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Antonio Candido - Literatura e Vida Social

O texto busca ressaltar aspectos sociais que envolvem a vida artística e


literária nos seus diferentes momentos.
Ele começa o texto com dois questionamentos: Qual a influência exercida
pelo meio social sobre a obra de arte? Qual a influência exercida pela obra
de arte sobre o meio?
Durante o século 18, muito se falou sobre a arte como expressão da
sociedade, em que medida ela reflete questões sociais, ou é social.
Várias escolas de pensamento já tentaram explicar a literatura e seus
processos através de reduções esquemáticas, que se poderiam reduzir a
fórmulas, como: "Dai-me o meio e a raça (herança), eu vos darei a obra"
(visão naturalista – século 19 e começo século 20, Taine inclui a questão do
momento à analise); ou: "Sendo o talento e o gênio formas especiais de
desequilíbrio, a obra constitui essencialmente um sintoma" (entendimento
psicológico, especialmente a leitura psicanalítica do texto (feita a partir da
obra e pensamento de Freud).
Na prática, chegou-se à posição criticamente pouco fecunda de avaliar em
que medida certa forma de arte ou certa obra correspondem à realidade.
Porém, Candido prefere um enfoque mais transversal, citando o famoso
crítico francês Sainte-Beuve "O poeta não é uma resultante, nem mesmo um
simples foco refletor; possui o seu próprio espelho, a sua mônada individual
e única. Tem o seu núcleo e o seu órgão, através do qual tudo o que passa se
transforma, porque ele combina e cria ao devolver à realidade".
Para o sociólogo moderno, mostrar que a arte é a expressão do meio, e que a
arte é social, são tendências que tiveram a virtude de mostrar que a arte é
social nos dois sentidos: depende da ação de fatores do meio (o contexto
interfere na arte), que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação
(simbolismos, linguagem figurada, etc); e produz sobre os indivíduos um
efeito prático (arte altera o meio), modificando a sua conduta e concepção
do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais.
A primeira tarefa é investigar as influências concretas exercidas pelos fatores
socioculturais na arte.
Os fatores socioculturais mais decisivos se ligam à estrutura social (1), aos
valores e ideologias (2), às técnicas de comunicação (3).
Assim, os primeiros se manifestam mais visivelmente na definição da
posição social do artista, ou na configuração de grupos receptores; os
segundos, na forma e conteúdo da obra; os terceiros, na sua fatura e
transmissão.
Eles marcam, em todo o caso, os 4 momentos da produção artística: 1) O
artista, sob impulso de uma necessidade interior, orienta sua produção
segundo os padrões de sua época; 2) Escolhe certos temas; 3) Usa certas
formas; 4) A síntese resultante age sobre o meio.
A arte é social, ela depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na
obra de diferentes maneiras, mas ela também produz sobre indivíduos um
efeito prático, modificando sua conduta e concepção de mundo.
É tarefa do crítico, portanto, investigar as influências concretas exercidas
pelos fatores socioculturais sobre a obra, onde os mais decisivos se ligam à
estrutura social, e também os valores e ideologias e as técnicas de
comunicação.
Todo processo de comunicação pressupõe um comunicante (artista); um
comunicado (obra-texto); um comunicando (público); e o efeito da
comunicação (resultante).
Três momentos da comunicação artística: autor, obra, público. (Alguém,
comunicando algo, para alguém).
Assim, em uma crítica sociológica, não devemos separar a criação de uma
obra de sua recepção.
A sociedade define a posição e o papel do artista; a obra depende dos
recursos técnicos para incorporar os valores propostos; os públicos são
configurados segundo critérios específicos ligados a certos contextos.
A atividade do artista estimula a diferenciação de grupos; a criação de obras
modifica os recursos de comunicação expressiva; as obras delimitam e
organizam o público.
Movimento dialético que engloba a arte e a sociedade num vasto sistema de
influências recíprocas.
A Posição do Artista:
Como que a estrutura da sociedade atribui um papel específico ao criador da
arte? Ou seja, o que você espera de alguém que canta funk hoje talvez seja
diferente do que um historiador vai pensar daqui a 300 anos;
Como essa estrutura define a posição do artista na escala social? Por
exemplo, diferentes momentos na história atribuem diferentes graus de
importância social ao artista, bem como diferentes contextos atribuem
diferentes valores. Mano Brown, dos Racionais, tem um tipo de ‘status’ onde
