é que tenha respaldo técnico, ético e jurídico para
tomar decisões. Havendo negativa dos pais em aceitar que se faça a transfusão de sangue
considerada essencial pelo médico, e em face da impossibilidade de se efetuar um tratamento
alternativo, o diretor do hospital deverá registrar a ocorrência na polícia evitando, em caso de
morte, a responsabilização por omissão de socorro.
Há quem entenda, como Maria Helena Diniz, que o profissional da saúde “deve efetuar
a transfusão sem mesmo pedir autorização judicial, para que não se consume omissão de
socorro e periclitação de vida, por ser obrigação legal sua salvar vidas.” (DINIZ, 2007, p. 242).
116
O que deve prevalecer: o direito à liberdade ou o direito à vida? Cremos que cabem
aqui duas respostas distintas, dependendo do ponto de vista. Para um ativista, a defesa da
causa que foi livre para escolher pode ser mais importante do que sua própria vida e por meio de
uma greve de fome disponha-se levar suas reivindicações ao extremo. Assemelha-se à situação
daquele que por sua crença religiosa recusa-se a aceitar a transfusão de sangue.
CAPÍTULO I
Dos Objetivos e Atribuições
Art. 5º - São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas. (Lei 8.080/90, art. 5º).
1. Lavagem das mãos é a fricção manual vigorosa de toda a superfície das mãos e
punhos, utilizando-se sabão/detergente, seguida de enxágue abundante em água
corrente.
2. A lavagem das mãos é, isoladamente, a ação mais importante para a prevenção e
controle das infecções hospitalares.
3. O uso de luvas não dispensa a lavagem das mãos antes e após contatos que
envolvam mucosas, sangue ou outros fluidos corpóreos, secreções ou excreções.
4. A lavagem das mãos deve ser realizada tantas vezes quanto necessária, durante
a assistência a um único paciente, sempre que envolver contato com diversos sítios
corporais, entre cada uma das atividades.
4.1 A lavagem e antissepsia cirúrgica das mãos são realizadas sempre antes dos
procedimentos cirúrgicos.
5. A decisão para a lavagem das mãos com uso de antisséptico deve considerar o
tipo de contato, o grau de contaminação, as condições do paciente e o procedimento
a ser realizado.
5.1 A lavagem das mãos com antisséptico é recomendada em: realização de
procedimentos invasivos; prestação de cuidados a pacientes críticos; contato direto
com feridas e/ou dispositivos, tais como cateteres e drenos.
6. Devem ser empregadas medidas e recursos com o objetivo de incorporar a prática
da lavagem das mãos em todos os níveis de assistência hospitalar.
6.1 A distribuição e a localização de unidades ou pias para lavagem das mãos, de
forma a atender à necessidade, mas diversas áreas hospitalares, além da presença
dos produtos, é fundamental para a obrigatoriedade da prática.
Dentre as infinitas questões de saúde física e mental que se pode abordar sob a luz da
bioética, enfocando o biodireito, escolhemos para finalizar este módulo a da adequação sexual.
24 A ESTÉTICA HUMANA
CÓDIGO PENAL
Lesão corporal
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º - Se resulta:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º - Se resulta:
I - incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
CÓDIGO CIVIL
Da Indenização
Art. 949 - No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido
das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença,
além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950 - Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu
ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além
das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá
pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.
O ressarcimento do dano moral ficará ao arbítrio do juiz. Aqui fazemos então pequena
pausa para tratar da diferença entre avaliação e arbitramento, conforme faz Enéas de Oliveira
Matos na obra “Dano Moral e Dano Estético”. A avaliação é feita em vida, considerando-se o
dano a partir da ótica da vítima, da intensidade como chega até seu íntimo, sua percepção da
vida e a lesão sofrida. Sob essa ótica deverá ser ponderada a integridade física, se foi atingida
ou não. Se a modificação da integridade física é reversível, se há ou não recuperação.
122
25 A IDENTIDADE SEXUAL: TRANSEXUALIDADE
Após conseguir a autorização judicial para que faça a cirurgia de alteração sexual
biológica e anatômica ainda resta a batalha pelos efeitos jurídicos da nova condição. Há
necessidade de retificação do registro civil. A autorização para a retificação do registro civil, com
mudança de sexo e nome, era admitida com mais frequencia no caso do intersexual, que é o
termo que designa às pessoas que nascem com desenvolvimento parcial ou total de ambos os
órgãos sexuais, masculino e feminino.
resolve:
Art. 1º - Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo
Transexualizador a ser empreendido em serviços de referência devidamente
habilitados à atenção integral à saúde aos indivíduos que dele necessitem,
observadas as condições estabelecidas na Resolução nº 1.652, de 6 de novembro
de 2002, expedida pelo Conselho Federal de Medicina. (PORTARIA 1.707/2008).
Agora nos parece não haver quaisquer óbices para que sejam autorizadas as
modificações no registro civil, uma vez que já se reconhece a necessidade da cirurgia, não
havendo razão para se prosseguir com a dicotomia. Aliás, já se tem notícias de juízes que 125
autorizaram a retificação do nome no registro civil até mesmo antes de se efetuar a operação.
O módulo que terminamos dedicou-se aos aspectos mais relevantes da saúde física e
mental, enquanto expressão da dignidade do ser humano. A criatura humana não é só corpo, 126
não é só mente, mas a conjugação harmônica dos aspectos que possibilitam sua expressão no
mundo. A ordem mundial expressa pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a ordem
nacional contida na Constituição Federal e nas leis menores, que tem por objetivo regular o
tema, integra o Biodireito que, orientado pelos princípios da Bioética busca compatibilizar as
regras de organização institucional com os princípios que dizem respeito à liberdade, à
autonomia e à dignidade do ser humano.
Vimos que o conceito de saúde transcende aos limites do bem-estar físico e é maior do
que a simples ausência de estados de enfermidade. Saúde, mais do que uma aspiração é um
direito de todas as pessoas independentemente de etnia, classe social ou credo religioso. A
supervalorização do físico, da estética, a que estamos submetidos nestes tempos em que
vivemos nos induzem muitas vezes a entender que cuidar da saúde é ter acesso ao uso de
aparelhos sofisticados e à ingestão de medicamentos de última geração.
Com respaldo dos direitos da personalidade podemos afirmar que o corpo integra à
personalidade humana. O corpo e suas partes, separadas acidental ou voluntariamente, são
consideradas “coisas” e são de propriedade da pessoa de quem foram destacadas. Mas por
serem coisas “fora de comércio” não podem ser cedidas a título oneroso. É permitida a
disposição gratuita limitada à manutenção da própria vida e que tenha uma finalidade terapêutica
ou humanitária. A Constituição Federal veda expressamente, no § 4º do art. 199, a
comercialização de órgãos e tecidos.
CÓDIGO CIVIL
PARTE GERAL
LIVRO I
Das Pessoas
TÍTULO I
Das Pessoas Naturais
Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 13 - Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial. (CÓDIGO CIVIL, art. 13).
131
28.1.1 Doação de Órgãos Post-Mortem
Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de
transplante e tratamento e dá outras providências.
CAPÍTULO I
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os
tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.
132
Com a disposição do artigo 4º da Lei 9.434/97 supramencionado não tem mais
validade a expressão na Carteira de Identidade ou na Carteira Nacional de Habilitação da
condição de “não doador”. Não havendo tal expressão em pelo menos um dos documentos
presumia-se então que a pessoa era um doador. Atualmente, é válida a disposição gratuita do
próprio corpo para depois da morte desde que o doador expresse sua vontade,
documentalmente, em vida e essa vontade prevalecerá sobre a vontade dos familiares. Tal é o
entendimento do Conselho da Justiça Federal expresso no Enunciado 277, elaborado na IV
Jornada de Direito Civil.
CÓDIGO CIVIL
Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 14 - É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do
próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. (CÓDIGO CIVIL, art. 14).
O que temos então é que a aplicação do art. 4º da Lei nº 9.434/97 ficou restrita à
hipótese de silêncio do potencial doador. Para que se realize o transplante, além da anuência
do doador ou de seus familiares, é necessária a concordância do receptor do órgão ou tecido.
Aliás, convém não esquecer que por força do Código Civil e da lei supracitada mesmo nos
casos de autotransplante ou enxerto faz-se necessária a concordância daquele que ira
submeter-se ao ato.