ele mora (Capão Redondo, até onde sei), as pessoas o enxergam de uma
forma, mas em bairros da elite paulista, como Alto de Pinheiros ou
Higienópolis, ele é visto de uma forma bem distinta, por exemplo)
Momentos históricos desse processo são: o aparecimento individual do
artista na sociedade como posição e papel configurados; as condições em que
se diferenciam os grupos de artistas; como tais grupos se apresentam nas
sociedades estratificadas (“modernas”).
Forças sociais condicionantes guiam o artista: determinam a ocasião da obra
ser produzida; julgam a necessidade dela ser produzida; se vai ou não se
tornar um bem coletivo.
Assim, a criação artística é um processo que envolve tanto o artista quanto o
público, o indivíduo e o coletivo (bidirecional).
Logo, 3 questões aparecem:
Qual é a função do artista? (Artistas pré-históricos tinham uma função
mística, os bantos do Moçambique uma função profissional, enquanto
artistas hoje em dia podem ter uma função política, como Clint Eastwood e
Gene Simmons ajudando a eleger Trump)
Qual a sua posição social? (os bobos da corte tinham uma posição, os
pintores pré-históricos outra)
Quais os limites da sua autonomia criadora? (O contexto em que um artista
se desenvolve determina/limita o tipo de obra que ele vai criar. Por exemplo,
um cantor de blues da década de 20 não tinha tanto recursos quanto um artista
de música eletrônica contemporânea, este por sua vez talvez tenha que se
comunicar com um número significativamente maior de pessoas para ser
reconhecido)
Posição do artista (seu lugar) na estratificação social, interfere nos temas e
formas de suas obras.
A Configuração da Obra: O trabalho do crítico literário com enfoque
sociológico deve levar em consideração como que o influxo exercido pelos
valores sociais, ideologias e sistemas de comunicação se transmudam em
conteúdo e forma da obra.
Valores e ideologia atuam principalmente para a formação do conteúdo, e as
modalidades de comunicação influem na forma.
O conteúdo do Poema Esquimó (Boas), recitado por mulheres, que diz
“nossos maridos vêm chegando, eu vou comer!” está intimamente ligado
com questões de valores daquela sociedade.
Está atividade se transforma em matéria de poesia, pois representa para o
grupo algo singularmente prezado, o que garante seu impacto emocional.
As técnicas de comunicação alteram a forma da obra.
O estribilho afetou a forma da música, criando um momento que “se grava
na memória”, o refrão alterou a forma da poesia. O piano deu a riqueza
sonora necessária para Beethoven criar suas sonatas.
O Público: Considerar os diferentes aspectos que compõem e transformam o
receptor da arte (seu público).
O fenômeno básico de um segmento do grupo que participa da vida artística
como elemento receptivo, que o artista tem em mente ao criar, e que decide
do destino da obra, ao interessar-se por ela e nela fixar a atenção.
Existem diferentes tipos de público. Nas sociedades primitivas não havia
muito a distinção entre artista e público, por haver uma participação coletiva
na criação artística. Nesse sentido, existe o contato direto entre artista e
público.
Com a técnica da escrita (literatura) inventou-se o público indireto, contatos
secundários.
O comportamento do público está diretamente relacionado com questões
sociais, como valores em um contexto específico. Esses valores, que se
manifestam sob várias designações – gosto, moda, voga – e sempre
exprimem as expectativas sociais, tendem a cristalizar-se em rotina.
A sociedade, com efeito, traça normas por vezes tirânicas para o amador de
arte, e muito do que julgamos reação espontânea de nossa sensibilidade é, de
fato, conformidade automática aos padrões. (Ideologia ditando valores e
gostos).
Mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a
uma massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio.
Conclusão:
Há uma relação inextricável, do ponto de vista sociológico, entre a obra, o
autor e o público.
A arte é um sistema simbólico de comunicação inter-humana, que pressupõe
o jogo permanente de relações entre autor-público-obra.
O público dá sentido e realidade à obra.
Autor é intermediário entre obra e público: obra-autor-público.
Autor precisa do público, que dá sentido à obra, para realizar a obra: autor-
público-obra.
Obra liga autor ao público, que queria inicialmente só a história: autor-obra-
público.
A invenção da escrita tornou possível a um ser humano criar num dado
tempo e lugar uma série de sinais, a que pode reagir outro ser humano, noutro
tempo e lugar.

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