CÓDIGO CIVIL
PARTE GERAL
LIVRO I
Das Pessoas
Título I
Das Pessoas Naturais 133
Capítulo II
Dos Direitos da Personalidade
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. (CÓDIGO CIVIL, art. 15).
Capítulo IV
Das Disposições Complementares
Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do
receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do
procedimento.
Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas
condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua
vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou
responsáveis legais. (LEI nº 9.434/1997, art. 10).
A vedação aos apelos emocionais também tem por finalidade impedir que se
transforme o ato solidário e altruístico de doação em negócio lucrativo.
Seção I
Da Estrutura
I- o Ministério da Saúde;
Seção III
Capítulo II
E por força da lei o Conselho Federal de Medicina definiu critérios para que se ateste a
morte encefálica, estabelecendo a Resolução 1.480 de 8 de agosto de 1997 que transcrevemos:
É forte o impacto da morte, seja por razões culturais, seja por motivos emocionais, o
fato é que a morte embora seja um fato tão natural quanto o nascimento quase sempre nos
surpreende e abala. Poucos têm preparo psíquico para enfrentar a morte de entes queridos ou
para se ver em eminência de partir desse mundo. Toda informação e orientação fazem-se
necessárias para aqueles que precisam decidir, em um momento delicado, quanto à doação de
órgãos e tecidos de uma pessoa querida.
Não é fácil para o profissional de medicina diagnosticar a morte encefálica. A questão
ética é crucial. É preciso que esteja bem certo de sua afirmação de morte encefálica, pois a
precipitação poderá, aí sim, ocasionar a morte do paciente e terá praticado homicídio culposo.
Para ilustrar, usaremos a situação ocorrida nos Estados Unidos em 14 de julho de 1973 e
relatada por Maria Helena Diniz, para exemplificar situação de erro de diagnóstico de morte
encefálica. 137
O fato se deu quando Jason Arthur Era, tendo sofrido grave acidente em uma piscina,
teve declarada sua morte encefálica e sua mãe consentiu na retirada de órgãos para fins de
transplantes. Qual não foi a surpresa de todos quando o “morto”, durante o preparo para ser
submetido à retirada dos órgãos, reagiu aos estímulos dolorosos, voltando a respirar depois de
45 minutos de apneia.
Por outro lado urge que o diagnóstico seja feito, pois, havendo a morte encefálica,
todas as outras funções fisiológicas que dependem das atividades do encéfalo estarão
comprometidas. O único órgão que permanece algum tempo em atividade é o coração, que
mantendo a circulação sanguínea por um tempo conserva a viabilidade dos órgãos para
transplante. A decisão é muito difícil, pois se por um lado a precipitação pode ocasionar um
homicídio, um atraso poderá desperdiçar a chance de salvar outras vidas.
O que se sabe é que na verdade ainda são muitas as controvérsias que circulam em
torno do diagnóstico da morte encefálica. A decisão legislativa de se acabar com a presunção da
doação, no caso de não haver na Carteira de Identidade ou na Carteira Nacional de Habilitação
a afirmação de que aquela pessoa era “não doadora de órgãos”, veio apenas regrar o que
comumente acontecia, pois a equipe médica não se sabe de caso em que tenha feito extração
de um órgão, em casos onde não havia a manifestação em contrário nas carteiras de identidade
e nacional de habilitação, contra a vontade da família, que era sempre consultada primeiro.
A coerência dessa decisão está respaldada no seguinte: se qualquer ser humano
merece respeito à sua dignidade e autonomia; se para o exercício da autonomia e liberdade de
escolha é imprescindível o consentimento livre e esclarecido, como podemos supor que alguém,
só porque não tem em seu documento a afirmação de que não é doador, foi suficientemente
esclarecido quanto à sua condição de doador presumido, se vivemos em uma sociedade em que
é grande o número de analfabetos reais e analfabetos funcionais, que são aqueles que embora
não considerados analfabetos pelas estatísticas, mas que não vão além da assinatura do nome
e de leitura precária de palavras isoladas, sem condições de qualquer interpretação de um texto
simples?
Em se tratando de morte de pessoa juridicamente incapaz a retirada de órgãos para
transplante dependerá de autorização de ambos os pais, ou de quem detenha o poder familiar se
um dos dois já houver falecido, ou ainda de responsável judicial: o guardião, o tutor. Pessoa sem
identificação não poderá ser doadora.
138
28.1.2 Doação Intervivos
É possível que órgãos ou tecidos sejam doados estando vivo o doador. Nestes casos a
decisão é de exclusivo arbítrio do doador, que num gesto solidário e altruístico fará a doação.
Em respeito à dignidade humana nada e ninguém pode constranger a outrem ao ato de doação
de órgãos. (O filme “Uma Prova de Amor” tem como tema central a doação de medula óssea
entre irmãs e, afora algumas restrições, é bem interessante). A Lei 9.434/97 e o Decreto
Regulamentar 2.268/97, ambos já mencionados anteriormente, permitem ao juridicamente capaz
a disposição gratuita de partes do próprio corpo desde que não sejam comprometidas suas
funções vitais.
LEI nº 9.434/97
Art. 9º - É permitido à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos,
órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em
cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do § 4º
deste artigo, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada
esta em relação à medula óssea. (LEI nº 10.211/2001, art. 9º).
DECRETO nº 2.268/97
Seção II
Art. 15 - Qualquer pessoa capaz nos termos da lei civil pode dispor de tecidos,
órgãos e partes de seu corpo para serem retirados em vida para fins de transplantes
ou outra finalidade terapêutica.
Art. 9º, §7º - É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo
vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante
de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto. (DECRETO nº
2.268/1997, art. 9º).
A questão crucial é: se temos o direito a viver com dignidade, também não teríamos o
direito a morrer dignamente? Até que ponto é eticamente aceitável a manutenção da atividade
fisiológica do corpo por meio de aparelhos e drogas? Qual é o limite aceitável do prolongamento
140
do processo de morte? Por que prolongar o processo terminal de um paciente? De que modo é
possível conciliar o direito ao tratamento da saúde com o prolongamento da vida vegetativa?
Até que ponto é ultrapassável o momento da morte natural? Seria coerente, lícito,
eticamente aceitável, a oferta de tecnologia para manter a vida artificial, adiando o momento
natural da morte de uma pessoa, quando ela mesma não teve o mínimo para viver com
dignidade e continuaria sem tê-lo caso sobrevivesse? Quando àquela pessoa foram negadas as
mínimas condições de viver dignamente e jamais teve uma digna assistência à saúde?
Estas e dezenas de outras situações são questões sem respostas, que suscitam
reflexões profundas e diferentes soluções na prática. Em primeiro lugar não se pode perder de
vista que todo conhecimento humano, científico ou não, deve servir à humanidade e existir em
função da dignidade do ser humano. Lembramos aqui o princípio bioético da “beneficência” e o
da “não maleficência”.
Todo conhecimento deve ter como objetivo trazer o maior benefício possível à pessoa
humana, ou de pelo menos, não lhe causar nenhum mal. O fascínio pela técnica não deve
jamais superar os valores da ética. É desejo humano a superação da natureza, a submissão do
ambiente às suas necessidades e desejos. É expressão do mundo racional/ocidental o desejo de
vencer o fim da vida humana.
Não são poucas as vezes em que um paciente sem condições terapêuticas é mantido
atado a tubos e fios, conectado a aparelhos, e morre sozinho, isolado, longe da família, de quem
lhe segure a mão, que lhe expresse amor, sem qualquer atenção à sua dignidade. Na verdade a
avaliação do estado terminal de um paciente pode ser uma questão bastante subjetiva do ponto
de vista do próprio paciente, de suas possibilidades pessoais, do médico que o assiste e da
família. Isto quer dizer que o reconhecimento do estado terminal de paciente é um processo
cultural, e humano, que ultrapassa as fronteiras da biologia.
29.4 EUTANÁSIA
Eutanásia é palavra de origem grega e significa “boa morte”. Significa uma prática em
que a vida é abreviada em razão de uma enfermidade incurável. A eutanásia compõe-se de dois
momentos: o primeiro é o da intenção de provocar a morte de alguém. Tal intenção pode gerar
uma ação ou uma omissão. Pode-se, por exemplo, fazer o paciente ingerir um medicamento em
dose letal ou, ao contrário, deixar de prestar um cuidado imprescindível para a manutenção da
vida.
Não há para a bioética qualquer diferença entre a ação ou a omissão, uma vez que o
que importa é a intenção, que é provocar a morte. O segundo momento é onde se efetiva a
pretensão, o evento morte. Difere do suicídio assistido porque este é uma vontade do paciente
que solicita ajuda, já a eutanásia o paciente não é consultado acerca da sua vontade.
É importante estabelecer a diferença entre suicídio assistido e eutanásia da decisão de
suspender ou não iniciar um determinado tratamento, cuja eficácia é ou será nula, ou que
apenas gere desconfortos sem efetividade terapêutica senão apenas a vida do paciente. A
diferença está no fato de que a supressão do tratamento ou a sua não implantação não
acrescentará uma causa produtora de morte. Apenas se aguardará que esta ocorra
naturalmente, proporcionando o conforto dos cuidados paliativos.
No Anteprojeto de Código Penal, a eutanásia é tipificada como crime, e no artigo 121,
§4º, há uma situação de exclusão da ilicitude:
Art. 121, § 4º - Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém, por meio
artificial, se previamente atestada, por dois médicos, a morte como iminente e
inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de 144
ascendente, descendente, cônjuge ou irmão. (CÓDIGO PENAL, art. 121).
29.5 DISTANÁSIA
29.6 ORTOTANÁSIA
O significado etimológico de ortotanásia é de morte correta. A ortotanásia é o oposto
da distanásia. É permitir o desenvolvimento natural do processo de morte. Significa, para o
senso comum, a aceitação do momento da morte sem sujeição a técnicas e tratamentos inúteis.
Uma responsável e criteriosa avaliação antecederá a decisão de suspensão dos métodos e
técnicas que mantém a vida artificial. Critérios como a idade do paciente, a gravidade da
situação e a experiência do profissional que avalia são desejáveis.
145
30 A OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA
Desse modo, pode-se entender que nas situações em que o paciente, ou quem por ele
tiver de decidir, não tiver capacidade cognitiva para decidir o que for melhor pra ele, o médico
deverá, com base em seus conhecimentos, decidir por ele o que é melhor, com objeção de
consciência, uma vez que a lei e a ética apontam para o esclarecimento do paciente e seu
consentimento livre e esclarecido.
Em sentido oposto pode-se afirmar que não se justifica a objeção de consciência e que
o paciente sempre poderá ser esclarecido quando se fala de igual para igual, as palavras devem
ser adequadas ao nível de compreensão do paciente, não se admitindo que não haja
consentimento livre e esclarecido.
31 AS QUESTÕES CONTROVERTIDAS, A BIOÉTICA E O BIODIREITO
O Código de Nuremberg, desde sua elaboração, tem sido a base para orientação das
pesquisas médicas. A persistência no desrespeito à autodeterminação do ser humano fez com
que, em 1964, fossem adicionadas regras ao Código de Nuremberg pela Associação Médica
Mundial, em Helsinque, e mantém a denominação de Declaração de Helsinque, apesar de já
haver sofrido algumas revisões. Na década de 80, diante da persistência de abusos nas
pesquisas biomédicas, a Organização Mundial de Saúde (OMS), juntamente com os Conselhos
Científicos das organizações médicas, elaborou as Diretrizes Internacionais, que é documento
internacional dirigido a toda área biomédica.
32.2 ORIENTAÇÕES NO BRASIL
Desde 1988 o Brasil, por meio de conselhos formados para o estudo das questões 149
bioéticas das pesquisas, vem trabalhando e elaborando regras com vistas a regular as pesquisas
com seres humanos. Em 1985, por estímulo do Conselho Nacional de Saúde, nomeou-se um
Grupo Executivo de Trabalho (GET) com o objetivo de estabelecer normas para a pesquisa
envolvendo seres humanos.
Salvaguardar os direitos e a dignidade dos sujeitos da pesquisa. (...) Contribuir para 150
a qualidade das pesquisas e para a discussão do papel da pesquisa no
desenvolvimento institucional e no desenvolvimento social da comunidade. Contribuir
ainda para a valorização do pesquisador que recebe o reconhecimento de que sua
proposta é eticamente adequada. O CEP, ao emitir parecer independente e
consistente, contribui ainda para o processo educativo dos pesquisadores, da
instituição e dos próprios membros do comitê. Finalmente, o CEP exerce papel
consultivo e, em especial, educativo, para assegurar a formação continuada dos
pesquisadores da instituição e promover a discussão dos aspectos éticos das
pesquisas em seres humanos na comunidade. Dessa forma deve promover
atividade, tais como seminários, palestras, jornadas, cursos e estudo de protocolos
de pesquisa. (RESOLUÇÃO CNS nº 196/1996).
151
3º - Ter relevância, trazer benefícios relevantes para o sujeito da pesquisa;
16º - O uso do material e dos dados da pesquisa exclusivamente para os fins previstos
no protocolo.
Tal elenco de princípios está editado em respeito aos princípios de bioética e biodireito:
152
I) Autonomia da Vontade - o sujeito da pesquisa decide livremente a sua participação;
IV) Justiça Distributiva - deve haver uma distribuição equânime de riscos e benefícios,
de ônus e bônus entre o grupo de sujeitos participantes da pesquisa. Permite-se apenas
distinção dos sujeitos vulneráveis.
33 BIOTECNOLOGIA
Artigo 5
a) Qualquer pesquisa, tratamento ou diagnóstico que afete o genoma de uma pessoa
só será realizado após uma avaliação rigorosa dos riscos e benefícios associados a
essa ação e em conformidade com as normas e os princípios legais no país.
Artigo 6 - Ninguém poderá ser discriminado com base nas suas características
genéticas, de forma que viole ou tenha o efeito de violar os direitos humanos, as
liberdades fundamentais e a dignidade humana.
Artigo 7 - Os dados genéticos relativos à pessoa identificável, armazenados ou
processados para efeitos de pesquisa ou qualquer outro propósito de pesquisa,
deverão ser mantidos confidenciais nos termos estabelecidos na legislação.
Artigo 8 - Toda pessoa tem direito, em conformidade com as normas de direito
nacional e internacional, à reparação justa de qualquer dano havido como resultado
direto e efetivo de uma intervenção que afete seu genoma.
Artigo 9 - Com vistas a proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais,
qualquer restrição aos princípios de consentimento e confidencialidade só poderá ser
estabelecida mediante lei, por razões imperiosas, dentro dos limites estabelecidos no
direito público internacional e a convenção internacional de direitos humanos. (A
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DO GENOMA HUMANO E DOS DIREITOS
HUMANOS, 1997).
33.2 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
156
CAPÍTULO I
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os
tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. (LEI
9.434/1997, art. 1º, grifo nosso).
Assim, até que venha lei que regule a doação de óvulos e sêmen, o procedimento está
regulado, eticamente, pela Resolução nº 1358 do Conselho Federal de Medicina, tratando
inclusive da doação temporária de útero. Transcrevemos apenas alguns trechos da Resolução
que são interessantes para o momento, mas a íntegra pode ser conhecida no site
http://www.ghente.org/doc_juridicos/resol1358.htm.
I - PRINCÍPIOS GERAIS
1 - As técnicas de Reprodução Assistida (RA) têm o papel de auxiliar na resolução
dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando
outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes para a solução da situação
atual de infertilidade.
2 - As técnicas de RA podem ser utilizadas desde que exista probabilidade efetiva de
sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível
descendente.
3- O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e
doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de
uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já
obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações
devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O
documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará
completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil.
4 - As técnicas de RA não devem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo
ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de
evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.
5 - É proibida a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que
não seja a procriação humana.
6 - O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para a receptora
não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes
de multiparidade.
7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a 158
utilização de procedimentos que visem à redução embrionária.
159
35 RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL DA SAÚDE
161
Estaremos considerando as situações em que, por negligência, imprudência ou
imperícia, o profissional causou a morte ou grave lesão com ocorrência ou não de sequelas.
Houve a prática de ato ilícito, gerando a obrigação de indenizar.
CÓDIGO CIVIL
TÍTULO IX
Da Responsabilidade Civil
Capítulo I
Da Obrigação de Indenizar
Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
(CÓDIGO CIVIL, art. 927, § único).
Capítulo II
Da Indenização
Art. 944 - A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Art. 945 - Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano.
Art. 946 - Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato
disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das
perdas e danos na forma que a lei processual determinar.
Art. 947 - Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada,
substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente.
Art. 948 - No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras
reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da
família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em
conta a duração provável da vida da vítima.
Art. 949 - No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido
das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença,
além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950 - Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu
ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além
das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá
pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único - O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja
arbitrada e paga de uma só vez. 162
Art. 951 - O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de
indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o
mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
163
36 OS DIREITOS DO PACIENTE
Terminamos esse item falando de direitos do paciente. Deixamos para o fim não por
ser de menos importância, pelo contrário, mas por ser uma estratégia de reflexão afinal. A
164
bioética e o biodireito visam à proteção e à manutenção da dignidade humana de pessoas em
um aspecto especial de cuidados com a saúde. É importante refletirmos acerca do fato de ser
necessário um elenco de direitos do paciente.
Não é o paciente uma pessoa com direitos inerentes à sua própria condição humana?
Quem somos nós que precisamos que nos digam que é preciso tratar com dignidade nosso
semelhante? Os dispositivos ora elencados têm por base documentos que atribuem direitos e
inspiraram a compilação feita pelo SUS/RJ.
DIREITOS DO PACIENTE
Todo cidadão tem direito a cuidados médicos sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, sexo, idade, condição social, nacionalidade, opinião política, religiosa
ou de outra natureza ou, por ser portador de qualquer doença, infectocontagiosa ou
não. (Princípio da Igualdade)
Se o médico julgar que a comunicação direta ao paciente pode causar-lhe danos ou,
ainda, se ele não estiver em condições de compreendê-las, as explicações serão
dadas a seu responsável, o qual dará consentimento ou não para os procedimentos
médicos. (exclusão da objeção de consciência)
As receitas médicas serão dadas por escrito, em letra legível, assinadas, com
identificação clara do nome do médico e seu número de registro no Conselho
Regional de Medicina. (Autonomia, Liberdade, Dignidade)
É direito do paciente exigir que todo material utilizado nos procedimentos médicos
seja descartável ou esterilizado e manipulado higienicamente. 166
Quando estiver internado, o paciente tem direito à alimentação adequada e higiênica,
preparada sob orientação de nutricionista. (Autonomia, Liberdade, Dignidade)
O paciente tem direito de não ser abandonado pelo médico que o mantém sob seus
cuidados. Para renunciar ao atendimento o médico deve comunicar ao paciente ou
ao seu responsável legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e
fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder.
(Dignidade) (LEI ESTADUAL/RJ 2.472/95).
Da leitura dos dispositivos supra é possível verificar que todos os princípios bases da
bioética e do biodireito encontram-se explícita ou implicitamente no elenco. Todos os dispositivos
visam o respeito à dignidade humana. Ao lado de alguns assinalamos o princípio ou valor
preponderante, não significando que não estejam implícitos nas normas outros princípios e
valores.
167
37 A BIOÉTICA, O BIODIREITO E A REALIDADE DO SÉCULO XXI
O século que passou mudou alguns paradigmas para a vida humana. Despertamos
para os cuidados com o corpo, para a saúde como um valor. Os exageros que presenciamos 168
devem-se ao movimento pendular da vida, da simetria nas mudanças comportamentais. Ao
sairmos de um polo onde permanecemos por muito tempo, como um pêndulo, vamos
imediatamente para o lado simetricamente oposto, e com o apaziguamento dos vai e vem entre
as posições que se opõem é que faremos os ajustes entre os opostos e alcançaremos o
equilíbrio.
Finalizamos tratando dos direitos do paciente e lamentando que seja necessário tratar
separadamente dos direitos de um ser humano que se encontra, temporariamente, ou não, em
estado de debilidade da saúde e como qualquer outro deve ter sua dignidade respeitada acima
170
de tudo.
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SARAIVA, Editora. Código do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2009.
SECO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
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